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Eletromagnetismo I
Cap. 2: Eletrostática
2.3: Rotacional do campo eletrostático e potencial elétrico
Prof. Marcos Menezes
Instituto de Física - UFRJ
2.3 – Rotacional do campo eletrostático e potencial elétrico
2.3.1 – O rotacional do campo eletrostático
Olhando as linhas do campo produzido por uma carga puntiforme (em repouso), é intuitivo ver que ele é um campo irrotacional, uma vez que as linhas não “circulam” em torno de nenhum ponto.
Pelo princípio da superposição, o mesmo deve valer para o campo eletrostático produzido por uma distribuição de cargas arbitrária. Vamos verificar isso diretamente.
Já vimos que o campo eletrostático produzido por uma distribuição arbitrária de cargas pode ser escrito como:
onde .
Calculando o rotacional:
Note que as derivadas atuam apenas sobre as coordenadas “sem linha”.
Note ainda que:
Vamos calcular 𝛁 × 𝐯 em coordenadas cartesianas. Para a componente x:
Tomando as derivadas parciais:
Naturalmente, podemos verificar o mesmo resultado para as componentes y e z. Portanto:
𝛁 × 𝐯 = 𝟎 𝛁 × 𝐄 = 𝟎⟹
• Confirmamos a nossa intuição: o campo eletrostático produzido por uma distribuição arbitrária de cargas é irrotacional!
• Esta é a segunda das quatro equações de Maxwell (na eletrostática) em forma diferencial.
• Derivação alternativa deste resultado: ver Griffiths, seção 2.2.4.
2.3.2 – Potencial elétrico
Como 𝛁 × 𝐄 = 𝟎, podemos escrever 𝐄 em termos do gradiente de uma função escalar 𝑉:
uma vez que 𝛁 × (𝛁𝑉) = 𝟎 para qualquer função escalar 𝑉. A função 𝑉 é conhecida como potencial elétrico.
𝛁 × 𝐄 = 𝟎 ⟹ 𝐄 = −𝛁𝑉
(a) Definição
Note que:
• O sinal negativo na expressão acima é apenas uma convenção.
• No SI, a unidade de potencial é o Volt (V). Com isso, a unidade de campo elétrico é V/m, que é equivalente a N/C.
• 𝑉 é bem definido a menos de uma constante arbitrária, pois 𝛁 cte = 𝟎.
• Como a relação entre 𝐄 e 𝑉 é linear, o potencial também obedece o princípio da superposição.
(b) Potencial elétrico a partir do campo eletrostático
Vamos calcular a integral de linha de 𝐄 entre dois pontos 𝑎 e 𝑏 ao longo de um caminho arbitrário 𝐶:
න𝑎
𝑏
𝐄 ⋅ 𝑑𝒍 = −න𝑎
𝑏
𝛁𝑉 ⋅ 𝑑𝒍 = −න𝑎
𝑏
𝑑𝑉 = 𝑉𝑎 − 𝑉𝑏
onde 𝑉𝑎 = 𝑉(𝒂) e 𝑉𝑏 = 𝑉(𝒃). Note este cálculo é uma aplicação imediata do teorema do gradiente (cap. 1)!
Consequências:
• A integral de linha de 𝐄 não depende do caminho 𝐶. Depende apenas dos potenciais nos pontos 𝑎 e 𝑏. Portanto, o campo eletrostático é conservativo.
• 𝑉𝑎 − 𝑉𝑏 é conhecido como diferença de potencial (d.d.p.) ou voltagem entre os pontos 𝑎 e 𝑏. Note ela é bem definida pois a constante arbitrária é eliminada pela diferença. Com isso, esta quantidade tem um significado físico claro.
Para um caminho fechado arbitrário, devemos ter:
ර𝐶
𝐄 ⋅ 𝑑𝒍 = 0
Este resultado reafirma o caráter conservativo do campo eletrostático e corresponde à segunda das quatro equações de Maxwell (na eletrostática) em forma integral.
Exercício: Utilize a equação acima e o teorema de Stokes para reobter 𝛁 × 𝐄 = 𝟎.
Observações:
• Como a força que um campo eletrostático exerce sobre uma carga de teste puntiforme 𝑞 é dada por 𝐅 = 𝑞𝐄, concluímos imediatamente que a força eletrostática é conservativa.
• Na eletrodinâmica, veremos que o resultado acima deve ser generalizado para 𝛁 × 𝐄 = − Τ𝜕𝐁 𝜕𝑡, de forma que campos magnéticos não-estacionários 𝐁(𝑡) produzem campos elétricos de caráter não-conservativo!
uma vez que 𝑉𝑎 = 𝑉𝑏 nos pontos inicial e final.
𝑉𝑎 − 𝑉𝑏 = න𝑎
𝑏
𝐄 ⋅ 𝑑𝒍 = න𝑎
𝑏 1
4𝜋𝜀0
𝑞
𝑟2ො𝐫 ⋅ 𝑑𝒍
Em coordenadas esféricas, sabemos que 𝑑𝒍 = 𝑑𝑟 ො𝐫 + 𝑟𝑑𝜃 𝜽 + 𝑟 sen𝜃 ෝ𝝋. Com isso,ො𝐫 ⋅ 𝑑𝒍 = 𝑑𝑟 e:
Diferença de potencial entre os pontos 𝑎 e 𝑏:
𝑉𝑎 − 𝑉𝑏 =𝑞
4𝜋𝜀0න𝑟𝑎
𝑟𝑏 1
𝑟2𝑑𝑟 =
𝑞
4𝜋𝜀0
1
𝑟𝑎−1
𝑟𝑏
Como esperado, a integral não depende do caminho entre 𝑎 e 𝑏.
Exemplo 1: Potencial elétrico produzido por uma carga puntiforme
Da equação anterior, concluímos imediatamente que:
• Vamos agora colocar o ponto 𝑏 no infinito (𝑟𝑏 → ∞) e escolher 𝑉𝑏 = 0(escolha de zero).
• O ponto 𝑎 será um ponto arbitrário do espaço, a uma distância 𝑟𝑎 = 𝑟 da origem, onde desejamos determinar o potencial 𝑉𝑎 = 𝑉 𝑟 .
𝑉 𝑟 =𝑞
4𝜋𝜀0𝑟
Note que a escolha de zero fixa o valor da constante arbitrária. Poderíamos somar qualquer constante ao resultado acima e obteríamos o mesmo campo elétrico.
Exemplo 2: Esfera isolante com distribuição de cargas não-uniforme (simetria esférica)
Na aula passada, utilizamos a lei de Gauss para obter o campo eletrostático produzido por essa distribuição:
OBS: 𝜌0 é uma constante positiva e 𝑅 é o raio da esfera.
𝐄 =
1
4𝜋𝜀0
𝑄
𝑟2ො𝐫 , 𝑟 > 𝑅
1
4𝜋𝜀0
𝑄
𝑅4𝑟2ො𝐫, 𝑟 ≤ 𝑅
com 𝑄 = 𝜌0𝜋𝑅3
No lado de fora, o campo é idêntico ao de uma carga puntiforme 𝑄. Dessa forma, fazendo a mesma escolha de zero do exemplo anterior, concluímos imediatamente que:
𝑉 𝑟 =𝑄
4𝜋𝜀0𝑟, 𝑟 > 𝑅
No lado de dentro, podemos calcular a ddp entre um ponto 𝑃 genérico, a uma distância 𝑟 do centro, e um ponto na superfície da esfera, onde já conhecemos o potencial 𝑉(𝑅) da expressão acima. Assim:
𝑉(𝑟) − 𝑉(𝑅) = න𝑃
𝑅
𝐄 ⋅ 𝑑𝒍 = න𝑃
𝑅 1
4𝜋𝜀0
𝑄
𝑅4𝑟′2 ො𝐫′ ⋅ 𝑑𝒍
= න𝑟
𝑅 1
4𝜋𝜀0
𝑄
𝑅4𝑟′2𝑑𝑟′
Como 𝑉 𝑅 = Τ𝑄 4𝜋𝜀0𝑅, obtemos:
𝑉 𝑟 −𝑄
4𝜋𝜀0𝑅=
1
4𝜋𝜀0
𝑄
𝑅4(𝑅3−𝑟3)
3
𝑉 𝑟 =1
12𝜋𝜀0
𝑄
𝑅44𝑅3 − 𝑟3 , 𝑟 ≤ 𝑅
Note que, implicitamente, já utilizamos o fato que 𝑉(𝑟) é contínuo em 𝑟 = 𝑅. Confirmaremos isso mais adiante.
Graficamente:
(c) Potencial elétrico a partir da distribuição de cargas (localizadas)
Utilizando o potencial produzido por uma carga puntiforme, podemos calcular potenciais produzidos por distribuições arbitrárias. Basta utilizar o princípio da superposição:
𝑑𝑞
Distribuições discretas: Distribuições contínuas:Carga puntiforme:
Dimensionalidade
Assim como no cálculo do campo, devemos converter 𝑑𝑞 em um infinitésimo espacial adequado para fazer a integração:
1D
𝑑𝑞 = 𝜆 𝑑𝑙′
2D
𝑑𝑞 = 𝜎 𝑑𝐴′ 𝑑𝑞 = 𝜌 𝑑𝑣′
3D
Note, no entanto, que as integrais aqui são mais simples de calcular, pois 𝑉 é uma grandeza escalar! Tipicamente, é muito mais fácil calcular primeiro 𝑉 via integração e depois 𝐄 via 𝐄 = −𝛁𝑉.
Observações:
• Note que os potenciais acima já tem um zero escolhido: ele vai a zero para pontos infinitamente distantes da distribuição.
• Esta escolha não é adequada para distribuições onde as cargas se estendem até o infinito (fio infinito, plano infinito, etc).
• Nesses casos, devemos calcular primeiro 𝐄 via lei de Gauss (quando a distribuição for suficientemente simétrica) e depois 𝑉 por meio da integral de linha de 𝐄 (seção anterior), com uma escolha de zero apropriada.
Exemplo: Superfície cilíndrica uniformemente carregada
Uma superfície cilíndrica de raio 𝑅 e comprimento 𝐿 possui uma densidade superficial de carga constante 𝜎.
(a) Determine o potencial elétrico produzido por essa superfície em um ponto P sobre o eixo do cilindro, a uma distância 𝑧 > 𝐿/2 de seu centro. Considere que o potencial é nulo em pontos infinitamente afastados do centro.
(b) Determine o campo elétrico no mesmo ponto.
Começamos identificando um elemento infinitesimal de carga 𝑑𝑞 e sua distância ao ponto P (em coordenadas cilíndricas):
Sua contribuição para o potencial neste ponto é:
O potencial resultante neste ponto é:
A integral restante pode ser resolvida pela substituição trigonométrica 𝑧 − 𝑧′ = 𝑅 tg 𝜃. O resultado é (verifique!):
Observações:
• Ao determinar o campo, note que calculamos apenas 𝑉 sobre o eixo Z, portanto podemos obter apenas a componente 𝐸𝑧 = −𝜕𝑉/𝜕𝑧 a partir dele. Utilize outro argumento para obter as componentes 𝐸𝑥 e 𝐸𝑦.
• Você pode utilizar este resultado para obter o potencial e o campo produzidos por um cilindro maciço uniformemente carregado (problema 2.27). Outro ponto de partida pode ser o potencial produzido por um disco uniformemente carregado (problema 2.25-c).
• Em todos estes casos, você pode verificar que o potencial e o campo se reduzem ao de uma carga puntiforme quando 𝑧 ≫ dimensões do objeto!
• Os dois exemplos resolvem este mesmo problema por métodos diferentes (integração direita sobre a distribuição vscálculo a partir de 𝐄). Qual deles é mais simples?
• Verifique que, no lado de fora, o potencial se reduz ao de uma carga puntiforme, como esperado da simetria esférica do problema. Verifique ainda que, no lado de dentro, o potencial é constante.
Exemplos 2.6 e 2.7 do livro-texto (leitura)
2.3.3 – Condições de contorno na eletrostática
O que acontece com 𝐄 e 𝑉 ao atravessarmos uma superfície carregada?
• Vamos escolher uma superfície gaussiana na forma de uma caixa, com tampas de área 𝐴 acima e abaixo da superfície carregada e largura 𝜖.
• Se 𝐴 for suficientemente pequeno, podemos considerar que 𝐄 é uniforme sobre as tampas e que 𝜎 é constante.
• No limite 𝜖 → 0, a superfície lateral da caixa não deve contribuir para o fluxo.
Aplicando a lei de Gauss nessas condições:
𝐸⊥acima − 𝐸⊥
abaixo =𝜎
𝜀0
ර𝑠
𝐄 𝒓 ⋅ 𝑑𝑨 = 𝐸⊥acima − 𝐸⊥
abaixo 𝐴 =𝑄𝑖𝑛𝑡𝑆
𝜀0=𝜎𝐴
𝜀0
E a componente tangencial de 𝐄?
• Vamos escolher agora uma curva retangular fechada de comprimento 𝑙e largura 𝜖 para calcular a integral de linha de 𝐄.
• Se 𝑙 for suficientemente pequeno, podemos considerar que 𝐄 é uniforme sobre os lados acima e abaixo da superfície.
• No limite 𝜖 → 0, os lados verticais não contribuem para a integral de linha.
Aplicando a condição que define o caráter conservativo de 𝐄 :
𝐄∥acima − 𝐄∥
abaixo = 0⟹ර𝐶
𝐄 𝒓 ⋅ 𝑑𝒍 = 𝐸∥acima − 𝐸∥
abaixo 𝑙 = 0
Portanto, densidades superficiais de carga produzem uma descontinuidade na componente de 𝐄 normal à superfície, enquanto as componentes tangenciais são contínuas!
Podemos resumir estes resultados em uma única expressão:
onde o vetor unitário ෝ𝐧 é normal à superfície no ponto em consideração e aponta de baixo para cima, de acordo com as definições de “baixo” e “cima” para a superfície.
𝐄acima − 𝐄abaixo =𝜎
𝜀0ෝ𝐧
• Já nos deparamos com uma descontinuidade de 𝐄 no problema da casca esférica uniformemente carregada, que é uma distribuição superficial de cargas.
• Outra situação comum é a de condutores carregados em equilíbrio eletrostático, como veremos mais adiante.
E o potencial elétrico 𝑉?
• Vamos escolher agora uma pequena linha ligando dois pontos 𝑎 e 𝑏abaixo e acima da superfície.
• A ddp entre esses dois pontos é dada por:
Ao reduzirmos o comprimento do caminho a zero, a integral de linha deve ir a zero. Com isso:
𝑉𝑎 − 𝑉𝑏 = න𝑎
𝑏
𝐄 𝒓 ⋅ 𝑑𝒍
𝑉acima − 𝑉abaixo = 0
Portanto, o potencial elétrico é contínuo na superfície.
Por outro lado, como 𝐄 = −𝛁𝑉, vemos que o gradiente do potencial pode ser descontínuo. Note que:
Tomando o produto escalar com ෝ𝐧 :
𝜕𝑉acima
𝜕𝑛−𝜕𝑉abaixo
𝜕𝑛= −
𝜎
𝜀0
𝐄acima − 𝐄abaixo =𝜎
𝜀0ෝ𝐧
𝛁𝑉𝑎𝑐𝑖𝑚𝑎 − 𝛁𝑉abaixo = −𝜎
𝜀0ෝ𝐧
onde Τ𝜕𝑉 𝜕𝑛 = 𝛁𝑉 ⋅ ෝ𝐧 denota a derivada normal de 𝑉 (derivada direcional na direção perpendicular à superfície).
Esta relação é útil para determinar 𝜎 quando 𝑉 é conhecido, como veremos no próximo capítulo.
Referências básicas
• Griffiths (3ª edição) – cap.2• Purcell – cap. 2
Leitura adicional
• Exercícios resolvidos de cálculo de potencial: ver notas de aula e gravações do curso de Física 3