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ISSN 2176-1396 EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO: DA EMANCIPAÇÃO DO MUNICÍPIO À PARTICIPAÇÃO COMO PRINCÍPIO Alberto Damasceno 1 - UFPA Emina Santos 2 - UFPA Grupo de Estudos em Educação em Direitos Humanos Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Nesse artigo discutimos a necessidade de se aliar a educação em direitos humanos com a implementação de ambientes escolares democráticos por meio da garantia de institucionalização de espaços democráticos na política educacional brasileira, com destaque para a esfera municipal. Acreditamos que os municípios sejam o cenário ideal para a realização dessa tarefa, posto que neles ocorrem os fatos que, efetivamente, mudam a vida das pessoas. A partir da Carta Constitucional de 1988, com a evolução político-administrativa dos municípios, o ente federativo teve ampliada sua autonomia administrativa e legislativa. Desde então, os municípios foram autorizados a atuar em algumas competências que se tornaram comuns com a União, os Estados e o Distrito Federal. Nesse contexto, a educação em direitos humanos é dimensão estruturante de um paradigma de educação escolar que prima pela constituição de agentes de direito, consolidando a tese de que este processo somente se constituirá como factível diante da existência institucional de espaços públicos e democráticos no cotidiano da escola, sendo o Plano de Ações Articuladas (PAR) a iniciativa inaugural de estratégias de gestão da educação municipal a partir da construção de espaços públicos de decisão local. Tomamos como basilar a tese de que a educação escolar, para além de seus pressupostos instrucionais, deve agir no sentido de se efetivar enquanto Direito Humano. Para isso, torna-se imprescindível que se estabeleça, tanto no plano legal como nas ações cotidianas dos agentes escolares, a implementação de espaços públicos municipais de decisão sobre os rumos do projeto de humanidade que se está construindo. Palavras-chave: Educação. Direitos Humanos. Município. Participação. Introdução Embora a educação como prática social compreenda, de acordo com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a formação humana em todas as suas dimensões, abrangendo 1 Doutor em Educação. Professor do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Meio Ambiente. Professora do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected].

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ISSN 2176-1396

EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO: DA EMANCIPAÇÃO DO

MUNICÍPIO À PARTICIPAÇÃO COMO PRINCÍPIO

Alberto Damasceno1 - UFPA

Emina Santos2 - UFPA

Grupo de Estudos em Educação em Direitos Humanos

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Nesse artigo discutimos a necessidade de se aliar a educação em direitos humanos com a

implementação de ambientes escolares democráticos por meio da garantia de

institucionalização de espaços democráticos na política educacional brasileira, com destaque

para a esfera municipal. Acreditamos que os municípios sejam o cenário ideal para a realização

dessa tarefa, posto que neles ocorrem os fatos que, efetivamente, mudam a vida das pessoas. A

partir da Carta Constitucional de 1988, com a evolução político-administrativa dos municípios, o

ente federativo teve ampliada sua autonomia administrativa e legislativa. Desde então, os

municípios foram autorizados a atuar em algumas competências que se tornaram comuns com a

União, os Estados e o Distrito Federal. Nesse contexto, a educação em direitos humanos é

dimensão estruturante de um paradigma de educação escolar que prima pela constituição de

agentes de direito, consolidando a tese de que este processo somente se constituirá como

factível diante da existência institucional de espaços públicos e democráticos no cotidiano da

escola, sendo o Plano de Ações Articuladas (PAR) a iniciativa inaugural de estratégias de

gestão da educação municipal a partir da construção de espaços públicos de decisão local.

Tomamos como basilar a tese de que a educação escolar, para além de seus pressupostos

instrucionais, deve agir no sentido de se efetivar enquanto Direito Humano. Para isso, torna-se

imprescindível que se estabeleça, tanto no plano legal como nas ações cotidianas dos agentes

escolares, a implementação de espaços públicos municipais de decisão sobre os rumos do

projeto de humanidade que se está construindo.

Palavras-chave: Educação. Direitos Humanos. Município. Participação.

Introdução

Embora a educação como prática social compreenda, de acordo com a atual Lei de

Diretrizes e Bases da Educação, a formação humana em todas as suas dimensões, abrangendo

1 Doutor em Educação. Professor do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará

(UFPA). E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Meio Ambiente. Professora do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará

(UFPA). E-mail: [email protected].

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os processos formativos que se desenvolvem em múltiplos e diversos espaços de interação

humana, neste texto analisaremos a prática educativa, que se desenvolve predominantemente

na escola por meio da atividade de ensino. Isso porque essa instituição continua sendo, desde

seu surgimento até os dias de hoje3, um dos mais importantes centros de difusão da cultura

humana. Embora se trate de uma afirmativa incontestável, muito ainda precisa ser discutido

sobre a lógica e a essência do projeto de formação dos seus alunos, tanto no seu aspecto

qualitativo como ideológico.

Como espaço de concepção e socialização de um saber historicamente sistematizado,

parte-se da premissa de que para ser assegurada com qualidade, a educação escolar deve

compreender acesso, permanência, sucesso, organização e participação na discussão do

processo político pedagógico que a dimensiona como instituição de formação humana na

contemporaneidade. Corroborando esse raciocínio, Souza ratifica o princípio de que

[...] tornou-se senso comum associar educação à modernidade e à formação do

cidadão. Todos dizem que a educação é o elemento constitutivo do futuro; que sem

educação nunca seremos modernos; que os países modernos atingiram seu alto grau

de desenvolvimento, porque investiram em educação; que a solução para os

problemas da exclusão social, da marginalidade e da violência está na educação

(SOUZA, 2009, p. 111).

Sendo assim, é importante a análise das iniciativas que a federação brasileira –

destacando o protagonismo de seus entes municipais que nas duas últimas décadas vêm

ocupando um papel estratégico na função organizadora da educação brasileira - vem

implementando para garantir, por meio de políticas públicas, ou reparar, por meio de políticas

afirmativas, a realização do direito à educação, posto que sua efetivação depende diretamente

da atuação do Estado que representa tanto a fonte para o suprimento de recursos para a

instalação das atividades escolares, quanto constitui referência normativa para a regulação

dessas atividades.

No que se refere às conquistas da educação escolar básica como direito,

consideraremos dois aspectos: o primeiro baseado no estabelecimento do marco regulatório

de diversas iniciativas estatais que idealizam e projetam a tão propalada universalização da

educação básica e o segundo, derivado do anterior, é a concepção da educação escolar como

fenômeno capaz de empoderar as pessoas ao exercício da participação social e da

fundamentação da consciência universal (CURY, 2004). Considera-se que a educação escolar

– enquanto direito humano – deve compreender características que vão além da simples

3 . A esse respeito ver: MANACORDA, 1989.

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socialização de conteúdos instrucionais, devendo, também abranger princípios como

totalidade, disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade, pois “desse modo,

a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável a outros

direitos”. (BRASIL, 2006, p. 25)

Com isso, definimos nossa tese central de que, para que a educação escolar se efetive

como Direito Humano para além de seus pressupostos instrucionais, torna-se imprescindível

que se estabeleçam, tanto no plano legal como nas ações cotidianas dos agentes escolares, a

implementação de espaços públicos municipais de decisão sobre os rumos do projeto de

humanidade que se está construindo.

Espaços públicos municipais: inovações democráticas na política educacional brasileira

pós CF 88

No campo da análise da organização institucional das políticas educacionais dos

municípios brasileiros destaca-se o fato de que a maioria das inovações destas políticas gira

mais ao redor de determinações normativas e menos em função de ações organizativas como

geradoras de transformações nas unidades que orientam as ações educativas4. Isso gera pelo

menos duas noções equivocadas no entendimento do funcionamento das estruturas

organizacionais da política educacional brasileira.

A primeira delas é a sensação de instabilidade jurídica e institucional que toma conta

da maioria dos envolvidos nas ações educativas, quando consideram que muito do que a

norma estabelece não ganha corpo nas estruturas das ações rotineiras dessas pessoas e,

consequentemente, não reflete o real teor de atuação institucional das instâncias envolvidas

com educação.

A segunda, resultado da primeira, é uma certa fragilidade na implementação das

políticas educacionais municipais, ainda mais se levarmos em consideração a falta de controle

social por parte da demanda mais próxima que atende. Prova disso é que, ainda hoje, muito se

questiona a respeito do verdadeiro significado da escola na vida das pessoas que nela

transitam.

Diante dessas noções, as investigações acerca do fenômeno educacional acabam por

extrapolar os muros das escolas e as paredes das salas de aula e ocupam outros espaços

4 Vejam-se os estudos de LIMA (2003).

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institucionais a partir, basicamente, de dois ângulos: um de natureza normativa e outro no

plano das ações efetivadas.

No que tange ao plano normativo, pode-se conceber como marco inovador das

políticas municipais no país, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) que em seu art.

30, Inciso I, estabelece como competência dos municípios: legislar sobre assuntos de interesse

local; concebe-os como entes federativos e dota-lhes da prerrogativa autonômica de gerir seus

assuntos locais; além disso, no seu artigo 206, inciso VI, determina que um dos princípios

segundo o qual o ensino deve ser ministrado é o da gestão democrática do ensino público, na

forma da lei.

Deste modo, delineiam-se, a partir da Constituição Federal e de todo o complexo

normativo que rege a matéria educacional no país, possibilidades inovadoras de

redimensionamento do espaço institucional da educação no território brasileiro, isso porque, a

prerrogativa legal de se conceder aos municípios a condição de ente federativo surge dotada

de responsabilidade pela organização da prestação do serviço educacional a partir de

premissas democráticas.

De acordo com essa estrutura, reposicionam-se novos e antigos agentes diante da

reforma institucional brasileira dentro do sistema de decisões no plano municipal a partir de

critérios que sinalizam perspectivas de modelos de gestão mais democráticos e participativos.

Com isso, emergem novas perspectivas de gestão que fogem às lógicas de organização

centralizadas e patrimoniais ainda muito evidentes, mesmo em período pós-ditadura militar.

No plano das ações organizativas, a composição de novos espaços de decisão

estrutura-se com base na atuação de novos interlocutores sociais que vão surgindo. A partir

desses agentes, aumenta gradativamente a possibilidade de mobilização de forças locais das

mais diversas ordens que gravitam em torno de projetos municipais, tendo em vista a

potencialização de recursos que promovam o desenvolvimento local.

Nesse novo arranjo de relações institucionais, aliam-se município e sociedade civil

organizada, esta passando a ser concebida como novo ator social (FISCHER 2002) na

melhoria da qualidade de vida da população. Essa articulação orgânica visa à construção uma

nova cultura administrativa, não mais baseada no poder estatal centralizado, mas funcionando

como uma forma inovadora de gestão social do desenvolvimento social local (idem; 2002) e

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em um sentido mais amplo de democracia com base na ampliação dos critérios de

democraticidade5.

Passa a ocorrer o que Santos et al. (2004) denomina de transformação nos padrões de

gestão das políticas públicas, a partir de três premissas básicas de ação:

1. Maior responsabilidade dos municípios em relação às suas políticas públicas e às

demandas dos cidadãos, a partir da descentralização administrativa e consequente

municipalização de seu padrão de gestão;

2. O reconhecimento dos direitos sociais;

3. A abertura de canais para a ampla participação cívica da sociedade, materializados

através da institucionalização de um sistema político baseado na combinação de

mecanismos e princípios participativos da democracia representativa com a

democracia direta.

Como consequência desse movimento, pode-se perceber por um lado, a redefinição da

relação de interlocução da sociedade civil com o Estado como um espaço privilegiado de

decantação de experiências muito ou pouco participativas, o que tenderia a revelar uma

alteração qualificada na governança democrática local, traduzidas em perspectivas inovadora

nas dinâmicas de interação entre o governo, o mercado e a sociedade. Para Dagnino, esta

dinâmica se define como [...] um novo projeto democrático baseado nos princípios da

extensão e generalização do exercício dos direitos, da abertura de espaços públicos com

capacidades decisórias, da participação política da sociedade e do reconhecimento e inclusão

das diferenças. (grifo nosso). (2006, p.14).

Entretanto, as relações consideradas democráticas, idealizadas sob a égide da

democracia participativa e interventiva, não podem ser divinizadas como única via de

conjunção entre agentes envolvidos em uma dada sincronia social.

Como contraponto, convivem outras matrizes de projetos de sociedade, tributárias de

concepções mais conservadoras de distribuição do poder, o que torna ainda mais complexo o

entendimento de arenas sociais entrecruzadas por múltiplas identidades, interesses, conflitos e

possibilidades de participação na vida pública.

Isso indica o caráter heterogêneo das perspectivas de análise da composição e atuação

do que se qualifica neste estudo de sociedade civil como conjunto dos organismos

vulgarmente ditos privados (GRAMSCI, 1982). A sociedade civil, atuando como conteúdo

ético do Estado – considerado por Gramsci a sociedade política – pode dimensionar seu

espaço de atuação a partir de pressupostos estatais, e construir seu próprio trajeto ideológico,

5 Para Licínio Lima (2003) democraticidade constitui um critério que define a participação não como

metodologia de gestão, mas como participação praticada, vivida e conquistada. A participação praticada seria,

nesta concepção, o agrupamento de mais três critérios: a regulamentação, o envolvimento e a orientação.

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sem, contudo reforçar a reprodução de valores organicamente relacionados à classe

dominante.

Para Habermas essa dimensão de atuação da sociedade civil denomina-se esfera ou

espaço público, “descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada

de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de

se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos.” (2003, p. 92).

Ampliam-se, desta feita, as esferas da vida pública com possibilidade de se

construírem inovadores padrões de democracia e governabilidade, ao mesmo tempo em que

pode ser percebido o caráter privado dos arranjos políticos (DAGNINO, 2006) que tendem a

homogeneizar, ideologizar e naturalizar opiniões, valores, projetos e capacidades de decisão.

Conforme Santos; Queiroz; Azevedo (2004), a relação entre descentralização,

participação, democracia, justiça social, direitos humanos e qualidade de vida não é uma

relação automática e, portanto, incontroversa ou inequívoca. Significa dizer que não basta a

presença de elementos técnicos e instrumentais de gestão que denotem maior descentralização

administrativa e envolvimento ativo6 da sociedade na gestão de políticas municipais para que

seja garantida a tendência democrática, participativa e interventiva da comunidade

constituinte do ente município e sua correspondente melhoria na qualidade de vida das

pessoas.

A reformulação das concepções, tanto de democracia como de participação exige,

então, uma reinterpretação do papel de interlocução, ocupado por agentes sociais e políticos

envolvidos entre si, de forma a articular um arranjo de relações permeadas por interesses

diversos, perspectivas conflitantes, valores antagônicos e projetos políticos disjuntivos. Isso

ocasiona uma forma inovadora de se gerir o público e demandar pelos seus serviços a partir

da construção do um novo espaço de relações que valorize a educação em direitos humanos

como experiência política de participação social, na qual o maior legado constitui o fato de as

sociedades e comunidades deixarem de ser meras espectadoras dos seus destinos. Neste

sentido, educar em direitos humanos constitui estratégia essencial à construção de espaços

públicos democráticos que potencializam a formação de posturas cidadãs e de combate a

qualquer violação de direitos humanos.

6 De acordo com Lima (2003), a passividade também é um tipo de envolvimento que denota a não participação

como tomada de decisão por inação.

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Nessa perspectiva, é possível o Plano de Ações Articuladas (PAR)7 como instrumento

de planejamento da educação capaz de, ao sistematizar o regime de colaboração, contribuir

para o estabelecimento de um protagonismo do ente municipal na política educacional

brasileira.

A partir dessa lógica o município constrói para si uma perspectiva de atuação

inovadora, visto que estaria concentrado no processamento de esforços para mobilizar

recursos na construção de práticas de gestão municipal descentralizada a partir do que

Dagnino (2002) convencionou chamar de espaço público com vistas ao real aperfeiçoamento

de debates potencializadores de decisões coletivas e de democracia. (SANTOS, 2008).

No PAR, as ações que o Ministério da Educação e o Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (representando a União) comprometeram-se a realizar são

executadas por meio de seu apoio técnico e/ou financeiro. Por sua vez, as subações de

responsabilidade dos estados e municípios, além de terem sido escolhidas e previstas por suas

próprias equipes locais, devem ser executadas por seu próprio empenho institucional, na qual

a sociedade civil, por meio de sua equipe local8 exerce o controle social dessas ações.

Por equipe local na elaboração do PAR, entende-se a experiência de participação

democrática que orienta e fortalece a gestão da educação básica pública em cada município

brasileiro, constituindo-se num aprendizado coletivo dos processos decisórios a serem

7 O Governo Federal lançou em 2007 o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a partir do qual todas as

transferências voluntárias e a assistência técnica do Ministério da Educação (MEC) aos municípios e estados

passariam a estar vinculadas à adesão destes ao Compromisso Todos pela Educação e à elaboração do PAR,

considerados instrumentos fundamentais para a melhoria do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(IDEB). Todavia, para que o PAR fosse elaborado coube aos gestores (governadores e prefeitos) a assinatura do

Termo de Adesão ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e a inserção de dados sobre sua

realidade educacional em um sistema informacional – inicialmente no sistema do Compromisso todos pela

Educação (CTE), posteriormente substituído pelo Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da

Educação (SIMEC) – concebidos e cedidos pelo FNDE. Por meio deste último sistema, os municípios realizam

um diagnóstico minucioso da sua realidade educacional e, a partir dele é que se desenvolveu um conjunto

coerente de ações que resultou no seu Plano de Ações Articuladas - PAR. 8 Esta equipe local é composta pelas pessoas que elaboram, implementam e monitoram a execução do PAR e

contempla a presença dos seguintes segmentos: dirigente municipal de educação; técnicos da secretaria

municipal de educação; representante dos diretores de escola; representante dos professores da zona urbana;

representante dos professores da zona rural; representante dos coordenadores ou supervisores

escolares;·representante do quadro técnico-administrativo das escolas; representante dos conselhos

escolares;·representante do Conselho Municipal de Educação (quando houver). (BRASIL, 2013). É importante

destacar a racionalidade de participação e controle social presentes nesse processo, a partir da composição das

equipes locais enquanto eixo estruturante da atividade de planejamento. Este grupo torna-se o responsável pela

sistematização das informações que serão inseridas no sistema e constituirão o PAR do município. Resguardada

a presença de técnicos das secretarias municipais de educação, ressalta-se a atuação de segmentos que possuem

significativo potencial de diálogo com a sociedade civil, podendo atuar como porta-vozes de interesses de

segmentos sociais importantes nos arranjos sociais locais. (DAMASCENO, 2011).

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enfrentados pela população. Inaugura, a nosso ver, um novo paradigma da educação

municipal democrática por meio da institucionalização de espaços públicos de decisão.

Educação municipal escolar em direitos humanos a partir do PAR: rumos de uma nova

ordem política

Inúmeras foram as alterações do texto original da LDB (com destaque para a Emenda

Constitucional 59) no sentido de referenciá-lo mais socialmente. Nesta medida, é possível

afirmar que seu texto atual foi construído baseado em premissas que o identificam com

setores que historicamente constroem a tão almejada escola pública de qualidade,

contrapondo-se à lógica “mais à direita” de seu conteúdo original. Essas alterações, mais que

diretrizes de organização da estrutura e do funcionamento da educação nacional, demarcaram

uma nova concepção de oferta da escolarização à população brasileira, na qual os incrementos

à universalização da educação básica são as tônicas principais. Neste sentido, tem-se a

garantia de acesso à educação pública, sem qualquer tipo de obstáculo ou discriminação,

posto que a não discriminação é princípio primordial das normas internacionais dos direitos

humanos e se aplica a todos os direitos.

No que se refere ao planejamento das ações propostas pela norma, um dado importante

e inovador é o Plano de Ações Articuladas, instrumento de planejamento inaugural na

efetivação de ações de formação docente voltadas à educação em direitos humanos, o que

potencializa a escola como espaço garantidor desses direitos.

Mais ainda, é possível conceber o PAR, originário do Plano de Desenvolvimento da

Educação – PDE, como um momento oportuno de inserção do tema dos direitos humanos para

além do discurso, consolidando uma oportunidade de participação da sociedade civil na

concepção de uma política de Estado tendo em vista seus reais carecimentos e particularidades.

(DAMASCENO, 2011). Tais iniciativas representam bem mais que mera inovação normativa,

pois são capazes de mudar a fisionomia da educação brasileira (GENTILI e OLIVEIRA,

2013), consolidando a educação como direito humano fundamental, possibilitando o exercício

dos demais direitos e ampliando as capacidades das pessoas para o exercício de sua liberdade.

(UNESCO, 2008, 28).

Nessa perspectiva, apesar da centralidade da coordenação da política educacional ser

prerrogativa da União, cremos ser o município o cenário ideal para a realização dessa tarefa,

posto que é lá que ocorrem os fatos que, efetivamente, mudam a vida das pessoas. Como já

mencionado, o necessário ambiente institucional para a consolidação desta ação foi a

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evolução político-administrativa dos municípios a partir da Carta Constitucional de 1988.

Com isso, o então recém- criado ente federativo teve ampliada sua autonomia administrativa e

legislativa.

Desde lá aos municípios foi autorizado o compartilhamento de algumas competências

que se tornaram comuns com a União, os Estados e o Distrito Federal, além de conquistarem

competências privativas como a de legislar em assuntos de “interesse local”. Outro aspecto

não menos importante foi o fato deles terem maior participação nos impostos federais e

estaduais.

Em síntese, com a Constituição de 1988, os municípios experimentaram importante

evolução no que tange ao exercício de sua autonomia. Isto significou o fortalecimento de

cerca de 5.600 novos entes federativos com diferentes potenciais econômicos, demográficos e

culturais, exercendo uma pressão de grande magnitude em função das necessidades mais

prementes de seus habitantes, por meio do ecoar de “vozes” de novos e diferentes segmentos

de suas populações.

Isso ocorre, de acordo com Dowbor e Pochmann (2008, p. 6), devido à existência de

“várias territorialidades que precisam se articular de maneira mais inteligente”. Daí a

importância dos vários atores locais se organizarem em torno de maior participação nas

decisões que dizem respeito à governança municipal. Para eles, na base dessas mudanças

estão o processo de urbanização, o surgimento acelerado das novas tecnologias de informação

e comunicação, e a emergência das políticas sociais como centro de atividades no território

local.

Por causa dos desafios que essa nova situação impõe, já não é tão fácil admitir-se a

ideia de organizações e/ou processos rigidamente hierarquizados e verticalizados. Em

contrapartida, começam a emergir estruturas organizacionais horizontais cada vez mais

complexas, porque partem da compreensão de que a execução de tarefas será tanto mais

efetiva quanto maior e melhor for a participação, o acompanhamento e o controle nas decisões

tomadas. Na esfera da educação municipal isso se traduz na necessidade de implantação dos

Conselhos Municipais de Educação, Conselhos do FUNDEB9, Conselhos Escolares e de

demais canais de participação direta da população no debate da gestão educacional.

9 FUNDEB é abreviatura do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação, que se constitui em uma estratégia de distribuição de recursos para a educação

levando em consideração o desenvolvimento social e econômico das regiões – a complementação do dinheiro

aplicado pela União é direcionada às regiões nas quais o investimento por aluno seja inferior ao valor mínimo

fixado para cada ano. Seu principal objetivo é a redistribuição dos recursos vinculados à educação e a destinação

dos investimentos é feita de acordo com o número de alunos da educação básica, com base em dados do censo

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Para que isso ocorra, é preciso que se deixe de priorizar interesses individuais ou

corporativos dos diversos segmentos da escola (direção, funcionários, professores,

pais e alunos). Esses interesses (corporativos, particularistas, clientelistas, troca de

favores), caso não sejam eliminados, podem propiciar a prática da corrupção, do uso

incorreto e ilegal dos recursos públicos e da improbidade administrativa, tanto no

âmbito da unidade escolar quanto nos órgãos intermediários e centrais dos sistemas

públicos de ensino. (SANTOS et. al., 2004, 165-166).

Dentre outras razões, é para evitar esse tipo de inflexão que a sociedade deve estar

alerta e ativa. Por isso, a concepção da democracia participativa, que resurge com maior

robustez a partir do início década de 90 no Brasil com a campanha das Diretas Já10, e se

fortalece baseada no conceito de "empoderamento", estabelecendo-se por meio de relações de

poder mais equilibradas entre as tarefas de pensar e agir, de planejar e operar, de decidir e

executar.

Configuram-se, desta feita, inovadoras relações de trabalho baseadas na perspectiva da

institucionalização de processos participativos de gestão das políticas públicas, condição que

exige mais cooperação entre os atores envolvidos; definição clara de funções e atribuições;

noção mais clara da interdependência entre as atividades e, finalmente, uma maior

consciência da responsabilidade de cada um na conquista dos avanços pretendidos. Ao

mesmo tempo possibilita maior consciência sobre o papel de cada um e da organização como

um todo; gerando maior compreensão da estrutura de poder tanto no âmbito interno como no

externo.

Todavia, na maioria dos programas e projetos de formação atuais, o que se tem visto é

a participação majoritária – em alguns casos, exclusiva – de técnicos do serviço público. Que

isso é positivo não se discute, entretanto, sem a presença de representantes da sociedade civil

as possibilidades para o processo democrático deslanchar são bem menores.

Mesmo diante de todo esforço despendido, ao fim e ao cabo, permanece a ideia de que

o processo de construção de uma educação de qualidade na maioria dos municípios brasileiros

é uma aventura político-pedagógica que só poderá se efetivar a partir de um formidável

esforço integrado de União, estados e municípios, por meio do regime de colaboração, na

direção de um Sistema Nacional Articulado que contemple a sociedade civil na discussão de

escolar do ano anterior. O acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação

dos recursos do programa são feitos em escalas federal, estadual e municipal por conselhos criados

especificamente para esse fim. O Ministério da Educação promove a capacitação dos integrantes dos conselhos. 10 Concebemos o movimento das Diretas Já como ressurgimento, na medida em que no período anterior á 1964,

ocorreram uma série de movimentos populares que fortaleceram o surgimento de experiências democráticas.

Dentre essas dinâmicas, destacam-se na área educacional: o Movimento de Educação de Base, o sistema Paulo

Freire, a UNE, a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases Nacional e a Campanha de Pé no Chão Também se

Aprende a Ler. (GOÉS, 1980)

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seus rumos. Uma missão, portanto, gigantesca e inadiável para a realização da utopia da

educação democrática tendo a escola como direito humano garantido e a participação como

princípio exercitado, por todos e para todos.

REFERÊNCIAS

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Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

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Acesso em: 10 Janeiro 2015

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