educação ambiental na construção da governança das Águas...
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Educação Ambiental na construção da Governança das Águas – por Roseane Palavizini*
*Roseane Palavizini, Dra. em Engenharia Ambiental; MsC. Urbanismo; Esp. Planejamento, Gestão e Educação Ambiental; Planejamento e Gestão Territorial e Urbana; Planejamento Regional; e Terapia Junguiana.
A efetividade da governança de um território ou de bens comuns, como é o
caso da água, exige a inclusão dos diversos agentes que integram o referido
território - no caso da água, a bacia hidrográfica. A inclusão da diversidade de
modos de vida, visões de mundo e estilos de desenvolvimento comporão a
complexidade do planejamento e da gestão, exigindo a participação dessa
diversidade nas decisões sobre o uso e a ocupação do solo, assim como o uso e
a convivência com as riquezas naturais – os ecossistemas e a água.
Essa interação entre diversidades traz um desafio aos planejadores e
gestores na construção de processos participativos que promovam a interação, o
diálogo, a compreensão e a pactuação de caminhos que visem a equidade social
e a sustentabilidade. A questão central é como promover processos participativos
com uma sociedade tão desigual socialmente e economicamente, com
oportunidades tão distintas e níveis de escolaridade tão distantes? Como incluir
comunidades historicamente excluídas e com tantos analfabetos funcionais?
Esses desafios são enfrentados nas metodologias que estão apresentadas na
Figura 1, a seguir.
Figura 1 – Diagrama da Governança de Bens Comuns e do Território
A Governança de Bens Comuns e do Território é construída a partir de três
processos interdependentes: o Planejamento & a Gestão & e a Educação. Um
não funciona sem o outro. Todo processo de planejamento exige gestão e
GESTÃO TRANSDISCIPLINAR DO
AMBIENTE E DO TERRITÓRIO
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO COMPLEXO
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE
GOVERNANÇA DE BENS COMUNS E DO
TERRITÓRIO
educação. Toda gestão exige planejamento e educação. Assim como toda
Educação exige planejamento e gestão. E, em todos os processos a pedagogia
transdisciplinar é transversal, possibilitando a escuta sensível, a valorização das
diversidades,o diálogo de saberes e a construção de pactos possíveis,
respeitando as diferenças.
Figura 2: Diagrama da Educação e Sustentabilidade
A construção da Governança requer no desenvolvimento dos processos
interativos, seja de planejamento ou gestão, uma educação capaz de lidar com
os desafios da construção da sustentabilidade. A educação voltada à gestão se
debruça sobre o empoderamento dos agentes territoriais em relação às políticas
públicas, reconhecendo direitos e deveres, instrumentos da política, as
competências e seu papel fundamental no sistema de governança de cada
política, seja na esfera municipal, estadual, federal ou em relação aos direitos
difusos.
A educação tecnológica visa a capacitação dos agentes de
desenvolvimento econômico, associações, cooperativas, etc., em tecnologias
mais sustentáveis, capazes de substituir as tecnologias impactantes, produtoras
de resíduos e consumidoras de energia e riquezas naturais.
A educação comunicativa visa a construção de redes de pessoas e
instituições, com fluxo de comunicação permanente, utilizando os diferentes
meios impressos e digitais na ampliação da sensibilização e motivando essa
Rede de Governança para novos conhecimentos, relações, interações e
parcerias na construção da sustentabilidade do território e de seus bens comuns.
EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA
EDUCAÇÃO E GESTÃO
COMUNICAÇÃO EDUCATIVA E EDUCAÇÃO
EM REDE
EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A participação social da Rede de Governança (Figura 3) requer um
caminho que tem início com o Mapeamento das Unidades Interativas no Território
(Figura 4), seguida de um intenso processo de Mobilização, planejado de
maneira específica para os diferentes grupos que compõem o referido território.
Essa mobilização contempla metodologias de Comunicação Educativa que visam
ampliar o conhecimento dos mobilizados sobre o tema e construir vínculos com o
processo. Um exemplo de abordagem é, no caso da construção de Planos de
Gestão de Águas, conversar com os mobilizados sobre a situação local da água,
os problemas e as necessidades. Após a escuta das comunidades e instituições,
convida-los a construir um planejamento conjunto que possa indicar
possibilidades de caminhos para a solução desses problemas.
Figura 3: Diagrama da Participação Social Para a Governança
MAPEAMENTO DA REDE DE
GOVERNANÇA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EDUCAÇÃO E
SUSTENTABILIDADE NOS PROCESSOS PARTICIPATIVOS
MOBILIZAÇÃO DA REDE DE
GOVERNANÇA
COMUNICAÇÃO EDUCATIVA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL PARA A GOVERNANÇA
Fonte: PALAVIZINI, 2013.
Figura 4: Diagrama do Mapeamento das Unidades Interativas
Assim também, a execução dos processos participativos, sejam rodas de
conversa, oficinas de planejamento, consultas e audiências públicas, seminários
interativos, entre outros, exige metodologias capazes de ampliar o conhecimento
dos participantes, abordar o tema e conteúdos de maneira contextualizada na
realidade local, por eles conhecida, motivar a reflexão crítica, ampliar o
conhecimento técnico sobre a realidade vivenciada e favorecer a construção de
sínteses, sob a forma de diagnósticos ou proposições. Essa é a função da
Metodologia Pedagógica Transdisciplinar. (Figura 5).
Figura 5: Diagrama da Pedagogia Transdisciplinar
Esse conjunto de metodologias foi utilizado no estado da Bahia, na
PRODUTO COLETIVO
CONTEXTUALIZAÇÃO MULTIREFERENCIAL DO
TEMA
MOBILIZAÇÃO ESTRATÉGICA
VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE
CONTRIBUIÇÃO TÉCNICA
INTERAÇÃO E PACTUAÇÃO
CONSTRUÇÃO COLETIVA
construção participativa dos Planos de Gestão das Águas das Regiões de
Planejamento e Gestão das Águas – RPGAs dos rios Verde e Jacaré; dos rios
Paramirim e Santo Onofre; e do rio Salitre, conforme mostra a Figura 6 a seguir.
Essas três regiões estão inseridas na bacia hidrográfica do rio São Francisco.
Figura 6: Regiões de Planejamento e Gestão das Águas – RPGAs Trabalhadas
Essas regiões planejadas possuem características singulares e
desafiadoras para a aplicação dos instrumentos previstos na política nacional das
águas – Lei 9.433/1997 e na política estadual correspondente – Lei 11.612/2009.
A realidade dessas regiões semiáridas revela baixa existência de água
superficial, maior incidência de água subterrânea, qualidade da água salinizada
em grande maioria, vulnerabilidade social em alto nível, população com baixo
nível escolar, comunidades com grande número de casas sem instalações
sanitárias, território com problemas de falta de saneamento básico, fiscalização e
gestão pública deficitária e exploração desregrada das águas subterrâneas, por
meio do grande número de poços clandestinos, que vêm rebaixando o nível do
lençol freático de maneira acelerada. Como implantar os instrumentos em uma
situação como essa?
O primeiro passo compreendido foi buscar envolver a diversidade de
agentes que integram essas bacias hidrográficas, comunidades tradicionais
(quilombolas, ribeirinhos, pescadores, indígenas e fundo de pasto); cooperativas
e associações de produtores rurais (familiares e industriais), mineradores,
Os 417 municípios baianos estão organizados em 25 RPGAs
- 14 Regiões Hidrográficas Nacional do Atlântico Leste. - 11 Regiões Hidrográficas Nacional do Rio São Francisco.
O território das três RPGAs trabalhadas envolve 65 municípios, e consolidam bacias hidrográficas tributárias do Rio São Francisco. ü RPGA XVII – Rio Salitre ü RPGA XVIII – Rios Verde e Jacaré ü RPGA XX – Rios Paramirim e Santo Onofre
entidades ambientalistas, entidades de ensino e pesquisa, prefeituras, câmaras
de vereadores e etc., além de seus Comitês de Bacia Hidrográfica e suas
Câmaras Técnicas, para participarem do processo de construção do Plano de
Gestão das Águas de sua bacia hidrográfica.
O processo de construção participativa foi organizado em quatro etapas:
Fase A: Preliminar; Fase B: Diagnóstico Integrado; Fase C: Prognóstico; Fase D:
Plano de Gestão das Águas e proposta de Enquadramento, conforme Figura 7 a
seguir.
Figura 7: Processo de Participação Social nos Planos de Gestão de Águas e Proposta de Enquadramento das RPGs - BHVJ, BHPS E BHS.
Para alcançar o vasto e diverso território das bacias hidrográficas, foram
identificados e selecionados mobilizadores sociais, locais, que foram capacitados,
de maneira continuada e cumulativa, para o desenvolvimento do trabalho. Esses
mobilizadores percorreram todo o território definido para o seu trabalho,
mobilizando de forma controlada, com registros e monitoramento diários, das
pessoas e instituições previamente definidas no Mapeamento construído. Essa
mobilização presencial deu início à formação da Rede de Governança das Águas
das Bacias. Para apoiar o processo de mobilização, foram produzidos materiais
de comunicação social, contextualizados na realidade local, que zelaram pela
permanência da imagem do trabalho durante o período de elaboração do PRH e
PE.
Mobilizadores locais
Imagem ilustrativa do material de comunicação social produzido para cada BH
(cartaz, folder, convite).
Conforme retratado na Figura 7, o processo de construção dos PRH e PE
envolveu a execução, em cada RPGA, de três Oficinas de Planejamento
Participativo, sendo cada uma em regiões distintas da bacia, previamente
definidas. Em seguida foram realizadas três Consultas Públicas, cada uma com
uma finalidade específica e a abrangência de toda a RPGA. Em cada evento
houve uma média de 200 participantes. O grande número de participantes não
comprometeu a qualidade do processo e dos resultados. As oficinas
contemplaram grupos temáticos e os diálogos necessários à compreensão mútua
entre os especialistas e a sociedade. As Consultas Públicas zelaram por
apresentações ilustradas e contextualizadas na realidade local e garantiram a
participação de todos, com o registro das perguntas e sugestões dos presentes,
pela equipe técnica. Muitas contribuições foram incorporadas aos documentos.
Oficinas de planejamento interativo Consultas públicas
A experiência de construção desses três Planos de Gestão de Águas no
semiárido baiano possibilitou profundas reflexões e avanços metodológicos. Para
que realizar excelentes processos participativos se não alcançar a rede de
diversidade que integra o território? Para que a mobilização consiga trazer as
pessoas certas para a construção participativa, o mapeamento rigoroso é
fundamental. O planejamento é o ponto de partida de um processo que não deve
terminar mais. Deve seguir para a gestão e a governança do território e de seus
bens comuns
A educação ambiental, como prevista na Política Nacional (Lei Federal
9.795/1999), é um processo transversal e aqui não pode ser diferente. A
educação ambiental não começa nas oficinas ou nas consultas públicas, começa
nos diálogos, nas interações no momento da mobilização, na construção de
vínculos, sentido e significado do tema na vida daqueles que são o território. Por
isso é fundamental iniciar com o Mapeamento, seguido da Mobilização
Estratégica, carregada de pedagogia e comunicação educativa, fundamentadas
na transdisciplinaridade.
Ser transdisciplinar exige uma personalidade capaz de ter abertura para o
diferente, ter rigor na sua ação e ter compreensão com a diversidade. Essa é a
alquimia que a transdisciplinaridade propõe. Você tem hidrogênio e você tem
oxigênio, mas quando eles se juntam, eles formam a água; a água não é
hidrogênio, não é oxigênio, mas é algo que emerge dessa relação, como algo
novo. O oxigênio permanece sendo ele, o hidrogênio permanece sendo ele, mas
eles constroem algo que não havia antes - a água. Essa é a emergência da
construção transdisciplinar.
O ponto de partida é sempre a realidade local – o território. Olhar o
território com o olhar técnico, mas também conseguir olhar com os diferentes
olhares que o habitam, percebendo as diversas realidades a partir delas. Planejar
o território para elas. Aproveitando para ampliar seu conhecimento e assim, sua
visão de mundo. Agregando a sustentabilidade ao conhecer, refletir e agir no
cotidiano.
Por fim, a política de Educação Ambiental e as Comissões de Educação
Ambiental que atuam em cada estado e município, têm a grande oportunidade de
atuarem de maneira transversal na implementação das políticas setoriais, junto
aos respectivos colegiados de cada política (conselhos e comitês). São nessas
políticas e colegiados que está a efetiva necessidade da educação ambiental,
atuando como política transversal às demais: à educação, à saúde, ao
saneamento, ao meio ambiente, à agricultura, à indústria, à mineração, à
urbanização, à conservação. É importante recriar o arranjo institucional da
atuação das CIEAs e inovar em metodologias para que a Educação Ambiental
alcance toda a capilaridade necessária à construção da governança de bens
comuns e de territórios mais sustentáveis.
Se nós temos a visão da governança da água como uma teia de relações e
interações que se dá no território, onde é que está a educação ambiental nessa
teia? Foi uma pergunta que eu me fiz. Então, a resposta que me veio como uma
intuição foi: a educação ambiental é o sagrado; a educação ambiental é o
padrão que liga as nossas relações, porque se esse padrão tiver uma ética de
respeito à vida, nós teremos uma governança com respeito à vida; se o padrão
for uma ética de corrupção, de desrespeito, de egoísmo, essa será a
governança que nós teremos. Então, a educação ambiental na governança,
nessa reflexão e inspiração que quero trazer para vocês aqui, é como uma
transcendência. Ao mesmo tempo que é prática, diálogo e método, ela também
requer a visão de espírito, a visão transcendental, a visão do reconhecimento do
outro como uma outra alma. Jung dizia: “você quer ir ao encontro da alma de
alguém? Vá com a sua própria alma”. Então, nós não encontraremos almas se
não estivermos nessa relação com toda a nossa alma; e se não for diálogo de
almas, a educação ambiental não produz alquimia.
Roseane Palavizini, durante palestra no V Encontro Formativo de EA para a gestão das águas
Referências bibliográficas PALAVIZINI, Roseane. A educação ambiental na integração de políticas públicas
para a construção da governança da água e do território. In: Política de Águas e
Educação Ambiental: processos dialógicos e formativos em planejamento e
gestão de recursos hídricos. Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente
Urbano; (organização) Franklin de Paula Júnior e Suraya Modaelli – Brasília:
MMA, 2011.
PALAVIZINI, Roseane. Planejamento e Gestão Transdisciplinar do Ambiente e do Território: Uma Perspectiva aos Processos de Planejamento e Gestão Social no Brasil. In: Revista Brasileira de Ciências Ambientais – www.rbciamb.com.br/images/online/materia_6_artigos336.pdf, 2012.