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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 EDUCAÇÃO COMO MEDIDA DE EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE Ivanete Aparecida da Silva Santos 1 Adrian Alvarez Estrada 2 1 - Considerações iniciais Em meio a uma provável crise do Sistema Penitenciário Brasileiro, refletida na superlotação dos presídios, no acesso a justiça e nos maus tratos denunciados constantemente por organismos que defendem os direitos humanos tanto no ramo nacional quanto no ramo internacional, o presente artigo vem indagar o que a educação pode fazer para humanizar o sistema prisional? De que forma a educação pode emancipar o sujeito encarcerado para que o mesmo possa livrar-se da ampla vulnerabilidade que o condena? Tem por objetivo também identificar os sujeitos que estão em privação de liberdade e analisar algumas deficiências da educação ofertada ao encarcerado que não tem promovido a liberdade do sujeito. E, por fim, será também analisado a importância do trabalho em conjunto do Estado, educação e sociedade na luta pela garantia da educação plena capaz de emancipar, regenerar e reinserir o preso dignamente na sociedade. Um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade brasileira hoje é o aumento da criminalidade, a cada dia está aumentando o número de pessoas que passam a ocupar cadeias e penitenciárias em nosso país, levando a um inchaço da população carcerária. Outro problema é que o governo não está conseguindo recuperar as pessoas em privação de liberdade, quando retornam para a sociedade, acabam voltando para o mundo do crime, fato é que a reincidência cresce de forma assustadora no Brasil. Isso acontece também porque nossa sociedade é extremamente excludente, onde poucos oferecem uma nova chance para aqueles que infringiram as regras sociais. Diante das dificuldades supracitadas, precisamos saber quem é esse povo que está superlotando o sistema carcerário brasileiro e, basta uma pequena análise para 1 Aluna do Mestrado em Educação da UNIOESTE/Cascavel 2 Doutor em Educação pela USP; Professor do Mestrado em Educação da UNIOESTE/Cascavel

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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EDUCAÇÃO COMO MEDIDA DE EMANCIPAÇÃO DO SUJEITO EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Ivanete Aparecida da Silva Santos1

Adrian Alvarez Estrada2

1 - Considerações iniciais

Em meio a uma provável crise do Sistema Penitenciário Brasileiro, refletida na

superlotação dos presídios, no acesso a justiça e nos maus tratos denunciados

constantemente por organismos que defendem os direitos humanos tanto no ramo

nacional quanto no ramo internacional, o presente artigo vem indagar o que a educação

pode fazer para humanizar o sistema prisional? De que forma a educação pode

emancipar o sujeito encarcerado para que o mesmo possa livrar-se da ampla

vulnerabilidade que o condena? Tem por objetivo também identificar os sujeitos que

estão em privação de liberdade e analisar algumas deficiências da educação ofertada ao

encarcerado que não tem promovido a liberdade do sujeito. E, por fim, será também

analisado a importância do trabalho em conjunto do Estado, educação e sociedade na

luta pela garantia da educação plena capaz de emancipar, regenerar e reinserir o preso

dignamente na sociedade.

Um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade brasileira hoje é o

aumento da criminalidade, a cada dia está aumentando o número de pessoas que passam

a ocupar cadeias e penitenciárias em nosso país, levando a um inchaço da população

carcerária. Outro problema é que o governo não está conseguindo recuperar as pessoas

em privação de liberdade, quando retornam para a sociedade, acabam voltando para o

mundo do crime, fato é que a reincidência cresce de forma assustadora no Brasil. Isso

acontece também porque nossa sociedade é extremamente excludente, onde poucos

oferecem uma nova chance para aqueles que infringiram as regras sociais.

Diante das dificuldades supracitadas, precisamos saber quem é esse povo que

está superlotando o sistema carcerário brasileiro e, basta uma pequena análise para 1 Aluna do Mestrado em Educação da UNIOESTE/Cascavel 2 Doutor em Educação pela USP; Professor do Mestrado em Educação da UNIOESTE/Cascavel

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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concluirmos que o sistema penitenciário brasileiro tem cor, onde a maioria das pessoas

que ocupam esse espaço esquecido pela sociedade e pelas autoridades é negra. Será

verificado também que o sistema penitenciário nada mais é do que um reflexo da

sociedade capitalista que vivemos que exclui o pobre, a mulher, o negro, o ex-

presidiário, o homossexual, enfim, todos aqueles que fogem do padrão construído

historicamente e reforçado constantemente pela mídia. Nesse contexto, fica fácil então

perceber que o negro ex-presidiário irá sofrer uma tripla discriminação quando voltar

para uma sociedade onde o homem “é lobo do próprio homem”.

Preciso antes de iniciar a discussão, ressaltar que esse artigo se originou de parte

da pesquisa que estou desenvolvendo no Mestrado em Educação da Unioeste, cujo

ingresso se deu em 2015, e a pesquisa ainda está em fase inicial, sendo assim, encontro-

me impossibilitada de responder de forma satisfatória os problemas outrora elencados.

2. Desenvolvimento

Após breve análise da História da humanidade, percebe-se que o homem sempre

protagonizou uma organização em grupo para facilitar sua luta pela sobrevivência, isso

ainda no momento em que eram nômades e também a partir do tempo em que se

tornaram sedentários e até mesmo após o surgimento dos primeiros núcleos urbanos.

Essa forma de organização permitia ao ser humano mais segurança, pois um

protegia o outro. Para Octávio Ianni, “a organização social modifica algum grau de

unificação, ou união de diversos elementos numa relação comum”. (IANNI, 1973. p.

41). E dentro dessa organização social formada, os integrantes do grupo podem fazer

escolhas e tomar decisões, tendo sempre como referência as normas que foram

implementadas pela estrutura social, mas desde o princípio sabe-se que aqueles que

fogem das regras estabelecidas por uma determinada sociedade pode sofrer sanções.

Na verdade, o que se pode afirmar é que desde a antiguidade, o aprisionamento

foi utilizado como uma das formas de punição para aqueles que não aceitam e

descumprem as regras vigentes naquela determinada sociedade. Apesar de que,

juntamente com o aprisionamento, no período em questão, as mutilações corporais

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também eram muito utilizadas como meio de punição. As agressões físicas eram

recheadas de crueldade e sem espírito humanizatório.

Para Wauters (2003, p. 12) predominou a vingança privada, “a luta do homem contra o homem, entregue pela comunidade à vingança do ofendido, ou da família da vítima”. Assim, as penas impostas versavam sobre castigos corporais, caracterizadas pela crueldade, ou pela chamada perda da paz, ou outlaw (fora da lei), pela qual o indivíduo era condenado ao degredo.

Em 1680 a.C., na Antiga Babilônia, o mais antigo texto legislativo da História, o

Código de Hamurábi, foi entendido como a primeira forma da intervenção do Estado,

tinha como máxima: “olho por olho, dente por dente”. (Wauters, 2003, p. 13), aqui as

mutilações e castigos físicos estavam descritos em lei. Com o decorrer da Antiguidade e

ascensão da Idade Média, os castigos físicos ainda eram tidos como uma das melhores

formas de castigar aqueles que violavam as regras sociais.

Com o advento da Idade Moderna, cria-se a pena por encarceramento e nesse

momento institui-se certa racionalidade na aplicação das penas onde para cada tipo de

crime, conforme a avaliação de sua gravidade aplica-se uma pena de restrição de

liberdade. Antes desse período, como outrora citado, a prisão era utilizada mais como

castigo do que correção ou recuperação, essas características foram adotadas a partir do

século XVIII com as funções de punir, defender a sociedade e corrigir o culpado

reintegrando-o a sociedade.

Destarte, só no século XIX que a prisão vai se transformando no que é hoje,

tendo como função principal a reintegração do preso à sociedade. Todavia, em meados

do século XIX, a reeducação daqueles que haviam infringindo as regras sociais sofreu

um impacto negativo, pois nesse período começaram a perceber que as prisões não

estavam conseguindo atingir o objetivo de reeducar o preso e, consequentemente

reintegrá-lo a sociedade, mas que na verdade as prisões serviam como escola da

criminalidade e a reincidência dos criminosos era a prova de que as prisões não

conseguiam reformar os detentos. A partir desse período, teorias vão surgindo tentando

explicar o crime e também o criminoso.

Logo nos primeiros anos da República brasileira, o sistema penal no Brasil é

influenciado pelo Sistema Positivista e torna-se seguidor da Escola Positivista de

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Criminologia de Césare Lombroso. Para essa ideologia, aquele que infringe as leis é um

prisioneiro de sua própria patologia. É um criminoso nato. “...a primeira e célebre resposta sobre as causas do crime foi dada pelo médico italiano LOMBROSO que sustenta, inicialmente, a tese do criminoso nato: a causa do crime é identificada no próprio criminoso. Partindo do determinismo biológico (anatômico-fisiológico) e psíquico de crime e valendo-se do método de investigação e análise próprio das ciências naturais (observação e experimentação) procurou comprovar sua hipótese através da confrontação de grupos não criminosos com criminosos dos hospitais psiquiátricos e prisões sobretudo do sul da Itália, pesquisa na qual contou com auxilio de FERRI que sugeriu, inclusive, a denominação `criminoso nato”. (Andrade, 1995, apud Campos, 1998, p.36).

Essa nova visão é contrária a de Beccaria, que valorizava os aspectos biológicos

em detrimento dos fatores sociais na explicação do comportamento criminoso.

Essas novas escolas que surgiram no final do século XIX e nas primeiras

décadas do século XX no Brasil passaram a defender a ideia de que havia uma relação

entre as características físicas, morfológicas e psíquicas do ser humano, que levariam

uma predestinação de certos indivíduos ao mundo do crime. No discurso da classe

dominante, nas ruas se reproduziam os futuros delinquentes, prostitutas, vagabundos,

bêbados, desordeiros, anormais e “loucos de todos os gêneros”. Nesse meio, fazia-se

necessário reprimir, identificar e enclausurar essas pessoas consideradas nocivas à

sociedade e dotadas de grande potencial para procriar futuros desajustados sociais.

Temiam-se não só as práticas de roubos, saques e homicídios, mas também a

transmissão de inúmeras doenças. Era importante elaborar leis, códigos e criar

instituições voltadas para vigiar e identificar esses “indivíduos.” (MIRANDA, 2009,

vol. 2, p. 300) Dentre todos os estudiosos desse momento histórico, o médico

Raymundo Nina Rodrigues era o que mais defendia os ideais sustentados por essa

escola, afirmando que a maior parte da população brasileira era constituída por

indivíduos inferiores patologizados que não descendiam da “raça branca.”

Essas pontuações supracitadas, explica a adoção da política do branqueamento

pelo governo brasileiro naquele período, na tentativa de “melhorar” a raça predominante

no Brasil, pois esse país só alcançaria a “ordem e o progresso” se a população brasileira

mudasse de cor, de “preta” para “branca”, como num passe de mágica. Vale ressaltar

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que o Darwinismo social, ideologia de Charles Darwin, também corroborou para a

efetivação dessa política por parte do governo.

No Brasil, as ideias racistas que haviam sido pensadas na Europa ganham força

nos trabalhos de intelectuais, fazendo com que o racismo impregnasse na elite

intelectual da época e se disseminasse por todas as classes brasileiras.

A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que o cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelam os generosos exageros dos seus turiferários, há de construir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo (In VALENTE p.33, 1994).

Observando o contexto histórico no final do século XIX e início do século XX,

percebe-se que o negro é visto como um ser biologicamente inferior, propício a cometer

crimes, concluindo, um mal para a sociedade brasileira.

Essas teorias racistas passam começam a ganhar sustentação na medida em que

negro começa a integrar ao mundo do crime no período em questão. Isso acontecia

porque o negro e a negra que antes eram imprescindíveis à manutenção produtiva da

economia nacional, agora não eram importantes para a mão de obra assalariada. Desta

forma, o Brasil que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de séculos, colocou às

margens um dos seus principais agentes construtores, os negros, que com isso passaram

a viver na miséria, sem trabalho e sem possibilidades de sobrevivência, em condições

minimamente dignas e sem condições de inclusão social.

Sem lugar no campo, a população negra foi obrigada a migrar para os espaços

urbanos que também não conseguiu absorvê-los. Sendo assim, essas pessoas foram

excluídas da sociedade brasileira, pois não encontraram espaço no mercado de trabalho,

as escolas não recebiam as crianças negras, enfim, o negro no Brasil passou a ser um

problema para o governo brasileiro.

Na primeira década do século XX, o poder legislativo trabalhava com o

propósito de inferiorização do povo negro, tentando achar uma solução para o problema

racial no Brasil. Vejamos:

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É o que apontam, por exemplo, debates permanentes que acompanharam a apresentação, ainda nos anos de 1920, de projetos de lei, na Câmara dos deputados visando impedir a imigração de “indivíduos de cor preta”... Este mesmo discurso é encontrado ainda nos debates da Assembleia Constituinte de 1934. (JACCOUB, p. 20, 2009).

Com o exposto, percebe-se que o governo brasileiro se eximiu de suas

responsabilidades em relação ao povo negro, desta forma, não restou ao negro

alternativa a não ser lutar com suas próprias forças e condições pela sobrevivência e

muitas das vezes praticando atos ilícitos para sobreviverem, mas é importante frisar que

não é importante só viver, mas viver com dignidade. E para alcançar essa dignidade é

preciso ter acesso aos direitos sociais. São diretos básicos e que devem ser garantidos a

todos os cidadãos, pois são direitos indispensáveis para que uma pessoa possa viver com

dignidade e, esses direitos englobam: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados (art. 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988). No

entanto, mesmo sabendo da importância da efetivação desses direitos, fica mais nítido

que em nosso país só tem acesso a todos os direitos sociais, aqueles que são dotados de

certa garantia em dinheiro.

Dessa forma, fica fácil perceber o porquê que o negro no Brasil tem seus direitos

sociais mais cerceados em comparação com o branco, pois o primeiro vive a margem da

sociedade, com piores empregos, morando nas piores casas, aliás, nem sempre aqueles

possuem uma casa, pois aqueles são vitimas de um país que escravizou seu povo, que

arrancou todos seus sonhos, melhor, impediu esse povo de sonhar a sonhar, pois é assim

que faz o dominador, primeiro ele mostra ao dominado que é ele quem manda, em

seguida trabalha para que haja a naturalização dessa dominação e com isso o dominador

mata duas vezes, a segunda é pelo silêncio, pois no Brasil, as pessoas têm preconceito

de ter preconceito. Para entender tal análise é necessário entender que o acesso aos

direitos sociais, que é um direito inalienável do cidadão brasileiro se restringe e depende

quase sempre da conta bancária desse cidadão. A constatação incontornável que se

apresenta é que nascer de cor parda ou cor negra aumenta de forma significativa a

probabilidade de um brasileiro ser pobre.

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Com isso, conclui-se que sem acesso aos direitos fundamentais e, principalmente

sem acesso aos bancos universitários e consequentemente um emprego que garanta ao

negro uma vida digna, este é condenado a viver das migalhas que caem da mesa da elite,

majoritariamente branca. A falta da garantia dos direitos fundamentais faz com que o

negro seja atingido por diversos problemas sociais que irá levá-lo muitas vezes de

encontro com o mundo do crime, situação que se perpetua de geração em geração na

comunidade negra.

Por isso é que vale aqui ressaltar que a política universal que tenta resolver os

problemas sociais não consegue contemplar as outras particularidades (negros,

mulheres, etc.). Dessa forma, existe a necessidade de outras políticas específicas para

atender cada um em suas particularidades.

Apesar dos dados comprovarem que a desigualdade em nosso país é gritante,

meios de comunicação e as pessoas no dia-a-dia através de análises com base no senso

comum, e, até mesmo nosso ordenamento jurídico insiste em assegurar uma igualdade

formal, onde todos nesse país vivem de forma igualitária, muitos afirmam que ainda

somos uma nação onde reina a democracia racial, no Brasil nunca houve democracia

racial. O que de fato acontece no Brasil é que grande parte da população negra, é

atingida pelo desmonte das políticas sociais e também da saúde, pela fome, pelo

desemprego, é alvo da polícia e também de grupos de extermínio, sem falar que, a

maioria das crianças que vivem nas ruas e dos jovens assassinados, são negros,

destituídos dos direitos garantidos em nossa carta constitucional.

A exemplo dessa constatação é o processo de criminalização da pobreza, em que

pessoas em vulnerabilidade social são estigmatizadas pela marginalização, sofrendo

inúmeros preconceitos, “o que se pode perceber é que as pessoas de classes com menos

poder aquisitivo se tornam mais propensas à seleção da justiça criminal e não a prática

de infrações criminais”. (Rita, 2006, p. 29). Wacquant (1999, p. 7) corrobora esse

sentido, ao afirmar que

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado Policial e Penitenciário” o “menos Estado econômico e social” que é a própria causa da escalada generelizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do primeiro como do segundo mundo.

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Para Wacquant (1999), a lógica liberal de um Estado menos atuante referente às

suas responsabilidades sociais promove a “ditadura sobre os pobres”, uma vez que as

relações políticas, sociais e econômicas influenciam o processo de criminalização da

pobreza. Desta forma, é importante que se tenha claro que a miséria não produz a

criminalidade, mas está sendo criminalizada.

Sobre essa análise, onde está havendo uma criminalização da pobreza,

Odrzywolek, corrobora afirmando que na atual conjuntura, o sistema punitivo, bem como suas estratégias de controle, é voltado para grupos sociais determinados pela sua raça/etnia, procedência, hábitos e situação econômica. A realidade prisional brasileira não é diferente, sendo constituída, em sua maioria, por pessoas oriundas de classes de baixo poder aquisitivo. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a população carcerária do país em 1990 era de 90.000 presos, saltando para 513.802 detentos, em 2011, ou seja, houve um crescimento de 471% da população carcerária em 20 anos e meio. Ainda segundo o DEPEN, a população carcerária tende a crescer a cada ano, sendo tal constatação estendida à população feminina, seguindo a mesma lógica de elevação dos índices de encarceramento. (Odrzywolek, 2012, p.21)

É por esses e outros tantos motivos que podemos afirmar que na medida em que

o negro é expulso da comunidade escolar, muitas vezes até do próprio convívio social

devido suas condições econômicas que o negro continua inchando as penitenciárias

desse país. Um século após o advento da escola constitucionalista o negro ainda é a

maioria nas unidades penais brasileiras, fato que hoje não é sustentado por

características biológicas, mas sociais, destarte essa inversão de valores não alterou a

situação do negro, pois o perfil do interno penitenciário é de 56,43% de pretos e pardos,

com uma escolaridade deficiente (65,71% não completaram o ensino fundamental) e

oriundos de grupos menos favorecidos da população. Dessa forma, podemos afirmar

que o sistema penitenciário brasileiro tem cor. E analisando tal situação percebe-se que

a genialidade do racismo está exatamente nessa camuflagem, pois no Brasil o que se

produziu foi o racismo mais perverso do mundo, porque o nosso ordenamento jurídico

garante uma igualdade formal e isso aparentemente dá a todos uma suposta igualdade de

direitos e com isso a sociedade foi liberada para discriminar a vontade, pois na lei tudo

funciona perfeitamente bem. Dessa forma, a medida mais eficaz de quebrar esse círculo

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vicioso é através da educação, independentemente da situação em que o negro se

encontra, no campo, no quilombo, na favela ou na penitenciária.

Agora que já foi identificado o sujeito que compõe as penitenciárias brasileiras,

voltamos a nos concentrar na real função dessas instituições, a ressocialização do

apenado, embora que essas unidades não estão conseguindo cumprir sua função, pois a

maioria dos presos, quando libertos, volta ao mundo do crime e retornam as unidades

penais.

É válido salientar que esse problema não é um fenômeno recente e está

vinculado à insegurança pública que se deve ao crescimento da violência e sua falta de

solução. O que se percebe na verdade é que o sistema prisional não tem capacidade de

absolver toda a população carcerária que lhe é destinada, e aqueles que chegam ao

cárcere recebem tratamento tão ultrajante que prejudica a ressocialização e quando

voltam a sociedade estão mais deteriorados moralmente, psicologicamente e até mesmo

fisicamente em comparação com o momento que chegaram à prisão

A superlotação carcerária afronta a condição humana dos detentos, aumenta à insegurança penitenciária, o abuso sexual, o consumo de drogas, diminui as chances de reinserção social do sentenciado, além de contrariar as condições mínimas de exigências dos organismos internacionais. O que fazer com os sentenciados e como corrigi-los sempre assombrou a sociedade. Punição, vigilância, correção. Eis o para “tratar” o sentenciado. Conhecer a prisão é, portanto, compreender uma parte significativa dos sistemas normativos da sociedade (MAIA, 2009, vol. 1, p.10).

O mau trato dispensado à população carcerária no Brasil está ligada as questões

culturais e religiosas, a máxima que prevalece é que “bandido” não carece ter acesso aos

direitos reservados aos cidadãos “bons”. Dentre esses direitos temos a educação que

também não é bem acolhida no sistema prisional. Sabe-se que é um direito do preso, no

entanto é visto como benefício, até mesmo como privilégio à população carcerária. A

sociedade e até mesmo grande parte dos profissionais envolvidos com o sistema

prisional encaram a oferta de educação ao preso como uma premiação ao

comportamento criminoso daquele indivíduo. Tudo isso acaba gerando um empecilho

para o bom desenvolvimento da educação no sistema prisional.

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Pereira corrobora afirmando que

A visão que se tem da pessoa presa é aquela que a destitui de todo o direito, considerado-a um escárnio social, portanto, não teria que ter acesso a direitos concedidos as pessoas de bem. A educação é vista então como uma “esmola” do Estado e da sociedade para o preso, uma esmola cara porque desvia verbas da educação para atender a quem está à margem da sociedade por uma opção, não por uma determinação das condições materiais postas por um sistema. (PEREIRA, 2011, p.45)

O fato é que a maioria dos presos (as) superlota o sistema carcerário no Brasil já

se encontram nessa condição por terem sido marginalizados nessa sociedade capitalista

excludente e predatória, por isso que o sistema carcerário necessita de uma educação

que envolva de tal forma esses detentos para que os mesmos possam enxergar na

educação uma forma de emancipação, não simplesmente ver o acesso a escola como

meio de remição de pena. Faz-se necessário que o detento perceba que a educação é

importante para o processo de ressocialização e para o seu crescimento enquanto

cidadão e sujeito histórico capaz de compreender e transformar a realidade em que está

inserido.

Essa visão emancipatória da educação também deve contaminar os

profissionais que trabalham com a educação no sistema prisional, pois a metodologia

deve ser diferenciada, pois não pode esquecer que o ser humano que ali se encontra não

confiou na educação quando estava em liberdade, agora esse mesmo sujeito precisa

acreditar no poder que a educação exerce em sua vida no momento que as grades o

distancia de tudo e de todos.

Ainda é preciso frisar que cabe ao Estado, fonte mantenedora da educação nas

prisões, primar por essa educação transformadora. É importante que todos os sujeitos

em privação de liberdade tenham acesso ao estudo, mas não como meio de

desafogamento das penitenciárias e sim como libertação do sujeito em processo de

ressocialização. O aceleramento dos estudos não pode ser uma medida paliativa na

tentativa de evitar novas crises no sistema penitenciário. Mézaros (2005) já dizia que

essas simples reformas não servem para resolver os problemas postos pelo sistema

capitalista. O acesso a educação que deve ser promovido pelo Estado é aquele que possa

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modificar o cidadão em privação de liberdade para que o mesmo possa encontrar outras

formas de viver com dignidade, longe da criminalidade. Não adianta oferecer o

aceleramento do estudo e alcançar índices positivos para o Governo se a educação não

promover a libertação. Caso contrário, o sujeito que foi beneficiado pela remição dos

estudos, sem passar pela transformação retornará brevemente ao cárcere, gerando na

verdade um círculo vicioso.

Para alguns críticos, o sistema penitenciário reflete os problemas que a

sociedade apresenta. Segundo Odrzywolek (2011), um dos ideais da pena privativa de

liberdade, a reinserção social, se torna contraditória na ideologia penal, pois se insere

nas relações de desigualdades da sociedade capitalista, sendo que a exclusão dos presos

é efetivada pela própria dinâmica da sociedade, ao selecioná-los e excluí-los de

determinados grupos sociais.

Baratta afirma que As relações sociais e de poder da subcultura carcerária têm uma série de características que a distinguem da sociedade externa, e que dependem da particular função do universo carcerário, mas na sua estrutura mais elementar elas não são mais do que a ampliação, em forma menos mistificadora e mais “pura”, das características típicas da sociedade capitalista: são relações sociais baseadas no egoísmo e na violência ilegal, no interior das quais os indivíduos socialmente mais débeis são constrangidos a papéis de submissão e de exploração. Antes de falar de educação e de reinserção é necessário, portanto, fazer um exame do sistema de valores e dos modelos de comportamento presentes na sociedade em que se quer reinserir o preso. Um tal exame não pode senão levar a conclusão, pensamos, de que a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão (Baratta, 2002 apud Rita, 2006, p.29).

É inegável que o sistema carcerário do Brasil está em crise, e a educação deve

ser entendida sim como instrumento de melhora nesse sistema. Sabendo que a maioria

dos presos desse país não concluiu o Ensino fundamental, conclui-se que a falta de

educação contribuiu para que esses cidadãos se encontrem em tal situação. Pois no

momento em que esse cidadão recluso reconquistar a sua liberdade ele irá enfrentar

muitos preconceitos para conquistar um espaço nessa sociedade extremamente

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excludente e a educação adquirida no período em que cumpriu pena irá auxiliá-lo na

batalha da reinserção social. A socioeducação deve ter como fundamento os princípios de liberdade e os ideais de solidariedade e, como fim, a formação plena do educando, a sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, com base na letra e no espírito do Art. 2° da LDBEN: “a educação é direito de todos e dever da família e do Estado, terá como bases os princípios de liberdade e os ideais de solidariedade humana, e, como fim, a formação integral da pessoa do educando, a sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (COSTA, 2006, p. 23).

Assim sendo, essa situação vai se perpetuando, pois com o homem preso, muitas

mulheres não conseguem manter o sustento da casa com dignidade e o lar vai se

desestruturando, assim corre-se o risco de que os filhos desse preso, sem muitas

perspectivas de vida também possam acabar seguindo o caminho que o pai percorreu. É

válido então frisar que a educação no sistema prisional se torna extremamente

importante, pois faz o preso se sentir sujeito histórico, construtor de sua própria história.

Ainda, como outrora citado, a educação em muitos casos devolve ao preso o direito de

sonhar por um futuro melhor e longe das grades. É como já afirmava o mestre Paulo

Freire, “se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a

sociedade muda”.

3. Considerações finais

Dentre as pesquisas analisadas em relação à educação e o sistema penitenciário,

percebe-se que há um destaque para os problemas que assolam esse ambiente, todavia

há certa carência no tocante a responsabilidade do Estado em combater tais mazelas e o

mais importante, a responsabilidade em trabalhar como a prevenção. É importante que

haja o reconhecimento que a construção de mais presídios não é a melhor medida para

prevenir o aumento da criminalidade, é preciso pensar de que maneira pode-se agir para

não precisar construir mais prisões. Faz-se necessário buscar estratégias para diminuir o

acesso e permanência de indivíduos no mundo do crime. É extremamente importante

que a sociedade deixe de criar “bandidos” para depois punir e, nesse contexto, o

investimento uma educação para além do capital é fundamental.

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Todavia essa tarefa não é fácil, os desafios para a educação no sistema carcerário

são inúmeros. Fora da prisão, a maior dificuldade do professor não está na transmissão

do conteúdo científico, mas sim em transformar o conteúdo do livro didático em algo

significativo para o aluno, entre tantas coisas que são ofertadas a criança e ao

adolescente é um verdadeiro desafio fazer com que o mesmo possa se interessar por

aquilo que é ofertado em sala de aula e ainda, fazer com que aquele conteúdo ofertado

contribua para a transformação daquela pessoa em verdadeiro cidadão, conhecedor dos

seus direitos e deveres e o mais importante, fazer com que aquele aluno possa se sentir

sujeito da História capaz de atuar efetivamente na construção e transformação da

sociedade.

Esse desafio se multiplica quando se trabalha com pessoas em privação de

liberdade, o professor às vezes precisa reaprender a lecionar, a cada dia encontrar novas

formas de apresentar os conteúdos científicos, pois o mesmo passa a relacionar-se com

pessoas que nunca acreditaram na educação como meio de construção e nem de

transformação. O professor trabalha com pessoas que foram simplesmente excluídas do

processo, e agora em privação de liberdade precisam ver na educação um meio de

reinserção na sociedade que sempre o marginalizou. São homens em sua maioria,

jovens, pobres, negros, sem perspectiva de futuro, pois a sociedade não acredita que

possam mudar, o Estado se preocupa apenas em resolver a superlotação das cadeias e os

problemas que isso gera, não está preocupado em promover políticas públicas para

evitar a reincidência daqueles que já estão presos e nem propor políticas que impeçam

novos jovens entrarem para o mundo do crime e, para finalizar o quadro desesperador,

nem o encarcerado acredita mais em sua regeneração. Sem falar que diante de todos

esses desafios, o professor ainda não tem autonomia dentro do sistema prisional pois

tudo depende da segurança da penitenciária.

Diante disso, precisa-se em caráter emergencial estudar uma forma de educação

que desenvolva plenamente o sujeito em privação de liberdade, uma educação

emancipadora que proporcione a esse sujeito um resgate de valores, que lhe permita

sonhar de novo, longe da criminalidade.

Preciso antes de terminar ressaltar que esse artigo se originou de parte da

pesquisa que estou desenvolvendo no Mestrado em Educação da Unioeste, cujo ingresso

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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se deu em 2015, e a pesquisa ainda em fase inicial, sendo assim, impossibilitada de

responder de forma satisfatória os problemas outrora elencados. ESTE PARÁGRAFO

PRECISA IR NA INTRODÇÃO: DIZER QUE A PESQUISA SE INICIA AGORAM

NO MESTARDOP, ETC.

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4- Referências Bibliográficas COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Socioeducação: Estrutura e Funcionamento da Comunidade Educativa. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006 A. LOÏC, Wacquant. As prisões da miséria. Digitalização: 2004. Disponível em: http://www.fesppr.br/~daiane/Artigos%20de%20Sociologia%20Jur%EDdica/_2__WACQUANT__Loic__Prisoes_da_Miseria__Redistribudo_por_BPI.pdf Acesso: 10-10-13. MAIA, Clarissa Nunes et alii (Orgs.). História das prisões no Brasil, vol. 1. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. Disponível em: http://resistir.info/meszaros/meszaros_educacao.html. MIRANDA, Carlos Alberto Cunha. A fatalidade biológica: a medição dos corpos, de Lombroso aos biotipologistas. In: MAIA, Clarissa Nunes et alii (orgs.). Historia das prisões no Brasil, vol. 2. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 277-317.

ODRZYWOLEK, Vieira Carolina. “Não que o esteja culpando, mas ele era o traficante”: A inserção da mulher no tráfico de drogas. Monografia apresentada na Universidade Federal de Santa Catarina Centro Socioeconômico Departamento de Serviço Social. Florianópolis, 2011/2. Disponível em: http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/100104 PEREIRA, Antônio. A educação-pedagogia no cárcere, no contexto da pedagogia social: definições conceituais e epistemológicas. Rev. Ed. Popular, Uberlândia, v. 10, p. 38-55, jan./dez. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/viewFile/20214/10790 RITA, Rosangela Peixoto Santa. Mães e crianças atrás das grades: em questão o principio da dignidade da pessoa humana.Monografia do Programa de Pós-Graduação em Política Social. Brasília. 2006. Disponível em: <http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/6377/1/2006_Rosangela%20Peixoto%20Santa%20Rita.pdf> RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1938. Apud MIRANDA, Carlos Alberto Cunha. A fatalidade biológica: a medição dos corpos, de Lombroso aos biotipologistas. In: MAIA, Clarissa Nunes et alii (orgs.). Historia das prisões no Brasil, vol. 2. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 277-317.