educação e diversidades
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Equidade no saberTRANSCRIPT
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1. Construção social das desigualdades: representações e comportamentos
Qualquer indivíduo que nasce em sociedade passa por um período de aprendizado,
de socialização. Enquanto criança lhe é impossível distinguir o que é aceito como
certo ou errado, perceber como funcionam as organizações sociais ou imaginar o
quão complexas são as relações entre os adultos. Diferentemente dos animais, o que
os seres humanos herdam biologicamente não lhes é suficiente como suporte à con-
vivência em grupo.
É, portanto, em um verdadeiro processo de aquisição da cultura no decorrer da vida
que as informações relevantes poderão ser apreendidas. E essa cultura socialmente
assimilada incutirá visões de mundo e expectativas quanto ao comportamento desse
indivíduo e dos demais, possibilitará conhecimento sobre posições e funções valori-
zadas acerca das normas formais e informais existentes.
Socializados, os indivíduos agem sobre o mundo e se relacionam uns com os outros,
suas ações produzem consequências sobre a sociedade, modificando seus padrões.
Deste modo, alteramos continuamente as bases culturais sobre as quais nos move-
mos – seja pela vontade consciente de provocar mudanças, seja por efeitos não pre-
vistos de nossas ações ou mesmo devido a algum evento de ordem natural. É a esse
movimento da cultura, e da sociedade, que chamamos de história e a ele é devido
que cada nova geração aprenda a viver em convívio social, seja de forma diferente ou
semelhante à de seus pais.
Essas informações podem ser resumidas, dizendo-se que a vida social possui duas
dimensões distintas, mas intimamente relacionadas entre si. Uma, pode ser chamada,
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metaforicamente, de “sociedade dentro dos indivíduos”, que seria produto do pro-
cesso de aprendizado e da cultura, das representações, das normas, das expectativas,
das diferenciações etc. Outra, de “indivíduos dentro da sociedade”, que é a realização
das atividades, relações e construções humanas (materiais e imateriais). Importa des-
tacar que há uma influência recíproca e constante entre essas duas partes. Por conse-
guinte, quando aqui nos referimos à cultura também implicamos suas consequências
práticas e comportamentais, e vice-versa.
Ocorre, no entanto, que a visão de mundo, que nos é incutida pelo processo de
aprendizagem cultural, não costuma deixar, num primeiro momento, muitas mar-
gens para questioná-la. A sociedade é produto de construções de inúmeras gerações.
Ao nascermos, encontramos uma infinidade de modos de ser e agir, já estruturados e
definidos. E como essas coisas são as primeiras que nos são apresentadas, mesmo de-
pois de desenvolvermos potencial cognitivo para um raciocínio crítico, muitas vezes
não temos base comparativa ou parâmetros para julgá-las. Por isso, frequentemente
somos levados a pensar que nossos pontos de vista culturais originais são inquestio-
náveis, universais e até mesmo naturais.
Além disso, toda visão de mundo que herdamos passa a compor a nossa visão de
mundo, passa a influenciar fortemente o modo como compreendemos os outros e
a nós mesmos. Há características veementemente identitárias em toda cultura, por
isso, aprender a relativizar convicções é um caminho, que nem sempre pode ser agra-
dável, não só por tocar em certezas que nos são caras, como também por questionar
a nós mesmos. E, sobretudo, no caso daqueles que estão em posições privilegiadas,
em que nem sempre há disposição para o questionamento e muito menos para ceder
privilégios. Algumas pessoas os vêem de modo tão naturalizado que mal conseguem
entender que há injustiça ou admitir qualquer tipo de desigualdade. Por isso, é cor-
reto dizer que as desigualdades sociais estão presentes nos dois pólos, nas idéias e nas
práticas, e que estão sedimentadas historicamente sob diversas camadas construídas
por gerações anteriores. Por esse motivo não é tão fácil removê-las. E qualquer ini-
ciativa nesse sentido requer re-educação e re-adaptação.
Cultura, representações, idéias,
normas, expectativas, sistemas
de classificação etc.
Práticas, comportamentos,
relações, atividades,
organizações, instituições etc.
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Em termos gerais, existem dois tipos de desigualdades sociais: as consideradas ina-
tas, naturais, e as consideradas não-naturais, adquiridas. O que é classificado de um
modo ou de outro, no entanto, variou bastante. Na Idade Média, por exemplo, os
nobres eram tidos como superiores aos comuns e não se tratava apenas de uma ques-
tão de dinheiro ou de poder: sob a perspectiva da época, um indivíduo nascia um
aristocrata ou um plebeu, senhor ou servo. Daí a expressão popular “sangue azul”
para caracterizar os primeiros. Esta expressão assinalava exatamente o caráter here-
ditário dessa distinção. O importante a considerar aqui é que tal distinção justificava,
sustentava e gerava práticas sociais específicas, que por sua vez, reforçavam e cor-
porificavam a própria concepção de que os plebeus eram subordinados aos nobres.
Com o advento do pensamento burguês liberal, o ideário de igualdade entre os ho-
mens veio justamente destronar aquela desigualdade tipicamente aristocrática. A
idéia de que os homens nascem igualmente livres começou a ser defendida. Diferen-
ças sociais tais como riqueza e pobreza não seriam originárias de atributos inatos,
mas, sim, características adquiridas através da vida em sociedade. É possível dizer
que boa parte do movimento histórico de superação das desigualdades consiste na
transformação de concepções ligadas a critérios herdados ou inatos em concepções
mais relativistas, a partir das quais, torna-se possível às pessoas o reconhecimento de
que os fundamentos de suas representações e os valores que orientam suas ações não
são absolutos e inquestionáveis, mas, sim, criados através de um processo histórico
e social.
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2. O liberalismo e as promessas não cumpridas
O advento da burguesia no final da Idade Média foi um processo ímpar: jamais hou-
ve um coletivo tão representativo de sujeitos, advogando e reivindicando liberdade e
igualdade. Algumas teorizações filosóficas e literárias podem até ser indicadas como
origens do pensamento liberal burguês, no entanto, suas consequências políticas de
relevo só foram alcançadas através da força social do capitalismo emergente.
Por “liberalismo”, entendemos um conjunto de dou-
trinas e concepções que convergiam para o enten-
dimento de um Estado com poderes e funções limi-
tados, contraposto ao chamado Estado Absoluto ou
Absolutista. Essa ordem política, pretendida pelos
burgueses, se baseia na pressuposição de que a li-
berdade individual é o fundamento e o objetivo de
qualquer instituição. Em outras palavras, as orga-
nizações políticas não deveriam coagir as pessoas a
realizar o que não desejavam e nem impedi-las de
seguir seus anseios; ao contrário, a função principal
seria a de prover segurança aos indivíduos e garantir
os contratos livremente estabelecidos entre eles. Na
raiz dessa idéia de liberdade reside a convicção de
que todos são portadores de “direitos naturais”.
Bastante associado ao ideal de liberdade estava o de
igualdade. Esse, porém, compreendido numa acep-
ção muito específica: as pessoas são iguais em termos
de seus direitos e deveres, ou seja, de sua liberdade.
Idealmente, todos seriam livres para se desenvolver
individualmente dentro do arcabouço do Estado Li-
beral. Já não se acreditava em desigualdades herda-
das, mas sim, que todos teriam o mesmo acesso aos
direitos naturais.
Esse pensamento burguês, compreendido como radical por parte daqueles que eram
privilegiados pela ordem monárquica, aristocrática e absolutista, provocou resistên-
cias, punições e guerras. A burguesia, levantando suas bandeiras, promoveu insur-
reições e revoluções. Em meio a inúmeras disputas, aqueles ideais foram ganhando
A Doutrina dos Direitos Naturais
ou Jusnaturalismo é uma concep-
ção segundo a qual todas as pessoas
possuiriam, por natureza, e de for-
ma indiscriminada e independente
de suas próprias vontades ou das
vontades de outros, determinados
direitos, compreendidos como fun-
damentais. Seriam como leis exis-
tentes acima das sociedades huma-
nas, eternas, imutáveis e universais.
Os homens as conheceriam e as
acessariam através do uso da razão
e do intelecto, sendo assim possível
sua tradução em forma de cânones
jurídicos, direitos e deveres. Nesse
quadro, o papel do Estado seria o de
zelar legitimamente pela manuten-
ção dessa ordem imposta pela natu-
reza, garantindo obediência, prote-
ção e cumprimento das normas.
“O objetivo de toda associação po-
lítica é a conservação dos direitos
naturais e não prescritíveis do ho-
mem” (Art. 2º da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão,
1789).
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terreno e se realizando pouco a pouco nas práticas institucionais modernas. Conse-
quentemente, ao se tornarem dominantes, suas premissas relacionadas à mudança
social foram se tornando menos radicais1. Grande parte dessa perda da radicalidade
se deve à compreensão restrita da idéia de igualdade, que não considerava o fato de
que, para muitos, estava fechada a possibilidade de exercer a liberdade, posto que,
partiam de condições econômicas e sociais desiguais, bastante desfavorecidas.
Como tudo o que existe socialmente, as desigualdades possuem aspectos culturais
ou representacionais, assim como aspectos comportamentais ou práticos. A situação
das mulheres, como a dos grupos étnicos (abordados na unidade anterior), ilustra
exemplarmente essa questão. Seriam as mulheres tão “iguais” em liberdade quanto
os homens? Houve muitas formas diferentes de responder essa questão, dependendo
do momento histórico. Por exemplo, não havia qualquer dúvida entre os gregos ate-
nienses que suas mulheres eram pessoas de segunda classe, um pouco acima somente
dos escravos, mas não chegavam nem mesmo perto de serem vistas como cidadãs.
Por sua vez, a partir de meados do século XVI, houve grandes embates teológicos
entre os católicos para decidirem se os índios/as, habitantes do Novo Mundo, eram
mesmo seres humanos e se possuíam alma (como alguém que nem mesmo é hu-
mano poderia desfrutar de direitos?). Assim, os direitos naturais, que a princípio
seriam para todos, não raro se restringiam a sujeitos bem específicos, ou seja, àqueles
indivíduos pertencentes às classes e categorias sociais dominantes.
Os movimentos de afirmação de direitos de grupos marginalizados procuram lutar
pela re-significação das desigualdades (mostrando que não são naturais, mas sim
socialmente criadas) e buscar a conquista de espaços públicos, políticos e estratégicos
que representem um ganho efetivo de poder, a ponto de fazer valer o real sentido de
equidade, isto é, da “igualdade na diferença”, dando condição de fato a todos para o
exercício dos direitos e das liberdades.
Neste sentido, é importante conhecer as formas como as concepções sobre igual-
dade, diferença, desigualdade e direitos foram se constituindo ao longo do tempo,
e como estavam embasadas, muitas vezes, por determinados discursos considera-
dos “legítimos”: a religião e a ciência, por exemplo. Essas concepções fundamentam
muitos dos processos de discriminação que procuramos, com esse curso, rediscutir
e combater. Passaremos, então, a pensar sobre como opera a ciência, e a importância
do conhecimento científico, seja para manter, seja para questionar a forma como as
desigualdades se expressam.
1. É na esteira desse processo que compreendemos a atual acepção do termo “liberal” no senso comum: muitas vezes identificado como conservador dentro do cenário capitalista contemporâneo.
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3. Os estudos sobre as ciências: uma introdução
Uma das características mais marcantes da moder-
nidade é a influência da ciência. Tanto em uma di-
mensão material, em que produtos tecnocientíficos
ocupam um espaço cada vez maior da vida cotidiana
quanto em nível simbólico, como um princípio geral
de explicação e referencial último do “conhecimento
confiável”. Até mesmo na linguagem corrente, vê-se
com frequência a associação entre palavras como
científico, verdadeiro, real, como se fossem sinônimos.
Por outro lado, desde a década de 1960, com a contra-
cultura e outros movimentos contestatórios, muitas
críticas à ciência positiva, ou ao discurso científico,
têm sido feitas. Ameaças ao meio ambiente e à própria
sobrevivência da espécie humana, bem como a supos-
ta desumanização das relações sociais são atribuídas,
com ou sem razão, ao predomínio material e simbólico do pensamento científico.
Em parte, talvez, por causa desta reação ao predomínio da ciência, neste mesmo pe-
ríodo, uma perspectiva filosófica crítica começa a se desenvolver, tendo como um de
seus marcos a publicação, em 1962, de um dos livros de maior repercussão no século
XX, A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn (1922-1996), físico forma-
do em Harvard, que acabou dedicando sua carreira à História e Filosofia das Ciências.
Enquanto teorias filosóficas precedentes se preocuparam com a criação de um crité-
rio de demarcação, que separaria o que é ciência daquilo que não é, Kuhn ofereceu
um modelo que abriu a perspectiva de estudar a ciência como uma atividade social e
cultural, aberta à crítica e à compreensão geral.
A verdade do pensamento científico seria então “uma” verdade dentre outras possí-
veis, permeada por valores e representações sociais e submetida a forças políticas ou
a relações de poder. Essas idéias foram sendo refinadas naquilo que se convencionou
chamar de “perspectiva construcionista”. Na trilha aberta por Kuhn, sociólogos e an-
tropólogos, além de historiadores e filósofos, debruçaram-se sobre a atividade de
cientistas, buscando descrevê-la e compreendê-la para além do discurso de apresen-
tação de seus próprios atores principais, os cientistas.
A contracultura foi o nome dado
a um conjunto de movimentos de
contestação aos valores e comporta-
mentos vigentes, que se desenvolveu
principalmente a partir da década
de 1950, nos Estados Unidos, mas
também na Europa e América Lati-
na. Foi marcada pelos movimentos
estudantis e juvenis, como o “Maio
de 68” na França e a “Primavera de
Praga” no mesmo ano, pelo uso de
drogas e referências às religiões e fi-
losofias orientais, e pelo surgimento
do movimento hippie, do rock e de
festivais de música como o de Woo-
dstock, em 1969.
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Nos últimos trinta anos, esta perspectiva crítica foi confrontada pelos próprios cien-
tistas, que fundamentavam sua visão na defesa da ciência como uma atividade de
descoberta da “estrutura última da realidade”, ao contrário dos aspectos que vinham
sendo, então, compreendidos como partes de um processo de construção social. Al-
guns cientistas contra-atacaram, afirmando que a perspectiva construcionista estaria
negando qualquer materialidade aos objetos da ciência, reduzindo-a à produção de
discursos e manobras retóricas.
Em anos mais recentes, temos assistido a tentativas de rever essas oposições e polari-
zações, procurando incorporar uma visão que relativiza a questão da autoridade da
ciência, mas sem deixar de reconhecer a eficácia prática do empreendimento técnico-
científico. Um autor relevante nesse contexto é Ian Hacking, filósofo canadense, que
escreveu em 1999, um livro cujo título já expressa sua posição no debate: The social
construcion of what? (A construção social do quê?). Nesta obra, Hacking tenta se
desvencilhar da polarização (verdade absoluta x construção social), mostrando que
as diversas perspectivas abarcadas sob a rubrica “construção social” têm em comum
um ponto de partida: o objeto definido como socialmente construído é tido como
um dado perene da natureza, mas seria, na verdade, contingente, tendo uma história.
Poderia, portanto, ter sido constituído de outra maneira e é passível de mudanças,
releituras, problematizações.
Os “objetos” que nos interessam nesse curso são os sistemas relacionais de gênero
que estruturam principalmente as interações entre homens e mulheres, bem como
as práticas, valores, concepções e comportamentos sexuais associadas a tais sistemas.
Em momentos históricos anteriores, ainda com ecos no presente, o pensamento re-
ligioso foi o principal regulador destes sistemas de interação, através de suas institui-
ções. Com a introdução da perspectiva da ciência, a partir do renascimento e das re-
voluções burguesas, sua autoridade passa progressivamente a se estender sobre vários
domínios da experiência humana, e a compreensão científica sobre o que seria a “na-
tureza humana” não poderia deixar de incluir as esferas do gênero e da sexualidade.
Mas o que é ciência, afinal? Para responder a essa questão, faremos uma rápida di-
gressão histórica, necessária para a compreensão adequada dos problemas relaciona-
dos ao que parece uma simples questão de definição.
Embora a origem histórica de disciplinas claramente tidas como científicas no pre-
sente, como a astronomia, por exemplo, se perca nos primórdios da própria história
da humanidade, aquilo que poderíamos chamar de ciência moderna tem seu marco
na transição da Alta Idade Média para o Renascimento.2
2. Esta é uma questão ligada à história da Europa, onde aquilo que atualmente chamamos de “ciência” teve sua origem. Isto não significa que outros povos e outras culturas não tenham desenvolvido saberes e tecnologias até mais avançados que seus contemporâneos europeus, mas simplesmente não fazem parte da linhagem que se descreve neste texto.
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Ao contrário do saber convencional herdado, que aponta a Idade Média como um
período de desenfreado misticismo irracional, diversas inovações tecnológicas (como
na metalurgia, construção civil e na produção de vidros, das quais, são testemunhas
as catedrais góticas européias) surgiram nesse período. Também foi na Idade Média
que surgiu a Universidade, e com ela, processos de formação acadêmica que traziam
currículos padronizados (compostos por trivium – gramática, dialética e retórica, e
quadrivium – aritmética, música, geometria e astronomia) sob a égide da teologia, a
rainha das ciências naquele período histórico.
Neste complexo sistema de pensamento, o que chamamos hoje em dia de “universo”
era concebido como “cosmo”, fechado e heterogêneo, geocêntrico, com uma frontei-
ra definida pela órbita lunar. Para além desta órbita estaria o domínio do eterno e
perfeito, e, aquém dela, a esfera da transitoriedade e imperfeição. Sendo os humanos
criados à imagem e semelhança de seu criador, segundo este pensamento, era naquilo
que os aproximava dele que se poderia encontrar o fundamento sólido do “conhe-
cimento confiável”, pela introspecção e pela exegese dos textos sagrados. O critério
máximo de referência epistemológica era a Razão. E, entre os humanos, haveria es-
pecialistas na produção de interpretações corretas: o clero, intermediador entre a
palavra divina e a existência humana.
Um dos produtos mais robustos deste modelo é o sistema astronômico Ptolemaico.
Como já mencionado, a astronomia tem raízes que se estendem para além da história
conhecida. Múltiplas necessidades de povos antigos – navegação à noite, estabele-
cimento de ciclos temporais (calendários), essenciais à agricultura, por exemplo, e
mesmo a previsão astrológica – estimularam o desenvolvimento precoce (e múltiplo,
veja-se, por exemplo, a avançada astronomia desenvolvida pelos Maias, na América
Central pré-colombiana) da referida disciplina.
Seguindo a lógica das esferas supralunares perfeitas, o único movimento possível de
ser executado por corpos celestes era o circular. Mapeando-se as estrelas visíveis no
céu à noite, juntamente com a Lua, ou o Sol, durante o dia, as observações pareciam
confirmar este preceito. Uma classe de objetos, contudo, denominados pelo vocábulo
grego que os identificava como “errantes” – os planetas – seguiam trajetórias estra-
nhas, que pareciam ir até um ponto no céu, regressar e depois continuar na direção
anterior. Este movimento, denominado precessão, era explicado pela existência de
“epiciclos” – círculos dentro de círculos – que gerariam a aparente anomalia. As ob-
servações do céu, feitas com parcos instrumentos e com elevada margem de erro, não
sugeriam erros do modelo.
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Em 1543, surgiu um livro (De revolutionibus orbium coelestium), publicado pouco
antes do falecimento de seu autor, Nicolau Copérnico (1473-1543). Oferecia uma
representação alternativa do sistema ptolemaico, colocando o Sol, e não a Terra, em
seu centro. No prefácio do livro, esta decisão é apresentada de forma cautelosa como
um dispositivo esquemático que facilitaria o processo dos cálculos astronômicos,
sendo geometricamente equivalente ao modelo ptolemaico.
Com a chegada de outro personagem, Galileu Galilei (1564-1642), com múltiplos in-
teresses acadêmicos (astronomia, mecânica, matemática), o modelo epistemológico
da Idade Média foi seriamente abalado. Influenciado pelo pensamento Platônico e
desenvolvimentos da arte de sua época (como por exemplo, a descoberta/reinvenção
da perspectiva), Galileu introduziu importantes inovações metodológicas nos pro-
cessos de produção de conhecimento: a matematização e a experimentação.
Subjacente a ambos, estavam dois pressupostos me-
todológicos: o primeiro, de que o criador do univer-
so se expressaria em linguagem geométrica na sua
criação, e o segundo, de que o modo privilegiado de
acesso à verdade sobre essa criação seria a observação
- princípio compartilhado por outros autores, como
Vesálio (1512-1564).
Galileu põe abaixo a barreira infra/supra lunar. Encontra imperfeições na Lua com
seu telescópio, e afirma que os movimentos possíveis são os mesmos em qualquer
parte do Universo. Afirma a necessidade de experimentação como forma de obter
certeza e ridiculariza os sábios escolásticos, presos a seus textos. Com isso, criavam-se
dois atores fundamentais, o sujeito (humano) do conhecimento e seu objeto, a Na-
tureza. Para Galileu, e os que vieram a seguir, é apenas desta última que pode surgir
a certeza.
Mais do que apenas a questão do heliocentrismo versus geocentrismo, a teoria de
Galileu representava uma ameaça ao status quo teocrático, que se fundamentava na
primazia dos dogmas da igreja. Galileu foi processado pela Inquisição, e sua conde-
nação – com a pena de ser obrigado a renunciar à teoria do heliocentrismo - deve
ser compreendida, a partir desse contexto de disputas pela legitimidade das explica-
ções sobre o mundo (protagonizados, em grande parte, pelas ciências e religiões). Os
embates provocados pela mudança da perspectiva sobre o universo (em que a Terra
deixava de ser o “centro” de tudo) constituíram um capítulo muito importante para
a história das ciências.
Vesálio é geralmente considerado
como o autor do primeiro tratado
anatômico moderno, o De humani
corporis fabrica, publicado no mes-
mo ano – 1543 – da primeira edição
do De revolutionibus de Copérnico.
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Nos séculos que compreenderam o desenvolvimento das ciências positivas e da pró-
pria Filosofia, discussões sobre os métodos e pressupostos, utilizados para a constru-
ção do conhecimento, foram fundamentais. Em 1929, um manifesto, redigido por
um grupo de pesquisadores austríacos (o Círculo de Viena), propunha dois princí-
pios básicos para a ciência:
1) A experiência é a fonte de todo o conhecimento, e
2) A análise lógica é o método preferencial de solução de problemas filosóficos.
Como consequência, propunham a aplicação
da lógica indutiva à ciência, e formulando o
que veio a ser conhecido como positivismo
lógico, em contraposição às formas de rea-
lismo até então prevalentes na filosofia das
ciências. Uma preocupação fundamental dos
positivistas lógicos era a de como determinar
o que seria de fato “científico”, objetivando
expurgar da ciência qualquer influência “me-
tafísica”.
Em 1934, Karl Popper (1902-1994), filósofo de origem austríaca radicado no Reino
Unido, publicou seu primeiro livro: Logik der Forschung, A lógica da descoberta cien-
tífica. Trazia uma nova proposta epistemológica com importantes contrastes relati-
vos ao positivismo lógico. Para Popper, a ciência se caracterizaria não por comprovar
hipóteses ou teorias, mas por comportar mecanismos de falsificação das mesmas. Ao
invés de comprovação experimental, as teorizações teriam, na verdade, sobrevivido
aos testes colocados no caminho de seu desenvolvimento. Conjeturas e falsificação
estariam na base do desenvolvimento histórico da ciência.
A estrutura das revoluções científicas, de Kuhn (1962), obra já referida aqui, trouxe
importantes inovações ao debate. Para Kuhn, o sujeito cognoscente não é mais o
indivíduo, mas comunidades de pesquisadores, e a história das ciências é compre-
endida não mais como um crescendo contínuo de acumulação, mas uma sucessão
de crises e renovações. O autor define os períodos que marcam os grandes projetos
científicos, a partir do conceito de paradigma.
Toda a história e filosofia da ciência até Kuhn – e incluindo o mesmo – está dividida
em duas abordagens distintas chamadas de internalista e externalista. A primeira con-
sideraria apenas a dinâmica interna de uma dada disciplina no seu desenvolvimento.
O filósofo David Hume (1711-1776) formu-
lou o problema da “indução”, que colocava em
questão o processo de generalização de achados
a partir de experimentos ou observações, mes-
mo que múltiplas. Em outras palavras, o fato
de um determinado observador só identificar
cisnes brancos ao longo de sua vida não dá a
certeza de que todo cisne é branco. E, com efei-
to, existem cisnes negros.
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A externalista abarcaria as condições de pro-
dução do conhecimento científico, mas sem
colocá-lo em questão. Ou seja, ao lidar com
um dado marco histórico, como por exemplo
o surgimento da termodinâmica, uma histó-
ria internalista estaria concentrada no surgi-
mento de conceitos como o de “entropia”, ou
da lei de Boyle, ou dos passos técnicos da cria-
ção dos motores a vapor.
A abordagem externalista poderia analisar as
pressões econômicas da Revolução Industrial,
como o estímulo para o desenvolvimento das
primeiras, mas sem nenhuma análise crítica
das teorias termodinâmicas em si.
Enquanto seus predecessores, inclusive Popper, se concentraram na prescrição de
como deveria ser a ciência, Kuhn, com sua ênfase nos estudos históricos, procurou a
descrição de como as disciplinas se estruturaram. O conceito de paradigma abria um
horizonte de investigações sobre como componentes tidos como “externos” à ciência
poderiam se traduzir na produção de seu próprio conteúdo.
O campo dos estudos sociais da ciência, desenvolvido a partir dessas discussões sobre
a história, a epistemologia, os métodos, práticas e valores relacionados ao conheci-
mento científico colaboraram para a compreensão da ciência como um empreen-
dimento humano, social, histórico. Cujas verdades, portanto, resultam também dos
contextos nos quais são construídas.
O paradigma seria a maneira de compreender
o mundo, partilhada por uma determinada
comunidade, como a científica. No exemplo
apresentado anteriormente, o heliocentrismo
e o geocentrismo poderiam ser interpretados
como paradigmas diferentes, que implicavam
não somente concepções distintas sobre o uni-
verso, mas também as práticas científicas que
as produziam e reforçavam. Há, na concepção
de paradigma, a possibilidade de rupturas,
mudanças, revoluções. O que dá às “verdades”
buscadas pelas ciências um caráter histórico e
contingencial.
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4. Ciências, gênero e sexualidade
Estudos sobre as ciências muito contribuíram para a compreensão, e a problemati-
zação, do estatuto do conhecimento científico. A exigência de uma série de critérios
metodológicos e pressupostos teóricos e a busca por resultados objetivos, imparciais,
mais próximos do “real” ou de uma “verdade universal”, conduziu, por um lado, o
pensamento científico a se constituir em contraposição aos discursos religiosos.
Por outro lado, as ciências são também (assim como as religiões) um empreendi-
mento humano, estando, portanto, sujeitas a determinadas estruturas, regras, valo-
res, hierarquias e relações de poder que envolvem qualquer fenômeno social.
No que diz respeito a gênero e sexualidade, houve (e há, ainda) uma relação im-
portante entre a forma como essas temáticas são abordadas pelas ciências e deter-
minadas concepções correntes no senso comum. Tanto o conhecimento científico
exerce influência no modo de serem compreendidos os fenômenos relacionados à
diferença sexual e à sexualidade, como determinados pressupostos, compartilhados
pela sociedade, fundamentam as perspectivas, as questões, os objetos de pesquisa dos
cientistas.
A partir da década de 1960, há um movimento crescente de contestação dos valores,
estruturas e concepções sociais. Nesse contexto, no qual se desenvolvem movimentos
sociais como o feminista e o LGBT, as proposições científicas sobre o sexo foram
amplamente questionadas e discutidas. Foi a partir desse momento que se consoli-
daram estudos dedicados a pensar como a diferença sexual foi sendo construída pelo
discurso científico, e a questionar os padrões do que era considerado normal ou não,
no que diz respeito à sexualidade.
Como veremos com mais detalhes na próxima disciplina, a própria ideia do dimor-
fismo sexual, isto é, da diferença biológica entre homens e mulheres, foi construída
em um determinado momento da história. Como mostra Thomas Laqueur, somente
a partir do século XIX se passou a considerar corpos femininos e masculinos como
sendo de naturezas diferentes, pois até então, pensava-se que os órgãos sexuais se
desenvolviam de acordo com a quantidade de calor recebida pelo feto durante seu
desenvolvimento intra-uterino: os corpos “masculinos”, mais quentes, acabavam por
externar seus órgãos sexuais, enquanto os “femininos” os mantinham internamente
(Laqueur, 2001).
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Com o desenvolvimento das ciências biológicas e da medicina, a compreensão sobre
corpo e sexualidade passou a ser dirigida pelo discurso da constituição biológica ou
de sua “natureza”. A noção de raça tinha inicialmente uma explicação “biológica”,
como foi discutido na unidade anterior. Do mesmo modo, foi sendo desenvolvida a
ideia de que a diferença sexual seria determinada por causas naturais.
Estabelecia-se, dessa forma, a distinção entre homem e mulher, a partir da concepção
de que existem dois sexos biológicos. Essa diferenciação estaria diretamente rela-
cionada às finalidades da reprodução biológica. As mulheres seriam “naturalmente”
designadas à maternidade, enquanto os homens, a trabalhos intelectuais. Compara-
ções entre os tamanhos da pelve e do cérebro de mulheres e homens podiam explicar
essas designações e desigualdades. Ou então, como em um momento da história da
medicina, as caracterizações da sexualidade eram encontradas nos órgãos e hormô-
nios sexuais, ou mesmo na genética. Existe, portanto, um investimento “obsessivo”
na construção da diferença sexual, e consequentemente das aptidões e características
“sociais” que derivavam dessa “natureza” (Rohden, 2001).
Nos primórdios da constituição do discurso médico/científico, a sexualidade era
compreendida a partir da relação com os aspectos reprodutivos da vida: o objetivo
principal das características e manifestações sexuais era possibilitar a reprodução da
espécie humana. Dessa forma, a heterossexualidade era um fenômeno natural e ad-
quiria o estatuto de “normalidade”, por sua finalidade na reprodução biológica.
A definição de uma “natureza” sexual ou dos aspec-
tos biológicos, que fundamentavam a diferença entre
homens/mulheres e as manifestações da sexualidade
humana, tinham como um de seus principais efei-
tos a afirmação da imutabilidade e da inevitabilidade
desses aspectos. Ao definirem o que é “natural” na se-
xualidade humana (a diferença sexual entre homens/
mulheres e a heterossexualidade com finalidades re-
produtivas), as ciências constituíam, também, todo
um campo de patologias, desvios e anormalidades,
dentre os quais, até muito recentemente, se enqua-
drava, por exemplo, a homossexualidade.
Os estudos de inspiração feminista, desenvolvidos, sobretudo, a partir da década de
1970, se dedicaram a questionar alguns dos pressupostos que fundamentavam a vi-
são “essencialista” das ciências biológicas. Demonstrando o quanto essas concepções
Como veremos mais adiante, uma
das principais e iniciais bandeiras
do movimento LGBT foi uma críti-
ca cerrada à ideia de ser a homos-
sexualidade uma doença, desvio ou
anormalidade. No Brasil, apenas em
1985, o termo “homossexualismo”
deixou de constar na lista de doen-
ças do Conselho Federal de Medi-
cina.
. 68
reforçavam e influenciavam a manutenção das desigualdades entre homens e mulhe-
res, os estudos feministas desenvolveram, num momento inicial, uma oposição à co-
locação da determinação da diferença sexual na natureza, procurando mostrar como
esses discursos resultavam, na verdade, do processo histórico de desenvolvimento
da própria ciência e eram, portanto, socialmente construídos. O discurso científico
sobre a natureza da diferença serviria como uma espécie de base para a (re)afirmação
de desigualdades inerentes à sociedade.
A antropóloga Emily Martin (2006) traba-
lhou com os discursos da medicina sobre a
diferença sexual. No que diz respeito a seus
aspectos reprodutivos, demonstra como a lin-
guagem empregada nos textos didáticos dos
cursos para médicos refletia concepções cul-
turais sobre a diferença entre homens e mu-
lheres. Analisando discursos médicos sobre o
óvulo e espermatozóide, Martin mostra que o
encontro entre esses dois gametas é narrado
como se fosse uma fábula. A autora aponta o
contraste, nesses textos, entre a agilidade, ati-
vidade e força dos espermatozóides e a passividade, fragilidade, dependência e imo-
bilidade do óvulo, que, como se fosse a “Bela Adormecida” aguarda “o beijo mágico
de seu bravo companheiro” (Martin, 1996).
Há muitos exemplos do quanto o conhecimento pode estar comprometido com a
promoção (ou para a superação) dos processos de discriminação e das desigualda-
des. Ao longo deste curso, discutiremos alguns deles. O questionamento das verdades
produzidas pela ciência, e sua apropriação para justificar desigualdades resultou de
um diálogo com movimentos sociais, como o feminista e LGBT. Estes serão vistos
com mais profundidade nas próximas disciplinas. Ao mostrar que muitas vezes a
ciência é produzida a partir de concepções (não raro preconceituosas), presentes na
cultura, esses estudos permitem ampliar e redefinir as nossas perspectivas e nossa
compreensão sobre o mundo.
Segundo Citeli,
A ideia inicial de que sexo se referia à anato-
mia e fisiologia dos corpos deixava o caminho
aberto para interpretações de que as diferenças
entre mulheres e homens no domínio cognitivo
e comportamental, bem como as desigualdades
sociais, poderiam decorrer de diferenças sexuais
localizadas no cérebro, nos genes ou provocadas
por hormônios etc. (Citeli, 2001, p.133).
. 69
5. Do conhecimento à educação: o potencial de mudança social no ambiente escolar
Como vimos anteriormente, o conhecimento resulta de uma atividade humana, en-
globa os fatos e suas interpretações. Todo recorte que é feito da realidade, em nome
de uma categorização ou compreensão, é incapaz de captar a riqueza do real. O co-
nhecimento não é neutro, mesmo que tenha por objetivo a imparcialidade. Não é
inocente. É construído sobre conceitos e teorias, está enredado ao contexto histórico
e cultural.
A partir do reconhecimento da relação entre
conhecimento e poder é possível descobrir as
circunstâncias sociais e históricas concretas
que inspiraram regras morais aparentemente
neutras. Ao mesmo tempo, é possível perce-
ber o poder do conhecimento e da educação
na consolidação de certas normas e padrões
sociais.
A educação é uma prática social, em que são
expressos os mais diversos valores, crenças e
atitudes. Os conhecimentos trocados no coti-
diano escolar herdam, de certa forma, o status
de “verdade” que se costuma dar aos saberes
científicos. Portanto, aí se incluem também as
concepções elaboradas pelas ciências – bem
como seus limites e potencial para produzir
diferenças e discriminações, conforme discutimos nos textos anteriores. Ou seja, o
que se ensina, e como se ensina, pode reforçar ou desestabilizar hierarquias e formas
de dominação, discriminação, exclusão.
Reconhecer que o preconceito, a discriminação e a exclusão de estudantes em escolas
públicas sempre estiveram presentes na vivência escolar ainda representa um grande
desafio. Envolve a percepção de que não existe um caminho linear, pré-determinado
a ser seguido, mas forças sociais e políticas em disputa pela definição do compor-
tamento aceitável, a ser veiculado. O preconceito, a discriminação e a exclusão de
alunos/as muitas vezes são legitimados através da estigmatização devido à origem
sócio-econômica, étnica, racial, ao gênero ou orientação sexual. A discriminação
Toma-se aqui poder
no sentido foucaultiano, como:
a multiplicidade de correlações de força, ima-
nentes ao domínio onde se exercem e constitu-
tivas de sua organização; o jogo que, através de
lutas e afrontamentos incessantes as transforma,
reforça, inverte; os apoios que tais correlações de
força encontram umas nas outras, formando ca-
deias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e
contradições que as isolam entre si; as estratégias
em que se originam e cujo esboço geral ou cris-
talização institucional toma corpo nos aparelhos
estatais, na formulação da lei, nas hegemonias
sociais. (FOUCAULT, 1988, pp. 102-103)
. 70
pode ser identificada em múltiplas situações que envolvem o processo de ensino e
aprendizagem, justificando o fracasso escolar, o desinteresse, a indisciplina, a repe-
tência, a evasão escolar e violência física.
Nesse contexto, certas expressões de indisciplina escolar podem ser manifestações
de negação a uma perspectiva dominadora, hierarquizada, a uma verdade unilateral
instituída. A comunidade escolar precisa se mobilizar, dispondo-se a ouvir, a dar voz,
a criar espaços de expressão para pessoas e ideias comumente classificadas como
“anormais”, “desviantes”.
Algumas justificativas, formuladas por profissionais do ensino para os problemas de
participação na escola, podem estar fundamentadas em posturas discriminatórias:
“ele/a não vai bem na escola, porque a família é desestruturada”, “o desinteresse é
total na minha aula, ela/e não tem força de vontade”, “essa escola é fraca mesmo, por
isso, os/as alunos/as não merecem uma boa aula”, e assim por diante.
Respeitar a heterogeneidade da população que frequenta a escola pública envolve
questões como o entendimento das relações de poder no processo de ensino-apren-
dizagem, adequação metodológica e didática, seleção dos conteúdos escolares e con-
sequente construção do espaço de aprendizagem. Este cenário deve recusar ser pu-
nitivo, hierarquizado, para que permita o desenvolvimento de um indivíduo crítico,
reflexivo, participativo e que venha a ser capaz não apenas de conviver com as dife-
renças que existem entre os sujeitos, mas de entendê-las, respeitá-las e promovê-las.
A discussão a respeito do papel da educação e do conhecimento, frente às discri-
minações e à promoção da equidade, pressupõe a compreensão por parte dos/as
profissionais de educação não só acerca do caráter construído do conteúdo de seus
currículos de ensino, mas também dos significados atribuídos tanto ao processo edu-
cacional como de escolarização. Além disso, deve reconhecer a inscrição hierárquica
inerente à relação professor-aluno, as implicações dessa hierarquização no processo
da legitimação (ou não) de ações/atitudes discriminatórias no espaço escolar.
Nesse sentido, os/as profissionais de educação precisam estar atentos a outros pro-
cessos educativos, que ocorrem no ambiente escolar, além do que é ensinado pela
transmissão do conteúdo programático.
Normas relativas ao gênero e à sexualidade são cotidianamente construídas e lapida-
das com gestos, falas, orientações, olhares, jogos, brincadeiras, ocupações de espaços,
comportamentos e avaliações. Se a escola tem uma antiga trajetória normatizadora
e homogeneizadora, reproduzindo as desigualdades, tal trajetória precisa ser revista.
. 71
Com a repetição de imagens, linguagens, textos e repressão aos chamados compor-
tamentos “anormais”, os “desviantes” são levados à integração ao grupo, passando da
minimização à eliminação das diferenças (compreendidas como “defeitos”). E o que
seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase branco? Ser
gay sem gestos “afetados”?
Discrimina-se aquele/a que difere do padrão de normalidade, reconhecido em um
jogo de poder, no qual o discriminado é pressionado a se adaptar às regras e conven-
ções, podendo então, somente após essa adaptação, o “diferente” ser tratado como
“igual”. Nessa visão, “se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será
aceito em sua plenitude” (CASTRO, 2005, p. 217).
Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de educadores e
educadoras, que ainda que reconheçam a existência de discriminações dentro e fora
da escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. Falar do tema seria acordar
preconceitos antes adormecidos, podendo provocar um efeito contrário: em vez de
reduzir os preconceitos, aumentá-los. E nos silêncios, no currículo “explícito” e no
“oculto”, vão se reproduzindo desigualdades, pois os/as excluídos/as do sistema se
tornam invisíveis assim como seus problemas e demandas.
Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação das diversidades
(nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas etc.), o que resta aos alunos
e alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as, conformar-
se com o status de “desviante”, ou reagir a xingamentos, a piadinhas e figurar entre
os indisciplinados/as? Abandonar a escola estaria, também, entre as opções. Moema
Toscano destaca “o peso da educação formal [leia-se aqui da escola] na manutenção
dos padrões discriminatórios, herdados da sociedade patriarcal” (TOSCANO, 2000,
p. 22).
Nos anos de 1970 e 1980, o Movimento Feminista assim refletia sobre a questão de
gênero no ensino:
[...] o alvo principal [...] era a denúncia quanto à existência de práticas aberta-
mente sexistas nas escolas, com a tolerância, quando não com a cumplicidade,
de pais e professores. Estes, em geral, não se apercebiam do peso de seu papel na
reprodução dos padrões tradicionais, conservadores, que persistiam na educação,
apesar de seu aparente compromisso com a modernidade e com a democracia
(TOSCANO, 2000, p.21).
. 72
Ao falar sobre a educação que respeita a diversidade, Mary Garcia Castro, pesquisa-
dora da UNESCO, traz a seguinte reflexão:
Há que se estimular os professores [e professoras] para estarem alertas, para o
exercício de uma educação por cidadanias e diversidade em cada contato, na sala
de aula ou fora dela, em uma brigada vigilante anti-racista, anti-sexista, [anti-
homofóbica] e de respeito aos direitos das crianças e jovens, tanto em ser, como em
vir a ser; não permitindo a reprodução de piadas que estigmatizam, tratamento
pejorativo (...). O racismo, o sexismo, [a homofobia], o adultismo, que temos em
nós, se manifesta de forma sutil; não é necessariamente intencional e percebido,
mas dói, é sofrido por quem os recebe, então são violências. E marca de forma
indelével as vítimas que de alguma forma somos todos nós, mas sempre alguns,
mais que os outros, mulheres, os negros, os mais jovens e os mais pobres (CAS-
TRO, 2005).
A superação da discriminação, a democratização da educação, a promoção da equi-
dade supõem, assim, reorganizar e re-configurar o espaço escolar, o projeto político-
pedagógico da escola, tendo em vista o respeito aos diferentes, suas perspectivas e
valores. Além disso, é importante ter como objetivo melhorar a qualidade de ensino,
promover a interdisciplinaridade, os temas transversais, e ampliar as oportunidades
educacionais no interior da escola.
. 73
6. A democratização da educação: implicações na organização escolar e no projeto político-pedagógico
Ao longo de décadas, vem se discutindo o papel da escola pública na formação dos
cidadãos. Seu impacto no desenvolvimento social e econômico do país é um desafio
que passa pelo processo de democratização da educação e do ensino. E, ainda, com-
preende o reconhecimento da importância do ensino fundamental “na construção
de uma educação de massas e a consequente necessidade de garantia de acesso e de
permanência de todos nesse grau de ensino” (GRACINDO, 1995, p.149).
Democratizar o ensino, a partir da expansão das oportunidades educacionais e da
oferta de uma educação de qualidade, segundo Azanha (1987):
[...] é, sobretudo, uma medida política e não uma simples questão técnico-peda-
gógica. A ampliação de oportunidades decorre de uma intenção política e é nesses
termos que deve ser examinada. [...] Não se democratiza o ensino, reservando-o
para uns poucos sob pretextos pedagógicos. A democratização da educação é irre-
alizável intramuros, na cidadela pedagógica; ela é um processo exterior à escola,
que toma a educação como uma variável social e não como simples variável pe-
dagógica (AZANHA, 1987, p.41).
A proposta de democratização da educação vincula-se tanto à expansão das oportu-
nidades educacionais quanto à transformação das condições estruturais de ensino-
aprendizagem oferecidas no espaço escolar. Nem sempre de fácil aceitação no Brasil,
essas mudanças permitem enfrentar a repetência e evasão escolar que vêm compro-
metendo, durante décadas, a permanência dos/as alunos/as na escola.
Ao garantir o acesso de estudantes à escola sem as mínimas condições necessárias
para sua permanência, corre-se o risco de reforçar práticas discriminatórias que le-
gitimam o fracasso escolar. Na década de 1980, a taxa de atendimento da população
brasileira de 7 a 14 anos era de 80,9%. No ano 2000, esse percentual saltou para
96,4% (MEC/INEP, 2002). Aparentemente positivo, este crescimento significativo
deve ser visto com cautela, procurando-se observar se ao crescimento das oportu-
nidades educacionais seguiu-se uma melhoria das condições estruturais de ensino-
aprendizagem.
. 74
A promoção da equidade demanda alterações na estrutura escolar, a qual é entendi-
da por Freitas (1995) como a organização global do trabalho pedagógico da escola
(projeto político-pedagógico) e o trajeto pedagógico desenvolvido na sala de aula.
Essas mudanças ocorrem em duas dimensões: a política – referente ao compromisso
estabelecido com a formação do cidadão na sociedade; e a pedagógica – relativa à
definição das ações educativas e às características necessárias para a escola cumprir
seu propósito e intencionalidade (VEIGA, 2002).
Em relação ao projeto político-pedagógico, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
de 1996, em seu artigo segundo, trata das finalidades da educação, reconhecendo a
importância não só da qualificação do estudante para o trabalho, mas também do
seu desenvolvimento como cidadão:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno de-
senvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qua-
lificação para o trabalho. (Artigo 2 – LDBEN n. 9.394/96).
Além disso, há um título especialmente dedicado ao direito à educação e ao dever de
educar. Devem ser desenvolvidos de acordo com o artigo 3º:
Art.3º. Com igualdade, liberdade, pluralismo de idéias, tolerância, gratuidade
do ensino público, convivendo com instituições privadas de ensino, valorizan-
do o profissional da educação escolar e a experiência extra-escolar, garantindo
o padrão de qualidade, vinculando a educação escolar ao trabalho e às práticas
sociais, além de garantir a gestão democrática do ensino público (TÍTULO III –
LDBEN n. 9.394/96).
Flexíveis frente aos interesses, realidades e ao processo histórico de cada sociedade
em particular, a Constituição Federal de 1988 e a LDB 9.394/96 garantem a universa-
lização do ensino, através da igualdade de acesso e permanência na escola.
Entretanto, frente à escassez de recursos físicos, alta rotatividade docente, ausência de
organização de recursos humanos, falta de pessoal de apoio, além de currículos insu-
ficientes que caracterizam as instituições localizadas na periferia, garantir a igualda-
de de condições entre as instituições de ensino é um imenso desafio (PENIN, 1983).
É preciso acomodar o projeto político-pedagógico, idealizado conforme as orien-
tações presentes na legislação, e o projeto político-pedagógico concretizado, ou
possível, no interior de cada escola. Esta deve ter em vista, entre outros aspectos, a
. 75
importância do engajamento dos/as professores/as, cujo trabalho, conforme ressalta
Gomes, continua “caracterizado pela relação privilegiada que mantêm com os alunos
no espaço sagrado e privado da sala de aula” (GOMES, 1996, p. 104).
. 76
7. Educação e conhecimento na promoção da equidade: o combate à discriminação.
O fazer pedagógico não depende somente dos atores na sala de aula, mas também
do tipo de conteúdo veiculado e do modo como é transmitido. O conteúdo escolar,
como indicou Gimeno Sacristan (2007), é uma construção social que reflete: a visão
do aluno “desejável”, a cultura predominante; as posições pedagógicas, psicológicas e
filosóficas que o influenciam; e a perspectiva dos que definem o que ensinar.
Na análise do autor, é preciso que os conteúdos escolares incorporem uma perspec-
tiva reflexiva. Para tanto, é fundamental também pensar alternativas de estruturação
dos processos educativos. Discutiremos brevemente algumas propostas que vêm sen-
do sugeridas e implementadas no Brasil, nos últimos anos.
Uma importante alternativa criada no Brasil na década de 1990 foi a organização dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e dos Temas Transversais. A intenção era tornar
flexíveis os currículos escolares e, consequentemente, a aprendizagem. Favorecendo
o domínio da leitura, da escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural,
do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores que fundamentam a so-
ciedade; a aquisição de conhecimentos, habilidades, formação de atitudes e valores;
orientação aos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de respeito
recíproco, no qual assenta a vida social.
Outra iniciativa foi a proposta de organização não-seriada, denominada de ciclos
escolares. Segundo Barretto e Sousa (2004), a proposta busca incorporar dimensões
sociais e culturais mais abrangentes, promovendo um novo entendimento sobre o
conhecimento e a aprendizagem.
Bastante valorizados na década de 1990, na opinião de Barretto e Mitrulis (2001), os
ciclos escolares constituíam uma forma de resposta ao fracasso e à exclusão escolar,
diante das novas exigências impostas pela sociedade. Apresentavam destaque para a
formação de amplos contingentes da população, capazes de desenvolver habilidades
intelectuais mais complexas, processar informações, organizar relações sociais e de
trabalho, de modo cooperativo e autônomo.
Estas experiências demonstraram a tentativa de superar o caráter seletivo da escola,
dando flexibilidade ao currículo no sentido de atender às diferenças entre os alunos/
as. Evidenciavam inclusive uma variação na duração das propostas, nos arranjos en-
. 77
tre as séries e os ciclos nas variadas redes, devido a fatores socioculturais, escolares
ou pedagógicos.
Para atualizar o fazer pedagógico, suas roti-
nas, tempos, espaços e atividades, indo além
da transmissão do conhecimento, e também
respondendo os questionamentos e proble-
mas reais dos alunos/as, Araújo (2003) sugere
o desenvolvimento de Projetos e Propostas
Interdisciplinares, articulando o conheci-
mento científico com os saberes populares e
cotidianos.
Berbel (1998) propõe a realização da Apren-
dizagem Baseada em Problemas (PBL), que
favorece o pensamento e o raciocínio sobre
o conhecimento, através de problemas de es-
tudo e conteúdos integrados. E a prática da
Metodologia da Problematização para o en-
sino de determinados temas de uma discipli-
na, com tratamento reflexivo e crítico destes,
a partir da realidade social.
Mesmo que estas propostas possam favorecer o desenvolvimento de processos edu-
cativos não discriminatórios, é importante lembrar, como propõe Freire (1999), que
a promoção da equidade, por meio da educação, só terá condições de se concretizar
se, no espaço escolar, houver a aceitação do novo. E também, a reflexão crítica sobre a
prática, pesquisa e curiosidade; a disponibilidade para diálogo e o comprometimen-
to; a compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
Neste sentido, educar é criar espaços, “é criar acontecimentos, é articular o espaço,
tempo, coisas e pessoas para produzir momentos que possibilitem ao educando ir,
cada vez mais, assumindo-se como sujeito, ou seja, como fonte de iniciativa, respon-
sabilidade e compromisso” (ANDRÉ, 2003, p. 10).
O ensino é político. O que é ensinado privilegia alguns conteúdos em detrimento
de outros. Além das normas que gerem o conteúdo programático a ser ensinado, é
preciso que os professores reconheçam que mesmo a não menção a certos temas tem
efeitos políticos. O silêncio impede o combate a alguns tipos de discriminação, que
Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL)
– estratégia educacional baseada na identi-
ficação do problema, e na busca de soluções,
de situações complexas, baseadas na vida real
por pequenos grupos-de-estudo, que deverão
assumir a posição de parte interessada na so-
lução do problema, supervisionados por um
professor orientador (Silva Filho et. al., 2010).
Metodologia da Problematização – metodo-
logia de ensino, de estudo e de trabalho para
ser utilizado em situações em que os temas es-
tejam relacionados com a vida em sociedade.
Esta metodologia deverá se estruturar nas se-
guintes etapas: observação da realidade, defini-
ção dos pontos-chave, teorização, constituição
de hipóteses de solução e aplicação destas na
realidade (Berbel, 1998).
. 78
demandam primeiramente o reconhecimento de sua existência.
O modo como os/as professores/as ensinam é marcado por suas escolhas teóricas.
Mas também por suas escolhas políticas e afetivas, pois “todo sistema de educação é
uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os
saberes e os poderes que eles trazem consigo” (FOUCAULT, 1970, p.27).
É necessário que o corpo docente reconheça seu grande poder e responsabilidade
na promoção de agendas políticas inclusivas em termos de classe, raça, gênero ou
orientação sexual, procurando promover a diversidade, abrindo portas para as novas
formas de conhecimento, possíveis a partir do olhar inclusivo.
No espaço escolar, a diversidade não pode ficar restrita às datas comemorativas, ou
pior, invisibilizada. Pretendemos contribuir, neste curso, para que avancemos na re-
flexão de que falar de diversidade não é tratar de “mais um assunto”, jogado nas
costas dos/das educadores/as. Não se trata de mais um tema para roubar tempo e
espaço para trabalhar os “conteúdos”. Estamos reafirmando que o currículo escolar
não é neutro.
A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado nas
diferentes áreas do conhecimento, sendo valorizada ou negada. É da multiplicidade
de relações, que se estabelecem no ambiente escolar, que nascerá a aprendizagem
da convivência e do respeito à diversidade. Além de ser um valor a ser promovido,
a diversidade “é um recurso social dotado de alta potencialidade pedagógica”, como
reconhecido em 2008, pela Conferência Nacional GLBT:
A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de alta po-
tencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável para o
desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. Políticas socioeducacionais
e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a permanência, a forma-
ção de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento das diversas
orientações sexuais e identidades de gênero [e étnico-raciais], contribuem para a
melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador que
ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (Texto-
base da Conferência Nacional de GLBT – Direitos Humanos e Políticas Públi-
cas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis
e transexuais, 2008, p.19).
É no ambiente escolar que os/as estudantes podem construir suas identidades indi-
. 79
viduais e de grupo. Podem exercitar o direito e o respeito à diferença. Neste curso,
propomos oferecer ferramentas para promover uma postura crítica não apenas ao
que se ensina, mas ao modo como se ensina, ou para a produção de novos conheci-
mentos.
Propomos que educadores e educadoras observem o espaço escolar, no que diz res-
peito a quem o compõe, às relações que se estabelecem, a quem tem voz e a quem
não tem, aos materiais didáticos adotados pelas diversas áreas do conhecimento, às
imagens impressas nas paredes das salas de aula. Enfim, notem como a diversidade
está representada, como e o quanto é valorizada. O ambiente escolar é um espaço
privilegiado para que crianças e jovens possam se dar conta de que são/somos todos
diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, o que deve atiçar a
nossa curiosidade.
Glossário
Epistemologia: é a reflexão em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais do processo cognitivo. Refere-se também ao estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico, avaliados em sua validade cognitiva, ou descritos em suas trajetórias evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a sociedade e a história.
Geocentrismo: a teoria do universo geocêntrico, ou geocentrismo, defende que a Terra estaria parada no centro do universo, enquanto todos os outros astros celestes (o Sol, a Lua, planetas e estrelas) estariam girando ao seu redor. Heliocentrismo: em contraposição ao geocenstrismo, o heliocentrismo propõe que o Sol, e não a Terra, permaneça estacionário no centro do universo.
Projetos: Estratégias de ação para a construção dos conhecimentos.
Propostas Interdisciplinares: Refere-se àquilo que é comum a duas ou mais disciplinas ou campos de conhecimento.
. 80
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Bibliografia ComplementarANDRÉ, M (org.). Pedagogia das diferenças em sala de aula. 4.ed. Campinas: Papirus, 2002.
ARAÚJO, U. F; AQUINO, J. G. Os direitos humanos na sala de aula: a ética como tema transversal. São Paulo: Moderna, 2002.
AQUINO, J. G (org.). Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas. 8.ed. São Paulo: Summus, 2009.
APPLE, M. W. Poder, significado e identidade: ensaios de estudos educacionais críticos. Porto, Portugal, 1999.
GOHN, M. G. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2001.
GRANJO, M. H. B. Agnes Heller: filosofia, moral e educação. 3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
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KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
Sites para VisitarObservatório do gênero < http://www.observatoriodegenero.gov.br >
Portal Aprende Brasil < http://www.aprendebrasil.com.br>
Saúde e Prevenção nas Escolas, Guia para a formação de profissionais de saúde e de educação
E outros documentos podem ser acessados em:
<http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS10347757PTBRIE.htm>
Dicas de filme e video
As melhores coisas do mundo – Brasil,
2010. Direção: Laís Bodanzky.
Entre os Muros da Escola – França,
2008. Direção: Laurent Cantet.
Ser e Ter – França, 2002. Direção: Nico-
las Philibert.
Pro dia nascer feliz – Brasil, 2005. Dire-
ção: João Jardim.