educação infantil: práticas cotidianas

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1 EDUCAÇÃO INFANTIL: ABORDAGENS CURRICULARES Organização do Tempo e do Espaço na Educação infantil – Pesquisas e Práticas Maévi Anabel Nono UNESP – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas Departamento de Educação São José do Rio Preto O dia a dia das creches e pré-escolas é repleto de atividades organizadas por educa- dores que, de uma maneira ou de outra, lidam com o espaço e o tempo a todo o momento. Como organizar tempos de brincar, de tomar banho, de se alimentar, de repousar de crianças de diferentes idades nos espaços das salas de atividades, do parque, do refeitório, do ba- nheiro, do pátio? É tarefa dos educadores organizar o espaço e o tempo das escolas infantis, sempre levando em conta o objetivo de proporcionar o desenvolvimento das crianças. Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza Horn pesquisam a organiza- ção do espaço e do tempo na escola infantil e afirmam: Organizar o cotidiano das crianças da Educação Infantil pressupõe pensar que o estabelecimento de uma sequência básica de atividades diárias é, antes de mais nada, o resultado da leitura que fazemos do nosso grupo de crianças, a partir, principalmente, de suas necessidades. É importante que o educador observe o que as crianças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam de fazer, em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que momentos do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é fundamental para que a estruturação espaço-temporal tenha significado. Ao lado disto, também é importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere e a pro- posta pedagógica da instituição, que deverão lhe dar suporte. (BARBOSA; HORN, 2001, p. 67). Para as pesquisadoras, no que se refere à organização das atividades no tempo, nas es- colas de Educação Infantil, são necessários momentos diferenciados, organizados de acordo com as necessidades biológicas, psicológicas, sociais e históricas das crianças (menores ou

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Organização do Tempo e do Espaço na Educação infantil – Pesquisas e Práticas

Maévi Anabel NonoUNESP – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas

Departamento de Educação São José do Rio Preto

O dia a dia das creches e pré-escolas é repleto de atividades organizadas por educa-dores que, de uma maneira ou de outra, lidam com o espaço e o tempo a todo o momento. Como organizar tempos de brincar, de tomar banho, de se alimentar, de repousar de crianças de diferentes idades nos espaços das salas de atividades, do parque, do refeitório, do ba-nheiro, do pátio? É tarefa dos educadores organizar o espaço e o tempo das escolas infantis, sempre levando em conta o objetivo de proporcionar o desenvolvimento das crianças.

Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza Horn pesquisam a organiza-ção do espaço e do tempo na escola infantil e afirmam:

Organizar o cotidiano das crianças da Educação Infantil pressupõe pensar que o estabelecimento de uma sequência básica de atividades diárias é, antes de mais nada, o resultado da leitura que fazemos do nosso grupo de crianças, a partir, principalmente, de suas necessidades. É importante que o educador observe o que as crianças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam de fazer, em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que momentos do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é fundamental para que a estruturação espaço-temporal tenha significado. Ao lado disto, também é importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere e a pro-posta pedagógica da instituição, que deverão lhe dar suporte. (BARBOSA; HORN, 2001, p. 67).

Para as pesquisadoras, no que se refere à organização das atividades no tempo, nas es-colas de Educação Infantil, são necessários momentos diferenciados, organizados de acordo com as necessidades biológicas, psicológicas, sociais e históricas das crianças (menores ou

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maiores). Nesse sentido, a organização do tempo nas creches e pré-escolas deve considerar as necessidades relacionadas ao repouso, alimentação, higiene de cada criança, levando-se em conta sua faixa etária, suas características pessoais, sua cultura e estilo de vida que traz de casa para a escola (BARBOSA; HORN, 2001).

Assim como o tempo, o espaço também deve ser organizado levando-se em conta o ob-jetivo da Educação Infantil de promover o desenvolvimento integral das crianças. Maria da Graça Souza Horn ajuda-nos a pensar sobre esse tema. A partir de suas pesquisas, escreve:

O olhar de um educador atento é sensível a todos os elementos que estão postos em uma sala de aula. O modo como organizamos materiais e mó-veis, e a forma como crianças e adultos ocupam esse espaço e como inte-ragem com ele são reveladores de uma concepção pedagógica. Aliás, o que sempre chamou minha atenção foi a pobreza frequentemente encontrada nas salas de aula, nos materiais, nas cores, nos aromas; enfim, em tudo que pode povoar o espaço onde cotidianamente as crianças estão e como pode-riam desenvolver-se nele e por meio dele se fosse mais bem organizado e mais rico em desafios. (HORN, 2004, p. 15).

Horn acrescenta:

As escolas de educação infantil têm na organização dos ambientes uma parte importante de sua proposta pedagógica. Ela traduz as concepções de criança, de educação, de ensino e aprendizagem, bem como uma visão de mundo e de ser humano do educador que atua nesse cenário. Portanto, qualquer professor tem, na realidade, uma concepção pedagógica explici-tada no modo como planeja suas aulas, na maneira como se relaciona com as crianças, na forma como organiza seus espaços na sala de aula. Por exemplo, se o educador planeja as atividades de acordo com a ideia de que as crianças aprendem através da memorização de conceitos; se mantém uma atitude autoritária sem discutir com as crianças as regras do convívio em grupo; se privilegia a ocupação dos espaços nobres das salas de aula com armários (onde somente ele tem acesso), mesas e cadeiras, a concep-ção que revela é eminentemente fundamentada em uma prática pedagó-gica tradicional. Conforme Farias (1998), a pedagogia se faz no espaço realidade e o espaço, por sua vez, consolida a pedagogia. Na realidade, ele é o retrato da relação pedagógica estabelecida entre crianças e professor. Ainda exemplificando, em uma concepção educacional que compreende o ensinar e o aprender em uma relação de mão única, ou seja, o professor ensina e o aluno aprende, toda a organização do espaço girará em torno da

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figura do professor. As mesas e as cadeiras ocuparão espaços privilegiados na sala de aula, e todas as ações das crianças dependerão de seu comando, de sua concordância e aquiescência. (HORN, 2004, p. 61).

Diante das análises de Maria da Graça, como pensar a organização dos espaços nas creches e pré-escolas?

Alguns educadores e pesquisadores têm voltado sua atenção para a organização dos espaços para o cuidado e educação de bebês. Cândida Bertolini e Ivanira B. Cruz enfatizam que “Os espaços e objetos de uma creche devem estar a favor do desenvolvimento sadio dos bebês, propiciando-lhes experiências novas e diversificadas” (ROSSETTI-FERREIRA et al, 2007, p. 149).

Maria A. S. Martins, Cândida Bertolini, Marta A. M. Rodriguez e Francisca F. Silva, no capítulo intitulado “Um lugar gostoso para o bebê”, publicado na obra de Rossetti-Ferreira et al, (2007) observam que, normalmente, o espaço destinado aos bebês na grande parte das creches é tomado por berços, restando poucas possibilidades para que os pequenos explorem o ambiente e se locomovam por toda parte, com segurança. As educadoras pensaram em uma organização espacial diferente desta, na tentativa de proporcionar aos bebês um espaço atraente para seu desenvolvimento.

Para elas, “O berçário deve ter espaços programados para dar à criança oportunidade de se movimentar, interagindo tanto com objetos como com outros bebês. Deve oferecer ao bebê situações desafiadoras, possibilitando o desenvolvimento de suas capacidades.” (ROS-SETTI-FERREIRA et al, 2007, p. 147).

As educadoras Maria, Cândida, Marta e Francisca pensaram o espaço de seu berçário, levando em conta três partes da sala: o chão, o teto e as paredes. Em cada uma dessas par-tes, elas enxergaram possibilidades de garantir experiências interessantes e desafios para as crianças, por meio do uso de divisórias de diversos tamanhos e em diversas alturas, caixas de papelão recortadas e transformadas, brinquedos, canaletas para os bebês passarem por den-tro, muretas para impedi-los de seguir em frente e obrigá-los a experimentar outros trajetos, cortinas, espelhos, móbiles etc.

Ainda a respeito do espaço para os bebês, as educadoras alertam: “Os espaços devem ser sempre atraentes e estimulantes para os bebês. Portanto, eles devem ser observados, ava-liados e mudados pelos educadores na medida em que eles se desenvolvem e se interessam por coisas novas.” (ROSSETTI-FERREIRA, 2007, p. 148).

As educadoras trazem ainda algumas sugestões para pensarmos acerca do espaço para os bebês nas creches. Segundo elas, a partir da observação de sua própria prática, percebe-

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[...] existe uma boa forma de arrumar o berçário, organizando-o com col-chonetes, caixas vazadas, móveis baixos, que permitem ao educador ob-servar todo o movimento da sala e o bebê também. Dessa forma, o bebê pode tranquilamente ir em busca de um objeto que tenha despertado sua curiosidade, pois ele está vendo que o educador continua na sala. Isso pos-sibilita a ele interagir mais com outros bebês. O educador fica então dis-ponível para aqueles que estão exigindo sua atenção naquele momento. (ROSSETTI-FERREIRA, 2007, p. 147)

Lendo o capítulo “Espaço que dê espaço”, escrito por Lilian Pacheco S. Thiago (2006), no qual ela relata suas experiências de estágio com crianças de onze meses a um ano e três meses, notamos suas conquistas ao reorganizar o espaço dos bebês de uma escola de Educa-ção Infantil. Indo ao encontro das reflexões feitas pelas educadoras Maria, Cândida, Marta e Francisca, Lilian desenvolve o projeto “Criando... e recriando espaços” e percebe que

[...] é preciso oferecer espaços com propostas diferenciadas, situações di-versificadas, que ampliem as possibilidades de exploração e ‘pesquisa’ in-fantis. As crianças realmente ampliaram suas possibilidades de exercitar a autonomia, a liberdade, a iniciativa, a livre escolha, quando o espaço está adequadamente organizado. Percebi, também, que poderia ficar mais livre para atendê-las individualmente, conforme suas necessidades, para obser-vá-las e conhecê-las melhor. Dessa forma, ainda, poderia me envolver com um pequeno grupo de crianças, propondo uma atividade específica, como na situação relatada anteriormente, quando me pus a brincar de carro com uma caixa de papelão com algumas crianças, enquanto outras se envol-viam com diferentes objetos e lugares na sala. (THIAGO, 2006, p. 60)

Lilian compartilha conosco as formas como reorganizou os espaços oferecidos aos bebês da sala onde realizou seu estágio do curso de Pedagogia e oferece algumas ideias importantes para o uso adequado dos espaços como parceiros do professor e da professora de Educação Infantil no desenvolvimento das crianças. Lendo a forma como ela descreve o espaço que reorganizou, tente imaginar como ficou a sala dos bebês:

O espaço da casinha; as tentativas de organizar zonas circunscritas uti-lizando bancos, mesas, prateleiras de plástico colorido com gavetas para pino de encaixe; o balcão baixo de madeira formando uma divisória; os colchonetes; o painel com gravuras de animais conhecidos (cavalo, gato, pássaros, cachorro, leão, peixe etc.); o espelho com duas poltroninhas ou almofadas em frente, sobre o tapete (espaço de busca de identidade) – tudo

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isso permitiu gostosa movimentação pela sala. As crianças andavam de um lado para outro, ora em busca de um objeto, ora de outro; ora apon-tando os dedinhos para as gravuras, mostrando conhecer algo que ali se apresentava. [...] Em outra ocasião, coloquei sobre as mesas, no centro da sala, livros de história, revistas infantis e outras revistas e fiquei a observá--las. Algumas pegaram livros e foram se sentar sobre os colchonetes para folheá-los à sua maneira; outras manuseavam os livros na própria mesa; outras crianças preferiram buscar brincadeiras alternativas que o espaço lhes oferecia intencionalmente. Não é possível pretender que as crianças pequenas façam tudo ao mesmo tempo ou que todas façam a mesma coisa ao mesmo tempo. (THIAGO, 2006, p. 59)

Conseguiram ir imaginando como ficou o espaço organizado por Lilian? Ao organizar as zonas circunscritas, Lilian se fundamenta nas contribuições de Mara Campos de Carva-lho e Renata Meneghini, presentes no capítulo intitulado “Estruturando a sala”, publicado no livro “Os fazeres na Educação Infantil” (ROSSETTI-FERREIRA et al., 2007). Vocês já ouviram falar de zonas circunscritas? Quem já atua na Educação Infantil certamente ouviu falar de “cantos”. A organização de “cantinhos” nas salas de Educação Infantil é bastante discutida hoje nas creches e pré-escolas. Muitos educadores tentam organizar suas salas em cantos de atividades diversificadas, mas, nem sempre essa organização está fundamentada em uma concepção de criança e de educação que a sustente. Então, os cantos acabam não funcionando, e sendo deixados de lado, substituídos pela organização anterior, muitas vezes pautada no uso do espaço que coloca o professor ou a professora no centro das atenções, com as crianças em volta deles na maior parte do tempo.

Então, vamos tratar um pouco mais das zonas circunscritas, para entendermos melhor o que fundamenta a organização espacial que se vale dessas áreas delimitadas. Carvalho e Meneghini (2007) enfatizam que “O educador organiza o espaço de acordo com suas idéias sobre desenvolvimento infantil e de acordo com seus objetivos, mesmo sem perceber” (p. 150). Quando o educador ou a educadora de Educação Infantil organiza sua sala em espaços vazios, com poucos móveis, objetos e equipamentos, ele se vale, conforme escrevem as edu-cadoras na obra de Rossetti-Ferreira et al. (2007) de um arranjo espacial aberto.

Para as educadoras Mara e Renata, nesse tipo de arranjo acontece aquilo que des-crevemos no parágrafo anterior, ou seja, a maioria das crianças fica em volta do educador, solicitando sua atenção, sem ter outra atividade a fazer. Dessa forma, “O educador acaba não tendo muita chance de manter um contato mais prolongado com nenhuma criança. Às vezes nem pode atender a todas, mesmo que rapidamente” (ROSSETTI-FERREIRA et al., 2007, p. 150).

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É claro que, muitas vezes, o professor ou a professora desejam reorganizar o espaço de sua sala mas encontram alguns obstáculos como falta de recursos, falta de apoio da equipe gestora da escola, condições inadequadas da própria escola de Educação Infantil. Mas, em muitos casos, há mesmo uma lacuna na formação do professor que o impede de pensar a or-ganização de sua sala em termos de um arranjo espacial semi-aberto. Nesse tipo de arranjo, sugerido por Mara Campos de Carvalho e Renata Meneghini na obra “Os fazeres na Educa-ção Infantil”, são utilizados móveis baixos para formar cantinhos ou zonas circunscritas, que “[...] são áreas delimitadas em três ou quatro lados, com uma abertura para a passagem, onde cabem com conforto cerca de seis crianças” (p. 151).

Conforme explicam Mara e Renata,

A característica principal das zonas circunscritas é seu fechamento em pelo menos três lados, seja qual for o material que o educador coloca lá dentro, ou que as próprias crianças levam para brincar. Dessa maneira, vo-cês pode delimitar essas áreas usando mesinhas ou cadeirinhas. Elas tam-bém podem ser constituídas por caixotes de madeira ou cabaninhas, desde que contenham aberturas. As cabaninhas podem ser criadas aproveitando o espaço embaixo de uma mesa e colocando por cima um pano que caia para os lados, contendo uma abertura, tipo porta. As cortinas também po-dem ser úteis para delimitar um ou dois lados. É importante que a criança possa ver facilmente a educadora, senão ela não ficará muito tempo dentro dessas áreas circunscritas. (ROSSETTI-FERREIRA et al, 2007, p. 151)

Quando as crianças brincam nas zonas circunscritas, ficam mais tempo interagindo com outras crianças e com a atividade que está sendo ali realizada. Solicitam menos a aten-ção do educador que, dessa forma, pode acompanhar o desenvolvimento das diversas crian-ças, focalizando ora uma, ora outra, se desejar, observando se os materiais oferecidos estão atendendo aos objetivos que deseja alcançar em termos de desenvolvimento de cada criança, em particular, e do grupo todo, de modo geral, percebendo o momento de reorganizar ou modificar os cantos propostos para motivar mais as crianças e proporcionar a elas novas aprendizagens.

Mara Campos de Carvalho, no capítulo “Por que as crianças gostam de áreas fecha-das?”, da obra de Rossetti-Ferreira et al. (2007), observa que a zona circunscrita oferece pro-teção e privacidade para as crianças, de modo que elas ficam mais atentas na atividade e no comportamento dos colegas, envolvendo-se por mais tempo nas brincadeiras proporcionadas pelo canto organizado pelo professor ou professora.

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Agora, também é importante que os professores e professoras de Educação Infantil saibam que as crianças precisam aprender a trabalhar com zonas circunscritas, especialmen-te se já estavam habituadas a trabalhar no arranjo espacial aberto, com o educador sempre dirigindo as atividades, sempre interferindo diretamente nas suas ações e relações com os colegas e o ambiente.

A educadora Mara também alerta os professores e professoras da Educação Infantil para o fato de que, mesmo no arranjo espacial semi-aberto, as áreas circunscritas não de-vem tomar todo o espaço das salas das creches e pré-escolas. Outras áreas que não sejam necessariamente delimitadas por três ou quatro lados também devem ser oferecidas para as crianças como, por exemplo, espaços com mesinhas e cadeiras para execução de atividades de colagem, pintura, lápis e papel, espaços sem delimitação com almofadas e tapetes para leitura de livros de histórias.

Ainda contribuindo para que professores e professoras pensem sobre o espaço que oferecem para as crianças em creches e pré-escolas, a educadora Mara Campos de Carvalho (ROSSETTI-FERREIRA et al, 2007) faz algumas análises dos ambientes infantis e conclui que eles devem estar organizados de modo a promover o desenvolvimento da identidade pessoal de cada criança, o desenvolvimento de diversas competências como, por exemplo, poder tomar água sozinha e alcançar o interruptor de luz, oportunidades para movimentos corporais diversos, a estimulação dos sentidos, a sensação de segurança e confiança e, final-mente, oportunidades para contato social e privacidade.

Paulo de Camargo (2008) analisa os “Desencontros entre Arquitetura e Pedagogia” em reportagem na qual conversa com arquitetos e educadores sobre os espaços nas escolas de Educação Infantil. Os arquitetos entrevistados por Paulo de Camargo ressaltam a neces-sidade de que as creches e pré-escolas sejam construídas levando-se em conta que elas serão ocupadas e utilizadas por crianças.

Um dos arquitetos entrevistados, Paulo Sophia, esclarece que, para conceber uma es-cola, tenta se colocar no lugar da criança, procurando notar como ela irá olhar ou perceber o espaço. Para esse arquiteto, as crianças têm uma relação própria com o espaço, bastante diferente daquela dos adultos.

Outra arquiteta entrevista por Paulo de Camargo é Ana Beatriz Goulart de Faria, en-volvida com diversos projetos de arquitetura educativa. Ana Beatriz observa que na maioria dos municípios brasileiros, os espaços de Educação Infantil seguem modelos-padrão ela-borados muito longe daqueles territórios, desconsiderando sua geografia, sua história, sua cultura, suas políticas para a infância. Para ela, “São projetos-modelo elaborados para uma infância sem fala” (CAMARGO, 2008, p. 46).

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Paulo de Camargo também entrevista a arquiteta Adriana Freyberger, segundo a qual é preciso que se dê mais atenção aos espaços da escola de Educação Infantil que vão além da sala de atividades. Pátios e refeitórios devem ser cuidadosamente organizados, já que são espaços de aprendizagem.

Para Adriana, pensar o espaço significa pensar além da estrutura física. É preciso, segundo ela, planejar os materiais, jogos e brinquedos adequados ao projeto pedagógico da instituição. A arquiteta ressalta a importância do uso de materiais de qualidade nas creches e pré-escolas e da atenção ao número adequado de crianças para cada espaço, evitando-se o excesso de crianças por sala.

Para finalizar esse texto sobre a organização do tempo e do espaço nas creches e pré--escolas, vejamos a fala transcrita a seguir que expressa a opinião da arquiteta Ana Beatriz Goulart de Faria (entrevistada por Paulo de Camargo).

Os espaços de nossa infância nos marcam profundamente. Sejam eles ber-ço, casa, rua, praça, creche, escola, cidade, país, sejam eles bonitos ou feios, confortáveis ou não, o fato é que influenciam definitivamente nossa maneira de vermos o mundo e de nos relacionarmos com ele. (CAMAR-GO, 2008, p. 45)

Vocês concordam com a arquiteta Ana Beatriz? Quais espaços marcaram a sua infân-cia? Como eram esses espaços? Por quais motivos foram marcantes? Quais lembranças esses espaços trazem para vocês? Nada melhor que finalizar a leitura deste texto com estas refle-xões. Pensem também em como vocês lidavam com o tempo na sua infância. Havia tempos marcados para determinadas atividades ao longo do dia? Estas reflexões sobre o espaço e o tempo em sua infância devem sempre estar presentes nas suas reflexões sobre o espaço e o tempo que devemos, como professores e gestores, proporcionar para as crianças nas creches e pré-escolas.

ReferênciasBARBOSA, M. C. S.; HORN, M. G. S. Organização do espaço e do tempo na escola infantil. In: CRAIDY, C.; KAERCHER, G. E. Educação Infantil. Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 67-79.

CAMARGO, P. Desencontros entre Arquitetura e Pedagogia. Revista Pátio Educação Infantil, Porto Ale-gre, ano VI, n. 18, p. 44-47, nov. 2008.

ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. (Org.). Os fazeres na Educação Infantil. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

HORN, M. G. S. Sabores, cores, sons, aromas. A organização dos espaços na Educação Infantil. Porto Ale-gre: Artmed, 2004.

THIAGO, L. P. S. Espaço que dê espaço. In: OSTETTO, L. E. (Org.). Encontros e encantamentos na Edu-cação Infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas: Papirus, 2006, p. 51-62.

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Planejar para aprender. Aprender para planejarBeatriz Ferraz*

Frente ao desafio de escre-ver um artigo sobre o plane-jamento na Educação Infan-til, me vi inquieta buscando uma forma de introduzir este tema de maneira agradável e com a devida valorização que merece.

Poderia iniciar escrevendo sobre a importância do pla-nejamento na ação do edu-cador, mas achei que não seria uma boa alternativa já que esta é uma afirmação tão conhecida. Por onde co-meçar? Começo, então, por um registro de uma educa-dora que relata a contribui-ção que a prática de planejar trouxe para a sua ação edu-cativa junto às crianças.

“Trabalho com uma turma de crianças de 4 anos e pretendia realizar com elas um estudo sobre peixes. O exercício de planejar a atividade que desperta-ria nas crianças o interesse pelo tema foi de fundamen-tal importância para que eu pudesse rever tudo o que estava imaginando fazer. A primeira atividade represen-taria o grande disparador para o trabalho que faríamos. Senti uma profunda neces-

sidade de pensar como o projeto deveria ser realizado. Então sentei e escrevi um planejamento:

Nome da atividade: Quais os peixes que queremos es-tudar.

Contexto da atividade: Conversa para iniciar um es-tudo com as crianças sobre alguns peixes.

Objetivo da atividade (o que quero que as crianças aprendam):- Escolher os peixes que

gostariam de estudar;- Levantar algumas pergun-

tas que gostariam de ver respondidas sobre os pei-xes escolhidos;

- Indicar alguns materiais que poderíamos usar para buscar informações.Conteúdo da atividade (o

que preciso ensinar):- Elaboração de perguntas;- Fontes de informação;- Nome de alguns peixes.

Encaminhamento da ati-vidade (como desenvolver a atividade com as crianças):

Levar para a roda alguns li-vros com imagens de peixes. Perguntar às crianças quais peixes conhecem e, desses, quais gostariam de estudar.

Listar em uma folha os peixes sugeridos pelas crianças e, se for o caso, fazer uma vota-ção para escolhermos alguns. Perguntar a elas o que gos-tariam de saber sobre estes animais. E, por fim, perguntar às crianças onde poderíamos encontrar informações para responder as perguntas.

Estava muito satisfeita com o meu planejamento! A minha surpresa foi quando inicia-mos o projeto e as coisas não saíram como o esperado!

Quando mostrei os livros para elas e perguntei quais peixes elas queriam estudar, apontavam aleatoriamente as imagens de peixes dos livros. Sendo assim, iam vi-rando as páginas e dizendo que queriam saber sobre to-dos eles! Além disso, quan-do perguntei o que queriam saber, me disseram coisas como “Quantos olhos eles têm? Ele tem boca?...”. E ainda para finalizar, quando perguntei sobre onde en-contro as informações, me disseram que poderia ser nestes livros mesmo que eu havia levado.

Fiquei super frustrada! Senti que as crianças não

* Beatriz Ferraz é psicóloga e doutoranda em Educação pela PUC-SP. Coordena Projetos de formação continuada em Educação Infantil junto a diversas prefei-turas e dirige a Escola de Educadores.

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se envolveram, que não se comprometeram com a mi-nha proposta e que estavam respondendo às minhas per-guntas sem muita considera-ção, esperando que aquela atividade acabasse logo e que pudessem ir brincar.

Depois de muito lamentar, tomei uma decisão: voltar ao meu planejamento e pensar o que tinha de errado para produzir tal desastre!

Foi justamente nesta reto-mada que me dei conta de algumas coisas:1. Se pretendia fazer

uma atividade que despertasse o interes-se, era importante que o foco dela estivesse em uma motivação. Sendo assim, não po-deria ter como obje-tivo que as crianças aceitassem pronta-mente a minha proposta e a partir daí respondessem a todas as minhas soli-citações. Pude perceber que no planejamento não estava considerando as características do pensa-mento infantil e, portan-to, não havia conseguido fazer uma boa condução da atividade de modo que ficassem interessadas na minha proposta.

2. Também pude me dar conta de que para que as crianças pudessem for-mular boas perguntas que justificassem uma busca

de informações em dife-rentes fontes era impor-tante que elas pudessem primeiro saber algo sobre os peixes e a partir des-te conhecimento pode-riam levantar suposições ou mesmo comparações entre as informações que tinham gerado o interesse por novos conhecimen-tos. As perguntas que as crianças fizeram podiam ser respondidas com uma simples observação das imagens dos livros e este

era um equívoco meu de não considerar que eu precisava ajudá-las a for-mular questões e, para isso, precisaria fazer algu-ma atividade que as aju-dassem nesta tarefa.

Com estas constatações fui buscar ajuda das minhas colegas de trabalho e de mi-nha diretora para pensar em outra atividade que pudesse gerar melhores resultados. A partir das sugestões que re-cebi, passei um vídeo que falava sobre o fundo do mar apresentando alguns peixes e algumas informações sobre

eles. As crianças adoraram e ficaram completamente envolvidas com as imagens e as informações que rece-beram. Quando terminamos de assistir, tinham muita cla-reza dos peixes que queriam pesquisar e tinham pergun-tas muito interessantes, que puderam conceber a partir daquilo que viram e ouviram. Perguntaram coisas como: “Porque o peixe espada tem este nome?”; “Quantas per-nas tem o polvo?”, “Por que tem peixe que come peixe?

Os peixes ficam grávi-dos?” Agora sim, tínha-mos perguntas que pre-cisavam de uma pesquisa para serem respondidas.

Fiquei muito contente com o novo rumo que tomou meu trabalho com as crianças. Sei que foi graças ao planejamento

feito e depois reelaborado que pude aprender coisas tão importantes sobre a re-lação ensino-aprendizagem e principalmente, sobre as boas ações do educador que favorecem aprendizagens significativas às crianças!”

A reflexão desta educadora sobre o uso do planejamen-to como um instrumento que nos ajuda a adequar melhor nossas ações e com isto pro-piciar uma aprendizagem de qualidade às crianças nos traz muitas informações sobre o quê significa planejar, para que planejar e como planejar.

artigo

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“Também aprendemos que o planejamento favorece a reflexão

sobre a prática educativa...”

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artigo

A primeira questão que po-demos aprender com ela é que o planejamento precisa fazer sentido para o profes-sor, pois ele é um instrumen-to que visa ajudar e facilitar a sua prática. Ao planejar, antecipamos uma série de acontecimentos que podem ocorrer na ação e nos prepa-ramos para lidar com eles, di-minuindo assim a quantidade de imprevistos e tornando as nossas ações mais precisas e de melhor qualidade.

Também aprendemos que o planejamento favorece a reflexão sobre a prática educativa e, dessa forma, funciona também como um instrumento de aprendiza-gem. Quando planejamos, tomamos uma série de de-cisões e fazemos uma série de relações entre conheci-mentos teóricos/científicos e conhecimentos práticos de nossa experiência pessoal e profissional. Vejamos alguns exemplos:

A frase inicial do item 1 deve ser mantida pois ela explicita bem a idéia que a autora quer marcar.1. A partir do plano curricular

da instituição, que ajuda o professor a guiar sua prá-tica com as crianças, ele escolhe, durante o plane-jamento, quais as melho-res estratégias para colo-car em ação cada um dos conteúdos que pretende ensinar.

2. Ao realizar o exercício de pensar sobre as estraté-gias e os conteúdos de ensino, o professor preci-sa pensar sobre quem é a criança com a qual tra-balha, quais são as suas necessidades, seus inte-resses, suas motivações. A partir desta reflexão terá maior clareza em seu pla-nejamento para decidir o encaminhamento da ativi-dade.

3. Ao considerar como irá conduzir uma atividade e quais os conhecimen-tos que pretende ensinar, exercício propiciado pelo planejamento, o professor também tem que compre-ender como se ensinam os diferentes conteúdos. Para cada um deles, ou para cada bloco deles, há estratégias que se ade-quam melhor. Com isto, aprende mais sobre como ensinar, pois pode genera-lizar o que aprende com a atividade planejada para outras situações que vi-vencia diariamente na ins-tituição.Por fim, podemos também

aprender com o exemplo desta educadora sobre como analisamos e como aprende-mos com o planejamento. Quando o professor escolhe uma atividade para realizar com as crianças tem que ter clareza de suas intenções com ela para que possa ade-

quar suas ações e alcançar os objetivos propostos. Sen-do assim, ao conceber um planejamento é importante destacar:1. O que eu quero com esta

atividade.2. O que eu quero que as

crianças aprendam com esta atividade.

3. O que eu preciso ensi-nar para que as crianças aprendam.

4. Como eu devo desenvol-ver a atividade (incluindo antecipar ações e falas, os materiais que preten-do utilizar e a organização do espaço), para que as crianças construam os sa-beres propostos.Todos os itens que fazem

parte do planejamento de-vem ter coerência entre si. Ou seja, depois de planejar, posso voltar ao que escrevi e questionar: Com isto que direi às crianças estou aju-dando elas a aprenderem aquilo que espero? Toman-do o exemplo da educadora acima, se quero que as crian-ças formulem boas questões para iniciar uma pesquisa, será que a melhor alternativa é começar pelas perguntas?

Com tantas possibilidades de reflexão, de construção de conhecimento sobre a prática, não há como negar a importância do planejamen-to na atuação do professor de Educação Infantil. Não é mesmo?

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Avaliação sempre envolve uma concepção de mundoClaudia de Oliveira Fernandes*

“...Mal Alecrim segurou a maria-mole, percebeu como era incrivelmente macia. E cheirosa. Levou-a para seu cantinho na biblioteca, sentou-se em cima dela, pulou, e aprovou. – Agora, tenho um ótimo travesseiro. Na manhã seguinte, acordou com a cabeça cheia de açúcar e coco ralado. – Que maravilha! – deslumbrou-se. – Vai me dar pensamentos doces. – Deu uma lambida na ponta dos cabelos. – Hummm! E é uma delícia também. Nunca tive um travesseiro tão bom.” Rosa Amanda StrauszAlecrim, Ed. Objetiva, 2003

Um certo olhar

A personagem Alecrim en-tende que terá sonhos doces ao dormir com um travesseiro de maria-mole. E você, gosta de maria-mole? Você teria um travesseiro em que, ao acordar pela manhã, seu cabelo esti-vesse cheio de açúcar e coco ralado? Depende do ponto de vista, não? Alguns odiariam a idéia, outros, como Alecrim, achariam o máximo! Com a avaliação acontece a mesma coisa: depende do ponto de vista!

A concepção que o profes-sor possui sobre a função da avaliação depende de sua história de vida, de suas lem-branças escolares, de suas ex-pectativas em relação às suas crianças, de sua perspectiva teórica, da maneira como se percebe na profi ssão.

Ora, se a Educação Infantil tem por função primeira so-cializar, inserir nossas crian-ças no mundo que as cerca de maneira criativa, compro-

missada, responsável, bem como perpetuar e criar conhe-cimentos e culturas, como si-tuar a avaliação escolar nessa perspectiva?

Fala-se muito acerca de uma avaliação que não pode ser excludente, classifi catória, que selecione, segregando as crianças e separando aque-las que prometem uma vida escolar de sucesso das que estariam fadadas ao fracasso, que infelizmente, não só es-taria reservado à vida escolar do aluno, mas também a toda sua experiência de vida futura. Uma marca que o tempo nem sempre consegue desfazer.

No entanto, até que ponto, nós professores, refl etimos sobre nossas ações cotidia-nas na escola, nossas prá-ticas em sala de aula, sobre a linguagem que utilizamos, aquilo que pré-julgamos? Nossas práticas estão imbuí-das de ações que fazem parte de nossa cultura, de nossas crenças, e que expressam um “certo modo” de ver o mundo.

* Doutora em educação pela PUC-Rio. Professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO. Realiza pesquisa na área de avaliação escolar, políticas educacionais em avaliação e orga-nização da escolaridade em ciclos. Participou da elaboração da proposta de avaliação do PROINFANTIL.

Esse “certo modo” de ver o mundo ainda está muito im-pregnado pela lógica da clas-sifi cação e da seleção, no que tange à avaliação.

Um exemplo: as notas co-locam os avaliados em uma situação classifi catória, certo? A partir desta classifi cação, podemos separar os melhores dos piores classifi cados. Em termos de educação escolar, os melhores seguirão em fren-te, os piores voltarão para o início da fi la, refazendo todo o caminho percorrido ao longo de um ciclo de estudos.

Podemos encontrar escolas privadas de Educação Infantil que, para terem maior “legiti-midade” e gozarem de maior “credibilidade” junto aos pais e à sociedade, adotam um sistema de avaliação nesse segmento, no qual as crianças recebem uma nota e realizam provas! Isso é muito estranho, ou pelo menos incoerente, se pensarmos que queremos que nossas crianças possam gos-tar de descobrir o mundo má-

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gico do conhecimento e que aprendam que vão à escola para ter prazer, para aprender sem que para isso precisem receber um prêmio.

Para se discutir mudanças no que tange à avaliação, an-tes de se propor métodos e alterações práticas, é preciso pensar no papel social que tem a escola, a pré-escola e a creche, bem como a pro-fi ssão de professor. Ninguém dirá que a função da escola é selecionar, classifi car, excluir. Ninguém ousaria, entenden-do a educação escolar como um bem universal, dizer que a escola deveria fi car apenas com os melhores. Parece que temos claro qual é nosso pa-pel e a função social da insti-tuição a qual nos vinculamos profi ssionalmente. No entan-to, concordando com Sacristán (2001) é necessário desvelar o óbvio para resignifi car o papel da escola e do ensino públi-co como um bem universal. É fundamental que a discussão

acerca da função social da es-cola seja colocada novamente, entre nós educadores, a fi m de reafi rmarmos os valores para os quais ela foi criada. A partir daí, então, podemos começar a discutir todos os elementos do currículo/proposta peda-gógica, inclusive a avaliação.

Os princípios

Ora, se pensar sobre avalia-ção implica repensar o papel social da escola e da profi s-são de ser professor, estamos falando, portanto, de alguns princípios que devem nortear a avaliação. Eles não devem ser diferentes daqueles que orientam as práticas e as nos-sas crenças acerca do papel da escola e da instituição de Educação Infantil na vida das crianças, de suas famílias e da sociedade.

Gostaria de destacar alguns princípios que, a meu ver, de-veriam ser norteadores de uma avaliação na instituição de Educação Infantil. São eles:

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o olhar observador, a promo-ção das crianças e de suas aprendizagens, a valorização das experiências culturais das crianças, o desenvolvimen-to da autonomia, a inclusão, o diálogo, a preservação da auto-estima favorável ao cres-cimento, o comprometimento da escola e do professor com o social, o caráter formativo da avaliação, a auto-avaliação, a participação, a construção da responsabilidade com o cole-tivo.

Uma mudança na escola, em direção a práticas mais democráticas de avaliação e, portanto, não classifi catórias ou segregadoras, não passa inicialmente, por mudanças de métodos ou didáticas mais contemporâneos. Uma mu-dança profunda implica em uma refl exão acerca dos prin-cípios que regem nossa ação pedagógica e que nos darão a base para a construção de nosso projeto pedagógico e para os processos de avalia-ção que estiverem aí inseri-dos. A clareza e a retidão de princípios poderão nortear uma prática coerente e própria de uma escola ou instituição democrática, compromissada com o crescimento e a valo-rização das crianças, profes-sores, educadores e funcioná-rios.

Uma avaliação formativa

A Educação Infantil tem uma prática de avaliação for-mativa. O que signifi ca isto? Muitos autores já conceitu-

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aram esse tipo de avaliação. Podemos entender que a ava-liação formativa é aquela em que o professor está atento para os processos e apren-dizagens de suas crianças. O professor não avalia com o propósito de dar uma nota. A avaliação acontece, pois se entende que ela é essencial para dar prosseguimento aos percursos de aprendizagem. Continuamente, ela faz par-te do cotidiano das tarefas propostas, das observações atentas do professor, das prá-ticas de sala de aula. Por fim, podemos dizer que avaliação formativa é aquela que orienta as crianças para a realização de seus trabalhos e de suas aprendizagens, ajudando-as a localizar suas dificuldades e suas potencialidades, redire-cionando-as em seus percur-sos. Perrenoud (1999, p.143) define a avaliação formativa como uma avaliação que aju-da a criança a aprender e o professor a ensinar.

Considerando que a cons-trução da autonomia é um dos princípios que orientam a Educação Infantil, apontamos que um aspecto fundamental de uma avaliação formativa

diz respeito à construção da autonomia por parte da crian-ça, na medida em que lhe é solicitado um papel ativo em seu processo de aprender. Ins-taurar uma cultura avaliativa, no sentido de uma avaliação entendida como parte ineren-te do processo e não desvin-culada para uma atribuição de nota, não é tarefa muito fácil. Contudo, sabemos que na Educação Infantil os pro-fessores, de um modo geral, realizam uma avaliação muito próxima da formativa, dado que exercem uma avaliação mais contínua dos processos das crianças, desvinculada da necessidade de pontuá-la com indicadores numéricos ou de outra ordem, para fins de aprovação. As práticas avaliativas na Educação In-fantil, de modo geral, primam pela lógica da inclusão das crianças com vistas à sua permanência e continuidade nas creches, pré-escolas e escolas de Educação Infantil. Dessa forma, podemos con-cluir reafirmando que:

1. É fundamental transformar a prática avaliativa em prática de aprendizagem.

2. Avaliar é necessário e condição para a mudança de prática e continuidade do co-nhecimento.

3. Avaliar faz parte do pro-cesso de ensino e de apren-dizagem: não ensinamos sem avaliar, não aprendemos sem avaliar. Dessa forma, rompe-se com a falsa dicotomia en-tre ensino e avaliação, como se esta fosse apenas o final de um processo.

Assim como Alecrim, pode-mos e devemos romper com o que está instituído. Dormir em travesseiro de maria-mole pode ser muito gostoso. Rom-per com amarras, com o que já está pré-estabelecido, com práticas antigas que só são coerentes com uma escola de décadas passadas, com uma perspectiva seletiva e, por-tanto, com uma concepção de avaliação classificatória, faz parte do compromisso do educador desse início de sé-culo. Falar em avaliação im-plica, antes de se pensar em como avaliar, refletir acerca do porquê e para que avaliar. Será que sabemos para que avaliamos?

Referências Bibliográficas

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens, entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed Editora 1999.SACRISTÁN, G. A Educação Obrigatória - seu sentido educativo e social. Porto Alegre: Artmed Editora 2001.

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Adrianne Ogêda Guedes*

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Para abrir nosso diálogo, vale discutir o sentido de ava-liar na educação. A avaliação estará presente o tempo todo em nossa prática educativa, inclusive nos momentos de inserção de novas crianças e ao longo de nossos planeja-mentos. A cada decisão que tomamos, a cada escolha que fazemos - desde uma ativida-de que planejamos, até a for-ma com que lidamos com as crianças - estamos avaliando. A avaliação é, portanto, um ato que sugere movimento, refl exão e transformação.

É importante ressaltar que a avaliação não é um instrumen-to para medir o quanto a crian-ça aprendeu nem tampouco é uma forma de julgar, reprovar ou aprovar uma criança. A ava-liação, que de fato contribui para o crescimento da criança e para o trabalho do professor, precisa ser mediadora e aco-lhedora. É ela que possibilitará o acompanhamento da crian-ça em todos os momentos vividos na Educação Infantil, contribuindo com seu avanço na ampliação do conhecimen-to de si e do mundo.

Acompanhar o desenvol-vimento da criança ajuda o professor a rever e aprimorar seu trabalho. Neste sentido avaliar a criança nos leva tam-bém a avaliar nossa própria ação pedagógica e também a instituição na qual estamos in-seridos. Afi nal, avaliar é o mo-vimento de pensar tudo que envolve nossa prática e bus-car caminhos de torná-la cada vez mais coerente e mais con-textualizada.

A professora Jussara Hoffmann – muito conhecida por suas pesquisas sobre o tema da avaliação educacional – afi rma que: “A avaliação deve ser entendida como uma prática investigativa e não sentenciva, mediadora e não constatativa. Não são os julgamentos que justifi cam a avaliação, as afi rmações inquestionáveis sobre o que a criança é ou não é capaz de fazer.” (2000: 15). Portanto, não devemos avaliar as crianças para classifi cá-las, julgando o que sabem ou não sabem fazer, padronizando comportamentos, constatando apenas as suas “capacidades”, quantifi cando seus saberes e apontando seus erros. Sua

história deve ser considerada, as conquistas valorizadas, as descobertas apreciadas. Para Hoffmann, a avaliação é uma forma de conhecer/investigar o movimento das crianças e, a partir desta investigação, pensar formas de intervenção que possam favorecer o desenvolvimento e a ampliação dos conhecimentos da criança. Avaliar é comprometer-se com a criança, seu sucesso e suas conquistas.

Por isso, é fundamental es-tudarmos mais sobre o desen-volvimento infantil. Muitas ve-zes as crianças com as quais trabalhamos nos surpreendem com respostas inusitadas que nos mostram o quanto elas pensam sobre o mundo à sua volta, bem como as ligações entre os diversos conheci-mentos que vão construindo na relação com os elementos da cultura, com seus parceiros e com o ambiente. A escuta do ponto de vista da criança é, portanto, fundamental! Ela nos revela muito, por um lado, sobre quem é aquela criança, quais são as suas vivências e experiências e, por outro, so-bre a lógica infantil.

*Diretora pedagógica da Casa Monte Alegre Educação Infantil (RJ), professora do curso de Especialização “Educação Infantil: Perspectivas de Trabalho em Creches e Pré-escolas” da PUC-RJ e doutoranda em Edu-cação da Universidade Federal Fluminense. Participou da elaboração de textos para o PROINFANTIL.

Elaboração e organização de instrumentos de acompanhamento e avaliação da aprendizagem e desenvolvimento das crianças

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As falas de nossas crianças nos fornecem preciosas pistas sobre suas hipóteses, suas idéias próprias e, partindo do que elas pensam, podemos desafi ar o avanço de seus co-nhecimentos com atividades interessantes e instigantes. Tal qual “detetives”, precisamos olhar, escutar, observar com atenção o que nossas crian-ças demonstram, o que lhes chama a atenção. Isto nos for-nece elementos não só para compreender mais sobre cada uma delas, mas também para que possamos planejar nosso trabalho. Se soubermos os interesses, curiosidades, dú-vidas, difi culdades de nossas crianças, podemos pensar em propostas que vão ao encon-tro delas.

Um aspecto signifi cativo da prática avaliativa é o registro (escrito, fotográfi co, ou outro). Registrar o vivido pela criança permite que acompanhemos suas conquistas e avanços. É importante termos em vista que não podemos nos base-ar apenas na nossa memória, porque ela é muitas vezes fa-lha. Se não registramos nos-sas experiências corremos o risco de esquecer detalhes preciosos do vivido!

A escrita, registro mais co-mumente utilizado na escola, é um excelente recurso para ampliar à refl exão. Não de-vemos escrever para “prestar contas” aos pais ou à institui-ção. É claro que, para os pais, os relatórios das crianças são

excelentes instrumentos para que eles conheçam mais so-bre seu fi lho e sobre o trabalho que estamos desenvolvendo, mas isso não quer dizer que escrevemos para mostrar “o quanto fi zemos” nem para in-dicar “o que a criança sabe ou não sabe”.

Registrar por escrito nossas experiências e as observa-ções sobre as crianças permi-te que possamos refl etir sobre nossa prática, revendo nos-sos atos, organizando idéias e experiências, mapeando as dúvidas, relacionando o que vivemos com as teorias. Cecília Warschauer, professora e edu-cadora, acredita que o registro é uma forma de retratar a histó-ria vivida, de deixar marcas. É um instrumento que favorece a refl exão (1993: 61) e o apri-moramento do professor.

A refl exão é o repensar a ação pedagógica num tempo posterior a ela. Neste momen-to, o professor se distancia do imediatamente vivido, po-dendo, com essa distância, olhar para seus atos de uma outra forma. É por meio deste repensar que vamos revendo os caminhos trilhados, plane-jando os próximos passos e articulando os objetivos mais gerais da Educação Infantil e a realidade concreta de nossas crianças.

Se surgem curiosidades so-bre algum assunto por parte das crianças, se registramos suas perguntas, podemos, em

outro momento, buscar fontes de consulta para alimentar o trabalho. O professor não pre-cisa ter todas as respostas! Ele é na verdade um pesqui-sador que vai buscando dia-a-dia ampliar também seus recursos e conhecimentos, junto com suas crianças. O professor é alguém que ques-tiona, que organiza o grupo em torno das necessidades e curiosidades que surgem. Mais experiente, vai sugerindo caminhos, desdobramentos, desenvolvimentos a partir das idéias e sugestões infantis.

Enfi m, avaliar é abrir uma ja-nela para compreender mais profundamente nossas crian-ças e a nós mesmos. Assim teremos recursos para apri-morar a educação e fazê-la mais e mais uma experiência rica e signifi cativa para crian-ças e professores.

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Referências Bibliográfi cas:

ESTEBAN, Maria Teresa (org.). Avaliação: uma prática em bus-ca de novos sentidos. Rio de Ja-neiro: Editora DP& A, 2000.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação na pré-escola: um olhar refl exi-vo sobre a criança. Porto Alegre: Editora Mediação, 2000.

FREIRE, Madalena. A Paixão de conhecer o mundo. Rio de Janei-ro: Paz e Terra, 1983.

OSTETTO. Luciana Esmeralda. Deixando Marcas... A prática do registro no cotidiano da educa-ção infantil. Florianópolis: Editora Cidade Futura, 2001.

WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro, uma parceria entre professor, alunos e conhecimen-to. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1993.

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