educação ambiental curso básico a distância
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Estimado cursista,O ano 2000 significou, para nós, um grande desafio. Pela primeira vez tínhamos uma oportunidadeconcreta de realizarmos um sonho partilhado por todos que trabalhamos com Educação Ambiental: oferecer um curso básico decapacitação à distância, que promovesse uma capacitação de qualidade a um contingente considerável da população.Se tomarmos um pouco a história da educação ambiental, tanto internacional, como no país, encontramoscomo reclame geral a falta de meios de capacitação de recursos para trabalhar a educação Ambiental, tanto no âmbito formal,quanto no não formal. Desta forma, quando vislumbramos esta oportunidade na Diretoria do Programa Nacional de EducaçãoAmbiental do Ministério do Meio Ambiente, mergulhamos de corpo inteiro nessa proposta.O nosso primeiro trabalho foi definir o público alvo a ser capacitado. Através de dados de pesquisa,identificamos que havia uma grande lacuna para atender a formação de um público que não tinha, necessariamente uma formaçãode nível superior, mas que se constituía no grande executor da educação ambiental no país. Incluímos aí os professores das sériesiniciais, os técnicos de prefeituras, e muitos militantes de organizações não governamentais.Uma vez identificando o público, passamos então a avaliar os conteúdos que deveria ser contemplado neste curso. Optamos entãopor uma informação ampla tanto dos aspectos históricos, da legislação, quanto da identificação e gestão da problemáticaambiental. Incluímos ainda uma abordagem da educação ambiental formal e não formal, de modo a contemplar os diversossetores a serem trabalhados.No piloto deste curso oferecemos quatro mil vagas. Tivemos a grata satisfação de ver o expressivonúmero de alunos que concluíram, com êxito, este curso. A avaliação dos alunos nos permitiu fazer uma série de ajustes parachegarmos a este produto que hoje lhe oferecemos.Nesta nova empreitada você é um dos quinze mil alunos selecionado para fazer esta capacitação. Estamosfelizes de mais uma vez estarmos cumprindo com os anseios emanados pelos executores das políticas públicas na área ambiental,bem como dos docentes enfim, de todos que trabalham com aspectos ambientais e da educação ambiental.Esperamos que você aproveite ao máximo este momento, e que este curso signifique o início de umcaminho que pretendemos caminhar juntos.Ana Lúcia Tostes de Aquino LeiteDiretora do PNEATRANSCRIPT
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Educação Ambiental Curso Básico a Distância
QUESTÕES AMBIENTAIS: CONCEITOS, HISTÓRIA, PROBLEMAS E ALTERNATIVAS
Centro de Informação e Documentação Luis Eduardo Magalhães – CID Ambiental
Esplanada dos Ministérios – bloco B – térreo 70068-900 Brasília – DF
Tel: 55 61 317-1235 Fax: 55 61 224-5222 e-mail: [email protected]
1ª Edição: 2000
Assim tem início o curso de Educação Ambiental a Distância dirigido a educadores e técnicos atuantes no sistema formal
de ensino, nos órgãos ambientais e nas demais instituições públicas e privadas interessadas em incorporar os princípios da educação ambiental. Seu formato foi concebido de modo a incentivar a reflexão sobre a complexidade das perspectivas nacionais e globais do desenvolvimento sustentável, permitindo, ao mesmo tempo, a identificação dos problemas e das potencialidades ambientais locais para que o aluno possa intervir como agente de difusão de práticas sustentáveis e de construção da agenda ambiental local junto aos demais segmentos da sociedade.
Esperamos, com essa iniciativa, agregar ainda mais esforços à árdua, porém gratificante, missão de construirmos um futuro de prosperidade para nosso país, pautado no uso adequado e continuado dos recursos ambientais e na justa distribuição dos benefícios do desenvolvimento.
José Sarney Filho Ministro do Meio Ambiente Estimado cursista,
O ano 2000 significou, para nós, um grande desafio. Pela primeira vez tínhamos uma oportunidade
concreta de realizarmos um sonho partilhado por todos que trabalhamos com Educação Ambiental: oferecer um curso básico de capacitação à distância, que promovesse uma capacitação de qualidade a um contingente considerável da população.
Se tomarmos um pouco a história da educação ambiental, tanto internacional, como no país, encontramos
como reclame geral a falta de meios de capacitação de recursos para trabalhar a educação Ambiental, tanto no âmbito formal, quanto no não formal. Desta forma, quando vislumbramos esta oportunidade na Diretoria do Programa Nacional de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, mergulhamos de corpo inteiro nessa proposta.
O nosso primeiro trabalho foi definir o público alvo a ser capacitado. Através de dados de pesquisa,
identificamos que havia uma grande lacuna para atender a formação de um público que não tinha, necessariamente uma formação de nível superior, mas que se constituía no grande executor da educação ambiental no país. Incluímos aí os professores das séries iniciais, os técnicos de prefeituras, e muitos militantes de organizações não governamentais.
Uma vez identificando o público, passamos então a avaliar os conteúdos que deveria ser contemplado neste curso. Optamos então por uma informação ampla tanto dos aspectos históricos, da legislação, quanto da identificação e gestão da problemática ambiental. Incluímos ainda uma abordagem da educação ambiental formal e não formal, de modo a contemplar os diversos setores a serem trabalhados.
No piloto deste curso oferecemos quatro mil vagas. Tivemos a grata satisfação de ver o expressivo número de alunos que concluíram, com êxito, este curso. A avaliação dos alunos nos permitiu fazer uma série de ajustes para chegarmos a este produto que hoje lhe oferecemos.
Nesta nova empreitada você é um dos quinze mil alunos selecionado para fazer esta capacitação. Estamos felizes de mais uma vez estarmos cumprindo com os anseios emanados pelos executores das políticas públicas na área ambiental, bem como dos docentes enfim, de todos que trabalham com aspectos ambientais e da educação ambiental.
Esperamos que você aproveite ao máximo este momento, e que este curso signifique o início de um caminho que pretendemos caminhar juntos.
Ana Lúcia Tostes de Aquino Leite Diretora do PNEA
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CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL
Sueli Amália de Andrade
1. CRISE CIVILIZATÓRIA E O SURGIMENTO DA QUESTÃO AMBIENTAL
O ser humano, durante a sua trajetória histórica, estabeleceu a ocupação e o uso espacial
da terra, utilizando os recursos naturais renováveis e não-renováveis, basicamente interessado na
sua própria sobrevivência. Ao longo dos tempos, passou a adotar um comportamento predatório
em relação à natureza, legando-nos o mundo em que vivemos hoje: caótico, desarmônico,
desequilibrado e ambientalmente doente. Dá para você perceber pelos noticiários, não é mesmo?
O que está ocorrendo é que estamos vivendo em meio a uma série crescente de problemas
ambientais, gerados por um modelo hegemônico de desenvolvimento.
Na verdade, a história da humanidade mostra que a degradação ambiental já acontecia há
muito tempo atrás (você verá isto nesta Unidade). Só que, nessa época, a degradação detectada
não representava um grande impacto na natureza, provavelmente não se configurando como um
problema ambiental, nos termos como é entendido hoje. Na história humana, o comportamento
predatório não é novo. O que é novo é a dimensão e extensão dos mecanismos de depredação,
onde inclui-se, desde o surgimento das grandes cidades e das imensas lavouras de monoculturas,
até as armas nucleares, que atingiram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945,
no Japão, o primeiro país do mundo a sofrer um ataque atômico (Viola, 1987).
Considera-se, então, que os Problemas Ambientais só começaram a ser identificados
como sendo impactantes a partir de dois fatos básicos:
1. A revolução industrial, ocorrida a partir da métade do século XVIII, mais precisamente a partir do ano de 1750, produzida pela passagem do artesanato e da manufatura à fábrica, pela criação das máquinas de fiar (tear mecânico), ocasionando uma grande mudança no processo de produção.
2. A organização urbana, representada pelas construções das grandes cidades originadas com a revolução industrial, a maioria delas feita sem nenhum planejamento e ordenamento.
Vamos ver, então, que Problemas Ambientais, presentes no século XX, decorreram dos
fatos citados anteriormente e que, a seguir, relacionamos:
• - desequilíbrio na relação entre população rural/urbana, provocado por falta de políticas
públicas rurais adequadas de assentamento e manutenção do homem no campo, ocasionando
o êxodo rural: as pessoas se mudam para as cidades, provocando o inchaço urbano. Essa alta
densidade populacional nas cidades, é provocada, principalmente, pelo êxodo rural, pelo
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desemprego e pela busca de melhores condições de vida. Isso gera crescentes necessidades
nas cidades: alimentação, moradia, implantação e manutenção adequada dos serviços
públicos tais como água, esgoto, lixo, educação, saúde e transporte;
• - adensamento populacional próximo às regiões industriais, com crítica qualidade
ambiental produzida pela poluição. Isso se deve ao fato de que as pessoas pertencentes às
camadas mais pobres muitas vezes são obrigadas a viverem nestes pólos industriais por
motivo de sustentação econômica, condição imprescindível para a sua sobrevivência
(Martine, 1993). Assim, elas ficam expostas à intensa poluição, que causa os mais variados
problemas de doenças respiratórias, cardiovasculares, parasitárias, doenças mentais, fadiga,
estresse, câncer, doenças ligadas ao olfato, à visão e à pele, lesão cerebral, além do aumento
da taxa de mortalidade, principalmente em crianças e idosos (Barbosa, 1992; Hogan, 1992);
• - ocupação urbana desordenada e sem nenhum planejamento, construindo em áreas de
preservação permanente, em áreas de risco, como encostas e margens de rios e em outras
áreas proibidas pela legislação. Essa situação, gerada pelo desrespeito ao meio ambiente,
aliado à negligência do poder público, promove uma deterioração ambiental dos ecossistemas
locais, fazendo com que se tornem cada vez mais frágeis e vulneráveis aos desastres naturais.
Nas cidades, as pessoas sofrem com os problemas das enchentes e dos deslizamentos de
terras, enfrentando danos sociais, econômicos e ecológicos, inclusive com perdas de vidas
humanas;
• - crescente acúmulo de lixo urbano, industrial, atômico e até espacial (o espaço cósmico,
hoje, tem mais de 10.000 objetos circulando, tais como pedaços de foguetes e satélites
abandonados, e mais de 100.000 fragmentos com até 10 centímetros);
• - poluição do ar, do solo, da água e dos mananciais, com todos os danos ambientais a ela
associados;
• - assoreamento de rios e lagoas;
• - grande desperdício de matéria-prima em geral, de água e de energia, que nos leva a
viver, hoje, sob a ameaça grave da escassez energética e da água;
• - desertificação, perda da fertilidade e erosão dos solos cultiváveis devido à política
econômica voltada para a exportação, ao nosso modeloagressivo de produção, que utiliza
práticas agro-silvo-pastoris ecologicamente predatórias e aos desmatamentos
indiscriminados;
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• - uso de agrotóxicos na agricultura (herbicidas, fungicidas, praguicidas e inseticidas),
com riscos sérios de saúde tanto para os trabalhadores mal treinados que lidam com esses
insumos como para a população que consome os alimentos assim produzidos;
• - aceleração do processo de industrialização, com predominância de tecnologias
poluidoras e de baixa eficiência energética;
• - práticas de mineração e de exploração de carvão vegeral altamente predatórias, sob
primitivas condições de trabalho subumanas;
• - buraco na camada de ozônio;
• - ampliação do efeito estufa, provocando o aquecimento global: a queima de carvão e
derivados do petróleo, a prática das queimadas, as altas concentrações de gases lançados na
atmosfera pelos pólos industriais e pelos escapamentos dos carros, como o metano e o
dióxido de carbono, produzem o efeito estufa, ou seja, o aquecimento da terra (Pearce, 1989);
• - formação da chuva ácida: a fumaça liberada pelas chaminés das fábricas e a queima de
carvão vegetal produzem gases venenosos, tais como o óxido de nitrogênio e o dióxido de
enxofre, que se misturam às águas das chuvas e criam o fenômeno de chuva ácida (Pearce,
1989);
• - Perda da biodiversidade, da diversidade genética e da diversidade dos ecossistemas
presentes na biosfera, tanto nos solos, como nos rios, mares e ar, com perdas irreparáveis
para a medicina e para atividades produtivas agrícolas, florestais e pesqueiras; uso da
biotecnologia e da engenharia genética, muitas vezes sem nenhuma regulamentação
pertinente e sem proceder, paralelamente, à análise dos riscos que podem representar para o
meio ambiente e para a saúde animal e humana, face à pressão da globalização econômica;
isso nos expõem a possíveis acidentes biotecnológicos, como por exemplo, o uso de
alimentos transgênicos;
• - ampliação da rede de usinas nucleares, aumentando, assim, a ameaça de contaminação
radiativa tóxica (existem 443 reatores nucleares operando no mundo, e muitos outros em
processo de instalação);
• - proliferam no mundo fome, desnutrição, altas taxas de analfabetismo, concentração
fundiária, guerras, violência, corrupção, armas químicas e biológicas, narcotráfico, doenças
psicológicas depressivas e esquizofrênicas, suicídios e criminalidade;
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• - adesão à política de limpeza étnica, exploração do trabalho infantil, exploração do
trabalho escravo, ausência da ética em todas as áreas do comportamento humano, falta de
solidariedade.
• Além de tudo, criamos um fosso entre ricos e pobres, devido a concentração de renda e
de riqueza, agora fomentada por uma crescente e acelerada globalização econômica, e
ampliamos as desigualdades sociais, ocasionando um crescente aumento de favelas
totalmente insalubres, como as existentes nas grandes capitais brasileiras. Milhões de pessoas
miseráveis nascem e morrem literalmente nas ruas, perpetuando-se sem nenhuma expectativa
e sem a mínima condição decente de vida.
Na verdade, os grupos de poder adotaram determinados estilos de desenvolvimento,
assimilados e aceitos pelas sociedades dominantes, que fizeram com que se estabelecesse uma
relação de exploração do homem pelo homem e da natureza pelo homem. Infelizmente, a forma
como as sociedades predominantes promoveram o desenvolvimento, fizeram ciência e
desenvolveram tecnologias gerou o “mau desenvolvimento que, na prática, tem se mostrado
predatório, penoso e injusto. O progresso, entendido apenas como avanço técnico, material e
crescimento econômico, está sendo obtido dentro de um padrão de produção, de consumo, de
acumulação e de vida insustentável” (Leff, 1999), por meio de um domínio sobre a natureza,
feito à custa de riscos ambientais locais e globais. Essa situação revela que assimilamos e fomos
dominados pelo pensamento econômico, que leva em consideração a eficiência das atividades
humanas, ou seja, a maximização de lucros. Nosso modelo de desenvolvimento mostra a
predominância da razão tecnológica e da racionalidade econômica, fundamentada no cálculo
econômico (Leff, 1998). Nosso eixo norteador é o utilitarismo, a competição e a produção.
Assim, construímos uma sociedade deformada, desintegrada e desintegradora do meio ambiente
como um todo, pautada predominantemente por uma administração que apenas reage às questões
ambientais. Sobretudo, construímos o nosso conhecimento por meio de uma percepção estreita
da realidade, baseado no pensamento racional, que se caracteriza pela linearidade.
Fragmentamos o saber, trabalhando os problemas ambientais isoladamente, de forma não-
relacional (Capra, 1982). Em última análise, optamos por uma “utopia-desenvolvimentista”
antropocêntrica (no dizer de Buarque, 1993), marcada pela falta de solidariedade entre os
homens e desvinculada da natureza, que não teve nenhuma preocupação em estabelecer uma
“co-viabilidade a longo prazo dos ecossistemas e dos estilos de vida que eles suportam” (Vieira
& Weber, 1996).
Esse processo civilizatório, pautado por modelos de sociedade incompatíveis com a
sustentabilidade biológica, social, cultural e econômica, desencadeou, com o decorrer dos anos,
tudo isto a que chamamos de “crise ambiental” . Na verdade, esta crise, manifestadaatravés da
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degradação ambiental, é, em sua essência, um sintoma de uma crise civilizatória. Essa, por sua
vez, está ligada a uma crise existencial, fundamentada na perda de valores. Hoje, a crise
ambiental é seríssima e grave, considerada não só um problema nacional mas, também, um
problema internacional. Está vinculada, inclusive, às questões de segurança, diretamente
relacionada à nossa sobrevivência, à das futuras gerações e à do planeta que nos abriga.
Haverá saída e solução para a crise ambiental?
Para tentarmos modificar o presente estado das coisas, buscando uma saída para a crise
ambiental, é preciso começar um “processo de desconstrução e reconstrução do pensamento”
(Leff, 1999), que nos levará a uma mudança de paradigma, do econômico hegemônico para um
paradigma ambiental, mais humanizador. Essa mudança implicará uma alternância de valores,
construída sob uma nova ética. Nesse processo, temos que abandonar nossa conceituação
histórica de separação entre o homem e o meio ambiente e buscar entender as relações
sociedade-natureza que nele se processam.
Produzindo um pouco de esperança
Nós contribuimos muito para que os problemas ambientais aumentassem, não é mesmo?
Entretanto, ainda há tempo para redirecionar a nossa ação. Precisamos aceitar o desafio de mudar
o rumo dos acontecimentos, pela quebra do paradigma atual e do estabelecimento do paradigma
ambiental. As mudanças começam quando nos propomos a fazer alguma coisa. Você quer ver
quantas coisas nós podemos fazer? Podemos atuar no processo educacional, onde deverão ser
revistas as teorias e os propósitos da educação, promovendo uma “Educação Ambiental para a
sustentabilidade”. Temos condições de dar uma guinada na nossa maneira de estimular o
progresso, por meio de um “outro estilo de desenvolvimento”, ou seja, o “desenvolvimento
sustentável”. Adotar outros padrões de comportamento, atitudes, posturas e hábitos que estejam
em harmonia com a natureza. Fazer uma administraçãoambiental antecipativa-preventiva, e não
apenas reativa, tomando outras e novas decisões políticas e construindo um meio ambiente
saudável, que melhore a nossa qualidade de vida e fortaleça a nossa solidariedade entre as
gerações, presentes e futuras. Assim poderíamos re-encantar o nosso olhar e re-encantar o mundo
(Unger, 1991).
Comece com você mesmo ... depois com o vizinho.
Vamos fazer um elo ... depois uma corrente ... e depois mais outra.
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Vamos trabalhar na nossa casa, na nossa escola, no nosso local de trabalho, no nosso clube,
na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade, no campo, na praia, no nosso estado, no nosso
país.
Só assim poderemos entrar em “um novo tempo e em novo momento histórico, em que um
novo homem, com novos valores e com uma nova visão de mundo, estabeleça uma vivência
amigável e solidária uns com os outros, com todos os demais seres vivos, com a natureza e com
o planeta Terra, gerando ações concretas que se traduzam em uma melhor e substancial
qualidade de vida do ser humano, em todos os sentidos” (Andrade, 1996).
2. BREVE HISTÓRICO DO PENSAMENTO E DO MOVIMENTO
AMBIENTAL MUNDIAL
Pode-se considerar que o surgimento e a evolução do pensamento ambiental estão
diretamente associados ao desenvolvimento das ciências, ocorrido ao longo da história da
civilização, assim como as degradações e alterações ambientais processadas no planeta Terra.
Não começaram em um único país. Surgiram em países diferentes, em épocas diferentes. Foram
se formando e sendo construídos, à medida que as várias correntes do pensamento científico iam
surgindo e amadurecendo, juntamente com o aparecimento de problemas ambientais que
envolviam a opinião pública.
Veremos, então, como e quando começaram a despontar no mundo ocidental as
preocupações ambientais mais significativas, considerando, juntamente, o avanço das ciências.
Levaremos em conta determinados fatos e situações relevantes do processo civilizatório que
influenciaram, de uma forma ou outra, o pensamento ambientalista da atualidade.
Ao longo da história ocidental encontramos diversos exemplos de situações demonstrando
que, mesmo de uma forma isolada e reduzida, as preocupações com o meio ambiente e a
ocorrência da degradação ambiental são antigas. Há registros históricos do mau gerenciamento
dos recursos naturais desde o século I, como por exemplo, os relatos de que, em Roma, já nessa
época, começaram a ocorrer as quebras de safras de culturas e erosão do solo (McCormick,
1992).
Em 1306, época, essas fornalhas eram muito comuns pois auxiliavam na redução do frio
em áreas públicas ao ar livre. A proclamação real queria diminuir e o controlar a poluição
ambiental, estabelecendo critérios para essa prática e punindo com multa quem a violasse. Ela
pode ser considerada a primeira ação legal registrada com objetivos claros de normatização e de
atuação sobre o uso do meio ambiente.
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A revolução das ciências, nos séculos XVI e XVII, iniciou com Nicolau Copérnico, que
desenvolveu o conceito heliocêntrico da terra, em oposição ao conceito geocêntrico, de
Ptolomeu, e com Galileu Galilei, cujas descobertas astronômicas, aliadas à combinação da
experimentação científica com a matemática, fizeram com que fosse considerado o pai da ciência
moderna. Após, Renée Descartes desenvolveu o método de raciocínio dedutivo e Francis Bacon
introduziu o método experimental, que envolvia a descrição matemática da natureza. Tudo isto
influenciou grandemente o desenvolvimento das ciências, que adotaram uma concepção
reducionista e mecanicista da natureza.
Isaac Newton completou a revolução científica, ao desenvolver uma formulação
matemática da concepção mecanicista da natureza. Ele fez a combinação dos métodos de
Descartes e Bacon, publicado na sua obra “Os Principia” (Princípios matemáticos de filosofia
natural), contendo definições e descrição da natureza, que foram utilizadas por mais de 200 anos
(Capra, 1982). Só no final do século XIX é que o modelo newtoniano seria superado.
Nos séculos XVI e XVII, considerados a Idade da Revolução Científica, a noção do
universo vivo e espiritual até então defendida, com forte influência religiosa, foi substituída pela
idéia de máquina, propiciada pelas mudanças ocorridas na física e na astronomia.
Em 1750, com o avanço da Ciência aliado à técnica, iniciou-se a Revolução Industrial,
com todas as conseqüências negativas em relação às formas de exploração dos recursos naturais
e humanos, cujas conseqüências de longo prazo são hoje visíveis nos problemas ambientais
contemporâneos.
O início do século XX foi marcado pela obra do físico Albert Einstein, que acreditava na
harmonia inerente à natureza. Em 1905, publicou a teoria da relatividade e a teoria dos
fenômenos atômicos, dando origem à teoria quântica. Essa teoria revelou que o mundo não pode
ser analisado a partir de elementos isolados e independentes, transcendendo a divisão cartesiana.
Essa visão de mundo originada da física moderna teria grandes implicações em todos os campos
da Ciência (Capra, 1982) .
A partir da primeira metade do século XX, no final da década de 30, começou a ser
desenvolvido mais intensamente o pensamento sistêmico, pelo biólogo austríaco Ludwig von
Bertalanffy, que começou a formular uma nova teoria sobre sistemas abertos. Na década de 40,
Bertalanffy combinou os vários conceitos do pensamento sistêmico e da biologia organísmica
numa teoria formal dos sistemas vivos, conhecida como “Teoria Geral dos Sistemas”. A teoria
sistêmica influenciou grandemente o meio científico a partir daí, dando origem a novas
metodologias em várias áreas como engenharia dos sistemas, análise de sistemas, dinâmicas dos
sistemas, entre outras (Capra, 1996). Convém ressaltar que, embora Bertalanffy seja reconhecido
como o autor da primeira formulação dos sistemas vivos, entre 20 e 30 anos antes Alexander
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Bogdanov, pesquisador médico, filósofo e economista russo, desenvolveu uma teoria sistêmica
de mesmo alcance, denominada por ele de “tectologia” , significando “ciência das estruturas”;
infelizmente, essa teoria é praticamente desconhecida fora da Rússia (Capra, 1996).
A questão ambiental internacional no Pós-guerra
Em 1945, no final da 2ª Guerra Mundial, Skinner publicou o livro: “Uma sociedade para o
futuro”, onde propôs uma sociedade organizada sob os fundamentos de uma engenharia
comportamental. Segundo o autor, era importante pensar em um novo modo de organizar a
sociedade, de dar-lhe novos valores. Esse livro só se tornaria popular a partir da década de 60,
quando o mundo começou a enfrentar o esgotamento de recursos naturais, a poluição ambiental,
a idéia de superpopulação e a possibilidade do holocausto nuclear.
Em 1946, “reconhecendo que é do interesse das nações, em proveito das gerações futuras,
salvaguardar as grandes fontes naturais representadas pela espécie baleeira”, a Convenção
Internacional para Regulamentação da Pesca da Baleia principiava a orientar ações no presente
para propiciar às futuras gerações condições favoráveis às suas necessidades.
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, no Art. 25, houve a
preocupação de se fazer uma alusão à necessidade de um bom ambiente, ao considerar que “toda
pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família a saúde e o bem-
estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis”.
Em 1949, Aldo Leopoldo, biólogo de Iowa, EUA, escreveu “A Ética da Terra”, tida como
a mais importante fonte sobre ética holística. Ele é considerado o patrono do movimento
ambientalista.
Em 1954, face aos problemas de redução do potencial pesqueiro marítimo, associados à
intensificação do tráfego de navios, foi realizada a Convenção Internacional para a Prevenção da
Poluição do Mar por Óleo, em Londres, onde foi assinado o primeiro tratado contra a poluição,
em defesa do meio ambiente (Nascimento e Silva, 1995).
Cresce a consciência ambiental nos anos 60 e 70 Na década de 60 houve, em âmbito mundial, um aumento da consciência ambiental,
motivado pela realização de uma série de eventos relacionados com o meio ambiente.
Em 1962, foi publicado o livro da jornalista americana Rachel Carson, “Primavera
Silenciosa”. O livro, considerado um clássico do movimento ambientalista, promoveu uma
discussão na comunidade internacional pela forma contundente como denunciava a diminuição
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da qualidade de vida devido ao uso excessivo de inseticida, pesticida e outros produtos químicos
na produção agrícola, contaminando os alimentos e deixando resíduos no meio ambiente. Nessa
década, a revolução verde na agricultura tinha provocado o uso abusivo de enormes quantidades
de fertilizantes com base no petróleo.
Outro fato importante foi a realização, em abril de 1968, de uma reunião na “Accademia
dei Lincei”, em Roma, estimulada pelo empresário industrial e economista italiano, Dr. Aurelio
Peccei, envolvendo, nessa época, 30 pessoas de dez países, entre cientistas, educadores,
economistas, humanistas, industriais e funcionários públicos. O objetivo era discutir e refletir
sobre a crise e dilemas atuais e futuros da humanidade, expondo como preocupação mundial a
pobreza e a abundância, deterioração do meio ambiente, crescimento urbano acelerado, entre
outros. Surgiu, então, o Clube de Roma (Meadows et al., 1972), que mais tarde, em 1972,
publicaria o livro “Limites do Crescimento”.
Nessa década, ocorreram em várias partes do mundo manifestações libertárias. Pela
primeira vez houve uma manifestação oficial em defesa de uma atuação conjunta global para o
enfrentamento dos problemas ambientais, feita pela delegação da Suécia, na ONU (Dias, 1992).
Iniciou-se uma verdadeira revolução da sociedade, que passou a criticar, não só o modelo de
produção mas, principalmente, o modo de vida dele decorrente.
Começaram a eclodir os movimentos das mulheres, dos jovens, dos estudantes, dos
hippies, das minorias étnicas. Pessoas de diferentes países e raças aglutinaram-se em torno de
novas frentes de lutas tais como as lutas sobre a extinção das espécies, a corrida armamentista, a
poluição, a situação dramática da Antártida, com o brutal enfraquecimento de 40% na camada de
ozônio da região, o desmatamento, agrotóxicos, crescimento populacional, complexo industrial
nuclear, racismo, entre outros (Viola, 1987; Gonçalves, 1990).
Em 1970, a publicação do manual “Um lugar para viver”, para professores e alunos,
enfocando a busca da qualidade de vida e, em 1971, o lançamento do livro “Ecologia Básica”,
de Eugene P. Odum, passaram a ser uma referência nas discussões sobre o meio ambiente,
influenciando a evolução do pensamento dos movimentos ambientalistas em nível mundial.
O pensamento ambientalista também foi muito influenciado pela publicação, em 1972, do
livro “Limites do Crescimento”, como resultado do estudo feito pelo Clube de Roma.
Foimostrado que o consumo crescente da sociedade, a qualquer custo, imposto pelo crescimento
humano exponencial, levaria a humanidade a um colapso (Meadows et al., 1972).
Todos esses fatos estimularam a formação e o fortalecimento dos movimentos
ambientalistas no mundo, conforme será visto a seguir.
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Os movimentos ambientalistas no mundo nos anos 70
O acontecimento que mais influenciou os movimentos ambientalistas internacionais na
década de 70 foi a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano,
realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, com a participação de 113 países, conforme foi
visto na Unidade I do livro azul.
Nessa conferência foram formulados a Declaração sobre o Ambiente Humano, uma lista de
Princípios e um Plano de Ação (McCormick, 1992), recomendando que deveria ser desenvolvido
um programa internacional de educação para o meio ambiente (Dias, 1992), enfatizando a
educação como componente fundamental para combater a crise ambiental planetária.
Considerando o movimento ambientalista, três resultados importantes foram obtidos a
partir desta conferência (McCormick, 1992):
primeiro, o pensamento ambientalista evoluiu, dos objetivos somente protecionistas da natureza e conservacionistas dos recursos naturais, para um entendimento da má gestão da biosfera pelos homens;
segundo, as prioridades e necessidades ambientais, antes determinadas só pelos países desenvolvidos, foram estendidas para os países em desenvolvimento, tornando-se um fator preponderante na determinação das políticas ambientais internacionais; e
terceiro, foi criado o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA).
Na Conferência de Estocolmo emergiu, pela primeira vez, o termo “ecodesenvolvimento”,
face à necessidade de se optar por um outro tipo de desenvolvimento menos agressivo à natureza
(Vieira, 1995; Maimon, 1992). Em 1973, Ignacy Sachs amadureceu e ampliou esse conceito,
tendo como base tres critérios, quais sejam: justiça social, prudência ecológica e eficiência
econômica (Sachs, 1993). Posteriormente, esse conceito foi sendo aprimorado e renomeado
como “Desenvolvimento Sustentável” (Vieira, 1992).
Duas correntes polarizadas do movimento ambientalista se destacaram após a Conferência
de Estocolmo:
1. uma minoria catastrófica, que defendia a paralisação imediata do crescimento econômico e populacional, segundo o que está proposto no relatório “Os Limites do Crescimento”, produzido pelo Clube de Roma; defendia que, caso se quisesse ter um mundo ambientalmente sadio, todo e qualquer tipo de crescimento e desenvolvimento teria que ser impedido.
2. outra, majoritária, que apregoava ser necessário estabelecer instrumentos de proteção ambiental para atuar sobre os problemas causados pelo desenvolvimento econômico vigente, assim como atingir uma estabilização populacional, revertendo a dinâmica demográfica, em um médio prazo (Viola & Leis, 1992). Esta postura defendia que o desenvolvimento e uma administração ambiental prudente não são excludentes, mas, sim, mutuamente dependentes (McCormick, 1992).
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Vários acontecimentos relevantes ocorreram a partir da década de 70, influenciando a
construção do pensamento ambientalista. Destacamos aqui alguns deles:
Em 1973, o filósofo e ecologista norueguês Arne Naess criou a expressão “ecologia
profunda” (deep ecology), que vai além da proteção ambiental, em oposição ao
entendimento da ecologia apenas como ciência de senso estrito, que gerou o ambientalismo
restrito, desenvolvido dentro de uma visão antropocêntrica. A ecologia profunda é
caracterizadacomo um sistema de valores centrado em todos os seres vivos da terra e não
só no homem. A cosmovisão resultante é mais ecocêntrica do que antropocêntrica. Na
ecologia profunda, a natureza possui valor em si mesma, independentemente da sua
utilidade econômica para o homem. Ela reconhece o valor intrínseco de todos os seres
vivos, inclusive o homem, onde todos estão integrados em um universo. Enfoca uma visão
sistêmica de vida, em contrapartida às correntes do pensamento ambientalista restrito, que
aceita o paradigma mecanicista dominante (Unger, 1991). Substitui a ideologia do
crescimento econômico pela idéia de sustentabilidade (Callenbach et al, 1993).
Essa nova concepção de ecologia influenciou vários adeptos do movimento ambientalista,
que começaram a propor uma mudança na dimensão do pensar e do agir, reforçando uma
concepção qualitativa da vida, desenvolvendo valores de auto-sustentabilidade e respeito à vida
(Unger, 1991).
Ainda nesse ano, as economias mundiais sofreram profundas modificações, em
virtude do “primeiro choque do petróleo”, que ocorreu devido ao grande aumento do
preço desse produto, com a adesão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP). Novas alternativas para a produção de energia começaram a ser pesquisadas.
Iniciou, então, uma implantação maciça de usinas nucleares pelos países desenvolvidos.
Isso provocou transformações econômicas, políticas e sociais, aguçando ainda mais a
consciência ambiental das pessoas (Zucca, 1991), fazendo com que os problemas
resultantes de uma exploração inadequada dos recursos naturais começassem a ser
analisados dentro de um enfoque global (Viola, 1987).
Dois anos depois, o órgão americano de pesquisa em energia, “Energy Research
and Development Administration – ERDA”, reconsiderava a energia solar como a mais
promissora fonte alternativa fazendo com que o uso e o tipo de energia passassem a ser
considerados pelos americanos como uma questão de política pública. Salientamos que,
seis anos depois (em 1979), a crise energética seria ainda mais agravada pelo 2º choque do
petróleo.
Nesse mesmo ano de 73, o economista Schumacher publicou o livro “O negócio é
ser pequeno”, que passou a ser uma referência mundial para o desenvolvimento de
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pequenas unidades de trabalho, fazendo com que as organizações, antes comportando uma
enorme quantidade de pessoas sobre o mesmo teto, modificassem as suas escalas de
operações, transformando-as em pequenas unidades de trabalho (Tofller, 1980).
Em 1974, foi apresentado o Relatório “Que Faire” (Que Fazer), pela fundação
sueca Dag Hammarskjold, na 7ª Conferência Extraordinária das Nações Unidas, com
proposições de outras alternativas de desenvolvimento.
Nesse mesmo ano foi realizada a Reunião de Founex II, em Cocoyoc, no México,
onde se discutiu a relação meio ambiente e desenvolvimento, originando a Declaração de
Cocoyoc.
Em 1977, foi realizada a I Conferência Intergovernamental sobre Educação para o
Ambiente, na cidade de Tbilisi, na Georgia (Ex-URSS), conforme foi visto na Unidade I
do livro azul.
Foi exatamente nesse cenário da década de 70 que os movimentos ambientalistas realmente
proliferaram e se expandiram (Viola, 1987). Houve um crescente aumento denovas organizações
governamentais e não-governamentais, organizações urbano-populares-comunitárias e
associações civis, que procuravam espaços de participação na questão ambiental e se engajaram
no movimento ambientalista.
Portanto, estamos propondo, neste trabalho, que o movimento ambientalista não seja mais
só entendido como o conjunto de organizações não governamentais. Dele também fazem parte,
além das ONGs, as organizações governamentais nacionais e internacionais, grupos
universitários, pensadores independentes, empresas, enfim, toda a sociedade civil organizada em
seu conjunto, preocupada com as questões ambientais.
Os movimentos ambientalistas extrapolaram os limites de classe, tendo a participação de
profissionais qualificados, estudantes, camponeses, operários, funcionários públicos,
empresários, executivos, gestores públicos e privados; homens e mulheres, indistintamente;
comunidades indígenas, negras e minorias étnicas; crianças, jovens, adultos e aposentados, sem
limite de idade (Viola, 1987).
Também com eles surgiram:
• um novo perfil de administradores e gerentes públicos e privados que estão optando,
embora de forma incipiente, por outros modelos de gestão de processos produtivos, com
ênfase na sustentabilidade, envolvendo tanto aqueles que apresentam um melhor
aproveitamento energético e o uso mais eficiente dos materiais, como aqueles menos
poluidores, por meio de uma contínua e crescente substituição de tecnologias predatórias
pelas tecnologias limpas;
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• grupos e instituições de pesquisa científica, que estão buscando a solução dos problemas
ambientais por meio de modelos sistêmicos;
• consumidores de produtos ecológicos tais como produtos agrícolas orgânicos, produtos
biodegradáveis, papel reciclado, recipientes reutilizáveis, enfim, opção por produtos
ambientalmente corretos, em que todo o processo é sustentável, desde a obtenção das
matérias-primas, passando pelo produto final, até a destinação dos resíduos;
• novos partidos políticos, com ênfase ambiental – os Partidos Verdes.
Além disso, o movimento ambientalista influenciou as agências internacionais para
atuarem, de forma mais decisiva, na elaboração e a implementação de acordos, tratados e
programas internacionais, responsáveis pelo equacionamento dos problemas ambientais
transfronteiriços. Sobretudo, o movimento ambientalista também se caracterizou por defender
não só o equilíbrio sócio-ecológico mas, também, valores e interesses universais, como a paz, a
não-violência, a justiça social e a solidariedade com as gerações futuras (Viola, 1987).
Ao preconizar uma nova relação homem-sociedade-natureza, baseada em novos valores, o
movimento questiona a racionalidade do sistema social, propondo uma alteração dos modelos
dominantes de estilo de vida e de produção, abrindo caminho para o desenvolvimento de um
“processo de descentralização econômica e de autogestão comunitária dos recursos” (Leff,
1998).
Esse conjunto de transformações está construindo uma nova ordem social, cultural,
econômica, filosófica e política, em âmbito local, regional, nacional e mundial. Novas
estratégias, acordos, perspectivas, negociações e relações estão sendo propostas e construídas,
envolvendo os vários setores da sociedade.
Por refletir uma nova visão de mundo, contrária à vigente até então, o movimento
ambientalista provoca uma “ruptura na história do pensamento e do senso comum do Ocidente,
constituindo-se em um novo paradigma” (Viola 1987).
Os partidos verdes no mundo O movimento ambientalista se tornou o embrião da ecologia política e de novos partidos
políticos – os chamados partidos verdes. Estes partidos fazem da resistência à destruição da vida
um alicerce para um novo sistema de valores sócio-políticos pós-materialistas, lutando para
transformar a cultura política vigente (Viola, 1987). Estes novos valores são, entre outros, a
busca da realização espiritual, da paz, da qualidade ambiental e de vida das pessoas (Pádua,
1991).
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A política verde expandiu-se geograficamente muito rápido, além do seu berço original
europeu-ocidental, atingindo a Europa, América do Norte, América do Sul, Austrália, Índia,
Japão, entre outros. Também teve um desenvolvimento qualitativo, uma vez que demonstrou ser
capaz de se organizar em partidos, de formular programas políticos nacionais, de influenciar
outros partidos, de introduzir novos temas na agenda política, de mobilizar a opinião pública e de
conquistar a adesão de um bom número de eleitores. Os partidos verdes têm desenvolvido
propostas alternativas para os diversos aspectos sociais, com diretrizes sobre economia, cultura e
relações internacionais. Defendem que a questão ambiental não é uma “especificidade”, mas
uma dimensão imprescindível dentro da reflexão global sobre a sociedade (Pádua, 1991).
O discurso verde teve a adesão de uma vasta clientela da classe média. Também conseguiu
influenciar alguns setores populares importantes, especialmente no meio rural, onde se trabalhou
muito a importância da agricultura ecológica (Pádua, 1991).
A questão ambiental mundial na década de 80 e início de 90 Em 1980, Ignacy Sachs publicou “Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir”, que
influenciou grandemente o meio científico de alguns países (inclusive o Brasil). O livro enfoca
alguns aspectos ambientais como a prudência ecológica na gestão dos recursos, o
desenvolvimento endógeno, a harmonia dos interesses socio culturais, econômicos e ecológicos
(Sachs, 1986).
As reflexões e instrumentalizações das décadas anteriores geraram a necessidade de
estabelecimento de estratégias para o enfrentamento das questões de meio ambiente. Assim, em
1983, face aos problemas ambientais mundiais, a Assembléia Geral das Nações Unidas deliberou
pela criação de uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que deveria
elaborar uma “agenda global para mudança”, sendo designada a senhora Gro Harlem
Brundtland, na época, líder do Partido Trabalhista Norueguês, como presidenta dessa comissão
(Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988).
Um fato importante em 1984 é que começa a publicação anual, pelo Worldwatch Institute
dos Estados Unidos, do “State of the World” ou “Estado do Mundo: Informe do Worldwatch
Institute sobre o Progresso para uma Sociedade Sustentável”, com edições em inglês, português,
alemão, árabe, chinês, espanhol, francês, japonês e russo. Essa publicação constitui-se em um
alerta ambiental, chamando a atenção da comunidade internacional para a necessidade de se
desenvolver uma ação política cooperativa contra a degradação do meio ambiente.Torna-se uma
fonte de consulta obrigatória sobre a problemática ambiental (Guimarães, 1991; Viola & Leis,
1991).
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Em 1985, devido às preocupações com os problemas ambientais e de saúde humana que
poderiam advir das possíveis modificações na camada de ozônio, foi realizada a Convenção de
Viena, que resultou no comprometimento de alguns governos internacionais para intervir nesse
problema.
Em 1987, foi realizada a II Conferência Mundial sobre a Educação Ambiental, em
Moscou, na ex-URSS. Foi uma reunião não-governamental, embora tenha tido a participação da
UNESCO-PNUMA. Foram debatidas, além da Educação Ambiental, questões relacionadas à
resolução dos problemas de meio ambiente, onde foi enfaticamente salientado o reconhecimento
de que estes estariam relacionados com os “fatores sociais, econômicos e culturais que os
provocam” e que não seria possível, “por conseguinte, preveni-los ou resolvê-los com meios
exclusivamente tecnológicos” (Guimarães, 1991). No final da década de 80 começou-se a
consolidar, em amplos setores da sociedade, a necessidade de se adotar um novo estilo de
desenvolvimento, mais humanizador, que traga em seu bojo a responsabilidade sócio-ambiental.
Assim, difundiu-se o conceito de desenvolvimento sustentável, principalmente depois da
divulgação, no meio internacional, do relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, conhecido também como Relatório
Brundtland (Viola & Leis, 1992).
É considerado um dos mais importantes documentos da década. Este relatório possui três
eixos principais (Maimon, 1991): crescimento econômico; eqüidade social; e equilíbrio
ecológico.
Propõe um sentido de “responsabilidade comum”. É adotado o conceito de
“desenvolvimento sustentável”, que é uma evolução e aprimoramento do conceito de
ecodesenvolvimento originado em Estocolmo, como “aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras” (Nosso futuro
comum, 1988).
No final da década de 80, surgiu a Economia Ecológica, como um “novo campo
transdisciplinar que estabelece relações entre os ecossistemas e o sistema econômico”
(Constanza & Daly, 1991). Ela se opõe à economia clássica, que se mostra insuficiente para
explicar e resolver os problemas ambientais de caráter global (Maimon, 1992). A partir daí,
muitos economistas estão trabalhando para definir os custos dos recursos naturais e dos vários
danos ambientais.
Em 1992, no Rio de Janeiro, aconteceu a segunda “Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento”, com a participação de 170 países, conforme visto na
Unidade I do livro azul.
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3. O MOVIMENTO AMBIENTALISTA BRASILEIRO
O movimento ambientalista brasileiro desenvolveu-se na década de 70, em um contexto de
ditadura militar. Nessa época, o Brasil apresentava uma das piores distribuição de renda do
mundo e uma das mais drásticas destruição socio ambiental (Viola, 1987; Gonçalves, 1990),
contexto este, vale frisar, que continua até hoje.
Um marco histórico dentro do movimento ambientalista brasileiro foi a criação, em 1971,
da “Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural” (AGAPAN), por vários militantes
ambientalistas coordenados pelo agrônomo José Lutzemberger, em Porto Alegre. Essa foi a
primeira associação ambientalista não-governamental surgida no Brasil e na América Latina
(Viola, 1987). Os objetivos principais dessa entidade eram (Viola, 1987):
“defesa da fauna e da vegetação; combate ao uso exagerado dos meios mecânicos contra o solo e a poluição
causada pelas indústrias e veículos; combate ao uso indiscriminado de inseticidas, fungicidas e herbicidas; combate à poluição dos cursos d’água pelos resíduos industriais e domiciliares
não tratados; combate às destruições desnecessárias de belezas paisagísticas; luta pela salvação da humanidade da destruição promovendo a ecologia como
ciência da sobrevivência e difundindo uma nova moral ecológica”.
Mais tarde, em 1978, Lutzemberger escreveria seu livro Fim do futuro? Manifesto
Ecológico Brasileiro, considerado um referencial teórico do movimento ambientalista
(Lutzemberger, 1978).
É nessa década que começaram a surgir, de forma embrionária, novas formas de
organizações populares em nível local, quais sejam, os movimentos reivindicatórios com relação
à habitação, saúde, transporte coletivo, assim como os movimentos de contestação contra o
desenvolvimento predatório vigente, que se manifestavam contra a poluição urbana, pela
preservação dos recursos naturais e defesa dos direitos humanos (Porto Gonçalves, 1990). Desta
forma, o movimento ambientalista brasileiro estruturou-se como um movimento constituído por:
• associações ambientalistas não-governamentais; • agências governamentais estatais de meio ambiente,
muitas delas criadas para gerenciar os problemas ambientais (Menezes,
1996).
As associações ambientalistas não-governamentais, nesta fase, surgiram, inicialmente, nas
principais cidades das regiões Sudeste e Sul. Destacamos aqui, a já citada AGAPAN e o
“Movimento Arte e Pensamento Ecológico”, em São Paulo. Posteriormente, com o avanço do
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movimento ambientalista brasileiro, elas proliferaram por todas as regiões do Brasil (Viola,
1987).
Até então, o movimento ambientalista não havia obtido muitos ganhos precisos. Mas, se
considerarmos a “ecologização da mentalidade de grupos qualitativamente importantes da
população brasileira”, pode-se dizer que houve ganhos significativos (Menezes, 1996).
Em 1978, começou a ser publicado, pelo Movimento Arte e Pensamento Ecológico, a
primeira revista brasileira a tratar das questões ambientais, intitulada “Pensamento Ecológico”
(Viola, 1987).
A partir de 1979, com o retorno de lideranças políticas exiladas pela ditadura militar de 64,
que assimilaram as idéias ambientalistas dos partidos verdes e dos movimentos sociais do
Primeiro Mundo, a vida cultural brasileira foi oxigenada pela introdução de valores pós-
materialistas e por uma discussão mais ampla sobre as questões socio ambientais. Ampliou-se o
movimento de defesa da Amazônia contra a sua depredação, que conquistou a simpatia da
opinião pública e que teve no Prof. Aziz Nacib Ab‘Saber, geógrafo da USP, um ardente defensor
(Viola, 1987; Reigota, 1998). Desenvolveram-se campanhas ambientalistas para salvar Sete-
Quedas, no Rio Paraná, quando da construção da Usina de Itaipu (essa não deu resultado),
promovidas pelos movimentos contra as barragens; campanhas contra o Acordo Nuclear Brasil-
Alemanha, devido a forma de produção energética, que teve a adesão da Sociedade Brasileira de
Física e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Outras transformações ocorreram,
como a influência dos ambientalistas em associações de moradores de classe média, a sua
penetração no meio universitário, entre as populações extrativistas da Amazônia (influenciado
pelo líder sindical e ativista nas questões ambientais, o seringueiro Chico Mendes) e nos
movimentos dos “trabalhadores sem-terra” (Viola, 1987).
A década de 80, no Brasil, notabilizou-se pela ampliação do espaço sobre a problemática
ambiental na mídia, estimulando o aumento da conscientização sobre as questões ambientais. O
crescimento do movimento ambientalista brasileiro, especialmente nessa década, foi influenciado
pela intensidade da degradação socio ambiental, produzida de uma forma mais impactante a
partir dos anos 60, e também pelo processo de transição democrática, iniciado em 1974, que
propiciou a formação de um novo contexto sócio-político, aberto ao debate de novas idéias e à
organização de novos movimentos sociais .
Em 1984 começaria a aproximação entre esses movimentos ambientalistas urbanos e os
rurais, marcada por um grande intercâmbio de experiências.
Foi ainda nessa década de oitenta que começaram a emergir novas organizações não-
governamentais ambientalistas dotadas de um perfil profissional; paralelamente, as associações
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ambientalistas amadoras e os movimentos sociais já existentes começaram a se profissionalizar.
Esse fato fez com que os movimentos ambientalistas começassem a participar, de forma mais
organizada, na gestão ambiental local e na defesa do meio ambiente, com estratégias de ação
sistematizadas e projetos alternativos firmados em bases técnico-científicas, e não mais se
pautando só em denúncias pontuais (Pádua, 1991; Viola & Leis, 1992). Muitas delas têm uma
expressiva atuação ambiental tais como a Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Socio Ambie
Ambientalismo e Eco-política: o Partido Verde no Brasil
O ano de 1986 se caracterizou pela entrada de um setor minoritário do ambientalismo na
política, apoiando candidatos que defendiam a luta ecológica. O retorno ao Brasil dos exilados
políticos, com suas novas referências ambientalistas, deu o impulso necessário para a criação,
nesse ano, do Partido Verde no Rio de Janeiro, embora a maioria dos ambientalistas brasileiros
não fossem favoráveis à sua criação (Menezes, 1996). Posteriormente, o Partido Verde foi criado
em São Paulo e em Santa Catarina (Pádua, 1991). Os preparativos para a Constituinte, iniciados
com as eleições de 1986, fizeram com que esse movimento do Sul-Sudeste articulasse em prol de
candidatos com idéias ambientalistas (Menezes, 1996). Foi organizado o Bloco Parlamentar
Verde, em 1987, que teve uma atuação positiva na ecologização da nova Constituição (Viola e
Leis, 1992). O aumento da consciência ecológica também estimulou a criação da Coordenadoria
Interestadual Ecologista para a Constituinte (CIEC), no Rio de Janeiro, com representantes dos
Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais
(Viola, 1987; Maimon, 1991).
Ambientalismo e Ecologismo
Em todo movimento ambientalista, como em qualquer movimento social, sua forma de
organização e sua própria história de luta geram uma tomada de consciência, abrindo espaços e
condições para a realização de seus propósitos. Um movimento ambientalista promovido pela
classe média de uma população, pode, assim, incorporar demandas populares e estabelecer
alianças diferentemente de um movimento rural ou de um movimento indígena (Leff, 1998).
Como já foi mencionado, os movimentos ambientalistas caracterizam-se por uma
composição pluralista e heterogênea, que vão formando alianças em torno de objetivos comuns
tais como a conservação da natureza, a sobrevivência do homem na terra, qualidade de vida,
participação comunitária na gestão dos recursos naturais, posições antinucleares, resíduos
tóxicos, entre vários outros. Por isto, é difícil estabelecer uma tipologia específica dos diversos
movimentos ambientalistas. No entanto, é possível fazer uma distinção entre os movimentos
ambientalistas denominados de ecologistas, do Norte, e os movimentos ambientalistas do Sul,
segundo Leff (1998).
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O ecologismo dos países altamente industrializados tem surgido como:
• uma ética e estética da natureza; • uma busca de novos valores que emergem das condições de
posmaterialidade; • produzindo uma sociedade de abundância satisfeita nas suas necessidades
básicas e de sobrevivência.
São movimentos de consciência, que desejam salvar o planeta do desastre ecológico e
recuperar o contato com a natureza; não questiona o modelo econômico dominante (Leff, 1998).
Já os movimentos ambientalistas dos países pobres, e/ou em desenvolvimento, emergem
em resposta à destruição da natureza e à falta de condições mínimas de vida e de seus meios de
produção.
São movimentos:
• deflagrados por conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos; • pela reapropriação da natureza vinculados à processos de democratização,
à defesa de suas terras, de suas identidades étnicas, de sua autonomia política e de sua capacidade de fazer autogestão de seus estilos de desenvolvimento e suas formas de vida;
São movimentos que definem as condições materiais de produção e os valores culturais das
comunidades locais (Lef, 1998).
Contudo, na prática, parece que esta distinção não é feita. Muitas vezes, os documentos
confundem as diferentes características do movimento ambientalista com as do movimento
ecológico, esse último restrito a posturas reducionistas e preservacionistas. Ou seja, ambas as
expressões são usadas sem a preocupação com esta divisão de forma sistemática. Ou seja, ora
aparece a expressão “movimento ambientalista”, ora aparece “movimento ecológico”,
indistintamente.
Movimento ambientalista provoca modificações na sociedade Podemos dizer que o movimento ambientalista, de uma forma global, está gerando as
seguintes modificações nos valores da sociedade vigente:
• Consolidação do fato inegável de que a humanidade é dependente de um meio natural saudável, noção esta que estava se perdendo em função do conceito hegemônico de progresso e de crescimento econômico (McCormick, 1992).
• Novas formas dos homens se relacionarem entre si, com os outros seres vivos e com a natureza, onde essas relações começam a serem vistas de maneira sistêmica.
• Desafios aos modelos tradicionais de crescimento e desenvolvimento, tanto capitalista como socialista, buscando construir um novo modelo, baseado na
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sustentabilidade (McCormick, 1992; Viola, 1987) e orientado pela racionalidade ambiental.
• Substituição das tecnologias poluidoras, produzidas pela revolução agrícola e industrial, por novas tecnologias não poluentes e não degradadoras do meio ambiente (McCormick, 1992).
• Novo perfil de produtores e consumidores. • Partidos políticos que assumem causas ambientais. • Participação intensiva das ONGs e dos movimentos sociais no processo de gestão e
políticas públicas. • Redirecionamento do modelo educacional, em que a educação é orientada para a
sustentabilidade.
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4. BREVE HISTÓRICO DA DEGRADAÇÃO E PREOCUPAÇÕES AMBIENTAIS NO BRASIL
No Brasil, a degradação ambiental iniciou após o descobrimento, com o ciclo do pau-brasil, cuja espécie sofreu uma extração totalmente predatória.
O pau-brasil pode ser considerado a primeira espécie florestal nativa do Brasil, valiosa, que sofreu um grande desmatamento irracional e predatório, culminando no seu desaparecimento. Só séculos depois, em 1970, é que o prof. Roldão de Siqueira Fontes, da Universidade Federal de Pernambuco, desencadearia uma campanha de reflorestamento com esta espécie no nosso País. Ele criou a Fundação Nacional do Pau-brasil, com sede em Pernambuco. Nela existe o único museu do pau-brasil em atividade. Hoje, o estado possui a maior concentração desta espécie.
Ainda no período colonial, em torno de 1599, com o início da escassez do pau-brasil, implantou-se a monocultura da cana-de-açúcar, vinda do Oriente, juntamente com o trabalho escravo indígena e negro. Com o ciclo do açúcar, iniciou-se a implantação dos engenhos. O primeiro engenho foi instalado em São Vicente, que foi a primeira vila do Brasil, em 1533. Paralelamente com a cana-de-açúcar, foi introduzida a pecuária, acentuando muito a instabilidade dos solos, com a ação do pisoteio do gado (Monteiro, 1991).
Outros ciclos de importância econômica se sucederam ao longo dos tempos, tais como o ciclo do ouro e de pedras preciosas (especialmente diamantes), o ciclo do café, o ciclo do cacau e o ciclo da borracha. Assim como ocorreu com o ciclo da cana-de-açúcar, todos os ciclos agrícolas se basearam na exploração predatória em larga escala, grandes latifúndios associados à extensas monoculturas, utilizando sempre o trabalho escravo (Brasil 500 anos, 1999). Preocupações com a degradação ambiental brasileira
A preocupação com a degradação ambiental brasileira não é recente, como se pensa usualmente, e nem se originou a partir de idéias importadas da Europa e dos Estados Unidos (Pádua, 1999). As primeiras manifestações contra a destruição ambiental no Brasil surgiram no segundo século de colonização, pelo cronista e senhor de engenho Ambrósio Fernandes Brandão que, em 1618, já fazia críticas ambientais aos proprietários de terras, e também de Frei Vicente Salvador (1564-1636), que condenou os colonizadores por destruírem a terra que cultivavam, em sua “História do Brasil”, datado de 1627 (Pádua, 1999). Em 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), considerado o “patriarca da independência”, produziu um documento em defesa da abolição da escravatura, endereçado à Assembléia Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, onde fez uma verdadeira defesa dos recursos ambientais brasileiros (Pádua, 1999).
Outros intelectuais brasileiros denunciaram a degradação ambiental, de forma consistente, a partir de 1780. Eles fazem, portanto, parte da história da crítica ambiental no Brasil, como Manuel Arruda da Câmara, em Pernambuco; Baltasar da Silva Lisboa e Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, na Bahia; José Vieira Couto e José Gregório de Moraes Navarro, em Minas Gerais; José Severiano Maciel da Costa, no Rio de Janeiro; Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira, no Maranhão; e José Bonifácio de Andrada e Silva, em São Paulo (Pádua, 1999).
Entre 1786 e 1888 foram produzidos 150 textos que denunciam e debatem os danos ambientais ocorridos no Brasil, preparados por 38 autores brasileiros (Pádua, 1999). Por exemplo, o baiano Baltazar S. Lisboa, no seu artigo sobre “Discurso histórico, político e
econômico dos progressos e estado atual da filosofia natural portuguesa, acompanhado de
algumas reflexões sobre o estado do Brasil”, conforme citado por Pádua (1999), menciona que a agricultura era desenvolvida no País “o mais miseravelmente que é possível imaginar”,
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ignorando os progressos técnicos e o uso do arado, e necessitando uma grande quantidade de lenhas para as fornalhas do açúcar. É preciso ressaltar que... naquela época, as denúncias ambientais eram feitas considerando que a destruição da natureza devia-se ao atraso tecnológico. A importância do meio natural era avaliada a partir do valor instrumental dos seus recursos (Pádua, 1999).
O Meio Ambiente e o Período Republicano
O primeiro período republicano no Brasil, também chamado de Primeira República, compreendendo os anos de 1889 a 1930, caracterizou-se pela expansão do setor agrícola, com o predomínio dos grandes latifúndios e monoculturas.
Com a revolução de 30, várias mudanças políticas, sociais e econômicas se iniciaram no País, estimulando o desenvolvimento industrial.
A partir de 1937, com a institucionalização do Estado Novo, o apoio às indústrias de base é incrementado. É fundada, em 1941, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Com o objetivo de contribuir com a formação da mão-de-obra para o setor industrial, é fundada, em 1942, o Serviço Nacional da Indústria (SENAI) e, em 1943, o Serviço Social da Indústria (SESI).
Com a redemocratização do País, implantada em 1946, o Brasil iniciou um programa de modernização industrial e urbana, especialmente a partir de 1951, indo até 1961. O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) é identificado pelo lema “Cinquenta anos de progresso em
cinco anos de governo”. Seu Plano Nacional de Desenvolvimento, conhecido como Plano de Metas, colocou como prioridade os setores de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. Construiu usinas hidrelétricas e estradas; incrementou o pólo automobilístico e de eletrodomésticos do ABC paulista; criou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e construiu, no Planalto Central, a nova capital da República – Brasília (inaugurada em 21 de abril de 1960).
Ressaltamos aqui, um fato que influenciou grandemente a evolução do pensamento ambiental brasileiro, que foi a criação da Escola Superior de Florestas, em 1960, na Universidade Federal de Viçosa (Minas Gerais) e na Universidade Federal do Paraná (Curitiba).
No período compreendido entre 1961 até 1969, três documentos importantes que afetaram a questão ambiental foram instituídos:
O Estatuto da Terra (Lei 4.505, de 30/11/64), em 1964, em que se prevê a desapropriação de áreas para a implantação de parques nacionais e reservas equivalentes (Rocha et al., 1992);
O Código Florestal (Lei 4.771), em 1965, hoje em forte discussão no Congresso.
A Política Nacional de Saneamento, proveniente de uma série de leis e decretos criados entre 1965 a 1969; mais tarde, em 1976, esta política geraria o Programa de Saneamento Ambiental.
A evolução da questão ambiental e o projeto Brasil Grande Potência
Em 1969 assumiu o governo brasileiro o general Emílio Garrastazu Médici. O desenvolvimento era caracterizado pelo crescimento econômico a qualquer custo, mesmo de forma predatória. Convidava-se as indústrias poluidoras estrangeiras a transferirem-se para o Brasil, que “possuía um grande espaço para ser poluído” (Reis Velloso), onde não haveria
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exigências de equipamentos anti-poluentes. Os possíveis danos ao meio ambiente poderiam ser resolvidos mais tarde, oportunamente (Zucca, 1991; Maimon, 1992). Era o projeto “Brasil
Grande Potência” que, mais tarde, em 1973, originaria o projeto energético Brasil-Paraguai, criando a empresa binacional de Itaipu, responsável pela construção, no Rio Paraná, na fronteira entre os dois países, da maior hidrelétrica do mundo (Brasil 500 anos). Na Conferência de Estocolmo, em 1972, a posição oficial do governo brasileiro foi de uma postura desenvolvimentista, alegando que a preocupação com a proteção ambiental foi inventada pelos países desenvolvidos, com o propósito de frear a expansão do parque industrial dos países em desenvolvimento, impedindo o seu crescimento. Até então havia nenhuma política de controle ambiental no país. O crescimento econômico era tido como incompatível com a harmonia ambiental (Viola, 1987; Maimon, 1992). O general Costa Cavalcanti, então ministro do Interior, chefiando a missão brasileira na conferência, repetia a frase da primeira-ministra da Índia, Indira Ghandi: “a pior poluição é da miséria”. E, para combatê-la, era preciso levar o país a um patamar maior de crescimento econômico. O grande alvo era transformar o Brasil numa grande potência no panorama mundial (Zucca, 1991). Os recursos naturais eram tidos como abundantes. Havia um total desinteresse pelas questões de meio ambiente (Maimon, 1992). No entanto, como uma contradição, o Brasil liderou os países pobres na defesa da não aceitação das propostas de crescimento zero, defendidas pelo Clube de Roma.
Após os efeitos negativos da repercussão da posição oficial do governo brasileiro na Conferência de Estocolmo, o presidente Geisel criou, em 1973, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior (Monteiro, 1981), tendo como titular o Dr. Paulo Nogueira Neto, que a coordenou. Essa secretaria tinha duas linhas básicas de ação: – conservação do meio ambiente, no que diz respeito a racionalidade do uso dos recursos naturais e preservação, no sentido de intocabilidade (Monteiro, 1981). Tinha como objetivo cumprir normas de algumas instituições internacionais, atendendo às suas exigências para, só assim, liberar empréstimos destinados à grandes obras públicas (Viola, 1987). No entanto, apesar de ter sido criada basicamente para ser uma agência de controle da poluição, estabeleceu programas de estações ecológicas e deixou as bases das leis ambientais (Monteiro, 1981; Dias, 1992). Outras agências estaduais de meio ambiente foram sendo criadas na região Sul-Sudeste, como por exemplo, a CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), com o objetivo de cuidar das questões vinculadas aos problemas de excesso de poluição industrial. Só a partir do início dos anos 80 é que estas agências começaram a atuar efetivamente em termos de licenciamento ambiental (Viola, 1987).
Os dois choques mundiais do petróleo, em 1973 e 1979, já mencionados, analisados dentro
da conjuntura nacional brasileira, fizeram com que o Brasil investisse na busca de alternativas
energéticas. Os programas desenvolvidos nesta área, como a expansão de hidrelétricas e o Pró-
Álcool, buscavam mais uma economia de divisas, sem ter a preocupação com os impactos
ambientais que poderiam produzir (Maimon, 1992). Casualmente, os projetos do Pró-Álcool
ocasionaram uma diminuição na poluição do ar nas cidades e nos pólos industriais, embora se
mostrassem bastante poluidores nos locais de produção. O uso da energia nuclear para geração
de energia no país, que só seria introduzido em 1975, não teve sucesso, representando somente
1% da geração total de energia elétrica (Maimon, 1992). Nesse mesmo ano, em um editorial da
revista “Science”, o Brasil foi referido como uma reserva mundial, destacando-se a importância
na preservação e produção de seus recursos naturais, como fontes alternativas de energia.
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Em termos políticos, embora a questão ambiental ainda fosse tratada de forma pontual, um
fato importante ocorrido em 1975 foi a introdução, pela primeira vez, da temática ambiental no II
Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), abordando três linhas de ação: – Política ambiental
na área urbana e definição de áreas críticas de poluição; – Política de preservação de recursos
naturais; – e Política de proteção à saúde humana. Devido à definição das áreas críticas de
poluição, pelo II PND, é que a aprovação de projetos industriais ficaram condicionadas à
observância de normas antipoluidoras (Maimon, 1992).
Em 1981, no governo do Presidente João Figueiredo, um marco ambiental importante foi a
definição da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981),
conforme visto na Unidade II do livro azul, com o objetivo de:
“preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental, visando assegurar
condições ao desenvolvimento socio econômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.
Em seu Art. 3º, Parágrafo I, define meio ambiente como: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”,
considerando-o como: “um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em
vista o uso coletivo”.
Com o propósito de integrar e coordenar a política ambiental nacional e compatibilizar a atuação municipal, estadual e federal, também foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA. Esse Conselho exerce um papel preponderante na questão ambiental ao estabelecer o Estudo de Avaliação de Impacto AmbientaL – EIA e o respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente – RIMA (Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986).
Chamamos a atenção para o caráter excessivamente biótico da legislação ambiental brasileira, ao não incluir explicitamente o ser humano na sua conceituação de meio ambiente. Atualmente, embora a nossa legislação seja uma das mais completas do mundo, a sua aplicabilidade e implementação deixam muito a desejar, devido ao pequeno número de pessoas nos quadros de pessoal das agências estaduais de controle de poluição, à ausência de coordenação inter e intra governamental entre as políticas municipais, estaduais e federais (apesar do SISNAMA) e a falta de recursos financeiros (Maimon, 1991).
A questão ambiental brasileira no final dos anos 80 à década de 90
Um fato importante que veio auxiliar na minimização dos problemas ambientais brasileiros foi a adoção de uma nova postura política por parte do Banco Mundial, que estabeleceu, a partir de setembro/1988, que a pré-condição para financiar obras em países em desenvolvimento era a apresentação de estudos de impactos ambientais; no Brasil, esta exigência foi sentida mais no setor elétrico e na mineração (Maimon, 1991).
Em outubro de 1988, o assassinato em Xapuri, no Acre, de Chico Mendes, ganhador do
Prêmio Global 500, outorgado pelo PNUMA a pessoas que contribuem com as causas
ambientais (Dias, 1992), ajudou a desencadear uma onda de protestos pela comunidade
internacional pelo descaso do governo brasileiro com relação ao desmatamento da floresta
amazônica.
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Em 1989, o Presidente Sarney lançou o Programa Nossa Natureza. Criou, também, o
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), fundindo a
SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente), SUDEPE (Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca), SUDEHVEA (Superintendência do Desenvolvimento da Borracha)
e IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), com o propósito de executar
políticas e diretrizes ambientais governamentais. (Maimon, 1991). Dentro dele é criada a Divisão
de Educação Ambiental.
No governo Collor, o Brasil passou a ser alvo da pressão internacional pela sua perversa
política social e por ser um dos grandes responsáveis pelo efeito estufa, causado pelo aumento do
desmatamento e pelas queimadas. Para obter o apoio internacional, um dos eixos da política
externa adotada é o desenvolvimento sustentável (Maimon, 1991).
Em março de 1990, Collor criou a Secretaria Nacional de Meio Ambiente, sob a
coordenação do engenheiro agrônomo José Lutzemberger. Também pleiteiou que o Brasil fosse
o anfitrião da reunião da UNCED 92, no Rio de Janeiro, em que se formularia a nova política
ambiental mundial. Na prática, embora o governo Collor não tenha conseguido implantar
efetivamente a sua política ambiental, produziu três documentos voltados para a questão
ambiental (Maimon, 1991):
Programa Nacional de Meio Ambiente (PNUMA): financiado pelo Banco
Mundial e executado pelo IBAMA, com o objetivo de fortalecer a
proteção das áreas de conservação; proteger ecossistemas já ameaçados,
como o pantanal matogrossense, a mata Atlântica e a costa brasileira; e
reestruturar o IBAMA.
Projeto de Reconstrução Nacional: embora não tenha sido implantado devido à
mudança da equipe econômica do governo, assume as propostas de
desenvolvimento sustentável sob a ótica do Relatório Brundtland,
preocupando-se com as questões ligadas aos ecossistemas naturais,
preservação da biodiversidade e com a exploração racional das espécies
nativas e exóticas. Mostra que o modelo de crescimento adotado nas
últimas décadas foi a causa da degradação ambiental no Brasil.
Subsídios Técnicos para a Elaboração do Relatório Nacional do Brasil para a
Rio-92: produzidos pela Comissão Interministerial para a Preparação da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CIMA). Sua introdução é intitulada “O Desafio do Desenvolvimento
Sustentável”, e possui seis capítulos quais sejam: Desenvolvimento
Brasileiro e suas Implicações Socio ambientais; Evolução da Política
Ambiental; Situação Atual dos Grandes Biomas Brasileiros; Realidade
Socio ambiental Brasileira e os Problemas Globais; Dimensões Básicas de
um Novo Estilo de Desenvolvimento; O Meio Ambiente e as
Negociações Internacionais.
A realização da Rio-92, já mencionada anteriormente na Unidade I do livro azul, representou um desafio para o Brasil, visto que a postura brasileira, nessa ocasião, ainda defendia
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a necessidade do crescimento econômico e o respeito à soberania nacional. O grande fato histórico aqui foi a participação das ONGs brasileiras no Fórum Global.
O Brasil e as convenções internacionais
O Brasil é signatário de oito convenções internacionais sobre o meio ambiente. Assim
sendo, tem a responsabilidade de desenvolver ações governamentais comprometidas com o que
foi assumido. Envolvem fiscalização e legislação, englobando desde a produção industrial até o
uso de recursos naturais e medidas para preservação dos ecossistemas (Almeida, 1999).
Estas convenções são:
Convenção sobre Diversidade Biológica;
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (também
conhecida como a Convenção do Clima);
Convenção de Combate à Desertificação;
Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio;
Convenção de Basiléia sobre Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos;
Convenção de Londres sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de
Resíduos e Outras Matérias;
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar;
Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional especialmente
como Habitat de Aves Aquáticas (RAMSAR);
Meio ambiente e as empresas brasileiras
A maioria das empresas brasileiras, ainda age de forma quase exclusivamente reativa aos problemas ambientais. A incorporação da variável ambiental é feita basicamente por meio da fiscalização das instituições públicas ambientais e da pressão ecológica-social, tanto local quanto internacional. Muitos empresários ainda não aceitam a possibilidade de se obter, conjuntamente, o crescimento econômico e a proteção do meio ambiente. Na maioria das vezes, a prática ambiental restringe-se ao cumprimento das normas de poluição e aos Relatórios de Impacto Ambiental (Maimon, 1992).
No entanto, essa situação está tendendo a mudar, a medida que um número pequeno, mas sempre crescente de empresas está começando a incorporar a variável ambiental dentro dos seus modelos de gestão, percebendo que essa postura traz economia e vantagens competitivas. A liderança empresarial precisa estar comprometida com o desenvolvimento sustentável e, como ponto de partida, já tem um direcionamento a seguir, dado pela Agenda 21.
Em algumas indústrias, o meio ambiente já está sendo trabalhado de uma maneira sustentável. Mas todo o meio empresarial brasileiro deve se engajar nesse processo, reconhecendo que “não pode haver desenvolvimento econômico sem que ele seja sustentável” (Schmidheiny, 1992).
Novas práticas tecnológicas-ambientais podem propiciar uma interação positiva entre empresa/natureza/meio social. Resíduos podem se transformar em novas oportunidades de negócio, no lugar de serem tratados como dejetos poluídores; deve-se prestar atenção à “gestão
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dos ciclos de vida” dos produtos, reciclagem, desenvolvimento de tecnologias limpas, substituição de materiais e de processos poluentes por outros menos poluidores; ou , cada vez mais, buscar atingir a meta de “índice zero de poluição”, trabalhando com a prevenção da poluição. Novos conceitos devem ser trabalhados dentro das empresas como eco-eficiência e princípio da precaução.
Também o sistema de mercados deve contemplar preços de produtos, fixados de modo a refletir os custos do meio ambiente, ou seja, incluir as externalidades. As “externalidades” referem-se “aos danos ambientais causados por alguma atividade a terceiros” (Maimon, 1996). A economia tradicional não incorpora esses danos ambientais no estabelecimento de preços dos produtos resultantes de empreendimentos privados sobre os bens coletivos.
Uma nova relação, baseada em cooperação tecnológica, deve ser estimulada e desenvolvida, envolvendo empresas, universidades, governos, empregadores e empregados, fornecedores, consumidores e grupos de cidadãos (Schmidheiny, 1992).
A questão energética, a gestão da água, a agricultura e a exploração florestal devem merecer uma atenção especial com relação às questões pertinentes à sustentabilidade.
Nesse contexto, ressaltamos, aqui, a importância da criação do Business Council for Sustainable Development – BCSD (Conselho de Negócio para o Desenvolvimento Sustentável), no final de 1990, por um grupo de líderes empresariais mundiais.
O que se vê até hoje, em pleno ano 2000, é que os países desenvolvidos continuam perpetuando os mesmos padrões tecnológicos de produção e de consumo, gerando uma forte pressão sobre os recursos naturais, enquanto uma grande maioria da população pobre dos países em desenvolvimento não possuem suas necessidades mínimas básicas supridas.
Reflexão Parece que se desenvolveu em todo mundo um sentimento de impunidade desenvolvimentista (Viola, 1987) onde os custos sociais e ambientais do nosso crescimento econômico ainda não são muito percebidos e nem levados em consideração. Está na hora de mudar essa postura, você não concorda?
Alguns dados importantes para reflexão
O Brasil já possui um sistema de certificação de madeira, objetivando estimular o manejo sustentável, de modo a se fazer uma exploração mais racional das madeiras retiradas das florestas brasileiras. Hoje, 30 a 45 milhões de metros cúbicos de madeira são absorvidos pelo mercado brasileiro. No entanto, 80% dessa madeira é extraída ilegalmente, ou de maneira predatória, desmatando duas vezes mais floresta do que se seria necessário. Atualmente, está sendo lançado, em São Paulo, um grupo restrito de empresas pioneiras que aderiram à madeira certificada, chamado de “Compradores de Madeira Certificada”. A responsabilidade de coordenação dos seminários sobre madeira certificada é da organização não-governamental “Amigos da Terra”.
O Relatório de 1999 das Nações Unidas para o Desenvolvimento coloca o Brasil como pertencente ao grupo de países de médio desenvolvimento humano,
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na 79a posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os 174 países avaliados. O IDH é um indicador desenvolvido pela ONU para medir a qualidade de vida das pessoas. Não se baseia exclusivamente na renda econômica (PIB per capita). Outros dois fatores indicadores da qualidade de vida foram acrescentados, como saúde (avaliada pela expectativa de vida ao nascer) e educação (avaliada por meio de taxas de matrículas e alfabetização).
O Relatório sobre Pobreza Mundial do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), divulgado em Nova York, revela que, no Brasil, a redução da pobreza (segundo critério da ONU, pobres são aqueles que possuem rendimento de, no máximo, 2 dólares por dia) e da indigência (aqueles que vivem com até 1 dólar por dia), relativa aos 20 anos compreendidos entre 1977 até 1997, foi bastante pequena. O relatório recomenda a mudança do gasto social no País, considerando que a forma atual traz maiores benefícios à classe mais rica do que a classe pobre. Também revela que esta situação de pobreza/indigência é maior entre os negros do que entre brancos e asiáticos, e mais acentuadamente presente no Nordeste do que nas outras regiões do país. Embora no Nordeste vivam apenas 30% dos brasileiros, essa região concentra 63% de todos os que vivem na indigência. Aponta que o maior número de beneficiados com os bens públicos como por exemplo, água potável e rede de esgoto é a classe rica, e não a pobre.
Um estudo patrocinado pela União Européia e pela Agência Espacial dos EUA (NASA) indicou que, até agora, a camada de ozônio sobre o Círculo Polar Ártico diminuiu 60%.
A publicação, pela ONU, do documento “Agenda for Development” (Agenda para o Desenvolvimento), onde o mundo foi informado da viabilidade da formação de seres replicantes a partir de células diferenciadas, com a apresentação da ovelha Dolly.
A Conferência Internacional sobre a Água, realizada em Paris, em 1998, chamou a atenção para o fato de que a crise da água é um dos nossos maiores desafios, sendo considerado o bem mais importante do século XXI. Já é um recurso escasso em muitos países como Tunísia, Israel, Jordânia, Líbia, Malta e os territórios palestinos. Em mais de 50 regiões do planeta estão ocorrendo frequentes conflitos pela posse da água. A distribuição da água doce no mundo é alvo de mobilização dos tomadores de decisão dos Estados. Só 1% da água do planeta é doce e apta para consumo humano. O relatório apresentado pelas Nações Unidas revelou que dois terços da humanidade estão destinados a passar sede antes de 2025, caso não sejam tomadas medidas urgentes relacionadas à gestão de água doce nas áreas
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urbanas e rurais. O Banco Mundial, por meio de seu relatório, informou que 1,4 bilhão de pessoas vivem em regiões de seca permanente.
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GLOSSÁRIO
Paradigma: é uma constelação de conceitos, valores, percepções, técnicas e atividades, compartilhados por um grupo de cientistas, que os usam para solucionar problemas (Morin, 1993).
Heliocêntrico: o sol é o centro do sistema planetário, e tudo se move ao seu redor.
Geocêntrico: a terra era o centro do sistema planetário.
Sistema aberto: consiste em “componentes interdependentes que interagem regularmente e formam um todo unificado” (Webster’s Collegiate Dictionary citado por Odum, 1983).
Recursos renováveis: “são recursos que podem ser regenerados” (Ricklefs, 1993):
1 . Os recursos que “têm uma fonte que é externa ao sistema, fora da influência dos consumidores. Exemplos: a luz do sol, a precipitação da chuva local”.
2. Os recursos que “são gerados dentro do sistema, que podem ser repostos continuamente e são diretamente afetados pelas atividades dos consumidores. Exemplos: madeira, interação predador-presa, planta-herbívoro e parasita-hospedeiro”.
Recursos não-renováveis: “são recursos que existem em quantidades fixas em vários lugares na crosta da Terra e têm potencial para renovação apenas por processos geológicos, físicos e químicos que ocorrem em centenas de milhões de anos, e não na estrutura de tempo da civilização corrente. O carvão mineral, os minérios e o petróleo são recursos não-renováveis” (Dicionário de Ecologia e Ciências Ambientais, 1998).
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UNIDADE II
BASES FILOSÓFICAS-CIENTÍFICAS DO PENSAMENTO AMBIENTAL
Sueli Amália de Andrade
Objetivos Compreender por meio da análise das principais correntes filosóficas e do desenvolvimento da Ciência, os paradigmas filosóficos-científicos dominantes nas sociedades ocidentais contemporâneas do século XX e construir um novo paradigma alternativo: o ambiental.
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1. PARADIGMAS DOMINANTES EM INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
As teorias científicas não estarão aptas a fornecer uma descrição
completa e definitiva da realidade. Serão sempre aproximações da
verdadeira natureza das coisas” (Capra, 1982).
Os paradigmas filosóficos-científicos dominantes na atualidade foram construídos tendo como
base as principais correntes filosóficas iniciadas a partir da época moderna (século XVII) e o
desenvolvimento das ciências. Esses paradigmas influenciaram profundamente o processo
civilizatório do mundo ocidental, conduzindo-nos a modelos de desenvolvimento incompatíveis
com o equilíbrio ecológico, que acabaram deflagrando a presente crise ambiental (conforme já
foi visto na Unidade I desse livro). Toda esta conjuntura afetou profundamente a forma de pensar
das sociedades contemporâneas do século XX, contribuindo significativamente para a formação
do pensamento ambiental.
De uma forma mais explícita, ao nos referirmos às bases filosóficas-científicas do
pensamento ambiental, estamos querendo dizer sobre que conhecimentos e teorias ele foi
desenvolvido e construído. Isso nos leva, obrigatoriamente, a identificar a sua etiologia através
dos antecedentes históricos das principais correntes filosóficas-científicas que lhe influenciaram,
o que elas significam e por que adotaram determinados conceitos, modelos e formas de
raciocínio.
Para nos auxiliar um pouco mais no entendimento deste tema, vamos ver também, de uma
forma bem geral, o significado da Filosofia e da Ciência.
Assim, poderemos compreender e refletir melhor sobre as concepções filosóficas-
científicas predominantes no pensamento ambiental contemporâneo. Somente após estas
reflexões é que poderemos estabelecer as rupturas, que vão nos conduzir à “mudança de
paradigma”. A partir daí, poderemos ousar propor a construção de um novo paradigma
alternativo, que estimule a formulação de uma outra nova forma de pensar, de agir e de resolver
as questões ambientais modernas, sendo compartilhada pelas sociedades ocidentais
contemporâneas.
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2. A FILOSOFIA E A CIÊNCIA
Etimologicamente, filosofia significa “amor à sabedoria”. A criação da palavra filosofia é atribuída ao filósofo grego Pitágoras, que viveu no século V antes de Cristo (Chauí, 1997). Entretanto, com o decorrer do tempo, ela foi perdendo esse seu significado etimológico, passando a designar não apenas o amor à sabedoria, mas um tipo especial de sabedoria, que nasce do uso metódico da razão e da investigação racional em busca do conhecimento. Portanto, o saber (ou o conhecimento) filosófico procurava explicar o mundo por princípios racionais e lógicos, tendo como finalidade conhecer as relações de causa e efeito entre as coisas. Durante a Idade Média, este saber filosófico abrangia a totalidade do conhecimento desenvolvido pelo homem, incluíndo os vários campos do conhecimento tais como a matemática, astronomia, física, biologia, lógica, ética, entre outros (Cotrim, 1991). Portanto, no seu início, a ciência estava ligada à filosofia (Aranha & Martins, 1993).
A partir do século XVII, houve uma divisão e fragmentação da Ciência, gerando estudos especializados. Isto promoveu a autonomia das ciências, fazendo com que, aos poucos, começassem a se desenvolver pesquisas em campos específicos, identificando-as como ciências autônomas ou particulares, tornando-se independentes (Chauí, 1997). O que aconteceu nesse momento, na verdade, foi o nascimento das ciências, tal como a entendemos hoje (Aranha & Martins, 1993).
Nos dias de hoje, a especialização do saber ainda permanece, pela qual diversas ciências delimitam seus próprios objetos de investigação científica, determinam suas metodologias de pesquisa, e realizam seus estudos nos respetivos recortes da realidade.
Embora a filosofia tenha sido aparentemente esvaziada do seu conteúdo devido ao surgimento e separação das ciências particulares, ela continua tratando da mesma realidade apropriada pelas ciências, só que sem abrir mão de considerar o seu objeto sob o enfoque da totalidade. Da ótica filosófica, o problema sempre é analisado dentro da perspectiva de conjunto, levando-se em conta o contexto onde está inserido, e nunca de forma parcial (Aranha & Martins, 1993). Assim, a filosofia pretende superar a fragmentação estimulada pela ciência tradicional, objetivando evitar que o homem deixe-se levar pela alienação do saber estanque. Por isso, a filosofia tem a função de nos induzir a uma reflexão crítica a respeito das várias formas do saber e do agir humanos, fazendo juízo de valor, ou seja, julga o valor da ação, buscando compreender o seu significado, a partir da experiência. Mas, a filosofia não faz só isso: ela vai além pois não vê apenas “o fato como é”, mas “como deveria ser” (Aranha & Martins, 1993).
A filosofia busca a compreensão profunda de todos os seres, a reflexão sobre os conhecimentos desenvolvidos por todas as ciências, a procura de respostas à finalidade, ao sentido e ao valor da vida e do mundo. Pertence à filosofia o estudo geral dos seres, do nosso conhecimento e do valor das coisas (Cotrim, 1991).
Em contrapartida, a Ciência (etimologicamente significa sabedoria, conhecimento), na sua busca para explicar e compreender o mundo, se desenvolve questionando a realidade, onde os cientistas trabalham na solução de problemas, segundo a exigência da razão. Deste modo, constitui-se o “saber científico”. O saber filosófico não se opõe a ele. O que diferencia um do outro é o enfoque, conforme já dito anteriormente: enquanto a ciência preocupa-se com a
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resolução de problemas específicos, a filosofia busca obter uma visão global e crítica do saber humano.
Posteriormente, a própria reflexão filosófica se orienta para a Filosofia da Ciência, que trata da reflexão crítica sobre os conhecimentos científicos, em que são discutidas questões como estudo do método de investigação científica, a natureza das teorias científicas e a sua capacidade de explicar a realidade, o papel da ciência e sua utilização na sociedade (Cotrim, 1991).
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3. A IDADE DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA: OS PARADIGMAS FILOSÓFICOS-CIENTÍFICOS
Para facilitar o nosso estudo, vamos identificar, inicialmente, os períodos da filosofia que vão ser abordados neste tema. São eles:
Filosofia do Iluminismo, ou das Luzes ou da Ilustração, que abrange os meados do século XVIII ao começo do século XIX;
Filosofia Contemporânea, que abrange os meados do século XIX e chega até os nossos dias.
Também vamos definir todas as Idades Históricas, com seus séculos e anos correspondentes, que são:
Pré-História: até 3500 a.C.; Idade Antiga: de 3500 a. C. até 476 d. C.; Idade Média: de 476 até 1453; Idade Moderna: de 1453 até 1789; Idade Contemporânea do Século XIX: de 1789 até 1914; Idade Contemporânea do Século XX: de 1914 até 2000.
A Idade Moderna, iniciada no século XVII, também chamada de “A Idade da Revolução Científica”, teve uma influência fundamental da filosofia e das ciências na promoção de mudanças revolucionárias nos métodos de análise científica, na cultura e no desenvolvimento dos povos. O conhecimento científico orienta-se para a dominação e transformação do mundo, ou seja, a ciência se converte em força de produção, virando um instrumento de poder, “a ciência é um saber que se converte em poder”.
Portanto, o nosso estudo vai ser feito baseando-se nas principais influências que a filosofia e a ciência exerceram na construção e na consolidação dos paradigmas filosóficos-científicos dominantes, desde a Idade Moderna até os dias de hoje. (Idade Contemporânea do século XX).
O Paradigma Racionalista Cartesiano
No século XVII surgiu a corrente filosófica conhecida como “racionalismo” ou “racionalismo cartesiano”, formulada pelo filósofo francês Renée Descartes (1596-1650). O racionalismo cartesiano pode ser conceituado como a doutrina que atribui à razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e estabelecer a verdade, independentemente da experiência dos sentidos, rejeitando toda e qualquer intervenção dos sentimentos e das emoções. Assim, o conhecimento científico verdadeiro, capaz de ser universalmente aceito, só pode ser fornecido pela razão humana, independentemente da experiência sensorial. A experiência sensorial, do ponto de vista dos racionalistas, constitui-se em uma fonte de confusões e erros sobre a realidade do mundo (Cotrim, 1991; Chauí, 1997).
Descartes pretendeu estabelecer um método universal que deveria ser empregado pela filosofia e por todas as ciências, indistintamente, com o objetivo de conduzir bem a razão humana e de procurar a verdade nas ciências (Japiassu, 1993). O método é visto como um “instrumento racional para adquirir, demonstrar ou verificar conhecimentos” (Chauí, 1993).
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Assim, Descartes considerou que a ciência é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a matemática. A dedução, ou o argumento dedutivo, refere-se a uma demonstração, que vai do geral ao particular, e que é capaz de chegar a uma conclusão certa a partir de um conjunto de proposições que se encadeiam umas às outras obedecendo a uma ordem (Japiassu, 1991). Dessa forma, o método de raciocínio dedutivo de Descartes consiste da decomposição de problemas e pensamentos em partes, sendo essas partes organizadas pelas relações causais. Portanto, o todo é compreendido a partir da fragmentação e análise dessas partes isoladas (Capra, 1982) .
Descartes prova a verdade de seus enunciados, demonstrando as relações de causalidade (ou relações causais) que regem o objeto alvo de investigação (Chauí, 1997). Causalidade significa que “todo fenômeno possui uma causa” (Barbosa, 1991). Em outras palavras, “um fenômeno anterior (a causa) produz um fenômeno posterior e conseqüente (o efeito)” (Souza Filho, 1991). Portanto, para Descartes, a racionalidade é linear, ou seja, de causa e efeito.
Descartes estabeleceu que a única verdade absolutamente certa e segura, e completamente isenta da dúvida era a seguinte: “meus pensamentos existem. E a existência desses pensamentos se confunde com a essência da minha própria existência enquanto ser pensante” (Cotrim, 1991). A conclusão a que chegou ficou marcada na história pela sua famosa frase: “Cogito ergo sum”, que quer dizer, “Penso, logo existo”, e teve uma significativa influência na ciência e na cultura ocidental, conforme veremos daqui a pouco.
A filosofia cartesiana possui algumas características peculiares, das quais vamos destacar duas (Japiassu, 1991):
É uma filosofia que possui o enfoque de intervenção na natureza, onde se tinha por objetivo “conhecê-la para dela usufruir, controlar e dominar”, valendo-se do exercício do poderio da razão humana sobre a mesma (Chauí, 1997). Enfatiza que, à medida que compreendemos a inteligência das coisas, a partir de seus princípios, obtemos os meios para dominá-las. Descartes afirmou que a ciência deve tornar-nos senhores da natureza e do mundo. Portanto, os seres humanos têm o poder de dominar a natureza através do conhecimento científico, sendo os “mestres e possuidores” da natureza, não seus escravos (Japiassu, 1991). É uma filosofia mecanicista, que compreende o mundo como se fosse uma máquina, ou seja, os fenômenos podem ser explicados pelos dispositivos mecânicos. Advoga que o universo é transparente do olhar da razão e que tudo pode ser explicado através das partículas de matéria divisível. A natureza é tida como o mundo não-humano, despojada de todo dinamismo, de toda criatividade, de toda sensibilidade, de toda consciência, de toda simpatia ou antipatia, de todo calor ou frieza, de toda cor, sabor e odor; em suma, um mundo totalmente mecânico, sem mistério, sem vida e sem nenhuma fecundidade (Japiassu, 1991).
Sem nenhuma finalidade, a natureza passa a ser só um objeto criado, inteiramente à mercê da exploração da razão humana (Japiassu, 1991), disponível para ser trabalhada como se fosse constituída de partes isoladas e fragmentadas, funcionando de acordo com leis mecânicas e matemáticas. Mais tarde, este pensamento, baseado no teísmo mecanicista, deu origem ao ateísmo materialista, em 1651, defendido pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (Capra, 1982).
O Paradigma Racionalista Cartesiano e o Pensamento Ambiental
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O paradigma racionalista cartesiano influenciou o pensamento ambiental porque:
Introduziu uma concepção puramente mecanicista da natureza, onde ela não tem nenhuma finalidade, estando completamente à mercê da exploração humana.
A partir daí, a concepção cartesiana do universo como sistema mecânico forneceu aos seres humanos uma espécie de “sanção científica” (na linguagem de Capra) para que manipulassem e explorassem a natureza, transformando-a em bens e serviços à disposição da sociedade.
A concepção mecanicista da matéria também foi extrapolada para as plantas e para os
animais, assim como para o corpo humano, onde todos são tratados como se fossem máquinas
(Capra, 1982).
Estimulou o desenvolvimento de uma racionalidade instrumental, onde se utiliza os meios sem quaisquer critérios para se atingir os fins, conduzindo a um desrespeito e uso indevido e predatório dos recursos naturais e dos ecossistemas, assim como o desenvolvimento de tecnologias poluidoras.
O método de raciocínio dedutivo de Descartes, em que todos os fenômenos são analisados nas partes que os compõem, levou à fragmentação do pensamento e das disciplinas acadêmicas, conduzindo a um reducionismo na ciência (Rodhe, 1996). Daí a razão da ciência clássica, que foi construída dentro do enfoque cartesiano, apresentar divisões em disciplinas, que são tratadas de forma independente, sem se fazer uma conexão entre elas.
Os conceitos e pensamentos dominantes em Biologia, por exemplo, têm como base o
paradigma cartesiano; até hoje se caracterizam pela fragmentação, onde os organismos vivos e os
ecossistemas são estudados de forma separada.
O método de Descartes, a partir do seu clássico enunciado “penso, logo existo” também
conduziu o pensamento ocidental ao desenvolvimento de uma mente racional, sem trabalhar o
organismo total. Dessa forma, tanto a mente como o espírito foram entendidos como separados
da matéria, ou seja, do corpo, contribuindo para a valorização do trabalho mental sobre o
trabalho manual; a valorização do corpo, isolado da mente; e a desconsideração da dimensão
psicológica das doenças, entre outras (Capra, 1982). A divisão cartesiana entre matéria e espírito, aliada à concepção mecanicista, gerou toda a
base filosófica da secularização do mundo e da natureza. Dessa maneira foi introduzida a idéia de dessacralização completa da natureza, provocando a saída do homem da mesma (Rohde, 1996), como se ele não fizesse mais parte dela. “A rejeição de qualidades espirituais no cosmo, o repúdio a qualquer significado ou propósito intrínseco na natureza” (Tarnas, 1991) e o desaparecimento do divino da visão científica do mundo gerou um vazio espiritual que se tornou característico da nossa cultura ocidental (Capra, 1982).
O Paradigma Empirista
O empirismo é uma das grandes correntes filosóficas dos séculos XVII até XIX. Baseia-se na doutrina de que a explicação do conhecimento e de quaisquer fenômenos pode ser obtida exclusivamente pela observação e da experimentação. Isso permite estabelecer induções, onde
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todo o conhecimento advém da nossa percepção do mundo externo (Souza Filho, 1991). Em outras palavras, os empiristas afirmam que a razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridas por nós por meio da experiência, em oposição aos racionalistas.
Portanto, neste enfoque, a teoria científica é resultado desta experimentação, de modo que a experiência tem o objetivo de verificar conceitos, confirmá-los e produzi-los. Utiliza o método indutivo, ou seja, parte da apresentação de suposições sobre o objeto para se chegar à definição dos fatos (Chauí, 1997).
Assim sendo, o empirismo afirma que nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, ou seja, com as sensações. Estas formam as percepções. Então, temos as percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). As sensações, por se repetirem sucessivamente, leva-nos a associá-las, produzindo as idéias. Resumindo, as idéias trazidas pela percepção sensorial e pelo hábito, ou seja, pela experiência, chegam à memória, onde a razão as apanha para formar os pensamentos (Chauí, 1997).
Dessa forma, o conhecimento sempre depende das verificações a serem feitas e das
experiências das pessoas. Isso torna a concepção empirista fortemente individualista, visto que a
experiência sempre é individual (Souza Filho, 1991).
Um dos principais filósofos empiristas clássicos foi o inglês Francis Bacon (1561-1626).
Bacon foi o primeiro a desenvolver o método indutivo de investigação científica, em que se parte
de dados particulares para se chegar a uma verdade universal (Aranha & Martins, 1993). Teve
uma profunda paixão pela experimentação científica, atuando na defesa de que a ciência deveria
valorizar a pesquisa experimental. Criou o famoso lema “saber é poder”, dentro da sua
concepção de que os conhecimentos científicos são um instrumento prático de controle da
realidade (Cotrim ,1991).
Os temas centrais da doutrina empirista são:
Defesa de uma ciência prática, baseada no método experimental indutivo. As leis
científicas, formuladas pela da indução, seriam o resultado de
generalizações baseadas na observação da repetição de fenômenos com
características constantes. Portanto, a lógica indutiva constitui o alicerce
da concepção empirista de ciência, que se contrapõe ao racionalismo
(Souza Filho, 1991).
Ao contrário do racionalismo cartesiano, que defende a existência do princípio de
causalidade, a doutrina empirista afirma que a relação de causa e efeito
não existe e não ocorre na natureza; ela só “reflete nossa maneira de
perceber as relações entre os fenômenos”, sendo uma projeção de nossa
forma de perceber o que realmente acontece na natureza (Souza Filho,
1991; Aranha & Martins, 1993). O paradigma empirista influenciou o pensamento ambiental da seguinte forma:
Ao enfatizar que os conhecimentos científicos servem para controlar a realidade, abriu caminho para que a ciência também possa ser utilizada como um instrumento de dominação e controle da natureza.
Ao postular que o conhecimento sempre depende das experiências pessoais, induziu as pessoas a desenvolverem concepções bem individualistas, visto que a experiência só pode ser percebida por cada pessoa,
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individualmente. Dessa forma, se assumiu que o indivíduo é mais importante do que a sociedade. Assim, os efeitos negativos das ações humanas na natureza, produzidos por grupos de pessoas com interesses econômicos e de exploração específicos, não são analisados do ponto de vista do que causam à sociedade em geral; só interessa os benefícios obtidos que, em última análise, vão redundar em maiores ganhos econômicos para esses grupos específicos.
Ressaltamos, aqui, após as abordagens racionalista e empirista, que a ciência newtoniana, de Isaac Newton (1642-1727) foi profundamente influenciada tanto pela concepção racional dedutiva de Descartes quanto pela concepção empirista indutiva experimental de Bacon. Em seus “Principia”, combinou ambos os métodos, criando a metodologia newtoniana. Portanto, a ciência newtoniana é caracterizada pela racionalidade, pelo empirismo, pelo mecanicismo e pelo determinismo (Souza Filho, 1991). Newton, utilizando a sua metodologia, elaborou a teoria da gravitação universal. A Lei da Gravidade influenciou grandemente a biologia, a física, a química, a psicologia e as ciências sociais desde que foi formulada, ela foi utilizada como base pela ciência em geral, o que ocorreu até o final do século XIX e início do século XX, quando, então, entrou em declínio. Somente a partir daí, com as novas descobertas e com as novas formas de raciocínio advindas da teoria da relatividade e da teoria quântica, é que se começou a perceber as limitações do modelo newtoniano (Aranha & Martins, 1993).
Paradigma do Criticismo Kantiano
No século XVIII, quando teve início a revolução Industrial, com o advento da máquina a vapor, foi estabelecida a ligação entre a ciência e a técnica, provocando modificações profundas no meio ambiente. Esse século, também conhecido como Iluminismo, Século das Luzes ou Ilustração, devido ao otimismo no poder da razão para reorganizar o mundo, foi o pano de fundo para a emergência do método conhecido como criticismo, proposto por Immanuel Kant (1724-1804), através da sua obra “Crítica da Razão Pura” (Aranha & Martins, 1993).
O criticismo kantiano refere-se à atitude crítica, que foi uma postura predominante nessa época. Uma pessoa crítica é aquela que tem posições definidas e independentes, pensa por si própria e só aceita como verdade aquilo que está estabelecido, após o seu exame do fato (Aranha & Martins, 1993).
Portanto, considera-se que foi a partir do iluminismo que os homens começaram a pensar por si próprios, sem se deixar dominar e serem manipulados.
O criticismo influenciou o pensamento ambiental por introduzir a postura crítica, contrapondo-se à uma postura de aceitação submissa dos fatos. Isso fez com que novos cientistas e pensadores, especialmente a partir do século XX, iniciassem o questionamento sobre as teorias e modelos científicos dominantes, estabelecendo uma conexão entre eles e a atual crise ambiental. Esta postura está permitindo que novos paradigmas sejam criados, com o propósito de solucionar os desastres ambientais já ocorridos e de evitar que outros venham a ocorrer.
O Paradigma Positivista
No século XIX, em meio às transformações ocorridas com a revolução industrial, emergiu a filosofia pós-kantiana, baseada no positivismo, que tem em Augusto Comte (1798-1857) o seu principal representante (Cotrim, 1991).
O positivismo refere-se a toda uma diretriz filosófica marcada pela exaltação da ciência e do método científico. Criou o “mito do cientificismo”, segundo o qual o único conheci mento possível e perfeito é o proveniente da ciência (Aranha & Martins, 1993). Reflete, no plano filosófico, a euforia surgida pelo desenvolvimento da sociedade capitalista industrial,
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acreditando nos benefícios que a revolução industrial poderia gerar e no progresso capitalista, orientado pela técnica e pela ciência. As penosas conseqüências sociais advindas da industrialização eram justificadas ou menosprezadas pelo positivismo. Comte defendeu a legitimidade da exploração industrial, concordando com a existência dos empreendendores capitalistas e dos operadores diretos (o proletariado) (Cotrim, 1991).
Na sua doutrina, postula que:
todo conhecimento deve se pautar em uma “observação sistemática”, condição necessária para se proceder a uma investigação científica sadia (Simon, 1991);
o espírito humano reconhece a impossibilidade de obter noções absolutas, levando-o a desistir de procurar a origem e o destino do universo e a desvendar as causas dos fenômenos. Assinala que o que importa é conhecer os fenômenos através das suas leis, o que faz a ciência existir (Simon, 1991).
Segundo Comte, “somente são reais os conhecimentos que repousam sobre fatos observados”. Daí advém a “utilidade do conhecimento”, que significa prever e controlar os fenômenos para construir a sociedade positiva (Simon, 1991). Assim, o conhecimento científico positivista se torna um instrumento humano de transformação da realidade, onde o homem é capaz de prever os fenômenos naturais e de dominar a natureza (Cotrim, 1991).
Comte, assim como vários outros pensadores dos séculos XVIII e XIX, atribuiu o progresso ao desenvolvimento das ciências positivas, através da qual se adquire mais conhecimento e aperfeiçoa os meios técnicos, conduzindo à felicidade, riqueza e segurança. Por isso, acreditava que “o progresso faz com que o presente seja melhor do que o passado e que o futuro será melhor do que o presente” (Simon, 1991). Entretanto, dizia que o progresso está sempre associado à idéia da ordem, devendo se subordinar a ela. Surgiu, então, o lema positivista aplicado à sociedade: “ordem e progresso”. Este slogan viria, mais tarde, fazer parte da bandeira brasileira (Chauí, 1997).
Na sua obra “Discurso sobre o espírito positivo”, são identificadas as características do positivismo, tais como (Cotrim, 1991):
realidade: pesquisa de fatos reais;
utilidade: busca do conhecimento visando o aperfeiçoamento individual e coletivo do homem, desprezando-se as especulações ociosas e vazias;
certeza: conhecimentos capazes de estabelecer a harmonia lógica na mente do próprio indivíduo e a comunhão espiritual em toda a espécie humana.
precisão: conhecimento que se opõe ao vago, baseando-se em enunciados sem ambiguidades, rigorosos;
organização: construir e sistematizar metodicamente o conhecimento humano;
relatividade: o conhecimento científico positivo não é absoluto, mas relativo, podendo admitir a continuidade de novas pesquisas que gerassem teorias com teses opostas ao conhecimento estabelecido.
Dessa forma, por admitir o aperfeiçoamento dos conhecimentos humanos, a ciência é considerada positiva.
Comte classificou as ciências de uma forma hierárquica, com base em critérios de classificação definidos como: a ordem cronológica de seu aparecimento; a complexidade crescente de cada uma das ciências: da mais simples e abstrata (matemática) até a mais complexa
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e concreta (sociologia). Assim, estabeleceu a seguinte ordem: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia (Simon, 1991; Aranha & Martins, 1993).
No século XX, após a primeira guerra mundial, houve o ressurgimento do positivismo pelo positivismo lógico, também chamado de empirismo lógico, empirismo científico ou neopositivismo. Ele se refere às idéias e ao ponto de vista em relação à filosofia associados ao Círculo de Viena (Simon, 1991), que será visto ainda nesta Unidade.
O paradigma positivista afetou profundamente o pensamento ambiental porque:
Introduziu a filosofia do progresso, entendido como avanço técnico-científico e acúmulo de bens materiais. Esse tipo de progresso está sendo obtido à custa de um estilo de desenvolvimento insustentável, produzido por um domínio degradador sobre a natureza.
Considerou a tecnologia e a ciência como instrumentos humanos de transformação da realidade, podendo ser utilizados pelos homens para dominar a natureza e para estabelecer previsões sobre os fenômenos naturais. Assim, disseminou a crença de que a técnica e a ciência são perfeitamente capazes de solucionarem os problemas do mundo, passando esta crença para as pessoas. Hoje sabemos que esta confiança ilimitada na tecnologia e nos métodos científicos se mostraram totalmente frustantes.
Afirmou que o conhecimento científico é relativo e não absoluto, admitindo, assim, que novas teses científicas podem surgir, contrapondo-se ao conhecimento já estabelecido, e permitindo novos enfoques e novas abordagens ambientais.
Supervalorizou os fatos, as provas e a experiência, em detrimento dos fenômenos metafísicos ou transcendentes. Em outras palavras, desprezou totalmente tudo aquilo que transcende os limites da experiência possível e que não resulta do jogo natural de uma certa classe de seres ou de ações, que supõe a intervenção de um princípio que lhe é superior, ultrapassando a nossa capacidade de conhecer.
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4. A CRISE DA CIÊNCIA NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX
No auge do cientificismo do século XIX, o homem estava absolutamente convencido da excelência do método científico (descoberto no século XVII), considerando-o como o único instrumento válido para conhecer a realidade e os segredos da natureza e do universo. A filosofia positivista exaltava a capacidade do homem de transformar e melhorar o mundo pela ciência e pela técnica. A educação, até então baseada só no conhecimento humanístico, foi reformulada de modo a incluir o estudo científico no currículo escolar e atender às exigências do avanço tecnológico (Aranha & Martins, 1993).
Contudo, ainda no final desse século e no início do século XX, surgiram novas descobertas, novas teorias e novas formas de pensamento que abalaram as concepções científicas clássicas, desencadeando a crise da ciência moderna e abrindo caminho para as revoluções científicas.
Algumas dessas principais descobertas foram (Aranha & Martins, 1993; Pepe, 1999):
A geometria não-euclidiana: os postulados da geometria plana euclidiana, estabelecidos por Euclides no século III a. C., foram suplantados por novos modelos geométricos, provocando o desmoronamento do critério de evidência em que se baseavam os postulados euclidianos, e mostrando a necessidade de se repensar a matemática. Os novos modelos, propostos pelo matemático russo Labatchevski, em 1826, e pelo matemático alemão Riemann, em 1854, evidenciaram que era possível construir geometrias igualmente rigorosas e coerentes, a partir de outros enunciados que não os euclidianos. Por exemplo, a teoria da relatividade proposta por Einstein, citada a seguir, não se explica pela geometria euclidiana mas, sim, pelo modelo de geometria estabelecido por Riemann (Aranha & Martins, 1993).
A teoria da relatividade: enunciada em 1905 por Albert Einstein, fez ruir as relações clássicas entre espaço e tempo, originando o modelo einsteiniano. Einstein também desenvolveu uma nova forma de considerar a radiação eletromagnética, que se tornaria característica da física quântica, elaborada por um grupo de físicos vinte anos mais tarde (Aranha & Martins, 1993; Capra, 1982).
A física não-newtoniana: conforme já mencionado, desde que a teoria newtoniana foi formulada, ela foi considerada a base exclusiva do desenvolvimento da ciência. Contudo, a teoria da relatividade, associada às novas descobertas de De Broglie no campo da física quântica, na década de 1920, permitiram a formulação do “princípio de incerteza” (ou de indeterminação), feito por Heisenberg, que afirma que “é impossível determinar simultaneamente e com igual precisão a localização e a velocidade de um elétron” (Aranha & Martins, 1993). Isso demonstrou a impossibilidade de se observar e de se ter um conhecimento objetivo dos
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fenômenos naturais , o que foi tido como um “irracionalismo” no meio científico.
Toda esta nova teoria, considerada não-newtoniana, mostra a unicidade do universo, do mundo e da natureza, em que não se pode dividi-los em partes isoladas; pelo contrário, eles se mostram como uma “teia interligada de relações dinâmicas” (Capra, 1982). Assim, o modelo newtoniano mecanicista começou a ser questionado, por não ser mais suficiente e capaz de explicar as novas teorias surgidas no mundo científico, gerando incertezas quanto à sua verdadeira legitimidade científica. Aos poucos, foi sendo minado, não tendo chance de continuar a ser proposto (Aranha & Martins, 1993; Pepe, 1999).
Também outros pensadores dessa época começaram a manifestar suas dúvidas nos métodos científicos, como por exemplo Poincaré (1853-1912), que afirmou que “as teorias não são nem verdadeiras, nem falsa, mas úteis” (Aranha & Martins, 1993). Este cenário de mudanças nas teorias científicas fez com que a exaltação positivista da ciência recebesse um duro golpe, pondo em dúvida a crença na sua infalibilidade e provocando o início do desmoronamento do cientificismo (Aranha & Martins, 1993).
Toda essa situação de incerteza criou, no início do século XX, a necessidade de se proceder a uma reavaliação do conceito de ciência, da validade dos modelos científicos, dos critérios de certeza científica e da relação entre ciência e realidade (Aranha & Martins, 1993). Começou-se a perceber que a ciência não pode ser entendida apenas e somente como um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos, que avança constantemente em direção a um estado final (Popper, citado por Aranha & Martins, 1993).
Assim, começaram a ser delineadas novas teorias e posições em relação às ciências, caracterizando a visão contemporânea do século XX.
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. VISÃO DA CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA (SÉCULO XX)
O Positivismo Lógico (ou empirismo lógico ou neopositivismo) do Círculo de Viena Círculo de Viena, surgido em 1926, refere-se a um grupo de pensadores e estudiosos da ciência, sendo em sua maioria professores da Universidade de Viena (Wittgenstein: 1889-1951; Rudolf Carnap: 1891-1970), que se reuniam sob a liderança de Moritz Schlik (1882-1936), com o objetivo de discutir os problemas da ciência, da lógica e da metodologia científica. Este grupo representa a tendência neopositivista, também conhecida como empirismo lógico ou positivismo lógico, em que são retomados alguns princípios empiristas no desenvolvimento de uma teoria e de uma metodologia com ênfase na experimentação e na verificação (Souza Filho, 1991; Aranha & Martins, 1993; Pepe, 1999), onde o conhecimento é interpretado por meio de enunciados ou de sentenças (Dutra, 1998).
O Racionalismo Crítico da Teoria de Popper
Karl R. Popper (1902-1994) defendeu o racionalismo crítico, argumentando que a ciência é racional, à medida que as teorias científicas podem ser criticadas. Ele introduziu na ciência a idéia de que “o que prova que uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada”, ou seja: não basta que uma teoria seja verificável, é preciso que eventualmente possa se provar que ela seja falsa (Morin, 1996). Isto é chamado de “condição de refutabilidade” (ou falibilismo). Só quando uma teoria resiste à refutação, é que ela é confirmada ou corroborada (Aranha & Martins, 1993). Dessa forma, antecipa o modo em que se dá o desenvolvimento da ciência.
A Posição de Kuhn
Thomas Kuhn (1922), em oposição à teoria de Popper, refuta a idéia de que o desenvolvimento da ciência tenha ocorrido graças à “condição de refutabilidade”. Defende que a evolução e o progresso da ciência ocorrem pela tradição intelectual, representada pelo “paradigma” (Aranha & Martins, 1993). O paradigma, segundo Kuhn, é uma constelação de conceitos, valores, percepções, técnicas e atividades, compartilhados por um grupo de cientistas, que os usam para solucionar problemas (Morin, 1993). Podem ocorrer determinadas situações em que o paradigma não consegue resolver os problemas, quando, então, cede seu lugar a um novo paradigma (Aranha & Martins, 1993). Portanto, para Kuhn, o desenvolvimento da ciência se dá não por acumulação dos conhecimentos, mas por uma série de revoluções científicas, caracterizadas “pelas transformações dos princípios que organizam o conhecimento”, provocando uma mudança de paradigma (Morin, 1993).
A Posição de Feyerabend
Paul Feyerabend (1924) acredita que “não existe norma de pesquisa que não tenha sido violada” (Aranha & Martins, 1993). Afirma que nenhuma teoria tem o privilégio da verdade sobre as outras, não se podendo dizer que uma teoria nova é maior que a anterior e que a absorve (Morin, 1993).
Habermas
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Jurgen Habermas caracteriza as sociedades contemporâneas como sociedades racionalizadas. Essa racionalidade refere-se à razão instrumental, que prega o uso dos meios para se atingir aos fins, visando à dominação da natureza para fins lucrativos, colocando a ciência e a técnica a serviço do capital (Aranha & Martins, 1993). Dessa forma, denunciou o nosso mundo tecnológico, que é orientado principalmente pelo desenvolvimento econômico (Moraes & Muricy, 1991).
Portanto, conforme já explicitado, toda a base conceitual do paradigma filosófico-científico dominante repercutiu profundamente na cultura, no pensamento ambiental, nos estilos de desenvolvimento e de vida das sociedades ocidentais contemporâneas. Após estas análises, podemos compreender melhor porque o ser humano, pautado por esse paradigma, adotou pensamentos, atitudes e ações anti-ecológicas-sociais, que podem, inclusive, levar o meio ambiente a uma condição de inviabilidade.
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7. NECESSIDADE DE RUPTURAS COM O PARADIGMA FILOSÓFICO-CIENTÍFICO
DOMINANTE
A realidade exige uma nova postura. Em lugar de pequenos acréscimos dentro do paradigma, o conhecimento exige que se rompa com o estabelecido” (Buarque, 1993).
Até o final do século XIX e o início do século XX, tinha-se a certeza plena de que a ciência e a técnica, estimuladas pela Revolução Industrial, seriam perfeitamente capazes de resolver os problemas da humanidade.
No entanto, no final do século XX, o otimismo científico-tecnológico caiu em declínio (Chauí, 1997), devido a vários acontecimentos históricos nefastos como as duas guerras mundiais, o ataque atômico em Hiroshima e Nagasaki, as guerras da Coréia, do Vietnã, do Oriente Médio, da Irlanda, as guerrilhas em vários países da África, os conflitos existentes na América Latina, aliados à toda a devastação ambiental global, à miséria, às doenças e ao crescente atraso dos países não-desenvolvidos, com todas as suas repercussões negativas. Uma das razões da queda desse otimismo foi a constatação de que, até agora, a ciência e a técnica predominantemente utilizadas pelas sociedades não nos conduziram a um mundo mais harmônico e pacífico (Chauí, 1997).
Ao analisarmos os pressupostos da Filosofia e da Ciência Moderna, percebemos que eles nos levaram a uma visão de desencanto. O paradigma filosófico-científico dominante ratificou filosófico-científico dominante ratificou um estado de consciência humano alienante, produzindo um mundo desencantado, habitado por homens e mulheres de olhares igualmente desencantados (Unger, 1991; Tarnas, 1991).
A evolução da ciência está nos mostrando que o mundo, a natureza e o ser humano não podem ser analisados em partes isoladas e independentes. Ou seja, não se pode mais admitir a separação entre matéria e mente, entre o observado e o observador.
Analisando o estado atual do mundo, percebemos, então, que é necessário promover uma mudança de paradigma. Essa mudança implica o ser humano, de forma individual e em grupo, fazer um movimento de volta sobre si mesmo, de forma consciente, e se perguntar:
Onde está o erro? Que grupos de poder e tomadores de decisão são os grandes responsáveis pela adoção e consolidação dos atuais paradigmas filosóficos-científicos dominantes nas sociedades contem-porâneas? Quais as rupturas que precisam ser feitas? O que deve ser mudado? Como promover as mudanças? Que outro paradigma alternativo pode existir?
E eu, assim como você, como pessoas cidadãs, participantes da sociedade como um todo, devemos nos perguntar: até onde eu e você somos também responsáveis, em menor ou maior grau, pela reprodução desse atual paradigma?
Atualmente, está surgindo um novo movimento filosófico, chamado de “descons-trutivismo ou pós-modernismo”, que começa a questionar o pensamento ocidental tradicional predominante em termos de razão, saber, sujeito, objeto, espaço, tempo, necessidade, natureza,
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homem, entre outros (Chauí, 1997). O desconstrutivismo pode nos ajudar na mudança de paradigma: antes de construir um paradigma alternativo, precisamos, primeiro, desconstruir tudo aquilo que não queremos mais.
Contudo, consideramos importante chamar a atenção para o fato de que o processo de desconstrução não significa que temos, necessariamente, de abandonar completamente os conhecimentos anteriores, e só considerar as novas teorias. Dependendo dos fenômenos que queremos pesquisar, podemos levar em conta as teorias tradicionais clássicas, desde que reconheçamos as suas limitações. “A ciência moderna está se dando conta de que todas as teorias científicas são aproximações da verdadeira natureza da realidade; e de que cada teoria é válida em relação a uma certa gama de fenômenos. Para além dessa gama, ela deixa de fornecer uma descrição satisfatória da natureza, e novas teorias têm que ser encontradas para substituir a antiga, ou ampliá-la, aperfeiçoando a abordagem” (Capra, 1982). Sobre este assunto, Louis Pasteur já dizia: “A ciência avança através de respostas provisórias, conjeturais, em direção a uma série cada vez mais sutil de perguntas que penetram cada vez mais fundo na essência dos fenômenos naturais”.
Acreditamos que é necessário estabelecer rupturas com o paradigma filosófico-científico dominante, em função dos fenômenos a serem analisados, particularmente quando ele não consegue mais explicá-los. Na verdade, esse rompimento já vem acontecendo em vários campos das ciências, abrindo espaços para propor, desenvolver e criar novos métodos e novas teorias, que vão se constituir em um novo paradigma. No dizer de Khun, em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”, é preciso promover uma “revolução científica”.
Ocorre uma revolução científica quando se descobre que os paradigmas existentes não conseguem explicar um fenômeno ou um fato, sendo preciso construir um outro paradigma, até então inexistente (Chauí, 1997).
Em nossa conjuntura ambiental atual, a mudança de paradigma é uma questão de sobrevivência do mundo e do ser humano. Precisamos ousar mudar. A vida não é estática, ela implica mudanças, em transformações, em aprender coisas novas, em deixar de lado o que está ultrapassado. Não podemos incorrer nos perigos da acomodação.
Como cita Tofler (1980): “A responsabilidade da mudança está em nós. Devemos começar com nós mesmos, ensinando-nos a não fechar as nossas mentes prematuramente à novidade, ao surpreendente. Isso significa repelir os matadores de idéias que arremetem para matar qualquer nova sugestão, alegando sua impraticabilidade, enquanto defendem o que quer que exista agora como prático, por mais absurdo, opressivo ou impraticável que possa ser... Acima de tudo, significa começar este processo de reconstrução agora...Assim, nós e nossos filhos poderemos tomar parte na excitante reconstituição da própria civilização”.
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8. CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA ALTERNATIVO: O PARADIGMA
AMBIENTAL
A crise ambiental que enfrentamos, nos oferece um indício da urgência de se acelerar o processo de construção de um novo paradigma alternativo. Portanto, o processo de “desconstrução” precisa ser imediatamente seguido pelo processo de “construção”, em que devemos articular a filosofia e as ciências e construirmos, coletivamente, o novo paradigma, buscando um presente e um futuro mais promissor. O objetivo desse novo paradigma deve ser a promoção da dignidade do ser humano e a sustentabilidade do planeta Terra, do cosmos e da humanidade. Este novo paradigma está sendo chamado de “paradigma ambiental” (Rohde, 1996).
O paradigma ambiental deve ser construído com base em uma nova racionalidade – A Racionalidade Ambiental – e em uma nova ética – A Ética Multidimensional (ou Ambiental).
A racionalidade ambiental se contrapõe à racionalidade econômica, mecanicista e instrumental predominante. Sua construção se dá a partir de novas relações entre o homem, a sociedade e a natureza, estabelecendo uma nova base.
Essa base é formada por: novos valores éticos – a ética multidimensional; transformações e formulações de novos conceitos científicos; visão sistêmica do universo e do meio ambiente, e não mais fragmentada, baseada em inter-relações e interdependências; desenvolvimento de tecnologias que sejam compatíveis com o novo sistema de valores, menos consumidoras de recursos, ecológicas e socialmente corretas, e adaptadas aos ecossistemas eàs eco-regiões onde são utilizadas; economia que contemple os custos sócio-ambientais, além dos lucros; uma distribuição de renda e de riqueza mais eqüitativa; mudanças nos focos dos interesses sociais, políticos e econômicos; desenvolvimento sustentável, que envolva uma gestão ambiental participativa e; educação ambiental para a sustentabilidade. Muitos destes assuntos serão trabalhados ao longo deste curso.
Com tantas modificações profundas que a racionalidade ambiental contempla, ela constitui-se em um processo histórico, cultural e político (Leff, 1986).
Os valores éticos são fundamentais para a construção do Paradigma Ambiental, sendo os seus pressupostos. Vamos enfocá-los um pouco mais detalhadamente.
Ética Multidimensional
Etimologicamente, a palavra “ética” deriva do grego “ethos”, significando
“comportamento”.
Ética é a parte da filosofia que trata do comportamento humano, investigando o sentido
que o homem imprime à sua conduta. Pela consciência de si mesmo e do mundo, os homens
desenvolvem comportamentos e ações que refletem os seus valores de vida, direitos, deveres,
certo e errado, justo e injusto, útil e inútil, o bem e o mal (Chauí, 1997; Cotrim, 1991).
O sujeito ético, isto é, a pessoa, só existe quando é um ser consciente de si e dos outros;
quando tem capacidade para controlar e orientar impulsos, desejos e sentimentos, tendo
capacidade para deliberar e decidir sobre questões alternativas; quando é responsável por suas
ações, avaliando as suas conseqüências sobre os outros e quando é uma pessoa livre, sem estar
submetida a poderes que a forcem a sentir, fazer ou querer alguma coisa (Chauí, 1997).
A história mostra que os homens possuem valores éticos diferentes para as mesmas coisa.
Cada sociedade, historicamente situada, constrói sua própria noção de valores éticos dominantes.
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O paradigma ocidental dominante contemporâneo construiu uma ética antropocêntrica, na
qual o homem se considera como centro do mundo e senhor da natureza, considerada um sistema
mecânico e morto, e não um sistema vivo. Essa ética traz, em sua essência, toda a concepção
cartesiana e positivista da vida: fragmentação da natureza, do universo, da sociedade e do
homem; a natureza, com todos os seus recursos naturais, como um bem a ser dominado e
explorado exaustivamente, sem limites; a concepção de progresso como sinônimo de
acumulação de riqueza e também de desenvolvimento científico e tecnológico; a ênfase absoluta
no desenvolvimento das sociedades contemporâneas, priorizando o momento presente e
negligenciando o direito das gerações futuras a uma vida digna em um ambiente saudável;
desconsideração total com o outro ser humano e com as outras formas de vida, demonstrada pela
ausência de solidariedade (Mininni-Medina, 1998; Capra, 1982). Isso nos tem levado à
construção de um mundo caótico em todos os sentidos, em que foram desprezados os valores
éticos sócio-ecológicos.
Para se contrapor a esta ética, uma outra, também inconseqüente, tem se manifestado: a
ética biocêntrica, em que, pela ausência de objetivos civilizatórios, parte-se para considerar o
propósito cósmico como o alcance do equilíbrio da natureza, onde todos os seres vivossão
colocados em uma mesma dimensão, ou seja, o homem passa a ter a mesma importância de uma
planta ou de um animal (Buarque, 1993).
Uma proposta alternativa diz respeito à uma ética multidimensional (ou ambiental), em que
um novo homem, ciente do seu propósito na teia da vida e de que ele é parte indissolúvel do meio
ambiente, mantém relações dialogais com os seus semelhantes, com a natureza, com os outros
seres vivos e com o mundo. Esta ética, baseada em novos valores de cooperação, de qualidade,
de participação e de integração, considera a vida em todas as suas dimensões. A ética multidimensional deve ser reguladora, no qual “os significados tenham a ver com
os propósitos da sociedade; a demanda se aproxime de necessidade; o custo considere a destruição ecológica e os danos sociais “ (Buarque, 1993).
Os princípios éticos podem se manifestar em relações de poder. Só que a racionalidade ambiental exige não o poder traduzido como “domínio exclusivo sobre os outros”, mas o poder concedido a outros com o objetivo de fortalecer o processo decisório, de uma forma dinâmica, democrática, participativa e descentralizada.
Vamos identificar algumas características:
Ética multidimensional
Visão sistêmica do mundo e da vida;
Reconhecimento dos limites de uso da natureza e da finitude dos recursos naturais;
Compromisso com a construção do desenvolvimento sustentável, em uma perspectiva
presente e futura;
Satisfação das necessidades básicas: materiais, culturais e psico-sociais;
Respeito à diversidade cultural, étnica, política, religiosa e de gênero;
Valorização dos outros;