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ELAINE MARIA SANTOS AS REFORMAS POMBALINAS E AS GRAMÁTICAS INGLESAS: percursos do ensino de Inglês no Brasil (1759-1827) SÃO CRISTOVÃO Março de 2010

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ELAINE MARIA SANTOS

AS REFORMAS POMBALINAS E AS GRAMÁTICAS INGLESAS: percursos do ensino de Inglês no Brasil

(1759-1827)

SÃO CRISTOVÃO Março de 2010

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ELAINE MARIA SANTOS

AS REFORMAS POMBALINAS E AS GRAMÁTICAS INGLESAS: percursos do ensino de Inglês no Brasil

(1759-1827)

Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras, na Área de Concentração em Estudos da Linguagem e Ensino.

Linha de pesquisa: Língua, Cultura, Identidade e Ensino

Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira

SÃO CRISTOVÃO Março de 2010

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTR AL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

S237r

Santos, Elaine Maria As reformas pombalinas e as gramáticas inglesas : percursos

do ensino de inglês no Brasil (1759-1827) / Elaine Maria Santos. – São Cristóvão, 2010.

166 f. : il.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Núcleo de Pós-Graduação em Letras, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2010.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira

1. Ensino de línguas. 2. Língua inglesa. 3. Gramática. 5. Linguística. I. Título.

CDU 811.111

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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira

Prof. Dr. Antônio Ponciano Bezerra

Profa. Dra. Roseanne Rocha Tavares

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo relacionar os princípios e diretrizes das Reformas

Pombalinas da Instrução Pública com a produção de gramáticas inglesas, de 1759, ano da

impressão da 3ª edição da Gramática de J. Castro e da promulgação do Alvará de 1759, a

1827, ano da impressão da Gramática de Guilherme Tillbury e da promulgação da Lei de

15 de Outubro, buscando identificar suas implicações no processo de institucionalização do

ensino de Inglês no Brasil. Para tanto, é de fundamental importância a análise de alguns

pressupostos teóricos da história das ideias linguísticas, da linguística aplicada e da história

das disciplinas escolares, bem como uma investigação da historiografia educacional sobre o

período pombalino e da legislação sobre ensino de línguas. Para consolidação dos dados

compilados, as seguintes gramáticas inglesas serão analisadas: Grammatica anglo-

lusitanica & lusitano-anglica (1759), de J. Castro; Gramatica Ingleza Ordenada em

Português (1761), de Carlos Bernardo da Silva Teles de Menezes; Nova grammatica

Ingleza e Portugueza dedicada à felicidade e augmento da Nação Portugueza (1812), de

Manuel de Freitas Brazileiro; Compendio da Grammatica Ingleza e Portugueza para uso

da mocidade adiantada nas primeiras letras (1820), de Manuel José de Freitas e Arte

Ingleza (1827), de Guilherme Paulo Tillbury, com o objetivo de destacar os elementos e

características que as relacionam às políticas linguísticas e educacionais das Reformas

Pombalinas.

Palavras-Chave: Ensino de Línguas; Gramáticas; Língua Inglesa; Linguística Histórica;

Reformas Pombalinas.

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ABSTRACT

This study aims at the analysis of the principles and guidelines of the Public Instruction

Reforms made by Pombal and the production of English grammar books, starting in 1759,

the year the 3rd edition of J. Castro’s Grammar book was printed and the promulgation of

the Decree of 1759. The investigation ends in 1827, the year the English grammar book of

William Tillbury was printed and the Law of October 15 was promulgated, as an attempt to

identify their implications for the institutionalization of English teaching in Brazil.

Therefore, it is important to analyze some theoretical presuppositions taken from the

history of linguistic ideas, the applied linguistics and the history of school subjects,

including an investigation of the educational historiography on the Pombaline period and

the legislation on language teaching as well. In order to consolidate the collected data, the

following English grammar books were analysed: Grammatica anglo-lusitanica &

lusitano-anglica (1759), by J. Castro; Gramatica Ingleza Ordenada em Português (1761),

by Carlos Bernardo da Silva Teles, Nova grammatica Ingleza e Portugueza dedicada à

felicidade e augmento da Nação Portugueza (1812), by Manuel de Freitas Brazileiro;

Compendio da Grammatica Ingleza e Portugueza para uso da mocidade adiantada nas

primeiras letras (1820), by Manuel José de Freitas and Arte Ingleza (1827), by William

Paul Tillbury, with the objective of highlight the elements and characteristics that can relate

them to the linguistic and educacional policies of the Pombaline reforms.

Keywords: Language Teaching, Grammar, English Language, Historical Linguistics;

Pombaline Reforms

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I am not looking at the past in order to rebuke,

or to encourage, the present; but I believe that

most of us find that our teaching has greater

depth and more interest, for us and often for

our pupils, if we have a picture of what earlier

generations were trying to do, and some

awareness of our professional roots and of the

variety of soils through which these roots

strike1. Ian Michael

Esta dissertação é dedicada a Deus e aos meus pais.

1 Eu não estou olhando para o passado com o objetivo de repreender, ou encorajar, o presente; mas eu acredito que a maioria de nós acha que o nosso ensino tem maior profundidade e mais interesse, para nós e freqüentemente para os nossos alunos, se nós tivermos uma idéia do que as gerações anteriores estavam tentando fazer, e alguma consciência das nossas raízes profissionais e da variedade de terrenos através dos quais essas raízes germinam (tradução minha).

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AGRADECIMENTOS

Ao final de mais uma etapa de minha vida acadêmica, agradeço inicialmente a Deus

pelo dom da vida e inspiração para solucionar os entraves característicos de toda pesquisa.

Agradeço, de modo especial, a Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira, meu

orientador, que, com maestria, soube conduzir os meus estudos, e, com paciência,

conseguiu me guiar no mundo acadêmico. Sem os seus conselhos, orientações, cuidadosa

correção e amizade essa pesquisa não teria a mesma qualidade.

Aos meus pais, Teresinha e Manoel, pelo amor e carinho incondicionais. Vocês são e

serão sempre a minha inspiração. Obrigada pela confiança. Esse trabalho é de vocês.

Aos meus irmãos Dinha, Vanilde, Dedé, Maria e Augusto, por terem sempre

investido em mim. O amor que tenho por vocês me incentivou nos momentos de

dificuldade e angústia. Amo muito vocês.

Aos meus sobrinhos, cunhados, cunhadas, tios, primos e demais familiares pelas

palavras de incentivo e pelo carinho que recebi.

Aos amigos do Instituto Canadá e do Banese, pela amizade transmitida a cada olhar,

abraço e palavra. Em especial, a Rodrigo, Sindaya, Marcelo, Thiara, Eduardo, Elton, Luísa,

Cintia, Carlos Teles, Carlos Eduardo, Débora, Lígia, Sabrina, Isaura e Suzete. Vocês

repassaram o conceito da palavra amizade. Não poderia deixar de mencionar Fátima

Muritiba, uma chefe amiga que soube me ouvir e me acalmar nos momentos de aflição.

A Luciano, pelas palavras de carinho e incentivo recebidas na reta final desse

percurso. Você me incentivou muito!

Aos colegas de mestrado. Passamos por muitos momentos difíceis e alegres nessa

jornada. Fortalecemos laços que dificilmente serão desfeitos. Pessoas que marcaram a

minha vida e irão me acompanhar nessa nova jornada que agora se inicia. Agradecimentos

especiais a Daniele, Joseana, Michelle e Taysa: grandes amigas.

Aos amigos do GPHELB, em especial Giselle, Sara e Mariângela. Nossa pesquisa

continua!

Agradeço aos meus mestres pela inspiração e grandes aulas que ganhei ao longo

desses dois anos. Obrigada pelo carinho com o qual me conduziram.

Enfim, agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que

esse dia pudesse finalmente chegar.

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L ISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1: FAMILIAR DIALOGUES DA GRAMMATICA ANGLO-LUSITANICA &

LUSITANO-ANGLICA (1759) …………………….…………………………………...P. 107

FIGURA 2: FOLHA DE ROSTO DA GRAMMATICA ANGLO-LUSITANICA &

LUSITANO-ANGLICA (1759) ........................................................................................P. 113

FIGURA 3: FOLHA DE ROSTO DA GRAMATICA INGLEZA ORDENADA EM

PORTUGUEZ (1762) ....................................................................................................P. 122

FIGURA 4: DIALOGOS FAMILIARES DA GRAMATICA INGLEZA ORDENADA EM

PORTUGUEZ (1762)………………….............….…………………………………...P. 123

FIGURA 5: FOLHA DE ROSTO DA NOVA GRAMMATICA INGLEZA E PORTUGUEZA

(1812) .............................................................................................................................P. 130

FIGURA 6: FOLHA DE ROSTO DO COMPÊNDIO DA GRAMMATICA INGLEZA E

PORTUGUEZA (1820) ..................................................................................................P. 135

FIGURA 5: FOLHA DE ROSTO DA ARTE INGLEZA (1827) .....................................P. 144

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………………………………..................……………………………....P. 7

CAPÍTULO I

HISTÓRIAS DO ENSINO DE INGLÊS

1. O ENSINO DE INGLÊS E A QUESTÃO EDUCACIONAL ......................................P. 17

2. O INGLÊS COMO DISCIPLINA ACADÊMICA ........................................................P. 27

3. O ENSINO DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA…...................................P. 32

4. OS MÉTODOS E ABORDAGENS DO ENSINO DE INGLÊS………………............P. 38

. OS ASPECTOS CULTURAIS DO ENSINO DE INGLÊS ……………........................P. 42

6. OS ASPECTOS POLÍTICOS DO ENSINO DE INGLÊS ............................................P. 45

CAPÍTULO II

AS REFORMAS POMBALINAS E O ENSINO DE INGLÊS

1. MARQUÊS DE POMBAL: UM DÉSPOTA ESCLARECIDO……………….…........P. 50

2. O MECENATO POMBALINO..…...............................................................................P. 54

3. UM NOVO PROJETO PEDAGÓGICO ..………………………………………….....P. 56

4. POMBAL E A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS………………….……..…....................P. 75

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5. O NOVO MÉTODO DA GRAMÁTICA LATINA………………………………...… P. 77

6. O COLÉGIO DOS NOBRES E A REFORMA DA UNIVERSIDADE DE

COIMBRA.........................................................................................................................P. 80

7. AS REFORMAS POMBALINAS NO BRASIL: UM CASO DE FRACASSO? ..........P. 89

CAPÍTULO III

AS GRAMÁTICAS INGLESAS DA “ERA POMBALINA” (1759-1827)

1. A GRAMÁTICA DE CASTRO E O ENSINO DE INGLÊS NO BRASIL....................P. 95

1.1. O ENSINO DE INGLÊS E AS AULAS DE COMÉRCIO ……...............…….......….....….…P. 98

1.2. A GRAMÁTICA DE CASTRO………………………................…………….....…...…..P.100

2. A GRAMÁTICA DE TELES DE MENEZES…….....................................................P. 116

3. A GRAMÁTICA DE BRAZILEIRO…........………...................................................P.124

4. A GRAMÁTICA DE FREITAS……............……......................................................P. 131

5. A GRAMÁTICA DE TILLBURY…...........................................................................P.136

CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................P. 145

REFERÊNCIAS…..........................................................................................................P. 152

ANEXOS ........................................................................................................................P. 162

1. Relação de Compêndios para o Ensino de Inglês Publicados em Portugal e no

Brasil no Período de 1759 à 1827 .................................................................P. 162

2. Relação das principais ações legislativas sobre o ensino de Inglês no período de

1759 a 1827 ........................................................................................................P. 164

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INTRODUÇÃO

Esta Dissertação de Mestrado é um dos resultados dos seguintes projetos vinculados

ao Grupo de Pesquisa História do Ensino das Línguas no Brasil (GPHELP): 1) “A

Legislação Pombalina sobre o ensino de línguas: suas implicações na educação brasileira

(1757 – 1827)”, financiado pela FAPITEC/SE (edital FAPITEC/SE /FUNTEC n.º 07/2008)

e 2) “A Escola, o Estado e a Nação: para uma História do Ensino das Línguas no Brasil

(1757 – 1827)”, financiado pelo CNPQ (processo n.º 400822/2008-3).

O período neste estudo (1759-1827) tem como pilares as datas de publicação de duas

gramáticas de grande interesse para o estudo da Língua Inglesa em Portugal e no Brasil, as

quais coincidem com dois momentos importantes para a consolidação do ensino de línguas.

Como marco inicial (1759), tomamos como base o ano de publicação da terceira edição da

Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica, de J. Castro, única à qual tivemos acesso

na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Trata-se de uma gramática de relevo para o nosso

estudo, por reforçar o caráter instrumental que o ensino de Inglês assumiu em Portugal,

bem como a importância dessa língua no cenário geopolítico da época. Essa data coincide

com a publicação do Alvará de 28 de junho de 1759, que propôs novas diretrizes para a

reforma do ensino das Humanidades, com a especificação dos papéis do Diretor Geral dos

Estudos, bem como dos professores de Gramática Latina, Grego, Hebraico e Retórica. 2

O marco final do trabalho (1827) está relacionado ao ano de publicação da Arte

Ingleza, de Guilherme Paulo Tillbury, professor público de Inglês nomeado por D. Pedro I

em 1823. Trata-se da última gramática publicada no período recortado, produzida no Brasil

conforme as orientações da Decisão n. 29, de 14 de julho de 1809, que, ao institucionalizar

as cadeiras públicas de Língua Inglesa e Francesa no Brasil, recomendou que compêndios

fossem produzidos pelos professores nomeados.

A delimitação final desse trabalho também coincide com o ano da publicação da Lei

Geral de 15 de outubro de 1827, que regulamentou a criação de Escolas de Primeiras Letras

em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império brasileiro. Através desta lei,

2 Neste trabalho, será adotada a mesma a sistemática empregada por Oliveira (2006, p. 8) para o uso de letras maiúsculas e minúsculas. Desse modo, uso letras maiúsculas para certos termos, conceitos, expressões ou profissões que deixaram de ser usados ou mudaram de significado, tais como Aula, Cadeira, Literatura, Instrução Pública, Primeiras Letras, dentre outros, bem como nos seguintes casos: nomes de disciplinas, línguas, expressões antigas, nomes de leis e reformas.

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que foi a única a tratar do ensino das Primeiras Letras no país, durante o Império e parte da

República, foi estabelecido, em seu artigo sexto, que a “gramática da língua nacional”

deveria estar entre as matérias a serem ensinadas pelos professores. Encontram-se, nessa

lei, todas as condições necessárias para que tal decisão pudesse entrar em vigor, devendo

ela, inclusive, servir de modelo para o provimento de outras cadeiras, tais como as de

Latim, Grego, Hebraico, Retórica e línguas estrangeiras modernas, instituídas no país pela

Decisão n. 29, de 14 de julho de 1809 (OLIVEIRA, 2008a).

Com as reformas pombalinas da instrução pública, a história do ensino das línguas em

Portugal e no Brasil alcança estatuto de política linguística e educacional de um Estado-

Nação, pois, pela primeira vez, Portugal institucionalizou o ensino nos seus reinos, e

colocou todo o controle da educação nas mãos do Estado, retirando o monopólio da

Companhia de Jesus. Conforme Oliveira (2008a), é constatada, nessa ocasião, uma

verdadeira reformulação jurídica do Estado Português, característica de um processo de (re)

construção de uma identidade nacional, ou de invenção de sua tradição, configurando-se

como um sistema de representação cultural.

O ano de 1827 é tomado como marco final, mesmo tendo transcorridos 50 anos após a

morte de D. José I (1714-1777) e a queda do Marquês de Pombal, por se considerar a

hipótese de que, com a vinda de D. João VI (1767-1826) e sua corte para o Rio de Janeiro,

em 1808, as diretrizes da instrução pública instituídas pelas reformas pombalinas foram

aplicados e desenvolvidos na colônia brasileira. É possível perceber, então, um

período de continuidade, do ponto de vista da história do ensino das línguas no Brasil, que comporta os governos de D. José I, D. Maria I e D. João VI, bem como do seu filho e sucessor D. Pedro I, uma vez que a permanência, mesmo depois da Independência, de uma geração de intelectuais que passaram por todo esse processo, [...] pode ter contribuído para a manutenção, propagação e até mesmo apropriação de valores advindos da universidade reformada de Coimbra, talvez a grande obra cultural do Marquês de Pombal (OLIVEIRA, 2008a, p. 8-9).

As reformas pombalinas da instrução pública podem ser vistas como um Projeto

Pedagógico de grande impacto durante o reinado de D. José I, no século XVIII, podendo-se

rastrear as implicações de seus pressupostos no século XIX, não só em Portugal como

também em suas colônias. A colônia Brasileira é o objeto de estudo desta pesquisa, que

procurou relacionar o contexto sócio-político de tais reformas, a legislação vigente e a

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continuidade das políticas linguísticas e educacionais do período, observando o caso das

gramáticas inglesas. O estudo da produção de gramáticas e outros compêndios não pode

estar desvinculado da análise do contexto legislativo e regulador, uma vez que

escrever a história dos livros escolares – ou simplesmente analisar o conteúdo de uma obra – sem levar em conta as regras que o poder político, ou religioso, impõe aos diversos agentes do sistema educativo, quer seja no domínio político, econômico, lingüístico, editorial ou financeiro, não faz qualquer sentido (CHOPIN, 2004, p. 561).

A análise de compêndios para o ensino da Língua Inglesa produzidos durante o

período estudado neste trabalho nos faz perceber que existia uma continuidade de ideias e

de padrões de ensino, comprovando não ter havido uma ruptura no modo pelo qual o ensino

de Inglês foi tratado em Portugal e suas colônias. A legislação sobre o ensino de línguas no

Brasil no início do século XIX e as gramáticas da época encontradas na Biblioteca Nacional

comprovam a repercussão das reformas pombalinas e reforçam a necessidade de maiores

aprofundamentos sobre esse objeto de pesquisa.

Ao atribuir toda a responsabilidade do fracasso da sociedade portuguesa aos jesuítas,

Sebastião José de Carvalho e Melo3 retirou da Companhia de Jesus e transferiu para o

Estado a responsabilidade da educação. Desde então, cabe ao poder estatal a seleção,

contratação e treinamento dos professores, que terão a missão de inculcar nos jovens um

conjunto de idéias e preceitos a serem repassados para outras gerações. Este processo de

transmissão e apropriação de conhecimentos foi responsável pela (re) construção da

Identidade Nacional do Estado Português e seus domínios.

3 De acordo com Maxwell (1997), Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), em decorrência de sua influência em Portugal no século XVIII, foi enviado à Inglaterra para assumir a função de embaixador, tendo também morado alguns anos em Viena, onde assumiu funções diplomáticas. Por conta dos serviços prestados na Europa, Sebastião José foi chamado para compor o quadro de ministros de D. José I, quando da sua ascensão ao trono. Com o terremoto de Lisboa, em 1755, o então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra foi o único a apoiar e ajudar o Rei em um momento em que todos fugiram. Incumbido da tarefa de reconstruir a cidade, Pombal recebeu plenos poderes no reinado de D. José I, tendo sido nomeado Secretário de Estado dos Negócios do Reino em 1756. Três anos depois, Sebastião José recebeu o título de Conde de Oeiras, em decorrência dos seus serviços prestados à coroa portuguesa, recebendo nova condecoração em 1769, quando, aos 71 anos, obteve o título de Marquês de Pombal. O programa de governo defendido por Pombal estava baseado em um modelo político-ideológico que pretendia reformar a nação portuguesa nos padrões de uma Europa culta. Para justificar o seu antijesuitismo pedagógico, e apoiado pelo círculo de intelectuais da época, utilizou amplas reformas políticas e pedagógicas, com o objetivo de recuperar a prosperidade dos reinos portugueses na época dos Descobrimentos.

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Paralelamente, observa-se que, ao final do século XVII, de acordo com Julia (2001),

as congregações religiosas também perderam o monopólio da educação na França, a partir

da criação do “irmão-professor” pelo inovador Jean Baptiste de La Salle, que fundou um

instituto de leigos conhecido por “Irmãos das Escolas Cristãs”. Esses professores não-

padres se destinaram ao ensino dos pobres em língua vernacular, e não mais em Latim,

detendo-se na trilogia do ler, escrever e contar.

O processo de formação de um Estado-Nação está relacionado, conforme Renan

(2008), à língua falada por um povo, não podendo, contudo, ser esta determinante para o

processo de formação de uma identidade nacional. Apesar de a língua, segundo o autor,

convidar as pessoas a se reunirem, é a vontade de unificação que determina os laços

afetivos, uma vez que “uma nação é uma alma, um princípio espiritual”, devendo contribuir

para esse sentimento “a possessão em comum de um rico legado de lembranças [e de

esquecimentos], o consentimento atual, o desejo de viver em conjunto, a vontade de

continuar a fazer valer a herança que receberam esses indivíduos” (RENAN, 2008, p. 18).

Resumindo suas idéias em torno do conceito de nação, Renan afirma que

O homem não é escravo nem de sua raça, nem de sua língua, nem de sua religião nem do curso dos rios nem da direção das cadeias de montanhas. Uma grande agregação de homens, sã de espírito e quente de coração, cria uma consciência moral que se chama nação. Tanto que esta consciência moral prova sua força pelos sacrifícios que exige a abdicação do indivíduo em proveito de uma comunidade, ela é legítima, ela tem o direito de existir (RENAN, 2008, p. 19).

Como notou Fávero (2005, p. 319), nossos primeiros gramáticos enfatizaram a

importância da língua para o fortalecimento de um sentimento de pertença e de uma

afirmação nacionalista, como pode ser comprovado nas palavras de

Fernão de Oliveira (1540): “melhor é que ensinemos a Guiné que sejamos ensinados de Roma .”

João de Barros (1540): “Certo é que não há glória que se possa comparar a quando os meninos etíopes, persianos, índos, d’aquém e d’além Gange, em suas próprias terras (...) por esta nossa arte aprenderem a nossa linguagem, com que possam ser doutrinados em os preceitos da nossa fé que nela vão escritos”.

E Duarte Nunes do Lião (1606): “Não é falta de bondade da língua portuguesa não ser comum a tantas gentes da Europa como a castelhana”.

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Para Anderson (2008), o “surgimento da consciência nacional” está relacionado ao

fortalecimento das línguas nacionais no século XVI, impulsionado pela perda de influência

do Latim, pela reforma protestante e a consequente impressão de Bíblias, bem como pela

difusão de determinados vernáculos nos sistemas de “centralização administrativa”. As

línguas impressas, dessa forma, “lançaram as bases para a consciência nacional [...]. Em

primeiro lugar, e acima de tudo, elas criaram campos unificados de intercâmbio e

comunicação abaixo do Latim e acima dos vernáculos falados” (ANDERSON, 2008. p. 79-

80).

Cardoso (2002) avalia o ineditismo das reformas defendidas pelo Marquês de Pombal

durante o século XVIII e afirma que, na França, somente em 1763 o ensino dependente do

Estado passou a ser defendido. A autora, ao comprovar o pioneirismo de Portugal, conclui

que, em outras nações europeias, a mesma preocupação foi verificada tardiamente, com a

instituição de escolas públicas na Prússia em 1763, na Saxônia em 1773 e na Áustria

somente em 1774.

Independente da forma violenta pela qual o Marquês de Pombal excluiu os jesuítas e

apagou todo um processo de ensino e as línguas até então em uso, é preciso considerar a

importância das ações educativas pombalinas para o fortalecimento da Língua Nacional, em

um momento em que a ideia de “Gramática Geral” estava em evidência. Segundo Auroux

(1992), a gramática geral atinge seu apogeu no século XVIII, com a difusão das ideias dos

enciclopedistas franceses sobre a importância de se unificarem as regras gramaticais

comuns a todas as línguas, reunindo suas categorias identificáveis e, consequentemente,

semelhantes.

A gramática geral, filosófica, especulativa, universal ou racional, como também era

conhecida, foi “concebida como uma introdução a diferentes gramáticas de línguas”, por

isso contém regras similares que podem ser aplicadas a qualquer idioma estudado. Esse

fato, destacado por Auroux (1992, p. 86; 89), é de fundamental importância para a análise

dos compêndios produzidos em Língua Inglesa nos séculos XVIII e XIX, já que,

compartilhando dos ideais da época, as disposições gramaticais deveriam ser semelhantes

às observadas nas obras destinadas ao ensino do Português e Latim. Segundo o autor, a

gramática geral teve como “finalidade prático-teórica tomar o lugar que vimos ocupar a

gramática latina ante as línguas do mundo”. Esta característica, contudo, foi responsável

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pela sua decadência no mundo ocidental, uma vez que faltava a esta gramática reconhecer e

estudar as estruturas morfológicas diferentes das categorias latinas e que precisavam, dessa

forma, ser validadas e estudadas.

As reformas verificadas durante o reinado de D. José I, ao retirarem o poder dos

jesuítas sobre a educação das colônias portuguesas, transferindo-o para o Estado,

contemplaram essa espécie de racionalização da gramática, como pode ser vista nas várias

peças legislativas expedidas nessa época. Entre os objetos de estudo do século XVIII

destacam-se a Retórica, a Oratória, o Grego e o Latim, além das aulas de línguas vivas,

mais especificamente o Francês e o Inglês. Para exemplificar as ações tomadas por

Sebastião José e os seus impactos para o ensino de Inglês da época, foram analisados cinco

compêndios escritos no período de 1759 a 1827, na tentativa de encontrar traços

característicos, em tais obras, que nos permitissem entender o modo pelo qual o ensino de

línguas estrangeiras modernas, mais especificamente de Língua Inglesa, foi introduzido em

Portugal e seus domínios, e de avaliar até que ponto as Reformas Pombalinas repercutiram

nesse tipo de ensino. Foram analisados, dessa forma, os seguintes compêndios:

Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica (1759), de J. Castro; Gramatica Ingleza

Ordenada em Português (1761), de Carlos Bernardo da Silva Teles de Menezes; Nova

grammatica Ingleza e Portugueza dedicada à felicidade e augmento da Nação Portugueza

(1812), de Manuel de Freitas Brazileiro; Compendio da Grammatica Ingleza e Portugueza

para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras (1820), de Manuel José de Freitas e

Arte Ingleza (1827), de Guilherme Paulo Tillbury.

A escolha das obras acima relacionadas foi baseada no estudo realizado por Oliveira

(2006), o qual faz um levantamento dos compêndios de língua inglesa disponíveis no Brasil

de 1809 até 1890. De pose dessas informações, fiz um árduo levantamento e, depois de

rigorosa seleção, fiz a análise desses compêndios na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,

trabalho para o qual foi de grande valia o apoio financeiro do CNPq para a pesquisa “A

Escola, o Estado e a Nação: para uma história do ensino das línguas no Brasil (1757-

1827)”. Trata-se de um trabalho de pesquisa ainda inédito, uma vez que apenas Oliveira

(2006) e Torre (1985) fizeram algum tipo de análise, embora superficial, de tais

compêndios. Oliveira (2006) se deteve na análise dos prefácios e notas ao leitor, enquanto

que Torre (1985) analisou com detalhes somente a obra de Castro (1759).

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O crescente interesse pelo estudo dos livros didáticos desde o século XX e as diversas

funções desempenhadas por eles vêm sendo cada vez mais detalhadas. De acordo com

Chopin (2004, p. 553), a função ideológica e cultural é a mais antiga, e grande destaque

deve ser dado à produção do século XIX, em decorrência da importância histórica dessa

época para a constituição dos estados nacionais. Nesse contexto, o livro se tornou um

“instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido assim,

assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido,

assume um importante papel político”.

Para a análise dos compêndios selecionados nesta Dissertação, alguns fatores foram

levados em consideração, tais como o modo pelo qual as gramáticas estão divididas; as

estruturas gráficas encontradas; suas partes constituintes; sua relação com o Latim; os

modelos e exemplos utilizados e os conteúdos ideológicos transmitidos. Utilizei, para tanto,

não só o conteúdo gramatical e de textos empregados, mas também, e principalmente, os

protocolos de leitura encontrados em prefácios, notas de rodapé, advertências, erratas,

dedicatórias, prólogos e notas ao leitor.

Segundo Chartier (2001), a presença desses protocolos é inegável e os vestígios

dessas marcações de orientação da leitura são diversos, devendo o analista estar atento às

sinalizações dos tipógrafos e/ou editores na chamada “história do ler”, uma vez que

os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas também pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo (CHARTIER, 2001, p. 78).

Belo (2008, p. 62), ao analisar os fatores relacionados a protocolos e práticas de

leitura, afirma não ser uma atitude neutra a transformação do texto pelos impressores e

editores, justamente pelos “recursos expressivos” colocados no texto, na tentativa de

nortear leituras a serem feitas. Desse modo, nem mesmo o formato do livro, a diagramação,

a disposição do texto, das fontes e a cor da tinta são ocasionais: “A todos esses elementos o

leitor atribui significados, constituindo a sua seleção um trabalho criativo feito pelo editor

[...]. Interpretar essa linguagem é contribuir indiretamente para a compreensão do modo

como, em diferentes épocas, os livros foram lidos”.

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Ao analisarmos os prefácios e notas ao leitor das gramáticas inglesas aqui analisadas,

percebemos a riqueza de informações e a tentativa de consolidar um discurso sócio-político

da época. Nos textos aqui analisados do período pombalino, são encontrados vestígios

comprobatórios da tentativa do Marquês de Pombal em fortalecer a imagem da Língua

Nacional, elevando-a à condição de língua nobre. Analisando tais dispositivos, da mesma

forma, percebemos as finalidades não só pedagógicas, mas também políticas e culturais do

ensino de Língua Inglesa dos séculos XVIII e XIX.

Ivan Teixeira (1999), ao discorrer sobre a poesia neoclássica do Século XVIII, reforça

a importância em estudar os prefácios e as didascálias de tais obras, com o claro propósito

de auxiliar o entendimento dos motivos que fizeram com que os autores manifestassem as

suas opiniões através dos impressos. Tão fortes são esses protocolos que o autor defende a

sua inclusão como um novo gênero a ser estudado e analisado, colocando a “dedicatória

como espécie literária no Setecentos, cujo âmbito de classificação é o gênero epidítico ou

demonstrativo” (TEIXEIRA, 1999, p. 84).

Diante da importância das informações contidas nesses protocolos, este estudo

dedicou atenção especial às informações repassadas pelos autores, na tentativa de

reconstituir os anseios de uma época, bem como os motivos que impulsionaram o estudo do

Inglês como língua estrangeira em Portugal e, mais especificamente, no Brasil.

A presente dissertação encontra-se estruturada da seguinte forma: no primeiro

capítulo - “Histórias do Ensino de Inglês” – são apresentados os percursos do ensino da

Língua Inglesa, desde a sua análise, a partir das menores estruturas gramaticais, até a sua

constituição como disciplina acadêmica. O segundo capítulo – “As Reformas Pombalinas e

o Ensino de Inglês” – ressalta a importância do marquês de Pombal, ministro de D. José I, e

as reformas da instrução pública iniciadas em 1759, com destaque para as influências das

ações educativas para o ensino de Línguas Estrangeiras. No terceiro capítulo – “As

Gramáticas Inglesas da Era Pombalina” – são analisadas cinco gramáticas do período aqui

recortado, analisando-se as características e similaridades de cada obra, de modo a buscar

evidências que comprovam a influência das Reformas Pombalinas da instrução pública

sobre o ensino da Língua Inglesa.

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CAPÍTULO I

HISTÓRIAS DO ENSINO DE INGLÊS

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A historiografia do ensino de Língua Inglesa não pode ser analisada por uma só

vertente, já que pressupõe a existência de uma série de olhares a serem lançados sobre esse

objeto de estudo. Para o seu completo entendimento, é necessário reconstituir os passos

seguidos pela história do ensino de Inglês, os métodos utilizados, sua constituição como

disciplina escolar e acadêmica e sua contribuição para o processo de construção das

identidades nacionais, já que as línguas podem ser consideradas como forças motrizes para

o processo de formação de uma consciência nacional, capazes de buscar a

dignificação das nações modernas em paralelo com os povos da antiguidade, sobretudo o povo latino. A ‘consciência lingüística’, vai, pois, a par com a ‘consciência nacional’, até mesmo com a ‘consciência imperial’, e a língua aparece-nos pela primeira vez considerada como o ‘espírito e a alma’ de cada nação (BUESCU, 1969, p. 18).

Segundo Anderson (2008, p. 75), o sentimento de nacionalidade é reforçado pela

difusão de “determinados vernáculos como instrumentos de centralização administrativa,

por obra de certos monarcas bem posicionados, com pretensões nacionalistas”, sugerindo a

ideia de que as línguas impressas foram de grande importância para a difusão de uma

consciência nacional. Segundo o mesmo autor, com o fortalecimento dos vernáculos

oficiais, em detrimento do uso do Latim, consolidou-se a imagem de que, com a leitura, um

progresso mais rápido seria observado. Tal concepção era ainda mais reforçada com o

exercício da leitura em língua estrangeira, uma vez que o contato com o outro era de suma

importância para que o eu fosse repensado. Renan (2008) enfatiza o fato de haver “na

nacionalidade um lado sentimental”, salientando que “uma grande agregação de homens, sã

de espírito e quente de coração, cria uma consciência moral que se chama nação” (RENAN,

2008, 17; 46).

Seja como material para os estudos menores ou para os universitários, o ensino da

Língua Nacional está relacionado com o sentimento de pertença a uma comunidade e a uma

cultura determinada. Doyle (1989) enfatiza a importância de se analisar os aspectos

culturais quando do estudo das línguas, mais especificamente do Inglês, uma vez que este

pode ser analisado como parte constitutiva de uma ‘cultura nacional’, e não somente como

um conjunto de regras gramaticais a serem estudadas.

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As ideias de Anderson (2008) estão em consonância com as de Doyle, na medida em

que aquele ressalta a importância do estudo de línguas estrangeiras para o fortalecimento

das identidades nacionais no mundo ocidental. Ao analisar a cultura do outro, internalizam-

se princípios e conceitos, que passam a ser, dessa forma, (re) apropriados. Rajagopalan

(2003) reforça a importância dada ao contato com outras culturas e suas implicações para o

processo de (re) afirmação e apropriação de conceitos culturais e identitários. Segundo ele,

uma das maneiras pela qual as identidades acabam sofrendo o processo de renegociação, de realinhamento, é o contato entre pessoas, entre os povos, entre as culturas. É por esse motivo que se torna cada vez mais urgente entender o processo de 'ensino-aprendizagem' de uma língua “estrangeira” como parte integrante de um amplo processo de redefinição de identidades. Pois as línguas não são meros instrumentos de comunicação, como costumam alardear os livros introdutórios. As línguas são a própria expressão das identidades de quem delas se apropria. Logo quem transita entre diversos idiomas está redefinindo sua própria identidade. Dito de outra forma, quem aprende uma língua nova está se redefinindo como pessoa (RAJAGOPALAN, 2003, p.69).

Analisar a institucionalização e o ensino de línguas estrangeiras sem considerar a sua

importância para as trocas culturais e o processo de (re) construção de identidades é

reproduzir um discurso simplista que vê no ensino de idiomas apenas um meio de

memorização de vocabulários e regras gramaticais.

1. O ensino de Inglês e a questão educacional

A análise histórica do ensino de Inglês pode se basear, de acordo com Michael

(1987), em aspectos de ensino e aprendizagem. Apesar de o século XX ter sido reconhecido

como momento de emergência do estudo das línguas e descoberta da necessidade em se

conjugar as quatro habilidades - ler, escrever, ouvir e falar - no ensino de um idioma, não se

pode esquecer de que, desde o século XVII, essas habilidades eram contempladas, com

grande destaque para a escrita associada ao ensino da retórica.

Segundo o autor, os primeiros professores de Língua Inglesa desenvolviam suas

próprias metodologias de ensino, mas não discutiam nem seguiam um método único. A

questão central da aprendizagem, dessa forma, consistia na compartimentação do ensino da

leitura, partindo-se de unidades menores até as maiores, ou seja, de letras a orações e, até

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mesmo, livros, o que fazia ser quase uma unanimidade a associação entre o ensino de

leitura e o modo pelo qual as palavras eram soletradas (spelling).

Para Howatt, os primeiros compêndios para o ensino de Língua Inglesa surgiram

tendo como base a leitura de textos, principalmente de diálogos, uma vez que não havia

uma preocupação, nos séculos XVI e XVII, com a descrição das línguas vernaculares e nem

com o aprofundamento dos seus aspectos gramaticais. No interior de tais publicações era

também comum a presença do método do catecismo, ou seja, perguntas e respostas

elaboradas com o intuito de auxiliar o aluno na memorização do conteúdo religioso a ser

repassado. “Os alunos tinham que memorizar, cabendo ao professor a mera tarefa de

interrogá-los com as perguntas, com o objetivo de ‘ouvir’ a lição” (HOWATT, 1988, p. 5)4.

O catecismo pode ser visto, dessa forma, como um verdadeiro método de ensino-

aprendizagem, com duplo objetivo: formar o aluno nos preceitos religiosos e ensinar a

língua alvo. Ao analisar o catecismo Breve instrucçam para ensignar a Doutrina Christã,

ler e escrever aos Meninos e ao mesmo tempo os principios da lingua Portugueza e sua

orthografia, publicado na obra “A reforma pombalina dos estudos secundários no Brasil”,

de Banha de Andrade (1978), Oliveira e Corrêa (2006), afirmam que o catecismo se

constitui em “um manual didático-pedagógico utilizado para o ensino simultâneo dos

preceitos formadores da religião cristã, da leitura, escrita e da gramática da língua

portuguesa”, uma vez que, nesse catecismo, podem ser encontradas regras gramaticais,

como também orações a serem memorizadas, regras de bom comportamento e castigos a

serem aplicados quando da desobediência dos preceitos estabelecidos.

O método do catecismo, segundo Oliveira e Corrêa (2006), forneceu a base para o

ensino de meninos e meninas até o século XVIII, não por acaso período da formação dos

estados-nação e da consolidação das identidades nacionais. A partir de então, era comum

ter-se uma maior preocupação com a parte gramatical do ensino de línguas, bem como com

o estilo da escrita e a necessidade em se ter bons modelos de leitura, valorizando-se, dessa

forma, a precisão gramatical e a elegância estilística.

A presença de listas de palavras é uma constante na historiografia do ensino de Inglês,

com destaque para as primeiras listagens de monossílabos e palavras polissilábicas,

4 “The learners had to do all the work of memorization and the teacher merely had to prompt them with questions in order to ‘hear’ the lesson” (texto original). Todas as traduções são de minha autoria.

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consideradas como essenciais para o surgimento de livros de soletração. A utilização de

listas atingiu seu ápice no século XVIII, sendo de grande importância a análise das suas

constituições e das motivações dos professores que as prepararam, uma vez que

A energia e a ingenuidade que os professores tiveram ao produzir várias classificações nos faz estudá-las em maiores detalhes do que desejaríamos. Qualquer tentativa de entender o que os professores estavam tentando fazer, e o que as crianças deveriam fazer, significa que nós devemos analisar o modo pelo qual tais listas foram estruturadas (MICHAEL, 1987, p. 101)5.

O sucesso da publicação de Spelling Books até o século XVIII é incontestável e pode

ser comprovado com o número de edições que alguns deles alcançaram em suas épocas.

Pode-se destacar, por exemplo, os livros produzidos por

Edmund Coote, de 1596, que teve 54 edições até 1737, o de Thomas Dyche, de 1707, que, entre 1733 e 1748, ultrapassou as 275.000 cópias impressas, e o do dicionarista Noah Webster (1758-1843), de 1786, que, sob diferentes títulos, vendeu de 75 a 100.000 exemplares (MICHAEL apud OLIVEIRA, 2006, p. 86).

Grande destaque deve ser dado ao The English spelling book, publicado pela primeira

vez em 1802 por William Mavor (1758-1837). Um exemplar deste livro pode ser

encontrado no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, datado de 1851 e com a

expressiva marca de estar na 159.ª edição. Oliveira (2006) analisa o exemplar existente no

Rio de Janeiro, constatando a inclusão de pequenas orações e do Catecismo, já que era da

opinião de Mavor que a educação deveria estar ligada à religião, e o não cumprimento de

tal relação estaria passível de gerar uma educação “defeituosa” e até mesmo perigosa.

Michael (1987) afirma que o conteúdo literário contido nos spelling books apresenta

uma seleção de passagens doutrinais, com grande destaque para os salmos e provérbios, em

concordância com o pensamento em vigor até o século XVIII de que leituras virtuosas

trariam mudanças de comportamento importantes para os alunos. Essa educação

relacionada à questão religiosa é ainda mais reforçada quando constatamos a presença de

professores de línguas estrangeiras ocupantes de cargos eclesiásticos em várias partes do

5 “The energy and ingenuity that the teachers put into their various classifications require us to study them in more detail than we would otherwise wish. Any attempt to understand what the teachers were trying to do, and what the children were supposed to do, means that we must look at the way in which these lists were structured” (texto original).

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mundo. No Brasil, conforme atesta Oliveira (2006), saiu, em 1809, a carta de nomeação do

padre irlandês John (João) Joyce, responsável pela recém criada cadeira de Língua Inglesa,

substituído, na década de 20, pelo padre Guilherme Paulo Tillbury, responsável pela

publicação de dois compêndios em Língua Inglesa: Arte ingleza, de 1827; e Primeiras

Regras da Língua Ingleza, publicado em 1844, que apresenta simples regras gramaticais da

Língua Inglesa, dispostas em apenas 30 páginas (TILLBURY, 1844).

A preocupação em listar palavras e arrumá-las de modo a facilitar a aprendizagem do

aluno é anterior à utilização de gramáticas. Essas listas, segundo Auroux (1992, p.71),

“constituem sem dúvida os mais antigos instrumentos pedagógicos da humanidade” e

podem ser consideradas como as precursoras dos dicionários, que foram primeiramente

utilizados na sua forma bilíngue para o ensino do Latim mediante os vernáculos. Esse

mesmo autor afirma ter sido necessário que a gramática de uma língua já gramaticalizada (o

Latim) fosse utilizada de forma massiva para que a gramática pudesse se tornar uma técnica

aplicável à aprendizagem de todas as línguas. O século XVI, nessa perspectiva, teria sido

bastante propício ao afloramento do processo de gramatização, em decorrência das

expansões ultramarinas, que, ao proporcionarem o aumento de fronteiras geográficas,

fizeram da língua uma importante força de dominação. O ensino do Latim, nesse contexto,

consolidou-se como a primeira evidência do ensino de línguas formalizado através da

utilização de compêndios, uma vez que, segundo Auroux, esta língua era utilizada nas

gramáticas de Latim e nas das línguas vernaculares. Nesse contexto, “a gramatização (a

base do latim) de um vernáculo europeu pode igualmente servir de partida para uma outra

língua e lhe transmitir sua ‘latinidade’” (AUROUX, 1992, p. 44), reafirmando a crença de

que bastava saber a Língua Latina para que as outras pudessem ser aprendidas, através da

tradução.

A influência do Latim para o ensino de Inglês é incontestável, e pode ser

exemplificada ao observarmos que muitos livros de Retórica e Lógica dos séculos XVI e

XVIII eram escritos na Língua Latina. John Houghton, em sua obra Introduction to English

Grammar, datada de 1766, mostra, em seu apêndice, uma visão sobre a educação em geral,

com grande destaque dado ao Latim e ao Grego, sem que nenhuma referência tenha sido

feita à Língua Inglesa (apud MICHAEL, 1987, p. 166). O autor reforça o poder do Latim

em territórios ingleses, ao afirmar ser até mesmo vetado aos alunos, por estatuto, o direito

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de se expressar em Inglês. Fávero (2008, p.2) confirma as pesquisas de Michael (1987), ao

afirmar que “na Idade Média, a disciplina ligada à retórica era a gramática latina, agora, no

Renascimento, a gramática deixa de ser necessariamente a latina e incide sobre as línguas

vernáculas”.

Dominique Julia (2002, p. 61), ao investigar o processo histórico de passagem do

estudo do Latim para o do Francês, também trata da mesma questão e afirma que “O aluno

do século XVI, de quem se esperava que adquirisse uma verdadeira competência linguística

no latim, língua de comunicação religiosa e culta, era proibido de usar a língua materna”.

Pode-se afirmar, dessa forma, que a sistematização do ensino de língua estrangeira

teve seus primórdios com o ensino do Latim. No século XVIII, verificou-se o aumento da

conscientização de que os alunos, ao estudarem a língua materna, faziam-no através de uma

segunda língua: o Latim, o que atestava a confusão existente entre método de ensino de

língua materna e de língua estrangeira, numa verdadeira inversão de papéis, já que, para

ensinar a língua materna, o Latim era utilizado. Até o século XVIII, toda forma de ensino

de língua se dava através de gramáticas escritas em Latim, como se observa, por exemplo,

no estudo de declinações de palavras, ou grupos gramaticais em Língua Inglesa que

dispensariam tal tipo de análise. Como exemplo, Michael (1987, p. 318) cita as

desnecessárias declinações encontradas em palavras como man e men e em adjetivos como

wise em gramáticas do século XVIII e XIX.

Não obstante, foram os criticados métodos de ensino da língua latina que vieram a ser adoptados quando as línguas vulgares começaram a ser ensinadas como línguas estrangeiras. Do mesmo modo, os modelos das gramáticas latinas transitaram para as gramáticas de línguas modernas, procurando os autores destas encontrar nas línguas que pretendiam tratar correspondência para todas as categorias gramaticais das gramáticas latinas. É em conseqüência disso que algumas passagens das gramáticas de inglês soam como absolutamente forçadas (TORRE, 1985, p. 36).

A presença de padrões utilizados para o ensino do Latim nas gramáticas de Língua

Inglesa, tão evidentes no século XVIII, está em consonância com o pensamento difundido

desde o século XVI, de que bastava saber esta língua para que outros idiomas pudessem ser

assimilados. Considerando-se que a Língua Latina se constituía em “um fator de unificação

teórica que não tem equivalente na história das ciências da linguagem” (AUROUX, 1992,

p. 42-3), é comum associá-la ao pensamento vigente de que as gramáticas seriam, em

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última análise, simples traduções umas das outras, o que justificaria a existência de uma

gramática geral, bastante difundida no século XVIII, com regras derivadas do Latim. Tal

pensamento era recorrente desde a época de Comenius, no século XVII, uma vez que “as

línguas são, para ele, constituídas das mesmas regras, ou seja, ele acredita na existência de

regras lingüísticas universais” (SILVEIRA, 1999, p. 36), que poderiam ser aplicadas para

todas as línguas existentes.

O principal objetivo do estudo de Retórica dos meninos, por sua vez, era aprender a se

expressar em Latim oralmente e por escrito, e, em uma pequena extensão, em Inglês. As

aulas de Retórica eram baseadas no método da imitação, procurando-se copiar os modelos

clássicos, o que justifica a inserção de atividades de leitura. Os modelos podiam, algumas

vezes, ser em Inglês, mas os exercícios eram voltados para o ensino do Latim. Michael

(1987) atesta que, mesmo com a exaltação à Língua Latina, alguns autores e editores

valorizavam o vernáculo, como é o caso de R.S., editor do livro Ludus Ludi Literarii,

datado de 1672. Com quarenta e sete discursos, a maioria em Inglês, o autor defende a

utilidade do seu trabalho pela constatação de que os alunos quase nunca tinham

oportunidade de construir orações na Língua Inglesa. A insatisfação dos professores com

esse sistema tradicional baseado na latinidade pode ser ainda mais destacada quando

percebemos, já no século XVIII, muitas tentativas em simplificar o ensino da gramática, no

que diz respeito à diminuição do número de partes a serem estudadas.

Apesar de ter escrito livros em Latim, Comenius (1592-1670) foi um dos primeiros

defensores do uso da língua materna e ensino de línguas estrangeiras, na medida em que

estas fossem “ensinadas como um modo de estabelecer comunicação com as pessoas de

países vizinhos”, exaltando, assim, a importância do sentido e do contexto sobre a forma

(HOWATT, 1988, p. 43).

Ao analisar o processo de institucionalização do ensino do Inglês no Brasil, Oliveira

(2006) investiga o modo pelo qual as gramáticas de Língua Inglesa foram simplificadas no

século XVIII, associando esse fato com a promulgação do Alvará de 1759, assinado pelo

então Conde de Oeiras. O Marquês de Pombal, como depois ficou conhecido, condenou a

utilização de gramáticas complexas e escritas em Latim, recomendando a publicação de

compêndios claros e concisos, que colocassem em evidência a Língua Portuguesa e suas

belezas. As orientações de Pombal se estenderam por todo o século XVIII e parte do XIX,

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podendo ser percebidas com as ações de D. João VI, expressas na Decisão n. 29, de 14 de

julho de 1809, que, ao oficializar o ensino de Inglês em terras brasileiras, apropriou-se das

ideias contidas na legislação pombalina. Segundo o documento, os professores de Inglês

deveriam

ditar suas lições pela Gramática que fosse mais bem conceituada enquanto não formalizassem uma de sua composição, e habilitassem seus Discípulos na pronunciação das expressões, e das vozes das respectivas linguas, adestrando-os em bem fallar e escrever, para o que deveriam servir-se dos melhores modelos do seculo de Luiz XIV. Nas traduções dos lugares6, os alunos haveriam de conhecer o genio, e idiotismo da lingua, e as bellezas e elegancias della, e do estylo e gosto mais apurado e seguido, e na escolha dos livros, seriam preferidos os de mais perfeita e exacta moral, usando-se para comparação com a Língua Pátria os autores classicos do seculo de quinhentos que melhor reputação tivessem entre os litteratos (PORTUGAL, 1828).

Ao discorrer sobre o “tempo”, “horas das lições” e “attestações” do aproveitamento

dos Discípulos, a Decisão n. 29 destaca que dever ser necessário seguir as determinações

estabelecidas na “Instrucção para os Professores de Grammatica Latina”, publicada com a

Lei Geral dos Estudos Menores, ou Alvará de 28 de junho de 1759, como também era

conhecido. Pela “Instrucção”, é destacada a importância da educação para o ensino da

mocidade e para a preservação dos valores cristãos. Para que esse fim pudesse ser atingido,

a Língua Latina foi destacada, com ênfase na necessidade em se buscar o Latim para que as

“Sciencias Maiores” pudessem ser atingidas.

Os parágrafos XV e XX devem ser analisados em detalhe por regulamentarem o

tempo e as horas da classe, respectivamente. Os professores deveriam discutir os temas

pertinentes ao desenvolvimento do jovem em sociedade, sempre reforçando os bons

costumes da época. Ao se preocupar com o “tempo”, os professores incluiriam em suas

aulas “Historias breves ou Máximas uteis aos bons costumes” e “agradaveis pinturas das

virtudes e acções nobres”. Tais “Temas” deveriam ser dados alternadamente, “um dia sim,

outro não”, para que houvesse tempo para a composição feita em casa, e posterior

apresentação, sempre em um dia da semana na Classe, momento em que seria “mais que

tudo util a explicação do Professor e o exercicio”. No item “horas da classe” ficava disposto

que os alunos teriam três horas de manhã e três de tarde para estudo. Após o período

determinado para as aulas, os alunos teriam direito a duas férias anuais: as “férias grandes”, 6 Por “lugares” entenda-se trechos de determinados livros.

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sempre em setembro e o restante dividido da seguinte maneira: oito dias no natal, durante a

semana santa e nos três dias antecedentes á Quaresma (apud OLIVEIRA, 2006, p. 81-2).

A utilização de compêndios estava intimamente associada ao seu caráter formativo, o

que nos faz compreender o porquê da preocupação da equipe de D. João VI em recomendar

tais publicações e a existência de uma “produção bibliográfica bastante significativa, muitas

vezes bancada pelo próprio Estado” (MENDONÇA, 2005, p, 38). Dois tipos devem ser

levados em consideração quando da análise das reformas pombalinas: os compêndios

resumidos elaborados para os estudantes e aqueles que seriam permitidos apenas para a

consulta de professores.

O ensino de Inglês no Brasil seguiu esse padrão voltado para a imitação, não só de

frases, mas especialmente de modelos clássicos considerados como de perfeita moral.

Conforme Oliveira (2006, p. 84), muitas das gramáticas publicadas no século XVIII em

Portugal e no Brasil não seguiam, contudo, a orientação de copiar os modelos do século de

Luiz XIV, sendo bastante comum a ilustração das lições com “diálogos familiares”7, “letras

de câmbio” ou “correspondências comerciais”. O primeiro professor da Cadeira Pública de

Língua Inglesa da corte não publicou um compêndio de sua autoria, contrariando a Decisão

n. 29. É provável que esse professor tenha utilizado os compêndios do norte-americano

Lindley Murray (1745-1826), por ser falante nativo do Inglês e pelo fato de que, segundo

Oliveira (2006), a English Grammar, publicada por Murray em 1795, era uma das

gramáticas mais reeditadas na Grã Bretanha e nos Estados Unidos, com grande ênfase para

a composição. Uma segunda hipótese é a da utilização da Grammatica anglo-lusitanica &

lusitano-anglica, publicada em 1759 por J. Castro, uma vez que uma cópia desse

compêndio pode ser encontrada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, comprovando a

presença dessa gramática no Brasil.

De acordo com Michael (1987), enquanto a tradução e a imitação eram práticas

comuns para o ensino de Inglês nos séculos XVI e XVII, a composição começa a ganhar

força nos dois séculos seguintes. Pode-se afirmar que os autores e professores dos séculos

7 A primeira referência à expressão “diálogos familiares” está relacionada, segundo Howatt (1988), ao segundo livro do francês Jacques Bellot: Familiar Dialogues (1586). No prefácio deste livro, Bellot defende a inclusão de diálogos que representassem conversas do dia-a-dia nos compêndios de língua estrangeira, especialmente para ajudar àqueles leitores que moram em outros países e estão em constante contato com conversas corriqueiras. Desde então, esse tema se tornou recorrente em compêndios de línguas, sejam elas maternas ou estrangeiras.

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XVII e XVIII acreditavam na importância de um controle linguístico do Inglês, obtido

através do estudo da gramática, enquanto, a partir do século XIX, tais preocupações

começaram a ser enriquecidas com questões filológicas ou retóricas, relacionadas à

composição.

Em decorrência de heranças renascentistas, as gramáticas eram comumente divididas

em quatro partes, a saber: Ortografia (ou Letras), Etimologia (ou Palavras e partes do

discurso), Sintaxe (ou Sentenças e regras de Concordância), Prosódia (ou Pronúncia e

Versificação), podendo também ser encontrada uma quinta parte chamada de Ortoépia.

Eram comuns os trabalhos com definições, memorizações e exercícios de parafrasear,

substituir expressões, pontuação, correção de erros e parsing (análise sintática)

(MICHAEL, 1987, p. 321; 323). Auroux (1992, p. 67), ao estudar o modo pelo qual as

gramáticas encontradas até o século XIX eram compostas, relaciona os principais pontos

encontrados em tais obras, a saber: a categorização e regras do conteúdo gramatical,

exemplos e conteúdos, agrupados em ortografia / fonética, partes do discurso, morfologia

ou etimologia e sintaxe. Os exemplos se constituem práticas de grande importância para o

processo de gramatização, uma vez que “testemunham sempre uma certa realidade

lingüística. Eles podem não somente disfarçar a ausência de certas regras [...] como, quando

necessário, podem ser invocados contra as regras e a descrição morfológica”.

Durante o século XIX, os professores diminuíram a utilização da técnica da imitação

para o ensino do Inglês na Inglaterra, aumentando a valorização dada às falas das crianças,

à leitura em voz alta e até à escrita, mesmo que ainda desconexa, de modo que, aos poucos,

maior atenção fosse direcionada à analise das sentenças e a gramática estivesse mais

relacionada ao processo de composição.

Segundo Howatt (1988), três grandes características podem ser destacadas em relação

ao ensino de Língua Inglesa no século XIX na Inglaterra. Primeiramente, o enfoque dado à

formação das grammar schools (Escolas de Gramática), que passam a incorporar uma ou

mais línguas europeias, constituindo-se um verdadeiro currículo secundário desconexo do

uso do Latim, que havia dominado o sistema educacional desde a idade média; em segundo

lugar, o crescimento pela procura do ensino da Língua Inglesa de forma mais utilitária, ou

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seja, um sistema baseado em necessidades práticas e interesses dos povos8. Como terceira

característica, destaca-se o movimento reformista no ensino de línguas e o enfoque dado ao

estudo da fonética e à adoção de uma metodologia de ensino através da qual as aulas eram

dadas na língua estrangeira a ser ensinada. Quatro são os grandes princípios deste

movimento: a valorização da fala; a necessidade em se destacar a importância do texto,

evitando o estudo de palavras desconexas; a reconhecida necessidade em se promover um

processo de desenvolvimento de professores, principalmente em decorrência do maior

destaque dado à fonética, e uma metodologia de ensino focada na oralidade.

Como consequência à maior valorização dada ao texto, um método indutivo de ensino

da gramática começou a ser delineado, na medida em que esta deixou de ser o objeto

principal de ensino e passou a ser estudada em contexto. Alguns autores chegaram até

mesmo a construir textos com a simples função de servir de base para ‘ilustrar’ a gramática.

Esse movimento reformista foi o grande precursor do método direto, uma vez que o

professor deveria se comunicar somente na Língua Inglesa, com grande valorização dada à

oralidade e à pronúncia. Alguns foneticistas desse movimento, como é o caso de Henry

Sweet (1845-1912), deram um destaque especial à transcrição fonética, o que propiciou o

surgimento de associações profissionais, como é o caso da International Phonetic

Association (IPA)9.

Sweet defendia o ensino da língua falada anterior ao da escrita, sem se referir,

contudo, à utilização de interações comunicativas ou conversações. Esse autor acreditava

que materiais didáticos interessantes distraíam os alunos, devendo eles, desse modo, ser

evitados, uma vez que o "interesse é derivado de lições e não de livros didáticos”

(HOWATT, 1988, p.187)10.

Entre várias contribuições para o ensino, Henry Sweet (1847-1912) defendeu a

importância em se ter professores de Inglês não nativos, considerando-os como sendo

superiores aos ingleses, não treinados. Em decorrência da profundidade de suas

contribuições, esse autor é considerado como fundamental para o início do estudo da

linguística aplicada ao ensino de línguas, tradição que continua até os dias de hoje.

8 É nesse contexto, por exemplo, que o ensino de inglês surge em territórios brasileiros no período oitocentista, estando voltado para favorecer o desenvolvimento dos estudos das fortificações e por razões comerciais (OLIVEIRA, 2006). 9 “Associação Internacional de Fonética” 10 “interest derives from lessons, not from textbooks” (texto original).

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2. O Inglês como disciplina acadêmica

A partir do final do século XVII, os spelling books deixam de ser as únicas fontes de

leitura e as antologias passam a ser utilizadas nas escolas, verificando-se a recorrência de

temas como: o medo da paixão e a preocupação com a moralidade, e a presença de

passagens de Shakespeare, Milton e Pope. A partir de 1770, os professores começam a

discutir a leitura de literatura na escola, a qual passa a ser vista como um objeto de ensino e

como função recreacional (MICHAEL, 1987). Observa-se, nesse período, uma maior

importância dada à associação entre ensino de leitura e compreensão de texto. Não só as

publicações da Inglaterra comprovam essa tendência, como também as de outros países do

mundo ocidental, como é o caso, por exemplo, do Compêndio de Grammatica Ingleza,

publicado em 1861 por Eduardo Grauert no Rio Grande do Sul, o qual apresenta uma

secção denominada Peças escolhidas para leitura e traduções, que contém 43 fragmentos

de vários autores, com destaque para Benjamin Franklin, Coleridge, Campbel, Lord Byron,

Shakespeare, Milton, Young, Thomas Moore e Cox (GRAUERT, 1861).

Ao se analisar o modo pelo qual o ensino de Inglês, mais especificamente de

Literatura, foi institucionalizado nas universidades americanas, destaca-se o fato de que, até

a metade do século XIX, o Inglês era pouco visto nos currículos universitários. Desse

modo, pode-se afirmar que

a ascensão do Inglês, na realidade, está intimamente ligada à queda dos estudos clássicos de uma posição de eminência e para uma próxima obliteração da retórica como um assunto universitário [..]. O Inglês rapidamente ascendeu no final do século XIX e nas primeiras décadas do XX (SCHOLES, 1998, p. 1-2).11

Scholes afirma ter sido longa a espera pelos primeiros professores de Inglês nos

Estados Unidos. Em sua narrativa, é mencionada a Universidade de Yale e o fato de terem

sido inseridos, em 1767, o estudo da gramática inglesa e da composição, estando tais

estudos sob responsabilidade de tutores. Mesmo com a oferta do estudo de Belas Artes em

1776, a presença do tutor ainda era a única representação de ensino para o aluno. Somente

em 1817 é constatada a existência de Oratória e Retórica e a consequente aceitação do

11 “The rise of English itself, in fact, is closely linked to the fall of classical studies from a position of eminence and to the near obliteration of rhetoric as a college subject. […] English rose rapidly at the end of the nineteenth century and in the first decades of the twentieth” (texto original).

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Inglês como disciplina. Desde então, percebe-se, em Yale, uma maior ênfase dada aos

estudos de Inglês, podendo-se inclusive falar em “revolução”, uma vez que, em 1889, esta

universidade chegou a oferecer mais cursos em Inglês do que em Latim ou em Grego

(SCHOLES, 1998, p. 1-2). Segundo o autor, desenvolvimentos similares puderam ser

percebidos em outras universidades norte-americanas, tendo sido observado um processo

um pouco mais lento na Universidade de Brown. É importante ressaltar o modo pelo qual o

conceito de Belas Letras, desenvolvido no século XVIII, serviu de transição entre uma

concepção antiga da Literatura12, que incluía todos os tipos de textos, para um estágio

dominado por noções de imaginação13 e genialidade, típicas do romantismo.

Terry Eagleton (2006), ao investigar a ascensão do ensino de Inglês na Inglaterra,

também analisa a evolução do conceito de Literatura no século XVIII, estando suas ideias

associadas às de Scholes (1998), ao afirmar que eram considerados como literários os mais

diversos tipos de textos, desde obras de “filosofia, história, ensaios e cartas, bem como

poemas”. Para ser considerado literário, segundo o autor, bastava que o texto contemplasse

os valores contidos na ideologia e nos critérios de “bom gosto” de uma determinada classe

social. A burguesia, em pleno estado de ascensão, possuía comportamentos rudimentares,

necessitando adquirir “costumes refinados, hábitos de gostos ‘corretos’ e padrões culturais

comuns”, o que poderia ser alcançado com a propagação de textos publicados em

periódicos e manuais de moral e etiqueta, por exemplo, capazes de reforçar as estruturas

ideológicas da época. Esse fato foi alterado somente no século XIX, com o aparecimento de

um “sentido moderno da palavra ‘literatura’”, sendo a sua associação com textos

“imaginativos” publicados no “período romântico” do mundo ocidental (EAGLETON,

2006, p. 25-6).

A valorização da Literatura na Inglaterra está associada a um período de esplendor

econômico adquirido com os lucros advindos do comércio escravo do século XVIII e das

12 De acordo com Court (1992), Juan Luis Vives, humanista do século XVI, propôs um estudo das literaturas vernaculares em 1531, na qual faziam partes livros de direito, geografia e história (apud SCHOLES, 1998, p. 12). 13 Tristram Burges, congressista representante de Rhode Island no final do século XVIII, fala, em 1796, sobre a importância em se associar retórica e imaginação para o prazer da contemplação, num verdadeiro discurso do estético e do sublime, significando talvez, segundo Scholes (1998), traços da corrente chamada de Romantismo. Esse sentimento de valor literário foi iniciado como contribuição do período romântico e da acentuada importância dada, nessa época, ao imaginativo como solução dos conflitos políticos e sociais. A função da literatura seria, dessa forma, a de “transformar a sociedade em nome das energias e valores representados pela arte” (EAGLETON, 2006, p. 29).

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conquistas territoriais decorrentes das expansões ultramarinas da Europa. O status de

“primeira nação capitalista industrial do mundo”, segundo Eagleton (2006, p. 28-9), esteve

sempre associado à geração de um grupo social excluído e “não-alienado”, o que fez da

Literatura produzida na época “uma ideologia totalmente alternativa [...]. Os principais

poetas românticos foram, em sua maioria, ativistas políticos, que incluíram a continuidade,

e não o conflito, entre seus compromissos literários e sociais”. Excluído do processo social,

o escritor esteve cada vez mais ligado e dependente de seu poder de criação.

Com o aumento da ênfase dada ao estudo do Inglês e a perda de status do Latim e

Grego, uma valorização do conteúdo abordado nas aulas de língua e, principalmente, de

Literatura passa a ser observada. Tal pensamento está em consonância com a assertiva de

Auroux, ao ressaltar que

Os primeiros gramáticos dos vernáculos nunca foram monolíngües e é só quando a tradição nacional está bem estabelecida que o observatório latino acaba por desaparecer, em proveito dos autores literários, do acúmulo das normas lingüísticas e dos dicionários nacionais (AUROUX, 1992, p. 76).

Pela primeira vez, termos como “experiência estética”, “harmonia estética” e

“natureza excepcional do objeto de arte” passaram a ser reconhecidos e a Literatura ganhou

força por sua “inutilidade” e pelo reconhecimento do seu valor expresso como “fim em si

mesmo”. Esta beleza exaltada e idealizada estava associada à ideia de “arte”, sendo “em

grande parte produto da própria alienação da arte em relação à vida social” (EAGLETON,

2006, p. 31). Toda essa valorização da Literatura como estética corresponde, segundo o

autor acima citado, ao período de perda de forças da religião, que já não conseguia

conquistar muitos adeptos em decorrência das descobertas da ciência e das mudanças

verificadas na sociedade da época. O enfraquecimento do status do discurso religioso passa

a ser contrastado com o alvorecer de um novo discurso: o da Literatura Inglesa, capaz de

contestar o poder da aristocracia e atender aos interesses da então emergente burguesia.

Com a evidente decadência da religião, a Literatura passa, segundo Eagleton (2006), a ter

três finalidades: fruição, instrução e substituição do papel da religião na tentativa de curar

almas e salvar o Estado.

Nesse contexto, Lepenies (1992) afirma estarem a poética e o criticismo literário

muito mais relacionados à moralidade do que aos padrões estéticos, o que fez com que a

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poesia e a crítica entrassem, no século XVIII, em competição não somente com a ciência,

mas, principalmente, com a religião. Analisando as proposições de Matthew Arnold (1822-

1888), o autor acima citado nos fala sobre a ‘cultura aritmética de Arnold’, e a sua teoria de

que

três-quartos da vida consistem de moralidade de conduta, com a ciência e a arte compartilhando o quarto restante. Os bons princípios de comportamento estavam entre os temas mais importantes da religião, caracterizados como ‘moralidade tocada pela emoção’: nesse sentido, a religião era secularizada e a sociedade santificada (LEPENIES, 1992, p. 161-162).14

A ascensão do Inglês coincide, dessa forma, com a modificação que a palavra ‘moral’

teve ao longo dos tempos, já que a moralidade não podia ser mais percebida como um

simples código ético, mas também como um conjunto de experiências compartilhadas e

aprendidas.

O Inglês como matéria acadêmica é institucionalizado entre os debates sobre moral e

estética nas universidades britânicas e, até mesmo antes delas, com os cursos

profissionalizantes e de extensão, já que o Inglês era “uma maneira de proporcionar uma

educação ‘liberal’ barata aos que estavam fora dos círculos encantadores das escolas

particulares de Oxford e Cambridge (EAGLETON, 2006, p.40), principalmente as moças,

que não encontravam outras oportunidades de estudo.

O acesso das mulheres à educação superior se processou através do estudo do Inglês,

por ser o seu estudo relacionado “aos altos sentimentos e não para os tópicos mais viris das

‘disciplinas acadêmicas’ sérias, ele parecia ser um assunto conveniente para se oferecer às

senhoras, que de qualquer modo estavam excluídas da ciência e das profissões liberais”

(EAGLETON, 2006, p. 42). Somente após muitos anos de relutância, o Inglês deixou de ser

matéria típica das mulheres para atingir a classe governante de Oxford e Cambridge e se

consolidar, principalmente após a primeira grande guerra, com o surgimento do

“nacionalismo de guerra” e de necessidade de fortalecimento de uma identidade nacional.

Aos poucos, os homens também preenchiam as vagas disponibilizadas pela academia

britânica aos cursos da disciplina Inglês, de modo que

14 three-quarters of life consisted of morality of conduct, with science and art sharing the remaining quarter. Principles of right behaviour were among the most important themes of religion, which we characterized as ‘morality touched by emotion’: in this way religion was secularized and society sanctified (texto original).

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aqueles que chegavam a Cambridge esperando, com humildade, ler alguns poemas e romances eram logo desmistificados: o inglês não era apenas uma disciplina entre outras, mas a mais importante de todas, imensamente superior ao direito, à ciência, à política, filosofia ou história (EAGLETON, 2006, p. 49).

Anderson (2008) menciona a perda de prestígio das comunidades religiosas como

sendo de grande importância para o fortalecimento dos vernáculos. O autor se utiliza do

termo “língua sagrada” para se referir às línguas sacramentadas pela religião, como é o caso

Latim, uma vez que, para se chegar à verdade, não era preciso entender a pronúncia das

palavras, sendo a fé suficiente para que o valor de verdade fosse assegurado. Com a

decadência dessas línguas mudas sagradas ou “línguas verdade”, têm-se a ascensão das

línguas impressas, e, com elas, o fortalecimento da ideia de nação e de Literatura nacional

(ANDERSON, 2008, p. 42). A partir do século XVIII, dessa forma, a Europa Ocidental

presenciou o alvorecer do nacionalismo, a perda de influência da religião, o aumento da

cientificidade do estudo das línguas, bem como o início dos estudos comparados e da

filologia. O sofrimento anteriormente tratado apenas pela fé passa a ter como forças

paliativas o nacionalismo e a religião.

A cientificidade nos estudos linguísticos se prolongou na Europa por todo o século

XIX, podendo ser considerada como período propício para o estudo de lexicógrafos,

gramáticos, filólogos e literatos do vernáculo. Segundo Scholes (1998), no entanto, a

Literatura Inglesa só entrou no currículo das universidades americanas na segunda metade

do século XIX. Essa mudança histórica de ênfase nos estudos literários em Língua Inglesa

pode ser percebida com a constatação de uma mudança no corpus de textos utilizados.

Partindo-se de bons livros, presenciou-se um momento em que essa arte era confundida

com ‘prosa eloquente’, chegando-se ao conceito de Literatura ‘imaginativa’.

A importância da moral para a justificativa do ensino do Inglês permanece, mas com

foco diferenciado. É importante perceber, como assegura Eagleton (2006, p. 41), que “as

velhas ideologias religiosas perderam suas forças, e que uma comunicação mais sutil de

valores morais, que funcione pela ‘representação dramática’ e não pela abstração

rebarbativa, está, portanto, na ordem do dia” . É um outro tipo de moral que agora passa a

ser exaltada, a da “experiência sentida” e de exemplos a serem seguidos.

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A Literatura, no século XX, ainda continua a discutir termos relacionados à virtude e

moral, só que a partir de um enfoque diferenciado, uma vez que os assuntos políticos

passam a permear esses textos. Conhecida pela representatividade de valores universais, ela

se relaciona cada vez mais a interesses locais, históricos e grupais. Os leitores começam a

se identificar como pertencentes a grupos minoritários oprimidos e buscam textos que

debatam as suas causas e aflições, referendando-os como literários. Conforme Scholes

(1998), essa busca por textos que representam as lutas de classes consideradas como

“excluídas” pode representar uma queda do status da Literatura, uma vez que padrões de

literariedade podem ser negligenciados. Doyle (1989), ao discorrer sobre a

institucionalização do Inglês como disciplina acadêmica, reforça a importância da

discussão sobre a existência do valor intrínseco dos textos literários, capaz, por si só, de

excluir textos que não o possuísse do mundo literário. Ao aceitar textos com “qualidades

culturais” entre o conjunto de textos considerados como de valor estético, estaríamos

“estendendo a nossa concepção de Literatura para englobar todo o ‘discurso pela escrita’”

(DOYLE, 1989, p. 7). Nessa perspectiva, a Literatura estaria cada vez mais relacionada ao

que se convencionou chamar de estudos culturais. O texto literário, em tal perspectiva,

passa a ter valor não só pela qualidade intrínseca do texto produzido, como também pelo

grupo social representado.

3. O Ensino de Inglês como Língua Estrangeira

Até o século XVI, segundo Howatt (1988), os únicos países com alguma história de

ensino de Inglês fora dos territórios ingleses foram a França e os Países Baixos. Contudo,

muitos alunos tiveram acesso à Literatura produzida em Língua Inglesa através do Francês,

dotado de grande valor cultural, em decorrência do iluminismo. Em pleno século XVIII, o

direito divino dos reis começava a ser questionado, ao mesmo tempo em que a ciência

despontava como uma solução para que a população saísse da ignorância. O homem via

pela primeira vez a possibilidade de questionar os dogmas impostos pela religião,

valorizando o cientificismo e o experimentalismo. De acordo com Russel (2001, p. 332), as

verdades impostas passaram a ser confrontadas, numa verdadeira “revalorização da

atividade intelectual independente que pretendia [...] difundir a luz onde até então só havia

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trevas”. Falcon (1993) reforça esse pensamento ao destacar que, por trás de uma

justificativa de combate à rebeldia dos jesuítas e aos descuidos com a educação nas

colônias portuguesas, uma outra questão deveria ser considerada. Para o autor, o poder

hegemônico da Igreja incomodava o Portugal, ao se constituir em uma ameaça para o

absolutismo do poder real. Por ser a principal base para a formação da intelectualidade da

época, o poder jesuítico deveria ser combatido, com o intuito de fortalecer o Estado.

O iluminismo foi o ponto de partida para a Revolução Francesa e a Industrial

Inglesa, propiciando condições para a tradução dos textos mais importantes da época, o que

fez com que as trocas culturais entre a França e a Inglaterra aumentassem, havendo,

consequentemente, a tradução de muitos textos em Língua Inglesa para o Francês e vice-

versa.

A primeira referência ao ensino de Inglês como língua estrangeira, segundo Howatt

(1988), está associada à reação católica frente à Reforma Protestante, ocasionando, no

século XVI, um aumento no número de refugiados franceses, italianos e espanhóis em

territórios ingleses, dada à Reforma Religiosa promovida pela Rainha Elizabeth. De acordo

com Neilsen (2009), entre 1570 e 1588, a Inglaterra presenciou um aumento de cerca de

360.000 refugiados, o que correspondia a 10% da população da época.

Em pleno século XVI, muitos “membros da Igreja Cristã, cientistas e letrados,

servindo-se do latim como língua de comunicação internacional, movimentavam-se no

espaço europeu para estudarem ou exercerem a docência em universidades estrangeiras”, o

que fez com que eles aprendessem esses idiomas e se tornassem “autores de obras

didácticas (dicionários e gramáticas) destinadas a facultarem aos seus compatriotas

interessados o acesso às línguas estrangeiras, nomeadamente à inglesa” (TORRE, 1985, p.

7). Nesse período, os vernáculos atingiram maior prestígio, uma vez que o Latim deixou de

ser a língua de escolha para os estudos e muitos livros, principalmente a Bíblia, passaram a

ser editados e publicados nas línguas nacionais. De acordo com Howatt (1988, p. 102), “A

revolução Protestante destruiu o Latim como língua franca internacional e ajudou a

promover a rivalidade entre as línguas nacionais da Europa”15. Em decorrência da

necessidade em se aprender o Inglês, alguns professores franceses se especializaram no

15 “The Protestant revolution had destroyed Latin as the international lingua franca and helped to promote a rivalry between the national languages of Europe” (texto original).

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ensino da Língua Inglesa, principalmente como preceptores privados, com grande destaque

para Jacques Bellot, Claudius Holyband e John Florio. Neilsen (2009, p. 15-6) afirma que

os primeiros professores de Inglês como língua estrangeira foram importantes por

atenderem a uma necessidade social ocasionada pela formação de uma verdadeira

comunidade francesa na Inglaterra. Esses refugiados “trouxeram influências estrangeiras

para a Inglaterra, sendo gradualmente assimiladas na cultura”

Os dois manuais de Bellot, The English Schoolmaster (1580) e Familiar Dialogues

(1586), foram delineados tendo-se como objetivo o atendimento das necessidades básicas

dos imigrantes franceses, compostos, na sua maioria, por artesãos. Esses trabalhadores

poderiam sobreviver sem um aprofundamento na Língua Inglesa falada, mas necessitavam

de algum conhecimento da língua escrita. Como a Inglaterra se encontrava no meio do

conflito existente entre a França e a Espanha, os refugiados franceses precisariam utilizar a

Língua Inglesa em situações hostis, ocasionadas nos momentos em que os imigrantes,

confundidos como espiões estrangeiros ou agentes católicos, eram interrogados nas ruas.

Para as mulheres francesas, a aprendizagem do Inglês se tornava também imperativa,

principalmente nas atividades corriqueiras que uma mulher possuía na época, como, por

exemplo, as compras (SOARES, 2007).

Os manuais de Bellot apresentavam notória preocupação com a parte fonética do

ensino do idioma, uma vez que suas obras eram dedicadas aos franceses que moravam em

território inglês e que aprendiam o idioma pela audição. The English Schoolmaster, de

acordo com Soares (2007), apresenta inicialmente as letras do alfabeto Inglês e sua

correspondente pronúncia. Destaque especial foi dado aos homófonos, tais como hole /

whole; bore / boar; horse / hoarse, e aos minimal pairs (pares minimais), observados

sempre em contexto: “David was a Keeper of Sheep” / “The Katherine of England is a fair

ship.”. Sheep (ovelha) e Ship (navio) apresentam sons vocálicos opostos, e, por isso,

causam confusão para a sua compreensão auditiva. Bellot também se preocupava com as

“palavras-problema”, consideradas, pelo autor, como sendo àquelas que possuem mais de

uma tradução possível, como por exemplo well, light e stay.

Seu segundo trabalho, Familiar Dialogue (1586), segundo Howatt & Widdonson

(2004), foi composto basicamente por pequenos diálogos nas Línguas Inglesa e Francesa.

São retratadas as situações corriqueiras francesas, com destaque para aquelas relacionadas a

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compras e que envolvem vendedores de frutas, de tecidos e de materiais de costura, bem

como pescadores e açougueiros.

The French Schoolmaster (1573) e The French Littleton (1576) são os dois manuais

publicados por Claudius Holyband. Ambos possuem listas de vocabulários organizadas em

tópicos e uma secção de diálogos, os quais representavam o interesse mercantil da época,

constatado pela análise de muitos dos títulos apresentados. Holyband defendia que cada

texto fosse lido em voz alta e repetido até que a correta pronúncia pudesse ser internalizada.

Logo após, os textos passariam por um processo de “dupla-tradução”, através do qual

seriam traduzidos para o Francês e do Francês novamente para o Inglês, o que acarretaria

uma inevitável memorização dos textos lidos. Howatt (1988, p. 24) afirma que Holyband

preconizava o que posteriormente ficou conhecido como uma abordagem indutiva, uma vez

que as lições “eram iniciadas pelo texto e as regras eram consultadas apenas quando os

alunos já estavam familiarizados com o novo material” 16.

O terceiro autor, John Florio (c.1553-1625), pode ser destacado, principalmente, por

ter sido um grande tutor particular do Italiano, tendo também escrito dois manuais: First

Fruits (1578) e Second Fruits (1591), ambos caracterizados por possuírem um estilo mais

elaborado e atrativo para os jovens nobres que os utilizavam. Os diálogos presentes em suas

obras se destacam por serem de caráter mais prático, com ênfase para os familiares,

seguidos de listas de provérbios e ditos populares.

Segundo Torre (1985), a presença de diálogos familiares nas gramáticas em Língua

Inglesa pode ser considerada como consequência de uma influência das gramáticas latinas,

uma vez que, “já na primeira metade do séc. XVI, Luís Vives havia publicado, em 1538, a

Exercitatic linguae latinae, uma colecção de diálogos saborosos acerca de situações

familiares, tais como despertar de manhã, a primeira saudação, o convite, a escrita”

(TORRE, 1985, p. 53). Os temas encontrados nos diálogos de Vives foram abordados nas

gramáticas em Língua Inglesa, conforme comprovado nos compêndios analisados neste

trabalho, o que sugere haver uma relação entre os manuais em Latim do século XVI com os

de línguas modernas publicados a partir do século XVIII.

16 “starting from the text and consulting the rules only when the pupils were familiar with the new material” (texto original).

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Neilsen (2009) percebeu que muitos ingleses do século XVI reagiram negativamente

ao crescimento da influência que esses professores franceses conseguiram na época,

defendendo esta percepção com a constatação de que John Eliot, em 1593, escreveu Ortho-

epia Gallica, satirizando o trabalho dos escritores franceses, principalmente John Florio e a

sua obra First Fruits, (1578). Eliot acusava os professores hugenotes (calvinistas franceses)

como sendo “‘bestas e serpentes’ que envenenaram a Inglaterra com trabalhos de

Maquiavel e outros escritores diabólicos. Eles deveriam ser expulsos do reino, tal como

aconteceria com qualquer outra praga”17 (apud HOWATT, 1988, p. 28-9).

A partir da década de 1670, a quantidade de refugiados franceses aumentou

consideravelmente na Inglaterra, principalmente após a revogação do Édito de Nantes em

1685, por Luiz XIV (1638-1715). Entre os novos professores de Inglês de nacionalidade

francesa destaca-se Guy Miège (1644-1718) e a sua obra Nouvelle Méthode pour apprendre

l’Anglois (Novo Método de ensinar Inglês), datada de 1685. Nessa nova fase, o ensino de

Inglês como língua estrangeira atingiu um nível de profissionalismo maior do que o

anteriormente observado. Miège defendia um método que focasse inicialmente a ortografia

e a pronúncia, partindo-se, logo depois, para o estudo de longas listas de palavras e

Everyday Dialogues (Diálogos do Cotidiano), de modo a, da mesma forma como

idealizaram seus precursores, ajudar os alunos franceses que moravam na Inglaterra.

Analisando a evolução do ensino de Inglês como língua estrangeira, é interessante

observar que o grupo de autores que se dedicavam ao ensino de Inglês como língua

estrangeira era quase que totalmente composto por falantes não-nativos, sendo este quadro

modificado somente a partir do século XIX (HOWATT, 1988). Neilsen (2009) relata que a

Inglaterra, no século XX, passou por um movimento similar do ocorrido na Inglaterra com

os refugiados franceses, uma vez que, com o crescimento da ameaça fascista, um grande

número de refugiados se alojou novamente na Inglaterra, necessitando aprender a Língua

Inglesa. Nesse momento, no entanto, já estava consolidado um centro de ensino de Inglês

composto por professores nativos, não tendo sido verificada uma movimentação de

professores refugiados assumindo o controle da educação.

17 “ ‘beasts and serpents’ who have poisoned England with the Works of Machiavelli and other devilish writers. They should be banished from the kingdom like any other plague” (texto original).

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A maior ênfase dada ao ensino de Inglês como língua estrangeira é percebida a partir

da segunda metade do século XX, quando analisamos a quantidade de instituições que

passam a preparar professores de Inglês especialistas em EFL (English as a foreign

language – Inglês como língua estrangeira). De acordo com Bowers (1986), na Inglaterra

de 1960 apenas duas ou três universidades britânicas ofereciam cursos em TEFL18. Por

volta de 1966 esse número aumentou para dezesseis, atingindo, em 1985, um total de

quarenta e cinco. Da mesma forma, a British Association of Recognised English Language

Schools19 relatou que, em 1960, foram registradas vinte instituições privadas que ofereciam

cursos que visavam treinar professores de línguas, não se preocupando dessa forma, com o

ensino acadêmico. Esse número, na década de 1980, subiu para 200, havendo mais 600 ou

700 escolas não credenciadas ao Conselho Britânico.

Portugal e Espanha só demonstraram interesse pelo ensino da Língua Inglesa a partir

do século XVII. Em 1731, o português Jacob de Castro publicou a primeira gramática

escrita, em uma mesma edição, nas Línguas Inglesa e Portuguesa. A primeira gramática

inglesa destinada a falantes espanhóis só surgiu, de acordo com Howatt (1988, p. 66), em

1784, com o expatriado espanhol Thomas Connely, chegando esta obra a Madrid apenas

em 1784.

Torre (1985) destaca o fato de o primeiro dicionário de Português-Inglês e Inglês-

Português ter sido publicado logo início do século XVIII. A Compleat Account of the

Portuguese Language being a copious Dictionary of English with Portuguese, and

Portuguese with English foi publicado em 1701 por um autor anônimo que utilizou o

pseudônimo de A.J. Ao que tudo indica, este dicionário deve ter sido escrito por um

estrangeiro em Londres, responsável, em 1705, pela publicação da Grammatica Anglo-

Lusitanica. O fato dessas duas publicações terem surgido em Londres, antes de qualquer

tentativa de relacionar as Línguas Portuguesa e Inglesa em Portugal, nos faz pressupor que

o interesse pelo Português na Inglaterra deva ter começado anteriormente ao interesse pelo

Inglês em Portugal.

De acordo com Auroux (1992), os dicionários foram os grandes precursores das

gramáticas, apesar de não terem tido a mesma popularidade. Torre (1985), nesse sentido,

18 TEFL – Teaching English as a second language (Ensino de Inglês como língua estrangeira). 19 British Association of Recognised English Language Schools (Associação Britânica de Escolas reconhecidas de Língua Inglesa) – tradução minha.

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afirma que a frequência de publicação de dicionários era muito menor do que a verificada

com as gramáticas do século XVIII. Reconhecendo a importância do estudo do léxico, os

gramáticos da época acrescentavam listagens de palavras a serem memorizadas pelos

alunos, uma vez que, “em princípio, as gramáticas visavam possibilitar aos leitores a

aquisição mais geral do sistema da língua, o que era muito mais útil do que o mero acesso

ao léxico descontextualizado” (TORRE, 1985, p. 26). Os grupos de palavras destas listas

não obedeciam uma regra única, podendo seguir a ordem alfabética dos termos, ou agrupar

os itens lexicais de modo a atender as preocupações dos seus autores.

Com a constatação de que o ensino de Inglês como língua estrangeira possuía

especificações e necessidades diferenciadas, percebeu-se que um novo tipo de profissional

surgia, o que fez com que novos materiais fossem publicados para que essa nova demanda

de ensino fosse atendida. Pode-se afirmar, dessa forma, que o ensino de Inglês para alunos

não-nativos foi de grande importância para o desenvolvimento de gramáticas voltadas para

a Língua Inglesa. Howatt (1988) ressalta esta tese, ao afirmar que as melhores gramáticas

da Língua Inglesa produzidas desde o século XVII estão associadas ao ensino de Inglês

como língua estrangeira (EFL).

4. Os Métodos e Abordagens do Ensino de Inglês

Até o século XIX, constatam-se referências ao ensino do Inglês, seja como língua

materna ou estrangeira, enfatizando-se técnicas de leitura e de imitação. Segundo Howatt

(1998), o século XX trouxe grandes avanços em relação ao ensino da Língua Inglesa e sua

associação a métodos e abordagens de ensino. Do método tradicional às atuais abordagens

comunicativas, o autor cita o princípio monolíngue no ensino de línguas como a grande

contribuição do século passado, associando o desenvolvimento de metodologias de ensino

com suas finalidades comerciais, isto é, com práticas voltadas para a leitura, necessárias em

decorrência das intensas trocas comerciais verificadas no mundo ocidental. O mesmo

fenômeno ocorre na Inglaterra, na medida em que é percebida uma preocupação acentuada

com as novas implicações sociais da educação para a formação dos gentlemen, os quais

deveriam satisfazer as exigências políticas e sociais da modernidade. Segundo Carvalho

(1978), em Portugal, as finalidades sociais do ensino foram também cruciais durante o

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processo de planejamento da educação para a aristocracia portuguesa. Pombal criou o

Colégio dos Nobres, em 1761, com a clara intenção de preparar jovens capazes de assumir

as funções administrativas da corte, através do estudo das humanidades clássicas e de uma

formação científica e literária, que preparasse os alunos para a Universidade de Coimbra e

para o exército para a preparação das milícias de terra e mar. Nesse processo educativo,

grande destaque foi dado para o ensino do Francês e do Inglês, importantes requisitos para

a obtenção dos maiores cargos da nova nobreza, advinda da burguesia comercial e militar.

Com efeito, no Brasil, o ensino de idiomas também esteve relacionado às suas

finalidades práticas. A aprendizagem do Inglês e Francês no Brasil colônia está vinculada

às Aulas de Fortificações, planejadas desde 1699, mas com seu início posterior ao ano de

1710. A dificuldade na implementação de tais Aulas consistia no fato de que, para tanto,

seriam necessários alunos capazes de ler os livros técnicos escritos, em sua maioria, nas

Línguas Inglesa e Francesa. Dessa forma, em 1738, “uma Ordem Régia de 19 de agosto

tornou a instrução militar obrigatória a todos os oficiais, os quais não poderiam mais ser

nomeados ou promovidos sem que tivessem aprovação na Aula de Artilharia e

Fortificações” (OLIVEIRA, 2006, p. 35). Nesse contexto, as Línguas Vivas se tornavam

essenciais.

O ensino de tais idiomas, no entanto, era, até o século XIX, baseado em leitura,

tradução e gramática, com pouca ênfase para a parte oral. O Grammar Translation

(tradução e gramática) foi um método bastante utilizado no século XIX, com grande

destaque dado à correção e ao valor moral das frases usadas como exemplos, havendo uma

preocupação acentuada com o ensino estrutural do Inglês. Após uma breve explanação

sobre pronúncia, as pequenas lições eram, então, organizadas abrangendo resumos

gramaticais, listas de vocabulário e frases e orações a serem traduzidas (Howatt, 1988, p.

140). Várias gramáticas do século XIX apresentam essa estrutura, como, por exemplo, as

de autoria de Manoel de Freitas Brazileiro (Nova grammatica Ingleza e Portugueza

dedicada á felicidade e augmento da Nação Portugueza, 1812), Fillipe da Motta de

Azevedo Corrêa (Grammatica pratica da lingua ingleza, 1863), Theodore Robertson (Novo

curso pratico, analytico, theorico e synthetico de lingua ingleza, 1842), Henry Godefroy

Ollendorff (Novo methodo pratico para aprender a ler, escrever e fallar a lingua ingleza

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em seis mezes, 1883 – 3.ª ed.) e Serafim José Alves (Novo methodo practico e facil de

aprender a Lingua Ingleza segundo os principios de F. Ahn, 1873) (OLIVEIRA, 2006).

O grammar-translation method (método da gramática e tradução) era considerado

como “prático” em decorrência da organização dos tópicos gramaticais, dos exercícios

baseados na tradução e da ênfase à versão de listas de orações. Esse método surgiu na

Prússia no final do século XVIII, preservando a importância reformista dada à gramática e

tradução e acentuando a relevância do estudo das sentenças. Como consequência, observa-

se uma maior ênfase nos exercícios e textos graduados, com o objetivo de buscar a

perfeição gramatical. Apesar de ser denominado de gramática e tradução, o objetivo final

do ensino não era, segundo Howatt (1988), a tradução, e sim a leitura, tendo, como auxílio,

a utilização de gramáticas e dicionários.

O método da gramática e tradução começa a ser contrastado com o método direto, que

prega a utilização do idioma a ser aprendido durante toda a aula, de modo a aumentar as

possibilidades de contato com a língua-alvo. Com a exclusão da língua materna das salas de

aula, toda a transmissão de conhecimentos deveria ser propiciada através de gestos,

imagens, fotos e ferramentas semelhantes, com o intuito de dificultar a utilização de

traduções, para que o aluno pensasse diretamente na língua estudada. Howatt (1988)

enfatiza que alguns princípios do método direto (século XIX) puderam ser percebidos desde

a década de 1620 com as publicações de Joseph Webbe (1610-1630) e a sua defesa de que a

gramática é totalmente dispensável no ensino de línguas.

O século XIX presenciou um maior destaque dado aos aspectos lúdicos do

aprendizado de idiomas, valorizando-se a utilização de imagens em sala de aula. É

interessante destacar, contudo, que o primeiro momento em que tais dispositivos foram

mencionados remontam ao século XVII, quando Comenius (1592-1670), ao publicar a sua

Didática Magna, ressalta a importância em se utilizar figuras que possam ilustrar os

sentidos das palavras, bem como representar o mundo e destacar a experiência durante o

aprendizado. Suas ideias, no entanto, não tiveram êxito em sua época, em decorrência do

alto custo em se produzir figuras e da falta de seriedade que trabalhos de tal natureza

tinham na sociedade da época (HOWATT, 1988).

No período pós-guerra, o método Áudio-lingual é desenvolvido nos EUA, tendo

como principal objetivo, de acordo com Larsen-Freeman (1984), atender a questões

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militares, na medida em que era do interesse do governo que seu exército aprendesse a se

comunicar oralmente em língua estrangeira o mais rápido possível. De acordo com esse

método, o aprendizado é garantido através de técnicas de repetição, utilizando-se, para

tanto, laboratórios de línguas que possibilitassem aos alunos entrar em contato com

material auditivo gravado com diálogos de nativos da Língua Inglesa.

A tendência em se trabalhar de forma mais acentuada com o ensino de gramática de

forma indutiva e contextualizada ganhou força na segunda metade do século XX, mas,

através de uma análise mais detalhada, é possível perceber ideias precursoras em escritos de

John Locke (1632-1704) e Comenius, ambos do século XVII (OLIVEIRA, 2006). A obra

Some thoughts concerning Education, publicada em 1693, por John Locke, apresenta

conceitos importantes sobre o ensino de línguas, alegando que a língua materna deveria ser

“a primeira a ser ensinada; depois, uma língua estrangeira, e, em terceiro lugar, que seja

ensinado o Latim” (SILVEIRA, 1999, p. 33). Segundo análise da autora, para Locke, três

grandes necessidades podem ser destacadas para justificar a aprendizagem de uma língua

estrangeira: a finalidade comunicativa, o aperfeiçoamento estilístico e as necessidades de

estudos linguísticos.

No século XIX, já era difundida a ideia de que cabia ao professor a tarefa de trabalhar

com a razão do aluno e não apenas com a sua memória. Henry Butter, em 1843, advoga o

uso de tais técnicas indutivas no prefácio de seu livro Inductive Grammar, afirmando ser de

suma importância o trabalho com os alunos, de modo que estes pudessem fazer suas

próprias deduções (MICHAEL, 1987).

Com a introdução de conceitos de valorização da participação dos estudantes no

processo de ensino-aprendizagem, o desenvolvimento dos métodos de ensino de línguas se

direciona para o desenvolvimento de abordagens que focam a comunicação e interação

entre os alunos. Entre esses métodos destaca-se: Suggestopedia, Total Physical Response

(TPR), Task-Based Learning (TBL), Lexical Approach, bem como o Communicative

approach, ou Abordagem Comunicativa20, desenvolvida a partir da década de 1970 e

20 De acordo com a abordagem comunicativa, todo processo de a aprendizagem deve estar centrado no aluno, sendo objetivo do professor trabalhar as competências comunicativas em sala de aula. De acordo com Almeida Filho (1998, p. 42), “ser comunicativo significa preocupar-se mais com o próprio aluno enquanto sujeito e agente no processo de formação através da LE. Isso significa menor ênfase no ensinar e mais força para aquilo que abre ao aluno a possibilidade de se reconhecer nas práticas do que faz sentido para a sua vida, do que faz diferença para o seu futuro como pessoa”.

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marcada pela valorização da fala e da aprendizagem do idioma de forma contextualizada e

interativa.

5. Os aspectos culturais do ensino de Inglês

O ensino de Inglês, levando-se em consideração seus aspectos culturais, não pode ser

desvinculado de suas finalidades de ensino. Até 1880, segundo Doyle (1989) e Eagleton

(2006), o ensino da Língua e da Literatura Inglesa estava relacionado à educação de moças,

ocupando um papel pequeno entre a classe masculina, que se detinha nos estudos dos

clássicos e das matemáticas. Desse modo, apesar de o Inglês passar a ser utilizado nas

escolas, as matérias mais valorizadas continuavam sendo as Línguas Latina e Grega. Em

decorrência da valorização do vínculo entre língua e cultura, o ensino de Inglês pode ser

analisado em termos de (re)orientação de funções sociais, inscritas no texto impresso.

Para o entendimento da noção que o termo “cultura” assumiu ao longo dos séculos, é

de fundamental importância a análise dos trabalhos de Raymond Williams (1921-1988), ao

relacionar o modo pelo qual esse jargão foi utilizado e suas concepções sobre os conceitos

que essa palavra traz. Raymond Williams, segundo Cevasco (2001), opõe-se às ideias

elitistas sobre cultura que estejam focadas em uma visão aristocratizante, ou seja, de

reprodução de comportamentos de “pessoas distintas”, incorporando à sua análise conceitos

sociológicos e históricos. Dessa forma, Williams defendia um conceito de cultura sem estar

esta vinculada a sistemas econômicos, técnicos ou sociais. A cultura seria uma experiência

ordinária, capaz de representar significados pertencentes a uma determinada sociedade

humana, e de reproduzir modos de vida, através de uma produção artística e intelectual. A

cultura, segundo essa concepção, deve ser interpretada em relação aos modos de produção,

não como mera reprodução de um sistema de base e supraestrutura, mas como

desenvolvimento de uma consciência capaz de produzir padrões sociais.

Em sua obra Marxismo e Literatura, Williams (1977) analisa a proposição marxista

da existência de uma base determinante e de uma superestrutura determinada, sugerindo o

estabelecimento de uma relação fixa e definida. A superestrutura seria, dessa forma, a parte

legal e política da sociedade, detentora de todo o poder econômico-cultural sobre as classes

proletárias. Segundo essa teoria, a revolução social começaria quando os homens tomassem

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consciência da exploração sofrida e a combatessem, utilizando, para tal, a religião, estética

e filosofia. Conforme referenciado por Williams (1977), esse modelo base x superestrutura

é simplista e determinista, prevendo apenas a posição econômica como direcionadora de

todas as manifestações culturais existentes e indicando os padrões da classe dominante

como culturalmente aceitos.

Williams (1958) analisa as concepções assumidas pela palavra cultura ao longo dos

tempos no seu livro Cultura e Sociedade. A partir do século XIX, esse termo passou a

significar um “habito da mente”, o que fez com que a diferenciação entre cultura “culta” e

de “massa” se tornasse imprópria. As transformações sociais originadas em decorrência da

democracia e da indústria fazem com que os sujeitos estejam sempre reunidos em torno de

hábitos e práticas comuns, características de sistemáticas de vida e não de supostas

genialidades que algumas classes teriam sobre outras. A cultura seria, dessa forma, um

conceito fundamental para a compreensão que temos de nossas vidas e relacioná-la a uma

simples questão econômica e política seria, em última análise, desconsiderar a influência da

realidade social para com a constituição de hábitos e valores dos indivíduos. “A cultura não

era uma resposta simplesmente aos novos métodos de produção, à indústria. Ela vai muito

além, relacionando-se aos novos modos de relação pessoal e social”21 (WILLIAMS, 1958,

p. XVI).

Em seu livro Cultura, Williams (2000, p. 14) afirmou estar o estético sempre

associado ao coletivo, por considerar ser a experiência um fato social e material, que, por

acontecer em blocos, nasce em uma “estrutura de sentimento”, ou seja, ligada a um modelo

discursivo de política cultural, defendendo a existência de uma verdadeira sociologia da

cultura – preocupada com “as práticas e a produção culturais manifestas”. A cultura passa,

nesse novo contexto, “a incluir não apenas as artes e as formas de produção intelectual

tradicionais, mas também todas as “práticas significativas” – desde a linguagem, passando

pelas artes e filosofia, até o jornalismo, moda e publicidade – que agora constituem esse

campo complexo”.

Discutindo esse processo de (re)produção cultural, Doyle (1989, p. 18-9) reconhece o

poder das escolas na inculcação de um sentimento de responsabilidade moral e patriótica no

21 culture was not a response to the new methods of production, the new Industry, alone. It was concerned, beyond these, with the new kinds of personal and social relationship (texto original).

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aprendiz, uma vez que “o ensino nas escolas tem sido um procedimento bastante

‘mecânico’ para influenciar as subjetividades das crianças nas maneiras consideradas como

corretas”22. Ao analisarmos os materiais utilizados para o ensino de Língua Inglesa, por

exemplo, percebemos a preocupação com o conteúdo abordado. Até o Século XVIII, são

comuns os textos doutrinais, utilizados não somente com o intuito de fornecer estruturas

gramaticais para análise, mas também como fonte de modelos morais a serem seguidos.

Hébrard (2002, p. 43), ao referir-se ao modo pelo qual a alfabetização ocorreu na

França, reforça essa preocupação geral com o conteúdo encontrado nos livros,

especialmente nos do século XVI. Segundo o autor, era importante instruir o aluno nas

“verdades da religião”: “ Era preciso fixar a ‘letra’ da doutrina e fazê-lo memorizar

exatamente, de maneira que os fiéis não considerassem verdadeiras as proposições heréticas

ou sacrílegas”. Scholes (1998) também compartilha da opinião de que a religião esteve

diretamente associada ao ensino, afirmando haver uma forte relação entre cristandade e

Literatura. Como exemplo, o autor cita o fato de o primeiro professor de Língua Inglesa e

Literatura da Inglaterra, Thomas Dale (1828), ter sido um ministro que, durante sua prática

de ensino, tentou usar textos literários para inculcar virtudes cristãs. Oliveira (2006), como

já foi observado, comprovou que os primeiros professores de Língua Inglesa do Brasil

também pertenceram a cargos eclesiásticos, destacando os nomes dos padres John Joyce,

nomeado em 1809, e Guilherme Tillbury, nomeado em 1823. Através da Decisão

responsável pela institucionalização do ensino de Inglês no Brasil, é constatada a

preocupação da época com a imitação dos modelos virtuosos, essenciais para a preparação

da mocidade brasileira.

Até o século XIX, é comum a busca de modelos morais a serem seguidos, de modo a

reforçar a cultura da imitação dos clássicos e reprodução de modelos e costumes

considerados como detentores de alto valor. No século XX, no entanto, com a disseminação

da abordagem comunicativa, os aspectos culturais dos países não falantes da Língua Inglesa

são respeitados e valorizados e a busca pela imitação perde cada vez mais a força e

importância. Falar em cultura, nesse novo contexto, é, segundo Kramsch (1998), encontrar

um espaço pessoal formado através da interação de realidades culturais diferentes, aceitar

22 “schooling has proved too ‘mechanical’ a procedure for influencing the pupils’ subjectivities in the approved manner” (texto original).

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as diversidades e trabalhá-las em sala de aula, na medida em que o contato com novas

culturas e experiências fornece subsídios para se trabalhar as características de seu país, ao

mesmo tempo em que fortalece o respeito pela cultura do outro. Tavares e Bezerra (2009, p.

231) compartilham do pensamento de Kramsch, ao afirmarem que “o elemento cultural

pode ajudar na aprendizagem de uma língua estrangeira o aluno a respeitar os pontos de

vista do outro e, ainda, a entender os aspectos lingüísticos que estão, extrinsecamente,

ligados às questões culturais”.

Nessa nova proposta de aprendizagem de uma língua estrangeira, o contato com

culturas diferentes se constitui em conteúdo a ser trabalhado em sala de aula, não se

aceitando mais as concepções de ensino de língua estrangeira dos séculos XVIII e XIX, que

advogavam um modelo neoclássico baseado na imitação dos clássicos e na procura por

padrões de moral e bons costumes a serem seguidos.

6. Os aspectos políticos do ensino de Inglês

Como consequência da discussão sobre a institucionalização do Inglês como

disciplina, é importante tecer alguns comentários sobre as ideias de Goodson (1990), no

que se refere à constituição de disciplinas escolares e acadêmicas e à formação do

currículo. O autor, ao discorrer sobre a construção histórica do currículo, deixa claro não

ser este resultante de opções culturais, e sim um produto relacionado a dimensões sociais e

políticas. Goodson (1997, p. 64) sintetiza as principais características desse processo,

enfatizando que “o debate sobre o currículo pode ser interpretado em termos de conflitos

entre as matérias em relação aos seus status, fontes e territórios”.

Desse modo, as disciplinas escolares assumem um poder formativo capaz de delinear

os objetos de ensino, de modo a representar comunidades autônomas independentes das

disciplinas acadêmicas. Para o autor, é equivocado o pensamento de que as disciplinas

escolares sejam, em última análise, simplificações de conhecimentos produzidos nas

universidades:

Ao questionar a visão de consenso de que as matérias escolares derivam das “disciplinas” intelectuais ou “formas de conhecimento” é outra vez importante focalizar o processo histórico através do qual as matérias escolares surgem. Essa investigação pode fornecer evidência de uma disparidade considerável entre as

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mensagens políticas e filosóficas que buscam explicar e legitimar a “tradição acadêmica” das matérias escolares e o detalhado processo histórico através do qual as matérias escolares são definidas e estabelecidas (GOODSON, 1990, p. 234).

Um exemplo da autonomia das disciplinas escolares frente às acadêmicas é obtido

quando analisamos o modo pelo qual o ensino de Inglês foi institucionalizado no Brasil.

Tendo como finalidade prática preparar jovens para o exercício dos cargos da corte, através

do contato com livros escritos em Inglês e Francês, D. João VI sentiu a necessidade de criar

uma cadeira de Língua Inglesa e orientar os professores nomeados a produzir compêndios a

serem utilizados durante as aulas. Em tal contexto, é impossível associar esse ensino de

língua a simplificações de conhecimentos acadêmicos, uma vez que foi a própria

necessidade da época (utilização do Inglês com finalidades instrumentais voltadas para o

comércio e para as fortificações) que norteou todo o processo de constituição da disciplina

Língua Inglesa, bem como dos conteúdos a serem ensinados, numa prova irrefutável da

força da escola na preparação e organização do conhecimento utilizado nos “estudos

menores”, ou elementares (OLIVEIRA, 2006).

Não podemos, seguindo as assertivas de Goodson (1990), esquecer que o

questionamento sobre o modo pelo qual o ensino escolar foi consolidado está associado a

questões políticas e, consequentemente, à legislação existente, como fez Oliveira (2006), ao

analisar a legislação do século XVIII e XIX, que regulava e institucionalizava o ensino de

Inglês no Brasil oitocentista.

Falar sobre as histórias do ensino de Inglês, dessa forma, significa: 1) fazer um

levantamento do modo pelo qual o Inglês assumiu um status de disciplina, sobrepondo-se

ao estudo do Latim e do Grego; 2) analisar o processo de ensino da língua, partindo das

suas partes menores até as mais complexas, bem como a confecção de spelling books e

compêndios em geral; 3) verificar a importância dada aos textos a serem utilizados em tais

livros e que serviram de modelos de moral a serem seguidos; 4) acompanhar o processo de

institucionalização do ensino de Inglês, de suas literaturas e de seus métodos de

aprendizagem; e 5) investigar a legislação vigente sobre tais ações educativas e os materiais

de ensino utilizados. Sem uma análise que contemple todas as vertentes relacionadas à

história do ensino de Inglês, não sairemos de uma visão simplista das relações entre ensino

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de línguas e educação, tomando apenas um pressuposto teórico e partindo para

generalizações.

Nenhuma das vertentes referentes à história do ensino de Inglês é, por si só, capaz de

responder satisfatoriamente a todas as perguntas levantadas sobre as motivações históricas

do ensino de línguas. Ao pesquisar uma gramática do século XVIII, por exemplo, é de

fundamental importância analisar o modo pelo qual os conteúdos gramaticais são

organizados e explicitados, suas condições de produção e circulação, assim como os tipos

de exercícios propostos. Convém, da mesma forma, observar o contexto no qual o

compêndio está inserido e as concepções metodológicas da época estudada, sendo

importante, para tanto, a análise dos prefácios e notas de editor e da relação estabelecida

entre ensino de um idioma e os textos e autores selecionados, ressaltando-se, também, a

importância em se estudar a legislação e as motivações sociais e políticas vigentes.

Somente através de uma análise mais detalhada é possível se chegar a uma maior

aproximação entre a história do ensino de uma língua em sua correlação com os anseios de

uma época.

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CAPÍTULO II

AS REFORMAS POMBALINAS

E O ENSINO DE INGLÊS

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Para entender a institucionalização do ensino de línguas no Brasil é preciso investigar

o modo pelo qual o Latim perdeu forças e status de língua oficial e o vernáculo assumiu

papel de destaque na educação da colônia, devendo, para tanto, ser analisada a forma

utilizada pela corte portuguesa para tratar das Línguas Latina e vernacular ao longo do

tempo.

Até a primeira metade do século XVI, a educação de meninos e meninas, em

Portugal, estava nas mãos de leigos e pessoas totalmente desqualificadas, sem nenhum

preparo para a função, conforme atesta João de Barros (1496-1570) em seu Diálogo em

louvor da Nossa Linguagem: “Qualquer idiota e não aprovado em bom viver poer escola de

ensinar meninos. E um sapateiro, que é o mais baixo ofício dos mecânicos não Poe tenda

sem ser examinado” (apud HUE, 2007, p. 55). Tal situação começou a ser modificada com

a expansão ultramarina e o avanço dos territórios portugueses para além-mar. A educação

das colônias conquistadas passou para a responsabilidade da Companhia de Jesus, que,

desde 1540, durante o reinado de D. João III, estabeleceu-se na América portuguesa. Em

seu projeto de ensino, os padres jesuítas sistematizaram a atividade docente da época,

utilizando, para tanto, o Ratio Studiorum, caracterizado, segundo Correr (2006) pela

valorização do humanismo renascentista no curso de Humanidades e o aristotelismo de

Santo Tomás de Aquino (1225-1274) no ensino de Filosofia e Teologia.

Com a edição final datada de 1599, o Ratio Studiorum serviu de normatização dos

colégios até a supressão da Companhia de Jesus, em 1773. O Plano era formado por um

conjunto de regulamentações a serem seguidas por todos àqueles relacionados às atividades

educativas, referindo-se às normatizações dos provinciais, reitores, prefeitos de estudos,

professores e alunos. A concepção pedagógica contida neste manual se caracterizou pela

apresentação de uma “visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como

constituído por uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência

particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser

humano”, uma vez que, por ter sido moldado à semelhança de Deus, a homem tem uma

essência divina (SAVIANE, 2005, p. 6).

No documento do Ratio, de acordo com Julia (2001), foi delineado um programa de

lições e exercícios graduados, que, partindo-se do curso de teologia, contemplava o ensino

da infima grammatica, ou seja, explicações gramaticais detalhadas. Todos os papéis

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desempenhados pelas pessoas que, direta ou indiretamente, estão envolvidas no processo

educativo são apresentados, incluindo o detalhamento de toda a hierarquia de funções e de

poderes da escola.

1. Marquês de Pombal: um Déspota Esclarecido

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), nascido em Lisboa, esteve desde

cedo envolvido em assuntos da corte portuguesa, tendo sido enviado à Áustria, mais

especificamente Viena, em 1745, a serviço da Corte Portuguesa. Em função do bom

desempenho e das amizades conquistadas, Sebastião José é convidado, em 1750, para o

ministério do então empossado rei D. José I.

Para Falcon (1993, p. 132), o despotismo esclarecido deve ser analisado em seu

verdadeiro contexto, ou seja, o da ideologia ilustrada e da sua consequente prática

reformista. “Nela, o Estado e os governos são entendidos como simples meios de se

alcançar os fins propostos, entre os quais avulta a felicidade ou utilidade para o maior

número de pessoas”. Maxwell (1997, p. 1) afirma que não há como dissociar a imagem de

Portugal do século XVIII com a figura do Marquês de Pombal, uma vez que, para muitos,

foi ele quem governou o país e não o rei D. José I. Sebastião José foi “uma grande figura do

despotismo esclarecido, comparável a Catarina II da Rússia, a Frederico II da Prússia e a

José II da monarquia austríaca”.

Uma comprovação do despotismo de Pombal pode ser obtida ao se analisar o

conjunto de suas ações, com a clara intenção de promoção do Estado através da política

propagandística utilizada para reforçar as ideias difundidas e os feitos alcançados. Como

exemplo desses feitos destaca-se o texto de propaganda conhecido como Dedução

cronológica e analítica (1767-8), que tem Pombal como um dos responsáveis pela

formulação do texto, que procura justificar o caos em Portugal como um efeito dos

desmandos dos jesuítas. Diante do exposto, não se pode colocar apenas D. José I como

único déspota dessa fase da história de Portugal.

Durante o período em que esteve no poder, Pombal esteve diretamente relacionado às

ações verificadas em Portugal e suas terras além-mar. As experiências que teve quando, a

serviço de seu país, esteve em diversas localidades da Europa, especialmente em Viena,

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puderam ser visíveis durante o tempo que esteve em poder, conforme comprovado ao se

verificar que os conceitos educativos empregados nas reformas desse período tiveram

influência direta dos estrangeirados com quem entrou em contato. Suas ordens foram

inquestionáveis e as punições para quem não o seguia severas: “Com sua vontade poderosa

e sua crueldade, Pombal foi capaz de mobilizar [...] escassos recursos humanos e logrou pôr

em prática uma série de medidas extraordinárias” (MAXWELL, 1997, p. 116).

Sua influência pode ser melhor verificada após o terremoto de novembro de 1755,

seguido de um incêndio que teve a duração de seis dias. O então ministro de Portugal

conseguiu grande visibilidade no reinado de D. José I por ter sido o único dos ministros de

Estado, segundo Teixeira (1999), a amparar e ajudar o rei na reconstrução de Lisboa,

processo este que durou cerca de 5 anos e que foi utilizado por Pombal, durante todo o seu

governo, como um dos grandes motivos de propaganda dos seus feitos.

Entre suas principais ações, pode-se destacar a criação das grandes companhias de

comércio, através das quais eram concedidos monopólios comerciais, privilegiando a alta

burguesia portuguesa. Em consequência de seus atos administrativos, Sebastião criou

escolas para comerciantes: “o comércio passou a ser considerado profissão nobre, e a

burguesia atingiu benefícios antes reservados às elites de sangue” (TEIXEIRA, 1999, p.

39). Essa preocupação com o comércio também foi observada no século seguinte, segundo

Oliveira (2006), quando da preocupação de D. João VI em reestruturar o Brasil, com a

criação de Aulas de Fortificações e de Comércio.

Em 1759, o rei concedeu a Sebastião José o título de Conde de Oeiras, pelos serviços

prestados durante o processo de investigação e julgamento dos supostos culpados da

tentativa de assassinato de D. José I, em 1758. Pombal se utilizou do processo contra os

Távoras para “dar uma lição a todos os demais nobres e fidalgos que se atrevessem a cruzar

os seus caminhos”. O nome Távora foi proibido em todo o reino, os brasões foram

destruídos e o local da execução dos membros da família foi salgado para que nenhuma

plantação ali crescesse (NORTON, 2008, p. 8).

Nova condecoração foi alcançada em 1769, quando Sebastião tinha 71 anos, através

da obtenção do título de Marquês de Pombal. Segundo Maxwell (1997, p. 2), “essa

condição nobre não foi recebida como herança, mas obtida como recompensa por serviços

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prestados ao monarca e ao Estado português”, uma vez que todos os títulos conseguidos por

Sebastião foram obtidos por merecimento.

As reformas pombalinas da instrução pública repercutem o momento pelo qual a

“Europa polida” passava e Portugal precisava se adequar: o da ênfase na educação. Essa

política educacional defendida pelo gabinete de D. José I é, em última análise, um dos

aspectos do iluminismo português, uma vez que este pode ser classificado, segundo o Prof.

Cabral de Moncada, como

essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era, não revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o francês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e humanista. Era o iluminismo italiano: um iluminismo essencialmente cristão e católico (apud CARVALHO, 1978, p. 26).

Com o afloramento dos ideais iluministas, no século XVIII, era notória a necessidade

do Estado em centralizar seu poder e diminuir a influência da Igreja sobre a sociedade da

época. D. José I, considerado como Déspota Esclarecido, defendia um iluminismo diferente

dos padrões franceses, ao reforçar a importância da religião e a sua submissão ao poder do

Estado. Para Schwarcz (2002, p. 83), o iluminismo pombalino, “aplicado à educação não

implicou o final da Inquisição e a entrada de novas ideias não levou ao final da censura e do

cerceamento das práticas individuais”.

O Marquês de Pombal foi, por diversas vezes, acusado de ser herege e de ir de

encontro aos preceitos da Igreja, mas, conforme atestado na Dedução Cronológica (1767-

8), as reformas delineadas pelo Marquês consistiam, na realidade, em uma “tentativa de

conduzir, numa harmonia de interesses, conjuntamente, a República e a Igreja pelo

caminho do progresso, material e espiritual, da nação lusitana” (CARVALHO, 1978, p. 49).

Seu projeto se constituiu, na realidade, em uma ação que visava a secularização das escolas

portuguesas e a retomada do crescimento português, estagnado, segundo Sebastião José,

devido às ingerências da Companhia de Jesus. A preocupação com a educação é o ponto

central da política pombalina, podendo-se até mesmo atribuí-la a um “valor quase mágico”,

o que faz com que haja a necessidade em criar escolas e estruturá-las, de modo que um

ensino sob a égide do Estado pudesse ser estabelecido (FALCON, 1993, p.113). A fé na

educação, dessa forma, era um pressuposto norteador, não só das reformas pombalinas da

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instrução pública, mas, principalmente, do Iluminismo, uma vez que, para os pensadores da

época,

A educação é o valor instrumental supremo; panacéia só ela capaz de abrir caminho à elevação da plebe, essa plebe que representa afinal a negação do espírito ilustrado, mas ao mesmo tempo a perspectiva de superação dessa mesma negação. [...] A Ilustração aparece-nos assim, claramente, como uma ideologia na qual se afirmam as principais categorias da sensibilidade intelectual do século XVIII: cultura, civilização, progresso, educação da humanidade (FALCON, 1993, p. 98-100).

A passagem pela Inglaterra e Áustria fez com que, segundo Teixeira (1999),

Sebastião José entrasse em contato com as ideias iluministas da Europa e os conceitos que

valorizavam a constante busca pela verdadeira “felicidade” da nação, conseguida, por

exemplo, através da política, das artes e da educação. Assumindo uma postura de “Déspota

Esclarecido”, o marquês, através de sua política linguística e educacional, modernizou o

Estado português, na medida em que fortaleceu a Língua Nacional e consolidou bases

conceituais mais práticas para o ensino.

Os ilustrados, como eram conhecidos todos aqueles que incorporaram as ideias

iluministas, reconheciam a necessidade em se valorizar as línguas clássicas para a formação

“do espírito humano; todavia dedicaram uma atenção muito intensa às Línguas Vivas e a

um amplo emprego delas na educação da juventude, precisamente com o fim de fazê-lo

totalmente útil para os fins de formação”. Com a colocação do Latim como fonte de

exercício mental e não mais como base de todo o conhecimento, as línguas nacionais

passaram a ter um status de necessárias, principalmente para a expressão no vernáculo

pudesse ser assegurada (FALCON, 1993, p. 117).

Pombal sempre foi considerado um homem culto, de grandes ideias e de importância

política incomparável no reino português. Reis Lobato, na nota introdutória de sua Arte da

Grammatica da Lingua Portugueza, reconhece a notoriedade de Sebastião José, ainda no

século XVIII, ao afirmar ser de conhecimento de todos a sua “mais perfeita sciencia dos

princípios da língua Portugueza, pelo fallar com toda a pureza, e propriedade de termos,

como testificão os doutissimos escritos, com que V. EXCELLENCIA tem illustrado a

republica de letras” (LOBATO, 1771, p. vii).

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O conhecimento das Letras que possuía e a comprovada preocupação com o

fortalecimento da Língua Nacional fizeram com que Pombal se preocupasse com a

estruturação da educação em Portugal e suas colônias. Dessa forma, de acordo com o

Alvará de 1759, ficou determinado que o ensino de línguas, fossem elas materna ou

estrangeiras, deveria estar sob a responsabilidade dos Professores Régios, utilizando-se,

para tanto, gramáticas indicadas pela Real Mesa Censória. Os ditos professores seriam,

dessa forma, obrigados a produzir gramáticas concisas e claras, sem explicações e

aprofundamentos desnecessários.

2. O Mecenato Pombalino

Em decorrência da valorização acentuada que Pombal dava ao ensino e à cultura,

percebe-se uma preocupação com a propagação dos seus ideais através de dedicatórias

feitas por escritores portugueses e brasileiros, que exaltavam seus grandes feitos, seus atos

administrativos e a ascensão de Portugal.

Uma das dedicatórias mais exaltadas à Sebastião José de Carvalho e Melo foi feita

por Francisco José Freire (1719-1773), na tradução da Arte Poética de Horácio Flaco, em

1758, comparando Sebastião José ao próprio Horácio, ou até mesmo a Deus, de modo que

esta pode ser considerada como a obra iniciadora do “mecenato pombalino” (TEIXEIRA,

1999).

Uma outra dedicatória de grande valor para a exaltação de Pombal é verificada na

tradução feita por Custódio José de Oliveira do livro grego Tratado Sublime, publicada em

1771, a qual exalta os feitos de Sebastião José, afirmando dever ele “alumiar os Escritores

Portugueses, indignos, por certo de serem tiranizados com as trevas da ignorância” (apud

TEIXEIRA, 1999, p. 92).

A Arte Poética escrita em 1759 por Francisco José Freire apresenta o Marquês de

Pombal como tema central, listando, na dedicatória, as principais características do

ministro: “perseverança no trabalho, dedicação ao bem-estar do povo, ânimo a mesmo

tempo severo e doce, estabelecimento de um sólido comércio em Portugal, instalação da

industria manufatureira, criação de leis justas, reconstrução de Lisboa e defesa da vida do

rei” (apud TEIXEIRA, 1999, p. 71). Algum tempo após a publicação dessa obra, ainda em

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1759, Sebastião José é nomeado Conde de Oeiras, construindo, a partir de então, um

verdadeiro projeto de propaganda dos seus feitos culturais.

Ainda conforme o mesmo autor, quase todos os poetas luso-brasileiros do século

XVIII participaram dessa atitude propagandística, e autores como José Basílio da Gama

(1740-1795), Manoel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814) e Francisco de Melo Franco

(1757-1823) estavam constantemente referendando os grandes feitos de Pombal. A tradição

da historiografia da Literatura Brasileira dificilmente reconhece o mecenato pombalino,

analisando as obras compostas nesse período como sendo tipicamente nacionalistas e

contemplativas do que se convencionou chamar de “indianismo” (Teixeira, 1999).

Basílio da Gama é considerado o grande poeta pombalino, tendo sido responsável

pela introdução de mais dois poetas brasileiros, Manoel Inácio da Silva Alvarenga e Inácio

José de Alvarenga Peixoto (1744-1793). Também podem ser incluídos nessa relação nomes

como os de Claudio Manoel da Costa (1729-1789) e Tomaz Antonio Gonzaga (1744-1810),

caracterizados por “não só confirmar as idéias regalistas de Pombal, mas também por

interpretar o ministro como modelo de virtude civil e de ação política” (TEIXEIRA, 1999,

p. 51)23.

De acordo com Montalbo (1966), Basílio da Gama foi um noviço da Companhia de

Jesus que, em plena perseguição pombalina, abandonou a ordem inaciana, foi à Roma

tentar nova admissão na Companhia, voltou sem sucesso ao Brasil, onde foi preso e

remetido à Lisboa para ser logo após exilado. É, contudo, liberado da penalidade em

decorrência de um epitalâmio que fez à filha de Pombal em 1769, em homenagem ao

casamento da moça. Louvava Pombal e atacava os jesuítas. Ao invés do exílio obteve a

glória e proteção do Marquês, conseguindo, nesse mesmo ano, publicar o “Uruguay”, texto

de conotação antijesuítica e “inspiração pombalina”.

O Uruguay (1769), de Basílio da Gama, abordou os efeitos da política do ministro de

D. José I na América. O canto quinto enaltece os feitos da obra pombalina, como pode ser

percebido, por exemplo, nos seguintes versos: “Paz, Justiça, Abundância e firme peito, / Isto

nos basta a nós e ao nosso mundo. / […] / Mostra-lhe mais Lisboa rica e vasta, / E o Comércio,

e em lugar remoto e escuro, Chorando a Hipocrisia. Isto lhe basta” (TEIXEIRA, 1999, p. 75). É

impossível qualificar o Uruguay como poema indianista, como muitos críticos literários o 23 Mesmo após a queda de Pombal, ocorrida em 1777, com a morte de D. José I, Basílio da Gama continuou fiel a Sebastião José, dedicando dois sonetos em sua homenagem.

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fazem, desmerecendo a sua ligação com o pombalismo24 e excluindo-o como parte de um

discurso histórico complexo.

O Desertor (1774), de Silva Alvarenga, é considerado o segundo melhor texto da

“celebração pombalina”, destacando o triunfo da entrada de Pombal na Universidade de

Coimbra. Conforme edição atualizada, percebe-se a exaltação de Alvarenga diante dos

feitos de Pombal e sua inestimada contribuição para o desenvolvimento de Portugal:

“Prêmio de seus trabalhos: as Ciências / [...] / E a Verdade entre júbilos, o aclama /

Restaurador de seu Império antigo” (apud TEIXEIRA, 1999, p. 53).

Toda a coroação de Pombal se torna evidente na inauguração da estátua equestre de

D. José I, no dia 6 de Junho de 1775. O busto do Marques de Pombal foi afixado na base da

estátua, firmando a ideia de que o ministro deveria ser considerado como a base de todo o

império português. “Quando a estátua foi descoberta em cerimônia cuidadosamente

preparada por Pombal, todos puderam ver o cavalo do rei esmagando com as patas um

ninho de víboras. Não haveria contemplações para os seus inimigos (NORTON, 2008, p.

70). Segundo Maxwell (1997), esta escultura tinha um grande valor para Pombal, muito

mais acentuado do que para o próprio rei. Essa festa de inauguração durou três dias, e

contou com carros alegóricos, músicas, fogos, iluminação e comida. D. José I, no entanto,

não demonstrou muito interesse por essa celebração e assistiu a tudo mantendo certa

distância. Norton (2008) associa essa ausência à precária saúde do monarca, uma vez que o

rei estava muito debilitado, obeso e detentor de doenças cardíacas e circulatórias. Muitos

membros da corte, em solidariedade à reclusão real, também não compareceram à

cerimônia.

3. Um novo projeto pedagógico

Durante o reinado de D. José I, Sebastião José de Carvalho e Melo torna-se a figura

mais representativa do projeto de reestruturação da educação em Portugal e suas colônias. 24 De acordo com Faoro (1997), o pombalismo ou liberalismo português, como também é conhecido, está relacionado ao absolutismo esclarecido do rei D. José I e do Marquês de Pombal, caracterizado pela existência de um Estado forte, capaz de impor as reformas propostas. A educação é colocada sob a responsabilidade do Estado, e a aristocracia perde a sua força, ao mesmo tempo a burguesia comercial é utilizada para reforçar o poder Estatal. Ao se referir ao pombalismo, Carvalho (1978) ressalta que essa fase está relacionada a todas as ações contidas na sua reforma pedagógica e de estrutração do Estado, ocorridas durante toda a época em que Pombal esteve no poder.

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Seus métodos ficaram conhecidos como “Reformas Pombalinas”, lançadas com a clara

intenção de melhorar as condições econômicas do reino português, bem como possibilitar

melhores condições de competitividade com as nações estrangeiras. O seu planejamento, de

proporções grandiosas, incluía a criação das aulas régias de Latim, Grego, Hebraico e

Retórica, dos cursos militares, das aulas de comércio e do Colégio dos Nobres, de modo a

preparar terreno para o maior de todos os objetivos, a reestruturação da Universidade de

Coimbra, que veio a ocorrer em 1772.

O projeto pedagógico de Pombal, ministro de D. José I, está inserido nos ideais

iluministas do século XVIII, pois, segundo o Alvará de 28 de junho de 1759, “da cultura

das Sciencias depende a felicidade das Monarquias”, mas a sua conservação se daria por

meio da Religião, o que vem a comprovar o interesse de Pombal em desenvolver o Estado

sem desvinculá-lo da religiosidade. Falcon (1993, p. 97) se refere à Ilustração como sendo

um momento ímpar, respaldado nas preocupações com a vida e com a fé na razão. Trata-se,

na realidade, de “todo um movimento intelectual, que vai da superstição à ‘religião

racional’, centrado no nascimento de uma moral laica e onde a liberdade constitui ao

mesmo tempo um direito e um compromisso de luta”.

O projeto pombalino se caracteriza, dessa forma, por suas qualidades absolutistas, ao

reinvidicar para o Estado a educação, tarefa atribuída até então ao poder eclesiástico; e

iluministas, por representar o pensamento moderno, respaldado em “valores e ideais do

passado e da tradição vigente” (CARVALHO, 1978, p. 190). Com essa reforma, segundo

Andrade (1978, p. 190),

de um momento para o outro pretendia-se instaurar o ensino oficial, sob a égide do Estado, que passaria a constituir a única autoridade competente, se não para fiscalizar todo o ensino, mesmo o dos Conventos, pelo menos para imprimir a orientação desejada nesses mesmos estudos e, sobretudo, nas escolas oficiais, em que só lecionariam Professores habilitados com o exame sancionado pelo Soberano (ANDRADE, 1978, p. 36).

Carvalho (1978) e Cardoso (2002) destacam o pioneirismo de Portugal na

administração pública da educação, citando a questão econômica como uma das causas

para essa preocupação, uma vez Sebastião José tinha claros interesses em colocar Portugal

em situação econômica de destaque. A antecipação de Portugal na instauração desse novo

sistema de ensino patrocinado pelo Estado, desse modo,

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não só demonstra o conhecimento que os membros do governo, liderados por Pombal, tinham acerca dos debates travados sobre o tema naquele contexto europeu, como anteciparam-se na aplicação prática de um modelo, que mesmo sendo excludente socialmente, inseria-se claramente nos parâmetros de uma proposta liberal (CARDOSO, 2002, p. 103).

A reformulação pedagógica do ensino, que passava a ficar sob a responsabilidade do

Estado, pode ser ilustrada por questões pedagógicas, respaldadas nos conceitos defendidos

por Amaro de Roboredo (1616) na sua obra Methodo grammatical para todas as linguas, e

reiteradas por Verney (1746) no seu Verdadeiro Método de Estudar. Para esses autores,

todas as línguas possuem a mesma estrutura e, portanto, devem ser estudadas através de

suas similitudes, já que, conhecendo-se as normas gramaticais de um determinado idioma,

seria possível analisar as estruturas das demais línguas. Seguindo-se esses preceitos, as

gramáticas deveriam conter regras simplificadas, de modo que o estudo gramatical fosse

facilitado.

A simplificação de regras gramaticais, aqui referidas, estavam, segundo Verney,

contidas nas orientações das gramáticas latinas de Escalígero (1484-1558), Scioppio (1576-

1649), Vóssio (1577-1649) e Francisco Sanches (1523-1601), e possuíam uma conotação

pedagógica, na medida em que se relacionavam ao modo pelo qual essas regras seriam

repassadas aos discípulos: com suavidade e brandura e sempre na Língua Portuguesa. As

observações de sintaxe contidas na introdução de sua Grammatica latina (1790) guiaram os

oratorianos na concepção do Novo Methodo de estudos, considerando-se que defendiam

que todas as línguas poderiam ser reduzidas às regras gerais e essenciais do Latim

(VERNEY, 1949, p. 158-164).

A suavidade nos processos de ensino e aprendizagem proposta pelo “Novo Método”,

por sua vez, deveria ser agradável aos estudantes, uma vez que as práticas utilizadas

variavam, a depender da idade e do progresso nos estudos de cada classe, em substituição

aos exercícios do sacrifício e mortificação do corpo preconizados pelos jesuítas

(VERDELHO, 1982, p. 17). A Lei do Diretório de 1757, por exemplo, ao orientar os

Diretores sobre os castigos a serem aplicados, solicitou que houvesse um maior cuidado

com as penas, de modo que “nos castigos das referidas culpas se pratique toda aquella

suavidade, e brandura, que as mesmas Leis permittirem, para que o horror do castigo os não

obrigue a desamparar as suas Povoações, tornando para os escandalosos erros da

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Gentilidade” (PORTUGAL, 1830, p. 508). Essa tendência pedagógica foi também

verificada por Franco (2006, p. 6532), ao relatar que

Como nova performance pedagógica global, [Verney] sugere que seja ministrado aos alunos um ensino faseado, adequado às diferentes faixas etárias, aligeirando os conteúdos mais maçudos e densos que fazem com que muitos ganhem aversão à escola e percam o gosto de aprender. Para superar este sistema de ensino rígido, pesado, triste e punitivo do ensino escolástico, advoga o recurso a uma metodologia de ensino atraente, capaz de recorrer a métodos lúdicos e divertidos que façam os educandos ganhar gosto pela aprendizagem. Para uma infusão de uma ainda maior motivação e confiança nos alunos sugere a abolição dos castigos mais severos.

De acordo com Carvalho (1978), Maxwell (1997) e Teixeira (1999), as reformas de

Pombal tiveram como antecedentes históricos e culturais o reinado de D. João V, e, como

peças fundamentais, os alvarás régios, a Relação Abreviada (1757), a Dedução

Cronológica (1767-8) e o Compêndio Histórico do Estudo da Universidade de Coimbra

(1772), todos com a clara intenção de apontar os jesuítas como os responsáveis por todo o

atraso cultural verificado até o século XVIII, podendo inclusive ser considerados como

empecilhos às ideias de avanço que as reformas do Marques de Pombal traziam.25

Desde os primeiros anos do século XVI, os índios passaram por situações diversas,

tendo sido considerados como escravos ou homens livres em diversas etapas da

historiografia brasileira. Em 28 de abril de 1688, de acordo com Lopes (2005), D. João III

assinara um Alvará que liberava a escravidão indígena, proibida em 1680, através da Lei de

Liberdade dos Índios do Maranhão. Apenas os Índios catequizados não poderiam ser

presos em cativeiros, estando, dessa forma, sob a proteção dos jesuítas. Com o Regimento

das Missões, os indígenas aldeados passavam a receber proteção dos missionários, ao 25 Com o reinado de D. João V, segundo Teixeira (1999), teve início a renovação do pensamento em Portugal, com destaque para o surgimento de academias, laboratórios e traduções. Nessa época, vale destacar a publicação de duas obras importantes para a difusão do ideário da governação pombalina: o Verdadeiro Método de Estudar (1746), de Luís Antônio Verney (1713-1792), e a Arte Poética ou Regras da Verdadeira Poesia (1748), de Francisco José Freire (1719-1773). Verney foi o mais ativo estrangeirado português, como eram conhecidos os escritores portugueses que haviam morado por algum tempo na Europa. O Verdadeiro Método de Estudar, publicado em 1746 e reeditado em 1747, é composto de dezesseis cartas destinadas a um doutor de Coimbra, nas quais o autor, com o pseudônimo de Barbadinho da Congregação de Itália, apresentou orientações pedagógicas avançadas para época, como, por exemplo, a defesa do acesso da mulher à Educação. Covém observar que, todas as vezes em que for associada, nesse trabalho, a autoria das reformas pombalinas da instrução pública à figura do Marquês de Pombal e/ou D. José I, subentende-se que estamos nos referindo a todo o conjunto de autores, pensadores e assessores que subsidiaram as referidas reformas, fornecendo informações valiosas para a consolidação dos princípios linguísticos e pedagógicos que foram idealizados e implementados.

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mesmo tempo em que as relações entre índios e colonos passavam a ser asseguradas até a

Lei do Diretório, promulgada em 1757.

O Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará, datado de 1686,

determinava que os religiosos da Companhia de Jesus detivessem o controle espiritual,

político e administrativo dos aldeamentos, o que desagradava enormemente os colonos e a

Coroa Portuguesa, já que, em resposta a esse regimento, Mendonça Furtado criou, em 1755,

a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, e transformou as missões em vilas e

os índios em súditos reais. Essas medidas, evidentemente, não agradaram aos jesuítas. Os

padres, em cartas dirigidas ao governador, argumentavam merecer uma diferenciação de

tratamento, por estarem submetidos diretamente ao papado, e não à Coroa (CARDOSO,

2002).

A Companhia de Jesus, fundada em 1534 por Inácio de Loyola (1491-1556), durante

o reinado do Papa Paulo III (1468-1549), teve como objetivo ser uma instituição de

propagação de fé e evangelização, necessária para combater a expansão do Protestantismo,

uma vez que, com a Reforma Protestante, a Igreja Católica começou a perder muitos

adeptos.

Por não ter rompido com a Igreja católica, nem mesmo durante a propagação dos

ideais iluministas em seu território, Portugal ficou caracterizado como sendo um dos países

mais católicos da Europa, e, como tal, necessário para a manutenção da fé católica. Baseado

nesse sentimento de unidade religiosa, o Pe. Antônio Vieira (1608-1697) chegou a afirmar

que “o português tem obrigação de ser católico e de ser apostólico. Os outros cristãos têm

obrigação de crer a fé; o português tem a obrigação de a crer e mais, de a propagar” (LEITE

apud CALAINHO, 2005, p. 64). Essa era a principal justificativa dos inacianos para atestar

a nobreza das suas ações educativas e missionárias.

Tomé de Souza (1503-1579), primeiro Governador-Geral do Brasil, ao chegar no

território brasileiro, em 1549, trouxe alguns inacianos, liderados pelo padre Manuel da

Nóbrega (1517-1570). Esse Provincial organizou os primeiros aldeamentos utilizados para

a conversão dos indígenas, e fundou, em 1553, o Colégio da Bahia, considerado como o

primeiro estabelecimento de ensino do Brasil (CALAINHO, 2005).

A preocupação com a educação, no entanto, não esteve vinculada a questões

nacionais, uma vez que não houve a preocupação em buscar o fortalecimento da língua

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portuguesa e, muito menos, em assegurar que os índios pudessem falar a língua dos seus

conquistadores. Era uma das regras da Companhia de Jesus que os povos pudessem

aprender a sua própria língua, caso não encontrassem nenhuma utilidade na dos inacianos.

“Ao chegarem os padres ao Brasil, sem deixarem a portuguesa, verificaram que, para atrair

e catequizar os Índios, era indispensável saber a língua deles” (LEITE, 1938, p.35). Essa

constatação fez com que orações e sermões pudessem ser traduzidos na Língua Tupi, e os

ideais da fé puderam ser trabalhados. O Padre José de Anchieta (1534-1597), hábil com a

Língua Geral, ao chegar ao Brasil foi nomeado mestre de Gramática Latina, e, em seis

meses, compôs uma Arte de Gramatica na Língua Tupi, publicada em 1595 em Coimbra.

Trata-se da primeira gramática publicada em Tupi-Guarani. Em 1556, a língua dos índios,

ou brasílica, já era amplamente utilizada para o ensino, e, aqueles padres que não a

dominavam, solicitavam ajuda por enfrentar dificuldades na catequização. Foi o caso do Pe.

Antonio de Sá, responsável pelo ensino na Aldeia da Conceição. Ao encontrar dificuldades

na catequese, e por não dispor de grande conhecimento na Língua Geral, pediu ajuda,

solicitando que, “Se lá tiverem alguma maneira de ensinarem na língua brasílica, mande-

no-la, porque de outra maneira dificultosamente se lhes meterá na cabeça, ainda que lhes

vozeem cada hora e cada momento” (LEITE, 1938, p. 549).

A catequização dos índios esteve, dessa forma, sob a responsabilidade dos inacianos

até o século XVIII quando, durante o reinado de D. José I (1714-1777), algumas ações

foram tomadas com o objetivo de retirar o poder jesuítico e institucionalizar o ensino em

Portugal e suas colônias. Para melhor analisar a situação da colônia brasileira,

principalmente no próspero estado do Grão-Pará, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-

1782), ministro de D. José I, enviou o seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado

(1700-1779), para assumir a posição de governador do Pará em 24 de setembro de 1751.

“As isenções fiscais desfrutadas pelos jesuítas desagradavam particularmente ao irmão de

Pombal, porque um de seus maiores objetivos era construir e financiar uma extensa rede de

fortificações e fazê-lo com os parcos recursos do Tesouro local” (MAXWELL, 1997, p.

72).

Após dois meses de vistoria, Furtado escreveu uma carta ao seu irmão, informando

sobre o estado calamitoso que encontrou, apontando os jesuítas como responsáveis pela

situação, uma vez que, por possuírem o monopólio dos indígenas, mantinham-nos sob uma

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aparente liberdade, o que se constituía em uma deslealdade de condições com os colonos

que aqui se encontravam. Como consequência à utilização deste tipo de mão-de-obra, os

cofres públicos deixaram de receber recursos e o estado perdeu o controle da economia das

drogas do sertão. É perceptível, durante a leitura desta carta, ter sido dada uma ordem pela

coroa para que Mendonça Furtado “estudasse a possibilidade de fazer ‘um novo Regimento’

para ‘civilizar’ os índios”, sugerindo, inclusive, que privilégios pudessem ser estabelecidos

para os casamentos mistos realizados entre colonos e índias (LOPES, 2005, p. 66-67).

Como resposta à insatisfação do Estado Português ao cenário sócio-político-

econômico conquistado pela Companhia de Jesus, e como reiteração da intenção do Estado

em estabelecer laços mais estreitos com os índios, foi promulgado o Alvará de 14 de abril

de 1755. Por essa lei, todos vassalos, tanto os do Reino quanto os da América Portuguesa

Lusitana, que, por ventura, casassem com índios, não deveriam ser difamados, devendo ser

merecedores da atenção real e serem preferidos nas terras em que se estabelecessem. Os

homens brancos casados com índias, bem como os descendentes desse matrimônio, não

poderiam, da mesma forma, ser chamados de caboclos, ou de qualquer outro nome

semelhante. De igual importância podem ser destacadas as duas leis que sucederam o

supracitado alvará: a Lei de 6 de junho de 1755 proibiu a escravidão dos índios no

Maranhão, com a determinação de que as aldeias com um determinado número de índios

devessem ser transformadas em vilas, enquanto que o Alvará de 7 de junho de 1755 aboliu

o poder temporal que os missionários exerciam sobre os índios aldeados (MEDEIROS,

2007). As ações iniciadas em 1755 foram reforçadas em 1757 através da Lei do Diretório,

com a sinalização de que as aldeias deveriam ser governadas pelos Principais, e pelos

brancos, que passariam a ocupar os cargos de Juiz ordinário, Vereador e Oficial de Justiça

das novas Vilas. Ao índio era permitida a participação nesse sistema através da ocupação

de posições tais como as de Oficiais das Ordenanças, Sargentos-mores, Alferes e Meirinhos

(LOPES, 2005).

Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1779), irmão do Marquês de Pombal,

foi o responsável pela redação do Diretório que se deve observar nas povoações dos índios

do Pará e do Maranhão enquanto sua majestade não mandar o contrário, de 1757, que foi

transformado em lei através do Alvará de 17 de agosto de 1758. Em seus 95 parágrafos, o

Diretório trata, entre outros assuntos, da civilização dos índios; da demarcação de

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fronteiras; do povoamento; do cultivo e do comércio; da tributação; das relações de

trabalho dos índios; do casamento e da figura do ‘Diretor’, substituto dos missionários. Este

documento, segundo Andrade (1978), pode ser considerado como o marco inicial do

projeto pedagógico pombalino, em decorrência da imposição do Português como língua

oficial do império, que passou a ser utilizada para o ensino dos índios no Brasil, e da

exclusão dos jesuítas das atividades educativas nas colônias portuguesas. D. José I, ao

justificar a sua luta contra a Companhia de Jesus, critica, através de Mendonça Furtado, o

modo pelo qual os índios foram conduzidos, e a sua total exclusão dos mistérios da

“Sagrada Religião” e dos padrões mínimos de civilidade, cultura e comércio. Seria,

segundo o monarca, necessário “civilizar estes até agora infelices, e miseraveis Póvos, para

que sahindo da ignorancia, e rusticidade, a que se achão reduzidos, possam ser uteis a si,

aos moradores, e ao Estado” (PORTUGAL, 1830, p. 508). Através dos argumentos

apresentados, fica clara a associação feita entre as ações Jesuíticas e a ideia de atraso

cultural e de prejuízo para o Estado26. A expulsão dos padres da Companhia de Jesus se

tornava cada vez mais necessária para que a ordem pudesse ser estabelecida, uma vez que o

modo pelo qual a conversão dos gentis foi pregada pela Companhia de Jesus não

contemplava o projeto pombalino de desenvolvimento do Estado.

O total repúdio às ações jesuíticas foi responsável pela ordem dada por Francisco

Xavier de Mendonça Furtado, ainda em 1757, par a expulsão de 15 jesuítas do Grão-Pará e

Maranhão. Dentre eles destaca-se a figura do padre alemão Lourenço Kaulen (1716-?),

autor da Relação Abreviada das Coisas Notáveis da Nossa Viagem do Desterro do Pará a

Lisboa27. Nesta obra, Kaulen registra os percalços da viagem, a falta de segurança da

26 A tentativa em se utilizar a Língua Portuguesa nas colônias brasileiras é anterior a 1755. Através do Alvará de 12 de fevereiro de 1727, o superior das missões do Estado do Maranhão recebeu a ordem de impor a obrigatoriedade da instrução em língua portuguesa, sob a alegação de que se os alunos utilizarem o Português “poderão receber os mistérios da fé católica, e ter maior conhecimento da luz da verdade, e com esta inteligência melhor executar em tudo o que pertencer ao meu real serviço e terem maior afeição aos mesmos portugueses”. (MARANHÃO, 1948, p. 214). Percebe-se, dessa forma, uma argumentação teológica, ao contrário daquela utilizada no Diretório dos Índios, que apresenta uma justificativa eminentemente política. 27 Nome completo da obra: Relação das coisas notáveis da nossa viagem do desterro do Pará para Lisboa, a qual fizeram dez religiosos da Companhia, Padre Domingos Antônio, Reitor do colégio do Pará, Luiz álvares, Manuel Afonso, Manuel dos Santos, Joaquim de Carvalho, Antônio Meisterburg, Lourenço Kaulen, João Daniel, Joaquim de Barros, Anselmo Eckart; e alguns dez religiosos de São Francisco, na nau chamada Nossa Senhora do Atalaia, no ano de 1757. Esse livro foi objeto de pesquisa da professora de História: Patrícia Domingos Woolley Cardoso, no IHGB – Arquivo 2-3-13. Além dos padres citados no título, havia ainda, segundo Cardoso (2006), o pe. Visitador, Francisco de Toledo, o pe. Reitor do Maranhão, José da

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embarcação e a vileza de Mendonça Furtado. As condições precárias de higiene foram

narradas, bem como as acomodações nada confortáveis, uma vez que tinham que ficar boa

parte do tempo em pé. “Pior que qualquer prisão; o fedor, bafo, e hálito de tanta gente

criava nojo, e enjôo, nem tínhamos um moço próprio que nos servisse” (CARDOSO, 2006,

p. 4).

Analisando-se todo o Diretório, percebe-se que somente uma vez a palavra “vassalo”

foi utilizada em referência ao índio, ao atestar que, ao conviver nas vilas, seguindo as

orientações do Estado, os índios poderiam usufruir dos benefícios de serem vassalos da Sua

Majestade. Essa posição, no entanto, esteve, durante todo o teor da Lei do Diretório,

diretamente relacionada à existência de poucos direitos e de uma série de deveres,

minuciosamente acompanhados pelos Principais.

O poder que a Companhia detinha na época da expulsão dos jesuítas pode ser

comprovado quando, de acordo com as análises de Fávero (2005), constata-se que os

inacianos possuíam sob sua responsabilidade, além de escolas de ler e escrever e

seminários, vinte e cinco residências, dezessete colégios, trinta e seis missões.

A análise do “Diálogo sobre a Conversão do Gentio”, escrita, em 1556, pelo Padre

Manuel da Nóbrega, nos dá uma ideia de como os índios e negros eram tratados pelos

jesuítas e quais eram as preocupações educativas desses padres. Nóbrega mostra, através do

diálogo entre Alvarez e Nogueira, que Deus desejava salvar os Índios com a ajuda dos

jesuítas. Os índios eram vistos como “bestas” e “cães” “incarniçados em matar e comer,

que nenhuma outra bem-aventurança sabem desejar; pregar a estes, hé pregar em deserto há

pedras” (NOBREGA, 2006, p. 2), uma vez que não creem em nada, e somente o trabalho

religioso seria capaz de salvá-los através da conversão. Apesar das dificuldades

encontradas durante a catequese, Nóbrega procurou, através desta obra, incentivar seus

companheiros a não desistir desta tarefa nobre e possível. O mesmo, segundo o padre, não

poderia ser dito em relação aos negros, que nem sequer podiam ser comparados a corvos, já

que estes “se crião e amanção e ensinão, e estes (os negros), mais esquecidos da criação que

os brutos animais, [...] nenhum respecto tem ao amor e criação que nelles se faz”

(NOBREGA, 2006, p. 3). O Diretório dos Índios de 1757 proíbe a “vileza” e infâmia em se

Rocha, o pe. Luiz da Oliveira, o pe. Procurador geral das Missões no Pará, Antônio Moreira, além do missionário no Maranhão: o Pe. David Fay.

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empregar a palavra “negro” ao se referir aos índios, por ser considerada uma ofensa

gravíssima e animalesca, já que “a natureza os (negros) tinha destinado para escravos dos

Brancos” (PORTUGAL, 1830, p. 510).

De acordo com Fávero (2005), o que inicialmente motivou a criação da Lei do

Diretório foi a necessidade identificada pela coroa em defender o imenso território

brasileiro, constantemente ameaçado por nações estrangeiras, como a holandesa, por

exemplo, que, em 1630, tentou conquistar o nordeste do Brasil. Além das questões

territoriais, era de suma importância a imposição da Língua Portuguesa. Com essa ação,

havia a intenção de transformar os índios em vassalos iguais aos demais colonos da coroa, o

que seria estratégico para o reinado de D. José I, em consequência do grande número de

conflitos territoriais observados entre Portugal e Espanha. Para assegurar o território

conquistado, Portugal deveria “possuir um contingente populacional suficiente para habitar

as suas fronteiras, garantindo assim a permanência dos seus domínios” (GARCIA, 2007, p.

26). Com a transformação em súditos da corte, os índios, então miscigenados, poderiam

ocupar o vasto território brasileiro e manter a extensão territorial anteriormente

conquistada.

Para fixar bases teóricas para a decisão do rei, o Diretório dos Índios utilizou

explicações históricas de modo a justificar a atitude extrema contra os religiosos. Segundo

Francisco Xavier, todas as “Nações polidas do Mundo” tomaram a sábia decisão de impor a

Língua Nacional aos povos conquistados, de modo a unificar o Estado e gerar um

sentimento de pertença entre esses povos. A associação entre língua e o estabelecimento de

laços afetivos capazes de formalizar um sentimento de nação foi mencionada por Renan

(2008) como sendo essencial na identificação dos fatores capazes de influenciar na

formação de um sentimento de nacionalidade.

Os jesuítas, ao invés de impor a Língua Portuguesa sobre os índios, criou novos

códigos linguísticos, sob a denominação de “Língua Geral”, que, segundo o irmão de

Pombal, deveria ser considerada uma “invenção verdadeiramente abominável e diabólica”,

que serviu unicamente para afastar os índios da cultura e do Estado e colocá-los em um

estado de vida rústico e de total sujeição (PORTUGAL, 1830, p. 509).

Para os jesuítas, o Latim deveria ser a língua de escolha para o ensino, por ter sido

eleito pelo cristianismo para a propagação da palavra de Deus. Como primeira etapa para

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esse ensino em terras brasileiras, os jesuítas optaram por aprender a língua dos índios (o

tupi-guarani) e organizar uma gramática em uma língua geral, que pudesse atingir as

línguas profanas aqui encontradas. Como resultado dessa prática pedagógica, o padre José

de Anchieta (1534-1597) publicou, em 1595, a Arte de Gramática da lingoa mais usada na

costa do Brasil, de modo a ensinar a língua tupi e utilizá-la para a mediação da

aprendizagem da língua latina e consequente conversão ao catolicismo (ORAZEM, 2006).

Com a destituição do ensino jesuítico, o Diretório de 1757, em nome da restauração

da civilidade, defendeu a instauração de duas “Escolas”, com o claro objetivo de educar a

mocidade para a doutrina cristã: uma para o ensino dos “Meninos”, na qual o “Mestre”

estaria encarregado de ensiná-los a ler, escrever e contar; e outra para a educação das

“Meninas”, na qual uma “Mestra” teria a função de repassar conhecimentos relativos às

atividades de “ler, escrever, fiar, fazer renda, custura, e todos os mais ministerios proprios

daquelle sexo” (PORTUGAL, 1830, p. 509). Os índios não precisavam ficar por muito

tempo nesses estabelecimentos, já que não havia a necessidade de uma educação mais

aprofundada. Assim que aprendessem a ler, escrever, contar, rezar e falar o Português, os

índios, segundo Garcia (2007), deveriam deixar o colégio para que outros alunos pudessem

estudar.

A trilogia do ler, escrever e contar foi também apresentada por Hébrard (2002) como

o início da escolaridade na França, havendo também razões religiosas para a sua

consolidação, com o objetivo de “formar” o aluno, ou seja, “instruí-lo nas verdades da sua

religião. Para isso, era necessário fixar a ‘letra’ da doutrina e fazê-lo memorizar

exatamente, de maneira que os fieis não considerassem verdadeiras as proposições heréticas

ou sacrílegas” (HEBRARD, 2002, p. 43).

De acordo com Anderson (2008), a história das civilizações é permeada por ações que

têm o objetivo de “inventar” uma tradição, criando justificativas para atos políticos e

fazendo com que outros acontecimentos sejam esquecidos. Seguindo esse raciocínio, a Lei

do Diretório reforçou a figura do índio como um indivíduo aculturado, preguiçoso e com

tendência à embriaguez, cabendo ao Estado a tarefa de reeducá-los no método mais correto

e na doutrina católica.

A expulsão dos jesuítas se justificaria, também, pelos prejuízos causados à agricultura

e à sociedade. Os jesuítas, mantendo os índios no ócio e na rusticidade, “arruinárão o

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interesse público, diminuirão nos Póvos o commercio, e chegaram a transformar neste Paiz

a mesma abundancia em esterilidade de sorte” presenciada nos anos de 1754 e 1755,

quando se presenciou uma carestia de farinha, que fez com que houvesse uma necessidade

em substituir esse alimento por frutas silvestres (PORTUGAL, 1830, p. 529).

Com a expulsão dos jesuítas e o consequente restabelecimento da ordem, a

“verdadeira felicidade”, conceito defendido por Teixeira (1999) como sendo

predominantemente iluminista, poderia ser alcançada, sendo visíveis “a dilatação da Fé, a

extincção do Gentilismo; a propagação do Evangelho; a civilidade dos Índios; o Bem

commum dos vassalos; o augmento da Agricultura; a introducção do Commercio; e

finalmente o estabelecimento, a opulencia, e a total felicidade do Estado” (PORTUGAL,

1830, p. 530), ganhos sociais, que, segundo todos os documentos do período pombalino, só

seriam possíveis quando a cultura e o crescimento fossem restabelecidos. Conclui-se, dessa

forma, que as medidas adotadas pelo Diretório dos Índios devem ser melhor analisadas, por

terem perdurado por muito tempo no Brasil e terem influenciado no ensino da Língua

Portuguesa, já que, com exceção da Amazônia, ao ser abolido em 1798, o Português era a

língua dominante em todas as regiões brasileiras, acabando com a predominante influência

Tupi, que durou mais de quarenta anos.

A criação das aulas régias de Latim, Grego e Retórica se constituiu como uma ação

essencial dentro do programa estipulado pelo Marquês de Pombal, através do Alvará de 28

de Junho 1759, uma vez que, com a expulsão dos jesuítas, era necessário dar continuidade

aos estudos na corte e colônias. As aulas de Retórica recebiam grande enfoque, uma vez

que, “sem o estudo da Rhetorica se não podem habilitar os que entrarem nas Universidades

para nellas fazerem progresso” (PORTUGAL, 1830). Pelo Alvará, “todos os professores

gozarão dos privilégios de nobres, incorporados em direito comum e especialmente no

Código, Título – De professoribus et medicis”. Para facilitar o processo de mudança de

método empregado, Sebastião de Carvalho e Melo teve a preocupação de mandar preparar

Instruções, a serem encaminhadas juntamente com o Alvará, para todas as colônias

portuguesas. As Instruçoens28 reforçam a importância dada às aulas de Retórica, afirmando

não haver

28 As Instruçoens se constituem no cerne para a história das ideias linguísticas do período aqui recortado, uma vez que os métodos para se aprender os preceitos da gramática são explicitados. Nesse documento, são detalhados os procedimentos que devem ser tomados para que os estudantes possam ter uma aprendizagem

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estudo mais util, que o da Rhetorica, e Eloquencia, muito diferente do estudo da Gramática. [,..] He pois a Rhetorica a Arte mais necessária no Commercio dos Homens, e não só no púlpito, ou na Advocacia como vulgarmente se imagina. Nos discursos familiares; nos Negócios públicos; nas Disputas; em toda a occazião em que se trata com os Homens, he precizo conciliar lhes a vontade (apud ANDRADE, 1978).

O destaque dado à retórica, característico do projeto pedagógico do Marquês de

Pombal, continuou sendo reforçado no século XIX, conforme atesta Manoel Dias de Souza,

em 1804, na nota introdutória de sua Gramatica Portugueza, ao reverenciar as maravilhas

produzidas pelas palavras, identificadas na arte da Retórica. “A Retórica ensina a ornar a

expressão, e a pintar as idêas do modo mais apto e energico que he possivel para excitar a

atenção e persuadir” (SOUZA, 1804, p. x-xi)

A Elocução, também defendida nas Instruções de 1759, está relacionada ao ensino

baseado na análise dos diferentes estilos de cartas, diálogos e declamações publicadas. A

força dessas medidas pombalinas repercutem nos compêndios publicados em Portugal e no

Brasil nos séculos XVIII e XIX, uma vez que grande parte das gramáticas produzidas na

época apresentavam diálogos familiares e modelos de cartas comerciais, com o intuito de

instruir a mocidade nos bons costumes e auxiliar os leitores na elaboração de cartas

similares, quando houvesse a necessidade (OLIVEIRA, 2006).

O Alvará de 1759 se constituiu, de fato, na legislação sobre a restituição do ensino

através do método antigo, caracterizado por ser mais simples, claro, fácil e polido, propício

para a utilização em sociedades eruditas. Para melhor organizar os Estudos Menores, o

Alvará criou o cargo de Diretor Geral dos Estudos e determinou serem necessários exames

para todos os Professores Régios, proibindo o ensino público ou particular de quem não

possuísse a licença desse Diretor. O primeiro Diretor Geral, nomeado logo após a

promulgação do Alvará dos estudos, foi D. Tomaz de Almeida, que, logo após assumir sua

mais agradável. Entre outras questões, são mencionados os seguintes aspectos: a importância em se ter muitas repetições; associação da Gramática Latina com a Língua Portuguesa, sempre que a analogia for possível; livros recomendados, como por exemplo as Histórias Seletas de Heuzet e a coleção de Chompré; uso da ortografia e a importância da composição; utilização de dicionários, com a total repulsa à Prosódia de Bento Pereira; importância das aulas práticas; exaltação ao método abreviado e utilização de obras mais aprofundadas para os professores, como a Minerva de Francisco Sanches, e as gramáticas de Vossio, Scioppio e Port-Royal, obras de inspiração para a reforma dos estudos de Latim. Por se constituir em um campo de pesquisa vasto, não foi objeto desse trabalho o aprofundamento sobre os gramáticos mencionados nesse documento.

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função, afixou editais para a obtenção dos exames, que passaram a ser indispensáveis para a

concessão de uma licença de ensino. O Alvará também proibia o ensino pelos métodos

antigos e por livros que fossem considerados proibidos. O Principal Almeida, como

também era conhecido, era, na realidade, segundo Banha Andrade (1978), um iluminista

ativo, a quem deve ser atribuído quaisquer sinais de êxito ou fracasso da Reforma dos

Estudos Menores em Portugal e suas colônias. Nóvoa, ao analisar os candidatos escritos

nestes exames, atestou que 72% pertenciam ao estado clerical, enquanto que 81% já havia

tido experiência na função de professor (NOVOA apud MENDONÇA, 2005).

Cabia ao Diretor Geral dos Estudos, pelo menos nos primeiros anos após a publicação

do Alvará, a obrigação de fiscalizar o ensino em Portugal e suas colônias, mantendo-se

constantemente informado de suas situações. O ensino da gramática deveria receber

atenção especial. Por esse motivo, todas as gramáticas dos padres jesuítas, como a

gramática do Pe. Álvares29, deveriam ser queimadas de imediato. Pombal e seus assessores

rejeitavam o modelo até então vigente, que utilizava o Latim como língua de escolha para

as aulas, não só de Língua Latina, como também de Retórica e Grego. A partir de então, as

gramáticas deveriam ser escritas em vernáculo e conter explicações claras e concisas, sem

excessos de regras e exceções. Por esse motivo, a Real Mesa Censória, criada em 1768, foi

utilizada por Pombal para fiscalizar as publicações do século XVIII e liberar para a

circulação somente aquelas consideradas como condizentes com as deliberações reais e

preceitos estabelecimentos pelas reformas da época.

Entre as obras autorizadas pela Mesa Censória e recomendadas pelo Marquês de

Pombal destaca-se a Arte da grammatica da Língua Portugueza, escrita por Antônio José

29 A Arte da grammatica latina, do padre jesuíta Manoel Álvares (1526-1583), foi uma obra de referência por quase dois séculos. Era um compêndio mais utilizado por todos que estudavam Latim em várias partes do mundo. Para Verdelho (1982, p. 5), a Gramática de Manuel Álvares tinha uma popularidade incontestável, uma vez que “Segundo o Pe. Springhetti contam-se (‘stupete gentes!’) quinhentas e trinta edições deste manual. Em Portugal fizeram-se apenas 25, sendo 3 no século XVI, 13 no século XVII e 9 no século XVIII; mas na Itália enumeram-se uma centena de edições, das quais 21 ainda no século XIX; na Checoslováquia 71 e igual número na Polônia; 23 na Hungria, 20 na Lituânia e, além de muitos outros países, 22 pelo menos, foi ainda editada na China, no Japão e na Rússia. Entre os milhares e provavelmente milhões de jovens escolares que estudaram latim pela gramática do Padre português, para além de muitos outros nomes que, sem dúvida, fizeram história, poderemos acrescentar que ‘por ela aprendeu James Joyce (1882-1941) o seu latim de colegial irlandês’”. Inspirados na obra desse padre jesuíta português,foram produzidos resumos, comentários e edições reformadas, a exemplo da Arte recomendada pelo Ratio Studiorum (1599), de António Vellez.

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dos Reis Lobato30 em 1771. Essa renomada obra foi bastante difundida no século XVIII e

XIX, tendo sido reverenciada na legislação da época através do Alvará de 1770, que

apresentou as intenções de D. José I em fortalecer a Língua Nacional, ao considerar ser ela

“hum dos objectos mais attendiveis para a cultura dos Povos civilizados, por dependerem

della a clareza, a energia, e a magestade, com que devem estabelecer as Leis, persuadir a

verdade da Religião, e fazer uteis, e agradaveis os Escritos” (PORTUGAL, 1929, p. 497).

Com o intuito de reforçar o poder da Língua Portuguesa, o supracitado Alvará determinou

que todos os professores de Latim deveriam utilizar os seis primeiros meses de suas aulas

para o ensino do Português, utilizando, para tanto, a gramática composta por Reis Lobato.

Essa escolha, segundo o Alvará, era justificada pelo método empregado, pela clareza e pela

organização da obra. Segundo Lobato (1770), a aprendizagem em língua materna deveria

ser atingida através da leitura de autores de “historia Portugueza”, e, a partir de então, as

frases seriam analisadas. Seguindo essa orientação, os alunos não só adquiririam a língua,

como também compartilhariam a História de Portugal, ficando evidente a preocupação com

o fortalecimento da Nação Portuguesa através de uma ampla política pedagógica. Essa

assertiva pode ser comprovada com o reconhecimento expresso por Reis Lobato ao associar

os feitos de Pombal com sua intenção em fazer da nação Portuguesa a “mais culta, e

conhecida entre todas as civilizadas” (LOBATO, 1771, p. viii).

O autor da gramática de Pombal, como também é conhecida, enfatiza, em sua obra, o

“grande proveito que alcança cada hum em saber a Grammatica da sua mesma língua:

porque não sómente consegue falla-la com certeza, mas também fica desembaraçado para

aprender com muita facilidade qualquer outra” (LOBATO, 1771, p. x). O autor utiliza um

argumento retomado por Auroux (1992), ao justificar que muitos princípios do ensino de

línguas são comuns a todos os idiomas e, dessa forma, aquele que aprender o Português terá

mais facilidade para assimilar outras “línguas estranhas”, inclusive o Latim, em uma

30 De acordo com as pesquisas de Assunção (1997), baseadas nas pesquisas do dicionarista Francisco Inocêncio Silva (Diccionário Bibliographico Portuguez – 1873), O Pe. Antônio Pereira de Figueiredo teria escrito em 1762 a Gramatica Ingleza ordenada em portuguez, utilizando o pseudônimo de Antônio José dos Reis Lobato, uma vez que não há qualquer evidência que comprove a existência de Reis Lobato e o confronto Textual desses ‘autores’ nos leva a crer que são, na verdade, a mesma pessoa. Segundo Teixeira (1999), Antônio Pereira foi um canonista a serviço de Pombal, responsável pela defesa de várias das idéias amplamente difundidas pelo Marquês, como, por exemplo, o estabelecimento do princípio do direito divino e sacramentado dos reis, de modo a proporcionar uma sociedade interessada na felicidade de todos os vassalos. Para justificar os seus pressupostos, o padre afirma ser imprescindível que a Igreja esteja submetida às leis dos monarcas, ou seja, do Estado.

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verdadeira inversão na ordem dos estudos verificados até então, priorizados na Língua

Latina. Nesse contexto, segundo o gramático, entra a figura do rei D. José I, “glorioso

Restaurador das Letras, arruinadas por quase dous seculos nos seus vastos Domínios”

(LOBATO, 1771, p. xvi).

Para justificar a sua obra, Reis Lobato (1771) critica as gramáticas de Fernão de

Oliveira (1536), João de Barros (1540) e Amaro de Roboredo (1619). O autor censura a

Arte do Padre Bento Pereira31 (1672), utilizando como argumentos o fato de ter sido escrita

em Latim, sendo reprovada pelo Marquês de Pombal, e apresentar vários erros. O

gramático de Pombal se utiliza de sarcasmo ao reforçar o seu repúdio à obra de Pereira e às

contribuições da Companhia de Jesus, destacando não haver

desculpa táo reprehensiveis descuidos em hum author, a quem os Jesuítas veneraváo por oráculo em algumas sciencias. E o que mais admira he ver, que jactando-se elle de ter composto a Prosódia latina, em que nos offereceo hum thesouro da Lingua portugueza, sem ter ainda trinta annos de idade, tropeçasse tanto depois dos sessenta e três nas regras da Grammatica da sua própria língua (LOBATO, 1771, p. xxv).

Manoel Dias de Souza, em 1804, faz uma apologia à Arte de Reis Lobato,

confirmando a observação feira na Grammatica da Lingua Portugueza, ao afirmar que

antes da referida obra muitos erros haviam sido cometidos. Souza atesta que Lobato

“corregio os defeitos e suprio as faltas dos nacionaes que o precederão, e adiantou

incomparavelmente a Gramática da nossa Língua” (SOUZA, 1804, p. xii).

Reis Lobato defendeu a aprendizagem da gramática e enfatizou que o ensino do

vernáculo deveria ser a base para que qualquer outra língua pudesse ser ensinada. Através

31 Bento Pereira (1605-1681), segundo Verdelho (1992, p. 777), “publicou uma variada e abundante obra linguistográfica, que inclui, além dos dicionários e dos prontuários especializados sobre a teologia e as ciências jurídicas, uma gramática e uma ortografia da língua portuguesa”. Entre suas obras de maior destaquem podem ser citadas a sua Prosódia e a Ars Gramaticae. A Prosodia in vocabularium trilngue, latinum, lusitanicum et hispanicum digesta de Bento Pereira, publicada em 1634, foi publicada como uma obra trilíngue até 1683. Em 1697, após alterações feitas pelo padre Matias de S. Germano, passou a ser bilíngue, chegando a substituir o dicionário latino-português e português-latino de Jerônimo Cardoso, reeditado em Portugal desde 1562. Assim, a Prosódia de Bento Pereira é considerada uma das obras didáticas de maior importância para a história da pedagogia portuguesa. A sua Arte, totalmente redigida em Latim, foi publicada em 1672 sob o título Ars Grammaticae pro Lingua Lusitana Addiscenda Latino Idiomate proponitur .. Ad finem ponitur Orthographia, ars rectè scribendi, ut ... diceat rectè scribere linguam Lusitanam. Teve mais duas edições em Lisboa, na Imprensa Régia, 1803 e 1806, e foi considerada até as reformas pombalinas da instrução pública como uma obra de referência para o estudo do Latim.

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desse pensamento, a necessidade em se investir no ensino do Português foi reforçada, uma

vez que,

para o autor, este estado caótico da aprendizagem da língua materna radica no desprezo pelo ensino da gramática vernácula e naqueles que consideram supérfluo o seu ensino e só com a reforma do ensino feita no reinado de D. José, sob a orientação do Marquês de Pombal, foi possível dar um salto qualitativo pois foram criadas novas escolas com novos professores. É dentro deste espírito que Lobato escreve a sua obra (ASSUNÇÃO, 1997, p. 170).

A gramática de Reis Lobato seguiu as orientações pombalinas de simplificação das

regras gramaticais com o objetivo de facilitar o aprendizado. As gramáticas de Língua

Inglesa dos séculos XVIII e XIX seguiram essa mesma prerrogativa, o que pode ser

comprovado com o prefácio da obra de Melo (1813, p. IV) ao se verificar que “o ponto

essencial de huma Grammatica está em reduzir tudo a poucos preceitos, e dispo-los de

modo, que nem a abundancia das regras cause confusão, nem a sua falta produza

escuridade”.

Em seu projeto pedagógico, Pombal procurou, inicialmente, formar uma elite para

assegurar o progresso econômico de Portugal e suas colônias. Seguindo esse raciocínio,

percebe-se ter sido umas das primeiras ações do ministro a criação de Juntas de Comércio e

a nomeação de professores competentes, que receberiam ordenados para ministrar aulas à

uma nova elite em formação. “A Aula de Comércio foi, desta forma, o meio de que lançou

mão o governo, dentro dos próprios quadros da burguesia portuguesa, para formar o

perfeito negociante que a conjuntura econômica reclamava” (CARVALHO, 1978, p. 44),

uma vez que, de acordo com Anderson (2008, p. 118), “a expansão burocrática, que

também significava especialização, abriu as portas dos cargos oficiais a um número maior

de pessoas, e com origens sociais muito mais variadas”.

Essas Juntas e Aulas de Comércio foram também criadas no Brasil do século XIX,

necessitando para tal de professores habilitados. Conforme Oliveira (2006), a Aula de

Comércio no Brasil foi criada com o Alvará de 15 de julho de 1809, tendo José Antônio

Lisboa (1777-1850) sido o primeiro Lente nomeado para a cidade do Rio de Janeiro. Da

mesma forma como acontecia no século anterior em Portugal, os Lentes das Aulas de

Comércio também possuíam um ordenado mensal fixo.

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Em 1699 havia sido criada na Bahia uma escola de Arte e Edificações Militares, e, em

1739, uma aula de artilharia no Rio de Janeiro, comprovando o cuidado que a coroa

portuguesa tinha com a proteção de seus domínios contra ataques estrangeiros

(THEOBALDO, 2008). Para complementar o seu modelo de reformulação da sociedade,

Sebastião José de Carvalho e Melo também se preocupou com a organização das forças

militares nas colônias Portuguesas, com o objetivo de proteger os limites conquistados por

Portugal. Para a preparação do perfeito nobre, capaz de defender os territórios portugueses,

Pombal criou o Colégio dos Nobres em 1761. O projeto de reformulação do ensino só

acabaria em 1772, quando, com a reformulação dos Estatutos da Universidade de Coimbra,

seriam preparadas as pessoas que ocupariam os cargos administrativos da corte e das

colônias portuguesas.

A Academia Real Militar do Rio de Janeiro foi inaugurada através do Decreto de 4 de

dezembro de 1810. A análise da lei ressalta a importância em se ter “hum Curso regular de

Sciencias Exactas, e de Observação” capaz de, pela “Sciencia Militar”, formar hábeis

Oficiais de Artilharia e Engenharia que pudessem também ter o “útil emprego” de dirigir

objetos administrativos de minas, caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas

(OLIVEIRA, 2006, p. 47). A Academia previa a nomeação de Professores de Línguas

Vivas, que fossem capas de dominar, ou pelo menos ensinar, pelo menos as línguas

Francesa, Inglesa e Alemã, de modo a serem possíveis as substituições em caso de

necessidades:

Além destes onze Professores comprehendido o de Desenho, haverá cinco Substitutos, e julgando-o necessario, a Junta poderá propor, que se estabeleção Professores da Lingua Franceza, Ingleza, e Alemã, e será obrigação dos Professores substituírem-se huns aos outros, quando succeda não bastarem os Substitutos, de maneira que jamais se dê caso de haver Cadeiras ou deixem de ser servidas, havendo Alumnos que possão ouvir as Lições (apud OLIVEIRA, p. 47).

A Academia Real Militar foi inaugurada, segundo Oliveira (2006), em 23 de abril

de 1811 numa sala da Casa do Trem, que passou a ser, mais tarde, o Arsenal de Guerra. De

acordo com Almeida (2000, p. 47), os livros32 utilizados neste curso de sete anos eram

32 D. João VI, ao instituir o ensino das Línguas Inglesa e Francesa, tentava preparar a juventude para assumir os cargos administrativos no Brasil, contando, para tanto, com os livros da Biblioteca Real, trazidos de Portugal. É interessante observar que os livros que seriam trazidos da Real Biblioteca da Ajuda foram

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escritos em Francês, havendo, no entanto um espaço para o ensino de Inglês, uma vez que

um Decreto rubricado pelo Príncipe Regente, e datado de 30 de maio de 1809, nomeou

Eduardo Thomaz Cohill33 como Lente da Cadeira de Língua Inglesa, com o ordenado anual

de 240.000 réis, pagos pela Tesouraria Geral das Tropas, à razão de 20.000 por mês.

Hei por bem nomear lente da Cadeira da Lingua Ingleza na Academia Militar desta Corte, a Eduardo Thomaz Cohill, com a graduação de 2.º Tenente de Artilharia, e soldo de 12$000 por mez, devendo, em quanto se não abrirem as aulas da mesma Academia, principiar as suas lições no local, que lhe for indicado pelo Tenente General de Artilharia Inspetor Geral da mesma arma (apud OLIVEIRA, p. 48).

Eduardo Thomaz Colville permaneceu no exercício de suas funções de Lente de

Língua Inglesa na Academia Militar até 1825, quando aquele idioma, segundo o preâmbulo

da Decisão n. 54, de 2 de março do mesmo ano, assinado pelo então Ministro dos Negócios

da Marinha, Francisco Vilela Barbosa, deixou de ser necessário na Academia Militar:

Desejando S. M. o Imperador que os Guardas-Marinhas e Aspirantes saibam o idioma inglez, e podendo ensinar-lhes o 1.º Tenente Eduardo Thomaz Colville, Professor do mesmo idioma na Academia Militar, aonde se não faz tão necessario: Manda pela Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha que o Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Guerra expeça as convenientes ordens, afim de que o referido Professor passe a dar as competentes lições na Companhia dos Guardas-Marinhas, devendo para esse effeito entender-se com o respectivo Commandante, o Chefe da Divisão Diogo Jorge de Brito” (apud OLIVEIRA, p. 49).34

A Decisão de N. 142, de 6 de julho de 1825, expedida pelo mesmo Villlela Barbosa,

restabeleceu ao professor Conville parte do salário referente ao ensino de Língua Inglesa,

uma vez que, apesar de terem estas aulas sido extintas oficialmente, presumiu-se que o

esquecidos no momento de embarque da família real para o Brasil. Os livros, tão necessários para o projeto pedagógico de D. João VI, só começaram a chegar em 1810 (1ª remessa) e 1811 (2ª remessa). Apesar da biblioteca ter sido instalada no Brasil em 1815, só em 1821 seu primeiro estatuto foi publicado (SCHWARCS, 2002). 33 Nas peças legislativas analisadas, o sobrenome desse professor é grafado de duas maneiras: Cohill e Colville. 34 De acordo com Oliveira (2006, p. 49), “Três dias depois, com a Decisão n. 56, do Ministério da Guerra, foi dispensado o ensino da Língua Inglesa na Academia Militar. As razões para tal supressão, provavelmente, prendem-se à preferência ou orientação doutrinária dos Lentes, ou da Junta Militar. De qualquer forma, em 6 de julho do mesmo ano, pela Decisão n. 142, o Ministro dos Negócios da Marinha mandava abonar ao Professor da Língua Inglesa da Academia de Marinha uma gratificação igual à metade do seu soldo, a requerimento do mesmo”.

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Inglês continuou a ser necessário nas dependências da Artilharia. Dessa forma, o Decreto

acima exposto relata que

S. M. o Imperador, á vista do que em seu requerimento expendera Eduardo Thomaz Colville, 1° Tenente de Artilharia, e Professor da Língua Ingleza na Academia Militar, e Tendo attençào a achar-se o mesmo actualmente incumbido de dar também lições da dita lingua aos alunos da Academia de Marinha: Ha por bem, que pela Pagadoria de Marinha se abone mensalmente ao referido Professor uma gratificação correspondente á metade do soldo, que ora vence; e assim o Manda, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, participar ao Intendente da Marinha para sua intelligencia e execução (BRASIL, 1885, p. 252).

Ao que parece, depois da morte do professor Eduardo Thomaz Colville, o ensino de

Inglês foi também dispensado da Academia de Marinha, pois com o Decreto de 9 de março

de 1832, autorizado pela Lei de 15 de novembro de 1831, foi reformada a Academia Militar

da Corte, incorporando-se nela a dos Guardas-Marinhas, e os únicos requisitos para todos

aqueles que quisessem, além das “Sciencias Mathematicas, e Militares”, dedicar-se ao

“Desenho proprio aos Officiaes do Exercito, Marinha, Engenharia, e em suas quatro

essenciaes classes”, conforme o artigo 25, era a idade mínima de quinze anos, o

conhecimento da gramática da “lingua vulgar”, das quatro operações da Aritmética e “saber

traduzir a Lingua Franceza” (OLIVEIRA, 2006, p. 49).

Mendonça (2005) destaca duas grandes falhas perceptíveis com as Reformas dos

Estudos Secundários propostos por Sebastião José. Inicialmente, o fato de que,

contrariamente ao seguido pelo método jesuítico, a política educativa proposta por Pombal

se caracterizava pela existência de aulas particulares avulsas sem uma maior integração em

si. Como segundo agravante, a autora, em consonância com as ideias de Nóvoa (1986),

destaca o fato de não ter havido nos documentos dessa época nenhuma preocupação com a

formação docente.

4. Pombal e a Expulsão dos Jesuítas

De acordo com o Alvará de 28 de junho de 1759, os Jesuítas deveriam ser expulsos

por serem considerados culpados pelo retrocesso no ensino e pelo “escuro, e fastidioso

Methodo, que introduzirão nas Escolas destes Reinos, e seus Dominios". Nesse documento,

estão presentes as justificativas para a necessidade de expulsão dos padres pertencentes à

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Companhia de Jesus, bem como informações essenciais para a criação e nomeação do

Diretor dos Estudos e para os trabalhos executados pelos professores de Gramática Latina,

Grego e Retórica.

O texto da Relação Abreviada, por sua vez, justifica a perseguição de Pombal aos

jesuítas, argumentando, para tanto, o descumprimento do Tratado de Madri, as guerras

guaraníticas e a decisão dos jesuítas em utilizar as armas durante a sua luta. Essa atitude,

segundo Maxwell (1997, p. 73), foi considerada “traiçoeira, aos olhos de Pombal, mostrava

sinais de conluio dos jesuítas com os ingleses”. Essa obra, bem como as demais do seu

mandato, foram publicadas em Português, Italiano, Francês, Alemão e Inglês, numa prova

irrefutável da preocupação de Pombal em difundir suas ideias por toda a Europa.

A Dedução Cronológica foi um desdobramento da Relação Abreviada, utilizando

outras justificativas para comprovar a necessidade da expulsão dos jesuítas, de modo que o

progresso de Portugal fosse assegurado. Em seus três capítulos, encontra-se a demonstração

dos estragos causados pelos jesuítas na teologia, na jurisprudência e na medicina. A

ingerência dos jesuítas e as catástrofes nacionais produzidas por suas “forças malévolas,

quase diabólicas” eram as principais justificativas usadas pelo Marquês para a expulsão dos

padres da Companhia de Jesus.

Antes da chegada dos jesuítas a Portugal, no reinado de D. João III, o país era próspero e saudável; depois, a vida nacional decaiu em todos os sentidos, perdendo o viço e o orgulho de outrora. Logo, a expulsão da Companhia, levada a efeito em 1759, revestia-se do empenho patriótico de restaurar o desenvolvimento e resgatar a dignidade em Portugal (apud TEIXEIRA, 1999, p. 63).

Percebe-se com a análise do texto da Dedução Cronológica um caso típico de

“Invenção da tradição”, termo utilizado por Hall (2005) para se referir ao “imaginário

nacional” construído pelas narrativas criadas por legisladores, escritores e historiadores em

busca de explicações para fatos recorrentes, exaltação de heróis e identificação de pessoas

responsáveis pelo fracasso nacional.

Em decorrência do não cumprimento das orientações reais, os jesuítas são

oficialmente expulsos de Portugal e seus domínios em 3 de setembro de 1759, sendo vetada

qualquer participação jesuítica no ensino a partir de então, bem como, segundo Maxwell

(1997), qualquer tentativa de comunicação verbal ou escrita que envolvesse jesuítas e

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portugueses. Tal atitude gerou protestos e insatisfações por parte do povo, principalmente

das colônias, uma vez que as escolas jesuíticas eram a única possibilidade de acesso à

educação da época, e o acesso a uma educação gratuita e para os pobres poderia estar

ameaçada.

Cruz (1971) levanta a hipótese de que os jesuítas começaram a ter sua permanência

ameaçada antes do reinado de D. José I. Segundo o autor, o rei D. João V, ao demonstrar

sua preferência e proteção aos oratorianos, abria caminho para que essa congregação

crescesse e ganhasse o terreno anteriormente exclusivo da Companhia de Jesus. Como

exemplo do poder conquistados por esses padres pode-se destacar o fato de que, em 1716,

os alunos das classes oratorianas passaram a ter livre acesso à Universidade de Lisboa.

Suspeita-se que, mesmo antes da provisão régia de 1716, a Congregação do Oratório tenha

recebido uma substancial ajuda real no que diz respeito ao ensino das Humanidades, uma

vez que essas aulas chegaram a ter mais de duzentos alunos matriculados de todas as

classes sociais.

Como pôde ser observado, o ensino jesuítico foi perdendo espaço desde o início do

século XVIII, chegando a se considerado muito nocivo por Pombal, pois, no Alvará de

1759, o rei recomendou que fosse apagada “até a memoria das mesmas classes, e Escolas,

como se nunca houvessem existido nos meus Reinos e Domínios,onde tem causado tão

enormes lesoens, e tão graves escândalos” (PORTUGAL, 1830). A luta do Marques de

Pombal contra os Jesuítas só chega ao fim em 1773, quando, sob pressões internacionais, o

papa Clemente XIV decide extinguir a Companhia de Jesus.

5. O Novo Método da Gramática Latina

Em 28 de Junho de 1759, como se viu, Pombal lançou mão de um Alvará com o

propósito de fornecer diretrizes a serem utilizadas para suprir a carência na educação

ocasionada pela expulsão dos jesuítas. Nesse documento, encontram-se as diretrizes para a

Reforma dos Estudos Menores, colocando-os a serviço do Estado e dos interesses da coroa,

anteriormente aos da fé. Destacam-se, nesse contexto, duas obras fundamentais: 1) o

Verdadeiro Método de Estudar, de Luiz Antônio Verney (1746), considerado, por Teixeira

(1999), como sendo um livro de crítica cultural, e por Maxwell (1997, p. 12) como “um

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manual eclético de lógica, um método de gramática, um livro sobre ortografia, um tratado

de metafísica com dezenas de cartas sobre todos os tipos de assuntos”, com claras

especificações de que a gramática deveria ser ensinada em Português e não em Latim, e 2)

o Novo Método de Gramática Latina (1752), de Antônio Pereira de Figueiredo (1725-

1797), da Congregação dos Oratorianos, que, segundo o Alvará de 1759, foi adotado por ter

“reduzido aos termos simplices, claros, e de maior facilidade, que se pratica actualmente

pelas Naçoens polidas da Europa”. Conforme já referido, as reformas pombalinas da

instrução pública, além de propor reformas importantes do ponto de vista da história das

ideias linguísticas, defendiam os conceitos pedagógicos de suavidade e brandura durante o

ensino das línguas vernaculares e estrangeiras, de modo que os estudantes se sentissem

motivados a continuar seus estudos (VERDELHO, 1982). Esses conceitos, defendidos

desde o reinado de D. João V, principalmente através dos trabalhos de Verney (1746), já

eram amplamente difundidos na Europa iluminista.

A obra de Verney consta de dezesseis cartas, com o claro objetivo de “propor o novo

método de estudos que as nações mais cultas da Europa praticavam [...] recomendando

livros e edições que melhor correspondessem às necessidades da cultura de seu povo”.

Entre as sugestões e críticas apresentadas, destacam-se aquelas referentes ao estudo das

Humanidades, mais especificamente do Latim, enfatizando ser necessário o seu estudo

através da língua vernácula, numa verdadeira oposição ao método jesuítico. O Latim seria,

dessa forma, ensinado através da Língua Portuguesa, sendo percebido o seu “tácito

reconhecimento do estado de maioridade” (CARVALHO, 1978, p. 63-4).

Com o estudo do Latim através do vernáculo, haveria como inevitáveis consequências

a redução do tempo de estudo, bem como a simplificação tanto da natureza como do tempo

gasto com os trabalhos desenvolvidos nas escolas. O Latim exerceria, nesse contexto, “uma

função disciplinadora da mentalidade dos que se destinavam aos cargos que exigiam

qualificação literária” (CARVALHO, 1978, p. 65-6), sendo, desse modo, indispensável

para todo aquele interessado em ingressar nos estudos universitários. Para impedir o

surgimento de barbarismos durante o ensino do Latim, o Alvará determinava não ser

recomendada a utilização da Língua Latina por parte dos professores, por se tratar de uma

língua morta, e como tal, ausente de qualquer sentido prático.

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Algumas gramáticas são recomendadas pelo Alvará, como, por exemplo, as de

Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797) e de Antonio Félix Mendes, proibindo, da

mesma forma, a utilização da Arte do Pe. Manoel Álvares, que deveria ser imediatamente

queimada. A gramática de Lobato (1771) atacou a Arte de Bento Pereira (1672) utilizando

como argumentos a existência de vários erros que comprometiam a integridade do

compêndio. Assunção (1997) acredita que a aversão demonstrada por Lobato deve ser

entendida como uma referência à gramática do padre Álvares, uma vez que, por ter segui-lo

em muitos exemplos, a crítica indireta poderia ser uma saída para a exposição dos

pensamentos que as diretrizes das reformas pombalinas pregavam.

A partir de 1768, os livros e papéis introduzidos em Portugal e, consequentemente,

em suas colônias, seriam examinados pela “Real Mesa Censória”, órgão criado em 1768

com o objetivo de analisar e selecionar os livros a serem distribuídos em Portugal e suas

colônias. Um fundo pecuniário, chamado de “Subsídio Literário”, foi criado em 1773 com

o objetivo de financiar ações educativas, tais como os ordenados dos professores, a compra

de novos livros para uma biblioteca pública subsidiada pela Mesa Censória, bem como a

organização de um museu de variedades.

Com o intuito de facilitar o ensino, as Instruções preconizavam a utilização de textos

mais simples inicialmente, partindo para os mais complexos após a leitura daqueles mais

fáceis. Essa ideia de simplificação do ensino era bastante difundida na Europa, de modo

que, segundo Michael (1997), desde o século XVI havia a preocupação em ensinar a

Língua Inglesa partindo da letra, indo para as frases e só depois chegando aos textos mais

simples e mais complexos, respectivamente.

Em seu projeto pedagógico, Pombal acatou as sugestões de Verney e deliberou sobre

a necessidade de se produzir uma gramática de Língua Portuguesa mais concisa e um

dicionário mais resumido, além de proibir a circulação da Arte da grammatica latina do Pe.

Álvares. Em substituição a esta obra, o Novo methodo da grammatica latina reduzido a

compendio para uso das escolas da Congregação do Oratorio, composto pelo padre

Antônio Pereira em 1752, passou a ser recomendado. Essa mesma orientação, segundo esse

autor, foi verificada em territórios brasileiros, devendo ser punidos todos aqueles que

continuassem utilizando a Arte do Padre Álvares ou que não queimassem os referidos livros

(ANDRADE, 1978).

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O Novo Método, preconizado pelos Oratorianos, consolidava os preceitos de Verney

de se utilizar uma gramática clara e concisa, escrita no vernáculo, bem como da associação

do Latim à necessidade de fortalecimento da cultura e do acesso aos estudos universitários,

com grande enfoque dado aos escritores clássicos. Os oratorianos, segundo Maxwell

(1997), podem ser considerados como os verdadeiros propiciadores do desenvolvimento

das ciências naturais, tendo sido os grandes responsáveis pela difusão das ideias de autores

proibidos, tais como Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650) e John

Locke (1632-1704).

A decisão em se utilizar métodos mais breves e concisos permaneceu durante o século

XIX na colônia brasileira, conforme salienta Oliveira (2006), ao atestar ter sido uma

recomendação de D. João VI a adoção de gramáticas simplificadas, principalmente das

Línguas Vivas, devendo ser estas, na medida do possível, escritas pelos professores

nomeados para as cadeiras de Língua Inglesa e Francesa.

O Marquês de Pombal também foi conhecido por ser implacável com aqueles que o

desafiavam. Entre as muitas pessoas que perseguiu está o próprio Verney, que, segundo

Azevedo (2004), foi expulso de Roma em 1771, em decorrência da alegação de Sebastião

José de que Verney exagerava nas despesas, exigências e desatenções pessoais, acusando-o,

dessa forma, de inconfidência. Verney havia sido condenado à morte, mas foi, no entanto,

poupado e banido de Lisboa.

6. O Colégio dos Nobres e a Reforma da Universidade de Coimbra

O Colégio Real dos Nobres, criado em 1761, teve sua inauguração efetivada em 19 de

março de 1766, “na presença do rei D. José, da família real e nobreza da corte”. Com o

objetivo de substituir o Colégio das Artes de Coimbra, foi uma escola destinada a receber

os alunos em processo de formação de “Perfeitos Militares”, sendo seus alunos, na

realidade, um misto de homens de letras e de soldados, ou seja, a “futura elite do poder,

técnica e burocrática, ilustrada e útil; enfim, uma nova aristocracia virada para o serviço e o

bem públicos” (NORTON, 2008, p. 38). Nesse modelo de formação de uma nova nobreza

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militar, cabia o conhecimento das línguas clássicas (o Latim e o Grego), bem como das

Línguas Vivas em ascensão.

No Titulo VIII do Estatuto, no que se refere às diretrizes destinadas aos professores

das Línguas Francesa, Italiana e Inglesa, é enfatizada a necessidade em preparar os alunos

para a leitura de bons livros que são escritos nesses idiomas, para que não seja prejudicado

o sucesso dos alunos. O Inglês, conforme orientações desse documento, deveria ser objeto

de estudo dos “collegiaes” mais promissores, de modo que: “depois de haverem passado as

Classes da Rhetorica, Logica, e Historia, aprendão pelo menos as Línguas Franceza, e

Italiana; ainda que será muito mais util aos que forem mais capazes, e estudiosos

procurarem possuir tambem a Lingua Ingleza” (PORTUGAL, 1830, p.781-782). Para o

ensino dessas Línguas Vivas, foi recomendada uma ênfase no lado prático, com o objetivo

de evitar a memorização de um grande número de regras desnecessárias e inúteis. Os livros

precisariam ser os mais corretos e agradáveis possíveis, uma vez que, além de preparar o

aluno para a aprendizagem do idioma, deveriam fornecer modelos destacados pelos

“louváveis costumes” dos professores que, mesmo não morando nos Collegios, deveriam

comparecer nas horas determinadas para as suas lições.

O legislador ressalta, no Estatuto do Colégio Real dos Nobres, a importância em

resgatar a instrução da mocidade em “collegios”, de modo que os alunos possam estar

preparados para assumir suas profissões em um curto espaço de tempo. De acordo com esse

documento, o rei D. João III havia fundado em 1547 o “Collegio das Artes” na cidade de

Coimbra, com um grande número de professores distintos e em total correlação com a

Universidade de Coimbra. Esse quadro, no entanto, começou a ser revertido quando, em

1555, este colégio foi entregue aos cuidados da Companhia de Jesus. O Alvará de 1759 faz

referência ao momento em que o Colégio das Artes foi entregue aos jesuítas, desagradando

a todos os professores da Universidade de Coimbra. Tantas foram as “usurpações”, que o

Reitor da Universidade foi proibido de visitar as instalações do colégio das Artes, para que

este não entrasse em contato com

as desordens, e os erros de methodo, que nelle tinhão introduzido; e de pertenderem desmembrar renda da dita universidade para engrossarem as suas ao mesmo tempo em que se tinham offerecido a ensinar de graça; de tal sorte que já nos Reinados dos Senhores Reis Dom Sebastião, e Dom Henrique, não só chegarão a extinguir de todo aquelle collegio, mas passarão com os sobreditos

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abusos a pôr em consternação toda a Universidade de Coimbra (PORTUGAL, 1830, p. 774-5).

O Colégio das Artes acabou sendo convertido a “Casa de Noviços”, e a perda desta

instituição de ensino, segundo o legislador, trouxe grandes atrasos para a Nação portuguesa

e para a Igreja. Com a expulsão dos jesuítas, a glória de Portugal poderia novamente ser

possível. O cuidado com o “Collegio Real dos Nobres” fez com que a educação dos cem

“Porcionistas” ficasse totalmente ligada ao rei e sob a sua proteção privativa, na medida em

que, para os grandes cargos públicos, estes cem estudantes teriam preferência. A

interligação entre o Colégio dos Nobres e a Universidade de Coimbra foi novamente

restabelecida, através desse estatuto, na medida em que o rei determinou que todos os

alunos, professores e familiares do colégio que possuíssem funções de aprendiz ou ensino

teriam os mesmos “Privilégios, Indultos, e Franquezas, de que gozão os Lentes, e

Estudantes da Universidade de Coimbra, sem differença alguma”, podendo estas pessoas,

inclusive, utilizar os hospitais da proteção real (PORTUGAL, 1830, p. 786). Esta condição

de equivalência entre regalias dos alunos do Colégio de Nobre e da Universidade de

Coimbra é totalmente compreensível quando analisamos que era da vontade do rei que os

alunos do “Collegio” tivessem acesso à Universidade, ou seja, aos Estudos Maiores,

bastando, para tanto, uma carta assinada pelo Diretor Geral dos Estudos. Da mesma forma,

os alunos que concluíssem seus estudos no Colégio dos Nobres teriam empregos públicos

assegurados, sendo estes escolhidos a depender da distinção com a qual terminassem seus

estudos.

O Colégio dos Nobres recebia os alunos melhor conceituados da corte em sistema de

internato, devendo cada inscrito pagar uma pensão de cento e vinte mil réis a cada ano de

estudo, o que, por si só, caracteriza a instituição como sendo altamente elitista. Com a Lei

do Diretório de 1757 e a obrigatoriedade do ensino na Língua Nacional, o Latim começou a

perder influência, o que fez com que as Línguas Vivas recebessem maior respaldo. O

Estatuto do Colégio Real de Nobres, promulgado em 07 de março de 1761 com o intuito de

regular todas as ações dessa instituição, bem como todas as pessoas que nela morassem ou

apenas trabalhassem, exalta as Línguas Vivas, pela importância das mesmas no cenário

nacional, proibindo que as conversas dentro do colégio, as chamadas “conversações

familiares”, fossem feitas nessa língua morta.

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As conversações familiares serão sempre, ou na Lingua Portugueza, ou na Franceza, Italiana, ou Ingleza, como os collegiaes acharem que he mais conforme aos differentes gênios, e applicações, que cada hum delles fizer a estas Linguas vivas. Não poderão porém nunca conversar em Latim, por ser o uso familiar desta lingua morta mais própria para os ensinar a barbarisar, do que para lhes facilitar o conhecimento da mesma lingua (PORTUGAL, 1830, p. 779).

Os alunos tinham em seus currículos o estudo de Retórica, Lógica e História, com a

subsequente aprendizagem das Línguas Francesa e Italiana, havendo, no entanto,

recomendação para o estudo do Inglês, que seria muito mais útil em decorrência da

quantidade de livros “doutos” escritos na Inglaterra, dando-se prioridade para o ensino em

“viva voz”, com o objetivo de evitar explicações complexas e desnecessárias.

Nas vinte páginas do Estatuto fica notória a existência de um quadro altamente

inflacionado, com um grande número de funções administrativas e atribuições bastante

compartimentalizadas, o que levava a uma necessidade em se investir em salários e

alimentação para um grande número de pessoas. Todos os alunos estavam sob o regime de

internato, não podendo receber visitar sem o consentimento do Diretor Geral dos Estudos.

A maioria dos funcionários residiam no próprio Collegio, enquanto que outros deveriam

apenas comparecer nos dias em que se fizesse necessária a sua presença, como era o caso

dos professores de Línguas Vivas.

A estrutura desse internato compreendia a presença de collegiaes, Reitor e Vice-

reitor, Prefeito e Vice-prefeitos dos estudos, Professores, Familiares do collegio35,

Bibliothecarios, agentes e solicitadores do Collegio, mordomo e comprador, cozinheiros e

ajudantes, dispenseiro, porteiros e ministros do refeitório. O Reitor, pessoa responsável pela

administração geral do colégio, deveria ser “Pessoa de Letras e Virtudes”, com residência

fixa no collegio e com a impossibilidade de “pernoitar fora delle, sem negocio grave, e

urgente, dando primeira parte ao Director Geral dos Estudos, se for obrigado a separar-se

da sua residência por mais de hum dia” (PORTUGAL, 1830, p. 775-6).

35 De acordo com o Estatuto do Colégio dos Nobres, os colegiais deveriam ter pessoas específicas para cuidar do bem estar e asseio dos estudantes em troca de “rações”, “alojamentos” e “ordenados”. Como não podiam ser simples criados, vinte familiares foram selecionados para ocupar o cargo de “familiares do Collegio”, tendo cinco alunos sob suas responsabilidades. Estas pessoas deveriam morar nas dependências do colégio, e poderiam, inclusive, acompanhar as aulas em bancos separados “conforme os seus differentes gênios, e exercicios, a que se destinarem” (PORTUGAL, 1830, p. 784-5).

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É notória a preocupação com o caráter, a religião e formação das pessoas que seriam

responsáveis pela administração dessa instituição de ensino. O próprio D. José I reforça a

ideia de que, durante todo o seu reinado, presenciou-se a preocupação com a qualidade da

instrução a ser obtida e a parceria que deveria existir entre Igreja e Estado, ao afirmar que

“havendo Eu considerado que da boa, e regular instrucção da Mocidade he sempre tão

dependente o bem Espiritual, e a felicidade Temporal dos Estados; para a propagação da

Fé, e augmento da Igreja Catholica”. A palavra “felicidade” está em consonância com os

seus ideias iluministas, uma vez que, segundo Teixeira (1999) e Falcon (1993), a felicidade

a ser alcançada faz parte do conjunto de preceitos referentes ao Iluminismo.

A felicidade e a razão são, na realidade, os dois pilares do movimento das Luzes, uma

vez que, pelo pensamento iluminista, “a fé no progresso, o entusiasmo filosófico militante e

a busca da felicidade não impedem a presença do cristianismo”. A fé observada nessa

época é, no entanto, diferenciada, estando associada aos valores morais racionais, o que

permite ser possível se referir a um “cristianismo ilustrado”, através do qual “a fé em Deus

é a condição para a virtude e a felicidade” (FALCON, 1993, p. 97).

A inclusão dos preceitos religiosos nas suas deliberações reforça a tese de terem sido

D. José I e o Marquês de Pombal representantes de um iluminismo religioso, nos padrões

similares ao do observado na Itália. As palavras finais dos estatutos fecham esse ciclo de

valorização da religião e destacam todos aqueles que priorizam os preceitos religiosos,

principalmente, por agradar ao rei, na medida em que este arremata que “e porque a

observancia dos sobreditos Estatutos será de tanta gloria de Deos, e de tanto serviço Meu, e

utilidade pública, e Bem commum dos Meus Vassalos: Hei por bem, e Me praz que se

cumprão, e guardem em tudo, e por tudo, e valhão como Lei” (PORTUGAL, 1830, p. 792).

Nas descrições das distribuições das horas de estudo são descritas em minúcias todas

as atividades a serem executadas pelos internos, bem como duração de cada uma delas.

Entre essas atribuições, destacam-se as missas diárias, das sete e quarenta e cinco às oito e

meia no inverno e das sete e quinze às oito horas durante o verão, da mesma forma que era

obrigatória a ida à Igreja aos finais de tarde, para que os alunos pudessem “tomar a benção

a Nossa Senhora”.

O Prefeito dos Estudos deveria possuir costumes considerados como exemplares,

além de ser “bem instruido nas Bellas Letras, e de escrever com pureza, e com elegância

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em Latim” (PORTUGAL, 1830, p. 777). Essa exigência para o cargo é facilmente

entendida quando percebemos que “os tipos sociais predominantes no movimento ilustrado

não são os burgueses propriamente ditos [...] e sim os ‘homens de letras’, ao lado de

profissionais liberais, ‘oficiais’ do Estado absolutista e figuras da própria aristocracia”

(FALCON, 1993, p. 96). O Latim continuou a ser, mesmo com a clara intenção de

fortalecer o Português, uma língua de referência e de elegâncias, o que fez com que, ainda

no final do século XVIII, fosse considerada como essencial para a formação e instrução da

mocidade. No primeiro dia do Anno Literário, o prefeito deveria recitar uma Oração Latina

em cerimônia de abertura dos estudos, que contaria com as presenças de todos os

Collegiaes, bem como do Diretor Geral e do El-Rei. Os Vice-prefeitos eram eleitos entre os

colegiais, reconhecendo-se os mais antigos e estudiosos. Tratava-se de um cargo nobre de

fiscalização dos demais colegas, recebendo, como recompensa, a promessa de terem os

primeiros lugares nas funções públicas do império.

Os alunos do Colégio dos Nobres estudavam Língua Latina, Grega, Retórica, Poética,

Lógica e História, passando, logo após, para os estudos as Línguas Francesa e Italiana,

sugerindo uma importância acentuada para o Inglês, uma vez que chega a afirmar que o

Francês e o Italiano são obrigatórios, mas que “será muito mais util aos que forem mais

capazes, e estudioso procurarem possuir tambem a Lingua Ingleza” (PORTUGAL, 1830, p.

782).

Os estatutos também se preocuparam com o modo pelo qual as aulas deveriam ser

ministradas, detacando-se, no caso das Línguas Vivas, que não deveria haver uma

sobrecarga de regras a serem impostas aos alunos, já que, segundo El-rei, aprende-se essas

línguas “muito facilmente, e melhor, lendo, conferindo, e exercitando em repetidas

práticas”, utilizando-se, para tal, livros corretos e agradáveis, que deverão ser utilizados por

professores de “louváveis costumes” (PORTUGAL, 1830, p. 782). Essa diversidade de

métodos foi colocada no Estatuto como nociva ao desenvolvimento dos estudos, e a

necessidade em se buscar uma uniformização foi destacada, uma vez que

da diversidade de methodos, que cada Professor inventa, e pretende estabelecer conforme o seu gênio; e da eleição tambem vaga, e arbitraria dos Livros, a que os Estudantes se devem applicar; resultou sempre uma perplexidade, e confusão muito prejudicial á mocidade, que se procura instruir; além das altercações, e discordias nocivas aos Estudos, que sempre costumão succeder, onde não ha

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methodo certo, e Livros invariaveis para o ensino, e applicação dos Estudantes (PORTUGAL, 1830, p. 785).

Os Estatutos, dessa forma, consolidavam o método da gramática e da tradução como

de eleição para os estudos de línguas, uma vez que os livros deveriam ser gramaticalmente

precisos, com textos que pudessem apresentar os bons costumes, e estes discutidos por

professores de boa reputação, devendo haver para a consolidação do conhecimento,

segundo sugere D. José I, uma prática de repetição de exercícios e atividades que atestariam

a aprendizagem.

De acordo com D. José I, a situação educacional de Portugal estava em estado

calamitoso em função dos desmandos presenciados aos longos dos anos. Cada professor se

apropriava de seu método e conduzia suas aulas de forma individualizada, quebrando o

poder que a educação tem sobre a instrução dos jovens. El-rei enfatiza que o progresso na

educação pode ser verificado quando “concorre a conformidade do methodo, e na escolha

dos Livros se conserva sempre a paz, e a união, que he tão necessaria entre os professores;

e se adiantam sempre os seus Discípulos com regulares, e seguros progressos”

(PORTUGAL, 1830, p. 785). Com o objetivo de uniformizar algumas aulas, o Estatuto

regulamentou os procedimentos a serem seguidos nas aulas de Logica, Historia,

Mathematica, Arquitetura Militar, e Civil, Desenho, Fysica, Artes, Cavalaria, Esgrima e

Dança, através da elaboração de uma minuta contendo todas as informações necessárias

para o professor em busca de uma aula de qualidade. Essa mesma preocupação em tecer

comentários para a normatização do ensino foi verificada no século XIX em Portugal e suas

colônias, mais especificamente no Brasil, através de uma tentativa em promover uma

orientação para professores, dessa vez de Línguas Vivas. De acordo com a Decisão n. 29 de

1809, os professores de Inglês e Francês deveriam ditar suas aulas por compêndios que

valorizassem os bons costumes e estilos da época, devendo-se buscar a elaboração de

gramáticas pelos professores responsáveis por essas cadeiras de ensino. De acordo com

Torre (1985), o Colégio dos Nobres funcionou mal e durante pouco tempo, uma vez que em

1765 ainda não havia professores para as línguas vulgares propostas nos Estatutos.

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As “Artes liberaes”36, como a Cavalaria a Esgrima e a Dança, eram também

regulamentadas nesse documento e deveriam ser praticadas durante o verão, de modo a ser

possível apresentar exercícios públicos dessas três artes nos últimos dias do Anno Literário,

contando-se, sempre que possível, com a presença de pessoas da Corte e do próprio rei.

O Colégio dos Nobres fechou as suas portas em 1771 em decorrência de problemas de

ingerências administrativas, capazes de degradar o estabelecimento sem que Pombal

pudesse impedir. Foi constatado que os professores, quase todos estrangeiros, “levavam

vidas pouco recomendáveis e desleixavam-se na disciplina, perdendo os alunos de mão.

Descobriu-se que, à sombra do Colégio, se fazia toda a casta de negócios, e as cozinhas

serviam de refeitório a amigos de mestres e funcionários” (NORTON, 2008, p. 47). Antes

do fechamento do colégio, muitos alunos foram preparados para a Universidade de

Coimbra, recebendo indicações para a ocupação de alguns bancos. Esse era, na realidade, o

grande objetivo do Colégio dos Nobres: o início da preparação do perfeito nobre, de modo

a prepará-lo para a Universidade reformada, onde seus estudos seriam concluídos.

As medidas educativas de D. João VI no Brasil também seguiram os mesmos

princípios defendidos pelo Marquês de Pombal no que diz respeito à valorização dada às

Línguas Vivas, mais especificamente ao Inglês e ao Francês. Em menos de um ano após a

chegada da família real no Brasil, D. João VI promulga a Decisão n. 29, e cria, assim, uma

Cadeira de Língua Inglesa e outra de Língua Francesa. Tais estudos estavam relacionados à

finalidade de prover conhecimentos indispensáveis aos nobres habitantes do Brasil que

teriam acesso às Aulas de Comércio, de Agricultura e de Fortificações, ampliando esse

leque de opções na medida em que a colônia era estruturada (OLIVEIRA, 2006).

Os Estatutos do Real Colégio dos Nobres são de grande importância para o

entendimento da evolução do ensino de línguas, mais especificamente do Inglês, em

Portugal e no Brasil, uma vez que, pela primeira vez, uma legislação dispôs sobre a

36 Segundo nota de rodapé contida na obra de Verdelho (1982, p. 5), “Arte constitui uma designação metonímica dos manuais de estudo das artes liberales, especialmente da gramática e da retórica. Arte, do latim ARTEM, corresponde à forma grega TECHNÉ que aparece no título da primeira de todas as gramáticas ocidentais a Téchnê Gramatikê de Dionísio Trácio da escola de Alexandria, no séc. II a.C. . Nos gramáticos latinos continua-se esta designação de arte, entre outros, em Carísio, Diomedes e sobretudo em Donato. Por sua vez, a designação INSTITUTIONEM, vulgarizada igualmente nos manuais de retórica a partir da obra de Quintiliano (De Institutione Oratoria), serviu no título da obra gramatical de Prisciano Institutionum gramaticarum libri. Donato e Prisciano são os nomes de referência básica, na tradição gramatical europeia e na sequência desta tradição, tanto a forma Ars como a forma Institutio aparecem alternadamente no título da maior parte das gramáticas latinas europeias”.

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necessidade em se estudarem as Línguas Vivas. O ensino da Língua Inglesa foi colocado

como diferencial, em uma sociedade em busca de perfeitos negociantes e nobres para

comandar as colônias portuguesas. Os Estatutos deixam claro, dessa forma, que os

collegiaes mais destacados deveriam adentrar o estudo das Línguas Vivas, pela importância

das mesmas para o acesso ao conhecimento. Trata-se, assim, da primeira referência à

institucionalização do ensino de Inglês em Portugal.

A principal intenção de Pombal com a Reforma dos Estatutos da Universidade de

Coimbra era a de colocá-la numa posição central na sua política, de modo a se constituir no

“coração do Estado”. “Por meio de professores, ela deveria criar e promover a luz do saber,

difundindo-a para todos os compartimentos da Monarquia, com a função de revitalizar a

administração pública e promover a felicidade do homem” (TEIXEIRA, 1999, p. 27). Essa

intenção manifestada claramente por Pombal era reforçada por D. Francisco de Lemos de

Faria (1735-1822), o reitor por ele nomeado para estar à frente da administração da

Universidade de Coimbra.

As universidades de Lisboa e Évora eram administradas pelos Jesuítas, funcionando

apenas como “diferenciador hierárquico”, fundamentado no estudo de Aristóteles e, com a

inserção do método experimental em Portugal, na rejeição a textos de Newton, Descartes

ou Locke, por exemplo, que, durante o século XVII, “operaram uma ruptura audaciosa da

tradição de autoridade, seja bíblica seja aristotélica, e encareceram os méritos do raciocínio,

da experiência e da utilidade” (MAXWELL, 1997, p. 10).

A Reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, representou, segundo Carvalho

(1978), o coroamento das medidas pedagógicas do reinado de D. José I e seu primeiro-

ministro, o Marquês de Pombal. Seu objetivo era elaborar programas de estudos que não

ferissem a cristandade e estivessem em consonância com a ideologia política dominante,

tendo sido necessária, para tanto, a reformulação de seus estatutos, o que foi assegurado

com a criação da Junta da Providência Literária, em 23 de dezembro de 1770, sob a

inspeção do Cardeal da Cunha e de Sebastião José de Carvalho e Melo. Dentre os principais

traços que caracterizaram essa reformulação, pode-se citar “a valorização do método

experimental e do método matemático, o antiescolatismo sistemático, o apego à história, à

crítica e à hermenêutica, no tratamento de questões teológico-jurídicas” (CARVALHO,

1978, p. 155).

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Para o reformador e novo reitor Francisco de Lemos, intérprete fiel das idéias de Pombal, a Universidade deveria difundir, através daqueles que formava, “a Luz da Sabedoria por todas as partes da monarquia, animar e vivificar todos os ramos da administração pública, e promover a felicidade dos homens, ilustrando os seus espíritos com as verdadeiras noções do justo, do honesto, do útil”. Com a reforma proporcionava-se o desenvolvimento das virtudes sociais, defesa do bem público, o fortalecimento do Estado e o aperfeiçoamento da sua administração (NORTON, 2008, p. 62).

A reformulação da Universidade motivou a organização dos estudos médicos,

matemáticos e filosóficos, ambos incluindo os estudos não obrigatórios das Línguas

Francesa e Inglesa, e teve sua decadência, segundo Azevedo (2004), alguns anos após a

queda de Pombal, podendo ser atribuído esse fracasso ao afastamento do ministro.

7. As Reformas Pombalinas no Brasil: um caso de fracasso?

Andrade (1978) e Fávero (2005), ao tentarem provar não terem sido realizadas as

ações das Reformas Pombalinas da Instrução Pública no Brasil, citam o fato de que o seu

acompanhamento não foi efetivo, como pode ser comprovado ao se analisar o caso de São

Paulo. Por estar ligada à capitania do Rio de Janeiro, as notícias, gramáticas e dicionários

não chegaram ao Brasil nos primeiros anos após o estabelecimento do Alvará de 1759.

Uma melhoria só foi observada após o ano de 1768, quando, já independente, São Paulo

teve novas escolas de ler e escrever, tendo sido registrada, no mesmo ano, a publicação do

“Estatuto que hão de observar os mestres das escolas dos meninos nesta Capitania de São

Paulo”, com o objetivo de regulamentar o ensino.

Os encarregados em fazer com que a Lei do Diretório fosse aplicada no Brasil

enfrentaram muitas dificuldades, principalmente pela falta de pessoas preparadas para

colocar em prática as determinações desta legislação, o que fez com que muitos

pesquisadores, como Carneiro da Cunha, afirmassem que “o Diretório não vicejou em parte

nenhuma, por falta de gente capaz” (CUNHA apud FÁVERO, 2005, p.4). Apesar desta relativa

incredibilidade, é notório observar que o Diretório só foi abolido em 1798, no reinado de D.

Maria I.

Com a dificuldade de envio de livros e cartilhas pertencentes ao conjunto de obras a

serem disponibilizadas pelo gabinete de D. José I e a constatação de excesso no preço dos

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livros pelos comissários nomeados, conforme atesta Andrade (1978), é publicada uma

Breve instrucçam para ensignar a Doutrina Christaã, ler e escrever aos Meninos e ao

mesmo tempo os princípios da lingua portuguesa e sua orthografia, de autoria

desconhecida, na qual consta que os professores

eram considerados detentores da “occupação mais nobre e mais útil ao Estado e a Igreja”, por infundirem “no espírito, as primeyras imagens e os primeyros pensamentos que devemos ter do santo temor de Deos, da obediência ao Rey e aos Ministros respectivos, do amor e respeyto aos nossos mayores, do affeto necessário à Patria e aos interesses da Monarchia (apud ANDRADE, 1978, p. 13).

As Artes do Pe. António Pereira e de Antonio Felix de Mendes demoravam a chegar

no Brasil ou chegavam em quantidades insuficientes. Da mesma forma, o Dicionário

Latino e Português, prometido desde 1759, só ficou pronto em 1762, segundo Andrade

(1978), dificultando os trabalhos nas colônias. De acordo com esse mesmo autor, as

Reformas Pombalinas da Instrução Pública não alcançaram o sucesso almejado por Pombal

no Brasil, podendo tal afirmação ser atribuída a uma série de desventuras ocorridas nesta

colônia. O longo tempo transcorrido entre as cartas trocadas entre o Principal Almeida e

seus comissários, de fato, dificultava a rápida tomada de decisões.

A comunicação feita entre o Diretor Geral de Estudos e seus comissários no Brasil se

dava através de cartas e a demora ou muitas vezes ausências das mesmas impedia que

houvesse um bom acompanhamento dos estudos por parte do Principal Almeida. Além da

lentidão na comunicação, pode-se também citar, segundo Andrade (1978), a dificuldade em

se ter professores régios nas colônias, mais especificamente no Brasil. Exames foram feitos,

porém nenhum dos aprovados foi nomeado, uma vez que era necessário que cada um dos

aprovados “constituísse em Lisboa o seu procurador, que teria que prestar juramento

perante o Chanceler-mor do Reino” (ANDRADE, 1978, p. 25). Na falta de professores, a

Direção Geral dos Estudos autorizou as capitanias a restabelecerem o ensino através de

professores interinos por eles nomeados através de exame, e que, por não estarem ligados à

coroa portuguesa, receberiam um ordenado pago pelas contribuições dos pais dos alunos.

Além da aprovação no exame público, as qualidades morais dos candidatos eram

analisadas e as experiências com ensino levadas em consideração para que o resultado final

pudesse ser divulgado. Até mesmo a liberação de licenças para professores privados estava

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sob a condição de haver uma análise das condições acima expostas, de modo que 81% dos

professores que se candidatavam para professores régios ou privados possuíam experiência

docente anterior. Como o ensino havia ficado por muito tempo nas mãos de religiosos, pode

ser destacado como de suma importância para o entendimento do processo de seleção de

professores o fato de que 72% das pessoas inscritas pertenciam ao clero. Assim sendo, “se

os primeiros professores régios foram ainda formados predominantemente pelos jesuítas e

pelas demais congregações religiosas, as próprias aulas régias se constituíram no espaço de

formação dos professores” (MENDONÇA, 2005, p. 33).

É provável que o Diretório não tenha atingido todo o território brasileiro, uma vez que

não temos documentos suficientes para atestar essa presença. O Diretório dos Índios esteve

diretamente relacionado à realidade da região do Grão-Pará, o que fez com que Luiz Diogo

Lobo da Silva, ao avaliá-lo, percebesse a não adaptabilidade à sua região, e decidisse

modificá-lo para a aplicação à sua Capitania.

Conforme discutido por Medeiros (2007), a Lei de Liberdade de 1755 e o Diretório de

1757 se fizeram sentir no estado de Pernambuco através da promulgação, em 8 de maio de

1758, da Direção com que interinamente se devem regular os índios das novas vilas e lugares

eretos nas aldeias da capitania de Pernambuco e suas anexas.” Algumas partes são idênticas

às observadas na Lei do Diretório, podendo-se destacar algumas diferenças, como o incentivo à

extração do gravatá e a proibição ao consumo de aguardente e juremas.

Ao analisar as correspondências recebidas por Francisco Xavier de Mendonça Furtado,

Fávero (2005) encontrou uma carta enviada por Luis Diogo Lobo da Silva, datada de 16 de

novembro de 1760, através da qual o governador de Pernambuco atestava que em nenhum

momento se colocava contrário às decisões do Diretório, acomodando, na medida do possível,

as orientações desse documento às peculiaridades da sua região. Este fato nos auxilia a

compreender o porquê a província de Pernambuco ter adaptado as orientações recebidas pela

Lei de 1755, bem como o estreito laço estabelecido com a coroa portuguesa. A tentativa em

seguir as determinações de Portugal foi uma constante na Capitania de Pernambuco. Em

decorrência da dificuldade em se encontrar professores franciscanos e oratorianos para

substituir os jesuítas, expulsos desde 1757, Portugal enviou dois professores régios para

essa capitania, fato este que não foi suficiente para dirimir os problemas encontrados. Dessa

forma, o Conde de Oeiras, em 21 de novembro de 1759, anunciou a Luis Diogo Lobo da

Silva, governador e Capitão-general de Pernambuco, que

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Sua Magestade he servido mandar remeter e recomendar os dois professores régios de Gramática, “que vão estabelecer nessa capitania de Pernambuco e o novo methodo dos Estudos”, para que lhes fossem dadas casas e o ordenado julgado necessário para o sustento (apud ANDRADE, 1978, p. 52).

A reforma pombalina da instrução pública, iniciada no território brasileiro a partir da

Lei de 1757, sempre esteve associada às ordens vindas de Lisboa. O ensino elementar, no

entanto, conforme atesta Fávero (2005), esteve sob a proteção dos governadores do país.

Para a manutenção deste ensino, Luiz Diogo Lobo da Silva comandou o processo de

publicação e implementação da Breve instrucçam para ensignar a doutrina christaã, ler e

escrever aos meninos e ao mesmo tempo os princípios da lingoa portugueza e sua

orthografia. De acordo com Casimiro (2005, p. 151), este documento, datado de 1759, não

possui autoria conhecida, caracterizando-se como sendo, ao mesmo tempo, um manual

(direcionado aos mestres) e uma cartilha (preparada para os discípulos), capaz de apresentar

uma “excessiva preocupação pedagógica em ensinar aos alunos os deveres e obrigações

para com a Igreja, o Monarca e a Língua Portuguesa”.

Os Portugueses alegavam que os brasileiros eram preguiçosos e sem interesse em

aprofundar seus estudos. Por outro lado, muitos alunos de um dos professores régios

constantemente solicitavam transferência para as aulas dos professores da terra, chegando

este fato ao conhecimento de Tomás de Almeida através de carta enviada pelo seu

comissário, o Conde de Vila Flor. Esse tipo de situação era totalmente reprovado pelas

Instruçoens de 1759. Segundo as cartas do conde, a falta de aceitação dos professores

régios podia estar associada à oposição dos “naturaes”, à pouca assistência e fervor nas

aulas ou, até mesmo, às incivilidades do professor régio Manuel da Silva Coelho, que

chegou a perder quarenta e três alunos em uma única classe. O comissário insinuou que

uma possível utilização do método antigo poderia ter contribuído para uma maior aceitação

das aulas dos professores “do Paiz”. O pequeno número de professores régios era,

provavelmente, motivo de discórdia entre as duas classes de professores que aqui surgiram.

De acordo com Azevedo (2004), em 1761 havia muitos poucos professores régios, estando

estes restritos às cidades de Lisboa, Coimbra, Porto, Évora e Pernambuco.

De início, percebeu-se uma insatisfação dos professores “naturaes ou do Paiz”, uma

vez que estes não recebiam ordenados e sim pagamentos dos discípulos, ao contrário do

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que acontecia com os professores régios. O ordenado para tais professores foi estipulado

em 480$000, valor semelhante ao pago, no século XIX, aos primeiros lentes nomeados no

Brasil, podendo-se exemplificar: 1) o salário de “500$000 anuais”, pago ao padre João

Baptista, Professor Público de uma Cadeira de “arithmetica, algebra e trigonometria” na

cidade do Rio de Janeiro, em decorrência de conteúdo disposto na Carta Régia de 19 de

agosto de 1799; 2) o pagamento do ordenado de 400$000 por ano ao padre René (Renato)

Boiret, Professor de Língua Francesa e 3) o mesmo ordenado de 400$000 anuais

estipulado, a partir do Decreto de 23 de fevereiro de 1808, nomeando José da Silva Lisboa,

professor ocupante da Cadeira de Ciência Econômica na cidade do Rio de Janeiro

(OLIVEIRA, 2006).

Mendonça (2005), com base nas pesquisas de Banha de Andrade, alega que a escassez

de professores aprovados por exame poderia ter arruinado a reforma, o que foi impedido

graças ao número de mestres particulares verificados na época, que eram também obrigados

a seguir o novo método e a utilizar os livros recomendados e aprovados pela Mesa

Censória.

Entre 1759 e 1772, proveram-se apenas 23 professores régios de gramática latina, para todos os domínios do reino (13 em Lisboa, 2 em Coimbra, 2 no Porto, 2 em Évora, 1 em Luana e 3 no Brasil), o número de licenças de gramática latina concedidas a mestres particulares foi infinitamente superior ([...] 744 mestres de gramática latina licenciados, nesse período, apenas em Portugal (MENDONÇA, 2005, p. 36).

Os problemas encontrados pelo Marquês de Pombal para administrar essa sucessão de

acontecimentos que dificultaram a implantação das reformas nas colônias portuguesas pode

estar relacionada ao terremoto ocorrido em Lisboa em novembro de 1755, seguindo de

incêndio, que teve a duração de seis dias. Preocupado com o projeto de reconstrução da

cidade, as colônias portuguesas provavelmente não tiveram o acompanhamento mais de

perto do Marquês de Pombal, que não conseguiu antever os problemas que a sua reforma

teria na América portuguesa. Aliado a esse fato, Portugal havia se envolvido na Guerra dos

Sete Anos (1756-1763), de Abril a Novembro de 1762, sob o comando do Conde de Lippe,

contra os espanhóis, aliados dos franceses, o que causou grandes prejuízos para a coroa

portuguesa (DIAS e FERNANDES, 2007, p. 11).

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CAPÍTULO III

AS GRAMÁTICAS INGLESAS DA “ERA”

POMBALINA (1759 – 1827)

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A GRAMÁTICA DE CASTRO E O ENSINO DE INGLÊS NO BRASI L

A partir do século XVIII, percebe-se o início do processo de escolarização e a

profissionalização dos professores (NÓVOA, 1986). O Estado passa a controlar todas as

ações educativas, tendo como um de seus principais resultados a institucionalização da

profissão docente, isto é, a transformação dos professores em funcionários do Estado. O

impulso para a profissionalização do ensino está relacionado ao Alvará de 28 de junho de

1759, conhecido como Lei Geral dos Estudos Menores, através do qual Pombal acusava os

jesuítas de serem os grandes causadores do estado calamitoso em que se encontravam as

Letras Humanas, como já foi dito, propondo, como solução, a estatização do ensino e a

necessidade de uma habilitação legal para a ocupação do cargo de Professor Régio. No caso

do ensino das Primeiras Letras, “Os mestres, grupo até aí claramente distinto dos

professores de gramática latina, de retórica, de grego e de filosofia (isto é, dos professores

do ‘secundário’), começam a afirmar-se como fazendo parte do grupo social de

‘professores’, ainda que das ‘primeiras letras’” (NÓVOA, 1986, p. 25).

Com as Reformas Pombalinas, ganha ênfase a questão da instrução pública e a

necessidade de qualificação do professor. Observa-se no Brasil, desde então, a preocupação

com a nomeação de professores mais capacitados e dedicados à instrução de alunos para os

exames preparatórios e o consequente ingresso nas universidades portuguesas ou nas

diversas aulas criadas a partir de 1808, ano da vinda da família real portuguesa para o

Brasil.

Data de 1809 a primeira referência ao ensino de idiomas em solo brasileiro. A

Decisão n. 29, de 14 de julho, criou duas cadeiras de ensino de línguas: uma de Língua

Inglesa e uma de Língua Francesa:

E sendo outrossim tão geral, e notoriamente conhecida a necessidade, e utilidade das linguas franceza e ingleza, como aquellas que entre as linguas vivas teem o mais distincto logar, é de muito grande utilidade ao Estado, para augmento, e prosperidade da instrucção publica, que se crêe nesta capital uma cadeira de lingua franceza, e outra de ingleza (apud OLIVEIRA, 2006, P. 81).

Desde a sua instituição, as Línguas Inglesa e Francesa estiveram associadas à sua

utilidade instrumental, de modo a servir como acesso a um conhecimento científico escrito

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em língua estrangeira, principalmente após a Lei do Diretório de 1757 e o Alvará de 1770,

que enfatizam a necessidade em se utilizar o vernáculo e não mais o Latim como língua

oficial dos estudos, sejam eles de Língua Portuguesa ou das demais língua vivas. Seguindo

as orientações dessa Decisão de 1809, os professores deveriam compor gramáticas a serem

utilizadas em suas aulas. Os compêndios produzidos em Portugal e seus domínios, desde

então, tentam reproduzir estilos considerados como de excelência, de modo a incentivar os

bons costumes e fornecer modelos para a sociedade da época. Ainda em 1809 foram feitas,

e assinadas por D. João, as cartas de nomeação dos professores das Línguas Francesa e

Inglesa. A primeira, datada de 26 de agosto, nomeava o padre René (Renato) Boiret

professor da Língua Francesa, com o ordenado de 400$000 réis por ano. A segunda carta,

de 9 de setembro, nomeava, nos mesmos termos e com o mesmo ordenado, para professor

da Língua Inglesa, o padre irlandês John (João) Joyce (ALMEIDA apud OLIVEIRA,

2006).

Segundo Almeida (2000), Boiret era um professor bastante experiente, tendo

lecionado no Colégio Real dos Nobres por um salário menor (200$000 réis). Em 9 de

setembro do mesmo ano o padre irlandês John (João) Joyce foi nomeado professor de

Língua Inglesa. De acordo com o Colégio Brasileiro de Genealogia, John Joyce foi um

religioso, natural da Irlanda, tendo também exercido as funções de Cavaleiro da Ordem de

Cristo e Reitor do Colégio de São Patrício. Assumiu a Cadeira de Língua Inglesa do

Seminário de São José de 1809 a 1821, ano de seu retorno a Portugal, segundo o que consta

nos Anaes do Parlamento Brazileiro (BRASIL, 1860, p. 131).

A influência da Língua Francesa no Brasil pode ser reforçada em diversos momentos

da legislação educacional no século XVIII e XIX, destacando-se a redação da Decisão n.

29, da referida lei, que orientava os professores a lecionar as Línguas Inglesa e Francesa de

modo a habilitar seus Discípulos em “bem fallar e escrever” pelos “melhores modelos do

século de Luiz XIV”, numa verdadeira referência aos padrões franceses, considerados

como modelos a serem seguidos.

Como decorrência de seu caráter funcional, em muitas profissões que tinham no ensino de línguas um pré-requisito, o uso do francês era priorizado. Entre essas profissões, destacam-se as dos engenheiros militares: a Academia Militar, em 1793 priorizava o estudo de “fortificação, geometria pratica, arithmetica, desenho, francez, primeiras lettras” [...] e a de cirurgiões, uma vez que, de acordo com as Instruções para o Lente de Cirurgia de 1808, o curso cirúrgico então

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criado não admitiria “praticantes sem ter conhecimento da Lingua Franceza” (OLIVEIRA, 2006, p. 35, 51).

A ascensão da Literatura Francesa no reinado de Luiz XIV, ou seja no final do século

XVII e inicio do século XVIII, fez com que o Francês começasse a ocupar um lugar de

destaque no mundo ocidental, anteriormente dominado pelo Latim. Esse corpo de autores

franceses passou a ser utilizado para o ensino da juventude em idade escolar em

decorrência do estado de evolução verificado na França daquela época. “O trabalho de

comentário, de exegese, de análise, os estudos de retórica, de literatura e de história da

literatura, efetuados ao longo do século XVIII, tomam como referência, daí por diante, mais

a literatura francesa clássica do que a Antiguidade” (CHERVEL, CAMPERÈ, 1999, p.

157).

Ao lado dessa finalidade instrumental, caracterizada pelo seu caráter ilustrado, uma

vez que dava acesso à produção intelectual das nações cultas da Europa, havia também, no

caso da Língua Inglesa, uma finalidade utilitária, a qual se fazia valer num momento em

que o país tinha acabado de abrir seus portos ao comércio estrangeiro, especialmente o

Inglês, que, impedido pelo bloqueio continental imposto por Napoleão, precisava de outros

mercados para sua própria sobrevivência, obtendo condições bastante vantajosas no tratado

entre as coroas portuguesa e britânica, podendo-se destacar a negociação que resultou na

proteção de D. João, em sua fuga das investidas e ameaças do imperador francês, em troca

do quase monopólio do mercado brasileiro (OLIVEIRA, 2006).

As gramáticas dos séculos XVIII e XIX apresentam características similares tais

como: divisão em quatro partes (Ortografia, Etimologia, Sintaxe e Prosódia); uma parte

inicial dedicada ao estudo dos aspectos fonéticos do Inglês, partindo sempre dos sons das

letras e sílabas; e uma parte contendo conjuntos de frases, diálogos familiares e cartas

comerciais. Essa última parte pode estar contida na sintaxe. O grande número de

similaridades entre as gramáticas desse período comprova a contestação de Torre (1985, p.

31) ao afirmar que “é sempre difícil saber-se com segurança quando os gramáticos do

passado era originais, numa altura em que o plágio era uma prática corrente”.

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1.1 O ensino de Inglês e as Aulas de Comércio

Analisando a legislação do começo do século XIX, no que diz respeito à

institucionalização do ensino de línguas estrangeiras no Brasil, supõe-se ter sido

aconselhado, ou até mesmo exigido, o conhecimento da Língua Francesa ou Inglesa para

que o ingresso ou matrícula em tais Aulas pudesse ser assegurado. Em 29 de julho de 1803

foi publicado um Alvará confirmando os Estatutos da recém-criada Academia Real de

Marinha e Comércio da Cidade do Porto, que previam o ensino de “hum systema de

Doutrinas Mathematicas, e Navegação, e huma Aula de Commercio, outra de Desenho, e

duas das Linguas Ingleza e Franceza” (PORTUGAL, 1828).

O Título XXIX ao XLIII desta lei trata das Aulas das Línguas Francesa e Inglesa,

podendo ser possível a constatação do seu papel como instrumento de acesso a tais aulas,

uma vez que, pela tradução das obras utilizadas na época, poder-se-ia adquirir os

conhecimentos necessários para as matérias da Academia. É também possível, através desta

análise, perceber o método de ensino utilizado, podendo-se classificá-lo como pertencente a

um modelo baseado na gramática e na tradução, com uma certa ênfase à pronúncia, de

modo que se pudesse apreender o “gênio”, o “caráter”, o “estilo” e “gosto” de cada uma

delas nos “Authores dignos de se estudarem”.

A Academia Real de Marinha e Comércio da cidade do Porto era, segundo Oliveira

(2006), uma reivindicação antiga da Junta da Administração da Companhia Geral da

Agricultura das Vinhas do Alto D’ouro, que, desde 1785, já havia solicitado a El Rei a

criação de Aulas de Matemática e Comércio. Ribeiro (1872, p. 401-402) ressalta a

importância de um documento datado de 4 de janeiro de 1803, o qual apresenta argumentos

em prol da criação da Academia, conforme atesta a seguinte citação:

Que sendo o commercio desta cidade o mais consideravel do Reino, depois do da capital, e não se achando nella estabelecida aula de commercio, em que as pessoas, que se destinam a esta profissão possam adquirir os conhecimentos elementares do mesmo commercio: para o poderem exercer com perfeição e vantagem do Estado, se faz por isso muito necessario o estabelecimento da dita aula em utilidade publica: E que como muitas obras, que se acham escriptas, e se vão escrevendo em mathematica, em commercio, em agricultura, em fabricas e em navegação, é no idioma francez e inglez, e a maior navegação que fazem os navios deste porto, á exceção do Brazil, se destina para os paizes do Norte, e hoje felizmente para o Mar Baltico, nos quais é preciso saberem os mariantes as linguas vivas da Europa, principalmente as duas sobreditas franceza e ingleza, precisando tambem os commerciantes daquelle auxilio para melhor exercitarem a

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sua profissão na correspondencia do seu commercio, seria muito util o estabelecimento de uma aula de cada huma das referidas linguas; sendo esperavel, que da creação de todas as sobreditas quatro novas aulas nesta cidade, resultarão a este Reino de V. ª R. immensas utilidades, sendo ella tão populosa, e de habitantes tão industriosos e susceptíveis de toda a educação, do mesmo modo, que o são os desta provincia e das adjacentes (apud RIBEIRO, 1872, p. 401-102).

A leitura do trecho acima nos sugere uma íntima relação do ensino das línguas

estrangeiras com a instrução comercial e a criação das Aulas de Comércio, previstas pelos

Estatutos da Junta do Comércio, em 12 de dezembro de 1756, e regulamentadas pelos

Estatutos da Aula do Comércio37, em 19 de abril de 1759:

A conjuntura econômica obrigou a criação da Aula do Comércio e de escolas novas do tipo de aula destinada a preparar, por exemplo, os tenentes do mar e guarda-marinhas necessários para guarnecer as fragatas de guerra que o corpo comercial do Porto armou e sustentava (CRUZ, 1971, p. 2).

A Criação dessas Aulas se constitui em prova irrefutável da importância das ideias do

Marquês de Pombal e a sua tentativa de fornecer subsídios para a formação de um “perfeito

negociante”. A preocupação em preparar os jovens fica evidente quando, nos Estatutos, é

assinalado que “a ignorancia da reducçaõ dos dinheiros, dos pezos, das medidas, e da

intelligencia dos cambios, e de outras materias mercantis, naõ podem deixar de ser de

grande prejuízo, e de impedimento a todo e qualquer negocio com as Nações Estrangeiras”

(PORTUGAL, 1830, p. 656).

Os compêndios de Inglês publicados nos séculos XVIII e XIX, nesse contexto, se

utilizavam de suas notas ao leitor, prefácios e dedicatórias para enaltecer a Língua Inglesa,

na tentativa de colocá-la em um local de destaque no cenário português, associando-a, na

medida do possível, à sua importância para o comércio internacional. Dessa forma, não é de

se estranhar que A dictionary of the Portuguese and English Language in two parts,

publicado por Transtagano38 (1712-1797) em 1773, em seu prefácio, contenha uma

37 Os Estatutos da Aula do Comércio foram criados em 19 de abril de 1759 e publicados através do Alvará de 19 de maio do mesmo ano. 38 António Vieyra Transtagano é considerado um dos precursores no ensino do vernáculo como língua estrangeira, ao se propor a ensinar Português a estrangeiros. A metodologia utilizada, diferentemente do que se via na época, não se restringia a uma explicação das regras da língua. Outros fatos linguísticos, como a fonética, pronúncia correta, expressões do cotidiano, jargões especializados e passagens clássicas da Literatura Portuguesa estão presentes em sua obra. A sua obra, além de obter grande sucesso nos séculos XVIII e XIX, influenciou a produção de gramáticas principalmente as Inglesas destinadas aos Portugueses (Torre, 1985).

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exaltação à Língua Inglesa, por ser ela uma língua útil a todas as nações que negociam com

a Inglaterra. Segundo o autor, as nações não tardariam a compor gramáticas e dicionários

destinadas ao ensino de línguas estrangeiras, com o grande objetivo de facilitar as trocas

entre países que mantivessem relações comerciais.

O valor da Língua Inglesa no século XVIII é exaltado em outros compêndios, como é

o caso da Grammatica Portugueza e Ingleza, escrita por André Jacob, em 1793, ao afirmar

que “certamente, depois da nacional, nenhuma outra [língua] se deve estudar nem primeiro,

nem com mais cuidado (...) “he a lingua da Filosofia, porque he a dos seus restauradores, he

a dos Bacons, he a dos Newtons, dos Lockes, he em fim a dos Popes, a dos Miltons”

(JACOB, 1793, p. 4-5). A gramática de Eduardo Grauert, publicada quase 70 anos após a

de Jacob, continua a destacar a Língua Inglesa dos Shakespeares, Byrons e Popes, mas

ressalta, também, a importância do “progresso de nossas relações commerciaes com esta

potência [inglesa]”(GRAUERT, 1861, p. v).

A Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica, de J. Castro, impressa em

Londres e publicada pela primeira vez em 1731, também foi produzida com o objetivo de

valorizar a relação entre a Língua Inglesa e Portuguesa, tendo como tema principal as

relações comerciais. A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui uma cópia da terceira

edição desse compêndio, datada de 1759, o que sugere que tal compêndio tenha sido

utilizado para fins comerciais no Brasil.

1.2 A Gramática de Castro

Apesar do grande destaque dado às Aulas Públicas de Língua Francesa para os

Aulistas da Aula de Comércio, e não da Língua Inglesa, as notas ao Leitor das gramáticas

Inglesas publicadas no período, segundo Oliveira (2006), atestam a importância de se

associar o ensino de Inglês no século XVIII e XIX em Portugal e seus domínios com as

relações comerciais com a Inglaterra. A Gramática de Castro, primeira gramática com a

proposta de ensinar, ao mesmo tempo, o Inglês e o Português, conforme as palavras do

autor no prefácio, tinha como objetivo o seu “great Use in Commerce”, isto é, sua grande

utilidade no Comércio, tendo sido dividida em duas partes”, a primeira para a “instrução

dos Inglezes que desejarem alcançar o conhecimento da Lingua Portugueza” e a segunda

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“para o uso dos Portuguezes que tiverem a mesma inclinação a Lingua Ingleza” (CASTRO,

1759).

J. Castro era “Mestre e Traductor de ambas as Linguas” e ensinava, segundo o próprio

autor, na “Advertência ao Leitor”, tanto em sua casa quanto “por fora”, a “Ler, Escrever,

Contar, e Livro de Caixa pello Modo Italiano e em pouco Tempo (sem as costumadas

Regras, Taboadas, e impertinentes ou inutils Questoens) por um Methodo, claro, patente, e

bem a provado no estilo Mercantil”. De acordo com Cardim (1922), não se pode confundir

o autor dessa gramática com o médico Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), português

de origem judaica residente em Londres:

Em primeiro lugar é inadmissível que o médico Jacob de Castro Sarmento, membro do Colégio real dos médicos e da Real Sociedade de Londres, autor de várias obras notáveis e privando com sábios fôsse em 1751 [ano da segunda edição da obra] ‘mestre e traductor de ambas as linguas’, como se lê no frontispício logo por baixo do nome J. Castro (CARDIM, 1922, p. 106).

A maior parte do prefácio, escrito em Inglês e intitulado “To the Reader” (“ao

leitor”), foi dedicada à sua tentativa de provar que o Português era tão digno da atenção dos

ingleses quanto o Espanhol, para o que esboçou uma narrativa histórica da ascensão

daquela Língua (“the Rise of this Language”) desde a ocupação romana até o século XV,

argumentando que a Língua Espanhola não era “Mãe” da portuguesa, sendo ambas

originárias do Latim. Ademais, complementava, a Língua Portuguesa era facilmente

compreendida pelos espanhóis e, sendo muito próxima da “Língua Franca”, era corrente

nas costas índicas e africanas onde os portugueses tinham estabelecido suas possessões.

Quanto à parte do seu Compêndio dedicada à Gramática Inglesa, o autor pediu desculpas

aos críticos pelos eventuais erros, muito justificáveis, segundo ele próprio, pelo fato de não

ter nenhum modelo sobre o qual pudesse basear-se (CASTRO, 1759, p. v-x). Entre essas

incoerências, destacam-se a utilização de pronomes com o “s” nas pessoas do plural e o uso

do “of Who” nos casos genitivos, sem que nenhuma referência fosse feita com a forma

“whose”. Muitos erros verbais são também encontrados na gramática de Castro (1759, p.

12), que parece não ter dito o cuidado necessário com a utilização dos verbos na forma do

particípio. Ao tomar como exemplo o verbo to speak, percebe-se que algumas frases em

voz passiva são corretamente formuladas, o mesmo não acontecendo quando da

necessidade em se empregar o presente ou passado perfeito, conforme comprovado no

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102

exemplo: “Here the Pronouns elle and ella denote the Person of a Man or Woman that

spoke before”39 (forma correta: had spoken).

Em muitos casos, para tentar comprovar explicações derivadas do Latim, Castro

apresenta erros de concordância nas frases de seu compêndio. A título de exemplificação, o

autor explica que os casos nominativos apresentam concordância do verbo com o sujeito e

emprega as seguintes frases como exemplo:

He stands streight. Elle esta direito.

He is gone to Bed supperless Elle foy para acama sem cea (CASTRO, 1759, p.

323.

Através da análise das frases apresentadas, encontra-se um grave erro gramatical,

segundo Torre (1985), ao empregar a estrutura is gone no lugar da forma went. A expressão

he is gone, mesmo com a presença do complemento supperless, é uma estrutura aceitável

nas normas da Língua Inglesa. No entanto, a colocação do objeto to bed faz com a frase

perca a coerência e não seja gramaticalmente aceitável.

Ao que tudo indica, a Gramatica ingleza ordenada em portuguez,publicada em 1762

por Carlos Bernardo Teles de Menezes e a Nova Grammatica da Lingua Ingleza, publicada

em 1779, em Lisboa, por Neri da Silva, foram elaborada como uma resposta aos erros

anunciados de Castro em sua gramática. N. da Silva justifica a sua iniciativa em escrever

um compêndio através da “imperfeição de huma Grammatica, que em Londres se publicou

para se aprender a Lingua Ingleza, à qual vindo á minha mão casualmente, achei-lhe alguns

defeitos” (SILVA apud TORRE, 1985, p. 23). Apesar de, segundo Torre (1985), a

Gramática de Neri ter sido bastante semelhante a de Castro, a forma “whose” já é utilizada

nos casos genitivos e o mesmo verbo “To Love” é utilizado para conjugação em todos os

tempos verbais, numa referência ao verbo amare, constantemente referendado nas

gramáticas latinas.

A gramática de Castro valorizava a Língua Portuguesa, aproximando-a da Língua

Francesa no que se refere à pronunciação de algumas letras, tais como o j e o g, sendo esses

mesmos sons diferentes na Língua Espanhola, que os transformam em fonemas guturais.

Tratava-se, dessa forma, em tentar provar que o espanhol estava mais distanciado do

Francês e, portanto, que não era tão nobre como ele, o que afasta a hipótese difundida na

39 “Aqui os Pronomes ele e ela denotam o homem ou a mulher que havia falado antes” (tradução minha). ‘

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época de ser o Espanhol a língua mãe do Português. Desse modo, a influência francesa não

estava presente na Língua Espanhola, sendo um ponto diferencial nos padrões de nobreza

entre essas línguas.

Em sua gramática, Castro afirma ser a Língua Portuguesa de grande utilidade para o

comércio, apesar de não ser devidamente explorada e conhecida. Para justificar o valor e a

nobreza do Português, o autor nos convida a analisar os percursos históricos verificados no

transcorrer dos anos, com o objetivo de entender quais as nações que habitaram o país. De

acordo com suas narrativas, os mesmos povos que dominaram a Espanha também

habitaram Portugal, não sendo admissível considerar o Português como uma língua

derivada do Espanhol.

A Língua Portuguesa, em última análise, pode ser elevada ao grau de nobreza que

algumas línguas acumulam, o que a coloca em posição de destaque quando os assuntos

comerciais são analisados, não podendo ser comparada com a espanhola, uma vez que “a

língua portuguesa tem uma mistura do lado grave Espanhol e da suavidade do Francês, e é

tão útil no comércio quanto a língua espanhola, e até mesmo igual (se não superior) à sua

rival” 40 (CASTRO, 1759, p. vi-vii).

O Português, língua franca facilmente entendida pelos espanhóis, só não tinha o seu

valor reconhecido em decorrência de um processo de preconceito baseado apenas em

opiniões dadas por homens que incorreram em erro de juízo, como comprovam suas

palavras: “o que eu tenho dito aqui é para defender a Língua Portuguesa dos Preconceitos

elaborados pela Opinião dos Homens” (CASTRO, 1759: vi).41

Essa verdadeira língua franca, tal como é defendida, poderia ser utilizada em toda a

Espanha e colônias espanholas, em decorrência de sua facilidade de entendimento. O autor

acrescenta ainda que a Língua Portuguesa “é mais fácil para um inglês do que a língua

espanhola; e que a Nação Portuguesa é melhor e mais amiga dos Ingleses do que a

Espanhola” (CASTRO, 1759, p. Vii)42. O autor, em defesa da sua obra, acusa gramáticas

anteriormente publicadas por terem usado métodos confusos, cheios de contradições e

40 “the Portuguese Tongue has a Mixture of the Spanish Gravity and French Softness, and is as useful in commerce as Spanish, and therefore equal (if not superior) to its rival” (texto original). 41 “what I have said here is to vindicate the Portuguese Tongue from the Prejudices which it labours under in the Opinion of Men” (texto original). 42 “the Portuguese is easier for an Englishman's Tongue than the Spanish; and that that Nation are better and more constant Friends to the English than the Spaniards” (texto original).

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erros, de modo a dificultar a aprendizagem. Castro atribui esses insucessos aos autores, por

terem incorrido no erro de dar muito destaque às declinações e conjugações, conforme era

corriqueiro na época43. Esse pensamento do autor está em consonância com os princípios

pombalinos de que os compêndios utilizados deveriam ser simplificados, eliminando as

regras inúteis, e associados, na medida do possível, à Língua Nacional. O fato de sua

gramática ter sido escrita nas Línguas Inglesa e Portuguesa, traduzindo todos os exemplos e

diálogos, comprovam a associação de suas ideias aos princípios defendidos pelo Marquês.

Apesar de criticar as declinações latinas, Castro se utiliza delas durante todas as explicações

de pontos gramaticais.

A preocupação em reafirmar a posição destacada do Português e desmistificar

posturas enraizadas de que essa língua não é nobre foi verificada desde a primeira

gramática escrita em Língua Portuguesa, a de Fernão de Oliveira (1539), que instigava o

povo a valorizar o Português, assim como o fizeram os gregos e romanos, já que a língua

não poderia ser objeto de desconfiança. As línguas, segundo o autor, são constantemente

reformuladas, e o maior exemplo dessa premissa é o fato de que tanto a grega quanto a

latina “primeiro foram grosseiras, e os homens as puseram na perfeição que agora têm”

(apud HUE, 2007, p. 15).

Apesar de ter se desculpado por eventuais erros encontrados na parte do compêndio

escrito em Inglês, Castro valoriza a sua obra ao alegar não terem outras similares seguido

métodos apropriados. A metodologia adequada em sua gramática é verificada, segundo o

autor, em decorrência do profundo conhecimento que tinha de outras línguas modernas, o

que possibilitava que várias comparações pudessem ser feitas e as dúvidas fossem evitadas.

Essa base latina da língua, valorizada na gramática de Castro, tem, na análise das

declinações e dos casos latinos, um grande peso teórico, e nos exemplos de caráter prático e

utilitário uma constante, o que é comprovado pelos exemplos, compostos por letras de

câmbio e correspondências comerciais44. O uso recorrente da terminologia da Gramática

43 Lobato (1771), em sua Arte da Grammatica de Lingua Portueza, apresentou a mesma preocupação em distinguir sua gramática das demais da época, destacando que gramáticos como Fernão de Oliveira e João de Barros não se aprofundaram, no século XVI, nas regras gramaticais. No que se refere ao século XVII, o autor destacou que as gramáticas de Amaro de Roboredo e Bento Pereira incorreram no erro de terem se apoiado na Gramática Latina de forma excessiva, chegando até mesmo a igualar a sintaxe portuguesa à latina, como se não houvesse diferenças entre elas. 44 Os exemplos incluem Cartas sobre Mercância ou Negócio, Carta ou o Instrumento de Fretamento, apólice de seguro, conhecimento sobre fazendas (“a bill of lading”), Instrumento ou Escritura de Compromisso, várias

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Latina é verificado em toda a obra, como na explicação dada aos substantivos: “Os Nomes

em Inglez, se declinão por meyo de Artigos, e não por Mudança de terminaçois, como os

Latinos e tem seis cazos; a saber, Nominativo, Genitivo, Dativo, Acuzativo, Vocativo,

Ablativo” (CASTRO, 1759, p. 269). No capítulo destinado às partes do discurso, cada

ponto gramatical é enfocado através da declinação dos casos latinos, havendo, no entanto,

um destaque para as diferenças entre a Língua Inglesa e a Latina. Ao discorrer sobre as

declinações de número, Castro explica que

o Português tem um tipo de declinação; e seus Casos, que não admitem Variedades de Terminação, como era usual com os Romanos, sendo então possível de ser diferenciado apenas pela prefixação de Artigos, e o Plural sendo comumente feito através da adição de um s na forma singular (CASTRO, 1759, p. 18-9).45

Um grande destaque é dado à análise de verbos e suas conjugações. Nas setenta e

duas páginas (37 a 109) dedicadas ao estudo verbal, encontram-se descrições detalhadas

sobre o modo pelo qual os verbos têm suas formas alteradas, a depender do tempo verbal

analisado.

A presença de diálogos na parte final das gramáticas dos séculos XVIII e XIX pode

indicar uma tentativa em se buscar uma maior funcionalidade no ensino de línguas, que se

caracterizava na época pela repetição e memorização de frases, a serem repetidas pelos

aprendizes. Torre (1985) justifica essa possível aplicação funcional apoiado no diálogo

intitulado “para fallar Inglez”, da gramática Mestre Inglez, publicada em 1814 por

Francisco de Paula Jakú, através da qual é perguntado: “Ele [o seu mestre] não lhe disse

que você deve falar Inglês constantemente46” (tradução minha) (apud TORRE, 1985, p.

59).

A mesma preocupação comunicativa foi encontrada em outras gramáticas, como por

exemplo a de Silva (1814), uma vez que, em seu diálogo “to speak English” (para falar

Inglês), a seguinte discussão é encontrada:

formas de recibo, protesto de letra de câmbio, dinheiro recebido em parte, “Notas ou obrigaçoens que faz hum homem quando toma dinheiro emprestado”, etc. (CASTRO, 1759) 45 “the Portuguese have but one Sort of Declension; and their Cases, which admit of no Variety of Termination, as was usual with the Romans, are only distinguish'd by prefixing the Articles, and the Plural Number is commonly made by adding an s to the Singular” (texto original). 46 “Does not he [your master] tell you that you must constantly speak english” (texto original).

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Se eu falar mal todo mundo irá rir de mim Não tema isso Você não sabe que para que alguém possa aprender a falar bem, deve começar falando mal47. (tradução minha) (SILVA, 1814, p. 208).

Castro também se preocupou com a parte oral do ensino de línguas, apresentando, em

seus Familiar Dialogues, uma conversa muito similar à encontrada na gramática de Silva

(1814), porém destacando a conversação em Língua Portuguesa, o que sugere que esta

gramática tenha sido primordialmente criada para o ensino de Português a alunos ingleses.

A preocupação com a parte oral do ensino de Inglês não foi apenas descritas nas notas

dos autores de livros. De acordo com nota publicada na Gazeta de Lisboa, o Collegio da

Conceição aos Aciprestes confirmou, em 1813, o seu compromisso para o fortalecimento

da educação, de modo que se pudesse “fallar com perfeição a lingoa Ingleza”(LISBOA,

1813a, p. 19)

47 “If I speak bad every body will laugh at me. Do not fear that. Don’t you know that to learn to speak well, one begins by speaking ill” (texto original).

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FIGURA 1: FAMILIAR DIALOGUES DA GRAMMATICA ANGLO-LUSITANICA & LUSITANO-

ANGLICA (1759)

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A “Grammatica Anglo-Lusitanica & Lusitano-Anglica é composta de 407 páginas,

sendo 240 dedicadas ao ensino de Português em Língua Inglesa e 167 para o ensino de

Inglês em Língua Portuguesa. As gramáticas portuguesas dos séculos XVIII e XIX tinham,

segundo Buescu (1969, p.19) “duas finalidades: a codificação e a dignificação das línguas

vulgares”, estando as duas presentes na obra de Castro, que também seguia uma

preocupação de diagramação. Para exemplificar esse cuidado percebido com a impressão,

pode-se citar o rebuscamento na elaboração das letras, uma linha circular unindo as letras ct

que estavam grafadas juntas na mesma sílaba, títulos escritos com layout estilizado e a

primeira letra do parágrafo de cada tópico contendo uma figura geométrica. Para apresentar

as exceções e casos especiais, o autor utiliza marcadores geométricos, que, em contraste

com as palavras impressas, deixam uma apresentação mais atrativa ao leitor.

Esse cuidado com a formatação das paginas é também verificado quando da análise

da presença de letras maiúsculas nos textos, tanto em Português quanto em Inglês. De

acordo com o autor, “todos os Nomes Substantivos podem começar com Letra grande; e se

podem conhecer pellos signaes a, an ou the antes delles” (CASTRO, 1759, p. 260).

Valorizando a importância da gramática para a aquisição de uma língua e do Latim

como língua de inspiração para o ensino, Castro divide sua gramática de forma a cobrir de

forma detalhada os itens gramaticais, começando-se pelas letras e sua pronunciação,

acentos, partes do discurso, gênero, número e caso, artigos, substantivos, adjetivos,

pronomes, verbos, advérbios, conjunções, preposições, interjeições, ortografia e diálogos.

Em todas as situações possíveis, a declinação e os casos são analisados de modo a se

estabelecer uma correspondência com a Língua Latina, já que, como se acreditava então,

bastava saber o Latim para que outras línguas pudessem ser assimiladas (AUROUX, 1992).

Na primeira parte da gramática, as vogais e consoantes são apresentadas em

associação com sons que podem receber nas palavras. Alguns exemplos são apresentados,

de modo a evidenciar possíveis variações de pronúncia. Logo em seguida, os ditongos e as

sílabas são trabalhados. Castro se preocupa com a pronúncia da Língua Portuguesa,

ressaltando a importância em analisar os sons produzidos pelas palavras. Para auxiliar os

estudos, o autor apresentou um pequeno texto em Língua Portuguesa com uma transcrição

fonética por ele adaptada em uma segunda coluna. Ao acompanhar a transcrição feita,

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percebe-se a preocupação de Castro com a adaptação do texto para a leitura de um falante

da Língua Inglesa, uma vez que um suposto sotaque estrangeiro é respeitado, conforme

extrato:

“Tive a honra de suas de quinze e vinte

do mês passado pelo correio, e de 22 ditto

pelo Navio A. Capitam j”

“Teeve ao honra de suas de kinze e veente

do mes paussado pello corráo, e de 22

ditto pelo Nau-veeo A. Caupitaung j”

De acordo com as recomendações pombalinas contidas no Alvará de 1759, os

compêndios utilizados em sala de aula deveriam ser claros e sucintos, o que não é

percebido na gramática de Castro. As regras gramaticais não são mais explicadas na Língua

Latina, como era costume, porém alguns aspectos do Latim, como por exemplo, a

utilização de declinações para a análise estrutural, ainda são destacados. A preocupação

acentuada em utilizar declinações como base da análise gramatical fez com que Castro

cometesse alguns erros em seu compêndio, uma vez que a Língua Portuguesa deixou de ser

analisada, considerando-se as suas características internas e as suas aplicações reais. Como

exemplo, podemos citar a confusão que Castro faz entre o singular e o plural. Dessa forma,

segundo o autor, o possessivo our é utilizado no singular, enquanto que a forma ours deve

ser empregada no plural, conforme tabela apresentada em seu compêndio:

Singular Plural

N. our, nosso, nossa N. ours, nossos, nossas

G. of our, de nosso, de nossa G. of ours, de nossos, de nossas

D. to our, ao nosso, á nossa D. to ours, ao nossos, á nossas

A. our, a nosso, a nossa A. ours, a nossos, a nossas

V. o our, ó nosso, ó nossa V. o ours, ó nossos, ó nossas

Ab. from our, de nosso, de nossa Ab. from ours, de nossos, de nossas

CASTRO, 1759, p. 55-6

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A valorização da forma era também cultuada nas gramáticas da época, uma vez que,

“ao conversar com homens que falam uma língua corretamente, nós devemos aprender a

falar gramaticalmente correto, de modo que fique agradável aos ouvidos e estes fiquem

chocados a ouvir alguém falar ferindo as regras da gramática” (CASTRO,1759, p. 110)48.

Conforme analisado por Michael (1987) e Howatt (1988), as gramáticas dos séculos

XVII possuem estruturas semelhantes, o que foi observado na Grammatica Anglo-

Lusitanica e Lusitano-Anglica, já que foram evidenciados espaços destinados à discussão

de conceitos de Ortografia, Etimologia, Sintaxe e Prosódia.

Na parte referente à Etimologia, o autor mencionou, mais uma vez, a relação da

Língua Portuguesa com a Latina, desconsiderando as influências da Espanha na

determinação do Português. Castro demonstrou a sua perplexidade em relação ao fato de os

espanhóis continuarem anunciando sua paternidade sobre o português, sem, contudo, deixar

de reconhecer que algumas palavras portuguesas tiveram origem do Espanhol. Desde o

Século XVI, segundo Auroux (1992), a crença de que todas as línguas derivavam do Latim

enaltecia àquelas que apresentavam um maior fundo latino. Seguindo essa tendência,

Castro exaltou o Português ao afirmar que esta língua

reteve uma maior afinidade com o Latim do que com qualquer outra língua descendente: Além disso, sua construção é muito parecida com a Latina, com tentativas de pronúncia conforme a escrita, e a escrita conforme a pronúncia, sendo esses argumentos razoavelmente fortes para defender a Pureza dessa Língua49 (CASTRO, 1759, p. 155).

João de Barros, a exemplo dos demais gramáticos do século XVI, atribuiu a origem

da Língua Portuguesa à Latina, excluindo qualquer outra influência anterior. Como

qualidades essenciais do Português foram citadas a riqueza vocabular, a similaridade com o

Latim, a majestade da língua e a boa sonoridade produzida. Apesar de reconhecer a

importância que o estudo do Latim possuia, João de Barros defendeu o ensino do

48 “By conversing with Men who speak a Language correctly, we may learn to speak Grammatically true, and arrive to such a Nicety that the Ear shall be shock'd to hear any one speak against the Rules of Grammar” (texto original) 49 the Portuguese seem to have retained a greater Affinity to the Latin than any other of its Descendants: Besides, that their Construction is very like the Latin, and that they endeavour to pronounce as they write, and write as they pronounce, are doubtless also reasonable Arguments for the Purity of their Language (Texto original).

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vernáculo, destacando a necessidade em se priorizar o ensino da Gramática Portuguesa

sobre o da Gramática Latina, para que a boa assimilação desta pudesse ser garantida.

A defesa da Língua Portuguesa continua, na gramática de Castro, durante toda a parte

destinada à etimologia, com longas explicações sobre a grafia das palavras em Português e

a sua correspondência com a Língua Latina. Como exemplo, ele mostra que as palavras

terminadas em x no Latim sofreram uma mudança, havendo a troca do x por um z,

podendo-se citar, como exemplo, palavras latinas como pax, perdix, vox e lux.

A acentuação e pronúncia das palavras, tratadas na Prosódia, foi baseada, nesta

Gramática setecentista, nas terminações das palavras, começando-se pelas palavras

proparoxítonas, sem que, no entanto, essa nomenclatura fosse utilizada. As explicações são

longas e, muitas vezes, até confusas, conforme pode ser percebido na justificativa dada

sobre o tamanho das palavras: “A quantidade de Sílabas pode ser tanto pequena ou grande,

embora possa ser observada uma tentativa de introduzir um tipo de Pronúncia média, entre

a curta e a longa; o que, no entanto, para evitar Confusão, não nos deteremos” (CASTRO,

1759, p. 157).50

Seguindo a tendência verificada desde o século XVI, a presença de listas de palavras,

conforme amplamente demonstrado por Michael (1987), é evidente nessa gramática. Ao

discorrer sobre os principais assuntos gramaticais, como nomes, adjetivos, advérbios e

verbos, longas listas de palavras são verificadas e agrupadas por tópicos, sem haver, no

entanto, uma padronização na ordem utilizada, sugerindo que, possivelmente, Castro tenha

se inspirado em listagens provenientes de gramáticas da Língua Latina. Observa-se, da

página 163 a 201 desse compêndio, listagens em duas colunas, contendo 2.581 palavras em

Inglês e sua tradução respectiva. Os nomes estão divididos em capítulos, segundo a

seguinte ordem:

Capítulo Tópico Quantidade de verbetes

Cap. I Substantivos 1.649

Cap. II Adjetivos 232

50 The Quantity of Syllables is either short or long, tho' some pretend to introduce a sort of a middle Pronunciation, between short and long; which however, to avoid Confusion, we shall take no notice of (Texto original).

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Cap. III Números 66

Cap. IV Cores 31

Cap. V Verbos 512

Ao se analisar o conteúdo dessas listas, percebe-se uma certa preocupação com o

contexto, uma vez que os agrupamentos são sempre feitos por tópicos, como por exemplo:

ervas, minerais, insetos, partes do corpo, remédios e guerra. Um outro aspecto que

demonstra esse cuidado com a contextualização é observado ao se constatar que as palavras

nunca estão soltas nas listas e sim em associação com artigos ou explicações. A ausência de

artigos, por sua vez, caracteriza substantivos que não os recebem durante a construção de

frases, como é o caso dos seguintes exemplos: a fire, when a house is on fire (fogo, quando

a casa está em fogo), a Fish (um peixe), Danger (Perigo), Ruin (Ruina) e a Pistol (uma

pistola).

Na última parte da Grammatica Anglo-Lusitanica, são apresentados quinze diálogos

familiares, conforme os padrões de ensino da época, que viam na educação uma

oportunidade de fornecer modelos de boa conduta e de estilo de escrita a serem seguidos

pelos alunos. As primeiras gramáticas portuguesas do século XVI já apresentavam esse tipo

de método de ensino, o que era ainda recorrente até o século XIX. Entre os assuntos

presentes na gramática de Castro, destacam-se: cumprimentos, refeições, vestimentas, o

falar a Língua Portuguesa, clima, compras, jogos, viagem, câmbio e leis da Inglaterra.

Todos os diálogos se baseiam em conversações entre duas pessoas, através de um jogo de

perguntas e respostas sobre um tema identificado, tal qual acontecia com as aulas de

catecismos, uma vez que, segundo Oliveira (2006), era comum a prática desse tipo de

atividade até o século XIX.

Um dos pontos negativos dos diálogos encontrados nas gramáticas do período em

questão, segundo Torre (1985, p. 64), se refere ao modo pelo qual os alunos eram tratados.

Todas as situações abordadas foram criadas tendo-se em mente alunos adultos, mesmo

quando a temática era mais apropriada para a realidade das crianças ou adolescentes.

Apesar dessa características, “os diálogos constituem, conjuntamente com as frases

familiares, a parte funcional das gramáticas antigas. O seu objetivo era promover a

utilização oral da língua estudada”.

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FIGURA 2: FOLHA DE ROSTO DA GRAMMATICA ANGLO-LUSITANICA & LUSITANO-ANGLICA (1759)

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A Grammatica Lusitano Anglica, segunda parte do compêndio de Castro, se dedicou

ao ensino da Língua Inglesa, utilizando-se, para tanto, do Português. A estrutura da

gramática é bastante similar à da primeira parte, podendo-se observar que o capítulo

destinado “Ao Leitor” é muito mais simplificado, uma vez que não há o objetivo de

valorizar a Língua Inglesa e encontrar uma possível origem nobre. É destacado, em sua

nota ao leitor, o valor dessa obra por considerar “ser para o Homem de Negocio, de

absoluta importancia, e para o Curiozo Estudante de entertenimento e recreyo” (CASTRO,

1759, p. 243). Para o primeiro, são destacadas as últimas sessenta páginas, que contém uma

variada coleção de cartas sobre o comércio, e para o curioso estudante, além das cartas

acima mencionadas, estão disponíveis diálogos familiares para o entretenimento e exemplo

de modelos morais e estilo de escrita.

Nesta parte da gramática, é bem evidente o cuidado com a formação do “perfeito

negociante”, uma das preocupações do Marquês de Pombal, tendo sido adicionados, ao

final da gramática, modelos de cartas sobre negócios, procurações, apólices de seguro,

escrituras de compromisso, bem como letras de câmbio e de protesto.

Ao discorrer sobre a prosódia, o autor apresenta as letras e sílabas associando-as à

sua pronúncia em Inglês, e mostrando, por exemplo que kni recebe o som de nai, e que os

ditongos ou e ow são pronunciados como au, utilizando palavras como house, mouse, cow e

now como exemplos.

Castro demonstra se preocupar com os sons da Língua Inglesa, possivelmente em

decorrência das grandes discrepâncias observadas entre a parte oral e a escrita, chegando a

afirmar que “os Inglezes naõ somente Escrevem de hum modo e Leyem de outro, mas

tambem nao falaõ como Leyem ou Escrevem: Se não por hum modo muy rapido, que para

com elles tem total domínio; o que sem duvida cauza grande harmonia aos Forasteiros”

(CASTRO, 1759, p. 245).

Após explicar os sons vocálicos e consonantais, Castro apresenta uma pequena

carta em Inglês com a correspondente transcrição fonética elaborada pelo autor, conforme

pequeno extrato abaixo:

Since mine of the 16th Instant I have yours of the 14th ditto', and refer myself to what I have already written in answer to your said Letter.

Sense main av thi 16 instant Ai ev iuars av thi 14 ditto, end rifar maiself tu uat Ai ev alredy ritin in ensar tu iuar seid Letar.

(CASTRO, 1759, p. 261)

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Percebemos, nesse pequeno trecho, a preocupação do autor em auxiliar os leitores de

sua gramática a pronunciar corretamente as palavras em Inglês. Estranho, no entanto, é

observar que os numerais ordinais não foram transcritos na coluna destinada à pronúncia, e

os números foram mantidos na sua forma em algarismos, o que faz com que o aprendiz leia

o numeral como se o estivesse pronunciando em Português. Não se sabe ao certo se a

manutenção dos símbolos numéricos tenha se dado pela dificuldade verificada na

transcrição ou como consequência de mero esquecimento.

O autor utilizou uma maior quantidade de listas de palavras na sua Grammatica

Anglicano-Lusitanica, agrupando substantivos, adjetivos, advérbios, preposições e verbos,

sempre respeitando a categorização por tópicos. A segunda parte do livro é mais resumida

do que a primeira, sendo tal constatação confirmada pela menor quantidade de listas de

palavras e a redução no número de diálogos. Estes estão reunidos em apenas cinco

“Pequenos Dialogos para Principiantes”, que não possuem títulos e se detêm em conversas

corriqueiras e até mesmo banais (CASTRO, 1759, p. 355).

Observa-se, no entanto, a inclusão de sete páginas contendo frazes familiares (da

página 358 à 364), agrupados por temas destacados por Castro (1759), como por exemplo,

expressões de carinho, para agradecer, para afirmar, negar e consentir, de modo que,

segundo Torre (1985, p. 56), parecem ter sido colocados com o objetivo de realizar

“funções comunicativas nas situações mais típicas da época em que as frases foram

escritas”. Muitas dessas frases, segundo o autor, também foram encontradas na gramática

de Silva (1779).

Grande destaque deve ser dado às cartas comerciais colocadas ao final do compêndio,

que foram compiladas com espaços em branco para o preenchimento das informações a

serem adicionadas. Como Portugal e suas colônias estavam se afirmando no comércio,

principalmente o estabelecido com a Inglaterra, era importante coletar exemplos das cartas

comerciais mais utilizadas, de modo a fornecer modelos a serem usados pelos comerciantes

brasileiros, depois da abertura dos portos, em 1808. Os modelos presentes neste compêndio

demonstram uma preocupação com a elaboração dessas cartas, incluindo o cuidado com

cabeçalhos, rodapés, introduções e despedidas. Cada carta é escrita em Português e, logo

após, traduzida para o Inglês, sendo elas: seis cartas comerciais, uma procuração, uma carta

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de fretamento, duas cartas de compromisso, uma apólice de seguros, seis recibos e 4 notas

de empréstimo de dinheiro.

É muito provável que a gramática de Castro (1759) tenha sido utilizada por John

Joyce no início do século XIX, no Brasil. Com a sua nomeação em 1809, Joyce teria que

compor um compêndio a ser utilizado em suas aulas. Como não se tem notícias de obras

escritas por esse professor, e, levando-se em consideração que a Biblioteca Nacional possui

um exemplar desse compêndio em seu acervo geral, pode-se presumir que Joyce tenha

adotado esse compêndio durante o período que exerceu a função de professor em solo

brasileiro.

2. A GRAMÁTICA DE TELES DE MENEZES

Os Estatutos do Real Colégio dos Nobres, publicados em 1761, trouxeram grandes

benefícios para o ensino das Línguas Vivas, mais especificamente para o Francês e o

Inglês, direcionando o aprendizado desta última para aqueles que se destacassem nos

estudos, e, por conseguinte, demonstrassem ser merecedores de uma educação diferenciada.

É importante observar que, em 1762, um ano após a publicação dos Estatutos, Carlos

Bernardo da Silva Teles de Menezes, militar e “fidalgo da Caza de Sua Magestade”, teve

impressa a sua Gramatica ingleza ordenada em portuguez em Lisboa. Na dedicatória de

sua obra, Teles de Menezes se referiu ao estudo do Inglês como sendo “recomendado pelas

novas leys”, em referência ao Estatuto de 1761 e demais legislações do período, e destacou

a criação da figura de um professor de Inglês no Colégio dos Nobres como importante para

o desenvolvimento do estudo da dita língua.

O início da sua obra se constitui em uma verdadeira apologia ao rei D. José I, em

decorrência dos grandes progressos verificados com a ascensão da “Literatura Portugueza”,

resultado das sábias providências de El-Rei, através das quais “nascem as fontes, e os rios

com que se vay hoje regando, e florecendo cada vez mais em Portugal a arvore da ciência”.

Como consequência, qualquer obra literária deveria ser dedicada a D. José I. O autor

celebrou a aprovação real recebida pela sua Arte, “aceitaçaõ precioza que fará toda a gloria

do Autor, e todo o credito do livro” (MENEZES, 1762, p. iii). Essa constatação está em

consonância com a ideia defendida por Teixeira (1999) de que a segunda metade do século

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XVIII presenciou uma série de ações propagandísticas com o intuito de imortalizar os

grandes feitos do rei e do seu principal assessor: o Marquês de Pombal. Ao apoiar a arte e a

literatura, Pombal viu seu nome despontar nas obras da época, que cultuavam o seu espírito

destemido, vitorioso e protetor da cultura. O mecenato pombalino, conforme defendido

pelo autor, também foi verificado na obra de Teles de Menezes, na medida em que a figura

do rei D. José I foi exaltada e cantada.

Na secção “Ao Leitor”, termo também utilizado na gramática de Castro (1759),

Menezes (1762), ao fazer uma análise da trajetória do ensino de Inglês, o autor afirma ter

sido essa língua, por muito tempo, desconhecida e desprestigiada. A íntima aliança

verificada entre as nações inglesa e portuguesa era cada vez mais evidente, tornando-se um

estímulo ao aprendizado do Inglês. Aliado a essa fato, o surgimento de grandes autores no

século XVIII fez com que essa língua merecesse “ser entendida por todos, para se

utilizarem dos excelentes originaes que nela se achaõ impressos” (MENEZES, 1762, p. iv).

Menezes destacou a representação social da Língua Inglesa ao ressaltar o fato de se

encontrar facilmente pessoas inglesas dentro de casas portuguesas, reforçando a

necessidade em se conhecer esse idioma para que a comunicação pudesse ser melhorada, já

que poucos se aventuraram nessa aprendizagem.

A Lingua Ingleza, que até os fins do século passado era não somente desconhecida dos estrangeiros, mas desprezada dos seus próprios naturaes, se acha oje tão polida, e tão abundante por benefício dos grandes Autores que nella tem effeito desde o principio do século presente, que merece ser entendida de todos, para se utilizarem dos excelentes originaes que nela se achão impressos (MENEZES, 1762, p. iv).

Ao mesmo tempo, é destacada a diferença de perspectiva observada entre os ingleses,

uma vez que, segundo Carlos Bernardo, “[Os Inglezes] tem differentes gramáticas da língua

Portugueza; quazi todos a aprendem, especialmente aqueles (e he a mayor parte da naçaõ)

que se aplicam ao commercio” (MENEZES, 1762, p. v). Esse comentário pode ter sido

elaborado em referência ao fato de a Gramática de Castro (1759), publicada em Londres

pela primeira vez em 1731, ter sido referendada por Howatt (1988) como sendo a primeira

gramática para o ensino de Português a ingleses, uma vez que, na Inglaterra daquela época,

os ingleses já haviam encontrado a necessidade em se aprender a Língua Portuguesa. Para

Oliveira (2006, p. 41), a postura de Menezes pode ter sido devida à “um movimento típico

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da retórica dos autores de Compêndio, os quais insistiam em alardear o caráter inaugural de

suas obras, a despeito das outras do mesmo gênero já publicadas”. Moser (1985, p. 26) se

refere a essa passagem da obra de Menezes (1762) como uma provável referência a Os

Lusíadas, uma vez que “era exaltado em Inglaterra como epopeia da criação do comércio

mundial, por poetas, intelectuais e pelo próprio tradutor William Julius Mickle, que

empreendeu a tradução, em parte, com o objectivo de conseguir um bom emprego na East

India Company!”

O autor pede desculpas antecipadas aos leitores por possíveis defeitos na sua obra,

muito provavelmente ocasionados como consequência das atribulações de sua profissão e

de uma grave doença que o acompanhou durante o período em que esteve ocupado com a

impressão. A sua modéstia é esquecida ao destacar que outras Artes da mesma língua

estavam repletas de erros e seu método, contudo, seria capaz de minimizar problemas

existentes em decorrência da utilização de conceitos e preceitos mais simples

nela [sua gramática] forão já emendados muitos dos defeitos que achey em outras Artes da mesma lingua, feitas para uso de diversas nações; e não somente emendados os defeitos, mas melhorado o metodo, e os preceitos; pois tal he, que nesta Arte está reduzido a uma só regra, quando em outras he materia de mais de vinte (MENEZES, 1762, p. viii-ix).

A referência acima pode ter sido feita em relação à gramática de Castro (1759), uma

vez que sua obra parece ter sido baseada nesse compêndio publicado na Inglaterra, mais

extenso que o de Menezes (1762). O autor admitiu possuir bastante conhecimento da

Língua Inglesa, e apesar de temer possíveis críticas, decidiu submeter o seu compêndio à

apreciação real, o que resultou em uma aceitação e indicação da obra.

A primeira licença obtida e publicada no compêndio foi a do Santo Officio, datada

de 27 de fevereiro de 1761. O Dr. Fr. João de Mansilha, qualificador da Sagrada Religião

dos Pregadores, atestou ter lido a referida gramática, não encontrando nenhuma informação

contrária à Santa Fé ou aos bons costumes. A obra foi julgada como sendo “muito útil para

facilitar o uso daquella lingoa, na qual se achão estampadas muitas Obras de huma

vastíssima erudição” (MENEZES, 1762, p xiii).

Em 25 de março de 1761, o Fr. Timotheo da Aconceiçaõ concedeu a licença do

Ordinário, e no mês de junho do mesmo ano, o Sr. Antonio de Saldanha de Albuquerque,

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deputado da junta dos três Estados concedeu a licença do Paço à Gramatica ingleza

ordenada em portuguez, cujo autor encontrava-se ainda no anonimato, o que fez com que

os pareceres fossem direcionados a Francisco Luiz Ameno, impressor da obra. Saldanha, a

pedido real, avaliou a gramática destacando a intenção da obra em exaltar a pátria, o que a

fez digna de alcançar a licença pretendida51.

A gramática de Teles de Menezes (1761), disponível no acervo geral da Biblioteca

Nacional, contém 268 páginas, divididas em três secções. A primeira contém a explicação

das partes da oração, artigos, declinações, gêneros e qualidades dos nomes, conjugações

dos verbos regulares e irregulares, prosódia e ortoépia, os graus de comparação, os

pronomes, etc. A segunda apresenta um breve dicionário de palavras inglesas organizadas

por tema, além de uma listagem de palavras da Língua Ingleza que podem causar

dificuldades aos falantes de outras línguas que “que não tem como ela, a raiz na lingua

Teutonica”. A terceira parte foi dedicada à publicação de vários “diálogos familiares”

ingleses e portugueses, capazes de proporcionar uma oportunidade para que os estudantes

pudessem ser testados “no adiantamento com que se achará na lingua que ela ensina”

(MENEZES, 1762, p. xi).

A parte gráfica dessa gramática aparenta ter sido cuidadosamente elaborada,

seguindo a tendência identificada na de Castro (1759). Ambas apresentam letras

rebuscadas, mais especificamente o s e o f, havendo, no compêndio de Menezes (1762), um

maior cuidado com a associação de figuras a cada mudança de secção abordada. Torre

(1985) não teve acesso a esse compêndio, alegando ter encontrado dificuldades para

encontrá-lo em Portugal. Segundo o autor, Francisco Bernardo de Lima, cônego secular da

Congregação Evangelista, criticou negativamente a gramática de Teles de Menezes na

Gazeta Literária em março do mesmo ano da publicação desse compêndio, constituindo-se

na única informação que foi possível ser coletada.

Na primeira parte da gramática em questão, o autor detalhou a etimologia, sintaxe e

prosódia, começando, como observado nas gramáticas anteriores, com o ensino das letras

do alfabeto, vogais, ditongos, consoantes e dígrafos. O autor associou cada letra ao seu

som, detalhando as diferenças de pronunciação, a depender da localização dessa letra na

51 Além dos três pareceres destacados, encontram-se também reproduzidas no livro, as aprovações de Silveira Lobo Carvalho Melo, irmão de Pombal, com data de 27 de fevereiro 1761; e a de D. J. A. de L., datada de 25 de março.

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palavra. A preocupação com a explicação fonética fez com que fosse comum a presença de

explicações como: “Terminando-se qualquer palavra por able, e acle, soará a também como

é, v.g. table, bofete; miracle, milagre, &c. que se lem téble, mirécle” (MENEZES, 1762, p.

2). Nesse exemplo, o cuidado com a transcrição do som é evidente, sendo possível, no

entanto, o levantamento de alguns questionamentos sobre a efetividade das tentativas feitas

pelo autor em transcrever esses sons. O autor, ao não conseguir transcrever o som able,

necessitava de algum entendimento fonético prévio para que esse som pudesse ser

corretamente assimilado. A transcrição dos sons das letras e palavras se dava quase sempre

de forma isolada e descontextualizada, de modo que o aprendiz deveria memorizar regras e

exemplos para conseguir a correta pronúncia em explicações como: “o verbo hear, ouvir, se

lê hir; porém no preterito, e participio heard, se lê hérd: o verbo read, ler, em todos os

tempos se lê ride; porém o seu preterito, e participio read, se lê réd” (MENEZES, 1762, p.

10).

Ao tratar dos pontos gramaticais, o autor utilizou as declinações em todos os casos

latinos: nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo, da mesma forma como

foi verificado na gramática de Castro (1759), com a constatação de que muitos exemplos

empregados nessa gramática estavam também presentes no compêndio anteriormente

analisado, como é o caso da utilização das palavras king e Queen. A secção dedicada a

listas de palavras apresenta muitas semelhanças com a encontrada na Grammatica Anglo-

Lusitanica (1759). Na gramática de Teles de Menezes, no entanto, a palavra é inicialmente

listada em português e só depois versada para o inglês. A categorização das listas é bastante

similar nas duas gramáticas, havendo, inclusive, repetição de tópicos e de palavras.

A parte III, referente aos “Diálogos Familiares”, encontra-se bastante semelhante à

apresentada na gramática de Castro (1759), com os diálogos sendo apresentados por

numeração ordinal em duas colunas: a primeira para a língua portuguesa e a segunda para a

versão em Inglês. Na gramática de Castro, no entanto, a Língua Inglesa ocupa a primeira

coluna.

Entre os vinte e nove diálogos encontrados nesse compêndio, destacam-se os

seguintes: entre dois amigos, entre duas senhoras, para falar a uma senhora, para perguntar

alguma coisa, entre dois vizinhos, para agradecer, para falar Francês, para comprar livros,

para escrever uma carta, etc. Muitos dos diálogos apresentados contêm situações

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corriqueiras e banais, tratando de assuntos como cumprimentos e conversas entre homens e

mulheres. Alguns, no entanto, mostram opiniões mais críticas do autor, como é o caso dos

diálogos sobre como falar Francês, em que nos é dado um panorama de como era visto o

ensino do Francês na época, destacando que as “pessoas de qualidade falaõ Francez”, essa

língua tida como universal, presente em todas as cortes da Europa. (MENEZES, 1762, p.

211). No diálogo sobre os livros, o autor reforçou o pensamento exposto na advertência ao

leitor sobre a relação entre o crescimento da literatura, desenvolvimento da nação inglesa e

popularização do ensino. Nesse diálogo, um dos participantes, a procura de um livro,

recebe indicações de obras de História, Matemática, Filosofia, Teologia, Medicina e

Direito, mas recusa as opções, uma vez que necessitava de um livro de poesias, o seu

gênero predileto. Autores como Virgilio e Boileau são destacados.

Considerando-se o fato de o autor ter sido um militar e haver, pela época da

publicação do livro, Aulas de Inglês na Academia Militar, é provável que a Gramática

Teles de Menezes (1762) tenha sido usada em Portugal e no Brasil. Oliveira (2006, p. 43)

compartilha da mesma opinião, mas sugere que esse compêndio tenha sido “muito pouco

usado na instrução militar portuguesa, pelo que sugere a legislação disponível”, uma vez

que, apesar das “constantes relações comerciais, sacramentadas por Tratados nem sempre

proveitosos para Portugal, a Língua Inglesa foi preterida pela Francesa”. De qualquer

forma, é muito provável que o compêndio de Teles de Menezes tenha sido utilizado nas

aulas do Real Colégio dos Nobres, bem como nas aulas da Academia Militar do Rio de

Janeiro.

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FIGURA 3: FOLHA DE ROSTO DA GRAMATICA INGLEZA ORDENADA EM PORTUGUEZ (1762)

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FIGURA 4: DIALOGOS FAMILIARES DA GRAMATICA INGLEZA ORDENADA EM

PORTUGUEZ (1762)

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3. A GRAMÁTICA DE BRAZILEIRO

A Nova grammatica ingleza e portugueza dedicada á felicidade e augmento da

Nação Portugueza. Selecta dos melhores authores foi publicada em Liverpool, em 1812,

por Manoel de Freitas Brazileiro. Trata-se de uma gramática que contém 245 páginas, das

quais trinta e três são dedicadas à ortografia, cento e trinta e três à etimologia do Inglês,

onze relacionadas com a prosódia e sessenta e oito englobam informações coletadas no

apêndice, contendo numerais, palavras com mesmo som, abreviações, perguntas e

respostas, as vantagens de ler e escrever, dinheiro, tipos de cartas comerciais e uma

advertência final.

Na secção intitulada “Literatura e Sciencias” do mês de julho do ano de 1812 do

Correio Brazilienze ou Armazem Literario52, encontramos uma nota de divulgação da obra

recém publicada, com um posicionamento favorável. É asseverado ao leitor que essa

gramática pode ser utilizada para estudos sem que haja a necessidade do acompanhamento

de um mestre, mesmo tendo sido reforçado que nenhuma gramática conseguiria ensinar a

falar o idioma sem as instruções orais repassadas pelos mestres. Apesar das limitações de

quaisquer gramáticas, o compêndio de Brazileiro era

mui superior ao que neste genero temos até agora visto na lingua portugueza, pelo que respeita a dar a um Portuguez, por meio de seu idioma, um conhecimento

52 O Correio Braziliense foi de grande importância para a divulgação das notícias referentes às aspirações brasileiras de independência, tendo sua última edição sido impressa em 1822. O redator do Armazem Literrario, Hipólito da Costa, é considerado o patrono da imprensa brasileira. Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça nasceu na colônia do Sacramento, no Rio da Prata. Estudou as disciplinas preparatórias no Rio de Janeiro, cursando Direito e Filosofia Universidade de Coimbra. Em 1798 foi nomeado encarregado de negócios nos Estados Unidos, na Filadélfia, permanecendo neste cargo até 1800. Em 1801 foi nomeado deputado literário da Junta da Impressão Régia. Enquanto ocupou este cargo, o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), também conhecido como conde de Linhares, o encarregou de alguns assuntos do serviço do Estado. O ministro, descontente de sua atuação em negócios desenvolvidos na Inglaterra, decretou sua prisão em Junho de 1802. Hipólito José permaneceu nos cárceres da Inquisição por três anos, conseguindo fugir de forma inexplicada, com suposta ajuda da Maçonaria. Desde então, o patrono da imprensa brasileira passou a viver em Londres, fundando, em 1808, o Correio Braziliense ou Armazém litterario, impresso em Londres por W. Lewis. De acordo com Varnhagen (1857), o Correio Braziliense teve, pelo menos, 28 volumes. O historiador elogia o caráter e predisposição política de Hipólito José, referenciando-o como um verdadeiro patriota, mais importante para o Brasil do que Benjamin Franklin para os Estados Unidos. Hipólito tinha a grande vantagem de ser um escritor criativo que “se expressava com a tanta liberdade como hoje o poderia fazer; mas com a grande vantagem de tratar sem paixão as questões da maior importância para o estado” (VARNHAGEN, 1857, p. 352). Hipólito publicou também um compêndio de inglês no ano de 1811, em Londres, intitulado Nova grammatica portugueza e ingleza, a qual serve para instruir os portuguezes na lingua ingleza.

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daquella lingua tão exacto quanto he possivel dar-se em lingua tão differente, dos principios da linguagem Ingleza. Naõ he um mero rezumo, nem uma compilação de dissertaçoens; sobre os diversos assumptos da Grammatica Ingleza (LONDRES, 1812, p. 729).

Brazileiro produziu dois outros compêndios: a Leitura instructiva e recreativa, ou

ideas sentimentaes: sobre a faculdade do entendimento, communmente chamada GOSTO,

em conhecer as perfeiçoens, e imperfeiçoens de qualquer objecto, na natureza, ou arte.

Extrahido livremente do inglez. Por Manoel de Freitas Brazileiro. Publicado em Liverpool

em 1813; e o Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade

adiantada nas primeiras letras, publicado em 1820, no Rio de Janeiro, utilizando o nome

de Manoel Jose de Freitas.

No prólogo da Nova grammatica ingleza e portugueza, o autor manifesta a sua

intenção em ser útil aos seus “nacionaes”, ao compor um compêndio em Língua Inglesa

que deveria ser utilizado para facilitar as relações comerciais com a Inglaterra, “fazendo-se

deste modo mais ampla e mais extensiva a correspondencia e comunicação entre ambas as

naçoens”. O autor reconhece a posição alcançada pelo Latim e Francês e coloca o Inglês em

igualdade de condições, ao afirmar que a “Lingua Ingleza já à muito hé contemplada uma

das universaes, bem como tem sido a Latina ea Franceza; e nella achamos todo o genero de

leitura, próprios a embellezar nossos pensamentos e dilatar nossas ideas”. A associação

entre o ensino de línguas e a necessidade em se buscar modelos para a educação da

mocidade foi estabelecida, tendo sido advogado o uso do Português, uma vez que, segundo

o autor, necessitamos do vernáculo para falar e escrever com propriedade, para

expressarmos nossas ideias e para que possamos aprender qualquer outro idioma

(BRAZILEIRO, 1812, p. i).

O autor destaca as belezas encontradas na Língua Inglesa, mais especificamente a

concisão, o que a torna bastante polida. A sua aprendizagem, no entanto, só é dificultada

pelos problemas de pronunciação que podem ser levantados, como, por exemplo, quando

encontramos poucas vogais e uma abundância de consoantes em uma mesma sílaba.

Brazileiro demonstrou apresentar conhecimentos filológicos e fonéticos mais aprofundados

do que seus antecessores, pelas seguintes razões: 1) enfatizar a necessidade em se estudar

as palavras primitivas e derivações com o objetivo de buscar um melhor entendimento da

língua; 2) mencionar o cuidado que se deve ter com a pronúncia dos sons considerados

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como mais complicados; e 3) conseguir detalhar os sons guturais, palatinos e labiais, por

exemplo. A descrição da reprodução da voz humana chegou a um nível de detalhamento

impressionante, repleto de conhecimentos biológicos especializados detalhando os órgãos

que participam da articulação e mencionando, inclusive, a abertura de boca necessária para

que os sons pudessem ser produzidos.

A voz humana, hé ar ou respiração lançada das entranhas, e agitada ou modificada por entre a trachéa e o larynx para ser distinctamente ouvida. Traché, hé o tubo que, tocando as fauces externamente, sentimos aspereza e desigualdade. Este hé o que conduz ar às estranhas, para respiração e falla. O topo de trachéa hé o larynx, que consiste de quatro ou sinco cartillagens, as quaes podem dilatarse e ajuntarse, pela acção de certos músculos, que todos operão ao mesmo tempo. No meio do larynx está uma pequena abertura chamada glottis, por onde passa a respiração e a voz. Esta abertura não hé mais que o decimo de uma polegada; e por isso, a respiração vinda das entranhas, deve passar com velocidade. Sendo assim formada a voz; esta hé animada e modificada pela reverberação do paladar, e outras concavidades no interior da bôca e orgaons nasaes: e porque estas partes são mais ou menos bem formadas para a reverberação; a voz será mais ou menos agradavel (BRAZILEIRO, 1812, p. 27-8).53

Ao final do prólogo, Brazileiro destaca o papel da composição para a aprendizagem

de uma língua estrangeira, afirmando que sua obra consiste em uma verdadeira compilação

de autores utilizados para auxiliar na transmissão de conhecimentos em uma língua tão

universal:

o estudo da compoziçaõ, merece o maior cuidado; pois que está intimamente unido com o augmento dos nossos poderes intellectuaes. Pois devo dizer, que quando estamos empregados, em propria forma, no estudo de compoziçaõ, estamos cultivando o mesmo entendimento. O estudo de arranjar e expressar nossos pensamentos com propriedade, ensina a pensar, como tambem a allar exactamente (BRAZILEIRO, 1812, p. v).

Na primeira parte da gramática, voltada para a ortografia, o autor tratou dos sons das

letras, estudando o alfabeto nas formas romana, itálica, antigo Inglês, nome ou som e som

Português correspondente. Em nota de rodapé, o autor chamou a atenção para o

conhecimento dos nomes ou sons (em Inglês), considerando essencial o estudo da

articulação, o que justifica a sua preocupação com a pronúncia das palavras.

53 De acordo com as pesquisas de Oliveira (2006), a principal fonte utilizada por Freitas (1812), nesse assunto, deve ter sido o Dicionário de Walker.

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As vogais e consoantes foram trabalhadas isoladamente, mas, similarmente ao

ocorrido com a gramática de Castro (1759), os sons vocálicos foram também analisados

dentro das palavras. O autor, por exemplo, diferenciou o modo pelo qual a letra a é tratada

nas diversas palavras, como é o caso de fate, que “sôa como ei portug., feit.”, fall, que “sôa

como o portug., foll” e far, que “sôa como a portug., far” (BRAZILEIRO, 1812, p. 8). Em

sequência, os ditongos, consoantes e dígrafos foram trabalhados, seguindo-se a mesma

sequência observada no compêndio de Castro (1759). É interessante observar que muitos

dos exemplos utilizados na obra de Brazileiro eram recorrentes do compêndio de 1759, da

mesma forma que algumas observações estão também presentes nas duas gramáticas, a

exemplo do cuidado que se deve ter com a articulação do som formado pelas letras th.

Freitas (1812), diferentemente de Castro (1759), destaca a importância em se observar a

posição dos órgãos vocais para a produção da fala. Essa se constitui, na realidade, a grande

inovação do seu compêndio. Pela primeira vez a articulação foi relacionada à posição que

os órgãos vocais ocupam no momento da fala. Freitas (1812) se defendeu de possíveis

críticas, declarando que “alguns escriptores pensarão, que estes objectos mencionados naõ

constituém parte de Grammatica”. O autor utiliza as palavras de Quintiliano e solicita

cautela para que essa parte da gramática não seja desprezada, “pois aquelles que penetrarem

as partes mais internas deste templo de Sciencia54, lá descobrirão o refinamento e utilidade

da materia, que tanto saõ proprios para aguçar o entendimento dos novatos, como à

exercitalos para mais profundo conhecimento e erudição” (BRAZILEIRO, 1812, p. 30).

Na parte dedicada à Etimologia, o autor tratou das mesmas partes gramaticais tratadas

por Castro (1759) e referendadas por Auroux (1992) como presentes nas gramáticas

produzidas na época: artigo, substantivo ou nome, adjetivo, pronome, verbo, advérbio,

preposição, conjunção e interjeição. A análise dessas partes gramaticais continuou a incluir

as declinações Latinas só que, dessa vez, nem todos os casos foram declinados, apenas os

nominativos, possessivos e objetivos. Apesar de Freitas ter utilizado muitos dos exemplos

de Castro, os casos ablativo, dativo e vocativo não foram mencionados.

54 A associação entre gramática e ciência foi enfatizada várias vezes no Alvará de 1759. Pode ser destacada a afirmação de que “o estudo das Letras Humanas [é] a base de todas as Sciencias” (PORTUGAL, 1759, p. 1). Esse ponto se constitui em mais uma evidência da ligação entre as ações e produções educativas do século XIX e as peças legislativas promulgadas durante o reinado de D. José I.

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Ex. Substantivos masculino sem artigos

Singular Plural

cazos cazos

Nominativo, Man, Homem Nomin. Men, Homens

Possessivo, Man’s, de homem Posses. Men’s, de homens

Objectivo, Man homem Object. Men homens

(BRAZILEIRO, 1812, p. 45)

Todas as partes gramaticais dessa obra contêm explicações minuciosas com o

objetivo de auxiliar o entendimento. No entanto, como aconteceu com a Grammatica

Anglo-Lusitanica, as regras se tornaram, em muitos momentos, confusas. Ao se referir à

sintaxe dos verbos, por exemplo, o autor destacou que “todas as partes de um período ou

sentença devem corresponder uma à outra; para o que hé necessario guardar a construçaõ

regular e dependente entre ellas” (BRAZILEIRO, 1812, p. 157).

O autor, apesar de não ter se referido à nobreza do Português, conforme observado

em gramáticas anteriores, preocupou-se com a origem e derivação de palavras portuguesas,

relacionando o Inglês com as línguas consideradas nobres na época: “Os nomes seguintes

são adoptados do Hebraico, Grego, e Latim, para a Língua Inglesa; e na Portuguesa, uzados

quase pela mesma forma das primitivas” (BRAZILEIRO, 1812, p. 44). Palavras como

vortex (sing) – vórtices (plural) foram relacionadas, demonstrando que o Português estava

relacionado às línguas antigas.

Encontramos treze páginas contendo listagens de palavras na gramática de Freitas

(1812), mas, ao contrário do que acontece na obra de Castro (1759), as listas não foram

organizadas por tópicos e sim pela quantidade e tonicidade das sílabas. A preocupação com

a fonética se mostrou, dessa forma, mais proeminente do que com a da contextualização das

palavras, conforme demonstrado nos grupamentos utilizados pelo autor: “pronunciadas

como se fossem duas syllabas: mas a ultima vogal, sempre occulta. Ex. Hat-ed – odiado”,

“palavras de três syllabas, todas breves e rapidas. Ex. cin-na-mon, cannela”

(BRAZILEIRO, 1812, p.60). Na parte final da gramática, da página 181 a 185, uma outra

listagem é apresentada, dessa vez contendo palavras que apresentam o mesmo som e

possuem definições diferentes. Como exemplo, podemos citar vocábulos como cell

(cubículo) e sell (vender); e Heel (calcanhar) e Heal (curar).

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Após discorrer sobre as regras de sintaxe, o autor coletou vinte e duas frases sob o

título “exemplos sobre as Regras de Syntax”. Nesse tópico, frases com conotação moral

foram utilizadas, como em “The school of expérience teaches many úseful léssons – A

escola de experiencia ensina muitas liçoens uteis”, não sendo excluídas aquelas

descompromissadas com a instrução da mocidade, a exemplo de “A herd of cattle,

peácefully razing, affórds a pleasing sight – Uma manada de gado, pastando em socego,

produz uma vista agradavel" (BRAZILEIRO, 1812, p. 165). Ao analisar as frases em ação,

o autor não se descuidou da fonética, já que esse momento foi aproveitado para, mais uma

vez, consolidar os padrões de tonicidade das palavras que julgava merecedoras de maiores

cuidados.

A obra é finalizada com o “Apendice”, destacando-se a secção de perguntas e

respostas sobre Gramática e Geografia. Através do método de perguntas e respostas do

catecismo, perguntas como “what is Grammar = que couza he grammatica?” foram feitas.

Questionamentos mais profundos também foram verificados, inquirindo sobre a

necessidade em estudar a gramática vernacular e a necessidade em entender sobre

continentes, países e rios. Ao falar sobre as vantagens de ler e escrever, o autor, defensor da

necessidade em se dedicar à composição, fez um relato sobre a importância da leitura. Na

defesa pela composição, o autor destacou o poder que as letras têm em conferir

imortalidade ao homem que as dominarem.

Modelos de cartas comerciais foram colocados em quatro páginas do apêndice,

contendo cartas de conhecimento sobre fazendas, letras de câmbio, carta circular,

apresentando os serviços de uma casa comercial e carta simples, algumas delas similares às

encontradas na Gramática de Castro (1759). Muitas são as semelhanças entre essas duas

obras. A gramática de Brazileiro (1812), no entanto, tentou ser mais simples e concisa do

que a de Castro (1759). Alguns exemplos foram usados da gramática anterior, destacando-

se, como inovação, a referência à articulação das palavras quando do ensino da gramática.

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FIGURA 5: FOLHA DE ROSTO DA NOVA GRAMMATICA INGLEZA E PORTUGUEZA (1812)

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4. A GRAMÁTICA DE FREITAS

O Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada

nas primeiras letras foi publicado no Rio de Janeiro, em 1820, por Manoel José de Freitas,

com a Licença da Mesa do Desembargo do Paço, representada pela figura do Visconde de

Cairu. Trata-se do primeiro compêndio de Inglês impresso no Brasil (OLIVEIRA, 1999).

Através da análise dessa gramática, é possível perceber ser essa obra uma versão mais

simplificada do livro a Nova grammatica ingleza e portugueza “dedicada á felicidade e

augmento da Nação Portugueza”, publicada em Liverpool em 1812, por Manoel de Freitas

Brazileiro, muito provavelmente o mesmo autor, que assinou essa obra com um nome

diferente. A edição que tivemos acesso na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro encontra-

se em estado avançado de deterioração, necessitando de reparos urgentes, com o intuito de

garantir a preservação de uma importante obra para a reconstituição histórica do ensino de

Inglês no Brasil.

Oliveira (2006), ao analisar os Estatutos da Casa Pia e do Colégio de S. Joaquim dos

Meninos Órfãos da cidade da Bahia, aprovados através da Carta Imperial de 30 de abril de

1828, constatou que os Compêndios relacionados para as aulas de Gramática e Língua

Inglesa eram a gramática de Siret e a de Freitas, ao que tudo indica, o Compendio da

grammatica ingleza e portugueza, o que comprovaria o uso desse livro no Brasil.

No seu prefácio, o autor considera como verdade universal a consciência de que a

educação é de suma importância para a nação, não sendo preciso “dar provas da sua

necessidade e vantagens”. O crescimento econômico, notoriamente aquele relacionado ao

desenvolvimento da agricultura e do comércio, foi também destacado nessa gramática,

como razão para justificar a necessidade em se estudar a Língua Inglesa em territórios

brasileiros. Da mesma forma que observado nas gramáticas do século anterior, a figura do

rei foi associada à política educacional, já que o “El Rey Nosso Senhor D. JOÃO VI; nessas

circunstâncias tão sublimes” inspirou Freitas a elaborar a gramática em questão, com o

“desejo de procurar ser de alguma forma util à Mocidade” (FREITAS, 1820, p. i).

Apesar da presença da gramática de Castro (1759) em território brasileiro, Freitas

(1820) alegou não existir um compêndio em ambas as línguas que possuísse a clareza,

justeza e simplicidade necessárias para o ensino do idioma. Essa justificativa do autor pode

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ser devida ao fato de a gramática de Castro (1759) ter sido muito extensa, considerando-se

a quantidade de páginas desse compêndio: apenas cento e duas. Camargo e Camargo (1993,

p. xxvii) ao fazer um levantamento sobre os livros impressos no século XIX constatou que

havia na época a necessidade em se intensificar a produção de compêndios em Língua

Inglesa, uma vez que “os portugueses e brasileiros daquele tempo liam com facilidade o

francês, mas poucos sabiam inglês”.

Freitas (1820) nos dá uma clara ideia da força ainda existente do Latim na época, bem

como da supremacia da Língua Francesa, o que, segundo o autor, o motivou a compor essa

gramática, imbuído, também, por uma vontade de contribuir para a educação da mocidade:

Se a Lingua Latina tem servido até hoje, pelo menos, de conductora aos principios literarios e familiares; se a Lingua Franceza tem sido universal e por este motivo, já recebida como parte integrante da Educação, e similhantemente a Música e Dança, &c.; com quanta razão devemos nós julgar, ser a Lingua Ingleza necessaria à Mocidade quando nos vemos entrelaçados em Negociaçoens com esta Nação, e ouvindo diariamente o som vocal de seu idioma (FREITAS, 1820, p. i).

Em seu compêndio, Freitas (1820) trouxe discussões características do iluminismo,

ao utilizar a metáfora de ser o conhecimento a porta da razão. Para que a porta do

conhecimento pudesse ser aberta, o autor recomendou que se procurasse a chave, que seria

a utilização da gramática, independente da língua em questão. Com o conhecimento das

gramáticas poderia ser possível para o aluno expressar seus pensamentos com a

“propriedade e justeza” necessárias para facilitar a leitura de livros de todos os gêneros,

desde os científicos até os capazes de transmitir conceitos morais para que uma educação

polida pudesse ser atingida. Esse pensamento exposto na obra de Freitas reforça a ideia

difundida da gramática geral, desde o século XVII, e que alcança maior repercussão no

século XVIII, com a defesa pela unificação das regras gramaticais identificáveis como

comuns a todas as línguas, o que facilitaria a aprendizagem de qualquer idioma (AUROUX,

1992).

Foi destacada a necessidade em se conhecer todas as derivações e pronúncias das

palavras para que a gramática pudesse ser corretamente assimilada. Freitas (1820)

reconheceu a dificuldade que as regras podem gerar, e, ao comparar o ensino das

gramáticas, destacou o ensino da Língua Inglesa, enfatizando que, levando-se em

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consideração a sua experiência, o Inglês possui a gramática mais breve e fácil, mas que

deve ser estudada, uma vez que

não conhecemos a propriedade da derivação das palavras; não conhecemos a certeza das letras e syllabas que as compõem; não sabemos collocar em seus proprios lugares os termos ou palavras de huma oração ou período; e finalmente, não sabemos muitas vezes pronunciar os mesmos termos com o seu accento devido (FREITAS, 1820, p. ii).

O autor ressaltou a importância em se ensinar preceitos de boa moral e conduta em

sala de aula, já que, em determinadas fases da vida, o ser humano precisa entrar em contato

com certas virtudes. “A boa educação hé um principio moral” [...] e é observado que o

aluno “na idade varonil, tem cultivado a Sinceridade, a Verdade, a Humanidade e a Justiça,

que são outras tantas Condutoras para a felicidade da vida presente e futura” (FREITAS,

1820, p. iii).

Freitas (1820), no transcorrer de sua gramática, tratou da sintaxe, etimologia e

prosódia de forma concisa, tentando, ao máximo, simplificar regras e traduzir os exemplos

apresentados nas Línguas Inglesa e Portuguesa. As regras e estudos dos sons foram mais

resumidos do que na versão encontrada no compêndio de 1812, no qual Freitas havia

assinado com o nome de Manoel de Freitas Brazileiro. O que nos chama mais atenção nesse

compêndio, no entanto, é o modo pelo qual os diálogos familiares foram trabalhados.

Os primeiros diálogos encontrados em gramáticas da Língua Portuguesa, utilizados

por autores como Fernão de Oliveira, João de Barros e Gândavo, utilizavam a figura de um

mestre e de um discípulo, que discutiam um assunto polêmico, geralmente relacionado a

questões linguísticas e morais (HUE, 2007). No compêndio de Freitas, as figuras do mestre

e do discípulo são resgatadas, no entanto, com uma temática diferente. São discutidos, em

sua grande maioria, temas relacionados a conhecimentos de história e geografia, mesma

temática desenvolvida na gramática anterior. O que nos chama a atenção, no entanto, é o

fato do autor se preocupar mais com a educação da mocidade do que com a questão

linguística. Apenas as perguntas feitas pelo mestre foram traduzidas para o Inglês, enquanto

que as respostas dadas pelo discípulo permaneceram na Língua Portuguesa, sem que

houvesse a preocupação em tentar solidificar o idioma através da tradução das respostas

dadas.

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Após a parte dedicada aos “Diálogos Familiares”, o autor divulgou listagens de frases

contendo preceitos morais a serem seguidos. Como exemplo, podemos citar o item

“Divisão do tempo e horas em que os meninos devem empregar os seus dias com proveito”.

Nesse momento, todas as frases são traduzidas para o Inglês. Essas frases se constituíam em

orientações comportamentais a serem seguidas, com a inclusão de horários em que as

atividades deveriam ser realizadas. Essa parte do compêndio foi complementada por uma

secção chamada “Sentenças Moraes”, que continha vinte e quatro frases. A cada letra do

alfabeto, um conselho era dado em Inglês e era devidamente traduzido para o Português. O

autor terminou sua obra publicando versos em Inglês destacando princípios religiosos e

morais.

Na nota de advertência, o autor se desculpou por eventuais erros e destacou a sua

intenção em ajudar na educação da mocidade com bons modelos a serem seguidos. A

análise desse compêndio nos mostra se tratar de uma obra muito concisa, seguindo as

orientações da Decisão n. 29 de 1809, e com um forte teor educativo, notadamente

empregado para auxiliar uma sociedade em busca de modelos morais a serem seguidos. As

preocupações em colocar um prefácio capaz de justificar a importância das Línguas

Portuguesa e Inglesa e em associar a gramática com a figura real, características do século

anterior, são facilmente identificadas nessa obra.

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FIGURA 6: FOLHA DE ROSTO DO COMPÊNDIO DA GRAMMATICA INGLEZA E

PORTUGUEZA (1820)

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5 . A GRAMÁTICA DE TILLBURY

Por todo o século XVIII e XIX o mundo ocidental sofreu influências dos autores

clássicos franceses. Ao seguir os pelos padrões gregos e latinos, a Literatura Francesa se

tornou de tal forma rica em formas e estética que serviu de modelo para todo o Ocidente

durante o processo de formação das literaturas nacionais e de composição dos primeiros

textos a serem utilizados pelas escolas recém criadas. Com a Decisão n.29 de 1809, os

primeiros professores de Inglês e Francês foram nomeados, recebendo a recomendação de

escrever compêndios baseados nos modelos do século de Luiz XIV.

Apesar de ter sido o primeiro professor de Língua Inglesa do império brasileiro,

nomeado ainda em 1809, o padre John (João) Joyce não compôs uma gramática para

utilização em suas aulas, tendo essa tarefa sido postergada até o ano de 1827, quando o

Padre Guilherme Paulo Tillbury, nomeado em 1823, publicou a Arte Ingleza, oferecida a

José da Silva Lisboa (1756-1835). O Visconde de Cayru, como também era conhecido, foi

o inspetor geral dos estabelecimentos literários da época e teve seu nome citado, de acordo

com Tillbury, não somente pelo seu “‘notório e official zelo’ da instrução da mocidade,

mas também pelo seu apreço da ‘Litteratura Britannica’” (TILLBURY, 1827, p. ii). A

admiração e o reconhecimento de Tillbury pelo visconde é notória na sua dedicatória,

chegando, ao assinar a nota, a considerar-se um venerador de Cayru. As análises de Chopin

(2004, p. 555) sugerem que o controle da produção nacional esteve, inicialmente,

relacionado à “preocupação em subordinar os manuais ao discurso oficial, ou ainda com o

de algum governo de ocupação, em um contexto de censura que tinha como objetivo

eliminar ou evitar qualquer desvalorização ou qualquer interpretação nociva aos seus

interesses”. Essa assertiva nos faz concluir que a inclusão dessa nota sobre o visconde de

Cayru pode estar associada a uma tentativa em se instituir um discurso legitimador dos

conteúdos e ideias contidas na obra.

O Padre William Paul Tillbury, conhecido no Brasil como Guilherme Paulo

Tillbury, nasceu no dia 25 de Janeiro de 1784, passou grande parte de sua vida como

missionário no Rio de Janeiro, falecendo em 1863, aos 79 anos. De acordo com os Anaes

do Parlamento Brazileiro de 1860, Tillbury assumiu a Cadeira de Língua Inglesa da cidade

do Rio de Janeiro com o Decreto de 17 de abril de 1821, data em que John Joyce entregou o

seu cargo no Brasil para retornar a Portugal. Em decorrência de deliberações da corte,

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William Paul foi suspenso de suas atribuições em 1831, retornando apenas em 1848 para

assumir as suas funções de Professor de Língua Inglesa da corte. No dia 06 de junho de

1860, Tillbury entregou um requerimento no Paço da Câmara dos Deputados, solicitando a

reparação dos prejuízos que teve em decorrência da forçada interrupção na sua carreira. O

professor reinvidicou o pagamento dos salários devidos, uma vez que, segundo ele, não

havia, no documento que o destituía, o motivo da demissão, constando nos autos do

parlamento que “a regencia houve por bem demittir ao suplicantte do emprego de professor

publico de lingua ingleza” (BRASIL, 1860, p. 131). Pelo Decreto n. 1.111, de 27 de

setembro de 1860, “o governo mandou satisfazer ao “Padre Tillbury” o ordenado

correspondente ao tempo em que esteve privado do exercício da Cadeira de Língua Inglesa

do Seminário de S. José”, já que, por ocupar um cargo vitalício, “um simples aviso do

ministério” não poderia ser suficiente para retirar os seus direitos (OLIVEIRA, 2006, p.

91).

Em 1827, Tillbury foi nomeado Mestre de Língua Inglesa da Rainha de Portugal e das

Augustas Princesas, recebendo o ordenado de 400.000 réis por ano. O Decreto de 4 de abril

de 1827 orientava o palácio do Rio de Janeiro a pagar 4.000 réis para cada lição

direcionada às princesas. Ainda nesse ano, Gulherme Tílbury publicou uma Arte ingleza,

“offerecida ao illustrissimo senhor visconde de Cayru e, em 1844, a obra: Primeiras regras

da lingua ingleza, “tiradas dos melhores authores, e adaptadas ao uso da mocidade

brasileira”. Na folha de rosto desse compêndio percebe-se que Tillbury era, na época,

“Mestre de Inglez de S. I. D. Pedro Primeiro; de S. M. F. D. Maria Segunda, das SS. PP.

Imperiaes e Profesor Regio Jubilado”. Os exemplares dessa Arte foram vendidos “Na Aula

do Author, Rua do Carmo, n. 122”, onde dava aulas particulares de inglês e francês

(OLIVEIRA, 2006).

De acordo com dados coletados no site de genealogia ancestry.com constatou-se

que Tillbury ensinou Inglês, Francês e Geografia no Seminário São José da Cidade do Rio

de Janeiro, conforme citação do Diccionário Bibliográfico Portuguez: Estudos, publicado

em 1958, por Innocencio Francisco da Silva e Ernesto Soares. O “Newspaper Reports from

Old Rio, 1808-1850, publicado em 1969 por Delso Renault, relatou que o Padre Tillbury

havia escrito, em 1823, o compêndio “Introduction to the study of the French Language”, o

que demonstra o seu conhecimento na língua francesa. Essa habilidade, contudo, não foi

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suficiente para impedir a sua luta pela propagação do estudo do Inglês em detrimento do

Francês.

Com a análise desse compêndio, pode-se perceber forte influência dos preceitos

defendidos pelo Marquês de Pombal no século XVIII, especialmente no que se refere à

relação entre o ensino das línguas estrangeiras modernas e o ensino de Latim, no que diz

respeito a sua tentativa em simplificar o ensino de Línguas Vivas a um número reduzido de

regras gramaticais, uma vez que Sebastião José de Carvalho e Melo preocupava-se com a

elaboração de gramáticas concisas. O repúdio de Tillbury (1827) por normas complexas

está atestado no prefácio da sua Arte, ao alegar ser “inimigo declarado de Grammaticas

volumosas para principiantes”, indicando, contudo, as gramáticas de Siret (Inglês) e Cobbet

(Francês)55 para aqueles que desejarem maior aprofundamento. O autor diz desconfiar

daqueles que se apóiam em explicações aprofundadas e chega a afirmar que leitores de

gramáticas de tal complexidade geralmente não são capazes de explicar as ‘miudezas’ das

definições aos estudantes. Por não acreditar nos benefícios de gramáticas complexas e

longas, chega até mesmo a afirmar que, para o bom conhecedor da língua, qualquer

gramática é de utilidade, devendo-se preferir sempre as menores. Para aqueles que não

dominam o idioma, por outro lado, seria necessário “huma Grammatica em Folio, com

todas as miudezas de Definições, e Conjugações repetidas etc. Etc. Etc.; as quaes elles por

si sós não sabem explicar ao estudante” (TILLBURY, 1827, p. ii).

Tillbury aparentou ser um grande conhecedor de gramáticas, o que pode ser

comprovado pela menção que fez aos volumes de Siret, Cobbet e Walter e pelo fato de ter,

em 1823, publicado a Breve Explicação sobre a Grammatica .. Portugueza no Rio de

Janeiro. Este fato sugere que o autor se sentia a vontade para utilizar constantes

comparações entre o Inglês e o Português na sua Arte Ingleza. Nesta obra, tem-se um

panorama geral sobre a posição ocupada pelo Inglês no início do século XIX e a

55 De acordo com Dufief (1811), Siret e Cobbet foram excelentes Gramáticos do século XVIII. Dufief atestou ter recebido grandes influências desses autores, afirmando que quase todo o conhecimento da Língua Inglesa adquirido na época teve os dois como referência. Segundo as pesquisas de Oliveira (2006), a Gramática Inglesa escrita em francês mais popular na Europa setecentista foi a Élémens de la langue Angloise, ou méthode pratique pour appendre facilement cette langue, escrita por Siret (1773), chegando a alcançar dezoito edições até 1800. “Louis Pierre Siret (1745-1797), sobre quem, infelizmente, se sabe muito pouco, escreveu mais dois Compêndios, Éléments de la langue italienne (1797) e uma Grammaire portugaise (1798), sendo um autor muito citado tanto na literatura pedagógica quanto na legislação e nos Compêndios brasileiros do século XIX” (OLIVEIRA, 2006, p. 88).

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necessidade em se exaltar a Língua Inglesa, que deveria ser utilizada para defender o Inglês

da soberania que a Língua Francesa detinha na época.

Em sua nota introdutória, Tillbury exalta a Literatura Inglesa, associando a

superioridade do Inglês aos padrões conseguidos pela Inglaterra, em decorrência da

superioridade das obras de “Sciencias Moraes” e de Política, “em que se aprende a

distinguir entre a verdadeira liberdade Social, e o desenfreado liberalismo do Seculo” e ao

fato de que

ao Philosopho Moralista e aos homens Facultativos ella [a Língua Inglesa] offerece Thesouros preciosissimos; e o Theologo mesmo, nas obras de hum Leland, de um Lardner e de hum Paley achará argumentos irrefráveis, e os melhores antitodos contra a ímpia Philosophia Franceza, que já entre nós tem ameaçado ao Altar e ao Throno (TILLBURY, 1827, p. ii, iv).

Como, no século XIX, o ensino de línguas no Brasil estava totalmente vinculado à sua

funcionalidade, não havia uma preocupação com a aquisição de idiomas e sim com a

concretização de finalidades estipuladas. Dessa forma, a Arte Ingleza, além de estar

vinculada à instrução da mocidade e à divulgação da Literatura Britânica, preocupou-se

com a preparação de alunos para algumas profissões, como a de comércio, “em que a

Nação Ingleza tem indisputavel primazia” (TILLBURY, 1827, p. ii), a política, filosofia

moral e teologia. Tillbury, um grande defensor das belezas da Língua Inglesa, se

preocupava com a valorização do Inglês frente a um grande crescimento da Língua

Francesa no Brasil, podendo a sua obra servir de “antídoto” contra a filosofia francesa.

Sua preocupação em alertar o leitor sobre o perigo que a filosofia francesa poderia

causar à sociedade da época parece estar relacionado à grande influência do Francês no

mundo ocidental e à preocupação desse professor de Inglês em elevar o status da Língua

Inglesa e em defender a sua profissão. Tillbury alegou que os autores franceses lidos

naquele período não eram os grandes autores franceses da época, o que fez com que a sua

posição não fosse a de condenar o estudo dessa língua. É ressaltado, contudo, o valor que

deve ser dado à Língua Inglesa, já que “se, como dizem, a França e a Inglaterra são os dois

olhos da Europa, para que contentar-se em ver por hum delles só? Ou quando assim se

fizer, escolha-se ao menos aquelle que contenha a vista mais comprida” (TILLBURY,

1827, p. ii).

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Para Oliveira (2008b), a gramática de Tillbury pode estar associada ao ensino de

Inglês como preparatório para os cursos jurídicos, uma vez que, somente em 1831, a

Língua Inglesa foi vista como disciplina escolar, na medida em que seu conhecimento

passou a ser um requisito obrigatório para o ingresso nos Cursos Jurídicos do Império. Ao

analisar a situação política da época, principalmente no que se refere à busca pela

construção da identidade nacional baseada em alguns modelos estrangeiros, uma anglofilia

foi observada em muitos intelectuais. A obra de Tillbury, dessa forma, por defender a

supremacia da Língua Inglesa e por, declaradamente, mostrar-se solidária às causas

políticas, parece estar de acordo com os anseios da época, sugerindo que tenha sido

utilizada para os preparatórios dos cursos jurídicos. O fato de o compêndio ter sido

dedicado ao Visconde de Cairu, declarado amante da “Litteratura Britannica”, também

pode reforçar a hipótese deste compêndio ter sido de grande importância nesse período.

O conteúdo gramatical verificado na Arte Ingleza é abordado a partir de uma análise

da pronúncia, considerada, pelo autor, como a parte mais difícil para o estudante, em

decorrência do grande número de exceções. Essa constatação fez com que Tillbury (1827)

colocasse apenas as regras consideradas absolutamente necessárias nas primeiras nove

páginas de seu compêndio. Para um maior aprofundamento, o autor recomenda que os

alunos procurem o “Tratado de Pronuncia no princípio do Diccionário de Walker”

(TILLBURY, 1827, p. 1).

Cada letra do alfabeto foi associada tanto ao seu respectivo som quanto ao produzido

em decorrência de combinações de letras mais frequentes. Um espaço foi também dedicado

à comparação dos sons em Língua Inglesa com os mais próximos encontrados no

Português, como sinal de valorização da Língua Nacional, conforme defendido por Pombal.

Como exemplo, pode-se destacar a explicação dada ao som produzido pela letra c em

associação com as letras ea, eous, ia ou io. Verifica-se, nesse caso, a produção do som x, de

modo semelhante ao produzido pela palavra xadrez. Exemplo: Ocean (oceano). Sons como

o S, conforme relatado por Tillbury (1827), possuem regras fonéticas “tão compridas e

complicadas; e a differença entre os dois sons he cousa de tão pouca consequencia para um

principiante, que não valem a pena estudal-as: he melhor seguir as regras para a mesma

letra no Portuguez” (TILLBURY, 1827, p. 5). Percebe-se, assim, mais uma vez, uma

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retomada às orientações de Sebastião José, no que se refere à redução do número de regras

a serem utilizadas em uma gramática, e à valorização que deve ser dada à Língua

Portuguesa.

No ano da produção desse compêndio, era ainda evidente a valorização dada ao Latim

como língua de referência para o estudo de um outro idioma, uma vez que, durante toda a

obra, as partes do discurso são analisadas através das declinações latinas. A utilização de

declinações em gramáticas para o ensino de Inglês era uma constante no Ocidente, segundo

Michael (1987), do século XVI ao XIX. Auroux (1992) ressalta a força que a gramática

possuía no século XVI como técnica aplicável para a aprendizagem de todas as línguas

graças ao Latim, que, ainda no século XVI, passou por um processo de gramatização, em

decorrência das grandes expansões ultramarinas. Segundo o autor, “a gramatização (a base

do Latim) de um vernáculo europeu pode igualmente servir de partida para uma outra

língua e lhe transmitir sua ‘latinidade’56”, reafirmando a crença de que bastava saber o

Latim para que as outras línguas pudessem ser aprendidas, através da tradução (AUROUX,

1992, p. 44).

Em todas as explicações gramaticais da Arte Ingleza, o Português é utilizado como

língua de referência e notas explicativas sobre diferenças de uso são encontradas durante

todo o compêndio, sugerindo que a preocupação do autor não se dava apenas em termos de

descrição de tempos verbais, havendo uma preocupação com o uso dos itens abordados,

como pode ser percebido na explicação: “Em vez do futuro subjunctivo os Inglezes usão do

presente do Indicativo: Exemplo; Quando elle vier: when he comes” (TILLBURY, 1827, p.

17).

As listas de palavras, comuns em livros de tal natureza desde o século XVI, também

estão presentes neste compêndio, de modo que adjetivos, numerais, verbos, verbos

irregulares e particípios são listados e traduzidos. A preocupação em listar palavras e

arrumá-las de modo a facilitar a aprendizagem do aluno é anterior à utilização de

gramáticas. Essas listas, segundo Auroux (1992, p.71), “constituem sem dúvida os mais

56 O conceito de latinidade foi amplamente difundido por Auroux (1992) e Morin (2003), ao relacionarem a importância da base latina para o estudo das demais línguas, partindo-se do pressuposto de que bastaria aprender Latim para que qualquer outro idioma pudesse ser aprendido. “A língua latina transforma-se — como acontece com todas as línguas na História —, dando origem às línguas nacionais a partir das linguagens populares, já que os letrados continuam usando o latim clássico, o da igreja. Contudo, essas línguas nacionais detêm um cunho latino, como naturalmente têm o italiano, o espanhol, o português, o francês, o romeno, etc.” (MORIN, 2003, p. 3).

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antigos instrumentos pedagógicos da humanidade” e podem ser consideradas como as

precursoras dos dicionários, que foram primeiramente utilizados na sua forma bilíngue para

o ensino do Latim em sua associação com os vernáculos. A utilização de listas atingiu seu

ápice no século XVIII, sendo de grande importância a análise das suas constituições e das

motivações dos professores que as prepararam, uma vez que,

A energia e a ingenuidade que os professores tiveram ao produzir várias classificações nos faz estudá-las em maiores detalhes do que desejaríamos. Qualquer tentativa de entender o que os professores estavam tentando fazer, e o que as crianças deveriam fazer, significa que nós devemos analisar o modo pelo qual tais listas foram estruturadas (MICHAEL, 1987, p. 101)57.

Após uma breve análise etimológica, o autor parte para o estudo da sintaxe,

explicando que “a collocação das palavras nas Frazes Inglezas he extremamente simples e

natural” (TILLBURY, 1827, p. 37). Todas as partes do discurso são explicadas, e

definições e posições na frase são destacadas. O exemplar ao qual tivemos acesso na

Biblioteca Nacional está localizado no acervo de obras gerais, necessitando de maiores

cuidados, por se encontrar em estado avançado de decomposição. A análise da relação de

obras da biblioteca de Nova York de 1861 revela que a Arte Ingleza, de Guilherme

Tillbury, possui 48 páginas, o que está de acordo com o seu posicionamento em manter

apenas as regras essenciais para o ensino das Línguas Vivas. O exemplar ao qual tive

acesso, no entanto, está incompleto e possui apenas 46 páginas. Ao que tudo indica, a

gramática de Tillbury não apresenta uma seção dedicada aos diálogos familiares, como era

costume nas gramáticas dos séculos XVIII e XIX, refletindo a sua preocupação em se

manter conciso e voltado ao ensino da gramática, com maior destaque dado à etimologia,

sintaxe e prosódia, o que estaria em consonância com a sua função utilitária para os

preparatórios dos Cursos Jurídicos, a partir de 1831.

A gramática de Tillbury reflete os anseios divulgados por Pombal em meados do

século XVIII e comprova a influência e o alcance que as medidas do Alvará de 1759

tiveram sobre Portugal e suas colônias. As maiores preocupações educacionais do também

conhecido Conde de Oeiras são percebidas nesse compêndio, principalmente no que diz 57 The energy and ingenuity that the teachers put into their various classifications require us to study them in more detail than we would otherwise wish. Any attempt to understand what the teachers were trying to do, and what the children were supposed to do, means that we must look at the way in which these lists were structured” (texto original).

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respeito à tentativa de simplificação das normas gramaticais e aos preceitos de que uma

gramática deveria ser clara e concisa. Ao analisarmos a dedicatória desta obra, percebemos,

de forma evidente, a sua associação aos ideais pombalinos, uma vez que, ao dedicá-la ao

Conde de Cayru, Inspetor Geral dos estudos literários e membro do conselho da

“Magestade Imperial”, Tillbury reforça o fato do teor de sua gramática estar de acordo com

as orientações de Pombal, sendo esta breve, dedicada à instrução da mocidade e respeitosa

aos preceitos religiosos. Ao entrar em contato com a exposição feita pelo autor sobre a

supremacia da Língua Francesa e a tentativa em valorizar e elevar a Língua Inglesa em

decorrência das relações mercantis entre Brasil e Inglaterra, é fácil perceber a finalidade

instrumental à qual essa gramática se propunha, colocando o comércio como propósito

último da aprendizagem desta língua. A análise de compêndios, confrontada com a

legislação vigente, se constitui em fonte de grande valor para um maior entendimento das

motivações e finalidades do ensino de Inglês da época.

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FIGURA 7: FOLHA DE ROSTO DA ARTE INGLEZA (1827)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista da história das ideias linguísticas, as reformas pombalinas da

instrução pública, ao condenarem as gramáticas produzidas pelos padres da Companhia de

Jesus, a exemplo da gramática do Pe. Álvares, defenderam a ideia de que a gramática

deveria ser a base para o ensino de uma língua, seja ela clássica, como o latim, vernacular

ou estrangeira. As gramáticas inacianas, pelo acúmulo de informações e exceções, não

poderiam ser colocadas como exemplo de aprendizagem, pois, em decorrência dos seus

excessos, continham enunciados desnecessários para os estudantes e que não se encaixavam

nos itens que deveriam estar descritos em uma gramática. Os novos tempos pediam a

utilização de compêndios claros e concisos, e, para que essa nova tomada de consciência

pudesse ser efetiva, as Artes produzidas não poderiam se deter aos detalhes. Nas

Instrucçoens de 1759, esse modelo de simplificação linguística foi defendido. As

gramáticas, a partir de então, passaram a ser produzidas seguindo essas determinações. As

gramáticas de Língua Inglesa, aqui estudadas, se enquadram nos preceitos defendidos por

esse modelo de simplificação observado nas gramáticas dos oratorianos e inspirado nas

gramáticas de Sanches, Vóssio, Scóppio e Port-Royal.

A adoção das gramáticas que seriam produzidas em substituição às dos inacianos

deveriam estar contidas dentro dessa moderna pedagogia de ensino, que propunha a

simplificação das regras, as partes gramaticais que deveriam ser analisadas e o uso da

Língua Portuguesa. A suavidade e brandura do método eram agora enfatizadas como

necessárias, em substituição aos rigores do ensino tradicional. Não se tratava, contudo, de

uma mera redução de regras ou de conteúdos das Gramáticas Latinas, já que, conforme

Auroux (1992, p. 101), a gramática é a disciplina científica com o vocabulário teórico

próprio mais antigo e estável de que se tem conhecimento. A mudança de método se

constituiu, na realidade, em uma verdadeira mudança da finalidade da disciplina, já que sua

inserção na instrução pública buscava corresponder às novas aspirações do Estado

português. Carvalho (1978, p. 66) constatou essa mudança de finalidade no ensino do latim,

ao afirmar que:

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De língua das escolas que fora primitivamente na tradição escolástica, de língua douta que passou a ser na época do humanismo, o latim se transformou, na consciência de alguns letrados portugueses do século XVIII, na finalidade de um programa escolar destinado a abrir à visão dos estudantes os horizontes amplos da cultura latina, na sua autêntica expressão histórica, Até então em Portugal, como de resto em toda a Europa, o latim era um instrumento propedêutico indispensável ao futuro estudo do letrado, do canonista, do médico, do filósofo e do teólogo. Com Verney e os que lhe seguiram, o latim se transformou no ideal de uma pedagogia humanista, abreviada nos seus processos e adequada na sua estrutura às necessidades novas da cultura lusitana.

Com as reformas do Marquês de Pombal e sua política educacional e linguística, o

Brasil pôde sentir os efeitos das mudanças verificadas em Portugal, acompanhando as

decisões referentes à regulamentação da instrução e às deliberações sobre os compêndios

adotados. Com a instauração das Academias Militares, a intensificação das ligações

comerciais do Brasil com a Inglaterra e a presença cada vez mais constante de ingleses na

colônia (FREYRE, 1948), o Inglês passou a ser o idioma mais útil para o ensino da época,

o que fez com que alguns compêndios fossem produzidos, seguindo-se a mesma

metodologia de ensino.

Como pode ser comprovado, o conteúdo das gramáticas analisadas neste trabalho é

relativamente estável. Segundo Auroux (1992, p. 66-67), as gramáticas são compostas, em

sua grande maioria, pelas seguintes partes: “ortografia / fonética (parte opcional), partes do

discurso, morfologia [ou etimologia] (acidentes da palavra, compostos, derivados), sintaxe

(freqüentemente muito reduzida: conveniência e regime), figuras de construção”. A

presença de todas essas partes nas gramáticas referenciadas nessa pesquisa, e o modo pelo

qual as mesmas estão dispostas nos ajuda a concluir que o método da gramática e tradução

era amplamente utilizado nessa época, em detrimento às técnicas de imersão a que os

alunos de outrora haviam sido submetidos para a aprendizagem do Latim, em decorrência

da proibição do uso do Português.

Contudo, a grande maioria dos autores que pesquisam sobre o ensino de línguas e a

produção de gramáticas e compêndios destaca o método direto como sendo a grande

novidade em termos de metodologia de ensino, em oposição ao emprego do Grammar

Translation (método da gramática e tradução). Ao analisarmos a evolução do ensino de

línguas, percebemos que essa nova tecnologia educacional não foi, na realidade, uma

grande novidade, como enfatizado, uma vez que os escritos de Locke e Comenius, de

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acordo com Silveira (1999), já preconizavam os fundamentos do Método Direto. O próprio

ensino do Latim, desde o século XVI, foi baseado em técnicas de imersão, já que a Língua

Latina foi ensinada através do próprio Latim. Percebe-se, dessa forma, que o método direto

não foi a grande novidade do século XX, como comumente defendido. A grande inovação

de ensino de línguas foi, na realidade, a utilização da gramática e da tradução, método

utilizado nas gramáticas em Língua Inglesa aqui analisadas.

Os compêndios utilizados no Brasil colônia só pode ser completamente entendidos

quando retomamos o processo de institucionalização do ensino de línguas, do qual Portugal

foi pioneiro, de modo a entender as motivações e finalidades da reformulação desse

processo. Somente após essa compreensão, podemos perceber os impactos que as medidas

pombalinas causaram em terras brasileiras.

Com o objetivo de estruturar o Brasil após a sua chegada em 1808, D. João VI tomou

uma série de medidas, culminando, no caso do ensino de Inglês, com criação das Cadeiras

de Línguas Vivas e a nomeação dos primeiros professores públicos dessas matérias. Para a

ocupação das novas aulas criadas por D. João VI, a aprendizagem do Inglês se tornou

essencial, destacando-se o ensino através da gramática, entre as quais se destaca a de J.

Castro (1759), propícia por estar centrada na questão comercial, e, por esse motivo, de

provável utilização nas Aulas de Comércio e Agricultura, e a de Teles de Menezes (1762),

muito provavelmente utilizada nas Academias Militares, uma vez que a preocupação com

as fortificações sempre esteve presente nas decisões educativas de Portugal e seus

domínios.

Ao observarmos o conteúdo publicado em jornais de circulação do período, como é o

caso da Gazeta de Lisboa, de 1813, podemos observar que muitas das preocupações

educativas da época haviam sido reafirmadas pelas reformas pombalinas como necessárias

para que a ordem pudesse ser restabelecida. É o que atesta um anuncio dessa Gazeta em 12

de janeiro de 1813, através da qual a Aula de primeiras letras, que ocorria na rua do largo

do Corpo Santo, n. 11, era baseada na Gramática Portuguesa, “a respeito de escrita, e conta;

bons costumes, cathecismo, e religião, a fim de que se criem Cidadãos uteis, Vassalos fiéis,

e bons Christãos” (LISBOA, 1813b, p. 59). Os mesmos termos empregados na Lei do

Diretório de 1757 foram novamente retomados como finalidades de ensino a serem obtidas,

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sugerindo que não houve um completo rompimento com os ideais educativos traçados no

século anterior.

Castro produziu um compêndio preocupado não só com o ensino do Inglês, mas

também com o fortalecimento da imagem da Língua Portuguesa e sua aceitação como

língua estrangeira nobre a ser estudada e respeitada. Em meio a um ambiente totalmente

propício ao surgimento de novas aulas e à necessidade de capacitação de uma colônia que

se transformava em sede do governo português, o compêndio de Castro não só trazia o

conhecimento linguístico para a aprendizagem da Língua Inglesa, como também

preocupava-se com os padrões de excelência do mundo ocidental e com os clássicos que

deveriam ser copiados, colocando, sempre que possível, o contexto comercial no ensino da

língua.

Na Gramática de Tillbury (1827), pode ser verificada uma acentuada preocupação

com a valorização da Língua Inglesa e o seu ensino no Brasil. Ao perceber a grande

influência que o Francês exercia no ocidente oitocentista, o autor da Arte ingleza offerecida

ao illustrissimo Senhor Visconde de Cayru explorou, no prefácio da sua obra, as belezas do

Inglês e a importância de sua aprendizagem, ratificando as informações anteriormente

transmitidas nas gramáticas de Castro (1759), Telles de Menezes (1762), Brasileiro (1812)

e Freitas (1820), de que o Inglês era necessário para o fortalecimento das relações

comerciais entre Portugal e Inglaterra. A grande diferença encontrada no prefácio dessa

obra, no entanto, diz respeito à sua luta pela manutenção da profissão de professor de

Inglês, chegando até mesmo a declarar que, se houver a necessidade em se optar pelo

estudo de apenas uma língua estrangeira, o Inglês deve ser a língua de escolha.

A mesma luta pela manutenção da profissão docente foi verificada com o professor

Eduardo Thomaz Colville, que, nomeado Lente de Língua Inglesa pela Academia Real

Militar em 1809, foi dispensado em 1825. Conforme pesquisas de Oliveira (2006), Colville

permaneceu lecionando através de aulas avulsas, o que garantiu o recebimento de um

ordenado. Após a sua morte, o ensino de Inglês foi retirado dessa academia em 1832,

sugerindo que, com o fim de sua luta, o Inglês perdeu forças e a profissão de professor de

Inglês deixou de existir naquela instituição, em detrimento, mais uma vez, do Francês, que

continuou a ser ensinado. É fácil, perceber, dessa forma, que os compêndios produzidos no

período aqui recortado serviram também de campo de batalha para consolidar a profissão

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de professor de Língua Inglesa, constantemente ameaçada pela superioridade verificada

pelo Francês nos séculos XVIII e XIX.

Na gramática de Castro, são visíveis alguns pressupostos defendidos como essenciais

para a modernização do ensino. O assunto gramatical utiliza a língua vernacular e não mais

o Latim, mesmo havendo ainda o respeito aos padrões da Gramática Latina e,

consequentemente, às declinações das classes gramaticais. O compêndio em questão ainda

não é simplificado, conforme defendiam as peças legislativas das reformas pombalina da

instrução pública, mas se utiliza de vários exemplos e de explicações contextualizadas,

sempre associando a Língua Inglesa com a portuguesa e abrangendo desde uma

preocupação com a pronúncia até o cuidado com a precisão gramatical. Todas essas

preocupações foram também verificadas nas demais gramáticas, com a ressalva de que,

com o passar do tempo, as regras foram cada vez mais simplificadas.

Através da análise dos cinco compêndios aqui apresentados, fica clara a manutenção

de uma continuidade de princípios seguidos, no que se refere à formatação de capas;

manutenção dos conteúdos tratados; utilização das declinações latinas para as explicações

gramaticais; presença de uma nota introdutória contendo informações sobre a nobreza da

Língua Portuguesa e importância que a Língua Inglesa deveria ter em terras brasileiras;

inserção de diálogos familiares que resgatassem os preceitos morais; listas de palavras

organizadas em blocos; frases morais para consolidação do idioma; modelos de

correspondências comerciais necessárias na época, entre outros pontos de semelhança.

Ao verificar muitos pontos de intersecção nessas obras, torna-se incoerente não

compará-las, principalmente quando levamos em consideração o fato de se tratar de uma

época em que o plágio58 era comum, especialmente em compêndios. As semelhanças entre

as cinco gramáticas nos faz supor que, apesar de publicadas em momentos históricos

diferentes, com peças legislativas diferenciadas e, até mesmo, após a dita “era pombalina”,

possuem uma mesma linha de coerência. As recomendações de simplificação das regras

gramaticais, exaltação à língua nacional, preocupação com os autores citados e busca por

58 Os compêndios aqui analisados apresentam pouca originalidade de conteúdo. No entanto, conforme Chervel (1990, p. 203) “o problema do plágio é uma das constantes da edição escolar”. Esse pensamento é reforçado por Oliveira (2006, p. 136), ao afirmar que “é preciso relativizar as noções de plágio e autoria em obras pedagógicas do gênero, pois nelas muito menos importante é a originalidade das idéias do que o modo como elas podem ser copiadas, imitadas, adaptadas, apropriadas ou manipuladas em função das condições sócio-políticas em que são produzidas, ou do público para o qual são dirigidas (OLIVEIRA, 2006, p. 136).

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respaldo legislativo, verificadas nas reformas do Marquês de Pombal, estão presentes em

todas essas obras, o que, por si só, aboliria qualquer pensamento de interrupção ou

descontinuidade no modo pelo qual o ensino de Inglês foi propagado e organizado nos

séculos XVIII e XIX.

A aplicação do Inglês com finalidade instrumental foi comprovada em todos os

compêndios analisados. Com o crescimento e fortalecimento dos laços comerciais entre

Brasil e Inglaterra, a Língua Inglesa começou a ocupar uma posição de destaque em

Portugal e suas terras d’além-mar. Aprender o Inglês se tornou necessário, o que fez com

que compêndios fossem publicados com o objetivo de preparar os perfeitos negociantes que

a situação exigia. Com a gramática do padre Guilherme Tílbury, Arte Ingleza, de 1827, o

ensino de Inglês no Brasil passou a servir a outros propósitos, pois, a partir de então,

iniciou-se o seu processo de inclusão entre as matérias preparatórias para os Cursos

Jurídicos, fundados no país nesse mesmo ano. Desse modo, somente a partir de 1831

começa a sua configuração como disciplina escolar. No período recortado por este trabalho,

a Língua Inglesa tinha uma finalidade exclusivamente instrumental, pois servia de meio

através do qual seus aprendizes poderiam ter acesso ao conhecimento relacionado ao

comércio e às milícias de terra e mar, uma vez que muitos dos compêndios mais abalizados

em tais matérias estavam escritos em Inglês.

Ao término da pesquisa foi possível elucidar pontos importantes no que refere ao

ensino de Inglês no Brasil. Pesquisas dessa natureza, importantes para a reconstituição

histórica do ensino de línguas e dos compêndios e livros didáticos, devem ser exaustivas,

de modo a identificar pontos de interseção e distanciamento entre obras publicadas em

diversos períodos da historiografia linguística e literária. Tais pesquisas precisam ser

intensificadas e divulgadas, uma vez que a dificuldade em se chegar à fonte primária é

grande e o compartilhamento de informações pela academia nem sempre é possível. As

gramáticas de Freitas, Brazileiro e Teles de Menezes, por exemplo, foram muito pouco

exploradas até hoje. Somente Oliveira (2006) havia realizado estudos nestes compêndios.

As gramáticas de Castro e Tillbury, apesar de terem sido um pouco mais trabalhadas, ainda

não haviam sido exaustivamente analisadas, uma vez que, além das pesquisas feitas pelo

GPHELB, somente o professor Português Gomes da Torre (1985) havia se debruçado sobre

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esses compêndios, contribuindo, assim, para a reconstituição dos percursos verificados

pelos autores durante o processo de modificação das finalidades de ensino.

Muitas estudos ainda são necessários para que possamos entender um pouco mais

sobre a importância que os compêndios e, mais atualmente, livros didáticos

desempenharam e ainda desempenham, não só para o ensino de línguas, mas,

principalmente, para o registro de impressões e processos vivenciados por uma determinada

sociedade.

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BRAZILEIRO, Manoel de Freitas. Nova grammatica ingleza e portugueza dedicada á

felicidade e augmento da Nação Portugueza. Selecta dos melhores authores, por Manoel de

Freitas Brazileiro. Liverpool: G. F. Harris’s Viuva e Irmãos, 1812.

CASTRO, J.. Grammatica Anglo-Lusitanica & Lusitano-Anglica: ou, Gramatica Nova,

Ingleza e Portugueza, e Portugueza e Ingleza; dividida em duas partes. A primeira para a

instruição dos Inglezes que desejarem alcançar o conhecimento da Lingua Portugueza. A

segunda, para o uso dos Portuguezes que tiverem a mesma inclinação a Lingua Ingleza. Das

quaes a Primeira está corrigida e emendada, a segunda executada por Methodo claro,

familiar, e facil. 3. ed. London: W. Meadows, 1759.

DUFIEF, N. G. Dufief's Nature displayed in her mode of teaching language to man or, A

new and infallible method of acquiring a language, in the shortest time possible, deduced

from the analysis of the human mind, and consequently suited to every capacity.

Philadelphia: Printed by T. & G. Palmer, 1811.

FREITAS, Manoel José de. Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da

mocidade adiantada nas primeiras letras. Rio de Janeiro: Impressão Regia, 1820.

GRAUERT, Eduardo. Compendio da grammatica ingleza. Rio Grande do Sul: Typ. do

Echo do Sul de Pedro B. de Moura, 1861.

JACOB, André. Grammatica Portugueza, e Ingleza. Por hum mrthodo novo, e facil com

regras fundamentaes para a pronunciação, e para o proprio uso, e applicação das partes da

Oração, que facilita muito o progresso dos principiantes, e guia os que já tiveram luzes

desta língua ... Por André Jacob, professor approvado da Língua Ingleza. Lisboa: Na

Typographia Nunesiana, 1793.

LOBATO, Antônio José dos Reis. Arte da grammatica da língua portugueza composta e

offerecida ao Ill.mo e Exc.mo senhor Sebastião José de Carvalho e Mello, ministro, e

secretario de estado de sua magestade fidelíssima da repartição dos negócios do reino.

Lisboa: Na Typ. de M. P. de Lacerda, 1771.

MELO, Joaquim Pinto da Silva e. Mestre inglez, ou grammatica portugueza e ingleza.

Coimbra, Imp. da Universidade, 1813.

MENEZES, Carlos Bernardo da Silva Teles de. Gramatica ingleza ordenada em portuguez,

na qual se explicão clara, e brevemente as regras fundamentaes, e as mais proprias para

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160

falar puramente aquela lingua. Lisboa: Na Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno,

1762.

NOBREGA, Padre Manuel da. Dialago sobre a conversão do gentio. São Paulo: Editora

Metalibri, 2006.

SILVA, Agostinho Neri da. Nova grammatical da Lingua Ingleza, ou a arte de fallar e

escrever com propriedade, e correcção o idioma inglez. Quinta impressão correcta, e

enriquecida de hum copioso vocabulário dos termos Portuguezes, e Inglezes, com alguns

Dialogos do uso familiar. Lisboa: Na Officina da Viuva Neves, e filhos, 1814.

SOUZA, Manoel Dias. Gramática Portugueza ordenada segundo a doutrina dos mais

celebres Gramáticos conhecidos, assim nacionaes como estrangeiros, para facilitar á

mocidade Portugueza e estudo de ler e escrever a sua propria Língua, e a inteligencia das

outras em que se quizer instruir. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1804.

TILLBURY, Guiherme Paulo. Arte ingleza offerecida ao illustrissimo Senhor Visconde de

Cayru. Rio de Janeiro: Na Typographia Imperial e Nacional, 1827.

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uso da mocidade brasileira por seu cidadão. Rio de Janeiro: Typ do Diário de S. L. Vianna,

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VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. Historia Geral do Brazil. Isto é, do seu

descpbrimento, colonisação, legislação, desenvolvimento e da declaração da independencia

e do imperio, escripta em presença de muitos documentos inéditos e recohidos nos archivos

do Brazil, de Portugalm da Hespanha e da Hollanda, e dedicada a sua magestade imperial o

Senhor D. Pedro II. Tomo Segundo. Rio de Janeiro: em caza de E. e H. Laemmert, R. da

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VERNEY, Luiz Antonio. Verdadeiro método de estudar (1746). v. 1. Lisboa: Sá da Costa,

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161

3. LEGISLAÇÃO

BRASIL. Anaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados. Quarto ano da

Décima Legislatura. Tomo 1. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional, de J.

Villeneuve & C., 1860.

______. Coleção das cartas imperiais e alvarás do Império do Brasil. Imprensa Nacional,

1885.

LISBOA. Gazeta de Lisboa com privilégio de S. Alteza Real. Lisboa: na Officina de

Antonio Rodrigues Galmando n.2, 4 de janeiro de 1813, p. 16-9, 1813a.

_____. Gazeta de Lisboa com privilégio de S. Alteza Real. Lisboa: na Officina de Antonio

Rodrigues Galmando n.12, 15 de janeiro de 1813, p. 56-9, 1813b.

LONDRES, Correio Braziliense ou Armazem Literario. Impresso por W. Lewis, na officina

do correio Braziliense, st. John’s-square, Clerkenwell. Vol. IX, 1812.

MARANHÃO. Livro grosso do Maranhão. Rio de Janeiro: Anais da Biblioteca Nacional,

1948.

PORTUGAL. Alvará régio, de 28 de junho de 1759, em que se extinguem todas as Escolas

reguladas pelo método dos Jesuítas e se estabelece um novo regime. Diretor dos Estudos,

Professores de Gramática Latina, de Grego e Retórica.

_____. Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das ordenações

oferecida a El Rei Nosso Senhor pelo Desembargador Antonio Delgado da Silva.

Legislação de 1802 a 1810. Lisboa: na Typ. Maigrense, 1828.

______. Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das ordenações

oferecida a El Rei Nosso Senhor pelo Desembargador Antonio Delgado da Silva.

Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: na Typ. de L. C. da Cunha, 1830.

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ANEXOS

1. Relação de compêndios para o ensino de Inglês publicados em Portugal e no Brasil no

período de 1759 à 1827:

DATA COMPÊNDIO AUTOR

1759 Grammatica Anglo-Lusitanica & Lusitano-Anglica: ou, Grammatica nova, Ingleza e Portugueza, e Portugueza e Ingleza, dividida em duas partes - 3ª edição

Jacob Castro

1762 Gramatica Ingleza ordenada em portuguez Carlos Bernardo da Silva Teles de Menezes

1767 A New Grammar English-Portuguese and Portuguese-English Jacob Castro

1771 Grammatica ingleza Thomas Dyche

1773 Dictionary of the Portuguese and English languages in two parts Anthony Vieyra Transtagano

1775 Grammatica da lingua ingleza Thomas Dilvorth

1777 Grammatica Lusitano-Anglica ou Portugueza, e Ingleza, a qual serve para instruir os Portuguezes no idioma Inglez

Jacob Castro

1779 Nova grammatica da lingua ingleza, ou arte de falar e escrever com propriedade e correcção o idioma inglez

Agostinho Nery Silva

1793 Grammatica Portugueza e Ingleza. Agostinho Nery Silva

1793

Grammatica portugueza e ingleza. Por um methodo novo, e facil com regras fundamentaes para a pronunciação, e para o proprio uso, e applicação das partes da Oração, que facilita muito o progresso dos principiantes e guia os que já tiveram luzes desta lingua.

André Jacob

1794 English Grammar Anthony Vieyra Transtagano

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163

DATA COMPÊNDIO AUTOR

1800 Grammatica da lingua ingleza (Nova) Agostinho Nery Silva

1803 Regras methodicas para se aprender o caracter da lingua ingleza

Joaquim José Ventura da Silva

1808 Grammatica ingleza e portugueza, para uso dos inglezes que aprendem a lingua portugueza.

António Vieira Transtagano

1809 Princípios elementares da língua ingleza, methodicamente tractados

Manuel José de Freitas

1810 Nova grammatica ingleza e portugueza, dedicada á felicidade e... da nação portugueza. Selecta dos melhores auctores.

Manuel José de Freitas

1811 Grammatica (nova) ingleza, a qual serve para instruir aos portugueses na lingua ingleza

António Maria do Couto

1811 Nova grammatica portugueza e ingleza, a qual serve para instruir os portuguezes na lingua ingleza

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça

1812 Nova grammatica ingleza e portugueza dedicada à felicidade e augmento da Nação Portugueza. Selecta dos melhores authores

Manuel de Freitas Brazileiro

1813 Grammatica ingleza de Siret Miguel de Bourdiec

1813 Mestre inglez, ou grammatica portugueza e ingleza. Joaquim Pinto da Silva e Melo

1814 Mestre inglez ou nova grammatica da língua ingleza por hum systema original

Francisco de Paula Jaku

1820 Compendio da grammatica ingleza e portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras

Manuel José de Freitas

1827 Arte Ingleza Guilherme Paulo Tillbury

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2. Relação das principais ações legislativas sobre o ensino de Línguas no período de 1759 a

1827

ANO LEGISLAÇÃO AÇÃO

1757 Diretório dos Índios

Lei do Diretório

1759 Alvará de 19 de abril Estatutos da Aula do Comércio. Sua aprovação se deu

com outro alvará, datado do dia 19 do mês seguinte. A necessidade da tradução de livros (compêndios) estrangeiros.

1759 Alvará de 28 de Junho

Criação das Aulas Régias de Latim, Grego e Retórica.

1762 Carta de Lei de 7 de março

Regulamenta a legislação do Colégio dos Nobres, exaltando a importância em se utilizar as línguas vivas em sala de aula

1762 Decreto de 30 de julho

Criação da Aula de Náutica da cidade do Porto. A necessidade da tradução de livros (compêndios) estrangeiros.

1772 Alvará de 18 de agosto

Publicação dos Estatutos do Real Colégio de Mafra. Previa o ensino das línguas portuguesa, italiana e inglesa. A reforma dos Estatutos se deu com o Alvará de 30 de setembro de 1780.

1772 Lei de 28 de agosto: novos Estatutos para a Universidade de Coimbra. As línguas vivas (inglês e francês) incluídas nos preparatórios de Medicina e Matemática

1779 Lei de 5 de agosto

Criação da Academia Real da Marinha. A necessidade da tradução de livros (compêndios) estrangeiros.

1796 Lei de 1.º de abril

Nova regulamentação para a Academia Real dos Guardas Marinhas. A necessidade da tradução de livros (compêndios) estrangeiros. A Academia foi extinta pela Carta de Lei de 23 de abril de 1845 (foi transformada em Escola Naval).

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165

ANO LEGISLAÇÃO AÇÃO

1803 Alvará de 29 de julho

Criação da Academia Real da Marinha e Comércio da Cidade do Porto, confirmando seus Estatutos, nos quais estavam inseridas as línguas vivas.

1809 Decisão 29. de 14 de Julho

Criação da cadeira de Língua Inglesa na colônia brasileira

1809

Alvará de 15 de julho Criação das Aulas de Comércio no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. A necessidade da tradução de livros (compêndios) estrangeiros.

1809 Decreto de 30 de maio

Criação de uma Cadeira de Língua Inglesa na Academia Militar da Corte do Rio de Janeiro, com o ordenado mensal de 12.000 réis.

1809 Carta Régia de 9 de setembro

Nomeação do professor de inglês, o padre irlandês João Joyce.

1810 Carta de Lei de 4 de dezembro

Criação no Rio de Janeiro da Academia Real Militar para um curso completo de Matemática. A previsão do ensino das línguas vivas.

1813 Decreto de 1 de abril Aprovação do plano de estudos de Cirurgia no Hospital da Misericórdia do Rio de Janeiro. O francês e o inglês são colocados como disciplinas obrigatórias (o francês para o segundo ano de curso e o inglês para o terceiro).

1814 Decisão n. 25, de 2 de setembro

Delimitação do ordenado dos Lentes de línguas estrangeiras da Academia Real Militar em 20.000 réis mensais.

1815 Carta Régia de 29 de dezembro

Criação de um curso completo de cirurgia na cidade da Bahia, colocando o francês e o inglês como disciplinas obrigatórias (o francês para o segundo ano de curso e o inglês para o terceiro).

1820 Carta Régia de 14 de setembro:

Aprovação do estabelecimento de um Colégio de Educação criado na Vila do Recife, em Pernambuco. Referências, no preâmbulo da lei, a “bons mestres das linguas ingleza e franceza”.

1825

Decreto de 9 de janeiro

Criação dos cursos jurídicos

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166

ANO LEGISLAÇÃO AÇÃO

1827 Decisão n. 17, de 7 de fevereiro

Aprovação dos estatutos do Gabinete Inglês de Leitura, estabelecido na Corte do Rio de Janeiro. A previsão de uma biblioteca com livros e periódicos ingleses.

1827 Decreto de 4 de abril Nomeação de Gulherme Paulo Tillbury como mestre de inglês da rainha de Portugal e das augustas princesas, marcando-lhe o ordenado de 400.000 réis anuais.

1827 Lei Geral de 15 de Outubro

Estabelecimento das diretrizes que deveriam nortear a criação de escolas de Primeiras Letras no Brasil.

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