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1 Universidade Federal de Pernambuco, e-mail: [email protected], orientadora: Ana Coelho Vieira Selva. Educação Financeira e Educação Matemática Crítica na escola: articulando conhecimentos no Ensino Médio Inglid Teixeira da Silva 1 GDn° 15 Educação Financeira Com o avanço cada vez maior da tecnologia, compreendemos que os conhecimentos matemáticos precisam integrar ciência e prática, nesse sentido, sabendo que a economia influencia cada vez mais a sociedade capitalista em que vivemos, acreditamos que a Educação Financeira ao ser trabalhada numa perspectiva crítica, pode potencializar o ensino de Matemática nas escolas, pois além de mobilizar vários conhecimentos matemáticos pode possibilitar discussões de questões do cotidiano, além disso, pode favorecer o ensino numa perspectiva interdisciplinar, nesse contexto buscamos em nossa pesquisa analisar a implementação do programa desenvolvido pela Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) para o Ensino Médio nas escolas, bem como suas contribuições para o desenvolvimento de cidadãos mais críticos frente a situações que envolvem finanças e que exigem o conhecimento matemático. O referencial teórico será a Educação Matemática Crítica (EMC), proposta por Skovsmose entre outros autores na década de 80. Analisaremos documentos norteadores da educação, o material proposto pela ENEF para o trabalho com o Ensino Médio, aplicaremos questionário e realizaremos entrevistas, a fim de compreender qual o papel da matemática na Educação Financeira, qual a relevância de se trabalhar a Educação Financeira nas escolas e que lugar a Educação Financeira precisa ocupar no currículo escolar. Palavras-chave: Educação Matemática; Educação Financeira; Ensino Médio; Introdução Vivemos em uma sociedade capitalista que influencia mudanças frequentes no mundo, sejam elas econômicas, sociais e culturais. As pessoas estão expostas a propagandas, merchandisings que despertam o interesse pela aquisição de bens materiais, compras e vendas, sempre alimentando a necessidade do ter. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN) a sociedade é influenciada [...] com a criação permanente de novas necessidades transformando bens supérfluos em vitais, a aquisição de bens se caracteriza pelo consumismo. O consumo é apresentado como forma e objetivo de vida” (BRASIL, 1998. p.35). Ampliar a discussão sobre características dessa sociedade, não apenas consumista, valores, crenças, etc., tornam-se necessário para compreender o processo de tomada de decisões frente a situações que envolvam finanças e a relevância (ou não) de discutir essa temática nas escolas. O Brasil é um país com grande desigualdade social e economia instável, assim a falta de planejamento econômico pode prejudicar o orçamento familiar. Além disso, de acordo com Saito (2007), o extenso período de inflação comprometeu a capacidade da população brasileira de planejamento econômico-financeiro de longo prazo” (apud, SILVA, JUNIOR e VITAL, 2014, p.37). A economia pode influenciar a vida das pessoas. Nesse sentido, conhecer os modelos sociais que são estruturados pela matemática pode ajudar na tomada de decisões

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1 Universidade Federal de Pernambuco, e-mail: [email protected], orientadora: Ana Coelho

Vieira Selva.

Educação Financeira e Educação Matemática Crítica na escola:

articulando conhecimentos no Ensino Médio

Inglid Teixeira da Silva1

GDn° 15 – Educação Financeira

Com o avanço cada vez maior da tecnologia, compreendemos que os conhecimentos matemáticos precisam

integrar ciência e prática, nesse sentido, sabendo que a economia influencia cada vez mais a sociedade

capitalista em que vivemos, acreditamos que a Educação Financeira ao ser trabalhada numa perspectiva

crítica, pode potencializar o ensino de Matemática nas escolas, pois além de mobilizar vários conhecimentos

matemáticos pode possibilitar discussões de questões do cotidiano, além disso, pode favorecer o ensino numa

perspectiva interdisciplinar, nesse contexto buscamos em nossa pesquisa analisar a implementação do

programa desenvolvido pela Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) para o Ensino Médio nas

escolas, bem como suas contribuições para o desenvolvimento de cidadãos mais críticos frente a situações

que envolvem finanças e que exigem o conhecimento matemático. O referencial teórico será a Educação

Matemática Crítica (EMC), proposta por Skovsmose entre outros autores na década de 80. Analisaremos

documentos norteadores da educação, o material proposto pela ENEF para o trabalho com o Ensino Médio,

aplicaremos questionário e realizaremos entrevistas, a fim de compreender qual o papel da matemática na

Educação Financeira, qual a relevância de se trabalhar a Educação Financeira nas escolas e que lugar a

Educação Financeira precisa ocupar no currículo escolar.

Palavras-chave: Educação Matemática; Educação Financeira; Ensino Médio;

Introdução

Vivemos em uma sociedade capitalista que influencia mudanças frequentes no

mundo, sejam elas econômicas, sociais e culturais. As pessoas estão expostas a

propagandas, merchandisings que despertam o interesse pela aquisição de bens materiais,

compras e vendas, sempre alimentando a necessidade do ter.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN) a sociedade

é influenciada “[...] com a criação permanente de novas necessidades transformando bens

supérfluos em vitais, a aquisição de bens se caracteriza pelo consumismo. O consumo é

apresentado como forma e objetivo de vida” (BRASIL, 1998. p.35). Ampliar a discussão

sobre características dessa sociedade, não apenas consumista, valores, crenças, etc.,

tornam-se necessário para compreender o processo de tomada de decisões frente a

situações que envolvam finanças e a relevância (ou não) de discutir essa temática nas

escolas.

O Brasil é um país com grande desigualdade social e economia instável, assim a

falta de planejamento econômico pode prejudicar o orçamento familiar. Além disso, de

acordo com Saito (2007), “o extenso período de inflação comprometeu a capacidade da

população brasileira de planejamento econômico-financeiro de longo prazo” (apud,

SILVA, JUNIOR e VITAL, 2014, p.37).

A economia pode influenciar a vida das pessoas. Nesse sentido, conhecer os

modelos sociais que são estruturados pela matemática pode ajudar na tomada de decisões

.

dos indivíduos, tendo em vista que, “esses sistemas frequentemente por razões conhecidas

apenas por alguns; eles regulam e alteram nossas vidas e criam nossa civilização” (Davis e

Hersh, apud Skovsmose, 2001, p. 98).

A Educação Financeira é um tema em ascensão e foi discutido em fóruns

mundiais, como é o caso da reunião do G20 e a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico –

APEC. Atualmente países como Austrália, Japão, Holanda, África do Sul, Espanha, Reino

Unido e Estados Unidos discutem estratégias para a Educação Financeira da população.

Geralmente as iniciativas para Educação Financeira surgem de instituições

privadas como bancos, empresas de cartões de crédito. Não há muitas pesquisas sobre

Educação Financeira relacionada à educação, de forma que é recente este movimento de

incluir a educação financeira nas escolas,

Diante de uma tendência mundial, o governo brasileiro formou, em

novembro de 2007, um grupo de trabalho com representantes do Banco

Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da

Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e da Superintendência de

Seguros Privados (SUSEP), para desenvolver uma proposição de

Estratégia Nacional de Educação Financeira. (SILVA, JÚNIOR e

VITAL, 2014, p.37-38).

A Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) “é uma mobilização

multisetorial em torno da promoção de ações de educação financeira no Brasil” (ENEF,

2009) foi instituída pelo Decreto nº 7.397, de 22 de dezembro de 2010 e tem por objetivo

“promover a educação financeira e previdenciária e contribuir para o fortalecimento da

cidadania, a eficiência e solidez do sistema financeiro nacional e a tomada de decisões

conscientes por parte dos consumidores” (BRASIL, 2010, p.7).

Inicialmente são propostos dois programas: para crianças e jovens (Ensino

Fundamental e Médio) dentre os objetivos citados para o desenvolvimento desse programa

estão “formar para a cidadania; educar para consumir e poupar de modo ético, consciente e

responsável; oferecer conceitos e ferramentas baseada em mudança de atitude; desenvolver

a cultura da prevenção; possibilitar a mudança da condição atual;” (ENEFa, 2009, p.1) e

para adultos (Aposentados e Mulheres Bolsa Família) com o objetivo de “formar para a

cidadania, estimulando comportamentos éticos e responsáveis; educar para o consumo e a

poupança; oferecer conceitos e ferramentas para a tomada de decisões autônomas pautada

em mudança de atitude; Proporcionar a possibilidade de melhoria da própria condição”

(ENEFb, 2009, p.1).

.

Nesse ano está sendo implantado em escolas estaduais de todo o Brasil o

programa para o Ensino Médio. Nesse contexto, buscamos fazer a análise da

implementação desse programa nas escolas, bem como suas contribuições para o

desenvolvimento de cidadãos mais críticos frente a situações que envolvem finanças e que

exigem o conhecimento matemático. Estas análises poderão também subsidiar uma

compreensão mais profunda sobre a importância da especificidade da temática na

educação, especialmente na educação matemática.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Educação Financeira

A Educação Financeira no Brasil não vem sendo discutida no contexto escolar,

tampouco as crianças, em geral, participam das discussões financeiras da família

(PELICIOLI, 2011). Assim, muitas crianças crescem sem saber lidar com o dinheiro, sem

entender questões econômicas do dia a dia.

Observa-se pouca ou mesmo ausência de orientações voltadas para a Educação

Financeira nas escolas, ainda que seja reconhecida como importante nos documentos

oficiais existentes. As ações de Educação Financeira, no Brasil, geralmente ainda são

desenvolvidas através de iniciativas privadas. Assim, algumas empresas oferecem guias

que podem ajudar com investimentos, poupanças, gestão de recursos, como é o caso da

Federação Brasileira de Bancos, Bolsa de Valores, SERASA, bancos, empresas de cartões

de crédito, através de panfletos, internet, jornais, televisão, entre outros.

Para Britto (2012, p. 18), a participação de bancos em iniciativas de projetos

financeiros precisa ser motivo de preocupação, pois, “bancos não vendem sonhos e sim

produtos financeiros”. Assim, apesar de se verificar as contribuições que a educação

financeira pode trazer à formação dos estudantes, como apresentado pelos documentos

curriculares, é importante verificar as concepções que vem sendo trazidas na Educação

Financeira pelos que já vem desenvolvendo e verificar como e qual proposta de Educação

Financeira deve ser trazida para a escola.

A economia mundial vem mudando consideravelmente nos últimos tempos e

essas mudanças podem refletir na forma com que o individuo consome e também como

gerencia suas finanças, assim, “a submissão de indivíduos aos novos arranjos sociais

econômicos nos impõe a necessidade de repensar o papel da instituição escolar na

formação crítica do cidadão, (também) consumidor” (BRITTO, 2012, p. 27).

.

No contexto educacional, em 2004, o projeto de Lei nº 3401 foi apresentado a

Câmara dos Deputados com a proposta de criar uma disciplina de educação financeira nas

séries de 5ª a 8ª do Ensino Fundamental e Ensino Médio, entretanto, “após alterações, a

proposta é que a Educação Financeira seja inserida no conteúdo de Matemática”

(CAMPOS, 2013, p.22). Esta é uma discussão importante, pois a inserção em apenas um

componente curricular define e limita a abrangência da temática em questão.

Não concordamos que a educação financeira deva ser trabalhada apenas nas aulas

de matemática. Consideramos, a Educação Financeira numa perspectiva critica, ou seja,

que favoreça uma educação “em que cada indivíduo-consumidor tome suas decisões e

produza seus significados em suas ações de consumo, buscando exercitar a criticidade”

(LOSANO, 2013, p.35). A matemática pode surgir como ferramenta importante nesse

processo, pois, “a matemática se caracteriza como objeto de leitura, crítica e reflexão”

(PINHEIRO, 2007, p. 85). Mas, outras ciências também são importantes e dialogam de

perto com a educação financeira, tal como história, sociologia, geografia, ciências, etc.,

que dão sentido e nos fazem compreender as relações econômicas, sociais e culturais numa

sociedade. Diante dessas reflexões, uma primeira questão que se coloca é o que significa

educação financeira. Este será objeto do próximo tópico.

Concepção de Educação Financeira

Alguns pesquisadores afirmam que ainda não há um conceito bem definido sobre

o que é Educação Financeira, mas para Brasil (2011, p.57-58) Educação Financeira é:

o processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram sua

compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira

que, com informação, formação e orientação, possam desenvolver os

valores e as competências necessários para se tornarem mais conscientes

das oportunidades e dos riscos nele envolvidos e, então, poderem fazer

escolhas bem informadas, saber onde procurar ajuda, adotar outras ações

que melhorem o seu bem-estar. Assim, podem contribuir de modo mais

consciente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis,

comprometidos com o futuro.

O documento que serve como parâmetro de Educação Financeira na União

Europeia considera que Educação Financeira é “o processo através do qual os

consumidores melhoram a compreensão dos produtos financeiros, adquirem um maior

conhecimento dos riscos financeiros e das oportunidades do mercado e tomam decisões

econômicas com base em informações adequadas” (CESE, 2011, apud, BRITTO, 2012, p.

228).

.

Percebemos que nessas definições de Educação Financeira ainda há um discurso

muito voltado para conhecimentos administrativos e econômicos, assim, precisamos

compreender melhor o papel da Educação Financeira no contexto educacional.

Nas escolas, o foco da Educação Financeira ainda está nas aulas de matemática

quando abordado o conteúdo de matemática financeira, entretanto, a Educação Financeira

abrange temas mais amplos, como por exemplo, os impactos sociais causados pelo

consumo inconsciente, como afirma o Instituto de Defesa do Consumidor (apud, Araújo,

2009, p.75) que diz “ou se alteram os padrões de consumo ou não haverá recursos naturais

nem de qualquer outro tipo para garantir o direito das pessoas a uma vida sustentável. Não

haverá como garantir o direito de acesso universal sequer aos bens”.

Poucas são as pesquisas que abordam o tema Educação Financeira nas escolas,

mas, em sua maioria, as pesquisas existentes apontam para um caminho, a Educação

Financeira através de uma perspectiva crítica, que considera que além de aspectos

econômicos, a Educação Financeira nas escolas precisa estar preocupada com os contextos

sociais, culturais e políticos que o tema pode desenvolver.

Além disso, “a educação financeira está referida a um determinado contexto

socioeconômico–cultural, mas, sobretudo a um contexto que possui uma coloração

ideológica dominante” (BRITTO, 2012, p.139).

Sendo assim, a educação critica pode ser um caminho a ser trilhado quando o

assunto é Educação Financeira, pois esta acontece através de “discussões relacionadas com

problemas sociais, com críticas e com relações democráticas que objetivam reações às

contradições sociais e transformações nas estruturas sociais, políticas, econômicas e éticas

da sociedade” (JACOBINI, 2004, apud, JACOBINI e WODEWOTZKI, 2006, p. 5).

Passamos então a discutir a Educação Matemática Crítica no próximo tópico.

Educação Matemática Crítica

A matemática surge a partir da necessidade que o homem encontra em seu dia-a-

dia e pode ser usada na resolução dos mais variados problemas, auxiliando no processo de

tomada de decisões, assim, seus conhecimentos precisam estar voltados para a prática no

cotidiano dos alunos, os quais estão inseridos em contextos sociais, políticos, culturais e

também econômicos.

Muitas pesquisas vêm discutindo novas metodologias para o ensino de

matemática com o objetivo de dar sentido aos conhecimentos matemáticos, buscando

integrar conhecimentos científicos com conhecimentos práticos. Outras pesquisas abordam

.

quais conhecimentos matemáticos são necessários aos alunos para atuarem de forma critica

na sociedade. Apesar dos avanços consideráveis na academia, observando-se as práticas

pedagógicas, notamos que ainda permanecem, em geral, as mesmas, escutando-se os

alunos a distância da matemática escolar da matemática usada em seu cotidiano.

Na educação matemática há uma zona de conforto, na qual os conteúdos

matemáticos já vêm prontos para serem utilizados, condicionando o

ensino àqueles conteúdos, e o que é pior, alienando docentes e futuros

docentes a uma única metodologia de ensino, tradicional, baseada no

escute, leia, decore e repita (MIRANDA et al., 2012, p. 9-10).

É fácil ver a aplicação de conhecimentos matemáticos em compras, vendas,

aplicação de receitas, entre outras, e assim, justificamos a presença da matemática no

currículo escolar, mas a matemática pela matemática não pode ser critério suficiente para

essa presença, é preciso despertar nos alunos “o “pensar matematicamente”, ou seja: a

inserção da matemática à vivência, para que esta possa auxiliá-lo nas mais diversas

atuações e contextos culturais em que se encontre” (MIRANDA et al., 2012, p.13).

Mesmo sem denominar de Educação Matemática Crítica, muitos pesquisadores

em Educação Matemática na década de 80 começaram a demonstrar preocupação com o

ensino descontextualizado da matemática, afirmando que era preciso um ensino voltado

para criticidade e que envolvesse os alunos em questões sociais. Estes que são alguns dos

objetivos da Educação Matemática Crítica, como reflete Miranda et al. (2012, p. 13) ao

afirmar que a Educação Matemática crítica “objetiva despertar questionamentos, estimular

a criticidade, de forma a provocar no educando maior participação social”.

Campos (2013, p.13) aponta que a Educação Financeira precisa ser “uma prática

social, de modo que possa estar enraizada em um espírito de crítica e em um projeto de

possibilidades que proporcionem aos indivíduos-consumidores participarem, ativamente,

no entendimento e na trans-formação dos contextos que estão inseridos” e reitera que se for

“compreendida dessa forma a Educação Financeira viria a ser um item adjunto propiciador

da emancipação socioeconômica desses indivíduos” (idem, p.13).

Nesse sentido, compreendemos que trabalhar a Educação Financeira nas aulas de

matemática numa perspectiva de Educação Matemática Crítica, pode colaborar para o

desenvolvimento de cidadãos mais críticos e conscientes frente a situações que envolvam

finanças, além de favorecer o desenvolvimento de práticas interdisciplinares, tendo em

vista que essa é uma temática que abre possibilidades de conversa com várias áreas de

conhecimento.

Revisão da Literatura

.

Poucas são as pesquisas que envolvem o tema educação financeira no contexto

educacional, nesse sentido, percebemos que pesquisas que envolvem essa temática buscam

inicialmente compreender alguns pontos, como a forma que essa temática vem sendo

tratado em documentos norteadores como é o caso da pesquisa: Educação financeira: uma

pesquisa documental crítica desenvolvida por Britto (2012). Essa pesquisa teve por

objetivo refletir criticamente sobre propostas atuais sobre educação financeira e contribuir

para que novas propostas sobre a temática surjam no campo educacional. O autor elaborou

um quadro teórico sobre a inserção da educação financeira no Brasil e no mundo, ancorado

em Michael De Certeau (2008) e Norman Fairclough (2001). Fez uma análise crítica de

discurso de diversas instituições que promovem educação financeira, buscando fazer

conexões com o contexto em que estão inseridas.

O autor analisou documentos como bases legais que regem a educação,

reportagens jornalísticas e propostas para a Educação Financeira de alguns países como a

Estratégia Nacional de Educação Financeira do Brasil (ENEF), Plan Nacional de

Educación Financiera da Espanha (PNEF), Plano Nacional de Formação Financeira de

Portugal (PNFF) e o Parecer do Comité Económico e Social Europeu (CESE) sobre

Educação Financeira e Consumo Responsável de Produtos Financeiros (parecer de

iniciativa).

Britto (2012) analisou que estes documentos dividindo os discursos em asserções,

que para ele são “prescrições estratégicas, discursivas que tem como objetivo elevar a

Educação Financeira, tal como se apresenta, ao status de um bem/valor a ser consumido

pelos indivíduos” (BRITTO, 2012, p.178). De modo geral, observou muita semelhança nos

documentos analisados, encontrando asserções legais que seriam responsáveis por

embasar a inserção da educação financeira no currículo escolar, asserções financeiras que

são “aquelas que concorrem para a legitimação da Educação Financeira, como um valor a

ser consumido” (BRITTO, 2012, p. 191); asserções neoliberais, que seriam “aquelas que

denunciam e nos ajudam a desvelar a presença de orientações neoliberais - dirigidas aos

mercados e valorizando a liberdade (sobretudo econômica) individual- nos documentos das

Estratégias Nacionais de Educação Financeira” (BRITTO, 2012, p. 210) e asserções

capital/trabalho que “contribuem para constituir a Educação financeira como um bem a

ser consumido, formatando trabalhadores em favor do capital” (BRITTO, 2012, p. 215)

.

Nesse sentido, há uma preocupação inerente sobre como essas propostas chegam à

escola, com que objetivo e como serão desenvolvidas, despertando o interesse dos

educadores matemáticos para pesquisas que envolvam essa temática nas escolas.

Outro ponto de investigação que podemos identificar em pesquisas sobre

Educação Financeira é a relevância dessa temática nas escolas. Pesquisas com essa

temática é importante, pois traz a tona visões de alunos, professores, pesquisadores da área,

buscando assim, legitimar a importância (ou não) dessa temática nas escolas.

Encontramos, por exemplo, a pesquisa desenvolvida por Pelicioli (2011)

intitulada A relevância da Educação Financeira na Formação de Jovens, que teve por

objetivo compreender as iniciativas pedagógicas na área de Matemática que podem ser

colocadas em prática com a clara intenção de qualificar a aprendizagem dos estudantes em

relação à Educação Financeira, preparando-os para o futuro.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com nove sujeitos, sendo seis do

Ensino Médio (três de escolas publicas e três de escolas privadas) da cidade de Porto

Alegre no Rio Grande do Sul e três profissionais que atuam como consultores financeiros.

As entrevistas foram gravadas e analisadas através da análise textual discursiva proposta

por Moraes e Galiazzi (2007).

Os resultados mostraram que tanto os alunos quanto consultores entrevistados

acreditavam que era válida a proposta de Educação Financeira para os jovens, bem como a

importância da matemática para a compreensão desse tema. Na entrevista, os estudantes

sugeriram que a matemática vista por eles na escola ainda não relacionava a teoria e a

prática. Estes dados foram confirmados pelos profissionais do campo financeiro, que

afirmaram que seus clientes têm poucas informações sobre investimentos, refletindo a falta

de educação voltada para esses pontos durante o período escolar.

Os estudantes entrevistados apresentaram pouco conhecimento sobre alguns

conceitos matemáticos que estão atrelados à economia como: juros, desconto, aplicações

em bolsa de valores, etc. e não conseguiram interpretar noticias referentes à inflação. Além

disso, demonstraram inicialmente não ter conhecimento sobre poupança, e, após

explicação do pesquisador, mostraram que esta seria uma forma de segurança para o

futuro, conclusões também apresentadas pelos consultores entrevistados. Questionados

sobre quem os ensinavam sobre finanças, os alunos afirmaram sobre a participação dos

pais e da escola, mas não explicaram de que forma se davam esses ensinamentos,

.

acrescentando a importância das próprias experiências, aspecto citado também pelos

consultores.

Sobre o papel da escola na Educação Financeira, os participantes da pesquisa

afirmaram que seria importante, tanto dentro da disciplina de matemática como em outras,

sendo uma disciplina ou através de workshops, jogos. Os alunos demonstraram interesse

em saber usar bem seu dinheiro já que nessa fase começam a trabalhar e receber seu

próprio dinheiro.

Outro ponto levantado por pesquisadores é a importância de se trabalhar a

Educação Financeira para a tomada de decisões crítica dos indivíduos, temática discutida

por Campos (2013), por exemplo.

Campos (2013) desenvolveu uma pesquisa foi intitulada Investigando como a

Educação Financeira Crítica pode contribuir para a tomada de decisões de consumo de

jovens-indivíduos-consumidores (JIC’S), a partir de um estudo piloto desenvolvido em um

projeto de extensão Educação Financeira para Jovens de Teófilo Otoni da Universidade

Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Participaram da pesquisa sete sujeitos com idades que variam de 16 a 18 anos, que

estudavam no Ensino Médio. Alguns recebiam mesada, outros trabalhavam e há também

sujeitos que não tinham nenhuma fonte de renda. O autor apresentou situações problemas

que envolviam a tomada de decisões frente a situações financeiras e analisou as falas dos

alunos em relação a esses problemas através do Modelo dos Campos Semânticos (MCS).

O autor percebeu que os alunos participantes da pesquisa mostraram que quando o

assunto é dinheiro, eles se utilizavam do senso comum e não de conhecimentos

matemáticos para resolver os problemas, que, tinham visão limitada do uso da poupança e

que diante da necessidade de aquisição de um bem, buscavam adquiri-lo da forma mais

rápida possível sem levar em consideração outras despesas que já tinham ou a renda

familiar, já que em sua maioria, dependiam dos pais.

O autor buscou ainda discutir questões como propagandas e o Código de Defesa

do Consumidor (CDC). Nessas discussões, percebeu o impacto das propagandas na tomada

de decisões dos indivíduos, de forma que muitas vezes os estudantes não pensavam sobre

preço, durabilidade, conforto dos produtos na hora da compra. Em relação ao CDC foi

percebido que os alunos desconheciam seus direitos enquanto consumidores e

desconheciam os mecanismos de funcionamento dos cartões de crédito, ainda que o

usassem.

.

Pesquisas como essas são fundamentais, pois a partir delas podemos compreender

como os indivíduos pensam, as influências que sofrem, o que desconhecem e o que é

levado em consideração quando o assunto é finanças, favorecendo que se desenvolvam

estratégias adequadas para trabalhar essa temática nas escolas.

Em nossa pesquisa propomos analisar o Programa de Estratégia Nacional de

Educação Financeira (ENEF) no Ensino Médio, buscando identificar se o material

proposto por esse programa pode colaborar para a formação de cidadãos mais críticos

frente a situações de consumo, bem como identificar que competências matemáticas

podem ser mobilizadas no trabalho com esse material. Procuraremos ainda ouvir a

comunidade envolvida no processo de inserção dessa temática nas escolas, professores e

alunos de escolas estaduais do Estado de Pernambuco, a fim de identificar a relevância (ou

não) dessa temática nas escolas do Estado. Além disso, analisaremos se esse programa se

integra com as propostas de documentos nacionais e estaduais norteadores do currículo e

da Educação Matemática, em particular, buscando trazer mais subsídios para a área da

Educação Financeira, especialmente, na escola, e suas relações com a Educação

Matemática.

Nesse sentido, acreditamos na relevância de nossa pesquisa para a ampliação da

discussão sobre a Educação Financeira e Educação Matemática no contexto educacional,

pois esta pode colaborar para a compreensão da relevância (ou não) dessa temática ser

discutida nas escolas bem como o lugar que a mesma ocuparia no currículo escolar.

Objetivos

Objetivo Geral

Analisar o Programa de Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) no Ensino

Médio bem como suas contribuições para o desenvolvimento de cidadãos mais críticos

frente a situações que envolvem finanças e que exigem o conhecimento matemático.

Objetivos Específicos

Analisar o material proposto pelo programa dizer qual para o Ensino Médio e sua

articulação com os conceitos matemáticos;

Analisar documentos norteadores para a Educação Matemática e suas relações com

a Educação Financeira;

Analisar a implementação do programa na rede estadual de Educação e a relação

com o currículo de Matemática;

Metodologia

.

O estudo contempla análise documental e questionários e entrevistas com atores.

A análise documental será realizada a partir dos seguintes documentos: A Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (LDB), o Parâmetro Curricular Nacional para o Ensino

médio, as Diretrizes Curriculares para o Ensino médio, o Parâmetro Curricular Nacional

sobre os Temas Transversais, o Parâmetro Curricular do Estado de Pernambuco para a

Educação Básica - Matemática e o material didático proposto pelo Ministério da Educação

para inserção da Educação Financeira nas Escolas. As entrevistas e questionários serão

aplicados com formadores, multiplicadores, professores e estudantes, visando entender o

processo de implementação nas escolas, expectativas, dificuldades e potencialidades.

Pretendemos inicialmente analisar o material proposto pela Estratégia Nacional de

Educação Financeira a partir de educação matemática, buscando identificar os conceitos

matemáticos que podem ser trabalhados com esse material e se esse material articula com

documentos norteadores para o ensino de Matemática. Do ponto de vista mais geral, o

material será analisado a partir das asserções propostas por Britto (2012), observando-se,

especialmente, se possibilita o desenvolvimento da criticidade dos alunos frente a situações

de consumo.

Também iremos entrevistar formadores, enviados pela Associação Nacional de

Educação Financeira, a fim de investigar que fatores impulsionaram o surgimento da

proposta de Educação Financeira nas escolas, bem como e de que forma estão atuando nos

estados na formação dos professores para lidar com esse novo contexto.

Será aplicado um questionário com professores multiplicadores responsáveis pela

formação dos professores na rede estadual de Pernambuco e também com professores que

estejam à frente da implementação desse projeto nas escolas, com o intuito de compreender

suas expectativas relativas à inserção deste tema nas escolas e como está se dando o

trabalho na sala de aula. Também realizaremos entrevistas com estudantes, para entender o

que acham do trabalho com educação financeira na escola que está sendo proposto. Estes

dados nos ajudarão a refletir sobre a educação financeira, sobre como está sendo

implantada nas escolas e seus impactos na formação cidadã dos estudantes.

Referências

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