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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELISABET AGUIRRE EDUCAÇÃO TRANSCRIADORA: ações didáticas que constituem a aula no Ensino Superior CUIABÁ-MT 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELISABET AGUIRRE

EDUCAÇÃO TRANSCRIADORA: ações didáticas que

constituem a aula no Ensino Superior

CUIABÁ-MT

2018

ELISABET AGUIRRE

EDUCAÇÃO TRANSCRIADORA: ações didáticas que

constituem a aula no Ensino Superior

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para a obtenção do título de Doutora

em Educação na Área de Concentração Educação,

Linha de Pesquisa Cultura, Memória e Teorias em

Educação.

Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro

CUIABÁ-MT

2018

À minha mãe, cujo convívio foi roubado na produção desta tese.

Aos meus filhos, noras, razão do meu crescimento pelo impecável incentivo e pela amizade

benfazeja. Companhias fundamentais, simplesmente.

Ao meu casal querido de netos, Caquito e Maria, por aceitarem jogar comigo nos momentos

mais ausentes, também os mais divertidos, deixo-lhes o meu melhor: a ousadia de sonhar, a

audácia de acreditar e a coragem de me aventurar na realização dos meus sonhos.

Aos meus irmãos, pessoas únicas e por demais valorosas, pela alegria e incentivo de muitas

ordens.

AGRADECIMENTOS

Tenho muito e a muitos a agradecer na construção desta tese. E agradecer é privilégio;

é sensação de pertencimento, solidariedade; significa que o outro se importou comigo, esteve

do meu lado quando precisei e se comprometeu efetivamente com esta construção.

Duplamente sou grata aos colegas professores que compõem a banca e que estiveram comigo

permitindo-me experimentar o conforto da construção da tese.

Família: a todos na família que de alguma forma me apoiam e dão sentido a minha

vida.

Aula: àqueles que participaram e participam da minha trajetória no ensino superior.

Destacando todos os meus colegas, todos meus alunos na graduação e na pós-graduação que

participaram intensamente da minha trajetória na docência, e aqui faço grande referência ao

colega, amigo, companheiro e orientador Professor Dr. Silas Borges Monteiro a quem muito

admiro e estimo.

EFF: para não me esquecer de alguém, não os nomearei. A todos que participaram

efetivamente dos encontros de estudos, das oficinas, pelos momentos de troca sensíveis, pelas

nossas viagens que tanto contribuíram para eu pensar nesta tese. Ah! Por me receberem tão

gostosamente no grupo.

PPGE/IE/UFMT: professores, servidores e demais envolvidos com o programa que

sempre me atenderam e compartilharam do movimento peculiar do doutorado.

Centro Universitário de Várzea Grande – Univag: parceira no contínuo movimento do

doutorado ao permitir minhas frequentes ausências do campus e pelos momentos desta tese

compartilhados com os meus colegas de trabalho.

A Drauzio e Maura, amigos parceiros e grandes incentivadores ao longo de todo ir e

vir na construção que aqui se consubstancia.

Aos integrantes do Projeto Escrileituras CAPES/OBEDUC/INEP, orquestrado pelo

Núcleo da UFRGS, responsáveis por me trazerem as filosofias da diferença enquanto potência

motora do meu doutorado.

Aos professores, Profa. Dra. Michèle Tomoko Sato, Profa. Dra. Rúbia Helena

Naspolini C. Yatsugafu, Profa Dra. Polyana Cindia Olini, Prof. Dr. Ângelo Palmisano, por

aceitarem, sob a presidência do Prof. Dr. Silas Borges Monteiro compor a banca examinadora,

importantes autores-leitores desta construção.

A Jonatan Gabriel da Silva, bolsista, meu grande parceiro nesta viagem.

A vocês amigos, sempre presentes, obrigada!

Dona lógica usa coque e óculos, como aquelas velhas professoras, que não se fabricam mais e

tão chatas que no meio da aula sempre alguém lhe pedia para ir lá fora.

Sim, dona lógica, a alma também precisa de um pouco de ar.

Mário Quintana

RESUMO

Esta tese se desenvolve no âmbito do ensino superior e é atravessada pela aula na perspectiva

Pós-estruturalista, com a filosofia da diferença de Gilles Deleuze. Com esse estudo, trato de

um movimento infinito que pode se dar entre o ensino e a aula assim como a criação/produção

de encontros outros (outras possíveis relações).Esta tese revela deste modo, qual o problema

que se cria no ensino superior? A partir disso traço questões outras para buscar pensar o

aprender resultante de ações, de encontros que se dão nos entres-criação – que trato aqui

como intensidade experimental, entendendo que o papel da educação é subverter as regras, os

procedimentos e as maneiras de fazer. Dessa feita, ao propor a tese fica esta pautada na

indagação sobre como é possível inventar novas formas no interior de um jogo que está cada

vez mais prescrito, ou seja, a materialidade concreta das atuações docentes na aula?

A aula tem o sentido de construir sujeitos capazes de falar de si mesmos, pensar e atuar por si

mesmos, sujeitos capazes de se colocar em relação ao que dizem com o que falam e com o

que pensam?Com esse deslocamento, o presente estudo é uma provocação do pensar a aula no

ensino superior, abrindo possibilidades de estranhamento, da preparação do inusitado, da

marca da singularidade e do estilo da individuação, me sentindo instigada a pensar outros

modos de aula.Há outros modos?Que modos são estes pelos quais olharei para a aula no

ensino superior? A aula só expressa uma prática pedagógica configurada num exercício de

docência? O que fui lendo, experimentando, produzindo imagens que pulsaram no ato de

pensar para produzir este corpo tese de uma pesquisa de doutorado tendo como objetivo

constituir/ compor/ criar, filosoficamente, o conceito de aula, do pensar e do aprender no

campo do ensino superior.

Sinto-me convidada, instigada com as intempestivas provocações de Walter Benjamin,

Haroldo de Campos e Sandra Mara Corazza, minhas principais referências teóricas nesta tese

para esboçar pensamentos acerca do professor da diferença, produzindo vazamentos da

didática da tradução/transcriação na aula. Com a indagação de partida provoquei encontros

com docentes do Curso de Psicologia da UFMT e do UNIVAG para, na conversa, sentir, ao

buscar o singular, se o professor percebe a aula como um puro devir onde não existe um para

sempre, um ideal. Fazer o convite dos encontros para conversar, para fabular o sentido da aula

no ensino superior, sem entrar em crise, sem estabelecer o caos, mas vislumbrando a

possibilidade da criação de procedimentos outros, como possibilidade de reinvenção da ação

docente que circule entre a apreciação crítica, o fazer responsável e o fazer da vida mesma (da

autoria) uma obra de arte.

Palavras-chave: didática das diferenças; transcriação; aula; ato de criação.

ABSTRACT

This thesis develops itself in the scope of Superior Teaching and it is traversed by the class

that is under the Post-structuralist perspective, with Gilles Deleuze’s philosophy of

difference. With this study, I deal with an infinite movement that may happen between the

Superior Teaching and the class as with the creation/production of other possible

relationships.This thesis unveils, in this way, what is the problem that is created/producted in

Superior Teaching? From this I sketch out other questions to look for thinking about learning

from the resulting of actions, of relationships that take place in the midst of creation - which I

deal here as an experimental intensity, conceiving the role of education is to overturn rules,

the procedures and the ways of doing. This time, when I propose the thesis it is guided in the

inquire about how it is possible to create new forms inside of a play which is more and more

prescribed, that is, the concrete materiality from the teaching playings in the class?

Does the classroom have the sense of forming citizen/human beings(cidadãos/seres humanos

pois a palavra sujeito em inglês na norma culta para designar homens são essas duas) able to

place themselves in respect to their speaking with what they speak and think about ? With

this transposition, the present study is a provocation of thinking the classroom in Superior

Teaching, uncovering the possibilities of strangement, of the dispose of the uncommon, of the

mark of the singularity and of the style of the individuation, feeling myself induced to think

other ways of class. Are there other ways? What are the ways in which I will look at the class

in Superior Teaching? What I was reading, attempting, producing images that pulsed in the act

of thinking to produce this corpus thesis of a doctoral research aiming to constitute / to

compose / to create, philosophically, the concept of class, of thinking and of learning in the

scope of Superior Teaching

I fell myself invited, instigated with unexpected provocations from Walter Benjamin, Haroldo

de Campos and Sandra Mara Corazza, my main theoretical references in this thesis to sketch

thoughts about the professor of the difference, producing leakages from the didactics of

translation / transcription in class. With the started inquirement, I have incited meetings with

professors of the Pedagogy Course from UFMT and also from UNIVAG for, in the

conversation, I feel, when seeking the singular, if the professor notes the class as a pure

immanence of what is yet to come, where there is no any forever, any ideal.To invite the

meetings for chatting, to imaginate the meaning of the class in Superior Teaching, without

going into crisis, without creating the chaos, but envisaging the possibility of creating other

procedures, such as the possibility of reinventing the teaching action that circulates among the

criticism appreciation, the responsible doing and the doing life itself (from authorship) a work

of art.

Palavras-chave:didactics of differences; transcription; class; act of creation.

SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO .............................................................................................................. 10

2. O PROFISSIONAL DOCENTE E O ENSINO SUPERIOR: NOTAS DE UMA

POLÍTICA DO PENSAMENTO SOBRE UMA TRAJETÓRIA DA DOCÊNCIA ......... 19

2.1. Olhares em trânsito pela tradição: um modo de conversar com o passado ............ .25

2.2. Um tom severo sobre o ensino universitário mato-grossense: sentimento exalado 27

2.3. Potencializando a busca da diferença ...................................................................... 31

2.4. A vida se tece e a aula acontece entre-vidas ............................................................ 35

3. LUZ NOS DIÁLOGOS DA AULA: O PENSAR E O APRENDER EM DELEUZE ... 39

3.1. Resistir, infectar e vitalizar o instituído na educação: possibilidade de movimento no

devir-aula ........................................................................................................................ 43

3.2. Constituindo um corpo para a aula .......................................................................... 50

3.3. Ato de aprender: um encontro possível no movimento da aula? ............................. 55

3.4. As múltiplas criações do ensinar: lançar semente ao vento com a esperança dos

encontros que possam produzir ....................................................................................... 61

4. DIDÁTICA PARA AS DIFERENÇAS NO DESAFIO A PENSAR E AGIR COM OS

OUTROS: A TRADUÇÃO NO FAZER A AULA ................................................................ 67

4.1. O sentido da tradução: partilha de ideias benjaminiana .......................................... 72

4.2. Olhares em trânsito pela tradução: diálogo de Haroldo de Campos com Walter

Benjamin ......................................................................................................................... 76

4.3. A didática da tradução como diferenciador das diferenças pelas potências dos possíveis

........................................................................................................................................ 81

5. PARA SEGUIR EM MOVIMENTO… para não concluir ............................................. 96

6. REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 115

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1. APRESENTAÇÃO

Procuro exercitar, nesta tese, o pensamento no que diz respeito à aula no ensino

superior, em seus processos de criação, ancorada na Filosofia da Diferença, em particular, no

trajeto do pensador Deleuze para responder a inquietude “o que se cria no Ensino Superior? ”.

Muito mais do que só uma apresentação, estou diante de um exercício do pensamento tomado

ao vivo, com suas acelerações bruscas, associações inusitadas, lentidão, vertigens. Todo o

contrário de uma impassível reflexão sobre a prática pedagógica no ensino superior, seja a

partir de uma razão idealizada, de um bom senso ou de um conserto outro.

Ao tomar a aula no ensino superior, defendo a didática da tradução/transcriação, para

o que me apoiarei nas contribuições teóricas cunhadas por Sandra Mara Corazza, por

possibilitar múltiplas entradas e habitações em suas criações. Desse modo, há uma aposta na

perspectiva de uma didática da tradução, para criar um saber sobre a aula singular, onde “não

há regras nem soluções universais” (CORAZZA, 2012, p. 12).

Corazza (2012) é precisa no que tange a trabalhar com a noção de uma escrita

inspiradora, capaz de produzir multiplicidades. Para esta autora, um professor não é alheio ao

que faz em sala de aula, ou em relação ao planejamento da mesma. Cada docente tem, mais

ou menos, uma noção de como proceder, de como precisa fazer acontecer tal aula. Docentes

não são seres sem salvação, como já afirmou Deleuze (2007, apud CORAZZA, 2012). Por

outro lado, é importante entender que a única certeza que o acompanha é que no trabalho a

priori, ou seja, no trabalho pré-aula, a sua entrada é carregada de clichês. Agora é necessário

que experimente e para isso é necessário sair deste território (trabalho da aula), eliminando

tanto suas formas de conteúdo, quanto as de expressão (DELEUZE, 2004; DELEUZE

GUATARRI, 1996 apud CORAZZA, 2012).

Senti-me tocada a fabular sobre a aula, mapeando a atividade do pensamento como ato

de criação, de diferenças, de devires e de tradução, a partir de conceitos como aula, ato de

criação, didática da tradução, transcriação. A pesquisa foi realizada no ensino superior, junto

ao corpo docente do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT,

em Cuiabá-MT e do Centro Universitário de Várzea Grande – UNIVAG, no município de

Várzea Grande-MT. Buscou-se o sentido do conceito de aula na fala do corpo docente,

mesmo em suas estruturas involuntárias, uma série de apropriações outras, que dão à nossa

inteligência um saber, uma possibilidade de ensinar e de projetar na prática pedagógica, num

duplo movimento: pensar-se e exprimir-se pela via do aprender e do ensinar.

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A investigação aqui proposta, como já dita, correspondeu à tentativa de constituição da

aula consubstanciada sobremaneira na construção teórica cunhada por Corazza, sobre a

didática da tradução que se apoia na filosofia da diferença. Perspectiva traçada no âmbito do

ensino superior quanto ao desenvolvimento da aula, o desafio situa-se na experimentação de

pensar a aula, por meio da didática da tradução/transcriação, na possibilidade de se criar o

novo.

Tomo a contribuição de Williams (2013) que fomenta o pensar sobre o problema desta

pesquisa.

O problema não teria importância sem sensações reais que ele condiciona e

que o expressam. Podemos pensar nisto em termos de uma analogia com a

relação entre um modelo teórico e suas aplicações práticas. Ao modelo para

a resistência de pontes falta alguma coisa até que esteja aplicado na

construção de pontes específicas (WILLIAMS, 2013, p. 100).

Ainda nesse texto, sobre as questões que dizem respeito ao problema, Williams

(2013), asseverando as posições deleuzianas, afirma que o problema não teria importância

sem sensações reais que ele condiciona e que o expressam. É precisamente nesse ponto que

busco fabular o sentido da aula na fala do professor do ensino superior.

A aula expressada por ele impele o surgimento de um novo pensamento,

impossibilitando a formulação de um pensamento que não esteja previamente determinado

nos métodos anteriormente formulados a respeito da aula? Por essa indagação, pesquisar tal

tema fez-se necessário para compreender a possibilidade de uma prática pedagógica no ensino

superior e as mudanças possíveis ao agenciar nela uma didática da tradução, de modo a

impulsionar e criar formas de experimentação, interpretação e perspectivas outras no ensinar e

no aprender.

Por integrar o Grupo de Pesquisa Estudos de Filosofia e Formação – EFF, na Linha de

Pesquisa Cultura, Memória e Teorias em Educação, despertaram-me inquietação na discussão

aprofundada do encontro da Educação e Filosofia, acerca de como tornar-se o que se é. Como

muito bem nos reporta Nietzsche, essa questão indaga pelo estilo que as pessoas adotam e se

constituem no que são.

Monteiro et al. (2012) afirma que em Nietzsche se encontra o disparo inicial de um

percurso do que pode ser chamado de filosofia da diferença e que são os leitores franceses

George Canguilhem, Gilles Deleuze, Michel Foucault e Jacques Derrida que assumem a

tarefa de pôr em questão a indagação metafísica, de forma mais contundente do que proposto

por Kant, Marx e outros.

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Com esse deslocamento, o presente estudo é uma provocação do pensar a aula no

ensino superior, abrindo possibilidades de estranhamento, da preparação do inusitado, da

marca da singularidade e do estilo da individuação, me sentindo instigada a pensar outros

modos de aula. Há outros modos? Que modos são esses pelos quais olharei para a aula no

ensino superior? O que se cria no ensino superior? A aula só expressa uma prática pedagógica

configurada num exercício de docência?

Para Williams (2013), é através do pós-estruturalismo de Deleuze que encontramos

possibilidades para pensarmos sobre este processo de individuação e singularidades – como

no caso das aulas de ensino superior. Williams (2013), diz:

Sensações, intensidades e mudanças em estruturas fazem de cada um de

“nós” um indivíduo, e não uma pessoa individual do ser humano, ou sujeito.

Cada indivíduo é o todo do mundo sob uma perspectiva singular, ao invés de

um sub-ramo do grupo dos seres humanos ou pessoas. Sensações são

sentimentos que vão além de rígidas percepções em comum. Antes, são

relações individuais com eventos e que não podem ser diretamente

relacionadas com outrem (WILLIAMS, 2013, p. 105).

A inquietude situa-se no problema da criação quanto à prática da docência – a aula

numa didática da tradução/transcriação. Essas conjecturas levantadas anteriormente tratam-

se de fabular com os pares docentes sobre a aula, mapeando a atividade do pensamento como

ato de invenção, de diferença, de devires ao tocar os conceitos de vida, corpo, singularidade,

multiplicidade, signos: o fazer a aula na perspectiva da filosofia da diferença, no movimento

de ensinar e de aprender.

Meu olhar se detém na constituição de uma aula no Curso de Psicologia. Ao capturar a

aula enquanto uma ação livre acaba-se por criar pensamentos, conceitos e diferenças; a aula

enquanto uma ação livre cria também uma via simultânea a novas possibilidades de ver o

mundo e transformá-lo. Dito de outra maneira, uma aula no Curso de Psicologia, que não se

reduz simplesmente a interpretar, a dominar os conceitos como já dados, instituídos, mas que

procura recriá-los, ou seja, cria novos conceitos e pensa o ainda não pensado. Afinal, há, na

grade curricular dos cursos de graduação, as disciplinas que já se nutrem da função de

interpretar, compreender, dominar o conhecimento, cabendo à aula o momento de

exclusividade do ato de criar ao ensinar e aprender conceitos, pensamentos sempre novos para

criar saídas para os acontecimentos.

Ao tomar a lente para capturar sobre o sentido da aula operada pelos docentes do

Curso de Psicologia o faço pelo viés da didática da tradução/transcriação, compreendendo

conforme nos diz Corazza (2015):

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A tradução percorre a aula, como um dispositivo que desencadeia a sua

dramaticidade, ou como uma prática que a desdobra, lidando com a própria

vida, tratada como processo criador, que é necessário traduzir. Fica, assim,

integrada a uma pedagogia ativa, dotada de força criadora, que privilegia os

construtos que afetaram ou revolucionaram cada área de conhecimento; bem

como os elementos mais obscuramente desafiadores, enquanto

possibilidades abertas à recriação (CORAZZA, 2015 p. 114).

Quando a autora sinaliza sobre “uma pedagogia ativa, dotada de força criadora”, no

trecho acima, é importante salientar que reside aí um dos indícios da singularidade que cada

docente tem quando leciona, pensa, trabalha a sua aula. Uma aula oxigenada, com uma forte

corrente de ar fresco para o ensino é também uma maneira de inquietar, uma forma de fissurar

certezas e verdades herdadas com novidades radicais, encontrando ações sempre novas para

enfrentar as dificuldades, ou seja, um sistema aberto do equilíbrio e do apaziguamento, dos

obstáculos e dos problemas cotidianos. Um mergulho na aula não para tê-la como início ou

fim, mas como meio para criar pensamentos.

Proponho discutir aqui uma aula como caminho dos encontros dos corpos (educador e

educando) para criar pensamentos e singularidades; da aceitação do acaso e suas

consequências. Quero dizer, uma aula com diferenças, com intensidade de devires constante

na criação de singularidade coletiva como processo de produção do novo por meio da criação

de codificações, em campo de comutabilidade e diferencializações, que circunscrevem o seu

funcionamento. Diferente das aulas de uma educação superior formal, presente nas

orientações dos programas curriculares, com suas regras metodológicas, avaliativas, com

metas e objetivos (habilidades e competências), um modelo que se repete, sedentário, que

paralisa o pensamento.

Assim, inicialmente convido os leitores para realizarem comigo uma longa viagem que

se inicia com o olhar em uma trajetória da minha prática docente com o dispositivo que se

pretender instaurar, ou antes, restaurar, outra relação com as coisas, portanto outro

conhecimento, conhecimento e relação de que a ciência precisamente me ocultava, de que ela

me privava, porque ela me permitia somente concluir e influir sem jamais me apresentar, me

dar a coisa em si mesmo. Tratam-se de pistas as quais me direcionam a compreender a

distração necessária como diferença de tempos, e também de capturar tempos diferentes, o

presente e o passado, como contemporâneos um do outro, e formando o mesmo mundo,

pensando o passado e o presente como dois graus extremos coexistentes na duração, graus que

se distinguem.

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A segunda construção da tese propõe a buscar dispositivos do ensino superior no viés

da ditadura da tradução para dialogar sobre a aula: conceitos de ensinar e aprender, para o

que convido Deleuze na parceria nessa caminhada. Eis a questão de valor que permite a

construção desta viagem que tem por partida a questão “o que se cria no ensino superior? ”.

Assim, viver uma tese feita da criação, enlaçando o professor universitário na teia da

produção e criação como autor-tradutor.

Nesse contexto, busco questionar até que ponto a aula no ensino superior teria a

possibilidade de focalizar na pluralidade de vozes que a faz mobilizar pensamentos no sentido

de ensinar e aprender. Poderia a aula ser (re) interpretada como uma forma de aprender?

Como uma forma de experiência? De ser feita transitando entre novo e velho, objeto sublime,

irrisório e solene, isto é, verificando estruturas que tendem à flexibilidade?

Vê-se de pronto que o referencial da quarta parte da construção invoca a potência da

produção dos autores Haroldo de Campos, Walter Benjamin e Sandra Mara Corazza que vão

estabelecer o entrelaçamento com Deleuze ao experimentar os conceitos de tradução e

transcriação.

É esse estatuto formal do entendimento que me dá conta da possibilidade de operar os

conceitos enunciados no jogo da atividade humana específica e circunscrita: a aula como vida,

via de encontros potentes com formas de conteúdo e formas de expressão que se apropriam

dessas formas e desafiam o tempo, a linguagem que os produziram e os espaços retrancados

das instituições de ensino superior.

Diante de tal movimento, construo a parte seguinte que trata eminentemente do plano

procedimental: em uma pesquisa de criação em que fabulo com professores do Curso de

Psicologia, num jogo de encontro de ideias sobre a aula que, a meu ver, não é envolta, mas

atravessada por seu limite “influenciada em seu cerne pelas múltiplas ranhuras de sua

margem” (WILLIAMS, 2013, p.19). Este autor também compreende limites como algo aberto

e inapreensível, exceto por seus rastros ou expressões em formas mais fixas de conhecimento.

Afirma ainda que,

Derrida persegue a operação do limite no aparentemente mais imediato e

confiável interior da linguagem. Lyotard rastreia o efeito de eventos-limite

na linguagem e na sensação. Deleuze afirma o valor de um limite produtivo

entre identidades atuais e puras diferenças virtuais. Foucault rastreia a

genealogia do limite como a constituição histórica de tensões e problemas

ulteriores. Kristeva persegue o limite como um inconsciente em ação

desfazendo e refazendo estruturas e oposições linguísticas (WILLIAMS,

2013, p.21).

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Essas obras revelam o pós-estruturalismo como uma ruptura dos significados e

referências da linguagem, do nosso senso de entendimento dos sentidos e das artes, “de nosso

entendimento da identidade, de nosso senso da história e do papel dela no presente e de nosso

entendimento da linguagem como algo livre do trabalho do inconsciente” (WILLIAMS, 2013,

p. 21).

Assim, o que se deseja tornar possível aqui adquire potência na necessidade de se

poder desenhar o funcionamento de uma pesquisa-criação, que pelo acoplamento, duplamente

articulado, de uma referência e de uma criação, tece suas linhas por encontros. E, que isso,

ainda em meio aos atravessamentos intempestivos das linhas de recursividade, possa vir a

produzir fissuras no território produzido; marcas de diferenciação que desterritorializam e

reterritorializam, múltipla e sucessivamente, o território que envolve a relações de uma aula

no ensino superior nas IES envolvidas.

Uma pesquisa-criação propõe uma atitude de criação, que mistura a pesquisa e o

pesquisador, em procedimentos que vivificam o ato de pesquisar, o que faz do retorno uma

nova possibilidade de olhar; revelando um desejo que esquece o caminho bem definido e se

aposta em procedimentos, ou seja, pela experimentação do preenchimento de um percurso,

pelos encontros possíveis, reverta à lógica produtivista da pesquisa em série. Neste caso, a

pesquisa ocupa-se de envolver e implicar o que acontece na experimentação da pesquisa e do

pesquisador, mesmo que não haja o entendimento de por onde ir, mesmo que não haja uma

definição de aonde chegar, e mesmo que não haja garantia de uma chegada.

Consoante aos objetivos desta pesquisa, faço aqui algumas indagações: se para

Deleuze o pensar não é uma capacidade inativa, nem é exercício por um eu, mas algo que

deve ser engendrado ao pensamento, quando se fala da aula no ensino superior no curso de

Psicologia, será que se está falando de uma prática pedagógica configurada num exercício de

docência de autoria, de interpretação e experimentação? Se pensar não é uma tentativa de

descobrir a verdade, mas a criação do novo, a aula com a didática da tradução/transcriação é

o fazer nascer do que ainda não existe, em vez de simplesmente representar o que já está

dado, rompendo com harmonia o senso comum, desestabilizando nossas certezas? Se na

perspectiva Deleuziana, pensar não é natural, mas deve suceder o pensamento, não é saber,

mas criação, não é conhecimento, mas experimentação, o pensamento é, portanto, produtor de

diferença, não de similitude. Assim, a aula na ótica da didática da tradução/transcriação seria

a possibilidade de pensar sem álibi, ser levada pela incerteza, questionando os saberes,

constituindo a tentativa de chegar perto da vida, de escolher a escolha? Quais os impulsos

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estão presentes na aula feita pelo docente do curso de Psicologia, mantendo as diferenças,

cultivando a vontade da criação?

Todo exercício de pensamento é o percurso que faço em busca de meu próprio

aprendizado em filosofia, e proponho fazê-lo por meio de deslocamentos em que se veja

realizada, no fim, a experiência de fazer o tema e os problemas que analiso desalojarem-se do

paradigma filosófico para serem reinventados, num pensamento da didática da

tradução/transcriação, com o intuito de promover a experiência pedagógica de novos

aprendizados no fazer da aula no ensino superior, indagando: E se a aula tivesse padrões? E se

nossas verdades estabelecidas fossem outras, não o suposto? Como podemos fazer as coisas

diferentes?

Nesse caminho, proponho experimentar a dimensão do pensamento no processo

educativo a partir, principalmente, dos conceitos de aula como signos capazes de colocar a

relação pedagógica e o pensamento, que dela resulta, no cruzamento de intensidades e

singularidades que a didática da tradução/transcriação nos abre e da experimentação que com

ela somos capazes de criar.

Conversarei sobre a aula tendo por referência que todo aprendizado tem a ver

essencialmente com signos e que aprender é considerar uma matéria, um objeto, um ser, como

emitindo signos a serem decifrados ou interpretados. Alguém só se torna marceneiro

tornando-se sensível aos signos da madeira. Já o profissional da psicologia torna-se sensível

aos signos do corpo, da vida. Como Deleuze afirma, “tudo o que nos ensina alguma coisa

emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos e de hierógrafos” (2003,

p.4), e quem sabe por isso um aprendiz será sempre o egiptólogo de alguma coisa. Tocarei o

sentido da aula no ensino superior com a inquietação de que modos a aula captura o mundo

em sua fluidez infinita, no aprendizado dos signos, uma vez que, em “Proust e nos signos”,

Deleuze apresenta:

Dado o sentido aqui de que a unidade de todos os mundos está em que eles

formam sistemas de signos emitidos por pessoas, objetos, materiais; não se

descobre nenhuma verdade, não se aprende nada, se não por decifração e

interpretação (DELEUZE, 2003, p. 5).

Em tudo o que precede, o presente estudo tem como objetivo tomar o estatuto

pedagógico dos conceitos presentes em aula, na perspectiva da didática da

tradução/transcriação aqui denominada, para olhar o ensino superior e como a aula é

produto, é produtora de novos pensamentos, produtora de novos conceitos e, sobretudo, uma

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práxis tradutória sempre permeada pela questão disparadora “o que se cria na educação

superior? ”.

Fica evidenciado que pretendo fazer pensar o ensino superior, propondo exercícios de

pensamento, exercícios que, por sua vez, me façam pensar ainda mais, um verdadeiro devir,

um processo, um movimento. Pensar a aula, na compreensão da didática da

tradução/transcriação, pensar que a aula é aprendida pelo próprio processo de ser feita, a aula

como transbordamento de olhares, como descoberta de interpretação, da adoção de algumas

palavras que se quer interpretar, decifrar, traduzir, encontrar o sentido do signo – a aula como

confrontamento, que busca sempre a verdade temporal.

Acredito constituir-se em uma atividade de pesquisa-criação que me instiga a farejar o

que pulsa além do constituído e determinado, no Curso de Psicologia, como dispositivos

agenciados para pensar o ensino, dispositivos para produzir diferenças e diferenciações no

campo da educação superior, aqui tomados no plano das possibilidades, incitação, incentivo à

criação, à subversão das relações dos modelos, do saber, dos dados e dos clichês. Conforme

Corazza (2004), para a filosofia da diferença, o ato de pensar, assim como “pesquisar”, é um

acontecimento. Ele acontece pelo encontro, pelo choque com aquilo que já é feito, tornando -

se um experimentar de conceitos e imagens do pensamento que anima a pesquisa-criação.

Em “Lógica do Sentido”, o que interessa a Deleuze (2011) é a topologia do

pensamento: como a linguagem não exprime apenas ideias, mas também agencia tantos

acontecimentos quanto são as proposições existentes. O próprio corpo torna-se o lugar dessa

oposição entre o geográfico e o arqueológico: os estágios de sua evolução contam sua história,

mas as zonas expressam sua superfície. É na superfície que se deve ir buscar a verdade e, por

conseguinte, é preciso uma forma de discurso que não afunde que não aprofunde, mas que

percorra. Donde os recursos aos paradoxos figuram de estilo breve, muitas vezes

acompanhadas de humor, que Deleuze se opõe à ironia, assim como Sócrates se opõe aos

estoicos.

Uma experimentação do conceito de didática da tradução/transcriação para um estilo

de pensar-criar, pensar as questões da aula, dos signos, da vida, do corpo, dos movimentos,

dos gestos, das singularidades, dos sentidos que se apresentam como sendo uma aventura do

pensamento que institui a aula como enfrentamento, como transbordamento de olhares, que

revelam um ponto de vista sobre o vivido.

Pensar por deslocamentos fazer do pensamento uma problematização e uma

experimentação, são os sentidos que atravessam a escolha que fiz nesta pesquisa de

doutorado, ou seja, a de investir no plano de consistência da educação superior como

18

fundamentalmente um ato de pensamento, para bailar por entre possibilidades; abrir-se,

engajar-se, enveredando por caminhos outros pelo qual se chega a descobrir novas verdades

comunicáveis, indicar vazamentos diante das forças que tentam direcionar a aula; enfim,

fabular, criar, pintar outros modos de fazer a aula no ensino superior, tomando o sentido das

ações que constituem a aula; passando ao largo dos mais belos encontros, nos esquivando dos

imperativos que dela emanam.

Nesse momento, duas outras inquietudes são adicionadas às demais: Quais as

possibilidades da didática transcriadora enquanto ação que constitui a aula no ensino

superior? Qual a possibilidade de repensar a prática pedagógica de modo que ela ressoe como

criação, experimentação do novo, instigante e recriadora da tradição?

Não é objetivo deste estudo esgotá-lo ao responder as questões aqui propostas. Mas, as

mesmas servem como disparadoras do pensamento, sem início, meio ou fim definidos.

Aproximando-se, assim, da noção de devir. Para Deleuze (1997):

Uma linha de devir tem somente um meio; um meio é uma média, é uma

aceleração, e a velocidade absoluta do movimento. Desse modo, um devir

não é nem dois, nem relação dos dois, mas entre duas fronteiras ou linha de

fuga, de queda, perpendicular aos dois (DELEUZE, 1997, p.91).

Por se tratar de uma pesquisa-criação, vê-se claro que a constituição da tese se dará

por caminhos que indicam o pensar como um ato de criação e da aula. A educação

transcriadora constitui movimentos de pensar o que se cria no ensino superior como um dos

lugares onde se inscrevem os efeitos das diferentes práticas pedagógicas como potência

criadora – tarefa complexa e desafiadora. Assim, falando/escrevendo desse lugar, busco aporte

teórico constituído por autores da filosofia da diferença que me permitem ir além dos

constituintes didáticos do ensino na contemporaneidade, capturado agora, na perspectiva da

educação transcriadora.

E finalmente, com algumas palavras, convido os leitores a darem uma parada sem

finalizar a grande viagem, pois muito menos de que indicar soluções, o que seria uma petição

de princípio, o conjunto desta escrita assinala para os desafios, para as inquietações ateadas,

suspeitas, diferenças que o ensino superior contemporâneo tem diante de si, ou seja, buscas

incessantes nos fios da didática da tradução/transcriação para aprender a manejar a diferença

como afirmação da própria diferença, problematizando o que está em jogo nos processos

didáticos da aula quando se considera a afirmação das diferenças.

19

2. O PROFISSIONAL DOCENTE E O ENSINO SUPERIOR: NOTAS DE UMA

POLÍTICA DO PENSAMENTO SOBRE UMA TRAJETÓRIA DA DOCÊNCIA

Todo grande homem exerce uma força retroativa: por

causa dele, toda a história é recolocada na balança, e mil

segredos do passado saem dos seus esconderijos – para

serem iluminados por seu sol. Não é possível prever tudo

que virá a ser ainda a história. Talvez o passado ainda

permaneça essencialmente inexplorado. Há ainda a

necessidade de muitas forças retroativas!

Friedrich Nietzsche

Uma tentativa de se pensar a minha prática pedagógica no exercício profissional da

educação superior imersa e tramada no cenário brasileiro é, em particular, tomando por base

territorial a Universidade Federal do Estado de Mato Grosso – UFMT, na qual me formei na

década de 70. E, para início de conversa, empresto as palavras de Derrida em sua entrevista

com Elisabeth Roudinesco (2004, p.12), intitulada “De que amanhã Diálogo”, tradução de

André Telles:

[...] essa mesma herança ordena, para salvar vidas (em seu tempo finito), que

se reinterprete, critique, desloque, isto é, que se intervenha ativamente para

que tenha lugar uma transformação digna desse nome: para que alguma coisa

aconteça, um acontecimento, da história, do imprevisível por-vir. Meu desejo

se parece com aquele de um apaixonado pela tradição que gostaria de se

livrar do conservadorismo. Imagine um apaixonado pelo passado,

apaixonado por um passado absoluto, um passado que não seria mais um

presente passado, um presente na medida, na desmedida de uma memória

sem fundo – mas um apaixonado que receia o passadismo, a nostalgia, o

culto da lembrança. Dupla injunção contraditória e desconfortável, portanto,

para esse herdeiro que acima de tudo não é o que se chama “herdeiro”. Mas

nada é possível, nada tem interesse, nada me parece desejável sem ela. Ela

ordena dois gestos ao mesmo tempo: deixar a vida viva, fazer reviver, saudar

a vida, “deixar viver”, no sentido mais poético daquilo que, infelizmente, foi

transformado em slogan. Saber “deixar”, e o que significa “deixar” é uma

das coisas mais belas, mais arriscadas, mais necessárias que conheço. Muito

próxima do abandono, do dom e do perdão. A experiência de uma

“desconstrução” nunca acontece sem isso, sem amor, se preferir essa palavra

[...] (DERRIDA; ROUDINESCO, 2004, p. 13).

E, assim, mobilizada por esta reflexão busco movimentar o pensamento da minha

história de vida profissional fecunda, viva, com falhas, seus brancos, suas margens, suas

contradições, lembrando sempre que é o olhar do presente que atribuirá importância a certos

elementos do passado que talvez não fossem significativos. Desse ponto de vista, o restauro

20

entendido como (re) criação, é espectro e como tal, sobrevive; por isso, inclusive, é possível

falar em criação dos precursores, criação esta que não deixa de ser um encontro do ontem com

o hoje e o amanhã, um olhar para o passado por meio da memória e, ao mesmo tempo,

caracteriza a impossibilidade do retorno ao passado e de seu resgate pleno.

Daí a importância de me guiar para a compreensão de que horas, dias, meses

constituem o tempo que se desdobra entre passado, presente e futuro, em movimento, um

gesto, uma possibilidade do pensar a trajetória profissional colocada nos parâmetros de

tempo, de espaço, de história, de individualidade, de causalidade e por entender que a vida é

potência, é o processo de diferença e que o sentido mesmo do passado para a construção do

futuro é mediado pelo presente. E, assim, roubo aqui a grande compreensão acerca da tradição

em Haroldo de Campos.

Um mergulho no passado cuja escrita me permite situar com vitalidade e energia que o

mesmo se constitui em tempos lentos. Enquanto indivíduo, fui formada e educada em

ambientes colocados dentro de um círculo, cujos limites nem sempre visíveis, impediram-me

de capturar com clareza outras possibilidades que não aquelas impostas imperativamente

pelos grupos e instituições com os quais me relacionava e que acabaram por não me permitir

criar outro estilo, a não ser reprodução de um estilo que rejeita as mesmices e imitações.

Trata-se, certamente, de um registro completo do inusitado no qual colocar as coisas,

pelo qual vale a pena me deter um momento sobre termos, sobre as fontes que concorrem para

defini-los, e sobre o sentido que ganham no exercício efetivo próprio da minha existência

profissional.

As linhas desta escrita são de articulação e intensidades, velocidades, movimentos que

territorializam e desterritorializam o pensamento e meu próprio pensar de uma prática docente

no ensino superior. É uma escrita que acompanha um pensamento instável, indefinido,

inquieto, que vai e volta que não para, que busca pensar sempre de novo e, de novo, sempre

pensar. A escrita é afim a um pensamento e inseparável de um devir. Esta é uma criação sem

introdução, desenvolvimento e conclusão; pois é entendida como processo inacabado, como

movimento constante; não se sabe onde vai chegar, mas sabe que não pode chegar à parte

alguma porque não há onde chegar, porque o mais interessante sempre está no meio, nunca no

início ou no fim. De modo que, para me mover escrevo, e para escrever, me movo, em

domínios que surgem de cruzamentos, de acontecimentos, de uma grande viagem. Farei um

recorte, marcarei uma linha que modificará cruzamentos, algo assim como um devir.

Não me interessa aqui fazer uma síntese do pensamento educacional superior no Brasil

por não constituir destaque desta tese o estudo da história da educação superior brasileira,

21

porque não objetivo retratar pensamentos sob qualquer aspecto, como se ele fosse alguma

coisa que estivesse já pronto, aguardando nosso olhar sintetizador. Isso faz parte, já o verá, de

um vício advindo de certa imagem do pensar: a mania pela recognição e pela representação.

Em parte, pelas mesmas razões também não busco profundamente analisar as eventuais

implicações educacionais ou pedagógicas do pensamento de época. Também não farei uma

prática comum na pesquisa educacional: pegar algumas ideias e explorar sua produtividade

em educação, valendo-me delas para fundamentar ou sustentar uma nova teoria sobre

educação. Seria exageradamente anti-deleuziano, teórico da filosofia da diferença que me faz

companhia na experimentação deste trabalho.

Segundo Kohan (2002, p. 125), “os devires são sempre fenômenos de produção, numa

dupla captura e dupla movimentação: muda quem devém e muda também aquilo no que

devém”. Para ele, há educadores que encontram em seus caminhos possibilidades do pensar e

com isso “já não podem pensar como pensavam educar, como educavam, ser como eram”.

Este é o sentido importante e ambicioso desta construção: transformar o modo em que penso,

educo, sou, produzo e crio pois, a vida é uma potência, movimento que atravessa o indivíduo

e o artigo indefinido é o sentido do que é impessoal e singular.

Nascida em cidade do interior brasileiro, minha formação como ser humano e

profissional se processou em instituições imbuídas de uma concepção liberal, portanto,

conservadora do papel da mulher e, assim, da educadora que futuramente viria ser. Nessa

direção, tomei a educação como força vital idealista onde a forma determina a matéria, ou

seja, há uma finalidade a priori que orienta o tipo de homem a ser educado. A educação do

formar, capturar, avaliar, moralizar. Assim, o ontem presente no hoje e as mudanças, se

ocorriam, eram percebidos como mecânico e não fruto de um processo histórico

transformador da criação, não sendo produzidas as condições históricas para que outro tempo

educacional pudesse ser construído.

Trata-se, certamente, de uma conjuntura na qual, a ação, como educadora, se

desencadeava nos limites estritamente relacionados à sala de aula, onde de um lado veiculava

informações técnicas, como fazer, apresentando-o de forma desinteressada, a-ideológica,

despojada de qualquer conteúdo político; de outro lado, apresentava a educação como motriz

de todas as transformações sociais. Mas, contraditoriamente, ao imenso tempo em que o

discurso evidenciava a educação como instrumento de transformação, a minha prática se

manifestava através de oferecimento de conteúdos fragmentados, desarticulados da realidade

sócio-política, onde a formação pedagógica não se vinculava com a formação substantiva,

tomando minha missão a de transmitir os conhecimentos, modos de serem sujeitos e valores

22

tidos como unívocos, eternos, universais. Quando meus alunos, inquietos e insatisfeitos,

questionavam em sala de aula, cenário único onde o ensino se processava, os problemas

relacionados com os baixos salários, a falta de recursos materiais, decisões curriculares

tomadas de cima para baixo, eu recuava, alegando a tudo isso questões ligadas ao sentido da

existência, a falta de aptidão para o magistério, a abnegação para o efetivo exercício da

carreira abraçada e, até mesmo, a falta de competência técnica, talvez alimentando meus

jovens alunos ao conformismo por constituir-me educadora como simples mediadora neutra

transmissora iluminando orientadores de almas e corpos.

Entretanto, para além de todas as sutilezas que pudessem implicar na época mesmo

sem ter consciência de ser um ser situado, sofrendo influências contraditórias, inevitavelmente

surgiu a predisposição às mudanças visto que nos interstícios do passado, algo latentemente

pulsa como relevante, mas que o padrão educacional fixado acabava por tentar silenciar. Tal

contradição forjou o avanço e os primeiros alertas objetivos da minha transformação na

própria concepção da instituição de ensino superior. E aqui me reporto a Moreira (2013), que

aborda algumas questões sobre as Conferências de Nietzsche acerca da educação na

Sociedade Acadêmica da Basiléia, na Suíça. Segundo a autora, o filósofo alemão pensava a

educação com uma formação para além de apenas profissionalizar.

[…] pensava em uma cultura ligada à vida, uma educação como diria o

filósofo, rígida, que tratasse com seriedade e respeito sua cultura. E para

obter esta finalidade seria válido, em nossa ótica, para que essa situação

desajustada fosse corrigida como diria Nietzsche, refletir sobre a necessidade

de uma formação, uma formação mais profunda e mais longa dos

profissionais. Uma educação que não visasse apenas às necessidades deste

mundo tecnicista, que valorizasse a genialidade de cada ser. Uma educação

que preparasse também para a vida, formando cidadãos críticos, ousados,

homens esclarecidos. Uma educação que defende o gosto sofisticado da arte

e da verdadeira cultura (MOREIRA, 2013, p. 35).

Com toda provocação em mim instaurada, um novo tempo se delineou: tempo de

crise, repleto de incertezas e dúvidas. E, começam-se os interrogatórios internos. Porque ajo e

ou sou dessa forma e não de outra? Por que penso dessa maneira e não de outra? Eis o sério

jogo das perguntas e das respostas no trabalho de esclarecimento imanente à discussão: está

em jogo uma moral que diz respeito à busca por verdades e à relação com o outro.

Configura nesse processo o surgimento do senso comum que sustentou e sedimentou

até então minha visão de mundo. A partir da minha vivência, comecei a investigar as

determinações que marcaram minha formação e o território onde a mesma se realizou. Se por

um lado não podia negar e destruir totalmente essa tradição, com as leituras realizadas em

23

Corazza (2002a) me inspirei a uma reflexão tenra acerca desta tradição que atravessou minha

formação.

Em função disso, somos filhos e seguidores de uma longa tradição, bem

mais antiga que nós. Uma tradição de educar as novas gerações; ensinar-lhes

conhecimentos; governar suas atitudes, hábitos, sentimentos; discipliná-las,

para que vivam e sobrevivam, relativamente bem, no tempo e espaço que me

tocou viver (CORAZZA, 2002a, p. 1).

Corazza (2002a), ainda nos diz que não se pode negar e destruir totalmente essa

tradição, mesmo diante das oposições e acusações que perpassam por ela, mesmo diante de

seus efeitos negativos. A autora ainda afirma que ao criticar os equívocos dessa tradição, nada

se quer ou espera, já que é dela que é sobre ela que nos mantemos ocupando.

Porque este é um jeito – o crítico ou desconstrutor – de também ser filiado

àquela tradição. E nós, que somos filhos reais, simbólicos, imaginários, de

tantos pais, mestres, guias, autores, cresças, sabemos que é assim que esta

coisa da filiação funciona (CORAZZA, 2002a, p. 1).

Ao seguir na companhia do raciocínio de Corazza (2002a), é possível perceber que a

mesma trata a educação da diferença a partir da noção de improdutividade daqueles

educadores que estão fora dessa tradição, dessa história, desse acúmulo. Além disso, a autora

diz que, às vezes, por seguir cegamente doutrinas ou dogmas e por transgredir o existente que

tal acúmulo é produzido, mantêm-se essa tradição

Ao acompanhar o pensamento de Corazza, é possível lembrar de Kohan (2002) e

refletir sobre a educação que não pensa nem nega o pensar.

E de fato, me perdoem, mas a educação não pensa e nós não pensamos em

educação. Sei que vocês estão pensando nos condicionamentos do sistema,

nos dispositivos institucionais, nas reformas, nas leis, nos programas. Sim,

claro, tudo isso não pensa e não deixa pensar. Mas não apenas por isso nos

não pensamos: pressupomos uma imagem do que significa pensar que nos

impede pensar. Perdemos há muito tempo, se é que alguma vez a tivemos, a

paixão de pensar. Falta-nos agarra e fortaleza de pensamento (KOHAN,

2002, p. 128).

Parece que essa imagem que criamos e nos impossibilita pensar, também interfere em

nossa capacidade de reconhecer e ser reconhecido. O autor também fala do medo de

pensarmos o novo e com isso o medo do reconhecimento, seja ele se deixar reconhecer – falar

o que pensa –, ou mesmo se deixar ser reconhecido.

24

Reconhecemos e representamos, mas temos medo de pensar o novo. Medo

de não reconhecer o que deve ser reconhecido. Medo de deixar de

reconhecer. De não representar o que deve ser representado. De deixar de

representar. De não nos encontrarmos com a verdade que deve ser

encontrada. De deixar de falar da verdadeira condução do mundo. De não

estar contribuindo para construir um mundo melhor. De deixar de submeter à

diferença a outras lógicas que a dela própria. De nos surpreendermos num

não-lugar. De perguntar o que pode ser respondido. De responder o que não

foi perguntado (KOHAN, 2002, p.128).

25

2.1. Olhares em trânsito pela tradição: um modo de conversar com o passado

Nesse processo, o respaldo teórico se fez necessário. Inicialmente, como tinha sido

orientada somente para a continuidade reformista das minhas ações, surgiu o momento

oportuno de ser subsidiada por teorias críticas que oportunizaram os primeiros rompimentos

daquelas que tão fortemente escravizaram-me como ser humano e profissional. Ao fim e ao

cabo, emergem a construção de outro conhecimento nos avessos de mim mesma e das minhas

circunstâncias.

O resgate dessas duas identidades fez com que o conhecimento histórico de Mato

Grosso e da UFMT se tornasse fundamental e, com ele, a base filosófica orientou tal processo.

Nesse olhar, encontro uma instituição de ensino superior que, marginalizada geograficamente,

situava no estado e no mais alto da pirâmide arborizada do saber que a outorgava a si própria

uma função sustentadora e legitimadora dos saberes que estavam sempre abaixo dela e nela

enraizados.

Implanta-se em Cuiabá uma Universidade com objetivos fundamentais de

universidade e organização. O pretendido é a estruturação de um Sistema Único constituído

de subsistemas independentes e inter-relacionados organicamente. Importa, então que a novel

Universidade, que nasce sob a égide da Reforma Universitária, seja concebida como um

sistema, onde o ensino universitário seja dinâmico, o homem universitário deve ser ativo e

inventivo, a atividade universitária deve ser planejada, a ação universitária tem de ter

coordenação do comando global e integrado e o sistema deve ser flexível; possuindo a

qualidade da rápida e ajustada reação diante de eventos não previstos que vierem a ocorrer.

Uma minuciosa análise das formas como se efetivou a expansão do capitalismo em

Mato Grosso me demonstra que tal evento não se deu de maneira harmônica, mas coroado de

crise em vários períodos. Essas crises se manifestaram em ocorrência das lutas por interesses

opostos e contraditórios. Dessa feita, quando a classe que estava no poder constava certa

rachadura em sua hegemonia, acionavam-se mecanismos eficientes para o estabelecimento da

ordem, o que resultava na garantia da expansão do capitalismo.

Como área potencialmente favorável (pois oferece matérias-primas e vastas terras) ela

é vista pelo poder central com o espaço apropriado para a expansão do capital, cujo excedente

já se fazia em outros centros. Estes fatores mobilizaram o governo federal a acionar uma

política que favorecesse não só a expansão do capital, como também a ocupação da terra.

Assiste-se, nesse cenário, o aparato estatal comumente chamado de Estado a elaborar

uma política que viabilizasse a expansão e reprodução do capital e, assim, o atendimento da

26

classe fundamental dominante. Essa política para se efetivar desarticula a sociedade civil e,

paralelamente, valoriza a sociedade política.

O Estado manifesta-se como neutro e racional, mas no real foi autoritário e

conservador. Exige, também, a rearticulação da infraestrutura e, consequentemente, da

superestrutura, pois o controle desta última garantia o sucesso da primeira.

No primeiro caso, no econômico anteriormente rudimentar, instala-se a técnica nas

grandes áreas latifundiárias, forjando os pequenos proprietários a cederem não só o julgo das

grandes empresas, como também sob a infiltração do capital monopolista que não somente

oferece respaldo econômico como também uma nova visão de mundo. Através de organismos

da sociedade política e sociedade civil é que a classe dominante mantém a direção e o

domínio da classe e o faz de forma indireta.

A mediação é feita pelos intelectuais orgânicos, cuja tarefa se configura na

organização e execução das decisões tomadas pelos tecnocratas, ligados diretamente ao poder

central. Como técnicos têm a função de funcionários da superestrutura, pois ao difundirem a

ideologia elaborada a nível nacional, exerce a função de mediadores, com a classe dominante

o que conduz a sedimentação do bloco histórico.

Nessa conjuntura, no começo da década de setenta, o governo federal identifica em

Mato Grosso a inexistência de uma instituição de ensino superior que servisse como

instrumento potente não somente para divulgar sua ideologia, como também formar mão-de-

obra qualificada e especializada. Há um pensar homogêneo, unificante, universalizante.

27

2.2. Um tom severo sobre o ensino universitário mato-grossense: sentimento exalado

A criação da UFMT ocorreu após a reforma universitária, com base na Lei 5540/68,

que constitui no recurso usado para obter o equilíbrio entre a ampliação e contenção,

democratização e reprodução dos quadros existentes. Foi um verdadeiro acoplamento de um

conjunto de relações materiais e de um regime de signos onde o ensino superior implantado

seguia o modelo para conformar e não para afirmar uma singularidade. Educação superior

para um pensar majoritário, a-singular, negador do múltiplo. Educação para controlar, de

forma cada vez mais democrática, não presencial e inclusiva. Não se resistia ao capitalismo,

ao mercado e à democracia.

Sob essa ótica, a educação é pretendida não como ação política, mas como técnica que

deve formar mão de obra qualificada, o que representa capital humano. Dessa maneira, deve

ser colocada dentro do contexto do planejamento eficiente, expressando o caráter de

racionalidade a ela atribuída, essa mão de obra servirá ao processo produtivo, assim como

investir em educação se faz necessário, já que através da mesma o desenvolvimento

econômico e social será concretizado.

Tais princípios adentram-se no interior da UFMT sintetizados na tecnologia

educacional. Essa teoria educacional modificou aspectos administrativos e pedagógicos, cujos

reflexos atingiram diretamente a prática educativa e pedagógica, base em que minha formação

universitária se inicia, em julho de 1973.

Os meus professores, ao deslocarem a preocupação para os meios e para as variantes

do processo do ensino-aprendizagem, me impossibilitam de ter clareza dos fins educacionais e

sociais numa leitura de mundo mais ampla. Em tal contexto, só poderia adquirir um

conhecimento fragmentado, inocente e desarticulado; portanto, formando os educados para o

conformismo e submissão, uma educação que não formava, mas profissionalizava em nível de

consciência ingênua. Com tal coerência de um percurso formativo, ao assumir a tarefa de

ensinar na década de 80, só faço reproduzir a ideologia tecnicista, estando, dessa maneira, em

conformidade com os interesses da época, sem ter consciência das transgressões que, como

docente, deveria orquestrar.

O aqui e o agora se configuram para mim como um tempo repleto de compromissos e

responsabilidades com a educação superior, que por ser contraditória, traz no seu bojo

possibilidades de mudança, com possibilidade de desmanchar as pretensões da neutralidade

até então iluminadas.

28

Diante disso, vê-se que a contradição é fecunda, com promessas de vitória, tendo-se

que criar condições para que no confronto do velho e do novo, o último saia vitorioso, onde a

educação praticada desvele o real para os alunos, pois assim poderão perceber claramente que

a educação como potência é política, é vida, é criação, é possibilidade da experimentação do

novo.

Assim, os alunos ao serem instrumentalizados não incorrerão no erro de serem

teleguiados pelo modismo, pela imitação, pelas aparências do real. Mas, apoiados no

conhecimento crítico, desenvolverão uma crítica constante de sua atuação e dos efeitos que a

mesma produz, experimentando novas possibilidades.

Dessa feita, se coloca pela autocrítica, o militante cria as condições propícias à luta

vitoriosa do novo contra o velho, na própria consciência, na sua atividade cotidiana

vivenciada, experimentada.

Para que isso ocorra, se faz importante nos relacionarmos com rupturas em nossa

prática pedagógica. Assim sendo, tem-se que partir da experiência de nossos alunos, pois ao

ensinar, devo incluir o novo no já existente, embora se opondo a ele. Portanto, partindo da

experiência educacional é que vai se descobrir o bom senso, o núcleo válido, no qual se irá

apoiar para ampliar, adensar a visão de educação; orientando para descobrir pela análise

crítica a ideologia que perpassa à ação, o seu modo de ser e existir no mundo.

Em janeiro de 1986, já professora universitária na área da didática, busco o Mestrado

em Educação na Universidade Federal do Ceará – UFC que se coloca na lógica identitária do

materialismo histórico-dialético e, assim passo a reafirmar a vida como potência de

transformação atravessada nas práticas das relações sociais e de produção, redimensionando o

cotidiano como forças contraditórias, uma marca, um grito, uma direção, um novo território

para se abrir um mundo novo para pensar a educação superior e, daí, o meu devir – mestre,

operando, sem margem de dúvidas, por uma revalorização ou transvaloração do processo

historiográfico vivificado.

Nessa linha teórico-metodológica de formação, tomo o pensar, o sentir como

consequência das relações materiais de existência. Sendo eles, o conteúdo que determina a

forma; são as necessidades materiais que conduzem os homens a pensar no tipo de homem a

ser educado. Inverso ao modo de pensar dos positivistas, cuja raiz teórica deu origem ao

tecnicismo.

Em julho de 1990, retorno à UFMT, já titulada Mestre em Educação, cuja dissertação

espelha em sua capa toda expressão de um pensamento singular, que se diferencia em si

mesmo num movimento contínuo de devires e multiplicidades, possibilitando uma nova

29

identidade do ser docente, como expressão de ser, que acentua os dispositivos da filosofia

dialética na atividade do pensar. O acontecimento que marca minha atuação foi ter retornado à

escola pública na busca da relação teórica e prática e uma única resposta se coloca para minha

grande inquietação no momento: o quanto a universidade que gradua o professor está distante

desta escola pública, negando os problemas de um fazer pedagógico, sem possibilidade de

criar uma compreensão da realidade, uma visão de mundo ou um conceito próprio. O Curso

de Pedagogia estava impregnado de um construtivismo, deslocando para pensar a aula: como

protótipo de aula-ideal a ser executada na escola onde o estágio se operava. Éramos os

estrangeiros na escola local da prática. Que prática? Aquela que não intervinha na cena da

escola, o verdadeiro teatro da crueldade, pois ao sairmos, a escuta era: amanhã a escola volta

ao normal!

Um limiar de tomada de consciência, de percepção consciente, clara e confusa (não

distinta), mas com os elementos diferenciais que ela atualiza, mostra-me que algo não estava

bem, que precisava ser mudado. Convoquei meus colegas de Departamento de Educação a

repensar esta prática, absorver os discursos produzidos pelos professores e alunos da escola

pública da capital mato-grossense e refletir sobre as múltiplas ações de linguagem as quais os

atores na construção do processo ensino-aprendizagem revelavam: a aula definindo-se muito

mais pela pluralidade de posicionamento do que pela unicidade.

Mas me parece que foi aí que nos enganamos; quando pensamos que somos “senhores

da escola”, que estamos sendo sujeitos do processo, estamos, na verdade, sujeitados. Penso

que estava por demais acomodada com o fato de que algo que é ensinado é aprendido. A

pedagogia inclusive cunhou a expressão ensino-aprendizagem, buscando denotar a via de mão

dupla na qual deve se constituir esse processo, mas a expressão, como muitas outras, caiu em

modismo maneiro e penso que já significa grande coisa nos dias atuais.

Todavia, o modo como professores e alunos interpretam (o que inclui a aceitação ou a

refutação) suas posições institucionais, os conteúdos de ensino, as ações linguageiras dos

interlocutores faz com que a aula seja um espaço de emergência de gestos e ações próprias de

cada sujeito. Pequenos acontecimentos a constituem e a transformam em um evento com

garantias sobre como começar, mas não acerca de como terminar. Esse dinamismo faz da aula

um sistema aberto e complexo, muita das vezes não percebido por nós. Eis a apropriação que

passei a ter sobre a aula pelas enormes experiências e acontecimentos que vivenciei a partir de

então.

30

No final de 1998 me aposento da UFMT. Já aposentada, prossegui minha caminhada

na ação da docência em Programas de Pós-Graduação lato sensu, em instituições reconhecidas

e credenciadas, na parte da formação pedagógica, no módulo: Didática do Ensino Superior.

Transcorridos treze anos de atuação na pós-graduação nas diferentes instituições mato-

grossenses, o futuro delineia-se para mim uma utopia, uma esperança, uma promessa. É certo

que voltei a sentir certo incômodo. No entanto, foi preciso assumir com humildade minha

trajetória e a disposição de superá-la, assim, pude contribuir, de fato, para a produção social

da resistência aos mecanismos de controle que, cada vez mais, estavam sobre minha cabeça,

penso ser meu caminho: um devir – mestre que se coloca de forma a fazer proliferar o

pensamento e não a paralisá-lo.

31

2.3. Potencializando a busca da diferença

O acoplamento entre o devir e a história se parece mais com uma luta do que com um

acordo. O devir não é o que somos ou o que chegamos a ser historicamente, mas justamente o

contrário, o processo pelo qual começamos a divergir. Empresto as palavras de Eduardo

Pellejero, para pensar sobre devir e história.

O devir é o outro da história, pelo menos na medida em que todo devir é um

devir outro; […]. Fazendo eco a Foucault, Deleuze caracteriza a história, não

como a totalidade dos elementos que nos constituem, mas como elemento

específico que nos rodeia e nos delimita; a história não diz exatamente o que

somos, mas, pelo contrário, aquilo de estarmos em vias de diferir [...]

(PELLEJERO, 2016, p.74).

Dessa maneira, a história ou o arquivo é condição para o devir – aquilo que fomos e

aquilo que somos, como esbouço daquilo que deveríamos ser. Para Pellejero (2016), a vida e a

experiência que ela proporciona vem sempre ao lado do devir. Segundo ele, a história é feita

por aquele que a vive – que “opera a ela” –, e com isso as formações/transformações

históricas “marcam aquilo de que saímos, o que nos rodeia, aquilo com que estamos em vias

de romper” (p. 75). O devir, portanto, ultrapassa tanto aquilo que está a acontecer, quanto as

circunstâncias que esses acontecimentos podem gerar.

Pellejero (2016) também fala acerca da noção deleuziana de contraefetuação que trata

sobre as experiências e o processo de experimentação.

O tema da contraefetuação se conecta, desse modo, com o da

experimentação, na medida em que experimentar é estar aberto ao

acontecimento, mas não simplesmente para acolhê-lo ou encarná-lo, mas

sobretudo para prolongá-lo. A contraefetuação consiste em extrair, em

recuperar e preservar o sentido do que se passa independentemente das suas

condições históricas de realização, para ser retomado, recomeçado e revivido

noutras circunstâncias históricas (encontrar, para cada coisa, os meios

particulares pelos quais é afirmada, pelos quais deixa de ser negativa)

(PELLEJERO, 2016, p.83).

Intencionalidade que só poderia se concretizar se fosse buscar as condições efetivas

para a sua realização. E assim coloca-se sentido do doutorado em minha vida. Na procura de

se auto posicionar, encontrar um lugar próprio no seio da atualidade para além dos dilemas

que rodeiam continuamente a permanência dos meios de comunicação e dos debates

acadêmicos.

32

Essa provocação foi por mim abraçada e por superar tudo aquilo que existe de abstrato

no trabalho docente e me aproximar cada vez mais da superação da atitude contemplativa

frente ao momento histórico, é que me vi imbuída da necessidade de mergulhar em um

referencial teórico rico em conteúdos e práticas para experienciar um novo pensar, para me

propiciar condições básicas a um exame da natureza do homem, da sociedade, da educação e

do lugar em que estava atuando e vivendo como educadora. Ou seja, abrir no campo de todas

as interrogações contemporâneas um espaço próprio e original para além das questões

herdadas por uma hipotética destinação histórica, para além dos dilemas que circulam a

atualidade dos meios de comunicação e dos debates acadêmicos no cotidiano, assumindo-se

na sua politicidade mais própria no que se tem de inovadora e de resistente a respeito do meio

no qual se insere.

Finalmente, um Doutorado em Educação na Linha de Pesquisa - Cultura, Memória e

Teoria da Educação me permite compreender o mundo contemporâneo e o papel da educação

no estabelecimento das novas práticas de controle e subjetivação que hoje estão em curso,

para discutir se a aula no ensino superior, compreendida como aquilo que foge da previsão das

pedagogias, pode ser espaço para acontecer experiências que produzam o pensamento. Por

esse motivo, pensar a aula escutando o clamor nas obras do filósofo da diferença não é

descabido, pois me coloca na análise do pensamento. Para tanto, tenho me perguntado: como

o conceito de aula, tão claro a Deleuze, e desenvolvido em várias de suas obras, e de várias

maneiras, pode ser utilizado para pensar o ensino superior? Poderia refazer a questão para:

qual o espaço da aula no ensino superior? Essa possibilita de criação, de experimentação do

novo, ou seja, compreender a probabilidade de uma prática pedagógica no ensino superior e

as mudanças possíveis, ao agenciar nela, uma didática da tradução de modo a impulsionar a

criar formas de experimentação, interpretação e perspectivas outras no ensinar e no aprender?

E, ao participar um ano e meio do grupo de pesquisadores do IE/PPGE/Grupo de

Pesquisa Estudos de Filosofia e Formação, tive a constatação de que o pensamento alcança a

experiência do fora, coloca em xeque o presente, a fim de pensar novas maneiras de existir,

criar dobras, novos estilos de vida, novos modos de ler e resistir ao incontrolável presente.

Para tal, faz-se necessário criar estratégias de subjetividades para que se possa escapar do

aprisionamento em que o presente nos confina.

Abrir o pensamento para as forças do fora significa chamar a vida à transcriação,

colocar em movimento estratégias de resistência, que nas palavras de Deleuze e Guattari

(1997), significa fazer do pensamento e da arte verdadeiras máquinas de guerra.

33

A busca do Doutorado em Educação vem me provocar e o apostar no sentido de

pensar sem garantias, é antes de tudo, crer: como bem me fizeram compreender os autores da

filosofia da diferença, para o que passei a crer num mundo quando não há mais mundo; crer

num possível quando não há mais possível, crer na vida, apesar do intolerável, crer no lugar

de saber, pensar sem garantias, pensar no limite, experimentar o limite onde o pensamento

toca a vida, uma grande lição apreendida por mim na trajetória deste doutorado.

Isso significa que, neste momento, trabalho pelo porvir a trama do passado

profissional e das relações de força do presente, num esforço por propiciar por meio do

próprio movimento, a mudança política da realidade na qual me encontro inscrita enquanto

professora universitária.

O papel da educação seria o de subverter as regras? A possibilidade de subverter as

regras, os procedimentos e as maneiras de fazer no interior de um jogo que está cada vez mais

prescrito, compreendendo que o devir não é o que somos ou o que chegamos a ser

historicamente, é um devir-outro? Isto indicaria que a educação tem a ver com construir

sujeitos capazes de falar por si mesmos, pensar e atuar por si mesmos; sujeitos que sejam

capazes de se colocar em relação ao que dizem com o que fazem e com o que pensam ao lidar

com o indeterminado. Dito isso, percebo a educação como vida, potência e o professor com a

possibilidade de, em sua prática pedagógica, inventar coisas e também de fracassar, de se

equivocar, de aprender de novo, de retomar a partida.

Ao imantar o positivo, a diferença, o fluxo, os agenciamentos – expressões essas que

denotaram o que é vivo, a dobra e a redobra, a duração e os signos geradores de

potencialidades e, na medida em que experimentar é estar aberto ao novo e não mais

simplesmente para acolhê-lo ou encaixá-lo, o pensar movimenta-se, sobretudo, para prolongar

o novo pelas potências dos possíveis.

Ao refletir sobre uma ação educativa no ensino superior que destaque talentos

realmente inventivos que tenham ideias próprias e que sejam conscientes que a verdadeira

genialidade e a prática correta devem necessariamente encontrar-se, no próprio indivíduo,

potencializando a força de vontade de cada ser. Assim, me atrevo a questionar: O que se cria

no ensino superior? Sustentada na possibilidade de praticar uma aproximação sólida e

factível, as obras de Deleuze numa perspectiva constituinte com diferentes matrizes e diversas

funções, me parece concorrer com a invenção do novo (criação), em nome de uma potência

criadora, orientada a subverter todas as ordens e todas as representações. Porque “história

designa unicamente o conjunto de condições, por muito recente que essas sejam, das quais

34

nos desviamos para o devir, ou seja, para criar algo novo” (DELEUZE & GUATTARI, 1992,

p. 91-92).

Reconheço, sobremaneira, o sentido de que a história não diz exatamente o que somos,

mas pelo contrário, aquilo que estamos em vias de deferir. Parece-me daí que a relação da

história a respeito do devir é condição imprescindível, mas insuficiente para a produção do

novo, da criação, da experimentação. Para Deleuze (1992), a história não é o devir, “é apenas

o conjunto das condições quase negativas que fazem possível a experimentação de algo que

escapa à história” (DELEUZE,1992, p. 210). Chego, assim, ao que me parece, ao lugar onde

começo a pensar desse novo modo: o Doutorado em Educação, onde cadeias de pensamentos

começam com encontros ao acaso. Isso é necessário, porque o pensamento é uma relação com

algo inesperado e porque onde o pensamento não é diferente do que já é sabido, não há

verdadeiro pensar.

O desafio me é colocado: ler os autores que teorizam a filosofia da diferença, rastro

epistemológico cunhado por Nietzsche que sustenta as discussões e problematizações na linha

de pesquisa. Tais produções têm o grande mérito de permanecerem abertas e de,

explicitamente, deixar os julgamentos para a criação crítica de minhas próprias posições, para

beneficiar-me de fabulação pós-estruturalista em termos das forças em ação e dos valores que

estão declinando e sendo trocados pela experimentação de outros, acerca do ensino superior

que, como já dito, constitui objeto desta tese.

No âmbito dessas condições, o conceito é um dispositivo que faz pensar. Minha ação

coloca-me em condições de não se refugiar na reflexão sobre, mas operar, criar, experimentar,

sem ser “agitando velhos conceitos estereotipados como esqueletos destinados a intimidar

toda criação, (...) [não se contentando] em limpar, raspar os ossos” (DELEUZE; GUATTARI,

1992, p. 109). Deixando emergir as multiplicidades é que me coloco a busca de respostas às

questões suscitadas.

Criar devires, expandir o virtual incluindo-o em uma situação, lançar multiplicidades,

acontecimentos cotidianos que silenciosamente deslizam para além das fronteiras do

instituído, práticas de resistência que, substituem os processos genéricos de alienação – que se

reproduzem e se difundem na aula – por processos de emancipação da subjetividade,

possibilitando, assim, a expressão de singularidades.

35

2.4. A vida se tece e a aula acontece entre-vidas

Durante o 29° encontro da ANPED – Associação Nacional de Pós-graduação e

Pesquisa em Educação –, em 2006, Sílvio Gallo ofereceu o minicurso intitulado “A filosofia

de Deleuze: contribuições para pensar a Educação”. No resumo da atividade para o referido

evento, o autor nos diz que a educação se apoia em métodos feitos para ensinar e para

aprender, e isso, de alguma forma, acaba por colonizar o processo educativo e os desafios

postos, como questionamentos, dificuldades e barreiras. A filosofia da diferença pode nos

servir como ferramenta que nos auxilie a enfrentar e perpassar por/entre essas barreiras.

Aula, aqui ganha sentido singular que se efetiva no âmbito das práticas educativas

cotidianas, que atualiza o presente a partir do movimento, da experimentação, que expressa

uma reativação permanente de uma prática ainda não instituída e implica uma atualização e

uma problematização da realidade, produzidas num lugar e num momento singular.

O que destaco aqui, a partir de toda reflexão já suscitada, é a possibilidade da

construção de um espaço em que seja possível criar – a partir de pensamentos passíveis de

entrar em relação – conceitos que expressam um pensamento da diferença que funcione como

alternativa ao pensamento da identidade e da singularidade. Posto isso, convém chamar

Deleuze (1992), que pondera:

[...] pensar é poder, isto é, estender relações de força, com a condição de

compreender que as relações de força não se reduzem a violência, mas

constituem ações sobre ações, ou seja, atos tais como “incitar, induzir,

desviar, facilitar ou dificultar, ampliar ou limitar, tornar mais ou menos

provável…”. É o pensamento como estratégia (DELEUZE, 1992, p. 119-

120).

Os conceitos são inseparáveis dos efeitos que têm sobre a nossa vida, das novas

maneiras de ver ou de perceber que nos inspiram, e, sobretudo, das redistribuições que

produzem na realidade. Nesse sentido, Deleuze (1990, p. 48-49 apud PELLEJERO, 2016, p.

193-194) faz a afirmação, que segue, sobre a filosofia se ocupar de conceitos.

Todos sabem que a filosofia se ocupa de conceitos [...] os conceitos não são

generalidades no ar do tempo. Pelo contrário, são singularidades que reagem

sobre os fluxos de pensamento ordinário: pode-se muito bem pensar sem

conceitos, mas desde que há conceito há verdadeiramente filosofia. Nada a

ver com uma ideologia. Um conceito está cheio de força crítica, política e de

liberdade.

36

Nesse movimento, ele considera o conceito como o contorno, a configuração, a

constelação de um acontecimento por vir. É evidentemente um conhecimento, mas

conhecimento de si, e o que ele conhece, é o puro acontecimento que não se confunde com o

estado de coisas nas quais se encanta. A partir daí, um conceito nunca é criado do nada, mas,

sim, de uma multiplicidade de situações.

Nesse sentido, um conceito é um acontecimento que desperta interesse e

substitui a noção de verdade, na qual passa a ser matéria de apropriação.

Alimenta-se das mais variadas fontes: ora do mundo filosófico, ora do

mundo da ciência, ora do mundo da arte e, dentro dessas diferentes visões,

passa a ter seus significados de acordo com o referencial vivido, já que criar

conceitos é produzir realidade (FREITAS; MENDES, 2004, p. 130).

No bojo dessa discussão, um conceito pode ser entendido como acontecimento, que se

produz na mente e permite um ponto de vista do real (produzido/fabricado). Exige, para sua

criação, não apenas a existência do problema, sob o qual remaneja ou substitui conceitos

precedentes, mas uma encruzilhada de problemas que se aliam a outros conceitos existentes

(DELEUZE; GUATTARI, 1992).

Este trabalho, como pode ser visto até aqui, insiste em olhar para a aula no ensino

superior como possibilidade de, por meio do pensamento da diferença, pensar em uma

didática da tradução/transcriação. Acredito que para sustentar tal insistência, há o meu desejo

atravessado pelos acontecimentos e pelas experiências que percorrem este corpo. Conceito e

acontecimento são noções da Filosofia da Diferença que transitam no escopo deste trabalho,

direcionados às noções de vida e do devir. Sendo assim, empresto as palavras de Tânia Galli,

nesse momento, para contribuir com a ideia de ensino que procuro defender.

Ao conceber a vida como acontecimento que se produz como um devir, um

fazer-se, a aula vem me desafiar com uma lógica do sentido, não com

categorias entrincheiradas, fazendo abstrações dos acontecimentos num a

priori já dado e já equacionados. Assim, a realidade proposta já está dada, de

antemão. Os acontecimentos […] são singulares e, como tal, não previsíveis

na lógica de uma matriz identitária, na qual tudo está definido. Não se imita,

pois, ao criar, se está abrindo passagem para outros processos que não o

idêntico, o identitário. São modos de subjetividade coletiva sempre se

fazendo, acontecendo. Ao tratar de Deleuze, lidamos com uma ética do

acontecimento, em cuja internalidade se busca não o tempo constituído pela

continuidade e eternidade, mas o aberto pelo intempestivo da atualidade,

sem categorias fixas, pelo qual o sujeito torna-se diferente do que é sendo ele

mesmo (GALLI, s.d, online).

37

As linhas acima desafiam-me à ideia de que o ensino não está preocupado com a

instauração de nenhuma falsa totalidade. Não interessa criar modelos, propor caminhos, impor

soluções. Importa fazer conexões, trabalho entre dois, entre as coisas, no intermezzo. Assumir

a potência do pensamento e colocá-lo o mais perto possível do infinito, pois um pensamento é

mais criativo quando menor for seu abrigar.

Ao aprofundar este estudo, tomo as contribuições da filosofia da diferença, agregando

autores que, como Deleuze, oferecem vertiginosa incursão nos domínios e constituições dos

conceitos privilegiados na propositiva do tema e, sobretudo, por atualizar ideias como a de

signos de devir, de acontecimentos, de singularidades, enfim conceitos que me impelem a

transformar a mim mesma, incitando-me a produzir espaços de criação e produção de

acontecimentos-outros.

Nessa perspectiva, compreendo que o tema da intensidade e das produções entre atual

e virtual, tão caros a Deleuze, atravessa cotidianamente a área da educação. Trata-se de uma

filosofia do acontecimento, uma filosofia da multiplicidade, cujas bases rompem com a

filosofia do sujeito, da consciência. Propõe lidar com a criação de conceitos e com a produção

de acontecimentos que os atualizam no perpétuo jogo entre virtuais e atuais.

Hoje, meu estado de inquietação me remete à vontade plena, a seguir a linha

interpretativa de uma pesquisa educacional inspirada pelo pensamento da filosofia da

diferença, uma pesquisa feita entre Deleuze e a educação, tendo Deleuze no meio. Com a

possibilidade de um tempo (melhor) por vir, com a possibilidade de um novo agenciamento

de enunciação da aula, como criação de transformação para além das representações históricas

e políticas que herdei, contra todas as impossibilidades nas quais parecem incorrer-me as

condições materiais do que sou e penso, espero da possibilidade de uma vida, pois me toca de

Nietzsche e Deleuze a ideia de que há um devir do pensamento que dobra as formações

históricas e passa por elas, mas não se assemelha às mesmas.

Pensar deve vir de fora ao pensamento ao mesmo tempo em que se engendra dentro,

sob os estratos e para além deles. Que pensar é alojar-se no estrato do presente que serve de

limites: o que é que posso ver e o que posso dizer hoje? Que pensar o passado contra o

presente, não para um retorno, mas em favor, espero, de um tempo que virá, tornando o

passado ativo e o presente fora, para que surja no fim qualquer coisa de novo, para que pensar,

sempre, suceda o pensamento.

Deleuze (1986, p. 149 apud PELLEJERO, 2009, p. 99), afirma: “O pensamento pensa

a sua própria história (passado), mas para libertar-se do que pensa (presente) e poder,

finalmente, pensar de outra maneira (futuro)”. O lugar onde comecei a pensar desse novo

38

modo é um evento: um evento para o pensamento – o doutorado. E, assim, penso com

Williams (2013), que torno-me diferente quando permito pensar serem provisórias algumas

possíveis ideias.

O pensar deve sempre buscar novas maneiras de ser estimulado por

experiências radicalmente diferentes. Faculdades e disciplinas deveriam ser

resolutamente interdisciplinares; Universidades e disciplinas, formas de

escrita e especialidades deveriam ser práticas, não no sentido de uma

dicotomia, teoria e prática, mas sim no de que não há nenhuma teoria sem

uma prática prévia. Todas as leis, regras e instruções deveriam estar abertas

ao desafio, não no sentido da possibilidade formal de questioná-las, mas sim

no da experimentação com ideias e práticas que suscitem a possibilidade de

operar num mundo radicalmente novo. [...]. Todas as formas estabelecidas de

senso comum e de valores comuns deveriam ser criticadas e testadas

(WILLIAMS, 2013, p. 85).

39

3. LUZ NOS DIÁLOGOS DA AULA: O PENSAR E O APRENDER EM DELEUZE

Não ensinam nem deixam aprender os que pensam em

ensinar tem a ver com explicar e aprender com

compreender e reproduzir o explicado. Walter Omar Kohan.

Uma vida: imanência no encontro com o outro da educação, “há educadores que

encontram o acontecimento em Deleuze sobre pensar e já não podem pensar como pensavam,

educar como educavam, ser como eram” (KOHAN, 2002, p. 125). Passam a se incomodar

com o que produziram até então, com seus encontros, com sua arte.

Tendo anunciado as principais diretrizes e os balizamentos para um sentido da

colocação do problema da aula no ensino superior, vou me deter um pouco mais no exame das

produções de Deleuze, sentir o seu pensamento se construindo. Dito de outra maneira, buscar

novos caminhos, lançando novas hipóteses, entrar no pensamento do outro para explorar sua

potência, sua força e a partir da explicitação de questões que ele pretende pensar, sempre

atenta à relação que esse pensador estabeleceu com a vida, com o que cria sua própria

filosofia.

Busco pensar o aprender resultante de ações, de encontros que se dão nos “entres”-

criação (FERRAZ, 2014), trato-os aqui como intensidade experimental, entendendo que o

papel da educação é subverter as regras, os procedimentos e as maneiras de fazer. Assim, ao

propor a tese “O que se cria no ensino superior? ”, está em pauta como é possível inventar

novas formas no interior de um jogo que está cada vez mais prescrito, ou seja, a materialidade

concreta das atuações docentes na aula. O que postula outro questionamento: A aula tem o

sentido de construir sujeitos capazes de falar de si mesmos, pensar e atuar por si mesmos,

sujeitos capazes de se colocar em relação ao que dizem, com o que falam e com o que

pensam?

Ora, segundo Jorge Larrosa, em sua entrevista “O papel da Educação é Subverter

Regras”, concedida à Camila Caringe, a educação trabalha com potências, mas também com

as condições. E nesse compasso defende a responsabilidade do docente na possibilidade de

inventar coisas e também de aprender de novo.

Nesse aspecto, me toca o que explica Deleuze, ao dizer que uma força vital na

filosofia contemporânea, constitui um campo instigante e sugestivo para me aprofundar na

questão que permeia esta tese. Muitos estudiosos, cada vez mais, se apropriam de suas ideias

40

para alimentar seu próprio pensamento, pensar suas próprias questões em diversas áreas. Mas,

apesar da importância que essas ideias tiveram sobre mim, e para muitos outros, seu

pensamento me parecia extremamente difícil e profundamente enigmático. Sentia que nas

leituras realizadas, o encantamento de suas produções me convidava a mergulhar, no decorrer

do doutorado, na leitura do constructor deleuziano. Com o passar do tempo, o encontro com

alguns estudos passou a me instigar, assim como o encontro com o pensamento da diferença,

conduzindo-me à busca de vitalidade, da alegria e da energia para pensar a educação e pensar

a aula como movimento no ato de criação e experimentação no ensino superior.

Mergulhada na dinâmica da filosofia, inspirei-me numa possível aula capaz de

[…] resistir, infectar e vitalizar o instituído, no aqui e no agora em uma

pedagogia real, no olhar em ruptura como molécula, no imolar não mais

acoplado no molecular como diferenças, mas asfixiado pelo ideal identitário,

para o qual o retorno é a redundância vazia e não diferença (LINS, 2005,

p.1230).

Compreendi em meus estudos que uma pedagogia dos sentidos, como pura resistência,

como puro devir, os saberes tornam-se sabores. A aula fabulada como uma corrente de ar

fresco, uma diferença mínima, um afecto minimamente não controlado, constituiu-se como

uma onda de alegria na arte de aprender e de coabitar, porque permite ascender a um universo

outro: a realidade continua a mesma, no entanto, o modo de olhar se transforma, transforma

os paradoxos, as incertezas, mas nos leva ao incompreensível. Assim, nos leva para uma

realidade criadora e artística (LINS, 2005).

No texto “Entre Deleuze e a educação: notas para uma política de pensamento”, Walter

Kohan afirma:

A educação parece habitar uma ontologia contrária, na contramão desta

ontologia deleuziana da imanência, do movimento, do singular não

individual, da potência, do acontecimento. A educação é um mundo de

transcendências, é sempre este e aquele mundo. E continua afirmando que a

educação é um mundo onde diz ser “eu”, se torna cada vez mais importante.

A educação é também a casa do ruim e do bom, permanentemente

preocupada em saber se contribui para um mundo melhor ou pior. A

educação supõe e afirma uma ontologia moralizante, transcendente,

individual. Ela é a negação da vida singular, do acontecimento, da potência.

A educação obtura os acontecimentos, é o reino dos dualismos, dos modelos,

da disciplina, do controle. Há muita história e pouca geografia em educação

(KOHAN, 2002, p. 126).

41

Para Benedetti (2007), o pensamento de Deleuze e Guatarri permite a Walter Kohan

poder dizer que uma “política-ontológica”, ou seja, um modo de pensar uma política e uma

ontologia, que leva a forma de uma ontologia e uma política do pensamento.

O plano de pensamento de Deleuze e Guattari permite a Walter Kohan dizer

de uma política em sintonia com uma ontologia como campo de

experimentação que rejeita qualquer forma ordenadora superior. Sob tal

condição, a política e a ontologia podem ser nomes de imanência, da

atualização do virtual com a intensidade de uma vida singular qualificada na

acoplagem político-ontológica. Contudo, a educação que nossos dias

mantêm sob robusta saúde é timbrada por uma ontologia contrária. A

educação é um mundo de transcendências, de binarismos: ou é este ou é

aquele mundo. De qualquer forma, é sempre um mundo de indivíduos pré-

classificados antes, durante e depois de sua passagem pela escola

(BENEDETTI, 2007, p.121).

Ao tomar o sentido de que a vida se dá em movimento, olho a aula inserida nesse foco,

abrindo-se à criação e às conexões; não paralisada na representação e na dissecação de velhos

pensares desidratados, mas inserida numa política de desejo, numa conversa no lugar de uma

fala, em nutrir o bom encontro, marcado pelo desejo ético e estético da criação, um

movimento de pura arte, pura criação. Portanto, não se entende que se trata de fazer igual,

copiar, imitar. “Devir é nunca imitar, nem fazer como, nem se conformar a um modelo, seja

de justiça ou de verdade” (DELEUZE, 1998, apud ZOURABICHVILI, 2004, p. 24).

Kohan (2002) ainda me faz refletir uma questão qualitativa, um tanto curiosa ao tratar

a educação, cuja necessidade maior é da compreensão que o pensar está dado e há que

produzi-lo. Ele destaca:

Pensar é um exercício ocasional, genital, advindo de um desgarramento vital

inaceitável e com aquela imagem pré-filosófica é impossível que possa

emergir o pensar porque é impossível desgarrar-se. Há que se pensar sem

essa imagem, contra essa imagem dogmática: sem representação, contra o

modelo, para além da proposição. Pensar é experimentar, problematizar,

encontrar. Pensar na imanência, sobre planos igualmente traçados,

inventados, planos sempre móveis, mutantes. Pensar cada vez que significa

pensar. Pensar os problemas, as soluções, os sentidos, as verdades, a

diferença. Pensar sempre, sem pontos fixos, sem quietude. Nunca parar de

pensar. Nunca parar o pensar (KOHAN, 2002, p. 127).

Ou seja, pensar como ato de pensar/criação. Essas reflexões me conduzem a uma

questão: ao pensar a aula no ensino superior, ela conduz os sujeitos, nela envolvidos, a pensar

sobre o próprio pensar? Restaria aos saberes senão a reprodução de uma imagem e a negação

42

do pensamento por se encontrar o docente do ensino superior preso a uma política de

modelos, moralizadas e a-singular?

Pensar a questão do tempo pedagógico para além da cronologia e da lei significa que o

lugar pedagógico é o espaço de vida onde os devires imperceptíveis podem se encontrar, não

numa estrutura, mas numa competência, numa sedução, numa vivência estética, apontando

como uma flecha para os encontros-devires. Da noção cara a Deleuze, segundo a qual

ninguém aprende se não se faz de um encontro com aquilo que força a pensar, pode-se

afirmar: não se aprende na reprodução. Na reprodução, o que se aprende é a reproduzir, seguir

o modelo. Não se aprende quando já se sabe, previamente, o que deve ser ensinado, no caso

do professor, e o que deve ser aprendido (no caso do professor e do aluno). Assim é que se

mata a experiência, em seu sentido rigoroso. Não se experimenta, se reproduz.

Como modelo por excelência da instituição escolar, a recognição cumpre uma função

especial a partir da qual preponderam métodos de assujeitamento de tudo o que possa vir a

diferir de uma identidade-padrão, projetada para ocupar o lugar do ideal.

Nós de estrangulamento do que difere nas instituições são compostos por

forças sedentarizantes que codificam a malha fina de uma estruturação

funcional, tanto para das práticas (discursivas e não discursivas), como das

teorias que veiculam seus pretensos fundamentos democráticos. Esse é o

modo arborizado do pensamento e da prática (BENEDETTI, 2007, p.123).

Segundo Benedetti (2007), a educação formal, propõe uma verdade acerca daquilo que

é adequado, talvez por conveniência, mas como ela mesma diz, “jamais de produção” (p.123).

Para esta mesma autora,

[…] o modelo arborescente não se ocupa das condições que produzem a

verdade, pois faz acreditar que elas sempre existiram e sempre estarão

disponíveis igualmente a todos os humanos. A filosofia dos saberes

arborizados nega o pensamento (BENEDETTI, 2007, p.123).

Nesse sentido, recorro a Kohan (2002), que diz “torna-se então evidente que a

educação, pelo menos em certo sentido, não pensa e nega o pensar. A educação não pensa e

nós não pensamos em educação. As reformas, as leis e os programas não pensam e não

deixam pensar” (p. 128).

43

3.1. Resistir, infectar e vitalizar o instituído na educação: possibilidade de movimento no

devir-aula

A educação, preconizada em documentos oficiais, está permanentemente preocupada

em contribuir, em saber se contribui ou não, para um mundo melhor. Supõe e afirma uma

ontologia moralizante, individualista, que renega a vida singular do inesperado, da criação, da

experimentação.

Daí que o problema do ensino visto sob esse ângulo é um problema político que nada

tem a ver com a formação de cidadãos democráticos.

Onde a educação educa contendo e punindo, de forma cada vez mais branda

e inclusiva, é onde ela é flagrada mais robusta em sua missão de civilizar o

bárbaro. Essa é a educação que faz adoecer psicologicamente e politicamente

seu rebanho (BENEDETTI, 2007, p.122).

Um ensino com modelo que nega as singularidades, “a produção de diferenças, de

novidades doadas ao mundo. Então, é preciso esmagar as linhas minoritárias com a máxima

urgência” (BENEDETTI, 2007 p.123). É importante salientar que a diferença se dá ao mesmo

tempo em que a virtualidade pode se atualizar.

Se não se espera o que não se pode esperar, não se o encontrará porque ele é

inencontrável e sem acesso”. Como esperar o que se pode esperar? Ninguém

espera, deveras, o que se pode esperar se quer encontrar alguma coisa. Como

pensar o que se pode pensar? Ninguém pensa, deveras, o que se pode pensar,

se quer encontrar alguma coisa no pensar. Como não esperar o que não se

pode esperar, como pensar o que não se pode pensar? (KOHAN, 2002,

p.127).

Segundo Lins (2005, p. 1241), a aula como “potência de interação e produção de

sentidos nutre-se do contágio que o vínculo pedagógico provoca, na expansão de cada vida

que se deixa contagiar pelo desejo”. Já Deleuze (2009) afirma que o sentido encontra-se no

próprio problema, ele é constituído num tema complexo, mas esse tema complexo “é o

conjunto de problemas e de questões em relação ao que as proposições servem de elementos

de resposta e de casos de solução” (p.152).

Aguirre (2017), diz que a aula, num devir-criador, é a visão que supre a produção que

passa pelo inter-ser, inter-olhar, sob o signo de uma individuação. Onde o saber não se torna

uma transmissão de poder, ou uma palavra de ordem a qual o aluno universitário é suposto a

44

querer ouvir, aceitar e obedecer, mas sim pensar a aula como diferença livre, com o novo e a

intensidade como pura diferença, o que não pode ser reconhecido, nem é reconhecível.

Os ensinamentos e aprendizados que compõem o ensino universitário vão sendo

destinados a permanecerem para sempre no seu corpo e afecto, desagregam-se

progressivamente ao estender do tempo e da emergente constelação de novas imagens, do

novo, de se surpreender num não-lugar, deixando de seguir modelos para conformar e não

para afirmar uma singularidade. Aqui busco dar evidência ao conceito de aula como criação.

Com isso, movimento um traçar que o novo devir é o por vir, é o provocar de novas

possibilidades de vida como exigência de criação e de experimentação. Um espaço na escola é

uma espécie de não lugar pedagógico, onde os devires encontram-se numa invenção na

potência de interação e de produção de sentidos. Nesse contexto, a aula nutre-se do contágio

que o vínculo pedagógico provoca, na expansão de cada vida que se deixa mover por outros

devires (LINS, 2005). Afinal,

É de fato,o ser vivo, ou todo ser vivo, que produz ele mesmo sua existência

por meio duma atividade criadora de soluções a cada vez inventadas em

circunstâncias singulares. Neste sentido, Deleuze pensa a vida como

princípio da novidade e da diferença, isto é, novidade como movimento de

diferenciação que não pode ser pensado sem a vida, diferença antes de tudo,

como “diferença vital” (LINS, 2005, p.1243).

Nessa mesma linha, ressalvo que cientista também é criador; ele cria, a partir de

referências daquilo que ocupa a maior parte da carga horária dos jovens alunos em aula. Mas

não o é como criador de conceitos; ele não deixa de lado as dualidades, como o verdadeiro e o

falso, o ser e o não-ser, a matéria e a forma, o corpo e a mente, muito embora possamos

encontrar alguém que diga que a ciência vive dos conceitos. “Para falar a verdade, as ciências,

as artes, as filosofias são igualmente criadoras, mesmo se compete apenas à Filosofia criar

conceitos no sentido estrito” (DELEUZE; GUATARRI, 1992, p.11).

Para compreender o “novo” que se produz, é preciso compreender do que se trata o

“pensamento ordinário”. Ordinário é o que se move em uma única direção, que respeita uma

ordem, que avança conforme a sucessão dos elementos conforme disposto. Ordinário também

é o adjetivo para aquilo que é mais banal, vulgar, para aquilo que é costumeiro habitual. Não

se liga, portanto, a qualquer pensamento, mas à imagem “clássica” do pensamento.

O pensamento ordinário é o formatado nas escolas, que se limita ao treino, à

repetição, à resolução de problemas já solucionados. É um modelo que traz

uma narrativa da continuidade ou, no máximo, de rupturas reconciliadas,

45

assumindo uma forma tranquilizante sob o suposto domínio da matéria

(TEZA, 2016, p. 223).

Ainda sobre o pensamento ordinário, Teza (2016, p. 223) afirma que ele “é o que se

crê capaz de representar o mundo como ele verdadeiramente é”. Além disso, a autora acredita

que, embora o pensamento ordinário pode até fornecer as “regras protetoras”, aquela que

podem nos ajudar a encadear nossas ideias e até mesmo nos proteger de uma desordem, no

entanto, não significa que isso nos fará abandonar o pensar, o pensar para além e o contrário

do que se costuma pensar. “Se o pensamento ordinário é representativo, então é este que busca

aprimorar a correspondência com o que lhe é externo, voltando-se cada vez mais para suas

referências, fugindo do caos que é propriamente o pensar” (TEZA., 2016, p. 224).

Sendo assim, é importante recorrer a Deleuze e Guatarri (1992), já que para esses

filósofos, o pensamento, para além do pensamento ordinário, não significa buscar a verdade e

sim estar atento a essa imagem do pensamento, onde a verdade é somente uma imagem criada

pelo pensamento e não uma vontade de verdade. Ou seja, se não há vontade de verdade, há

então uma nova imagem do pensamento onde se cria o novo.

Com Nietzsche aprende-se que um fenômeno nunca tem apenas um sentido, pois é a

própria expressão das forças e do devir das forças que nele estão em tensão. Não há uma coisa

em si em um fenômeno, mas somente suas traduções, interpretações, pluralidade de sentidos.

Interpretações que se encaixam em outras: e assim interpretações que se ocultam em outras,

máscaras encaixadas, linguagens incluídas em uma nas outras (DELEUZE. 2004).

O ensino universitário está organizado até os dias atuais em estágios estanques de

formação acadêmicas por meio de seu Projeto Pedagógico de Curso – PPC. Toda a hierarquia

gestora das instituições seguiu o modelo da burocracia industrial. Hoje, segue o modelo

empresarial.

A tendência que atravessa ambos os modelos chama-se controle. Os docentes ainda me

parecem ser controladores dos discentes, os gestores controlam os professores, os gestores do

sistema controlam as Instituições de Ensino Superior – IES e, hoje, o controle de qualidade da

produção é operado por avaliações institucionais padronizadas, ditadoras do que deve ser o

cotidiano universitário. E o professor que não questiona quando interroga o aluno, dá ordens,

emite uma pequena sentença de morte. Os mandadores do professor não provêm de

significações primeiras, não são consequências de problemas construídos, mas é ordem do

que se apóia sempre, e desde o início, em ordens. A informação o que me diz é apenas a

condição mínima para sua transmissão.

46

Nesse modelo tradicional de IES, o processo está focado no ensino e no professor. Os

professores ensinam, mas os alunos desviantes não aprendem. A qualidade da aprendizagem

dos alunos é avaliada pela capacidade de repetir as informações transmitidas pelo professor,

não se esperam que eles façam relações entre o que lhes é ensinado, muito menos entre os

saberes escolares e outros paradeiros do pensamento.

A concentração de prática educacional expressa em documentos legais propõe a

formação do homem, o que implica em mudar o outro: espera-se que as representações do

aluno mudem, ou seja, deslocadas e que o saber do sujeito sobre si mesmo e sobre o mundo se

altere, mas sempre num sentido previamente designado.

O recurso a uma genealogia rasante do ensino universitário contemporâneo tem por

alvo explicar a atualidade de algumas de suas linhas gerais ainda hoje bem vivas.

Principalmente a ideia de sujeito a formar: alguém que pudesse enfim forjar sua identidade.

Identidade que sempre precisou ser ou inventada ou escolhida entre alternativas fechadas.

Ensinando a pensar o extraordinário, a pensar aquilo que foge ao ordinário, ao pré-

estabelecido, ao reificado que possibilitará a cada aluno fazer a própria ressignificação de suas

experiências, concedendo a cada um condição de ser parte do processo de criação do mundo

que vive. A meu ver, é dessa constituição da aula universitária que poderão sair verdadeiras

pessoas que constroem pelo próprio pensamento o modo de organização do próprio saber, e

que serão, enfim, capazes de superar o mal-estar desse mundo estandartizado, de construir a

própria vida como uma arte de viver, que abre outras possibilidades de vida, de pensamentos,

de escritos.

Invisto na reflexão que a aprendizagem não é um processo de soluções de problemas

nem a aquisição de saber, mas um processo de produção de subjetividades, segundo Deleuze.

Daí o aspecto que gostaria de colocar que diz respeito à questão do ensino e da aprendizagem,

ideia esta sempre difundida pelas correntes teóricas que perpassam a formação do educador,

ideia negada por Deleuze, de vez que para ele aula é um encontro imprevisível e involuntário,

constituindo, assim, um devir-criador: uma aula quer dizer momentos de inspiração, senão

não quer dizer nada (DELEUZE, 1989). O que significa para ser pensada com outros

acontecimentos para além dos processos de normalização dos currículos e suas organizações

disciplinares de corpos e saberes onde o conhecimento possa ser visto sobre outro campo

conceitual já que, nesta perspectiva, é apropriado não como um fruto da interioridade do

sujeito, mas resultante das batalhas pela imposição dos sentidos e conhecer estaria, dessa

feita, na ordem de interpretações infinitas e não na ordem da explicação.

47

A aprendizagem no contexto da perspectiva da filosofia da diferença, não se fixa

apenas na memorização e transmissão de conteúdo. No entanto, esse movimento recognitivo

de conhecer as representações, as disciplinas e a história, se faz também necessário para

traduzir os signos, se fazem necessários para a busca da interpretação dos signos, para fabular

a vida de vez que não há valores fora do mundo, fora da cultura, fora da linguagem, fora das

relações de força.

Em “Proust e os signos” encontro a dedicação de Deleuze (2003) ao aprendizado, num

cenário não escolar, de vez que tal obra tem mais a dizer sobre a aprendizagem dos signos do

que o guiamento das condutas da educação institucionalizada.

Os signos são impressões, são sinais que querem dizer algo e que precisam ser

decifrados. O sentido é uma interpretação necessária do signo, nem objetiva nem subjetiva, e,

para acontecer do acaso do encontro, depende de uma violência. Esta aprendizagem é uma

busca nada fácil pelo sentido, e não está alocada nem no objeto nem no sujeito. Nem no

conhecimento nem no docente, nem no conhecimento nem no discente, nem no docente nem

no discente, nem na docência nem na escola.

Os signos são objetos de aprendizado, objeto obtido a partir de encontros; o sentido é a

essência ou a vontade dos signos; a aprendizagem é a interpretação dos signos; a verdade é do

tempo; a cada dimensão do tempo corresponde um tipo de verdade; o tempo é sempre o

tempo de uma interpretação e mostra o quão profunda ela está. Só se aprende a partir e por

meio da multiplicidade; uma velocidade, um movimento infinito e ilimitado.

Como não pensamos, também não ensinamos nem aprendemos. Não

ensinamos nem deixam aprender os que pensam que ensinam tem a ver com

explicar e aprender com compreender e reproduzir o explicado. Nem os que

pensam, mais aggiornados, que nas competências e habilidades estão os

novos segredos do ensinar e do aprender. Porque aprender, deveras, é uma

experiência, algo que não pode ser previsto, antecipado, predeterminado,

algo que ninguém pode julgar pelo outro e que não pode levar, propriamente,

o nome de ninguém. Tal como as perguntas que não podem ser previstas, os

problemas que não há como determinar, e as soluções que não há como

recortar, e que, todos eles, são sem dono e apenas têm o nome da

singularidade impessoal que os hospeda (KOHAN, 2002, p.129).

A universidade poderia, quem sabe, ambicionar o caos pois, conforme aponta Teza

(2016, p. 226), “só o caos guarda em si as possibilidades de superação do pensamento

ordinário”. Para este mesmo autor, a educação, inclusive a universitária aqui tratada, se

propuser a não ser a repetição mecânica de conceito das diferentes áreas do conhecimento, e

ambicionar a ensinar, a pensar com vistas a novos conceitos além dos que já estão dados, é

48

possível que possa surgir “a aula que ensina a construir os novos conceitos e não a repetir os

velhos, onde o aprender está no meio do saber e do não saber, no fluir do movimento do

pensar com novos e vibrantes encontros” (TEZA, 2016, p. 226).

E essa capilaridade vê que na educação formal só se aprende a interpretar signos

quando se está em risco, como que para obter vantagens na queda-de-braço cotidiano dos

jogos de poder. Alunos aprendem como conseguir a aprovação de seus professores, aprendem

a dizer que estes gostam de ouvir, aprendem como tirá-los do sério. Aprendizado que começa

no seio da instituição familiar e continua nos diferentes níveis de formação: ensino

fundamental, médio ao ensino superior.

Benedetti (2007) reafirma essa captura uma vez que vem me dizer que Deleuze trata

do aprendizado de um homem de letras ao pensar de um mundo a outro, de um regime e

signos a outro, por meio de suas memórias. Segundo Deleuze (2003, apud BENEDETTI,

2007, p. 95),

[…] não se rememora para conservar o passado no presente, não se explora a

memória que remete a recognição, ao reforço da recordação. A memória,

torna-se o meio de um aprendizado que a ultrapassa. Busca que se volta para

o futuro. O tempo passado intervém como uma estrutura do tempo; não é sua

estrutura o que importa, mas o que ela pode ter de atualizável. [...] Se

aprender diz respeito aos signos é imprescindível que se afirme que eles não

são objeto de um saber abstrato, mas objeto de um aprendizado temporal que

considera não somente as emissões de signos de indivíduo, mas igualmente,

de uma matéria, de um objeto, de um vivente qualquer.

Ainda nessa perspectiva, utilizando dos escritos de Benedetti (2007), compreendo que

tudo o que ensina emite signos, nos decifrar dos “signos emitidos por um grupo de alunos no

início do ano letivo é objeto de aprendizagem mais ou menos consciente do professor” (p.95).

As interpretações desses signos emitidos variam, e com eles é possível que o ocorra o choque

entre signos e acontecimentos, o que pode gerar efeitos de aprendizagem (BENEDETTI,

2007). Assim, segundo Orlandi (2004, p.128, apud BENEDETTI, 2007, p. 95), aponta para o

que “[…] aprender com outrem é embarcar num devir que intensifica os envolvidos numa

aliança de questionamentos, e não de adesões recíprocas”, trocando pequenos

esclarecimentos, arquitetando saídas não verdadeiras, mas provisórias, fazendo escapes,

rasgos para se poder pensar e viver coisas outras.

Dessa maneira, Benedetti (2007), ainda faz referência a Deleuze dizendo que:

A habilidade em decifrar os signos de uma especialidade não garante a

decifração de tudo o mais. Talvez por isso, interpreta que Deleuze aponta

como tarefa do aprendiz a busca por compreender por que alguém ou algo é

recebido em determinado mundo e não em outro, por que deixa de sê-lo em

49

determinado momento, a que signos obedecem a esses mundos, quem são

seus legisladores. Uma fórmula interpretativa, se funciona aqui, pode não

significar nada ali, noutro regime de signos, noutra composição de forças e

formas, movimentos e traços, matéria de expressões diagramadas

(BENEDETTI, 2007, p. 95-96).

50

3.2. Constituindo um corpo para a aula

Assiste-se, na contemporaneidade, à diluição das afiliações sociais tradicionais:

gênero, raça, país ou local de nascimento, família, classe social. Os “problemas de identidade”

passaram a eclodir quando o sentimento de identidade deixou de contar com o que a fazia

parecer natural, predeterminada e inegociável aos olhos de uma razão coincidente com própria

consciência do indivíduo.

Entretanto, o lugar da identidade mantém-se não apenas no discurso das narrativas de

si, mas nas ações correspondentes que se esperam desse auto-reconhecimento subjetivo. Por

conseguinte, assiste-se a toda ordem de dificuldades provenientes do caos de se entrar em

contato como o que não se conhece nem se reconhece: com o novo. A crença numa essência

construtiva da subjetividade é bem-vinda pela maioria dos indivíduos, pois, aplaca em parte, a

angústia diante os limites do conhecimento sobre si e sobre o mundo.

Subjetividade sim, desde que conhecida em processo de constituição com as forças do

presente sempre relativas às instâncias coletivas, sempre compreendidas em processos de

produção; produção ativa do ser, composição de forças desancoradas da interioridade do

sujeito concebido como foco de apreensão do mundo, unificador dos estados de consciência,

terminalidade última da individuação. Tradicionalmente, o princípio de individuação reporta-

se a um indivíduo já constituído.

Segundo Guatarri (1992, p. 20), a subjetividade é entendida como uma “multiplicidade

que se desenvolve para além do indivíduo, junto ao socius, assim como aquém da pessoa,

junto a intensidades pré-verbais, derivando de uma lógica dos afetos mais do que uma lógica

de conjuntos bem circunscritos”.

A subjetividade diz respeito a distâncias coletivas, não pelo fato de que a subjetividade

(coletiva) seja referenciada a um ou mais grupos, mas porque constituída de multiplicidades

de componentes que se afetam mutuamente em complexos de subjetivação – indivíduo-grupo-

máquina-espaço-práticas-trocas múltiplas. E só se criam ideias, conceitos, teorias, mas

também, modos de vida, cultura, em estados nascentes, se o corpo e o pensamento estão às

voltas com as forças do fora. Como dizem Deleuze e Guattari (1997, p. 48), no lugar de um

pensamento-essência, um pensamento acontecimento, “[...] um pensamento que faz apelo a

um povo em vez de se tornar por um ministério".

No “Abecedário” de Gilles Deleuze, uma série de entrevistas dadas a Claire Parnet

(1988-1989) encontrei sua manifestação sobre a aula dizendo que ela é um cubo, ou seja, um

espaço-tempo. Para Gobatto (2016), uma aula pode ser vista como uma maneira de inquietar,

51

seja com novidades radicais, ou mesmo com as dificuldades e os problemas, estes

possibilitam encontros com ações sempre novas que aumentam a potência do aprendizado.

Gobatto (2016) diz,

Um mergulho na aula não para tê-la como início ou fim, mas como meio

para criar novos pensamentos, um ponto de vista próprio sobre a realidade,

pois é no meio que brotam todas as criativas e criadoras. Um caminho dos

encontros dos corpos (educador e aluno) para criar novos pensamentos,

singularidades; da aceitação do acaso e suas consequências. Uma aula como

diferenças, uma intensidade de devires constante na criação de

singularidades coletivas. Diferente das aulas de uma educação formal

presentes na orientação dos programas curriculares, com suas regras

metodológicas, avaliativas, com metas e objetivos (habilidades e

competências), um modelo que se repete, sedentário, que paralisa o

pensamento (GOBATTO, 2016, p.28).

Nessa série de entrevista, “O Abecedário de Gilles Deleuze”, Deleuze (1989)

referenda sobre a aula e a relação que podemos ter com os estudantes, que é:

[…] ensinar que eles fiquem felizes com sua solidão. Eles vivem dizendo:

’Um pouco de comunicação. Nós nos sentimos sós, somos todos solitários’.

Por isso eles querem escolas. Eles não poderão fazer nada em relação à

solidão. Temos de ensinar-lhes os benefícios da sua solidão. Esse era o meu

papel de professor. O segundo aspecto é um pouco a mesma coisa. Não

quero lançar noções que façam escola. Quero lançar noções de conceitos que

se tornem correntes, que se tornem não exatamente ordinárias, mas que

tornem ideias correntes, que possam ser manejadas de vários modos. Isso só

é possível se eu me dirigir a solitários que vão transformar as noções ao seu

modo, usá-las de acordo com suas necessidades. Tudo isso são noções de

movimento, não de escola.

Tomando como referência Corazza (2012), encontro afirmativa de a aula pôr-se num

jogo, cujo jogo permite novos modos de seu uso, que ela nunca se está dentro de seu tempo o

que significa sua atualização de modo descontínuo e deslocado. E ainda:

Sendo um operador sombrio de uma aula contemporânea, saboreie o modo

inadequado de não coincidir ou aderir perfeitamente às pretensões do seu

tempo; pois, quando isso ocorre, não se pode manter o olhar fixo sobre ele e,

tampouco, fazer com que os mais diferentes tempos se comuniquem; daí,

para uma aula contemporânea, destina-se: a) a dissociação; b) o anacronismo

(CORAZZA, 2012, p. 50).

Ou seja, fazer a aula como forma de jogo é estabelecer uma relação com afetividades e

intensidades com os conceitos filosóficos. Para Gobatto (2016), ressalta que, caso esses

conceitos provoquem e façam pensar eles também podem fazer criar.

52

É importante que o aluno capture, roube-os, recrie-os ou crie um novo

conceito. Isso faz do conceito investigado um instrumento para pensar o

sentido: que deu origem a esse conceito e também os que controlam a

realidade do estudante. Assim, o que está em jogo numa aula é o ato criativo,

a capacidade de criar os próprios pensamentos colocando energias para que o

múltiplo apareça nas formas dos conteúdos trabalhados e não o simples

domínio e a compreensão de um acontecimento, tomando seu pensamento

como uma verdade absoluta, sem problematizá-lo. Trata-se de fazer com que

o estudante crie seu próprio estilo, um agenciamento de enunciação. Ao fazer

esse caminho, isso não o exclui de ter um entendimento sobre o ser

profissional, seus desdobramentos, pois não se cria um conceito a partir do

vazio, do nada, mas de encontros. O importante no encontro com a aula é o

ato de criar conceitos, para dela se servir como ferramenta para criar um

pensamento próprio, uma experimentação-vida (GOBATTO, 2016, p.28).

Uma aula, apostando na multiplicidade de olhares deleuzianas não tem como objetivo

ser entendida totalmente, pois ela há nela movimento, deslocamento e também mudanças,

onde operam várias vozes. Por isso elas são tratadas por Deleuze (1989) como um musical.

Para ele, cada ator que compõe uma aula – estudante, professores – se apropria do que lhe

convém. Essa relação entre os atores de uma sala de aula vai além da emoção e da inteligência

significa as diversas expressões da vida e o encontro com a interdisciplinaridade Deleuze

(1989) diz:

Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas de acordar em tempo de

captar o que lhe convém pessoalmente. É por isso que um público variado é

muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que

pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma

espécie de textura.

Dito isso, em Pellejero (2016) encontro expressão:

Se pensa como se habita um meio, por variação contínua; se pensa

“começando pelo meio” de uma espécie de colcha de retalhos por terminar,

em si mesma passível de mudar de forma pelo agregado de novos elementos,

de novas ligações. (PELLEJERO, 2016, p. 143).

Por outras palavras, tem-se o pensamento de que pensar é poder, ou seja, estabelecer

relações de forças, no entanto, elas não se limitam à violência, mas constituem ações sobre as

ações como incitar, induzir, desviar, facilitar ou dificultar, ampliar ou limitar, tornar mais ou

menos provável (DELEUZE, 1992).

Gobatto (2016), fala que ao incluir a vida como acontecimento que se produz como

um devir, um fazer-se, não com categorias acumuladas estamos buscando ver e especialmente

viver em educação, pois ela é singular e, como tal, não previsíveis na lógica de uma matriz

identitária, na qual tudo está definido. Não se imita, pois, ao criar, se está abrindo passagem

53

para outros processos que não o idêntico, o identitário. São modos de subjetividade coletiva

sempre se fazendo, acontecendo.

Com Deleuze, lido com uma ética do acontecimento, em cuja internalidade

se busca não no tempo constituído pela continuidade, mas o aberto pelo

intempestivo da atualidade, sem categorias fixas, pelo qual o sujeito torna-se

diferente do que é sendo ele mesmo. Provoca-me, nessa linha, entre outras

coisas, a ideia de que a educação não está preocupada com a instauração de

nenhuma falsa totalidade. Não interessa criar modelos, propor caminhos,

impor soluções. Importa fazer conexões, trabalhando o entre dois, entre as

coisas, no intermezzo. Assumir a potência do pensamento ao colocar-se o

mais perto possível do infinito, pois um pensamento é tanto mais criativo

quanto menor for o seu abrigar (GOBATTO, 2016, p.25).

O pensamento tem que se assumir necessariamente na sua politicidade mais própria,

isto é, no que tem de objetivo, de inovador e de resistente a respeito do meio no qual se

desenvolve. Nesse preciso sentido, o pensamento composto de imagens prontas

representativas é violentado por signos que colocam o pensamento a pensar, a criar.

É sobre esse horizonte que assinalo a demarcação deleuziana de criar devires,

experimentar o virtual incluído em uma situação, lançar multiplicidades, acontecimentos

cotidianos que silenciosamente deslizam para além das fronteiras do instituído, práticas de

resistências que, substituem os processos genéricos de alienação, que se reproduzem e se

difundem no cotidiano da aula – por processos de emancipação da subjetividade,

possibilitando, assim, a expressão de singularidade, diferenças, fluxos nômades e da

experimentação.

Nesta direção capturo a aula como situação singular que se efetiva no âmbito das

práticas educativas cotidianas, que atualizam o presente a partir do movimento, da

experimentação, do processo de criação que expressa uma reativação permanente de uma

prática ainda não instituída e implica uma atualização da realidade, produzida num lugar e

num momento singular de potência criadora do novo e do inesperado.

Num contexto em que a principal metáfora do ato pedagógico segue sendo a alegoria

da caverna de Platão, em que a educação vale-se de métodos feitos para ensinar e para

aprender, controlando e colonizando todo o processo educativo, as provocações postas pela

Filosofia da Diferença podem constituir-se em armas de resistência, em instrumentos para

uma descolonização da educação e é aí que me apoio neste estudo.

O que destaco em Deleuze e a construção de um espaço em que seja possível criar – a

partir de pensamentos possíveis de entrar em relação – contos que expressam um pensamento

da diferença que funcione como alternativa ao pensamento da identidade ou da representação.

54

Para Freitas e Mendes (2004), Deleuze em seus escritos considera o conceito como o

contorno, a configuração, a criação de um acontecimento por vir. E, talvez por isso, um

conhecimento, um conhecimento de si e o que ele conhece.

Infere-se daí que o aprendizado assume a forma de um círculo em que o movimento é

o de reincidir, retornar, reinventar, reiterar, raspar, recomeçar fazer rupturas. Em última

análise, a lógica circular do aprender aponta para o inacabamento do processo. O aprendizado

jamais é concluído e sempre abre para um novo aprendizado. Ele é contínuo e permanente,

não se fechando numa solução e não se totalizando em sua atualização, precisando por isso

ser sempre reativado.

Como já salientado, é no pensamento, para Deleuze, que se dá o ato de pensar como

criação, para fazer dançante a vida e assim movimentar o pensamento. O pensar se dá por

encontros. Expressa Deleuze que a vida, antes de ser natureza, é campo de imanência do

sujeito a si mesmo, desejo de preservar em seu próprio ser, desejar o próprio desejo, constitui-

se a si desejante, ser causa imanente de si próprio. Não há uma instância superior que antecipe

a imanência de uma graça ou desgraça que se atualiza. Nenhum manual de instrução, nenhum

cardápio legível de possíveis para um impensável funcionamento sempre simultâneo à sua

formação. E quaisquer ondas ou partículas que sejam desejo, em intensidade e ação

revolucionária, por mais ínfimas que possam ser ou parecer, são capazes de catalisar, quando

menos se espera ou se suspeita, o irromper de uma atualização, às vezes em rede.

No que concerne à educação, a liberação da vida é o grito de um devir-canto, no

exercício de um pensamento minoritário que destrona o sujeito da educação de seu lugar

habitualmente mortífero, amplificando assim a possibilidade de afirmar que, entre a educação

e o plano de pensamento de Deleuze e Guattari, vida produzida por devires e germinadora de

devires. Vida que irrompe, resiste e ocupa o mundo da educação, com sua graça, desejo,

imanência, vontade e potência.

55

3.3. Ato de aprender: um encontro possível no movimento da aula?

Kastrup (2005), afirma que o encontro entre professores e alunos se dá entre o

encontro de forças, potências e experiências não recognitivas, podemos observar nesta relação

o devir-mestre. Para ela, essa relação é

[…] a chamada relação ensino/aprendizagem, faz-se no coração das

experiências de devir, onde o novo é experimentado. […] Pois ensinar é, em

grande parte, compartilhar experiências de problematizações. Estas podem

ser fugazes, emergindo no campo da percepção e se dissipando em seguida.

Mas é imprescindível a manutenção de sua potência para a invenção de

novas subjetividades e novos mundos. (KASTRUP, 2005, p. 1287).

(Des) organização estruturais, no ato de ensinar ou de criar em aula conduz o pensar e

ensinar/aprender de diferentes modos, uma aula que desacomoda que se perturba que é posta

no movimento de constituição se diferenciando. A sensação de desacomodo dos formatos

estáveis perturba, produz um movimento que violenta, que provoca estranhamento por não

produzir a sensação “romântica” de conto de fadas. Mas, assim, cria condições de

possibilidades para outras criações, para uma aula que pode ser tomada como dança das

possibilidades. Dança essa que é convencionada como dança contemporânea, uma

possibilidade ética de viver essa arte. A dança das possibilidades não é a dança em que se

podem tudo, mas a dança com a qual se pode variar os modos de ensinar sem compromisso

com os regramentos. É uma dança que dá condições para pensar os modos de ensinar e

aprender e a singularidade da criação artística de cada um, mais do que os modos pré-

estabelecidos de ensinar, de viver a aula em diferentes possibilidades e potencialidades.

(FERRAZ, 2014).

Kastrup (2005, p. 1277) acompanha a reflexão de Deleuze, na perspectiva de que:

“aprender é, então, em seu sentido primordial, ser capaz de problematizar a partir do contato

com uma matéria fluida, portadora de diferenças e que não se funde com o mundo”. Falar em

invenção de problemas abala, racha, faz bifurcar o fluxo recognitivo habitual. É uma

perturbação (breakdown) diante da constatação ou desconfiança de que nada existe de

antemão, nem problemas, muito menos soluções. O mundo não é pré-existente, nem fixo, nem

nunca está pronto, mas em movimento.

Movida nessa compreensão, compartilho com a autora que aprendizagem deve ser

assumida como cultivo, “o que resulta no aumento da força e da potência que já existe na

cognição, como virtualidade” (KASTRUP, 2005, p. 1278). O aprendizado por cultivo é o

56

processo de atualização de uma virtualidade que ganha o sentido de diferenciação, enquanto o

esforço, de esforço sem esforço. Desafio desejado. O processo de criação enfrenta, a cada vez,

novas coordenadas numa multiplicidade em heterogênese. Kastrup (2005, p; 1279) nos diz

que “O problema do tempo do treino é relevante aí, tanto no sentido de apropriação desse

gesto, do fazê-lo seu”.

Vejo então que “O aprendizado inventivo depende, de saída, da suspensão da atitude

recognitiva” (KASTRUP, 2005, p. 1279). No entanto, essa atitude recognitiva de Kastrup

(2005) é uma espécie de primeira lição, em que “as atitudes recognitivas são as que

preponderam no contemporâneo” (BENEDETTI, 2007, p. 139).

A mestria do professor consistiria em não se contentar em transmitir novas e

numerosas informações, mas em produzir experiências que não envelhecem. Assim, Kastrup

(2005) anuncia:

O desafio não é capturar a atenção do aluno para que ele aprenda, mas

promover nosso próprio aprendizado da atenção às forças do presente, que

trazem o novo em seu caráter disruptivo. Pois ensinar é, em grande parte,

compartilhar experiências da problematização. Estas podem ser fugazes,

imprescindível a manutenção de suas potências para a invenção de novas

subjetividades e de novos mundos (KASTRUP, 2005, p. 1287).

É possível, a partir daí, pensar a aula para as vivências e para a vida de modo amplo. É

possível pensar a aula que se dá em materialidade e intensidades que tem o movimento

constituído de si, uma potência que pode dar condições para vir a ser possibilidade de outras

experiências, produzindo diferenças, diferencial em si, produzindo possibilidades para

experimentar a si mesmo... e a vida vai se constituindo de constantes investigações, de

acumulação dos conhecidos adquiridos em experimentação que dão condições para pensar o

que fazer, como fazer, onde fazer, para que fazer, quando fazer e ao mesmo tempo se dá em

acontecimentos.

O debate que aqui empreendo, faz-me tomar o “Abecedário: Educação da Diferença”,

organizado por Sandra Mara Corazza e Julio Groppa Aquino. Por meio dessa obra encontro

caminhos interpretativos do aprender que é explicitado não como operações simples por

constituir-se processo complexo, geralmente subentendido a padrões. Aqui transcrevo Luiz

Fuganti (2009) – um dos autores que escreve na obra citada acima - que no capítulo

“Aprender” tece sobre o procedimento educacional.

Todo nosso procedimento educacional traz uma espécie de desgosto

sutilmente dosado em cada etapa do processo de aprendizado, uma vez que o

ensino dominante em nossas formações sociais não visa a um aprendizado

57

potencializador das forças ativas imanentes aos modos criativos de vida

(FUGANTI, 2009, p.17).

Compreendo, a partir dessa colocação, que necessário permitir-se em ocupar, desfazer,

desmanchar, destruir, descartar, desembaraçar, menoscabar, quebrar, dissolver o já instituído

para se mobilizar a experimentar o novo, possibilidades de se operar ruptura que fratura

completudes ou normalizações num jogo aula-aprender-ensinar. Afinal, é por esse caminho

que se abre a possibilidade de criação. Aqui roubo os dizeres de Adó (2013, p. 163): “arregace

as mangas e, como um prestidigitador e ilusionista, faça força para que o múltiplo apareça nas

formas dos conteúdos correntes. Faça uma aula contemporânea! ”.

Fuganti (2009) ainda anuncia em seu texto que o aprender é parte integrante dos

mecanismos que operam a serviço de poderes de captura da vida, impondo um aprendizado a

partir da inoculação de uma insuficiência de ser, ou seja:

É preciso desqualificar a experiência direta para depois requalificá-la pela

aquisição de um sistema de mediação. É preciso desaprender o desejo

intensivo imediato para poder inscrever nele uma intencionalidade que possa

legitimá-lo – soldá-lo à norma para formar o sujeito moralmente

responsável. É preciso desqualificar movimentos intensos próprios do corpo,

produtores de lugares inéditos, para quantificar movimentos segmentados

tornados extensos e úteis, distribuí-los num espaço homogêneo e

esquadrinhado – organizar o corpo para torná-lo eficientemente útil e

atribuindo-lhe seu devido lugar. É preciso desqualificar a potência singular

dos tempos heterogêneos que emergem na experiência do pensamento, como

carente de sujeito neutro e verdade universal, para requalificá-la como

representações produzidas por uma cadeia de signos em um tempo

homogêneo, submetendo o pensar à ordem da linguagem com suas

generalidades e associações – submeter o pensamento à consciência para

formar o sujeito do conhecimento competente que opera com universais

(FUGANTI, 2009, p. 17).

Neste pressuposto, Costa (2012) em “Para ‘dar’ uma aula e fracassar” vem salientar

que a aula deva se constituir em uma potência inventiva dos encontros e não a análise dos

elementos isolados. Para tanto, fabule, selecione, componha, invente, não negue à aula uma

dimensão de confronto do planejamento com seu fora, do estabelecimento com o imprevisto,

da certeza com o indeterminado.

Como já anunciado, para Fuganti (2009), o aprender implica a ordem de se encontrar

um sentido ativo e potencializador na experiência do aprendizado, que retoma Deleuze

quando referenda que é preciso problematizar a própria noção de experimentação acreditando

no devir, qual seja, nas potencialidades da inovação, criação e de transvaloração do trabalho

pedagógico e das experiências curriculares a partir da experimentação abrindo uma nova

58

perspectiva para interpretar a atual na realidade educacional marcada pelo aprender. No meu

entendimento encontro em Deleuze (1997):

De certa maneira, é preciso começar pelo fim: todos os devires já são

moleculares. E que devir não é imitar algo ou alguém, identificar-se com ele.

Tampouco é proporcionar relações formais. Nenhuma dessas duas figuras de

analogia convém ao devir, nem a imitação de um sujeito, nem a

proporcionalidade de uma forma (DELUZE, 1997, p. 64).

Retomo Deleuze e Guattari (1997), que destacam:

Devir é, a partir das formas que se tem, do sujeito que se é, dos órgãos que se

possui ou das funções que se preenche, extrai partículas, entre as quais

instauramos relações de movimento e repouso, de velocidade e lentidão, as

mais próximas daquilo que estamos em vias de nos tornarmos, e através das

quais nos tornamos (DELEUZE; GUATARRI, 1997, p. 55).

Com esse propósito recorro a Fuganti (2009) que, ao buscar a experimentação a partir

da Filosofia da Diferença, declara:

Experimentar não é uma simples troca que produziria um enriquecimento

instrutivo e agregador de valor, incorporando procedimentos e tempos como

provas para uma unidade subjetiva em formação. Esse seria seu sentido

aparentemente positivo, mas ordinário. Experimentar pode ter – e tem – um

sentido mais nobre. Pôr-se em variação afirmativamente e de modo

extraordinário a partir de um encontro intenso de desejo, é produzir

diferença real no modo de existir e memória de futuro como condição de

continuidade e de relançamento do desejo e do pensamento assim

transmutados (FUGANTI, 2009, p.17).

Ao fazer uma aproximação da experimentação, como ato de criação e sua vinculação

com o aprender acenam-se para algumas inferências sobre as experiências e sobre o oficio de

educar. Cabe salientar que existe um conjunto de forças e apelos da sociedade que atuam

sobre a aula. É preciso pensar sobre o agir ou reagir diante dessas forças para fazer a aula

criativa, com genealidade capazes de superar a suposta submissão às verdades e padrões

impostos pela racionalidade técnica ou pela tradição. Uma aula aberta tributaria de sentidos,

das invenções que valoriza a realidade vivida, transpersonalizado, modos de pensar

mobilizando o aprender, cujo processo do aprendizado, Fuganti (2009) depende:

Do modo como se extrai o ser do devir que experimentamos e também do

modo como se conserva no tempo e se disponibiliza esse algo naquilo que

passa, esse passado na condição de ser que é, como função de futuro; do

modo como o ser do movimento que produz corpos é extraído e acumulado

na forma de dispositivos cerebrais, os quais disponibilizam o movimento

59

extraído, acumulado e contraído no hábito, que se forma no devir do corpo

presente (FUGANTI, 2009, p.17).

Toda experimentação nesse sentido, cria intensidades capazes de colocarem o

pensamento em meio de transpor ou lançar-se fora de si, encontrar o lado de fora da fronteira

do corpo e da mente como porvir inédito do movimento e do tempo, simultaneamente ao que

se modifica ou devém dentro de si, estabelecendo um ritmo capaz de aprender o que pode

atravessar a fronteira e amplificar o ser, segundo o que se passa na própria fronteira do devir.

Dalorosa (2012), destaca que “entre os passos escriturantes de uma aula, todo o texto

de fruição é feito em meio à produção de sentidos, em meio à vida, na experimentação de

outras formas de expressão [...]” (p.58). Disponibiliza em seu texto a leitura clara de que a

aula constitui um meio de aprendizagem criando intensidades capazes de colocarem o

pensamento em cena, colocando rigor e mente como elementos necessários a ela.

Nessa linha reflexiva, capturo que o aprender passa por experimentar novas relações,

construir novas composições; o pensamento como plano de composição onde as relações e os

acontecimentos se constroem e de desconstroem. E destaco que Deleuze (2009), em sua obra

“Diferença e Repetição”, apresenta um entendimento do pensar sem estar atrelado à imagem

da recognição, representação.

Pensar não implicaria a capacidade de resolver problemas, mas de criar, construir suas

próprias produções de acordo com o contexto inserido e com o sentido encontrado pelas suas

condições. As singularidades e as diferenças aqui se fazem presentes numa vez que cada

sujeito apresenta construções acerca de problemas suscitados. Cabe salientar que a Filosofia

da Diferença não define o problema pelas suas possíveis soluções, mas pelas condições

implicadas no sujeito capaz de provocar encontros.

Posso pensar a aula que provoque encontros que mexam, desassosseguem que

instiguem a aprender, demandando do pensador uma abertura para aventura do pensamento,

encontrando o diferente, o novo, enquanto produto de criação.

A primeira condição do aprendizado criativo é, portanto, a constituição de um entre

um meio comum afirmativo, extremo do acontecimento, como princípio motor de

diferenciação e ampliação da diferença que nos constitui, afirma Fuganti (2009) que,

A experiência do pensamento e o aprendizado dos modos imediatos de

produção de diferenças e de sínteses do tempo como singularidades:

aprender o que pode o pensamento. A experiência do corpo e o aprendizado

dos modos imediatos de produção de diferenças e de sínteses de movimento

na matéria: aprender o que pode o corpo. A experiência da escolha ou os

modos imediatos de produzir diferenças e sínteses de maneiras de ser:

60

aprender o que pode a ética. A experiência da continuidade do querer e o

aprendizado dos modos imediatos de produzir diferenças e sínteses como

memória de futuro: o que podem os modos de registro como concentração e

re-disponibilização de tempo e movimento, como produção de consistência

ou linha livre de continuidade auto-sustentável, incluindo aí a continuidade

da capacidade sempre crescente de aprender (FUGANTI, 2009, p.18).

Dessa forma, é importante pensar um ensino superior que não imponha o que o aluno

deva pensar e que não considere este sujeito unificado, mas rachado, capaz de se permitir ir a

um encontro com algo que o force a pensar, possibilitando uma abertura ao aprender com aula

como espaço aberto para que estes possam experimentar conceitos produzidos a partir de

estranhamentos e inquietudes, atravessada por acontecimentos, devir, pensar, imaginação,

encontro, multiplicidades.

61

3.4. As múltiplas criações do ensinar: lançar semente ao vento com a esperança dos

encontros que possam produzir

Em seu texto “Ensinar”, Zordan (2009, p. 36) destaca que “nada se ensina; tudo se

vive. Dizem que a vida ensina. Mas quem ensina, às vezes, esquece da vida porque vive para

ensinar”. Na contramão, muitos conceituam o ato de ensinar como a arte de transmitir

conhecimento e dar habilidade racional a alguém que não as possui ainda, com paciência,

dedicação e, por que não, com o aprimoramento do seu próprio saber, para assim poder

ensinar. É saber também aprender a ensinar; é a arte de construir o conhecimento,

contribuindo para o acréscimo da sabedoria. O principal intuito de ensinar é dar condições

para que o aluno construa seu conhecimento. Quem ensina tem que, primeiramente, fazer

quem aprende perceber que é preciso questionar sobre tudo nesta vida. Muitos profissionais

de educação postulam o ensinar como ato de passar informações para outro indivíduo,

ensinando e incentivando o crescimento pessoal e pedagógico do aluno.

Todavia, comungo com a ideia de que ensinar é saber ouvir, dialogar e interpretar os

conhecimentos do nosso cotidiano. É dedicar-se a ensinar e a colaborar educacionalmente

com o crescimento e desenvolvimento da sabedoria humana; como também reter um

conhecimento com o intuito de juntar muitas pessoas e difundir esse conhecimento para

tornar, de uma forma mesmo que pequena, o mundo desse grupo melhor. Ensinar, assim é a

arte de mobilizar pensamentos, uma vez que o pensamento é sujeito do objeto a conhecer.

Para pensar o pensamento como o ser da diferença, Deleuze inaugurou a

filosofia da diferença que subverte o platonismo. Não o nega, mas dá valor

ao simulacro. A Filosofia da Diferença é o que afirma a potência do falso, é

criação. É pensar na imanência. É a filosofia que considera a verdade como

verdade do tempo (SANTOS, 2015, p. 113).

E a aula é determinada como problema por acumular uma multiplicidade de

determinações – a aula como propulsora de disparos, é a condição de possibilidades das

atualizações de singularidades.

É impossível ensinar sem mostrar criações para que haja um prevalecer de imagens e

palavras, verbos os quais codificam signos em linguagens e este é a principal função do

ensino, (ZORDAN, 2009). A aula é como a causa do ensinar, mas não uma causa que espera

causar um efeito determinante, como a lógica dual da representação, mas como uma condição

imanente diferenciadora, problematizante. A aula é altamente instável ou fluida e não para de

62

construir mutações no ensinar. Apesar de repetir sempre a mesma aula, ela nunca é a mesma,

portanto impossível de se inaugurar uma generalidade abstrata; assim como a aula nunca

representa um mundo anterior a priori. Ela produz, a cada repetição, um novo modelo de

verdade, um novo tipo de realidade.

Ensinar é esquecer-se de si mesmo, num desdobramento de centenas de

corpos que em aulas, palestras, orientações, preleções, lições, atravessam

voz e visão. Geralmente ensinamos com palavras, mas o que efetivamente se

aprende passa por ações e exercícios que quem ensina propõem. Pelo menos

para antever a vivência que realmente ensinará. Porque aquilo que se ensina

não é exatamente o enunciado de quem professa o ensinamento. O professor

apenas discursa. Fala sobre uma matéria que, uma vez provada, ensina por si

(ZORDAN, 2009, p.36).

A aula é considerada a potência de diferenciação do ensinar, aquilo que permite o

movimento de acrescentamento de si mesmo e que não pressupõe repetição por reprodução.

Referendo em momentos posteriores, nesta tese, que ensinar/aprender envolve a

transvaloração. Daí, concordar com Zordan (2009), quando afirma que quem ensina gosta de

transvalorar. E explicar como: criando valores, operando com a loucura dos sentidos. De outro

modo, não estaria submisso ao baixo valor mercantil do magistério. Nem se submeteria a

regras que em nada dizem respeito ao amor fatídico do ensino. Quem quer ensinar esquece e

vive em meio à aula, à matéria, às palavras, aos livros. Aula é uma arte constitutiva do

ensinar. Mestre é quem faz algo pelos outros, por amor, com paixão por aquilo. O professor

que realmente ensina o faz porque aprendeu a mostrar a coisa de um modo tal que todos que

dela provam, aprendem com o problema problematizante. Porque quem ensina sabe que a

coisa tem outro sabor quando dividida. Partir, abrir, devir, sozinho não tem a menor graça.

Ensinar é buscar companhia para paixões porque a aula se fundamenta no movimento dos

movimentos do ensinar, transborda e subverte a forma e a vida se constituindo de

conhecimentos adquiridos em experimentações que dão condições para pensar o que fazer,

como fazer, para que fazer, quando fazer; dando voz ao sentido da aula.

Diante do que foi exposto, afirma Ferraz (2014) ensina-se com “a vida na presença da

vida” (p. 30). Acredito, a partir daí, em uma aula que acontece em ato, que se dá em presença

e não como representação de algo, de alguma coisa ou circunstância.

A leitura e a captura presente nos textos, o ensinar e o aprender me indicam tecer a

compreensão da universidade, lócus onde aula também acontece. Sobre isso, tomo para esta

tese o sentir a universidade como um local genuíno da interpretação “da realidade, da

produção de significados, da criação técnica e tecnológica dos mecanismos de transformação

63

e salvaguarda da dignificação humana por meio do intercâmbio dos conhecimentos, mediante

os quais ela exerce sua função humanizadora” (AZEREDO, 2009, p.112).

Assim compreendida torna-se lócus de investigação, análise, discussão, reflexão e

sistematização crítica do conhecimento vinculado (produção/criação) no movimento ensino-

pesquisa, na relação teoria-prática dos saberes. A teoria, enquanto conhecimento científico

(disciplinar e pedagógico) e a prática, enquanto constituidora de saberes concretos da

realidade escolar compõe o dualismo teoria-prática que se atualiza na imagem da docência

contemporânea.

A busca das interpretações é pela melhor interpretação do signo, ou a busca é pela

verdade contida num tempo que é a quarta dimensão do tempo: a duração. Aprender é

interpretar e interpretar é explicar ou explicar o signo enunciando o sentido ou a essência que

nele estava oculto ou latente para compor outros modos de viver a vida, criando um viver

singular.

A interpretação que se busca é a diferença extraída por meio da faculdade do

pensamento inventivo, que não se aloca, nem depende linearmente do passado, nem do

presente, mas se projeta para o futuro. Por isso, a verdade é do tempo: verdades do passado,

do presente e do futuro. Nessa direção, torna-se importante explicar que o modo como

Deleuze concebe o tempo difere do modo temporal que se costuma caracterizá-lo. O tempo

não está condicionado ao movimento, muito pelo contrário, o tempo é difuso, é complexo, é

rizomático, é referência e sem espaço: trata-se de um tempo que pode ser denominado

“duração”: é o tempo das intensidades, dos devires, das interpretações, das vivências. É o

tempo criador que muda a própria realidade.

Nos diálogos construídos até o presente momento, a meu ver, o que faz aprender é o

encontro com o intempestivo, pois este faz uma violência ao pensamento, e apenas a violência

é que faz pensar. Os signos é que fazem aprender e não o docente, por meio do seu ensino,

nem a escola, por meio de sua realidade concreta. Aprender nada mais é que pensar; pensar

nada mais é do que criar e os signos é que fazem pensar. Assim, não faz sentido ensinar

signos, pois estes são criação e, ao mesmo tempo, objeto do aprendizado. Nessa perspectiva,

Deleuze concebe que a verdade é a essência do signo, que por ser intempestivo, há que se

buscar. Não basta, portanto, uma boa vontade do docente, uma boa metodologia para que se

aprenda; há que se ter um encontro com o inesperado. O conhecimento conforme se apresenta

pela docência contemporânea por meio de seus currículos estacionários, geralmente é tratado

como aquele conhecimento dono de resultados seguros e definitivos, portanto, de nada se

assemelha ao objeto de um aprendizado.

64

Não para uma universidade contemporânea como produtora de conhecimento fechado

e, sobretudo, como sobrevivente do mercado, de uma estrutura econômica, política, resistindo

a tudo isso, se declarando e se expressando lócus de resistência crítica.

Santos (2015) apresenta uma potente crítica ao dizer:

A docência é multiplicidade, e a potência de diferimento da forma é o caos, é

a diferença, são as singularidades emitidas pela aula. A aula é o problemático

não negativo da docência que persiste e que não é suprimido pelas soluções

encontradas, mas insiste através de todas as respostas como uma névoa. A

docência se diz da diferença e exclui o negativismo da variabilidade do

encontro com a aula é afirmar a potência do problemático enquanto condição

de variação. De que modo se pode querer uma docência dinâmica a partir de

repetições de imobilidades? (SANTOS, 2015, p. 166).

Ricardo Conko e Ignácio Antônio Veix, tradutores da obra de Jacques Derrida sob o

título “O olho da Universidade”, comentam que, para Derrida (1999), uma declaração de

quem professa é performativo, pois não há como declarar, sem, ao mesmo tempo, realizar e

assumir o ato da declaração. Nessa linha de pensamento, Azeredo (2009) destaca:

Eis a especificidade do dizer na Universidade, uma vez que ele realiza uma

ação ao mesmo tempo em que fala. E isso permite conciliar a universidade

com a diferença e a singularidade. A declaração é, ao mesmo tempo,

universal e singular, pois enquanto universal contém um conteúdo

constatativo referente ao mundo objetivo das coisas com relação ao qual

cabem pretensões de verdades, mas em termos do professar, o falante como

singularidade se auto-representa diante do outro tendo pretensões, não de

verdades, mas de sinceridade. O valor do mundo está nas interpretações

perspectivas professadas, por meio das quais ele vem a ser enquanto algo

que sempre se desloca e não atinge a verdade por não existir nenhuma

verdade, exceto como avaliação perspectiva e provisória singularmente

assinada. O discurso veicula interpretações que são avaliações perspectivas

por meio das quais o mundo objetivo das coisas, o mundo social das normas

e o mundo subjetivo das vivências se constituem enquanto diferença,

simultaneamente, universal e singular. Eis o domínio designativo do

universo de variedades que faz a Universidade e que a Universidade faz

(AZEREDO, 2009, p.112-113).

Abro esse momento, tempo de reunir os efeitos de ressonância captados por uma linha

do pensamento educacional que vem se municiando de conceitos do plano de pensamento de

Deleuze e Guattari e de outros criados a partir destes, para enfrentar a tradição pedagógica

com novas armas. Trata-se de tomar aqui o ensino em movimento de diferenciação.

Ao se fazer algo entre o plano de pensamento de Deleuze e Guattari e o campo

educacional, tem-se, de um lado, uma filosofia das multiplicidades e, de outro, um campo

65

teórico-prático, que costuma pensar e desejar a formação do ser enclausurado na forma

sujeito. Os textos e teóricos visitados fomentam as chances de a escola tornar-se lócus

privilegiado de composição de forças desejantes, potentes o suficiente para dizer sim a outras

formas de existências; existências dispostas, se necessário for, a criarem máquinas de guerra

afeitas a desintegrar tudo o que ofusca a vida, seja na escola, seja fora dela.

E se a aula não pode ser reproduzida, visto ser mobilidade caótica, então não

dependerá da boa vontade de razão de um docente para reconhecer semelhanças com sua

inexistente generalidade, mas dependerá do encontro violento de decifração com os dignos

que ela emite. Portanto o sujeito da docência não é o professor, o ser problemático da

docência é a aula.

Para Santos (2015, p. 167) o docente “é aquele que se regozija com a diferença que

escapa à representação produzida pela aula. É um docente que se permite a decifração de

singulares”. Nesse raciocínio, Ferraz (2014, p. 31) evoca o “pensar uma outra educação do

outro que não invalida uma educação disciplinar, mas que acontece como produção de

diferença, como modo de vazar uma estrutura.

O que ocorre quando a educação escolar passa a ser pensada na ausência do

sujeito como fundamento e fim último da lida pedagógica? A pergunta pelo

que se passa “entre” a educação e o plano de pensamento de Deleuze e

Guattari remete ao surgimento do novo. Porém, é necessário esclarecer em

que sentido a novidade deixa de ser a mais nova moeda para se tornar um

saber que inventa seus desdobramentos, guiado pela ideia do que seja

envolvente, inquietante, menor e até mesmo modesto (BENEDETTI, 2007,

p. 159).

Assim, posso quiçá arquitetar que entre a força vital do plano de pensamento de

Deleuze e Guattari e a educação, Walter Kohan, em seus escritos, evoca uma política em

sintonia com uma ontologia, da atualização do virtual com a intensidade de uma vida capaz de

acender e manter-se como combustível de criação de novos modos de organização escolar, de

novos valores e de sentidos insuspeitos de habitar a escola. Uma diferença liberada é a

liberação de uma vida a-orgânica, de uma intensidade singular que concorre para provocar

variações nos modos de sentir, de pensar e de fazer educação.

Atentando-me para as diferentes produções literárias de Deleuze e Guattari não seria

descabido afirmar que é da imanência que se espera uma ruptura. Não mais pensar a

imanência a um transcendente, nenhuma imanência a qualquer coisa. Nenhuma consciência

como sendo, por essência, imanente ao ser como sujeito, mas pensar os devires da

66

consciência, provocá-los, se possível a cada embate que force o pensamento a pensar o que

não foi pensado ainda e o que não tem como não sê-lo.

Esta tese, escrita nas margens de tantos textos com os quais me deparo em meu

caminho, visa tocar no meio dessa produção. Assim, tomo Deleuze para pensar a imanência,

como uma política filosófica capaz de resistir ao presente, ativa e afirmativamente, contanto

que a filosofia não seja mais concebida como reflexão sobre, mas criação insurgente.

Produção de acontecimentos, jamais representações.

Benedetti (2007) assevera que em “Diálogos”, Deleuze (1989) caracteriza o empirista

como um experimentador que não tem nenhum interesse em interpretar, já que não carrega em

sua maleta nenhum princípio.

Suas equações são montadas levando em consideração apenas a

exterioridade das relações irredutíveis a seus termos. Isso porque a diferença

não se coloca entre níveis sensíveis e um inteligível, nem entre a experiência

e o pensamento a seu respeito (BENEDETTI, 2007, p. 162-163).

O ser é sempre pensado em seu movimento, em devir, como bem me faz compreender

Deleuze e Guattari. E o movimento do ser é concebido como uma progressão de diferenças

internas. Internas posto que o ser que necessita buscar apoio externo para a sua diferença, ou

que necessita negação para a sua fundação, jamais pode ser considerado como ser, mas uma

espécie dele.

O campo transcendental é puro plano de imanência, lembrando que o transcendente

não é o transcendental (Deleuze, 2002). O transcendente é qualquer coisa de superior, de

supra-humano, de Deus ou da razão. De qualquer forma, é o que providencia o

constrangimento da riqueza das diferenças livres, partículas de afecto, circunstâncias,

virtualidade. Distinto é o transcendental. Este não apresenta nada. Se “faz” alguma coisa,

expressa aumento ou diminuição de potência. Um campo transcendental é povoado por

multiplicidades que são da ordem das intensidades e do movimento.

Em sua essência irrefutável, Deleuze (1992) busca elucidar:

Todos os processos se produzem sobre o plano de imanência e uma

multiplicidade assinalável: as unificações, subjetivações, racionalizações.

Clausuras que impedem o crescimento da multiplicidade, o prolongamento

ou o desenvolvimento de suas linhas, a produção do novo. Quando se invoca

uma transcendência, interrompe-se o movimento para introduzir uma

interpretação em vez de experimentar (DELEUZE, 1992, p. 128).

67

4. DIDÁTICA PARA AS DIFERENÇAS NO DESAFIO A PENSAR E AGIR COM OS

OUTROS: A TRADUÇÃO NO FAZER A AULA

A tarefa do tradutor é redimir, na própria, a pura língua, exilada

na estrangeira, libera a língua do cativeiro da obra por meio da

criação. Walter Benjamin

Quando se trata de considerar a didática da tradução, entendo que as produções de

Deleuze, com ou sem parceria de Guattari, tornam-se um referencial profícuo para um estudo

que se propõe a criar, estabelecer relações, observar ressonâncias. Interessa esse olhar nesta

criação porque Deleuze é outro que se dedicou a pensar o mundo contemporâneo e o processo

pelas vias do conhecido, reconhecido filosófico, e pelo interesse por outras áreas do

conhecimento humano. Desse modo, sua criação é sempre atravessada por referências a

autores de múltiplos campos do conhecimento, elegendo intercessões, que além dos já citados

anteriormente, destaco Kant, Foucault, Hume, Proust, Kafka, Francis Bacon, Melville,

Sanches. Intercessores para Deleuze são autores que fazem com que o pensamento saia da

imobilidade, que conduza a criação, pois fazer filosofia é criar conceitos e não repetir ou

repensar filósofos, cientistas, artistas (MACHADO, 2010).

Marques (2013), ao se referir a Deleuze e Guatarri diz:

Uma armadilha em que se cai quando estuda a obra desses filósofos

franceses é o desejo de compreender o que escreveram a partir de referências

que eles buscam desconstruir. Para eles, não interessa criar referências

universais nem transcendências e, nesse sentido, rompe com paradigmas,

sistemas, modelos fixos – daí vem à importância da noção de multiplicidade

em sua produção (MARQUES, 2013, p.16).

Ou seja, para esses teóricos não interessa indicar caminhos, movimentos, muito menos

soluções. É diante dessa construção que me permito assinalar desafios que o ensino superior

contemporâneo e as ações didáticas que constituem o sentido de aula: aprender a manejar a

diferença como afirmação da própria diferença e as práticas de pensamentos que engendram.

Dessa maneira persigo o eco, o encontro com a vontade de experimentar um sentido

outro da aula. Na chave da criação, um confronto com o já experimentado que abriria espaço

para agitar e produzir outros ambientes e outros modos, a diferença: onde se possa manifestar

a presença de um objeto no mundo existente – o inusitado, o imperfeito.

Identidade/diversidade/singularidades presentes na seara dos estudos universitários, revelando

68

outra forma de pensar, tomando como aporte teórico conceitual as criações dos autores

convidados por mim para esta caminhada.

Os encontros, as oficinas realizadas, os momentos de trocas sensíveis, as viagens de

estudos e experimentações e outras que aconteceram no EFF, no tempo deste convívio no

doutorado, fizeram-me flertar com as práticas de pensamento da diferença, que possibilitam a

reaplicação de experimentações no pensar a didática da diferença. Tal didática não anda em

linha reta, no entanto “sua língua tem de alcançar desvios femininos, animais, moleculares, e

todo desvio é um devir mortal” (DELEUZE, 1997, p. 12 apud CORAZZA, 2015, p. 108). Por

outro lado, há a possibilidade que ela também seja nomeada como da des-tradução, não

“como teoria da cópia ou do reflexo salivar, mas como produção da di-ferença no mesmo”

(CAMPOS, 2008, p. 208 apud CORAZZA, 2015, p. 108).

Sem dúvida, os estudos que têm se valido desse campo conceitual, preconizado pelos

autores da diferença, têm prospectado um campo de afecção. Cabe, aqui, o dizer de Deleuze

(2002) em conformidade com Vinci (2014):

Há três dimensões constitutivas desse conceito spinoziano: a) referente aos

modos, às reflexões finitas (corpos, ideias, etc.) da substância infinita que se

define justamente pelo fato de poderem ser afetados; b) designam o que

acontece corpóreo-intelectualmente aos modos, e, por fim; c) ser afectado

por uma idéia, modificações tristes ou alegres dos modos. Em resumo, nossa

existência é limitada pela de outros modos – e este, assim como nós, possui a

capacidade de serem afectados e afectar. Nesse campo relacional, a afectação

pode ser triste, levando a despotencialização do indivíduo até sua completa

aniquilação, ou alegre, potencializando nosso existir (2002, apud. VINCI,

2014, p.6 ).

Corazza (2015), fomentando um pensar diferente, escreve que:

[…] insiste-se em educar, porque, nessa cena, consegue-se maquinar

didaticamente, com uma especificidade prazerosa, aventureira e aventurosa.

Traduzindo as matérias originais advindas da arte, da ciência e da filosofia,

remete-se a educação à tradição, não restaurando o idêntico, mas levando à

imersão do divergente, por meio de escolhas e mediação, lembrança e

escrileitura dos signos (CORAZZA, 2015, p. 105).

Afirma também que,

Tratamos, desse modo, a concepção de didática como um movimento do

pensamento, uma direção tradutória dos atos curriculares – por si próprios,

transcriadores de elementos artísticos, filosóficos e científicos. Tradução,

que implica menos transportar ou transpor (Chevallard, 1985) os sentidos de

uma língua para outra e mais verter ou recriar: dotando-se da consistência de

romper com o estabelecido; empreendendo novos recomeços; apropriando-se

69

do antigo ou do estrangeiro e tornando-os seus, ao entrecruzá-los com a

língua didática e fazer ressoar a sua voz (CORAZZA, 2015, p. 108).

Evitando apresentar uma exegese das produções lidas e analisadas, tratar-se-á de uma

escrita do pensamento sobre a produção em educação, uma criação, uma experimentação da

didática da tradução, de modo a ofertar ao leitor uma imagem imprecisa da mesma, pois não

buscarei receitá-la apenas atentarei para uma tendência nos estudos da área – incisiva muitas

vezes. Se bem-sucedida ou não, cabe ao leitor decidir.

Reunir aqui Deleuze, Walter Benjamin, Haroldo de Campos , Sandra Mara Corazza e

outros teóricos da filosofia da diferença abrem espaço para que outras experimentações

surjam no grande fazer pensar em uma educação transcriadora no ensino superior, como quão

producente pode ser a didática da tradução. Para que possa responder o que são essas

experimentações no campo educacional convém realizar uma compilação das contribuições

desses intercessores, colocá-las em vizinhança para que dessa materialidade possa emergir

minha posição a respeito da grande inquietude desta tese por várias vezes suscitada em minha

escrita.

Percebo que o encontro com obras, documentos, textos, raramente encerra uma busca,

antes possibilita inaugurar um novo horizonte em seu interior, um novo desconstruir, uma

interpretação, uma possibilidade de pensar e experimentar uma didática da tradução. Para

tanto, cada mergulho dado, possibilitou que novas questões e horizontes emergissem exigindo

a apreensão das singularidades enunciadas no conjunto dos textos e, por que não, uma criação

capaz de me inspirar novos olhares sobre as produções visitadas.

Quiçá, tudo tenha começado por uma experiência educacional contemporânea e muito

menos do que indicar soluções; o que quero assimilar são os desafios que o ensino tem que é

o aprender a movimentar diferença como narração da própria diferença como já foi

intensamente explorado nas partes constituintes desta tese. No extenso universo da tradução, a

conceituação distinta da didática da diferença me leva a compreender o processo criador no

ensino frente a uma apropriação da didática por meio da transcriação do pensamento, na

filosofia, na arte e na ciência. A didática, pensada na existência de uma força deleuziana, se

apresenta “como uma didática da transformação e do desdobramento dos originais, aponta

para a constituição das formas” (FOCILLON, 2001 apud CORAZZA, 2015, p. 109). Sendo

assim,

[…] a tradução consiste numa forma que encontra, nas matérias originais –

consideradas amorfas, em estado informe (Deleuze & Guattari, 1995) –, a lei

da sua própria traduzibilidade, autorizada por sua linha de invenção. A

70

traduzibilidade de uma matéria, que tomamos como ponto de partida,

permite indagar se os originais seriam realmente possíveis de serem

traduzidos (CORAZZA, 2015, p. 109).

Conforme já dito, a tradução proporciona o processo criativo. Guimarães (2015) trata a

tradução como um processo de ligação entre os diversos autores, mesmo sendo de épocas

diferentes, ou seja, a tradução liga autores, espaço, tempo, línguas, culturas e obras. E com

isso há o abandono da identidade. Guimarães e Leal (2015) dizem o seguinte ao tratar acerca

da tradução para os dois tradutores Haroldo de Campos e Herberto Helder:

O tradutor, ou melhor, os tradutores, Haroldo de Campos e Herberto Helder,

devem sair da falsa comodidade da própria língua, abandonar a identidade

que os congrega e os define como sujeitos de uma determinada língua, pois,

assim como a diferença, a identidade é também uma forma de violência que

ataca o que é diferente, rejeitando-o como anormalidade ou aberração. O

abandono da identidade em Haroldo de Campos e Herberto Helder têm como

objetivo promover o encontro com o outro, o estrangeiro, pois será ele quem

dará a real compreensão sobre o próprio (GUIMARÃES; LEAL, 2015, p. 3).

Dessa forma, o tradutor deve estar ao nível do original para que haja a

configuração/criação da língua nacional. A tomada da língua estrangeira como estatuto de

criação da língua nacional é chamada por Haroldo de Campos (2001) de transcriação, que é

algo histórico, pois é a leitura do passado, tradição e cultura de um povo, de forma crítica.

Buosi, Biato e Monteiro (2017) falam que Haroldo de Campos investe na ideia de

tradução como criação e como crítica, assim, vem na contramão da chamada “Tradução

Literal” (p.5).

De acordo com Gerônimo (2014), a teoria da transcriação de Haroldo de Campos vê a

tradução como criação e crítica, em que, ao traduzir o texto, ele será recriado pelo tradutor.

Pois, o ato de traduzir está além da tradução dos conteúdos, traduzir envolve ligação com todo

o processo de criação do texto, como por exemplo, uma poesia, deve-se levar em

consideração os recursos na qual ela foi criada, implicando assim na constituição de sentidos,

fantasias, inclusive signos e imagens.

Nesse gesto inicial de suspensão do valor de comunicação e de concepção da

obra de arte e da tradução, há algo de tático. Trata-se, antes de mais nada, de

promover como essencial para a tradução de poesia aquele “resíduo não

comunicável”, aquele “cerne” (Kern) do original, que permanece

“intangível” (unberührbar) depois que se extrai dele todo seu teor

comunicativo. Ou seja, em outros termos, de estabelecer como tarefa do

tradutor a “redoação” (Wiedergabe) em sua língua, não do mero sentido

71

(Sinn) superficial, mas das formas significantes, como eu gostaria de dizer,

que estão cativas nas obras de arte como “germes da língua pura”, sob o peso

desse “sentido” meramente denotativo que lhes é alheio (CAMPOS, 2011, p.

50).

Atento à possibilidade da tradução, Deleuze (2003) trata os signos como marcas,

marcas-signos, definíveis no mundo e que nos façam a pensar, que nascem do encontro de

corpos afetados, encontro para pensar a potência da diferenciação, da tradução como

possibilidade do pensamento, uma vez que:

A unidade de todos os mundos está em que eles formam sistemas de signos

emitidos por pessoas, objetos, matéria; não se descobre nenhuma verdade,

não se aprende nada, se não por decifração e interpretação. Mas a

pluralidade dos mundos consiste no fato de que estes signos não são do

mesmo tipo, não aparecem da mesma maneira, não podem ser decifrados do

mesmo modo, não mantém com o seu sentido uma relação idêntica

(DELEUZE, 2003, p. 5).

Parece-me oportuno recorrer às produções na década de 80 de Haroldo de Campos em

que dá à tradução um papel de criação, afirmando que a tradução não é uma cópia, mas

mimese que visa a diferença: na tradução mais do que em nenhuma outra operação literária,

se virtualiza na noção de mimese, não “como teoria de cópia ou de reflexo salivar, mas como

produção da di-ferença no mesmo” (CAMPOS, 2008, p. 183).

Segundo Geronimo (2014), aquele transcriar remobiliza o texto levando todo o texto

em consideração e não apenas uma palavra isolada. Ela diz: “a tradução transcriadora não se

contenta apenas com a imagem do significado, mas para, além disso, acende a imagem do seu

significante, da sua forma significante” (GERONIMO, 2014, online).

72

4.1. O sentido da tradução: partilha de ideias benjaminiana

Na tradução transcriadora, vou partilhar, inicialmente, o conceito da tradução em

Walter Benjamin (2011) que me inspira a compreensão de que a tradução, em vez de tornar

igual ao sentido do original, tem, antes, que se configurar amorosamente na própria língua até

ao infinito pormenor do seu modo de querer dizer, a fim de que as tomadas de ambas,

tomadas como cacos, sejam reconhecíveis enquanto fragmentos de um vaso, enquanto

fragmentos de uma língua mais ampla. A ideia de uma continuação da vida da obra para além

de sua produção e da vida do autor remete diretamente à teoria da crítica e da tradução,

desenvolvida pelo romantismo alemão, que fora tema do doutorado de Benjamin em 1919.

Guimarães (2016) observa que Haroldo de Campos investe na posição de que a

tradução percorre o mesmo caminho poético percorrido pelo original. Embora haja uma

igualdade na forma, no entanto existe uma diferença nos conteúdos, fluindo assim a

transcriação de signos. A autora citada atribui esse processo de tradução ao processo de

isomorfia, dando à obra original algo novo que ligará a tradução a uma nova informação

estética, fazendo com que o texto original e a tradução, apesar de terem a mesma forma,

tenham conteúdos diferentes.

Nesse sentido, é um transformador de signos, cuja tarefa é reconhecê-lo com sua

mirada alélica e, por através deles redesenhar a forma semiótica dispersa, disseminado-a, por

sua vez, no espaço da sua própria língua. Daí, extrair algo novo e diferente do original é a

grande realização da tradução, como possibilidade de adquirir e criar.

Entre devires, cruzamentos teóricos, diferenças rítmicas e acadêmicas das teorizações

visitadas que compõem o quadro dos estudos da tradução, revelam que “muitas das discussões

estão voltadas para a prática e que dela pode resultar em um tratamento instrumental da

tradução, no qual se privilegia seu produto em detrimento de seu processo” (PASSINI, 2015,

p. 33).

Segundo Passini (2015), Walter Benjamin, em “A tarefa do tradutor”, entende o

compromisso do tradutor para além do leitor, o que está em jogo não é somente a

comunicação do um conteúdo com aquele que lê, pois o autor se dedica a pensar a tradução

literária. Assim, de outro modo, “uma obra de arte, dado seu valor estético, não se presta

meramente à comunicação, já que o que lhe é de fato essencial não pode ser encerrado em um

determinado conteúdo a ser transmitido” (PASSINI, 2015, p.34).

Para Benjamin (2011), a tarefa do tradutor vai muito além do aspecto pragmático, na

medida em que tem por finalidade dotar de visibilidade o “mais íntimo relacionamento das

73

línguas entre si” (BENJAMIN, 2011, p. 106). Ela própria não é capaz de revelar, nem é capaz

de instituir essa relação oculta; pode, porém, apresentá-la, realizando-a em germe ou

intensivamente. E essa apresentação de um objeto significado pela tentativa, pelo germe de

sua produção, é um modo muito peculiar de apresentação, o qual dificilmente pode ser

encontrado no âmbito da vida que não seja a vida da linguagem.

É bom observar que, para Benjamin (2011), a finalidade na tradução de cada palavra

isolada quase nunca é capaz de reproduzir plenamente o sentido que possui no original. Pois,

segundo sua significação literária para o original, o sentido não se esgota no visado; ele

adquire essa significação precisamente pela maneira como o visador se liga, em cada palavra

específica, ao modo de visar.

Assim, na contramão do famoso adágio traduttore, traditore, segundo o qual

toda tradução causaria necessariamente uma perda quando comparada à

leitura de um original, a reflexão benjaminiana ao pensar a tradução

constitui-se num verdadeiro elogio à tarefa de traduzir, pois é vista como um

meio de restituir a afinidade perdida entre as línguas, e assim, restabelecer a

pretensa harmonia que reinava antes do marco babélico (PASSINI, 2015,

p.34).

Encontro provocações na compreensão da tradução quanto a concepção de língua que

subjaz à reflexão teórica do autor – trata-se de um enfoque transcendente da língua, uma vez

que se apoia na premissa de que teria existido uma única e mesma língua compartilhada por

todos, na qual a compreensão entre os homens não conheceria limites, aquiescendo que a

comunicação entre os falantes fosse perfeita.

Passini (2015) me remete ao entendimento que, para Walter Benjamin, a pluralidade

linguística retira o fato de que as línguas possuem

[…] uma afinidade essencial, a qual não é relativa à família linguística ou às

semelhanças no âmbito lexical das línguas, nem tampouco se relaciona à

familiaridade entre os diferentes textos. Esse ponto de afinidade entre as

línguas só pode ser encontrado no que o autor denomina pura língua. Trata-

se de um estado de língua plena e unívoca, por meio das quais todos

poderiam compreender uns aos outros e expressar-se sem limitações, livre,

portanto, de qualquer obscuridade (PASSINI, 2015, p.35).

Prosseguindo nessa vertente, Passini (2015) afirma que a tradução permite que o

tradutor observe tantos os pontos de proximidade quanto os de distanciamento entre as

diferentes línguas e que há entre elas um meio de reconciliação.

74

Em cada ato de tradução, portanto, o tradutor se depara com a incompletude

tanto da língua da qual traduz, quanto daquela a qual traduz. Nesse

momento, ele está diante do efeito da plurivocidade, que se deixa ver no

próprio movimento da tradução, mas ali está também a semente da pura

língua que deve ser amadurecida pelo fazer do tradutor (PASSINI, 2015, p.

36).

E, nesta análise, uma afirmação do filósofo francês Jacques Derrida (2002) anuncia

que

Cada língua está como atrofiada na sua solidão, magra, parada no seu

crescimento, enferma. Graças à tradução, dito de outra forma, a essa

suplementaridade linguística pela qual uma língua dá a outra o que lhe falta,

e lho dá harmoniosamente, esse cruzamento das línguas assegura o

crescimento das línguas, e mesmo esse santo crescimento das línguas até o

termo messiânico da história. Tudo isso se anuncia no processo tradutor

através da eterna sobrevivência das obras ou o renascimento infinito das

línguas. Essa perpétua revivescência, essa regeneração constante pela

tradução, é menos uma revelação, a revelação ela mesma, que uma

anunciação, uma aliança, uma promessa (DERRIDA, 2002, p. 68).

Faço minhas as palavras de Passini (2015, p. 38), ao inferir que “a tradução é vista

como uma atividade messiânica, pois muito mais que estabelecer relações de equivalência

entre duas línguas distintas, ela aproxima duas línguas incompletas e opacas e, assim fazendo,

anuncia a boa nova da língua prometida”. A mesma autora, quanto a tarefa do tradutor, afirma:

O termo “tarefa” nos leva, atentando para possíveis relações parafrásticas, a

um sentido de um engajamento e até mesmo uma missão. Em que

exatamente estaria o tradutor engajado? Espera-se do tradutor, conforme o

autor citado, a restituição da dívida de que a tradução não permite esquecer.

Ele [Benjamin] nomeia o sujeito da tradução como sujeito endividado,

obrigado por um dever, já em situação de herdeiro, inscrito como

sobrevivente dentro de uma genealogia, como sobrevivente ou agente da

sobrevida (PASSINI, 2015, p.38).

Segundo Passini (2015, p. 39), Derrida faz referência à tradução e entende “a tradução

como necessária e impossível; necessária na medida que toda a dívida pressupõe um

compromisso, e impossível porque o acesso à completude da univocidade linguística, desde a

imposição da pena divina, que tornou a língua mediada, interdita”.

Parece-me oportuno recorrer a Elaine Alves Trindade, em “Conversas com tradutores:

balanços e perspectivas para a tradução”. A autora faz uso, inicialmente, da tradução como

ponto, encontrando com as noções tecidas neste trabalho até o momento.

75

Traduzir é fazer uma ponte entre duas culturas, sendo assim, toda tradução

parte de um conjunto de sentidos expressos em palavras de um determinado

idioma que deve ser transposto integralmente em um novo idioma que

também possui suas características culturais e sociais. Portanto, não importa

qual é o tipo de tradução que seja feita, o tradutor sempre precisará ter em

mente que ele está traduzindo um conjunto de sentidos (TRINDADE, 2003,

p. 182).

O que me leva a acreditar que a “tradução é um processo de decisões e interpretações

que exige a intervenção ativa do tradutor” (SILVA; DANIEL; ESQUDA, 2007, p.79). E, ainda

nesse pensamento, tomo Haroldo de Campos, em “Tradução e Reconfiguração do Imaginário:

o tradutor como transfingidor”, que discute a questão de adaptar a tradução à época em que se

está traduzindo o texto. Ele afirma que “não se trata de apresentar as obras literárias no

contexto do seu tempo, mas, antes, de representar, no tempo em que surgiu, o tempo que as

conhece – vale dizer, o nosso” (CAMPOS, 1991, p. 22). O autor destaca a importância de

adaptar a tradução ao nosso tempo, a nossa época, usando vocabulários de uso corrente para

deixar o texto compreensível.

Portanto, consubstanciada nos aspectos salientados, posso afirmar que as

modificações, tanto à cultura de chegada quanto ao público-receptivo, tempo e espaço são

fundamentais para a qualidade da tradução. Pergunto-me: seria então o tradutor um traidor? A

partir dos estudos efetuados, acredito que não, uma vez que cabe a ele provocar modificações

necessárias e inevitáveis e devem acontecer para que se preserve o sentido e se mantenha a

mensagem do texto de partida. Daí ser importante que o tradutor sempre tome o contexto em

que as palavras estão inseridas, levando em conta as questões sociais, históricas e culturais

posto que é fundamental para a tradução que o leitor compreenda o mesmo sentido que o

texto original expressa.

76

4.2. Olhares em trânsito pela tradução: diálogo de Haroldo de Campos com Walter

Benjamin

No ensaio “Da tradução como criação e como crítica”, presente no livro

“Metalinguagem & Outras Metas”, Haroldo de Campos (1992, p. 35) define a tradução de

textos criativos como: “recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca”. Este tipo

de tradução constituiria o avesso da chamada tradução literal, pois se trata da tradução do

próprio signo em sua fisicalidade ou materialidade.

As considerações de Haroldo de Campos (2010) sobre a tradução, reunidas em um

capítulo de “A Arte no Horizonte do Provável”, conduzem a um paradoxo: trata-se de um

processo complexo em que se deixa escapar uma certa fidelidade à intenção bem como ao

conteúdo do texto, embora o objetivo final seja a fidelidade à forma. Ou, dentro de uma

concepção romântica, a tradução parece ser impulsionada por um desejo de substituir o

criador na criação.

Nessa linha de pensamento, retomo Walter Benjamin em “Escritos sobre Mito e

Linguagens”, que ao enfocar a tarefa do tradutor, anuncia que a tradução é uma forma. Para

apreendê-la como tal, é preciso retornar ao original, pois nele reside a lei dessa forma,

enquanto encerrada em sua traduzibilidade. Admite que na tradução o original cresce e se

[…] alça a uma atmosfera por assim dizer mais elevada e mais pura da

língua, onde, é claro, não poderá viver por muito tempo, da mesma forma

como está bem longe de alcançá-la em todas as partes de sua figura, mas à

qual, de modo extraordinariamente penetrante, ele ao menos alude,

indicando o âmbito predestinado e interdito da reconciliação e plenitude das

línguas (BENJAMIN, 2011, p. 110).

Nesse gesto e em seus escritos, me aproprio a ideia de que a tarefa do tradutor pode ser

compreendida como uma tarefa própria, podendo ser diferenciada com precisão da do escritor.

Por conseguinte, tem a tarefa de encontrar, na língua para a qual se traduz, a intenção a partir

da qual o eco do original é nela despertado.

Tomo aqui a liberdade de me reportar aos velhos e tradicionais conceitos presentes em

toda e demais discussões acerca das traduções: fidelidade e liberdade. Por conseguinte,

Benjamin acredita que,

Da mesma forma como os cacos de um vaso, para serem recompostos,

devem encaixar-se uns aos outros nos mínimos detalhes, mas sem serem

iguais, a tradução deve, ao invés de procurar assemelhar-se ao sentido do

77

original, conformar-se amorosamente, e nos mínimos detalhes, em sua

própria língua, ao modo de visar do original, fazendo com que ambos sejam

reconhecidos como fragmentos de uma língua maior, como cacos são

fragmentos de um vaso (BENJAMIN, 2011, p. 115).

Quanto mais “intraduzível” parece uma obra, por ter abalado mais profundamente e

tensamente o idioma em que foi escrita, mais convidativa, e paradoxalmente, mais aberta à

recriação ela será, porque oferecerá ao tradutor a chance de realizar aquele mesmo

procedimento estético em sua própria língua, causando nela o mesmo estranhamento que o

original causou a sua; quanto mais içado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais

sedutor enquanto possibilidade de recriação, visto que nenhuma tradução se traduz apenas o

sentido, traduz-se o próprio signo (LOURO, 2012).

Para Louro (2012), faz sentido dizer que o processo tradutório, a partir do princípio

construtor e organizador, torna-se um processo recíproco, onde o original trans-forma na

tradução da sua tradução, remodelado num novo resultado.

Como se vê esse processo inverte o paradigma tradutório: não é a tradução

que, servilmente deve-se adequar ao original, carregando-o como um fardo.

É a própria tradução, que, servindo-se do original como uma base estética,

deverá recriar-se, partindo dos mesmos procedimentos estéticos, mas

realizando-se em uma nova língua, e, consequentemente, numa nova

linguagem (LOURO, 2012).

Traduz assim a sabedoria de reconhecer um processo de arraigar-se no texto original

em amorosa duplicidade. Isso significa que na tradução transcriadora é necessário levar em

consideração o texto como um todo, pois a forma como ele está constituído também implica

na constituição do sentido.

É interessante notar que os constructos teóricos acerca da tradução, elaborados pelo

autor em destaque, não definem regras precisas ou absolutas de como se deve construir o

corpo paramórfico – as relações de correspondência a serem estabelecidas serão, de certa

forma, únicas, como é cada poema e como é cada recriação: autônomos; cada transposição;

uma viagem com seu próprio percurso, sua própria paisagem.

Vale frisar que ao dialogar com a produção de Walter Benjamin sobre tradução,

Haroldo de Campo considera que:

Na perspectiva benjaminiana da “língua pura”, o original é quem serve de

certo modo a tradução, no momento em que a desonera da tarefa de

transportar o conteúdo inessencial da mensagem [...] e permite dedicar-se

78

[...] a fidelidade à reprodução da forma, que arruína aquela outra, [...]

estigmatizada por Walter Benjamin como o traço distintivo da má tradução:

transmissão inexata de um conteúdo inessencial (CAMPOS, 1981, p. 179).

Nesse sentido, Haroldo postula que a teoria benjaminiana é orientada pelo lema

religionário de uma “tradução luciferiana”. Assim como destaca que “a verdadeira tradução é

transparente, não encobre o original, não tira da luz; ela faz com que a pura língua, como que

fortalecida por seu próprio meio, recai ainda mais inteiramente sobre o original” (CAMPOS,

1981, p. 115).

Para Benjamin (2011, p. 77), a tarefa do tradutor consiste em “redimir a própria pura

língua, exilada na estrangeira, liberar a língua do cativeiro da obra por meio da recriação”.

Desse modo, traduzo com Benjamin (2011), que “a percepção de que a tradução toca

fugazmente, apenas no ponto infinitamente pequeno do sentido do original, para perseguir,

segundo a lei da fidelidade, sua própria vida no interior da liberdade do movimento da língua”

(p. 77). Em outras palavras, a possibilidade de recriar, seguindo uma mesma lógica, não uma

lógica aristotélica, mas uma lógica poética. E me parece que é a isso que Haroldo de Campos

denomina de trans-criar.

Ao encontro dessa afirmação de Walter Benjamin, há Campos (2011) que enfatiza o

aspecto da transformação do original realizada pela prática da tradução; o tradutor vê como

tarefa sua não o resgate de significados originais, mas sim, a recriação paramórfica, em outra

língua, entre a trama das figuras fonossemânticas, ou seja, da teia de significantes cujas

relações internas caracterizam mais o poema do que seus significados, não priorizados na

abordagem tradutória. Busca-se a criação, em outro idioma, de obra esteticamente análoga à

original, provinda da possibilidade de transformação de seus elementos.

É verdade que tal empresa luciferiana é característica do tradutor como recriador, do

tradutor usurpador, que passa, por seu turno, a ameaçar o original como a ruína da origem,

sendo esta, para ele: a última hybris do tradutor luciferiano (a palavra grega hybris, diga-se,

refere-se à transgressão, à posse do que não caberia a quem a toma, que podia provocar a

nemesis, ou seja, a indagação dos deuses): transformar, por um átomo, o original na tradução

de sua tradução. Reencarnar “a origem e a originalidade como plagiotropia: como movimento

infinito da diferença” e a mimesis como produção dessa diferença” (CAMPOS, 1985, p. 7).

Não à toa, que Tápia e Nóbrega (2015), na apresentação do livro “Haroldo de Campos

– Transcriação”, referindo-se ao ponto mais importante de suas concepções sobre transcriação

salienta ser a explicitação de que seu caminho, como transcriador, parte de critérios

originados da observação de elementos intratextuais para chegar a um novo texto que por

79

desconstrução e reconstrução da história, traduz a tradição, reinventando. Para tanto, o ato de

construção de uma tradução viva será um ato até certo ponto usurpatório, que se rege pelas

necessidades do presente de criação. Em vez de buscar reconstruir um mundo passado, a visão

haroldiana decide pela reinvenção de uma tradição, inserida em novo contexto: o texto,

portanto, transforma-se na viagem e seu ponto de chegada acolhe-o de modo a participar de

sua reestruturação, para a qual o presente, a releitura e a comunicação em novo espaço e em

novo tempo são determinantes, como já anunciava anteriormente.

Nessa sucessiva abordagem sobre a questão da tradução, inspiro-me em Haroldo de

Campos em “Da Transcriação poética e semiótica da operação tradutora” que, assim,

expressa:

[...] o próprio conceito de tradução poética foi sendo submetida a uma

progressiva reelaboração neológica. Desde a ideia inicial de recriação, até a

cunhagem de termos como transcriação, reimaginação (caso da poesia

chinesa) transtextualização ou – já com timbre metaforicamente provocativo

– transparadisação (transluminação) e transluceração, para dar conta,

respectivamente, das operações praticadas com Seis Cantos do Paraiso de

Dante (Fontana, 1976) e com as duas cenas finais do “Segundo Fausto”

(Deus e o diabo no Fausto de Geothe, perspectiva, 1981). Essa cadeia de

neologismo exprimia, desde algo, uma insatisfação com a ideia naturalizada

de tradução, ligada aos pressupostos ideológicos de restituição da verdade

(fidelidade) e literalidade (subserviência da tradução a um presumido

significado transcendental do original) – ideia que subjaz a definições usuais,

mais neutras (tradução literal), ou mais pejorativas (tradução servil), da

operação tradutora (CAMPOS, 2011, p. 7).

Utiliza, então, a noção de que a operação tradutora está ligada indubitavelmente à

construção de uma tradição, o que implica projetar o problema no campo lato da historiografia

literária. Campos e Campos (1968), em “Traduzir e Trovar”, afirmam que na coletânea de

ensaios e traduções seus e de Augusto Campos (os provençais, Guido Cavalcanti, Dante,

metafísicos ingleses e marinistas italianos) a equação terminológica é retomada.

Sobre a questão da recriação, ele vem me esclarecer que quanto mais inçado de

dificuldades é o texto, mais recriável, mas sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação.

Observo que, segundo Jakobson (1959), a estratégia do traduzir impõe uma tática (um modus

operandi) também distinto. A esse modus operandi, Jakobson (1959) denomina transcriação

criativa; caso em que Haroldo de Campos denomina recriação ou transcriação e Meschonnic

de tradução-texto.

Campos (2011) encontra em Paul Valéry o seguinte enfoque como tópicos relevantes:

1) A ideia de literatura como uma operação tradutora permanentemente –

escrever é traduzir,; 2) desconstituição do dogma da fidelidade à mensagem,

ao conteúdo cognitivo (à expressão mais fiel possível do pensamento). [...]

80

3) a ideia de estranheza, de estranhamento, que cerca o resultado dessa

operação formal, caracterizada pelo grande poeta-pensador francês como

bem-aventurada formação; 4) A negação do caráter intermediário da

linguagem, que age na poesia por sua forma e não pelo aspecto meramente

veicular (transmissão de conteúdos), aspectos que se deixaria exaurir sem

resíduos para mera compreensão da mensagem, no caso da comunicação não

poética.

Haroldo de Campos, a partir de uma pragmática do traduzir, e muito antes de ter

ensaiado todo o percurso teórico aqui delineado, assinala ter aproximado desse problema de

um ângulo por assim dizer didático, na proposta de um laboratório de textos formulada em

sua produção intitulada Da tradução como criação e como crítica pode-se perceber que “se a

tradução é uma forma privilegiada de leitura crítica, serão através dela que se poderão

conduzir outros poetas, amadores e estudantes de literaturas à penetração no âmago do texto

artístico, nos seus mecanismos e engrenagens mais íntimos” (VALÉRY, 1956 apud CAMPOS,

1992, p. 46)

Aqui, porém, estamos numa física do traduzir, onde o horizonte “metafisico”,

escatológico, da língua suprema (comum a Mallarmé, Valéry, Benjamin) é desinvestido de sua

sacralidade e reinterpretado semioticamente como o prospecto de uma prática tradutória

suscetível de teorização e, por isso mesmo, generalizável de língua a língua. Isso permite que

o tradutor se concentre na sua missão essencial que é justamente a de perseguir o modo de

significar, modo de intencionar, ao invés de buscar o mero conteúdo comunicacional.

É relevante observar que Campos (2011) ocupou-se em seu ensaio “Tradução e

reconfiguração do imaginário: o tradutor como transfingidor” em afirmar que há uma

dimensão de historicidade e que é rastreável na teoria benjaminiana da tradução.

Começando por lembrar a ideia de “provisoriedade” (“toda tradução é

apenas um modo algo provisório de discutir com a estranheza das línguas”),

ligada aos conceitos de “transformação” e “renovação” de “desdobramento”

(Entfaltung) do original no estágio do seu per viver (CAMPOS, 2011,

p.119).

81

4.3. A didática da tradução como diferenças pelas potências dos possíveis

Ao imantar as visões dos tradutores que aqui elegi para dialogar sobre as

questões fundamentais da tradução, é possível ter, a partir do panorama

teórico suscitado, a didática da tradução com a teorização que Sandra Mara

Corazza (2015) potencializa a partir dos teóricos estudados:Parece ser o que

experimentamos ao educar, isto é: ao atribuir uma tradução às matérias –

sejam científicas, artísticas ou filosóficas expressas pelos currículos –,

ecoamos um determinado significado, que já existia nos originais, como a

sua possibilidade mesma de existir. Graças às traduções didáticas, as

matérias de chegada mantêm encontros, mesmo fugidios, com as de partida;

sem, no entanto, perder o parentesco, a proximidade, a vizinhança entre as

línguas, que é aquilo mesmo que as torna estrangeiras [...] (CORAZZA,

2015, p. 109).

Deleuze, em “Crítica e Clínica” (1997, p. 16), referenda essa posição interpretativa de

Corazza e destaca que “uma língua estrangeira não é escavada na própria língua, sem que toda

a linguagem por seu turno sofra uma reviravolta, seja levada a um limite, a um fora ou um

avesso que consistem em visões e audições qual já não pertencem à língua alguma”.

No que tange a constituição desta tese e nesse quesito de análise, é importante

salientar que ao traduzir, é possível transcriar. O movimento de traduzir/transcriar poderia ser

reduzido à sala de aula. No entanto, ao entender que aula/educação são elementos que compõe

a cultura na qual estamos inseridos, é possível considerar que, por meio da tradução que

acontece em aula, pode-se transcriar a cultura de forma crítica.

Traduzir assim não é mais difícil, mas diferente. A tradução também será diferente. E

se ela não confunde retórica e poética, métrica e ritmo, sentindo a significância sobrepondo a

alteridade à identidade então a tradução será melhor, simplesmente porque, em relação a um

texto, ela funcionará como um texto. Ela já não será simplesmente conduzida por uma

interpretação, será sua condutora. Ela terá alcançado sua própria literalidade.

Silva, Daniel e Esqueda (2007, p. 97) afirmam que o tradutor passa por diversas etapas

“e o final desse processo resulta no texto de chegada, que é o resultado da percepção de

mundo do tradutor, das experiências vividas e dos conhecimentos específicos que são

requisitos essenciais para se alcançar uma tradução de boa qualidade”.

Essa possibilidade de traduzir, levando em consideração as experiências vividas que

percorrem o corpo do professor-tradutor, abre possibilidade para um processo de criação em

educação. Assim, de algum modo, é possível falar em uma didática da tradução, que não

encontra seu lugar preciso, mas pensa em uma

82

[...] reformulação da própria didática: em termos não mais de normatividade,

mas de transcriação do pensamento filosófico, artístico e científico. [...] A

didática da tradução considera que todas as línguas são diferenciais e que o

seu trânsito dos currículos às aulas, feito por meio da língua didática, requer

diálogos entre elas, com a condição que cada língua esqueça a própria

origem, para se tornar dupla de si mesma. Dotada de um anacronismo

latente, leva as matérias a compartilhar espaços e tempos heterogêneos e

simultâneos, fazendo com que a sua tradução não assimile, mas aproxime

distâncias, numa espécie de heterofilia, que desfaz as identidades sedentárias

(CORAZZA, 2015, p. 109-110).

Com isso, algo que pode ser traduzido garante a sua atualidade, já que possibilita o

pensar, o sentir e o fazer (CORAZZA, 2015).

Nos fala Corazza (2015) que

Ao verter e refratar as línguas da filosofia, da arte e da ciência, que se

alimentam de diferentes culturas, a língua didática produz mesclas e

correspondências críticas entre elas; ao mesmo tempo em que encontra um

meio para desestabilizar e desfuncionalizar a própria linguagem educacional,

leva-a a dissidências, transtornos e estragos, que lhe devolvem o poder de

conceber as outras, numa reconfiguração de si mesma, a partir da diferença e

da multiplicidade (CORAZZA, 2015, p. 110).

Certifico a partir daí, que a didática da tradução tem a potência de mobilizar forças

para produções que, menos do que tentar reproduzir o texto, busquem recriações, criações

paralelas, outras artes, que fazem pulsar em nós a obra, mas que criam também outras formas

de envolvimento.

Em suas primeiras produções, Deleuze defende a ideia Nietzschiana de que o artista é

uma espécie de médico cultural, alguém capaz de diagnosticar uma doença social, e que,

como um médico propõe uma cura em sua obra. Essa cura não é uma resposta a um problema,

mas a invenção de outra forma de vida, uma maneira de nos libertar do peso de nossas

amarras através da arte. Ao criar, o artista elabora intensidades e liberta a vida daquilo que a

aprisiona. Em “Literatura e a Vida, de Crítica e Clínica”, Deleuze (1997) observa:

[…] médico, médico de si próprio e do mundo. O mundo é o conjunto dos

sintomas, cuja doença se confunde com o homem. A literatura parece, então,

como um empreendimento de saúde […].A saúde, como literatura, como

escrita, consiste em inventar um povo que fala. Compete a função fabuladora

inventar um povo […]. Penso aqui a didática da tradução, a didática artista

da tradução como campo artistador de variações múltiplas que produz ondas

e espirais (DELEUZE, 1997, p. 13-14).

83

O artista criador dá voz. E, obviamente, não do lugar do outro, mas dando a ler, ver e

ouvir. Vejo possibilidades em se pensar a aula no ensino superior por meio dessa trama, a

possibilidade do professor ser um didata tradutor. Todavia, alerto aqui para o perigo de se

construir o outro e o subalterno apenas como objetos do conhecimento. Apresento a proposta

de pensar a aula no ensino superior inspirada em termos deleuzianos como singularidade,

como criação, como transcriação, como diferencial e como repetição. Nesse campo de

discussão há que se distinguir a repetição da generalidade.

Em “Diferença e Repetição”, Deleuze (2009) afirma que há entre as duas até uma

diferença econômica, pois o critério da generalidade é da troca, os critérios da repetição são o

roubo e o dom. Por conseguinte, o artista trabalha em um processo dinâmico de construção,

lida com o desequilíbrio, com desigualdades, com algo que retorna. Sendo assim:

A repetição não é a generalidade. A repetição deve ser distinguida da

generalidade de várias maneiras. Toda fórmula que implique sua confusão é

deplorável, como quando dizemos que duas coisas se assemelham como

duas gotas d’água ou quando identificamos “só há ciência do geral” e “só a

ciência do que se repete”. Entre repetição e a semelhança, mesmo extrema, a

diferença é de natureza (DELEUZE, 2009, p. 20).

Assim operarei na via dos deslocamentos ao pensar o ensino na perspectiva do

aprender e ensinar anunciada por Deleuze, dialogando com os autores da tradução para,

finalmente, dialogar com Sandra Mara Corazza, na discussão da didática da tradução

compreendida como signo novo, da afirmação, das diferenças e da criação do pensamento ao

fazer a aula.

É relevante observar o que Corazza (2015) afirma:

[…] a tradução da diferença constitui um momento-chave na continuidade e

descontinuidade da vida das obras e dos autores, das estruturas e dos

movimentos do mundo. Amplia os repertórios curriculares, ao reler e

reescrever, transladar e reexperimentar os acervos artísticos, filosóficos e

científicos, ou aqueles que foram marginalizados ou falsificados; os quais,

graças a ela, seguem vivos e ativos, em seus veios de criação (CORAZZA,

2015, p. 118).

A mesma autora afirma que a didática da tradução permite estabelecer com alunos,

entre nós e com os saberes uma forma autoral de “vice-dicção, com lances inventivos, que não

deixam os textos e os discursos assumirem um aparato estático e de nitivo; mas os obriga a

permanecer em movimento labiríntico, abertos e cambiantes, carreando novos problemas e

enunciações” (CORAZZA, 2015, p. 118). Sendo assim,

84

A didática da tradução transcria os currículos, fazendo a diferença, como

uma crítica-clínica do pensar e do viver: fornece um roteiro fabulador de

como educar – traduzir, sob o signo da invenção, dramatizando o mapa do

mundo por meio da alegria de ler e da liberdade vital de escrever

(CORAZZA, 2015, p. 118).

Diante das indagações apresentadas no corpo desta tese, tomo o ato da didática da

transcriação enquanto ação didática. Esta constitui a possibilidade de renovar o fazer a aula no

ensino superior enquanto sistema educacional contemporâneo. Por essa via seria possível

compreender a possibilidade de uma prática pedagógica no ensino superior e as mudanças

possíveis ao agenciar nela uma didática da tradução, impulsionando a criar formas de

experimentação, interpretação e perspectivas outras no ensinar e no aprender?

Levando em consideração tal questão, é possível localizar a didática como um

resultado de atos de criação pedagógica (CORAZZA, 2013). É possível pensar a didática

como um território que é transdisciplinar, translinguístico, transemiótico, transliterário,

transartístico, transcultural e transpensamental; que nasce e vive em diversas obras de

diferentes línguas (BARTHES, 2006 apud CORAZZA, 2013). É possível, então, refletir sobre

o conceito de aula. No rastro da didática da transcriação indaga-se sobre as maneiras de

ocupar esse campo de prazer que é a criação no campo da Educação (CORAZZA, 2015). E

aqui é tomado no espaço do Ensino Superior.

A referida autora examina didática da transcriação, “como um movimento do

pensamento, uma direção tradutória dos atos curriculares – por si próprios, transcriadores de

elementos artísticos, filosóficos e científicos” (CORAZZA, 2015, p. 108). Na compreensão

da tradução/transcriação, é possível atribui à tradução nada mais que a “transposição de uma

língua na outra mediante um continnum de transformações” (BENJAMIN, 2008, p. 18 apud

CORAZZA, 2015, p. 112).

Assim, ao ensinar, traduzindo, tomamos

[…] as heranças como tradição viva, que dão o que pensar, ao assumirmos a

concomitante responsabilidade de traduzi-las como não mortuárias.

Preparamos, assim, as condições de criação do que ainda não foi criado, já

que “o conhecimento efetivo do que-foi-feito é a melhor maneira de nos

prepararmos para fazer e entender o-que-não-foi-feito e o-que-se-pode-fazer-

de-novo (Campos, Pignatari & Campos, 1991, p. 29) (CORAZZA, 2015, p.

113).

As próprias condições que conclamam a emergência das questões a seguir

apresentadas, me inserem na problemática na qual nos encontramos fatalmente implicados.

85

Indagar sobre as condições contemporâneas do pensar ou tomar as condições atuais do

pensamento como um problema do ensino superior não é um procedimento analítico pautado

por mera escolha epistemológica. Em meu entendimento, tal gesto remete, antes, a um

enfrentamento teórico – conceitual.

A implacabilidade do problema se manifesta porque a emergência e urgência das

questões deixam entrever um horizonte de esgarçamento daquilo que historicamente temos

legitimado como pensamento ou qualificado como ato de pensar. Tal situação obriga-me a

lançar mão de modos de didática outros, permeáveis àquilo que ainda está por vir,

possibilitando fazer frente ao império do que se convencionou delimitar como o pensado e o

pensável no ensino superior como vivência formativa.

Corazza (2015) me faz sentir a partir daí que a tradução é um ato político, que

desfuncionaliza línguas instrumentais e aproxima distâncias, num processo de transformação

cultural. Em seus atos de traduzir, opera como meio, que desestabiliza o próprio status quo da

linguagem educacional. Revela-se como dissidente das línguas legitimadas, transtornando

suas palavras originais, para lhes devolver o sentimento do diferente, o poder de conhecer o

outro, uma reconfiguração de si própria.

Assim, traduzir didaticamente, na cena da aula, realizamos uma operação de

“isomorfismo ou paraformismo”; ou, mesmo uma “plagiotropia, cujo

sinônimo seria transculturação” (Campos, 1992, p. 35); já que não são

apenas os textos, mas as séries culturais se transtextualizam no imbricar-se

subitâneo de tempos e espaços literários diversos: Transcodagem. Tropismo”

(Campos, 1976, p.11) (CORAZZA, 2015, p. 110).

Contrastando as visões dos tradutores sobre questões fundamentais da didática da

tradução, considero importante frisar sobre a concepção de fidelidade do tradutor em relação

ao texto traduzido. Penso que há entre tradutor e texto certa aproximação com o texto original,

já que se trata de passar de um sistema linguístico para outro. Sendo assim, como esses

sistemas são diferentes, não se pode, a rigor, falar de equivalência, mas sim de aproximação.

Tenho a impressão de que o pecado capital do tradutor é a soberba e a virtude

indispensável para ele é a humildade. Já que diz respeito à fidelidade, afirma ser também uma

questão muito controversa para ser resumida em poucas palavras, é a busca de uma

aproximação maior do texto (a maior possível). A tradução, como a política, não é a arte do

desejado, mas a arte do possível. O tradutor não faz o que quer, faz o que pode, conforme a

dificuldade do texto, as circunstâncias etc. A fidelidade equivale à especificidade da situação

tradutória. Por isso, uma teoria da tradução é uma coisa muito difícil, porque a tradução é uma

86

arte e a arte aborrece as generalidades e adora as especificidades e as concretudes. A tradução

é apenas um caminho para o texto original. A leitura de uma tradução não substitui a leitura

do texto original. O ideal é que a gente soubesse todas as línguas do mundo para poder ler

todos os textos em suas línguas originais. Como isso é impossível, então a gente faz o

possível, que é o caminho da tradução. Não acho que ela seja inferior, mas diferente do texto

original. É um outro texto.

Nesse raciocínio, é possível considerar que a tradução percorre a

Didática-Artista, como um dispositivo que a desencadeia e uma prática que a

desdobra. Sua natureza didática passa a ser constituída pela tradução de

percepções, afectos, funções e conceitos; vertendo-os das línguas em que

foram criados e os expressando-os na cultura, no meio e na língua da

Didática (CORAZZA, 2013, p.189).

A autora ainda ressalta que a vida deve ser traduzida como um processo de criação. A

partir disso, posso dizer que no processo de tradução há dois caminhos: 1) descoberta e 2)

invenção. A descoberta “incide sobre o que já existe, atualmente ou virtualmente; portanto,

cedo ou tarde ela seguramente vem”; enquanto a “invenção dá ao ser o que não era, podendo

nunca ter vindo” (DELEUZE, 1999, p. 9 apud CORAZZA, 2013, p.189).

Daí Campos (2011) ocupa-se da tradução crítica como recriação, transcriação como

me demonstrou preferir chamar. Isso porque ao seu entender a “boa” tradução é aquela que

inspira a trans-criação. O autor diz:

Na avaliação do resultado se coloca, desde logo, uma “questão de grau”.

[...]”A consciência ‘transcriadora’ pode incidir, em graus diversos, numa

prática do traduzir não regulada por essa ideia radical”. Por outro lado, há de

considerar o caso das traduções que preenchem uma função “pedagógica” ou

“mediadora”, úteis e respeitáveis, sobretudo quando incluídas em edições

bilíngues, mas que não podem ser tratadas como produtos estéticos. O que

ocorre, mais comumente, são traduções “medianas”, que guardam apenas

alguns aspectos mais óbvios da função poética (um esforço de versificação,

um empenho de rima terminal), sem entrar na essência da “transcriação”

(daquilo que Walter Benjamin definia por tradução enquanto forma dotada

de especificidade, Umdichtung, ‘transpoetização’). Às vezes, o tradutor

mediano poderá obter um achado feliz, que o aproxime, em algum momento,

em determinada medida, ainda que involuntariamente, dos objetivos da

tradução recriadora. Cabe à didática da tradução identificar esses graus

(CAMPOS, 2011, p.143).

Apropriando-se dos conceitos deleuzianos e guatarrianos, Corazza (2013) vem

anunciar que de preferência a didática funciona sobre o plano empírico-transcendental de uma

tradução-invenção. Esses, por sua vez, ligam o tempo ordinário e a produção de novos

87

elementos da arte, da ciência e da filosofia. No entanto, não se dá por uma linha que seja reta

nem em relação as coisas, nem em relação a linguagem. Assim, a tradução didática é “uma

espécie de destradução, que não age como teoria da cópia ou do reflexo salivar, e sim como

produção da di-ferença no mesmo (Campos, 2008, p. 208 apud. Corazza, 2013, p. 189); ou

operação contra a corrente” (CORAZZA, 2013, p.189), que transfere algo do original (sempre

plural) para a língua de chegada, expandindo a própria linguagem (CORAZZA, 2013).

De acordo com Gobatto (2016, p. 26), “a didática da tradução considera que todas as

línguas são diferenciais e que o seu trânsito dos currículos às aulas, feito por meio da língua

didática, requer diálogos entre elas, com a condição que cada língua esqueça a própria origem,

para se tornar dupla de si mesma”.

É em transcursos e circuitos de tradução, que a Didática-Artista

(DidácArtista, foneticamente) movimenta os seus processos de pesquisa,

criação e inovação. Acolhe e honra os elementos científicos, filosóficos e

artísticos – extraídos das obras já realizadas, que diversos autores criaram,

em outros planos, tempos, espaços -, como as suas efetivas condições de

possibilidade, necessárias para própria execução; e, ao mesmo tempo, como

o privilegiado campo de experimentação, necessário para as próprias

criações. Com esses elementos, constitui um campo artistador de variações

múltiplas e disjunções inclusivas; que compõe linhas de vida e devires reais,

pontos de vista ativos e desterritorialização afirmativas (CORAZZA, 2013,

p.187).

Em Lins (2005), observa-se que

[…] há no devir-pedagógico um movimento de pura arte, pura criação. Não

se trata de fazer igual, copiar, imitar. “Devir nunca é imitar”, diz Deleuze.

Aqui há problema, logo, matéria a ser pensada. O devir é também da ordem

do paradoxo: não se pode prever, nem calcular; o devir é imprevisível. É o

não-prescrito (LINS, 2005, p, 1239).

De acordo com Marques (2013), Deleuze (2007), o texto “A literatura e a vida” trata o

devir como particularidade relevante no texto literário, e que escrever não é impor uma

matéria viva, “mas que ao contrário, a literatura está do lado do informe, do inacabamento,

sempre em via de se fazer. É preciso, passagem que atravessa o vivível e o vivido, e por isso é

devir (MARQUES, 2013, p.36).

Desse modo, devir é captar e emitir partículas, colocando-as em movimento, é estar

em encadeamento, é coexistir em níveis, em zonas de vizinhança, de indiscernibilidade, de

indiferenciação. Não se trata de transformar-se em, de ficar igual a, mas de escapar a uma

forma dominante. Quando escrevem sobre devir-animal, por exemplo, os filósofos em

88

destaque lembram que ele não se contenta em passar pela semelhança e constitui uma

irresistível desterritorialização em está no entre, no meio. Na literatura que é devir, há

simbiose, aliança. Devir é rizoma, contágio. Devir é estar entre categorias, estar em passagem

ou entre modos de existência. O devir não leva a uma conclusão, a um encerramento, mas tem

relação com o movimento que nunca chega a ser, está sempre em via de se fazer. O devir tem

relação com o movimento estáveis em desequilíbrio em metamorfose que não se realiza.

Vista sob esse ângulo, a tradução é um diálogo das individualidades

criadoras de diferentes culturas, isso é, um autêntico diálogo de culturas, no

qual o tradutor escarafuncha as entranhas do original, ausculta as vozes que

povoam, entranha-se no às vezes quase insondável da linguagem,

compenetra-se da vida de suas personagens; em suma, embebe-se do original

para poder interpretá-lo em seu conjunto e dar-lhe uma nova vida, porém,

marcada pela singularidade dos múltiplos modos de ser da língua e da

cultura do tradutor, por sua individualidade criadora (BEZERRA, 2012, p.

47).

Em relação àquilo que pretende traduzir de forma criadora, transcriadora, o que

importa aqui compreender é que a tradução é antes e acima de tudo arte.

Paulo Bezerra (2012) defende a ideia da tradução como arte e produto de uma

subjetividade especial que,

[…] mesmo traduzindo obra alheia, procura dar vida própria na língua de

chegada, fazendo do original uma obra independente numa outra língua,

numa outra cultura, dando-lhe uma nova existência histórica, tratando-se da

produção de uma dessemelhança do semelhante, pois, ainda que a obra seja a

mesma, com o título original e o nome original de seu autor, não é uma cópia

do original, porque a tradução faz dele uma obra em movimento, sujeita a

diferentes interpretações, convivendo em isonomia com obras escritas na

língua de chegada e sendo lida à luz de outros valores culturais, de outra

psicologia da recepção assim como das tradições da literatura dessa língua

outra (BEZERRA, 2012, p. 51).

A partir de tamanha reflexão, Corazza (2013) vem destacar que a didática fissura as

certezas e verdades herdadas, considerando-as um território em processo, uma obra sempre

aberta, distante do equilíbrio e do apaziguamento, ao mesmo momento em que estabiliza as

ações e encontra modos de bifurcar-se para se inserir em novos regimes de instabilidade. E

confirma que:

A principal matéria da Didática-Artística é a vida mesma, promovida por

encontros em formas de conteúdo e de expressão do mundo histórico,

filosófico, geográfico, cientifico, artístico e linguístico. Ao mesmo tempo em

que se apropria dessas formas, desafia as línguas que as produziram,

89

liberando-as dos meios que as articulam. Conserva, no entanto, traços dos

elementos originais, transformando-os e agenciando-os de maneiras

inusitadas. O seu realismo não se reduz, assim, à mimese do real; desde que

busca, aí, o outro misterioso da realidade, que possibilita a existência

didática criadora (CORAZZA, 2013, p. 187).

Nesse contexto e apropriando-me de afirmações teóricas em Deleuze, vislumbro que a

didática se movimenta num misto de empirismo transcendental que reconhece a

multiplicidade. Ainda nesse movimento e trazendo indicadores presentes nos autores

estudados, esses, ao se referirem aos desdobramentos do método de criação da didática,

tomam orientação cartográfica; salientam os autores que ela é composta de velocidades e

lentidões, que transversalizam e cortam em diagonal functivos, conceitos, perceptos e afectos.

Para extrair acontecimentos inteligíveis e sensíveis desses elementos, que persistem em seus

corpos, estados de coisas e seres, executa traduções das línguas originais de partida para

língua de chegada (língua-meta, língua-alvo), que é didática.

Corazza (2013) ainda destaca que

[…] rejeitando modelizações confinantes, que requerem regularidades,

médias e métricas, elege o processual e a reversibilidade. Construindo

dobras didáticas no plano de imanência (da Filosofia), de composição (da

Arte) e de referência (da Ciência), captura e libera as forças vitais, que agem

sob as formas. Trabalhando as potências que essas formas carregam,

substitui a relação forma-matéria pela relação força-material. Associando

obras, autores e tradutores, em devires de mutação das culturas, favorece

culturas do dissenso. Reinventando significações, posições de indivíduos,

comunidades e grupos, cria novas linhas de saberes, sentires, fazeres.

Realizando atos minoritários de ruptura e consonâncias e instala-se em

regiões desconhecidas de problemas. Revelando aspectos ocultos dos seres e

circuitos inéditos de pensamento, transforma momentos, lugares, incidentes

e circunstâncias em móveis fecundos de experimentações (CORAZZA,

2013, p. 188).

E mais precisamente, Corazza (2012), respalda a compreensão da didática para uma

educação transcriadora no ensino superior que agencializa procedimentos críticos

genealógicos e exploratório-experimental, que partem de clichês-formas, sentidos,

interpretações.

Feita a explanação das ideias acerca da Didática da tradução, apresento esta ação

constituinte da aula como a possibilidade de transcriar, de criação para além dos

ordenamentos curriculares formais e informais. É saída perturbadora da estagnação, que

desassossega o conforto das repetições. Assim, esses elementos são nutrientes de uma terra

fértil que permite o germinar da criação. O aprender, então, é ação que tem relação direta com

90

a tradução. Quando um professor munido dessas noções se coloca na cena da sala de aula, há

a possibilidade de disparar formas de transcriar. Por isso, é possível pensar na figura do

professor como um didata tradutor.

O professor não se obriga a transmitir o conteúdo literal ou verdadeiro dos

elementos originais científicos, filosóficos, artísticos; não faz cópia,

dublagem ou fingimento; não é um bufão, escravo ou ladrão dos autores e

obras que traduz; não busca a autenticidade textual; não preserva a essência

dos originais; não é um conselheiro, que goza de intimidade com as obras;

não trata o original como sagrado; não remove a tampa de um poço escuro;

não é filtro do autor ou chave do texto; não é fotógrafo, taxidermista ou

anatomista; não é filólogo, erudito ou paleólogo; não é o traduttore-traditore

(tradutor-traidor) do trocadilho italiano, nem o sourcier – sorcier

(descobridor de fontes e mágicos) dos franceses; não é um autor-camaleão

ou um trad-revisor; não tira a casca, que reveste a “fruta original”, nem

erguer um “manto real de amplas dobras”; não faz “treinamento na selva”,

nem protagoniza uma “ressureição” (Milton, 1998, p.2-6; Santaella, 2005, p.

227) (CORAZZA, 2013, p.191).

Nessa linha de pensamento, salienta que os procedimentos tradutores não

compreendem ou referem-se a sistemas prontos da interpretação; mas desenvolvem

experiências, que têm relação com modos de desterritorialização existente. Por isso,

pretendem que os elementos didáticos, emersos dos originais, valham em lugar dos mesmos,

para fazer com que a didática funcione criadoramente.

Corazza (2013, p. 1992) rouba de Valéry (1945, p. 173) a ideia de que “os

procedimentos didáticos não tentam impor à língua dos alunos aquela que os professores não

impõem ao próprio ouvido: isto é traduzir de verdade. Isto é realmente traduzir, é reconstruir

o mais próximo possível o efeito de certa causa”. Desse modo, o professor enquanto Didata-

tradutor é um agente de fluxo da invenção, reproduzindo o original com sua marca distintiva,

“transgredindo os limites sígnicos e a relação aparente entre forma e conteúdo, na recusa à

tirania de um logos pré-ordenado” (CORAZZA, 2015, p. 115).

Corazza (2015), cita Augusto Campos e Haroldo de Campos (1968), que anunciam o

seguinte:

Traduzir & Trovar são dois aspectos da mesma realidade, Trovar quer dizer

achar, quer dizer inventar. Traduzir é reinventar. Sua meta é criação. Não de

maneira exaustiva: em percurso exemplificativo, pontilhista, forçosamente

lacunar, mas nunca indiferente. Há sempre uma escolha crítica, embora

apenas uma restrita faixa do campo do possível seja aqui abordada... canteiro

de trabalho... refaz-se na dimensão nova da língua do tradutor. Uma didática

direta (CAMPOS; CAMPOS, 1968, p. 3, apud CORAZZA, 2015, p. 117).

91

Nessa ótica, Haroldo de Campos (1972) destaca que os procedimentos tradutórios

implicam mais do que transportar ou transladar os sentidos de uma língua para outra; visto

que o elemento a ser vertido é recriado, de acordo com um enfoque de formas, referente ao

domínio das possibilidades de agenciamento da língua para a qual o texto é traduzido.

Por isso, pensando junto a Gobatto (2016),

[…] fazer uma aula é também estabelecer uma relação de afetividades

intensidades com os conceitos filosóficos. Casos eles agradem, provocam,

fazem pensar, fazem criar. É importante que o aluno capture-os, roube-os,

recrie-os ou crie um novo conceito. Isso faz do conceito investigativo um

instrumento para pensar os problemas: aquele que deu origem a esse

conceito e também os que contornam a realidade do estudante. Assim, o que

está em jogo na aula por meio da didática da tradução é o ato criativo, a

capacidade de criar os próprios pensamentos e não o simples domínio e a

compreensão de um conhecimento, tomando seu pensamento como uma

verdade absoluta, sem problematizá-lo. Trata-se de fazer com que o

estudante crie seu próprio estilo, um agenciamento de enunciação. Ao fazer

esse caminho, isso não exclui de ter um entendimento sobre o ser

profissional, de seus desdobramentos, pois não se cria um conceito a partir

do vazio, do nada, mas de encontros. O importante no encontro com a aula é

o ato de criar conceitos para dela se servir como ferramenta para criar um

pensamento próprio, uma experimentação-vida (GOBATTO, 2016, p.28).

Entendo que tudo isso significa um afeto “não-controlável”, conforme nos diz Lins

(2005): “tudo isso educa para o sensível, para se pensar fora do pensamento único. Tudo isso

significa não um método, mas um pouco de ar fresco, uma diferença mínima, um afecto

minimamente não-controlável, uma onda de alegria na arte de aprender e de coabitar” (LINS,

2005, p. 1239).

Sustentada pelas reflexões teóricas apresentadas por Corazza, aprendi que, dessa

forma, “a aula nos faz ver e ouvir o mundo longe dos clichês que cercam o pensamento,

acerca dos signos, do corpo, da vida, da singularidade, da criação, das diferenças no ensino

superior, para ver e ouvir a vida em sua exterioridade pura, em sua mais alta potência”

(GOBATTO, 2016, p.29).

Deleuze (1987) trata os signos como marcas-signos, disponíveis no mundo e que nos

forçam a pensar, que nascem do encontro de corpos afectados. Talvez, o dinamismo afetivo da

sensação produza o signo da tradução. Enfim, encontro uma pista para pensar a potência da

decifração, da tradução como possibilidade do pensamento.

Ser sensível aos signos, considera o mundo como coisas a ser decifrado é,

sem dúvida, um dom. Mas esse dom correria o risco de permanecer oculto

92

em nós mesmos se não tivéssemos os encontros necessários. E esses

encontros ficariam sem efeito se não conseguíssemos vencer certas crenças

(DELEUZE, 1987, p. 27).

No texto de Corazza (2013) vou encontrar destaque no sentido do professor dominar a

tradução quando coloca a si mesmo dentro dela – a tradução. Ela é tomada de maneira mais

subjetiva em relação a uma imitação. É tomada de maneira mais visceral do que uma

paráfrase. A partir daí tenho a compreensão, que aquilo que ensina (escreve, lê, fala, faz)

compõe um elemento propriamente didático; que segue tons e contornos daquele (pretenso)

original que tinha diante de si. A referida autora, ainda nesse movimento de pensamento,

salienta que sendo crítica e técnica, a tradução é uma forma privilegiada de leitura.

Leitura que compreende não a simples decodificação do elemento original;

mas, o mapeamento das condições, em que foi criado, em termos do espaço-

tempo que ocupa na língua e na cultura de origem, na literatura da área, no

conjunto da obra do autor. Na continuidade, o movimento é o do trabalho

transcriador; por meio do qual os elementos didáticos são transvestidos.

(CORAZZA, 2013, p.195).

Por meio da Didática da tradução, é possível renovar, vitalizar, dar nova vida àquilo

que passou. Nesse sentido, Corazza (2013) evidencia que quando se traduz os elementos da

filosofia, ciência ou arte

[...] a Didática reconfigura-os, inventivamente, um palimpsesto que

ultrapassa qualquer limite disciplinar; inclusive os próprios. Em suas

operações programáticas, lida com a tradução, tanto no aspecto micro de

procedimentos transcriadores; quanto no aspecto macro, sistêmico, de

seleção dos elementos a serem traduzidos. Guiada pelo valor da interlocução

crítica com o alheio a si, anima-se na confluência isomórfica ente esses

elementos e aqueles transcriados, tornados didáticos (CORAZZA, 2013,

p.196).

Corazza (2015, p. 118) ressalta que a tarefa do educador-tradutor se dá pela via da

singularidade, já que é feita para “encontrar nas línguas, curricular e didática, os ecos dos

originais, fazendo-os valer como tais”. Tomando como centro de interesse da presente

discussão, retomo Corazza (2015):

Como uma força motriz de novos estilos – na área de estudos, formação e

pesquisa educacionais –, a tradução da diferença constitui um momento-

chave na continuidade e descontinuidade da vida das obras e dos autores, das

estruturas e dos movimentos do mundo. Amplia os repertórios curriculares,

93

ao reler e reescrever, transladar e reexperimentar os acervos artísticos,

filosóficos e científicos, ou aqueles que foram marginalizados ou

falsificados; os quais, graças a ela, seguem vivos e ativos, em seus veios de

criação. Faz com que estabeleçamos – com os alunos, entre nós e com os

saberes –, um tipo autoral de vice-dicção, com lances inventivos, que não

deixam os textos e os discursos assumirem um aparato estático e definitivo;

mas os obriga a permanecer em movimento labiríntico, abertos e cambiantes,

carreando novos problemas e enunciações (CORAZZA, 2015, p. 118).

A novidade das vivências que são lançadas aos alunos e professores é uma forma de

investir no interesse e fazer ventilar algo do vital. Compreendendo a complexidade e as

contradições da realidade em que se vive o ensino superior contemporâneo, este estudo me

abre possibilidades para organizar e transformar este ensino uma vez que

[…] a didática da tradução transcria os currículos, fazendo a diferença, como

uma crítica-clínica do pensar e do viver: fornece um roteiro fabulador de

como educar-traduzir, sob o signo da invenção; e diagramatiza o mapa do

mundo, por meio da alegria de ler e da liberdade vital de escrever

(CORAZZA, 2015, p. 118).

Pensar a didática da tradução como inspiradora de uma educação transcriadora para o

ensino superior foi por entender que pode ser feita outra aula, que toma o ato de pensamento

que pensa e não apenas mimetiza o que outros pensaram. A aula atravessada como um

movimento, um gesto, uma possibilidade do ato de pensar, traçar planos, produzir vazamentos

ao ensinar, experimentar e criar conceitos. Não há uma receita para chegar a ela, nem se pode

aprender como fazê-la. Aprende fazendo-a.

É isso que quero experimentar enquanto possibilidades outras de pensar a aula no

ensino superior. Desse modo, os autores eleitos que me fizeram companhia nesta viagem me

pareceram providenciais, não porque suas ideias me parecem certeiras e verdadeiras, mas pela

força inspiradora que elas têm para criar o que ainda não foi criado, para pensar o qual ainda

não foi pensado. Pelos múltiplos sinais que a criação pode me emitir e, portanto, pelos gestos

impensados de seus pensamentos que podem me inspirar e provocar a fazer rupturas,

experimentação, processo de criação, diferença, lembrando sempre que o pensar se dá por

encontros.

Daí o título desta tese Educação transcriadora: ações didáticas que constituem a aula

no ensino superior, marca desde a proposição inicial um interstício, um intervalo, um espaço

que me convoca a situar, a compor o campo “artistador de variações múltiplas”, que produz

ondas e espirais, que compõem linhas de vidas e devires reais.

94

Ela marca quase um grito, uma direção, um novo território. Com todo movimento no

espaço, ocupar o espaço da docência no ensino superior exige um deslocamento dos que estão

situados em um ou outro constituinte: desprender-se do que se costuma simplesmente pensar;

desprender-se do pensamento que costuma habitar nas teorias e nas práticas educacionais no

ensino superior para não serem educadores perdidos, à deriva, fora de nosso tempo.

Ao pensar uma educação transcriadora para o ensino superior, capturo olhares de

autores que comigo movimentam a possibilidade de atos de criação pedagógica como modo

de atualização de uma ideia de natureza pedagógica que se expressa no cotidiano do ensino

superior, inseparável de variadas traduções, transcriações como assevera Corazza, (2013).

Uma aula, um território que se desterritorializa em processos de pesquisa, criação e

inovação. “Território didático indissociável de uma ética, de uma política e de práticas

tradutórias que realizam artistagens” (CORAZZA, 2006; 2011; 2012, apud. CORAZZA,

2013, p187),

Ao traduzir didaticamente, em cenários contemporâneos torna notáveis as

ideias já criadas, vivifica o currículo, libera forças indomesticadas dos

participantes, desestratifica camadas sedimentadas de saber, poder,

subjetividade operando para que reencontrem a sua virtualidade

(CORAZZA, 2013, p. 188).

Percebo que a DidaticArtista-tradutora segue devires e produz “formas deformadas,

figuras desfiguradas, paradoxos e não senso” (CORAZZA, 2013, p.188).

Ao propor e desenvolver novas vivências relacionais de alunos e professores

com os elementos originais injetam-lhes interesse e faz circular vitalidade

[…] pois a principal matéria da didática é a vida mesma, promovida pelos

encontros com formas de conteúdo e formas de expressão do mundo

filosófico, artístico e linguístico (CORAZZA, 2016, p.4-5).

Possibilitando, porquanto a existência de uma didática criadora. Como pode ser visto,

a tradução percorre a DidaticArtistica como um dispositivo que a desencadeia e uma prática

que desdobra.

A tradução didática é uma espécie de “des-tradução”, indo na contramão de uma

corrente onde os originais distantes são pontos de chegada. Essa tradução introduz novos

modelos, ideias, gostos, vocabulários, sintaxes, estilos e funciona com a força motriz das

mudanças, sobrevida dos elementos originais (CORAZZA, 2013, p.189)

Ao privilegiar aqueles elementos que mudam e afetam ou revolucionam cada uma das

áreas com as quais se trabalha, a DidáticArtista parte em busca de novos sentidos e valores

95

usando a reimaginação, a recriação. Por conseguinte, toda didática criada não pode ser menos

do que resultado de alguma artistagem, dedicada a verter elementos que valem a pena.

Pela via de encontros com formas de conteúdos e formas de expressões, a

DidáticArtista da tradução apropria-se das formas e desafia o tempo, o espaço e a linguagem

que as produziram simultaneamente. Nesse raciocínio, tais formas escapam dos meios e atores

que as engendram, mas se conservam os seus traços, os seus afetos, funções e conteúdo.

Possibilitando, assim, o agenciamento e avaliação desses traços e efeitos produtivos de

diferentes maneiras nas mais simples e complexas ações da didática no ensino superior – aula,

discussões, orientações, oficinas.

Pode-se daí, concluir que em sua política valoriza a multiplicidade, funcionando como

meio de resistência contra a mesmice e de luta contra a mediocridade. Seus movimentos

consistem em extrair acontecimentos das coisas, dos corpos, dos estados de coisas e dos seres,

reinventando novas formas, significações e posições de indivíduos e de grupos.

Enfim, traçar, inventar, criar linhas que dobram saberes, fazeres, sentires uns sobre os

outros, extrair problemas para maquinar, para exercitar um olho criador que condensa,

presentifica e vivifica o passado e a tradução dos originais, reinventando-os por meio da

tradução.

96

5. PARA SEGUIR EM MOVIMENTO… para não concluir

A aula não é verdade, sobre verdade para chegar à verdade: jogo de montar e

desmontar que pode ser movimentada, que passa pelo corpo, pelos instintos,

pelos sentidos, pela vontade, pelo devir.

Deleuze

A propósito disso, sinto-me convidada, instigada com as intempestivas provocações da

Professora Sandra Mara Corazza, minha principal referência teórica nesta caminhada, para

esboçar pensamentos acerca do professor da diferença – um didata tradutor. Com a indagação

O que se cria no ensino superior? Esta tese propõe a tentar criar as condições de

possibilidades outras para pensar a aula problematizando seu conceito. A despeito disso, e

tomando como pano de fundo a UFMT e o UNIVAG, provoquei encontros com docentes do

Curso de Psicologia para, na conversa, sentir, ao buscar o singular, se o professor percebe a

aula como um puro devir onde não existe um para sempre, um ideal, apontando para os

desdobramentos a que deram ou a que darão lugar no seu desenvolvimento. Fazer o convite

dos encontros para, como já dito anteriormente, conversar, para fabular o sentido da aula no

ensino superior, sem entrar em crise, sem estabelecer o caos, mas vislumbrando a

possibilidade da criação de procedimentos outros, como possibilidade de reinvenção da

docência que circule entre a apreciação crítica, o fazer responsável e fazer da vida mesma

uma autoria – o compor, o inventar, enfim o que pedem o ensino e aprendizado.

Nesse mesmo viés, Deleuze diz que quanto ao possível você não tem o previamente,

você não o tem antes de fazê-lo criado. O que é possível é criar o possível.

Mas não se trata de um mero dizer da aula, trata-se de instaurar um pensar a aula para

agenciamentos outros que dela advirem, uma virtual potência de dar abertura a novos

possíveis. Deleuze e Guattari são tomados por Ana Lúcia Oliveira em seu texto “Um plano

sobre o caos (reflexão acerca do evento)”. Em suas contribuições para entabular um novo

modo de agenciamento da aula, presentes em Mil Platôs, desenvolve a ideia de que:

Ao invés de constituir uma ponte fixa, o agenciamento configurado pelo ‘e’ é

um trampolim para saltar. Nessa trajetória em ziguezague, importante é o

próprio salto, que descreve uma curva aberta para o indeterminado, o

movimento de um dardo lançado, nunca o alvo a atingir. E mais: como o

intervalo devém uma relação, no tabuleiro textual, o espaço entre um

fragmento e outro funciona como a casa vazia que possibilita a mobilidade

das peças, encadeando o jogo. Com efeito, o salto libera a diagonal, as

relações entrecruzadas dos fragmentos... e o pensamento pode brotar nos

interstícios, nas disjunções (OLIVEIRA, 1994, p. 71).

97

Em “Pensar a Pedagogia com Gilles Deleuze e Félix Guattari”, Cardoso Jr (2006),

com o fito de operar um recorte, faz proposições acerca da relação entre professor e aluno

qual seja, à relação pedagógica, indicando a direção a ser seguida para se alcançar um devir-

mestre. Para tanto, explicita suas argumentações a partir da citação de Deleuze (1988), a

relação que se pode ter com os alunos é ensiná-los a serem felizes com sua solidão, para dizer

que toda relação para Deleuze tem um caráter pragmático, ou seja, a relação é exterior aos

termos relacionados. Essa proposição enuncia que a relação pedagógica está fora do professor

e fora do aluno, eles se comunicam pela exterioridade. Somente com esta condução, o aluno

pode “reconciliar-se com sua solidão”, isto é, utilizar o ensinamento do mestre para criar algo,

ainda, não previsto na própria relação.

Em função do aqui exposto, o professor entra em devir porque algo se passa entre ele e

o aluno, modificando os dois sem subordinações. Dessa feita, diz Cardoso Jr (2006) tratar-se

de condições fundamentais para este devir-mestre: a relação pedagógica seja exterior ao aluno

e ao professor e, assim sendo, seu efeito, sua realização de base é o ensino, equação muito

complexa, da felicidade de ser só ou da reconciliação com sua solidão, a solidão de cada um.

Não obstante, tem-se apenas que o aprender configura-se em uma equação bastante

complexa da qual derivam alguns outros pontos que cabe salientar: como relação, justamente

uma relação poderia reconciliar o aluno com a solidão? Ou então o que significa que a relação

professor-aluno está fora e não dentro dos termos relacionados? Os dois braços da equação

deleuziana do aprender podem ser resolvidos por qualquer um desses fatores. De um lado o

professor e, de outro, o aluno.

A partir da conceituação trabalhada, chego a olhar a agudeza que serviu de mola

propulsora à fala da Corazza (2008) em seu texto “Por que somos tão tristes?”, buscando

responder quem se atreve a dizer que somos tristes no modo como nos relacionamos com o

nosso oficio de educar. Acompanho, assim, o raciocínio que se segue à formulação da referida

questão pela autora:

Ora, ora, todos os que trabalham com educação podemos dizer e, inclusive,

testemunhar que somos tristes, isto é, que, ao educar, predominam paixões

tristes, forças reativas, ressentimentos e, até mesmo, infelicidades. Todos

podemos dizer que essa tristeza é do tipo grave, pesada, uma carga, já que

nossas ações educativas julgam, medem, limitam a vida sendo, em verdade,

reações contra a vida vigorosa e exuberante (CORAZZA, 2008, p. 2).

Ao mesmo tempo, neste percurso, retomo os dizeres presentes no Caderno de Notas 6,

organizado por Schuler, Matos e Corazza (2014), que vem me reforçar a imperiosidade de

98

uma estratégia de renovação do fazer a aula, tomando a Didática da tradução como

movimento transcriador por meio do qual a didática na aula é transvestida por exatamente

possibilitar renovar, vitalizar, dar nova vida àquilo que passou, trazer ar fresco à aula, fazer

raspaduras, dar sentido ao ato de pensar e ensinar, definindo e afirmando um real e

paralelamente; abrindo um possível na relação professor e aluno.

Perscrutando os labirintos do filosofar com Deleuze, espreitando seus passos teóricos,

parece evidente que somos tristes, por matar a vitalidade do pensar, ensinar e aprender,

fazendo com que a aula se apresente desqualificada, artificial, frágil, flácida, fácil, trivial ou

comum. Logo, na obra referendada:

O professor, didática tradutor é um escrileitor que transcria e transcultura os

elementos científicos, filosóficos e artísticos reconhecendo a sua própria

produção, em meio a um “universalismo polimorfo e cosmopolita, de tipo

novo: transverso a governos, economias e mercados”; e que sem medo do

novo ou medo do antigo defende “até a morte o novo por causa do antigo e

até a vida o antigo por causa do Nov” uma vez que (Campos, 1978, p.7) “o

antigo que foi novo é tão novo como o mais novo”, cabendo-lhe discernir

entre eles (SCHULER; MATOS; CORAZZA, 2014, p. 55).

No reconhecimento desse estatuto, urge retomar a teorização de Campos (1986, p. 17)

com a pretensa criticidade, assim exposta “uma das normas básicas da tradução didática fica

sendo verter, não inverter”, por meio da qual, em minha compreensão, os elementos didáticos

são transvertidos.

Nesse caminhar habita, por conseguinte, um autor com procedimentos didáticos

tradutórios que não se referem a sistemas prontos de interpretações, mas sim que trazem a

alegria de desenvolver experiências que têm relação com modos de desterritorialização do

existente. Expressa Corazza (2013, p. 192) que “os elementos didáticos, emersos dos

originais, valham em lugar dos mesmos; para fazer com que a Didática funcione

criadoramente”. Para tanto, legitima a ideia de o docente trabalhar de maneira leve e

despojada, livre e bem-humorada, criando possibilidades para fazer da profissão docente uma

obra artística, aniquilando de suas práticas pedagógicas a tristeza, liberando a vida em sua

potência com plenitude de vida, criando experimentações outras, favorecendo o viver-educar.

Nessa esteira, Corazza (2008, p. 3) reporta que:

Talvez, seja preciso seguir todas aquelas que, da sua condição de

professoras, fazem não um sacrifício a um poder que é sempre triste, que

bloqueia a efetivação de suas potências, mas, um cântico à vida, e que, por

isso, reinventam todos os gestos, fazem passar fluxos de novidades,

99

atravessam os muros, deslocam os limites, transformam o oficio de educar

em um sistema solar e planetário, vivo e móvel. Professoras que cintilam,

vibram, viajam, mesmo permanecendo onde sempre estiveram, ao preencher

e efetuar a potência de educar, de nome Alegria.

Sustentada no referencial acima exposto por Corazza, enfatizo que conhecer os signos

presentes na aula, pensá-los, analisá-los, é potencializar a vida, é atribuir-lhe primado à

fluidez criadora, em detrimento das normas formais instituídas, definindo a vida como

atividade criadora, valorativa e produtora de sentidos.

Cabe destacar que o pano de fundo em que se põem as intervenções deleuzianas a

despeito da educação suscita que é possível trazer questões para o campo da educação e, em

particular, para o ensino superior com ordenamento criado a partir da ideia de

experimentação, criação, potência e vida. Para que assim se dê, me parece necessário recorrer

a Corazza (2013) que destaca a tese de que o professor cria algo durante a aula, que ele é da

ordem do criador, que considera que há algo dinâmico e processual quando ele. O professor

toma algum conteúdo, algum ponto a ser explorado, experimentado, debatido–didatização em

aula, dramatização de conteúdo, de conceitos.

A propósito disso, retomo Deleuze em sua obra Conversações (1992, p.167)

Se um criador não agarrado pelo pescoço por um conjunto de

impossibilidades, não é criador. Um criador é alguém que cria suas próprias

impossibilidades, e ao mesmo tempo cria um possível. É preciso escrever

líquido ou gasoso, justamente porque a percepção e a opinião são sólidas,

geométricas.

Considerando o vasto campo da tradução abordado no item anterior que compõe esta

tese, reforça-se aqui a possibilidade oportuna de dialogar com Corazza (2015) que clarifica, a

meu ver, que esse processo pode ser chamado tradução, tornando contemporâneo este

conhecimento uma vez que:

Tradução implica menos transportar ou transpor (Chevallard, 1985) os

sentidos de uma língua par a outra e mais verter ou recriar: dotando-se da

consistência de romper com o estabelecido; empreendendo novos

recomeços; apropriando-se do antigo ou estrangeiro e tornando-os seus, ao

entrecruzá-los com a língua didática e fazer ressoar a sua voz

(CORAZZA, 2015, p. 108).

O estudo aqui tomado como princípio norteador da tese - O que se cria no ensino

superior? Funda e embasa o pensamento no ensino superior imbuído de forças deleuzianas,

percorre uma leitura crítico-criativa de uma pesquisa-criação na composição de possibilidades

100

de ações constituintes dessa aula ainda distante da possibilidade de dar lugar a um trabalho

conclusivo.

A pesquisa-criação nomeada por Costa (2014, p. 6) “como expressão de resistência e

inversão valorativa do pensamento cientifico, orientada por uma política e uma poética da

diferença, sacudida por uma interpretação do outro e de suas singularidades fugidias às

normas morais e sociais”, move e investiga a ação docente como tradutora, tomando o

conteúdo apresentado anteriormente como binóculo ao perguntar ao docente, O que te põe no

ato de ensinar?

Nesse pensar, a autora ainda explicita:

O pensamento da diferença emerge num rasgo de tempo ainda mais recente,

particularmente, no Brasil, com pouco mais de uma década, onde, no campo

da educação, em especial, posiciona-se como um elemento tensionador e

provocador de deslocamentos quanto aos modos de pensar as questões

políticas desse campo atravessado por disputas e relações de poder, as

relações epistemológicas com o conhecimento, imprimindo a marca da

multiplicidade interpretativa de ideias e visões, e empreendendo novas

formas de resistência e rebeldia aos processos de dominação e padronização

de valores cristalizados na educação e contexto social (COSTA, 2014, p.

6).

Para esta tese, dessa maneira, o viés pós-estruturalista contribuirá para a reflexão

teórica sustentada na filosofia da diferença, em particular na construção deleuziana,

deslocando-se o estudo dos conceitos que cercam o movimento da aula, na perspectiva do

ensino superior que coloca sob suspeita todas as imposições pedagógicas vigentes de sentido

nas obras educacionais atuais.

A partir daí e apropriando-se da compreensão deleuziana dos conceitos pensar,

aprender, ensinar, criar, experimentar já tomados na filosofia da diferença nas partes

anteriores desta tese, por meio da pesquisa-criação, passo a tecer os fios da pesquisa,

lembrando que como salientam Sales e Feldens (2012, p. 48), ao discutirem sobre os

movimentos estéticos na docência e na arte de produzir a vida:

A pesquisa em educação tem se debruçado sobre vários temas transversais e

interdisciplinares, que buscam compreender os movimentos de novos

conceitos, os discursos e os saberes que, interagindo, formam trama do

processo educacional, passando, assim, pela constituição do espaço escolar e

da prática dos professores.

101

Dentro dessa premissa, os autores ainda destacam (p. 48) que “[...] a pesquisa em

educação é um processo que nos leva a percorrer caminhos variados, provocadores, frutos

deste emaranhado de vozes e imagens que emergem do pluriverso escolar”.

Rompendo com os modos convencionais de fazer pesquisas, aqui estreito o caminhar

desta construção, lembrando que os escritos de Deleuze sobre o pensar, o ensinar e o aprender

muitas das vezes associando Guattari nas reflexões, trazem à baila novas questões acerca da

aula o que me permitiu enveredar pelo caminho da pesquisa-criação, visando apresentar a

indagação aos professores universitários participantes deste estudo: O que te põe no ato de

ensinar? Sem a menor pretensão de sintetizar os elementos que compõem a escrita dos

docentes participantes nos registros apresentados por eles frente à questão apresentada,

limitarei ao destaque de conceitos e seus diferentes entornos.

O desafio presente nesta tese não me leva a esperar respostas prontas para o

enfrentamento da questão relacionada à aula no ensino superior, pois ao dialogar sobre

saberes trabalhados, mecanismos didáticos com a reprodução pura e simples, na moral e nos

clichês padronizados com a transmissão de conhecimentos, dificuldades próprias do docente

ao processo constituinte da didática da tradução, a adoção do processo criador, encontro uma

gama de expressão que dá ao professor, em sua construção pedagógica uma singularidade que

engendra uma espécie de marca livre de elementos ou traços originais, transformando a aula

em agenciamentos inusitados.

Esta pesquisa-criação é uma tentativa de pensar, de experimentar, de duelar com os

clichês educacionais, algo de novo como prática pedagógica contemporânea, se aventurando

em criações, sem garantia alguma de se chegar a um lugar, a que alguma proposta de algo

diferente aconteça. Busca, de qualquer maneira, anunciar experimentações cuja didática

permita trazer vida, ar fresco a uma aula no ensino superior com método de aprendizagem na

diferença ou que pelo menos proclame outros modos de pensar, ensinar e aprender na

educação superior.

Uma aula não como uma tela em branco, mais como Munhoz e Costa (2012, p. 62)

fazem alusão:

Uma aula pode ser então outra coisa: uma experiência não dogmática que

possibilita experimentar e pensar. Experiência em que se pode escutar o

inaudito, ler o não lido, duvidar da verdade, desaprender o aprendido. Essa

aula não tem como objeto comtemplar o eterno, nem refletir a história, mas

diagnosticar nossos devires atuais.

102

Tornando tais elementos como desafiadores, este estudo localiza, sob essa perspectiva,

a Didática da tradução como possibilidade de tomar a aula enquanto atividade criadora,

interpretativa, valorativa, produtora de sentidos.

Aqui devo me atentar que Corazza (2012, p. 25) quer defender ações constituintes de

uma didática que possibilite a potencialização do aluno, enaltecendo a vontade de potência

ativa ao proclamar:

[...] antes de tudo, esvaziar, desobstruir, desentulhar, faxinar, limpar a aula.

Assim, o professor vai varrer, esfregar, escovar a aula, para produzir a sua

aula, cujo funcionamento subverta as relações dos modelos (os dados, os

clichês) com as cópias. Para tanto, ele precisa identificar os dados

(formações discursivas e não-discursivas), que ocupam a aula-dada.

A propósito disso, cabe aqui

ressaltar as produções dos professores que

ao serem indagados sobre o que te põe no

ato de ensinar expressaram conceitos que

configuram sinais de sua captura do

sentido da aula, movimenta uma tipologia

docente que diz, que opera sua capacidade

de criar formas ou formar alguma imagem

de pensamento.

Ao tomar por base os conceitos que percorrem cada produção criativa, tais como

“outros modos”, “outras perspectivas”, “divagações”,

“encontrar novos caminhos”,

“construção/desconstrução”, “curiosidade”, “troca”,

“aprender/reaprender”, “retira o lugar comum”, fica-me

presente elementos tradutórios de experimentações, de

criação, vencendo os movimentos didáticos arraigados

de clichês, inserindo o aluno na aula como ator do

pensar e do aprender, criando possibilidades de

reexperimentar saberes, provocando vida nova. A esses

cincos docentes atribuí à tipologia Professor-criador, uma vez que Costa (2014, p. 8) vem

dizer que “experimentar o experimentável é o desafio criado por Deleuze para dar vasão aos

devires, aos fluxos e correntezas de nosso pensar, com estilo e desejo de criação”

103

Zordan (2005, p 264) traça o solo de uma prática pedagógica criadora, assim

abordando:

Para se aprender a arte de ensinar, arte de dar aulas, a que tipo de

signos um professor tem que estar sensível? Obviamente aos signos

da matéria que ele ensina, mas não apenas a isso. A arte do

magistério envolve sensibilidade aos saberes que os corpos dos

alunos trazem para a sala de aula e ao tempo cronológico que

estabelece o horário dos encontros que configuram uma aula.

Também sensibilidade aos humores dos alunos, ao espaço onde a

aula se dá, aos recursos que possui para fazer funcionar a sua

matéria, ao currículo que determina o que vai acontecer naquele

curso, naquela disciplina, enfim, a “matéria” a ser aprendida. Os

professores são artistas cuja arte é emitir as matérias de um plano de

pensamento.

O Professor-criador é pensado a partir da ideia de que ensinar e pensar toma a

capacidade da aula para capacitar, para criar formas e

formar alguma imagem do pensamento. Este docente,

dotado da potência extrínseca, capaz de traçar linhas

envoltas de experimentações e intensidades,

velocidades e lentidões do pensamento, que abate

destrutivamente os saberes já sabidos, consolidados

rompendo com as águas mansas da interpretação.

Esse professor em sua aula formula o

problema do aprender e opera como uma experiência de problematização, que não fornecem

condições empíricas do saber, não faz uma transição ou prepara passagens do saber ao não

saber, nem é solução para uma falta de saber, nada tem a ver com a correta aplicação de um

método, nem com perguntas sobre a verdade ou a essência das coisas, mas, que só aprende a

partir de um encontro com os signos, (...) que o forçam, constrangem, obrigam a pensar e a

inventar problemas, realizando, assim, uma aprendizagem de novidades sempre imprevisíveis,

envolvendo a transposição de todos os limites, levando todos os viventes a não reconhecerem

mais nada do que até então conheciam; impedindo-os de pensarem como antes e de

prosseguirem sendo os mesmos, nos afirma Corazza (2002b) ao tratar da noologia do

currículo.

Sendo assim, cabe indagar como Corazza,

o que seria necessário para fazer uma boa aula? O

que é preciso para fazer uma aula interessante e

criadora com relevante instrumento nos processos

de descobertas e criação ligados à ideia de

104

movimento e potencialização da vida? Nesse raciocínio não há formulas prontas, receitas a

serem executadas, embora haja inúmeros livros clássicos pedagógicos e didáticos, legalmente

instituídos, oferecendo soluções possíveis e rápidas.

Nessa direção, Acom (2015, p. 56) cita que Corazza em suas produções discute “não

haver nenhuma ciência objetiva, nenhuma prática discursiva, nenhum campo conceitual que

possibilite essencializar o que seja ou o quê/como deve ser uma aula, quanto mais uma boa

aula”.

Muito importante frisar a partir dos destaques do Professor-criador que esses

corroboram com a afirmação de que é possível criar no ensino superior, instituindo-se a aula

como ato que se cria, recria e reimagina.

Meu argumento consiste em perseguir o olhar às produções docentes, em encontrar

expressões sob a batuta dos professores participantes, com a tipologia Professor-desejante,

como se ecoam na escrita dos seis docentes que fundam seus agenciamentos por desejos, seus

problemas e sentir como eles afetam, se são potências criativas e seguem em sentido aos

limites e captura.

Sales e Feldens (2012, p. 49) vêm declarar que;

Já não nos cabe perguntar o que determinada coisa é, mas com

quais outras ela se encontrou, com quais ela fez acontecimentos,

por quais classificações e enquadramentos se territorializou ou se

desterritorializou e como fez para chegar ao modo de saber, de

ensino e de prática docente que vislumbram.

Certamente, aqui se movem devires e são esses devires

que nos lançam a colocar-se, a buscar o novo, o diferente,

desfazendo-se e dissimulando-se das falsas representações,

afirmando a multiplicidade da vida e do devir criativo.

Sob essa ótica, é possível afirmar que a educação para

esses autores (p. 49):

Para construir-se professor, tem-se que ir além das formações didáticas e

pedagógicas e caçar-se a si mesmo. Um professor precisa constituir um

processo contínuo, de inusitados movimentos e encontros e colocar-se num

plano de multiplicidades e diferenças acima e além de onde estejam seus

próprios pés.

105

Cabe enaltecer cada vez mais a força pulsional criativa do professor por vivenciar os

espaços e os movimentos peculiares ao ensino. Assim, para refletir acerca da prática docente

há que se passar pela compreensão teórica das multiplicidades e suas singularizações.

Munhoz e Costa (2012, p. 63) me remetem a debruçar na reflexão:

O professor não oferece uma verdade, mas oferece um desejo. Desejo do

agenciar coisas, pessoas, paixões, paisagens e novos possíveis. O conteúdo

que o professor ensina faz um contorno por paisagens não visitadas, por

mundos desconhecidos. A figura do professor, então, é diluída tornando-se

intercessor entre conceitos e problemas.

Ao problematizar e descrever a aula, o

Professor-desejante sempre ressaltará que os

agenciamentos são sempre desejos, desde que este

seja experimentador como traço de possibilidades.

Fincados nesse contexto, retomo Sales e Feldens (2012, p. 52-53), que abordam:

[...] são as experimentações e suas expressividades que compõe a ação do

docente: um professor ensina e aprende o que vive. E ao viver, estabelece

relação entre si e os outros, que tatuam marcas e singularizam suas ações.

A percepção da ideia, maquínica que Deleuze nos anuncia, constitui campo

potente, uma vez que seu alcance se dá através do desejo, que se produz na

imanência.

Zordan, Corazza e Tadeu (2004, p. 63), ao atentarem-se aos componentes do

agenciamento, vão falar de dispositivos de forças presentes no devir:

(...) o processo do devir e o de estar-entre, numa passagem entre os

caminhos; é a diferenciação, o devir-outro, no interstício dos pontos de

poder, dado que seria aquilo que é condição de novidade sem que [...] esteja

na vontade de fazer novidade.

A prática docente, assim como a vida, é movida por desejos. Vejamos a contribuição

de Deleuze e Guattari (1997, p.20):

[...] ao desejo nada mais falta, ele preenche-se de si próprio e erige seu

campo de imanência. O prazer é a afecção de uma pessoa ou de um sujeito, é

o único meio para uma pessoa “se encontrar” no processo do desejo que a

transborda; os prazeres, mesmo os mais artificiais, são reterritorializacões.

106

Em uma análise de linhas que aqui revelam a prática docente, pude observar, dessa

feita, que o Professor-desejante movimenta-se entre espaços educacionais cotidianos cada vez

mais múltiplos, que compõem a sua própria diferença: reino das individuações sem sujeito,

em devir, que comportam elementos matérias, corpos que não são mais do que potências

afectivas, poder de afectar e ser afectado,

encontros [...] descrevem esta trajetória Zordan,

Corazza e Tadeu (2004, p. 57-58).

Do ponto de vista que me interessa neste

estudo e a partir da abordagem da Corazza que

explica que função criadora em aula é, por meio

do movimento, a criação da ideia de modo

expressivo e não meramente descritivo, trazendo

novos sentidos da confrontação de imagens,

para mim torna o discurso pedagógico inteligível, uma vez que o aluno é co-participante do

processo ensinar/aprender, superando a perspectiva de espectador, inserindo-o como ator na

aula, um sujeito que raciocina, julga e age segundo sua própria vontade.

A partir da noção deleuziana de que o papel da filosofia é criar conceitos, de que as

aulas no ensino superior podem apresentar perspectivas do professor como tradutor e

transcriador, bem como uma perspectiva do ato de educar, estar fazendo a aula ganhar uma

multiplicidade de condições pedagógicas diferentes entre si, em lugar das “habituais cópias

sempre idênticas ao modelo e a elas próprias” (HEUSER, 2011, p. 4).

Nesse movimento, encontro em Kohn (2002, p. 9), no artigo Entre Deleuze e a

educação, notas para uma política do pensamento:

O aprender está no meio do saber e do não saber. No

meio. Para aprender há que se mover entre um e outro,

sem ficar para em nenhum dos dois. Aquele que sabe e

aqueles que não sabem não aprendem, não podem

aprender. O aprender está no fluir do movimento do

pensar, nos prisioneiros que continuam presos na

imanência do interior da caverna e não naquele que se

libertou para apreender a ideia transcendente. Aprender

é uma velocidade, um movimento infinito e ilimitado,

mas não é discurso da enormidade do saber humano

nem a dualidade socrática que nos autoriza a descrevê-lo assim, pois não há

deuses que saibam mais do que os seres humanos nem há nada que saber. Há

sim, a possibilidade de unir à diferença a diferença. É isso que significa

aprender.

107

Ao tomar por base tal reflexão, tenho que a aula deve nos inquietar e nos desafiar a

pensar, abrindo espaço para olhar, escutar, perceber, pensar, criar, ver por outros ângulos,

superar a cegueira que nos impede de tornar visível o invisível.

Pode-se apropriar pelo referencial teórico cunhado por Deleuze e Guattari (1997), ao

longo de todas as criações onde tomar a multiplicidade, leva-me a pensar o mundo pulsante,

que induz a todo o momento uma nova vertente para pensamentos e critérios. Veja-se, pois:

As multipheidades são a própria realidade, e não supõem nenhuma unidade,

não entram em nenhuma totalidade e tampouco remetem a um sujeito. As

subjetivações, as totalizações, as unificações são, ao contrário, processos que

se produzem e aparecem nas multipheidades. Os princípios característicos

das multipheidades concernem os seus elementos, que são singularidades; a

suas relações, que são devires; a seus acontecimentos, que são hecceidades

(que dizer, individuações sem sujeito); a seus espaços-tempos, que são

espaços e tempos livres; a seus modelos de realização, que é o rizoma (por

oposição ao modelo da árvore); o seu plano de composição, que constitui

platôs (zona de intensidade contínua); aos vetores que as atravessam, e que

constituem territórios e graus de desterritorialização (DELEUZE;

GUATARRI, 1997, p. 10).

A ideia de pensar e pesquisar a educação

foi-se dando pela apropriação das multiplicidades,

visto que conhecimento, saber, educação e aula

estão lincados à ideia de movimento e

potencialização da vida e da criação passa a

significar encontro entre diferenças. O encontro

entre o processo de ensino e a prática do professor

traduzida em aula, espaço onde pensamentos,

conceitos, signos, situações, realidades, relações, singularidades tecem movimento para

construir novas rotas, experimentar novas sensações.

De uma grande potência me falam Sales e Feldens (2012, p. 51) quando afirmam que é

“comum nos referirmos à palavra conceito, pensando apenas na possibilidade de verdade,

agregando a ele critérios de definição, tornando o saber estático” (grifo meu).

Na rota dessa reflexão, pude, nos encontros com as produções deleuzianas, capturar

que conceitos realmente não se articulam com verdades, mas sim com experimentações, com

o processo de criação, daí as possibilidades de alternativas outras para superar o que já existe,

o instituído, para alcançar a produção pedagógica de uma teoria da tradução, desafiando o

108

professor a ultrapassar os limites, escavando fragmentos e mergulhando na multiplicidade

com ações pautadas na diversidade de saberes, reabilitando vozes silenciadas.

Mediante um pensar aberto e múltiplo, no qual a pergunta O que te põe a ensinar? se

converte em problema e o pensamento em atitude, tornando o educar como a vontade de estar

em movimento, respirando novos ares indispensáveis à vida potencial e imprescindíveis ao

caminhar por territórios não conhecidos. Vou encontrar a expressividade no registro, na escrita

de três docentes que revelam a atitude pedagógica de tipologia Professor-apaziguador frente

aos estar no mundo, num movimento de consenso, acorrentados às normas legais dos manuais

que envolvem a docência, sustentados por uma determinada organização, estruturação e

legitimação de saberes e métodos.

E se pensando, no meio Deleuze, me dedicasse a traçar uma aula presente na prática

pedagógica do Professor-apaziguador alguém diria: uma aula que cansa/entedia a meu ver

por estar circunscrita ao movimento de replicar,

reproduzir, copiar, descrever, representar e

imitar, tecendo a domesticação. Fica evidenciado

que ainda há concepção, frutos do cartesianismo,

presentes em práticas pedagógicas com

normalidades envoltas de juízos e moral, que as

consagram durante décadas. E como isso tudo

tem sentido/efeitos em nossas vidas!

Entre os caminhos possíveis nos marcos nacionais que subsidiam as diretrizes da

educação superior, Sales e Feldens (2012, p. 56) anunciam: “O normal, o igual e o modelo são

bons, justos e certos. Nessa mesma proporção, impõem a exclusão de tudo aquilo que é

diferente, tudo que difere da lógica, que não se enquadre nos agenciamentos, identitários ou

nos processos de asujeitamento”.

Em Arte e filosofia na mediação de experiências formativas (2012, p. 57), encontro

nessa vertente de pensamento que:

O olhar da escola, como instituição da modernidade e

tendo como função o disciplinamento e o controle,

propaga modelos, homogeneiza ideias e padrões

identitários, que não suportam as diferenças e os

ilimitados encontros presentes no espaço escolar. Mais

que isso, a escola moderna é constituída pelas práticas

de saberes que desviam os olhares do outro e focam o

olhar em um eu essencializado e sedentarizado na

lógica cartesiana do sujeito.

109

Na aposta que venho tecendo no sentido que a aula pode possibilitar outras formas de

olhar o mundo para além do já estabelecido, inquieta-me pensar em como a prática

pedagógica contemporânea ainda vem se instituindo, de vez que me parece que o aluno não é

entendido, por não reconhecer o sentido que tem a educação, que não se constitui pela

unicidade. Nesse raciocínio, tomo os autores referendados (p. 56) que apresentam um olhar

que assim capturam o sentido da aula para esse Professor-apaziguador:

(...) tem dado a pensar a questão do outro de maneira indiferente: por não

considerar as tramas, as interjeições, a estrangeiridade e os estranhamentos,

mantém-se amarrada aos limites institucionais dos saberes científicos,

elencados nos postulados do positivismo moderno, ou por não ter aberto

novos canais, com novas e claras rotas de discussão sobre uma educação

realmente na diferença, que não se baseie na inclusão piedosa, mas no

acolhimento como potência da vida em multiplicidades.

Isto tornou possível junto com os autores

estudados a conhecer que por tudo que vivenciei

no ensino superior, há de se estabelecer o lugar

que a educação ocupa na vida do outro (grifo

meu) para que haja encontro de singularidades.

Por isso, um Professor-apaziguador que

não inspira o sentido de incluir, de acolher e de

experimentar, mas as relações de sujeições como bem provocam a pensar Sales e Feldens (p.

56):

A modernidade iluminista produz o discurso da unicidade, associado a

cientificidade e à normalidade, alinhando com os conceitos da epistemologia

da representação. As diferenças e as multiplicidades enquadram-se nessa

lógica. O cotidiano, por outro lado, torna-se cada vez mais múltiplo, de tal

forma que nos sentimos impelidos a rever nossos conceitos, partindo

justamente dessas multiplicidades e das diferenças emergidas das afecções

que as distintas culturas que nos habitam produzem em nossa sociedade.

Há que se pensar o inesperado, esculpir um gesto, alterar esse quadro com a

compreensão do aprendizado como uma construção que se dá nossa relação professor e aluno.

Isto supõe levar a cabo uma ação de observação de que não há como disciplinar a potência da

vida que cada vez pede mais, roubo as palavras de Sales e Feldens (2012, p. 58):

110

Trata-se de favorecer as singularidades e a educação que foque sua trajetória

nas multiplicidades. Compreender a prática do professor através de um

processo que considere suas subjetividades, suas aprendências e ensinâncias,

o corpo de ações que envolvem este bailado singular e coletivo, bojo de

nossa cultura, passa a ser importante para podermos agir diretamente nas

práticas docentes e propormos uma ação em consonância com o tempo e o

espaço, que a contemporaneidade atirou no meio de nossos caminhos e que

não sabemos que curva, que atalho ou que ponte precisamos construir ou

trilhar para seguirmos andando.

Para proceder à busca de referências e

critérios para a compreensão da escrita dos docentes

participantes e o sentido do que os move a ensinar,

me detive a pensar o ensino superior pelo viés do

diálogo com Munhoz e Costa (2012). Para esses

autores, a expressão uma aula significa conduzir o

outro para que receba o conhecimento. A tipologia

Professor-acaso foi por mim capturada, mas

pensando um pouco mais... Talvez essa captura tenha acontecido pelo encontro que tive com

as escritas de fortes locuções que me provocaram a pensar a experiência educativa atravessada

por estas vozes que encenam O que te põe a

ensinar.?

Uma aula remete a pensar o ensinar e o

aprender. E quando se considera conduzir o outro

para que receba o conhecimento, vincula-se a uma

aula tradicional, com coordenadas explicativas

presentes nas locuções “aluno aprendeu”, “gostar

do ensinado”, “ajudei a aprender”, “ensinar como

dom”.

Santos (2015, p. 95), ao constatar que não há professor sem aluno e vice e versa, diz

ser em seres sensíveis em devir. Logo, o Professor-acaso:

É questão de vocação e força de vontade. É ser paciente, prestativo, saber

passar o que aprendeu, de modo que o seu aprendiz não se desinteresse pelo

assunto a ser ensinado. A docência é a arte de doar a ciência e fazer o outro,

mesmo que esse outro seja uma pessoa mais experiente na vida, entender

algo que a esse outro não era inteligível. Ser docente vai muito além de uma

profissão; é formar cidadãos capazes de fazer a diferença na sociedade e no

mercado de trabalho. É ser a principal ferramenta de educação e

111

transformação de uma nação. É a fonte de prosperidade da raça humana.

Uma pessoa que tenha a paciência em ensinar, não faça com que o aluno

desanime de procurar mais conhecimento; é um amigo que o aluno pode

procurar para tirar a s suas dúvidas e não ter vergonha de efetuar perguntas

[...] ser docente é estar atento à vida e a transformação dela. [...].

Parece-me que é aí que o estilo profissional passa pelo sentido mais convencional do

pensar e do aprender. E Deleuze em Diferença e Repetição vem me falar do pensamento como

representação, destacando que nele o mundo não se move, nada é possível ser criado, nada

pode ser inventado, nada difere, nem devém. Sobretudo salienta que não há diferença nem

devir. Ainda em Diferença e Repetição – Capítulo IV - Deleuze faz a tentativa de desligar a

imagem do pensamento da essência e da identidade para traduzir a concepção, agora, como as

noções de diferença e multiplicidades.

Pretendo com isso pensar com Deleuze para compreender, a partir de sua obra Proust e

os Signos (2003, p. 32), que a aprendizagem é o

movimento de problematização, antes do

movimento das possíveis soluções. Assim. “a

decepção é um momento fundamental no

aprendizado: em cada campo de signos ficamos

decepcionados quanto o objeto não nos revela o

segredo que esperávamos”.

Com base nesse aporte teórico, vislumbro ser a aula um lugar de encontros com

experiências, provocações, devires nos movimentos da aprendizagem. Significa refletir sobre

a ação pedagógica na perspectiva da educação que permeia a vida e não uma tarefa do

iluminar.

Tendo em vista pensar a aula como momento que entrelaça vida, o Professor-acaso

pressupõe uma concepção do ensino que funcione como causa da aprendizagem e

aprendizagem como seu efeito. De todo modo, Santos (2015, p. 76) salienta que se o

professor ensina bem, então o discente aprende. Anuncia a autora a capacidade do professor

ser o mediador na busca por caminhos para o aprender “privilegia ainda que o ato de ensinar

pressupõe ensinar o conhecimento verdadeiro, ou seja, o conhecimento profissional (...)”

Dentre tantas tratativas presentes nesta tese a respeito da aula, é considerado

significativo o que Deleuze em Proust e os Signos (p. 21) declara “nunca se sabe como uma

pessoa aprende; mas de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos,

perdendo tempo e não pela assimilação de conteúdos objetivos”.

112

Para oportunizar uma ampliação da percepção dos autores, quero retomar que Deleuze

e Gattari (1997) demonstram o relevante entendimento que pensar educação e a

aprendizagem, por meio do binômio saber-não saber, há que se desconstruir a lógica

positivista ainda presente na prática pedagógica universitária cotidiana, favorecendo a

produção de singularidades impessoais e pré-individuais.

Numa leitura de Corazza, ao engendrar um conceito da didática Artística da tradução,

pude asseverar que para ela o docente é como um artista que desperta os mais diferentes

devires em si próprio e em seus alunos. E assim, nesta relação pedagógica “o conceito não

servirá como rótulo que classifica signos, elementos que compõem teorias” Sales e Feldens

(2012, p. 52). Antes será intercâmbio do aprender, considerando então que, nos labirintos do

filosofar e nos emaranhados conceitos deleuzianos, fui seguindo pistas numa tentativa de

ensaiar a constituição da aula, perguntando-me: O que se cria no ensino superior? Por meio do

qual seja possível avistar uma construção de perspectivas de análise e estilos de atividades

docentes inspirados, de modo singular, a pensar linhas por onde esgarçam encontros de

criação, de experimentação, maquinando-se compor tradução das ações didáticas constituintes

da experiência educativa.

Não por acaso, a pesquisa-criação, consubstanciada na perspectiva pós-estruturalista

como já enunciado nesta tese, particularmente no interior da filosofia da diferença, não

permite apontar caminhos e soluções teórico-metodológicos prontos e acabados, nem

tampouco alcançar solução verdadeira para a questão suscitada, mas sim a ousadia de buscar

os múltiplos atravessamentos que encontro no aqui-agora manifestados no olhar da aula no

ensino superior, no sentido de maquinar/criar.

Como referenda Deleuze (2014, p. 6-7) “uma conversão do olhar como postura

transgressiva para pensar a diferença; dito isto no plano das ciências, a filosofia da diferença

recorre a uma multiplicidade de lentes, olhares através dos quais prescruta o mundo e os

signos a sua volta”.

Desse modo, experimentar o experimentável é o desafio desta pesquisa-criação

auscultando Deleuze. Nessa esteira reflexiva,

Nietzsche nos ensina a espreitar nossas ideias (inquietações, hipóteses,

procedência, desafios) como exímios caçadores que somos, isto é, seguir os

vestígios de nossa procura, espreitar os pensamentos e envolvê-los num jogo

de intrigas e vontade, com desejo e determinação. Envolver os pensamentos

num jogo de sedução e liberdade, elaborar perguntas, levantar hipóteses

sobre a procedência de algo, manter a intriga no pensamento sem a pretensão

de encerrar respostas aos problemas com imediatismo de nossas ações.

Construir uma relação ao mesmo tempo de respeito e liberdade com os

113

intercessores teóricos (e não uma relação de subserviência ou dogmatismo.

Muito menos de desrespeito e desonestidade), estabelecendo com eles uma

zona de vizinhança e afastamento necessária através de suas lentes, abrindo a

possibilidade de fabricarmos nossas próprias lentes para então podermos

enxergar e reparar o mundo (seus coloridos e mazelas) a partir da perspectiva

e provisoriedade de nossas interpretações (COSTA, 2014, p. 9).

Com base na lógica de especificação deleuziana, aposto no pensar que não reconhece

ou conhece a verdade e sim produzindo-a, uma vez que a verdade é sempre uma verdade do

seu tempo para disparar a tradução, possibilitando o movimento da transgressão e da

renovação.

Cardonetti e Oliveira (2017, p. 53) pressupõem que os pensamentos mais impetuosos

são os que duvidam das verdades impostas e levam em consideração o falso e a fabulação e

dão pistas do pensar relacionado à criação:

E, quiçá, com tudo isso possamos visualizar aquilo que não era visto, ou,

quem sabe, ver do outro modo o que era visualizado costumeiramente,

instigando-nos a nos despir do que aprendemos para, a partir disso, sermos

capazes de inventar outras possibilidades de pintar no mundo.

Ao ser atravessada pelo corpus desta pesquisa-criação, constituída de transcriações de

dezessete respostas à questão disparadora que foram pensadas como impulsionadoras de

problematizações e os conceitos apropriados por mim tiveram a intensão de tensionamento,

quando operados frente à questão.

Como bem sinalizam Cardonetti e Oliveira (2017), é neste emaranhado de relações

que a potência inventiva para pensar outras vias para a docência pode acontecer e ressoar,

colocando-nos em contato com o extraordinário, com o impensável, pois, no momento em que

o pensamento é arrombado e provocado, hábitos do pensamento são contrariados e forçados a

sair do seu estado apático e indiferente.

A partir de tudo que foi exposto, penso que chegou o momento de dar uma parada, não

para concluir esta pesquisa-criação, mas para continuar a pesquisa, convidando conceitos

outros para, com foco nas questões hoje salientadas, eleger outras vertentes que atravessam e

movimentam o pensamento. O intuito de criar e experimentar tipologias do professor a partir

de suas autorias sem experimentar interpretações, nem ter a intenção comparativa entre elas,

mas sim pensar com os conceitos sem antever que atravessamentos ocorreriam e que

composições seriam realizadas.

Ao invés de serem interpretadas, as autorias me ofereceram singulares

experimentações, ressoando múltiplas direções e sentidos outros presentes na percepção do

114

ensino universitário, oferecendo o transbordamento dos conceitos nos encontros com o

produzido. Deleuze (2006, p. 266) exprime “é sempre uma multiplicidade, mesmo na pessoa

que fala ou que age. (...) não há representação, há tão somente ação, ação de teoria, ação de

prática em relações de revezamento ou rede”.

À vista disso, intento convidar, você, leitor desta tese, a dialogar sobre a aula fazendo

relações que eu não percebi, não capturei e que para você faz sentido, suscitando questões

outras não experimentadas aqui e agora ou quem sabe não exploradas de modo a transitar e

transbordar as fissuras, brechas e vazamentos...

Ao fazer essa parada, tenho uma única certeza: meu desejo de ter vivido esta grande

aventura experimentando e experenciando as diferentes possibilidades que iam surgindo nessa

travessia. Contei no meio Deleuze e Gattari, com os irmãos Campos, travando altas conversas

com Walter Benjamim e por fim com Sandra Mara Corazza e demais autores que dialogam

com a filosofia da diferença, os quais me permitiram transitar com eles, tombar, perfurar,

retornar e tentar caminhos outros, portanto, não concluir.

115

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