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Revista Brasileira de Educação 75 Um mundo em transformação Como já intensamente discutido e estudado em diversas áreas, vivemos um momento especial da história da humanidade. Grandes transformações estão ocorrendo em todo o planeta, com grande ve- locidade e de difícil dimensionamento. Um dos conceitos-chave deste mundo contem- porâneo é o de rede. Este não é um conceito novo, que surge somente neste final de milênio. No entan- to, a partir da segunda metade deste século, esse conceito amplia-se de forma considerável e passa a ter uma dimensão planetária. É importante aprofun- dá-lo, articulando-o com o desenvolvimento cres- cente das tecnologias de comunicação e informação para com isso compreendermos sua relação com a educação. A idéia de se construir a primeira máquina que possibilitasse o processamento de dados de forma mais veloz vem do início do século, quando, em 1925, foi desenvolvida no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, a primei- ra máquina de calcular eletrônica. Mas é somente a partir da segunda metade des- te século que este movimento de transformações científicas e tecnológicas se manifesta de forma mais intensa, a partir da invenção do transistor, em 1947, por John Bardeen, Walter Houser Bratain e William Bradford. Essa nova descoberta passa a revolucio- nar o mundo das máquinas e dos equipamentos e, alguns anos depois, deu-se início à chamada minia- turização das tecnologias, promovendo um grande impulso em todo o desenvolvimento dos sistemas de comunicação em informação, com especial ên- fase para a televisão. Com este impulso, novas formas de comuni- cação foram introduzidas e, hoje, discute-se a tele- Educação e inovação tecnológica Um olhar sobre as políticas públicas brasileiras 1 Nelson Pretto Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia Trabalho apresentado na XX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1997. 1 Este texto foi produzido a partir das pesquisas Edu- cação e novo milênio: as novas tecnologias da comunicação e informação e a educação e Tecnologias da comunicação e do projeto de pós-doutoramento do autor no Centre for Cultural Studies/Goldmiths College, com o apoio financei- ro do CNPq. Meu especial agradecimento a Marília Gouveia (Faculdade de Educação/UFG) e Maria Inez Carvalho (Fa- culdade de Educação/UFBA) pelas críticas a este texto e dis- cussões em torno dele.

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Revista Brasileira de Educação 75

Um mundo em transformação

Como já intensamente discutido e estudado emdiversas áreas, vivemos um momento especial dahistória da humanidade. Grandes transformaçõesestão ocorrendo em todo o planeta, com grande ve-locidade e de difícil dimensionamento.

Um dos conceitos-chave deste mundo contem-porâneo é o de rede. Este não é um conceito novo,que surge somente neste final de milênio. No entan-to, a partir da segunda metade deste século, esseconceito amplia-se de forma considerável e passa ater uma dimensão planetária. É importante aprofun-dá-lo, articulando-o com o desenvolvimento cres-

cente das tecnologias de comunicação e informaçãopara com isso compreendermos sua relação com aeducação.

A idéia de se construir a primeira máquina quepossibilitasse o processamento de dados de formamais veloz vem do início do século, quando, em1925, foi desenvolvida no Massachusetts Instituteof Technology (MIT), nos Estados Unidos, a primei-ra máquina de calcular eletrônica.

Mas é somente a partir da segunda metade des-te século que este movimento de transformaçõescientíficas e tecnológicas se manifesta de forma maisintensa, a partir da invenção do transistor, em 1947,por John Bardeen, Walter Houser Bratain e WilliamBradford. Essa nova descoberta passa a revolucio-nar o mundo das máquinas e dos equipamentos e,alguns anos depois, deu-se início à chamada minia-turização das tecnologias, promovendo um grandeimpulso em todo o desenvolvimento dos sistemasde comunicação em informação, com especial ên-fase para a televisão.

Com este impulso, novas formas de comuni-cação foram introduzidas e, hoje, discute-se a tele-

Educação e inovação tecnológicaUm olhar sobre as políticas públicas brasileiras1

Nelson PrettoFaculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia

Trabalho apresentado na XX Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1997.

1 Este texto foi produzido a partir das pesquisas Edu-

cação e novo milênio: as novas tecnologias da comunicação

e informação e a educação e Tecnologias da comunicaçãoe do projeto de pós-doutoramento do autor no Centre forCultural Studies/Goldmiths College, com o apoio financei-ro do CNPq. Meu especial agradecimento a Marília Gouveia(Faculdade de Educação/UFG) e Maria Inez Carvalho (Fa-culdade de Educação/UFBA) pelas críticas a este texto e dis-cussões em torno dele.

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Nelson Pretto

visão segmentada, a televisão interativa, o telecom-puter, a automação dos sistemas informacionais,as sinergias e megafusões de grandes empresas domercado audiovisual e de comunicação. Estes inten-sos movimentos de transformação fazem com queatualmente uma única geração seja capaz de acom-panhar o nascimento e a morte de uma tecnologia,constituindo-se efetivamente em uma novidade his-tórica do mundo contemporâneo. Leitura indispen-sável para os que querem compreender o que nosespera em termos de equipamentos de comunica-ção, George Gilder (1994) e Nelson Hoineff (1991,1996) fazem uma interessante retrospectiva destealucinado movimento.

São muitas as tentativas de sistematização daevolução científica e tecnológica no mundo das co-municações. A invenção do transístor e o conse-qüente desenvolvimento dos sistemas computacio-nais são sempre apontados como marcos importan-tes neste universo. Para Leila Dias (1995), podemosanalisar este recente desenvolvimento em três fases.A primeira, durante a década de 70, fez com que ainformática fosse sendo gradativamente introduzidana sociedade, ainda como algo traumatizante, pró-ximo da alquimia, com os computadores de gran-de porte (main frame), geralmente instalados emsalas especiais, isoladas, centralizadas, com pessoalaltamente especializado. Basicamente, era o mo-mento dos sistemas centralizados. Mas é ainda nadécada de 70 que a Canon, no Japão, lança o Pock-tronic — o primeiro computador de bolso —, dan-do início a um movimento de transformação mui-to forte. Começam a surgir, durante esta década: omicroprocessador (micro processing unit) e a cen-tral processing center (CPU), conhecida como o cé-rebro do computador. Definitivamente, aquele ce-nário dos sistemas centralizados começou ali mes-mo a ser transformado. Nasce assim a microinfor-mática, caracterizando a chamada segunda fase dorecente desenvolvimento tecnológico. Implantam-se as redes, conectando computadores em temporeal. Ao longo da década de 80, instala-se a chama-da terceira fase, com o aumento da capacidade deanálise instantânea de dados paralelamente ao bara-

teamento dos equipamentos. Este aumento de pro-cessamento dos dados e as pesquisas com vistas auma maior integração dos computadores, que cadadia mais se espalhavam pelo mundo, foram maisuma vez mudando o cenário, dando especial impul-so à história da humanidade. Novos atores entramem cena. Fala-se, então, em descentralização dossistemas, em redes interativas, em conexões em tem-po real.

A enorme diminuição dos custos dos equipa-mentos eletrônicos foi impulsionando a área, comimportantes reflexos em toda a sociedade. Simul-taneamente desenvolvem-se os equipamentos de co-nexões (comutadores, hubs, fibras, modens), assimcomo a indústria do software desenvolve-se de for-ma acelerada, com especial ênfase no desenvolvi-mento de programas para serem usados nas redes.

A Internet passa a fazer parte da realidade domundo acadêmico e, rapidamente, vai despontandocomo importante elemento de conexão entre equi-pamentos, já que consegue desenvolver um proto-colo de comunicação que viabiliza a troca de dadosentre os computadores distantes e, o mais signifi-cativo, de naturezas distintas. Este protocolo de con-versação entre as máquinas ficou conhecido comotransmission control protocol/Internet protocol ou,mais simplesmente, TCP/IP. No entanto, ao estabe-lecer as conexões entre equipamentos, estas redescomeçam, mais do que tudo, a estabelecer os linksentre diferentes culturas, que agora passam a ter apossibilidade, pelo menos potencial, de se comuni-car, se expor, de intercambiar multi-relações entresujeitos e máquinas. Com isso, introduzem-se no-vas formas de se produzir conhecimento e cultura.

O conceito de rede passa a ser um elemento-chave deste momento e está sendo objeto de análi-se em diversos campos do saber, ganhando impor-tância no mundo contemporâneo. Ele não é, no en-tanto, um conceito novo. Leila Dias, em seu textoRedes: emergência e organização (1995), recuperasua trajetória desde a segunda metade do séculoXIX, quando rede passa a assumir importante pa-pel como elemento de organização dos territórios,em função da implantação das grandes malhas fer-

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Revista Brasileira de Educação 77

Educação e inovação tecnológica

roviárias que cortam os Estados Unidos da Améri-ca de costa a costa, introduzindo novos elementosculturais, com reflexos na organização de todo osistema social.

Das malhas ferroviárias passa-se para as ma-lhas rodoviárias, urbanas e, agora, malhas óticase eletromagnéticas, que continuam a se constituirem elementos estruturadores de territórios, de no-vas formas de agir, pensar, sentir. Alguns elemen-tos deste conceito de rede precisam ser aprofunda-dos, porque, assim como Castells (1996), acreditoque estamos vivendo esta sociedade em rede. Quaissão as características deste conceito de rede de queestamos falando? Tamara Benakouche (1995), emsua pesquisa sobre o papel das telecomunicaçõesna criação do espaço urbano, apresenta um con-junto destas características que creio ser importan-te resgatar.

Para ela, usando como base os trabalhos deDupuy, as redes de telecomunicações possuem cin-co características básicas: conexidade, conectivida-de, homogeneidade, isotropia e nodalidade (idem,1995). A conexidade é a propriedade essencial deuma rede, pois é ela quem garante a relação entreos subsistemas, os nós que compõem a rede. É elaque garante, portanto, a coesão dos elementos dosistema, indicando se os elos estabelecidos na redesão fracos ou fortes. Para a autora, “um exemplode uma rede fortemente conexa seria a rede viáriados países desenvolvidos”. A conectividade é a li-gação entre os elementos deste sistema e nos reme-te à idéia de circulação. “Uma forte conectividadeconduz a uma espécie de supra-conexidade, ampli-ando as malhas da rede e reforçando seu carátersolidário vis-a-vis do sistema” (Dupuy apud Bena-kouche, 1995). Já a homogeneidade “envolve a idéiade correlação espaço-temporal e traduz a coerên-cia, no tempo ou em um espaço, das entradas e saí-das entre os elementos do sistema”. A isotropia é acaracterística que nos possibilita ver a rede enquan-to um conjunto homogêneo e, portanto, tambémtem a ver com esta correlação espaço-temporal. “Deuma maneira geral, isotropia (ou grau de isotropia)da rede significa que todas as ligações da rede são

equivalentes do ponto de vistas das relações esta-belecidas entre os elementos do sistema (ou com omeio ambiente)” (idem — grifo meu). A última ca-racterística é a nodalidade, que, basicamente, “per-mite caracterizar os nós da rede do ponto de vistade sua capacidade relacional para o sistema” (Be-nakouche, 1995).

Castells (1996), por sua vez, analisa a presen-ça das tecnologias na sociedade contemporânea,buscando compreender melhor quais são as carac-terísticas que constituem o coração do paradigmada tecnologia da informação. Para ele, são cincoestas características básicas. A primeira é que a in-formação é a própria matéria bruta deste paradigmatecnológico. Um segundo elemento característico éa “penetração dos efeitos das novas tecnologias”.Para ele, “porque a informação é parte integral detoda atividade humana, todos os processos de nossaexistência individual ou coletiva são diretamenteafetados (embora certamente não determinados)pelos novos meios tecnológicos” (idem, p. 62). Aterceira característica, que é fundamental para aperspectiva deste texto, é a existência de uma lógi-ca própria das redes de comunicações. As demaiscaracterísticas são a flexibilidade e a convergênciadas tecnologias específicas num sistema altamenteintegrado, no qual cada tecnologia, separadamen-te, torna-se absolutamente indistinguível.

Todas estas características são apontadas co-mo fundamentais por estes autores e, aqui, acres-cento e destaco a idéia de equivalência. Ela é fun-damental no atual contexto mundial, uma vez quenão podemos considerar a implantação destes mo-dernos e velozes complexos de comunicação digi-tal se continuarmos a pensar que estas redes se ins-talam sobre espaços vazios. Ao contrário, comoafirma Dias (1995, p. 158), as redes se instalamsobre uma realidade complexa e não em espaçosvirgens. Neste sentido, torna-se urgente compreen-der que a implantação e ampliação destas redes decomunicação pressupõem a existência de nós for-talecidos (valores/culturas locais) e, principalmen-te, com alto nível de visibilidade e flexibilidade.Visibilidade e flexibilidade estas que só serão con-

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Nelson Pretto

seguidas se, além da necessária presença dos elemen-tos técnicos básicos (fios, cabos, linhas telefônicas,satélites, transponders, televisões, computadores,centrais de comunicação), tivermos, ao mesmo tem-po, os elementos culturais amplificados/produzidos/difundidos a partir das culturas locais.

É, portanto, fundamental estabelecer uma maisampla compreensão deste conceito e destas relações,agora introduzindo uma nova e básica relação, umarelação entre o que chamo de local e não-local,2

entre aquilo que é a cultura e o conhecimento pro-duzidos em cada região e o que pode ser absorvidoe disponibilizado a partir das interações do mun-dial, do planetário. Assim, o conceito de rede podeser o elo que nos faltava para compreendermos opapel da escola nesta virada de milênio. Isto por-que entendo que só poderão sobreviver com auto-nomia e independência neste mundo de conexõesaqueles povos e culturas que conseguirem estabe-lecer relacionamentos com o conjunto da rede deforma intensa e com valores culturais locais poten-cialmente fortes para serem disponibilizados e, as-sim, interagirem com autonomia com o conjunto doplaneta. Isso porque, como afirma Castells, “as re-des constituem a nova morfologia social de nossassociedades e a difusão desta lógica de rede modi-fica substancialmente os processos e os resultadosde produção, experiência, poder e cultura” (Cas-tells, 1996, p. 467). Obviamente, acrescento aquia educação.

Impasse para a educação

Estes novos paradigmas tecnológicos, com ainformatização veloz e quase generalizada da so-ciedade, estão presentes em todo o mundo e, mes-mo em países como o Brasil, onde as desigualdadessociais e regionais são muito grandes, ele é deter-minante em vários campos, com um necessário des-

taque para o mercado de trabalho nos grandes cen-tros urbanos.

Países como o Brasil vivem contradições pro-fundas em seus sistemas sociais exatamente por es-tarem inseridos nestes mercados planetários semterem resolvido, ou pelo menos encaminhado, so-lução para graves problemas sociais internos. De-terminadas e específicas áreas destacam-se e, semdúvida, o exemplo mais significativo em todo omundo está relacionado aos sistemas de comunica-ção e informação. Em relação a isso, o Brasil, maisuma vez, está plenamente inserido neste mercadoplanetário, com o maior grupo de comunicação bra-sileiro — a Rede Globo de Televisão — associadoa um dos cinco maiores conglomerados de comu-nicação do mundo. A Rede Globo de Televisão —mídia eletrônica do conglomerado da família Ro-berto Marinho — está associada ao grupo lidera-do pelo magnata australiano Rupert Murdoch, in-tegrando um complexo multimediático que incluio The New York Post, The Times, BSkyB, DelphiInternet, Twentieth Century-Fox, HarperCollins(editora), Sky Latin America, TCI (uma das opera-doras líderes de TV a cabo e telefonia nos EstadosUnidos), entre outros.

Obviamente, quando pensamos no sistemaeducacional, a situação é absolutamente diversa.Esta distância entre o mundo da informática e dacomunicação com o mundo da educação é muitogrande, induzindo-nos a pensar na quase existên-cia de um impasse. Tem sentido continuarmos in-vestindo neste sistema escolar que não consegue darconta destas transformações? Está claro que neces-sitamos de muito mais do que simplesmente aper-feiçoar o sistema educacional. O momento exige aprofunda transformação estrutural deste sistema.Uma transformação que passa necessariamente, co-mo venho expondo aqui, pela sua maior articula-ção com os sistemas de informação e comunicação.

Isto porque, neste contexto de mudanças, so-mos verdadeiramente empurrados para pensar erefletir mais profundamente como pode sustentar-se este sistema, ainda centrado em velhos paradig-mas, muitas vezes enfatizando apenas a formação

2 Aprofundo mais esta questão em outro trabalho:Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia (1996).

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Revista Brasileira de Educação 79

Educação e inovação tecnológica

de uma mão-de-obra, sem nem mesmo perceber queestá mudando o próprio conceito de mão-de-obra,num movimento de velocidade muito intensa.

Como afirmava Francisco de Oliveira na aber-tura da Reunião Anual da ANPEd, já em 1990:

Num mundo que corre com esta velocidade,

com transformações que não esperam amanhecer o dia

para serem anunciadas, uma inserção rápida da eco-

nomia brasileira no sistema internacional, com estes

critérios, seguramente vai nos conduzir não mais para

uma exploração de mão-de-obra barata, porque não

se está mais atrás disso: tecnologia de ponta não se faz

com mão-de-obra barata (Oliveira, 1990, p. 12).

Passados mais de oito anos deste discurso deFrancisco de Oliveira, continuamos a perceber umcaminhar nesta direção. Ana Leda Barreto, anali-sando os Parâmetros Curriculares Nacionais, umadas principais bandeiras do governo de FernandoHenrique Cardoso, elaborados sob forte crítica dacomunidade acadêmica nacional, reforçava a neces-sidade de uma sólida formação dos profissionais daeducação, como base para a transformação destesistema. Segundo ela:

Não é mais possível em mais uma proposta de

governo ser ‘esquecida’ a obrigação dos dirigentes da

nação com a formação sólida e continuada dos prin-

cipais formadores de mentalidade do país. Tal esque-

cimento nos faz pensar que a desqualificação das pro-

fessoras e professores é um dos mecanismos “para

mantê-los fracos e disponíveis a manobras e conchavos

político-burocráticos” (Arroyo, 1985, p. 9), forman-

do outros cidadãos e cidadãs fracos e disponíveis às

mesmas manobras e conchavos (Barreto, 1996, p. 4).

Assim, a transformação do sistema educacio-nal passa, necessariamente, pela transformação doprofessor. Não podemos continuar pensando emformar professores com teorias pedagógicas que sesuperam cotidianamente, centradas em princípiostotalmente incompatíveis com o momento históri-co. Nossos currículos, programas, materiais didá-ticos, incluindo os novos e sofisticados multimídias,softwares educacionais, vídeos educativos, conti-

nuam centrados, segundo Emilia Ferreiro, em trêsgrandes falácias. Essa autora afirmou para a RevistaTV Escola que insistimos ainda que a aprendizagemdeve se dar sempre “do concreto para o abstrato,do próximo para o distante e do fácil para o difícil”(MEC, 1996). Mantendo esta perspectiva, eviden-temente não conseguimos compreender as trans-formações contemporâneas que estão modificandotodos os campos: do trabalho, do lazer, do social,do saber e, seguramente, também da educação.

Continuar adotando esta perspectiva é desco-nhecer completamente as transformações que esta-mos vivendo no mundo contemporâneo e os novoselementos que estão fazendo parte da realidade denossos jovens e adolescentes.

Precisamos compreender melhor de que formaesta Geração X (novas tribos) convive com video-games, televisões, Internet, esportes radicais, tudosimultaneamente, de forma múltipla e fragmenta-da, tudo ao mesmo tempo. Esta geração já se rela-ciona com as novas mídias de forma diversa e jáexistem sinais de um novo processo de produção deconhecimento, ainda praticamente desconhecidopela escola.

Para Douglas Rushkoff, ao analisar como acultura das crianças nos ensina a prosperar na erado caos, esta geração se utiliza das diversas mídiasnão à procura de respostas, mas sim de perguntas.Elas entendem a descontinuidade e o que ela signi-fica e conseguem estabelecer uma relação de pro-dução de conhecimento com elas. “Para a audiên-cia jovem, a descontinuidade das mídias não é umaexceção, é a regra” (Rushkoff, 1996, p. 14).

Estas transformações tecnológicas que toma-ram grande impulso justamente com o desenvolvi-mento nos idos da década de 60 dos videogames —à epoca jogos eletrônicos que se utilizavam de ve-lhos consoles conectados a antigos televisores —ganham impulso e passam a estimular, simultanea-mente, o próprio desenvolvimento científico. Mastambém este desenvolvimento não se dá e não se deude forma estanque e isolada.

A ciência moderna, que no início do séculosofre os abalos das teorias da relatividade de Ein-

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Nelson Pretto

stein, começa a experimentar outros paradigmas.Passa-se a trabalhar da perspectiva de compreendera complexidade do mundo contemporâneo, sem apreocupação da unificação, das meta-unificações.Segundo o físico italiano Marcello Cini, o que ve-mos hoje, olhando a evolução da ciência, é umagrande mudança de concepção.

Passou-se a uma concepção de mundo em que,em vez de se tentar reduzir tudo à ordem, regulari-dade e continuidade, emergem categorias e perspec-tivas completamente opostas. Estudam-se a desor-dem, a irregularidade, os fenômenos que não se re-petem, em vez de tentar unificar fenômenos muitodiferentes pela explicação resultante de uma únicalei fundamental. A individualidade começa a serreconhecida, por exemplo, no fato de que sistemasestruturalmente idênticos podem revelar compor-tamentos radicalmente diferentes, ocasionados ape-nas por pequeníssimas diferenças que, até então,todos consideravam não essenciais (Cini, 1998).

Compreender os novos processos de aquisiçãoe construção do conhecimento é básico para tentar-mos superar este impasse. Esta compreensão, poroutro lado, empurra-nos necessariamente para con-siderarmos fundamental a introdução das chama-das tecnologias da comunicação e informação nosprocessos de ensino-aprendizagem.

No entanto, a pura e simples introdução des-tas tecnologias não é garantia desta transformação.Esta introdução é, portanto, uma condição neces-sária, mas não suficiente para que tenhamos umsistema educacional coadunado com o momentohistórico. Desta forma, introduzir estas tecnologiasexige compreender de forma mais ampla a necessi-dade de fortalecer os nós — as unidades escolaresque por sua vez articulam-se intensamente com osvalores locais — de tal forma a dar maior visibili-dade aos nós desta rede, aumentando concomitan-temente a conectividade entre estes nós, estabelecen-do-se com isso as rede de conexões que estão sen-do referidas ao longo deste texto. E, mais uma vez,não basta apenas a rede física.

A escola, conectada, interligada, integrada, ar-ticulada com o conjunto da rede, passa a ser mais

um elemento vital deste processo coletivo de pro-dução de conhecimento. Nesta navegação, portan-to, percorremos caminhos ilimitados, sem frontei-ras. Como diz Pierre Lévy: “Navegar no ciberespa-ço equivale a passear um olhar consciente sobre ainterioridade caótica, o ronronar incansável, as ba-nais futilidades e as fulgurações planetárias da in-teligência coletiva. O acesso ao processo intelectualdo todo informa o de cada parte, indivíduo ou gru-po, e alimenta em troca o do conjunto. Passa-seentão da inteligência coletiva para o coletivo inte-ligente (Lévy, 1996, p. 117, grifos meus).

Como já venho afirmando ao longo deste tex-to, esta passagem não corresponde apenas a umaperfeiçoamento do sistema educacional. Ela exigeuma transformação profunda, que imponha, obri-gatoriamente, a implantação de políticas educacio-nais coerentes com as transformações da socieda-de como um todo, e não, simplesmente, moderni-zadoras.

Um olhar sobre osprojetos governamentais

A história recente da educação no Brasil é re-pleta de projetos governamentais que, para seremcompreendidos plenamente, exigem de nós uma lei-tura um pouco mais atenta dos imbricados movi-mentos que relacionam as políticas educacional,cultural, científica, tecnológica e de comunicação.Não está no escopo deste texto aprofundar estasanálises em todas as suas múltiplas dimensões, massim resgatar alguns elementos significativos para oentendimento de como estas políticas estão — oudeveriam estar! — afetando diretamente a escola.

Desde o final da década passada que o gover-no avança decididamente no seu projeto de priva-tização das estatais, notadamente na área das tele-comunicações. Paralelamente, o próprio governopromoveu a implantação no País de um sistema derede, através do Ministério da Ciência e Tecnologia,com a criação da Rede Nacional de Pesquisa (RNP),sendo com isso introduzida, de forma definitiva, aInternet no País. Os projetos políticos de implan-

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Revista Brasileira de Educação 81

Educação e inovação tecnológica

tação de complexos tecnológicos de comunicaçãoe informação sempre buscaram na educação ele-mentos complementares para sua sustentação. Inú-meros decretos foram promulgados com o objeti-vo de identificar e estimular possíveis usos na áreaeducacional deste sistema de rede. O mesmo foi fei-to décadas atrás com o sistema de comunicação viasatélites geoestacionários. É da memória da edu-cação brasileira o pioneiro Projeto SACI, desen-volvido no Rio Grande do Norte, no final da déca-da de 60, analisado, entre outros, por Laymert Gar-cia dos Santos (1981) em seu livro Desregulagens.Àquela época, pensava-se em introduzir um siste-ma de educação básica, com aulas sendo transmi-tidas via satélite, num projeto desenvolvido peloInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),com forte articulação com o governo americano.

Alguns anos depois (1986), como já descrevianteriormente (Pretto, 1996), o governo federaltenta novamente implantar um projeto como o SA-CI, instituindo uma Comissão Interministerial paraestudar a viabilidade de implantação de um siste-ma de educação básica via satélite.

Atualmente, no âmbito do Ministério da Edu-cação, o atual governo vem implantando dois gran-des projetos: o TV Escola e o Projeto de Informa-tização das Escolas Públicas Brasileiras (PROIN-FO). Não cabe aqui fazer uma longa descrição des-tes projetos, mas acho importante destacar algunsde seus aspectos, utilizando-se para esta análiseelementos do discurso governamental sobre eles,publicados na grande imprensa nacional. Basica-mente, confronto a visão oficial destes projetos deinovação tecnológica com a perspectiva de rede jáapontada neste texto.

Para a análise dos projetos e uma comparaçãocom os elementos teóricos que aqui apresento, con-siderarei algumas declarações públicas do ministroe de seus secretários. O primeiro texto significati-vo que utilizarei é um artigo do próprio ministro,publicado no jornal Folha de S. Paulo em 2 de mar-ço de 1997. No referido artigo o ministro propu-nha-se a analisar o caso de sucesso do Projeto TVEscola e, assim fazendo, expôs de forma clara o que

considero um dos pontos que mereceriam uma pro-funda revisão nesta área. O próprio título do arti-go, “TV Escola: construindo um caso de sucesso”,já mereceria uma análise mais profunda. No entan-to, é no conjunto do texto que percebemos a insis-tência no uso de palavras como recurso e treinamen-to e que, somado a outras manifestações públicasdo MEC, indica-nos claramente a perspectiva ins-trumental da introdução destas novas tecnologias.O artigo do ministro buscava analisar o TV Escolae, exatamente ao fazer a referência ao outro gran-de projeto para a área, o de informatização, deixa-va evidente a perspectiva equivocada desta políti-ca educacional. Vejamos as palavras do ministro:

Neste sentido, desde o início do governo Fer-

nando Henrique que traçamos a estratégia de médio

prazo que contemplou, inicialmente, o uso da televi-

são como recurso para a atualização de professores e

para o apoio ao seu trabalho na sala de aula.

O próximo passo será a introdução do compu-

tador das escolas públicas de 1° e 2° graus. Trata-se,

entretanto, de dois programas totalmente distintos em

seus objetivos, abrangência e metodologia de implan-

tação (Souza, 1997, grifos meus).

Os trechos grifados são destaques que gosta-ria de comentar aqui. A utilização como recurso, ameu ver, indica claramente esta perspectiva instru-mental a que me referi anteriormente. Um discur-so que parte do pressuposto, ainda que implícito,de que o sistema educacional está com seu caminhodefinido, faltando, portanto, apenas atualizar osprofessores. Percebe-se, claramente, a existência deuma lógica linear de prioridades e não de simulta-neidade, evidenciada no segundo parágrafo acimacitado. Ao tratar os dois projetos, o TV Escola e oPROINFO, como projetos “distintos em objetivo,abrangência e metodologia”, o MEC atesta comtodas as letras — letras de seu ministro e grandementor destas transformações — o seu equívoco.Entende, claramente, as tecnologias como suporte,como instrumento, como material de apoio a umprocesso que está com suas bases teóricas anacrô-nicas. Não consegue o MEC perceber a necessida-

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Nelson Pretto

de de interdependência destes projetos e destes comoutros, como o projeto da Fundação Roquete Pin-to, Um Salto para o Futuro.

Novamente, vemos aqui a dicotomia presen-te nos projetos, uma vez que, no lugar de fortale-cer os sistemas de televisão pública brasileira, insis-te-se em segmentar, em partir, em tratar como dis-tintas e diversas coisas que são, pela própria natu-reza, parte de um processo maior e, principalmen-te, integrado e integrador. O exemplo do Salto égritante. Pega-se o canal do satélite (transponder)usado pelo sistema das TVs educativas, divide-se-o em dois, diminuindo claramente a qualidade dosinal gerado e recebido tanto pelo sistema das TVseducativas como pelo TV Escola e coloca-se no aruma programação de apenas três horas, repetidasincansavelmente ao longo do dia com o argumen-to de que os professores possam gravar e montaras videotecas escolares. Das oito da noite às oito damanhã temos simplesmente 12 horas de um canalde satélite completamente sem uso. Se é apenas esteo objetivo — veiculação de três horas de programa-ção educativa! —, por que não garantir com as TVseducativas essa veiculação, que inclusive já é em boaparte produzida e veiculada por elas mesmas, emhorários alternativos, canalizando o conjunto dosrecursos para o fortalecimento desse sistema de te-levisão que, potencialmente, garantiria a produçãode imagens com a verdadeira cara do País. Imagense informações que estariam colocando os lugaresnão-virgens em permanente troca com os demaislugares não-virgens do País. Paralelamente, esta-ríamos colocando os postos do Salto interligados àInternet e, com isso, garantindo de fato a tal inte-ratividade, tão falada e tão pouco vivenciada nes-tes projetos.

Se, por outro lado, adotamos como estratégiaa divisão do transponder para implantação de umcanal exclusivo para a educação (e não para o Mi-nistério!), por que não disponibilizar estas 12 ho-ras sem uso para grupos e associações de educado-res, universidades, associações comunitárias, sindi-catos ou, mesmo, ocupá-lo com uma programaçãocultural, articulada com o Ministério da Cultura,

com filmes e programas de maneira a fortalecer nasescolas, em todo o País, a perspectiva de transfor-má-las em espaço vivo de produção de cultura e deconhecimento, o que estimularia uma maior inte-gração com a comunidade?

Integrar todos estes projetos e, com eles, for-talecer a escola e os professores não é, tenho certe-za, uma tarefa simples. Principalmente porque es-tes projetos nasceram como fruto de ações quaseantagônicas. Antagônicas dentro do próprio MECe também deste com os demais ministérios, comoo da Cultura, Comunicação e Ciência e Tecnologia.

Com relação a esta articulação intraministé-rios, é interessante retomar a questão da rede, ana-lisando um pouco mais o processo de privatizaçãoda telefonia brasileira. Este processo de privatiza-ção foi regulado pela Lei 9.472, a Lei Geral dasTelecomunicações (LGT),3 de julho de 1997. Nes-ta lei, de forma tímida, é verdade, estava previsto,no artigo 81, a criação do Fundo de Universalizaçãodos Serviços de Telecomunicações (FUST). De acor-do com o texto da lei, o FUST é um “fundo especi-ficamente constituído para essa finalidade, para oqual contribuirão prestadoras de serviços de tele-comunicações nos regimes público e privado, nostermos da lei” a partir de uma regulamentação quetramita de forma lenta e que não ocorreu, como erade se esperar, antes da venda das empresas.

Este fundo, em teoria, tem como função bási-ca possibilitar que camadas que não tenham recur-sos próprios para ter acesso à telefonia e acesso àInternet de forma privada e direta possam ter acessoatravés de mecanismos sociais mais amplos. Comoafirma Tadao Takahashi, ex-coordenador da RNPno Brasil, em artigo que circulou na lista EAD,4 “éevidente que, na política de telecomunicações de

3 Toda a documentação relativa a este processo encon-tra-se no sítio da Agência Nacional de Telecomunicações(ANATEL), no seguinte endereço: http://www.anatel.gov.br/biblioteca.

4 Lista EAD. E-mail: [email protected]. Mensagem dis-tribuída por Leonardo Lazarte (UnB), em 04/09/97.

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Educação e inovação tecnológica

um país, é desejável ter formas de induzir determi-nados serviços para, extrapolando a fria lógica co-mercial, buscar atingir fins socialmente úteis. Porexemplo, aumentar o acesso à telefonia por partedas classes D e E” (Takahashi, 1997).

Ampliar este acesso é fundamental e, neste sen-tido, a conexão das escolas, bibliotecas e postos desaúde públicos poderia se constituir, como em ou-tros países, numa forma de propiciar a universa-lização do acesso.

E novamente Takahashi exemplifica isso coma situação americana: “O Telecommunications Actde 1996 nos EUA definiu a obrigação de universa-lização de acesso a serviços de telecomunicações.Após regulamentação, a coisa resultou em um sub-sídio para acesso mais barato por parte de escolase bibliotecas a serviços de telecomunicações (espe-cialmente Internet), até um limite de 2,25 bilhõesde dólares anuais!” (Takahashi, 1997).

No Brasil, as mobilizações e articulações visan-do a uma maior democratização do acesso não seiniciaram com a LGT. Em verdade, desde o inícioda implantação da RNP, este sempre foi um dospontos presentes. Não cabe aqui fazer um percur-so histórico desde o Código Brasileiro das Teleco-municações de 1962. No entanto, é no interior daprópria documentação da Agência Nacional dasTelecomunicações (ANATEL) que podemos ler co-mo foi este percurso, em apenas dois parágrafos,escritos por Murilo Cesar Ramos, professor da Uni-versidade de Brasília (UnB) e mobilizador do gru-po de trabalho da Agência, responsável pela dis-cussão e acompanhamento do processo de transfor-mação das telecomunicações brasileiras e sua rela-ção com a educação. Em suas palavras:

O que se depreende do longo hiato entre a Lei

nº 4.117/62 e o primeiro Decreto, de 93, e, depois, da

rápida saraivada de decretos para tratar de tão singe-

lo, ainda que fundamental, assunto para os destinos

do país, é que até os dias de hoje o desafio da educa-

ção não foi acolhido, mesmo que minimamente, pelo

setor de telecomunicações.

Isto vai ficar ainda mais evidente com a apro-

vação, em julho de 1997, da Lei Geral de Telecomu-

nicações, que, apesar da sua sofisticação normativa,

ignorou totalmente a tarifa especial oportunamente

criada pelo legislador de 1962. E, ainda que se possa

argumentar que a questão está contemplada no pro-

jeto do Fundo de Universalização das Telecomunica-

ções, a polêmica que já começa a cercar a tramitação

do referido projeto no Congresso Nacional sinaliza a

continuidade do descaso com que o setor de teleco-

municações tratou, até hoje, a questão da educação

(Ramos, 1998).

Esta visão panorâmica da questão possibilitapensar na necessidade de uma articulação políticados educadores, também no âmbito das políticas detelecomunicações.

É necessário avançar na questão das conexões.Mas isso não basta. As questões conceituais quesustentariam uma política de educação que contem-plasse esta dimensão de produção do conhecimen-to e de cultura aqui referida exigem uma outra pos-tura política. Uma postura que não parece ser a doMinistério da Educação. Em uma entrevista noprograma Hipermídia do canal GNT, em julho de1997, o ministro mais uma vez afirmava a dificul-dade de conexão das escolas à Internet, ao mesmotempo que acenava como um futuro promissor estaconexão com o objetivo de os professores acessaremum grande banco de dados do Ministério para re-ceberem materiais didáticos.5 Novamente a perspec-tiva de um movimento do centro para a periferiapode ser percebida aqui.

Como vemos, mais uma vez, as análises sobreo futuro da educação no mundo contemporâneonão podem ser feitas olhando-se apenas para o cam-po educacional. A questão amplia-se de forma in-tensa, e não se pode pensar que a simples presençade equipamentos — ainda que necessária e louvá-vel enquanto iniciativa —, associada a um progra-ma de treinamento de professores, dará conta des-

5 Hipermídia. Direção de Celso Freitas. Veiculado pe-lo canal GNT, em 02/07/97.

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Nelson Pretto

ta transformação. Muito mais do que isto, é urgenteperceber a necessidade da montagem desta estrutu-ra de rede, que, entretanto, ainda é muito tímida naspolíticas governamentais para a educação. E isto,numa forte articulação com outras áreas, tanto degoverno quanto acadêmicas.

Um conclusão,ainda que provisória

Estas reflexões procuram dar conta de um pro-cesso em andamento. Tenho acompanhado e viven-ciado a existência de espaços para correções de rotanestes projetos. Lamentavelmente, eles estão sendotocados sem um grande envolvimento das univer-sidades públicas, apesar de muitas delas já se teremtornado um espaço concreto de reflexão sobre es-tas temáticas. Existe hoje no país uma massa críticarazoável de pesquisadores e pesquisas que já apon-tam alguns indicadores sobre o tema. Caberia aogoverno fazer um esforço de articulação destas di-versas vertentes, incorporando, inclusive, as críti-cas, de forma a corrigir a rota destes projetos e, defato, construir um caso de sucesso na educação bra-sileira. Uma construção não apenas nas palavras epara os números, mas que atue, na prática, no paíscomo um todo, que vem clamando por transforma-ções estruturais em diversas áreas. Este é, sem dú-vida, o nosso grande desafio, e estas novas tecnolo-gias de comunicação e informação podem vir a seconstituir em um importante elemento destas trans-formações se pudermos vê-las em outra perspecti-va que não a de simples instrumentos metodológi-cos mais modernos que podem ser implantados deforma isolada e desarticulada, mantendo crianças,jovens, adolescentes e professores como meros con-sumidores de um conhecimento pronto que passaagora a circular e ser entregue via as ditas novastecnologias. Em oposição a isso, se pensamos nastecnologias a serviço da produção de conhecimen-to e de cultura, podemos pensar na inserção do paísno mercado mundial dito globalizado, numa outraperspectiva. Uma perspectiva de efetiva cidadania.

NELSON PRETTO é professor da Faculdade de Edu-cação da Universidade Federal da Bahia. Fez o pós-doutora-mento no Centro de Estudos Culturais de Goldsmiths Col-lege, Universidade de Londres, no período de outubro de1998 a agosto de 1999. Pesquisa sobre as tecnologias da co-municação e informação (televisão, vídeo, informática, In-ternet) e sua relação com a educação. Publicou, entre ou-tras obras, Uma escola sem/com futuro, pela Papirus. O li-vro mais recente editado pelo autor intitula-se Globalização

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