em busca de uma nova abordagem - scielo.br · de escritórios, daí a ausência de janelas ou...

13
o ARTIGO ACIDENTES DO TRABALHO Em Busca de uma Nova Abordagem RESUMO: Um estudo de caso em uma construção francesa mostra que os sistemas de autoridade e de rendimentos s40 responsáveis pela produção de acidentes. A bibliografia clássica da sociologia do tra- balho é tratada 'a luz de pesquisas sobre acidentes do trabalho e do estudo de caso. Essas reflexões le- .vam a uma teorização sociológica da produção dos acidentes do trabalho. A grande maioria dos aci- dentes são produzidos por relações sociais em três níveis na empresa: organização, controle direto e rendimenio, PALAVRAS-CHAVE: Sociologia do trabalho, acidente do trabalho, construção civil, teoria sociológica. pesquisa dos acidentes do trabalho, são ne- cessárias teorias radicalmente novas" 2. Mais recentemente, uma análise da bibliogra- fia internacional rompeu com a tradição, ao _. Tom Dwyer (*) Professor no Departamento de Ciências Sociais do IFCHAJNICAMP. INTRODUÇÃO 1. HALE, A.R. e HALE, M. A Review 01 the Indus- trial Accident Research Literature. London, HMSO, 1972; ELLIS, L. "A Review of Research on Efforts to Promote Occupational Safety". In: Journal 01 Salety Re- search. Elmsford, N.Y., vo1.7, n ll 4, 1975; IONES, D.F. Occupational Salety Programmes - Are they worth it? Toronto, Ontario Ministry of Labour , 1973. Os atuais métodos de análise dos acidentes do trabalho e as tentativas de reduzi-los não têm sido muito eficazes, na opinião da maioria dos pesquisadores e responsáveis pela formulação dos programas de segurança do trabalho 1. Isso tem levado à sensação generalizada de que, "na 2. HALE, A.R. e HALE, M. Op.cit., p.81. SIo Paulo. 29(2) 1e-31 Abr.lJun. 1989 19

Upload: dolien

Post on 13-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

oARTIGO

ACIDENTES DO TRABALHOEm Busca de uma Nova Abordagem

RESUMO: Um estudo de caso em uma construção francesa mostra que os sistemas de autoridade e derendimentos s40 responsáveis pela produção de acidentes. A bibliografia clássica da sociologia do tra-balho é tratada 'a luz de pesquisas sobre acidentes do trabalho e do estudo de caso. Essas reflexões le-.vam a uma teorização sociológica da produção dos acidentes do trabalho. A grande maioria dos aci-dentes são produzidos por relações sociais em três níveis na empresa: organização, controle direto erendimenio,

PALAVRAS-CHAVE: Sociologia do trabalho, acidente do trabalho, construção civil, teoria sociológica.pesquisa dos acidentes do trabalho, são ne-cessárias teorias radicalmente novas" 2.

Mais recentemente, uma análise da bibliogra-fia internacional rompeu com a tradição, ao

_.Tom Dwyer (*)Professor no Departamento de Ciências Sociais doIFCHAJNICAMP.

INTRODUÇÃO 1. HALE, A.R. e HALE, M. A Review 01 the Indus-trial Accident Research Literature. London, HMSO,1972; ELLIS, L. "A Review of Research on Efforts toPromote Occupational Safety". In: Journal 01 Salety Re-search. Elmsford, N.Y., vo1.7, nll 4, 1975; IONES, D.F.Occupational Salety Programmes - Are they worth it?Toronto, Ontario Ministry of Labour , 1973.

Os atuais métodos de análise dos acidentes dotrabalho e as tentativas de reduzi-los não têmsido muito eficazes, na opinião da maioria dospesquisadores e responsáveis pela formulaçãodos programas de segurança do trabalho 1. Issotem levado à sensação generalizada de que, "na 2. HALE, A.R. e HALE, M. Op.cit., p.81.

SIo Paulo. 29(2) 1e-31 Abr.lJun. 1989 19

oARTIGO

concluir que "para a máxima eficácia, os progra-mas de segurança devem se concentrar naspráticas capazes de lidar de forma efetiva comvariáveis 'pessoais' H 3. O estudo não procurou,porém, explicar em nível teórico a natureza ouimportância desse tipo de variável.

Vários estudiosos têm indicado a existênciade uma importante lacuna nos métodos de pes-quisa de acidentes do trabalho: a falta de estudosempíricos em detalhe sobre o local de trabalho.Já foi também sugerido que essa carência seriaresponsável pela coml.'reensão inadequada dascausas dos acidentes . Segundo Leplat 5, "a re-levância da análise dos acidentes depende da re-levância da análise do trabalho sobre o qual sebaseia. Qualquer análise de um acidente apóia-se - na maioria dos casos de forma implícita -num modelo do trabalho no qual esse acidentese baseia".

Esse autor chega a fazer um apelo: "é (...) ne-cessário um maior conhecimento do trabalha-dor, das instalaçiJes técnicas, do local de traba-lho, da organizaçilo e seu modo de funciona-mento, em resumo, de todos os diferentes siste-mas nos quais se situa o trabalhador para poderdefinir de forma pertinente e adequada as con-dições nas quais podem ocorrer os acidentes dotrabalho. É nessa medida que os acidentes do tra-balho podem ser relacionados com o estudogeral das condições do trabalho H.

A partir dessas duas observações, pode-se es-pecular que a falta de uma conceituação teóricaadequada das causas dos acidentes do trabalho, afalta de análises detalhadas e sistemáticas do lo!cal de trabalho e a ineficácia genérica das técni-cas preventivas predominantes estão inter-relacionadas. Caso isso seja verdade, um estudoempírico detalhado do local de trabalho poderiagerar novos insights teóricos sobre a produçãodos acidentes do trabalho e, eventualmente, le-var à formulação de técnicas de prevenção maiseficazes. Uma extensa investigação bibliográficademonstrou que tal estudo representaria umanova abordagem, mesmo dentro da tradição dasociologia do trabalho. Nichols 6 resumiu da se-guinte forma o "estado da arte": "É uma situaçãoestranha (...) que na maioria esmagadora dos ca-sos, ferimentos e falta de saúde não constem daspublicações dos sociólogos do trabalho".

No entanto, Nichols 7 prossegue enfatizandoo caráter social da produção do acidente no tra-balho e fornece novas evidências que confir-mam a validade de insistir no rumo aberto poressas especulações: "os acidentes do trabalhoocorrem no contexto das relações sociais da pro-dução (...) os ferimentos e fatalidades ocorremem um modo de produção particular que é ca-

20

racterizado por relações sociais particulares; ummodo de produção onde, além disso, nem os ad-ministradores nem os trabalhadores são agenteslivres, quer do ponto de vista sociológico ouexistencial" .

Baseado nas especulações acima e operandodentro de uma tradição sociológica, decidi reali-zar uma série de estudos de campo em umaindústria de alto risco - que escolhi acreditandoser o locus em que a consciência do trabalhadorem relação à produção de acidentes estaria maisclaramente desenvolvida. Já havia trabalhado erealizado pesquisas na indústria da construçãocivil 8; dado esse conhecimento técnico da área,pareceu apropriado realizar novas investigaçõesnessa indústria, caracterizada por altos índicesde acidentes. Decidi então fazer uma pesquisa denatureza etnográfica em seis construções naFrança.

Tratarei aqui de uma dessas construções, es-colhida por dois motivos:

a) o canteiro de obras em questão retrata otipo de relação de trabalho raramente discutidana literatura organizacional moderna;

b) trata-se de uma construção de pequenoporte, o que permite explicar sua dinâmica den-tro das limitações de espaço deste texto.

Foram empregadas técnicas de campo de en-trevistas semi-estruturadas, observação do tra-balho e análise de documentos escritos 9. A tri-angulação foi utilizada para verificar a validadedos dados coletados por meio de um método emrelação a outro 10.

3. COHEN,A."Factors in Sucessful OccupationalSafety Programmes". In: Journal of Safety Research.Elmsford, N.Y., vol.9, nll 4, 1979, p.117.

4. FAVERGE, J-M. La p~chosociologie des acci-dents du travail. Paris, PUF, 1967.

5. LEPLAT, J. "Accidents Analysis and WorkAnalysis". In: [ournal of Occupational Accidents.Amsterdam, vol.1, nll 4, 19'78,pp. 338-339.

6. NICHOLS, T. "The Sociology of Accidents andthe Social Production of Industrial Injury". In: ES-LAND, G. et alii. People and Work. Eâinburgh,Homes McDougal, 1975, p. 217.

7. Idem, ibidem, pp.220-221.8. DWYER, T. "Hit and Miss". In: Industrial Rela-

tions Review. Auckland, vol.t, ng 6, March-April,1980.

? DWYER, T.. Une conception sociologique desaccidents du travado Tese de doutoramento. Paris,L'École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1978,pp.140-t49.

10. DENZIN, N. The Research Act. Chicago, Al-dine,1970.

RAE

UM CANTEIRO DE OBRAS:ESTUDO ETNOGRÁFICO

Visto de baixo, o canteiro de obras parece bas-tante estreito e também muito cinzento. A obravai ser um prédio de serviço para um complexode escritórios, daí a ausência de janelas ou pai-néis coloridos. A partir de seu centro, surge umúnico guidaste. Vão ser quinze andares, com 400metros quadrados cada um. No canteiro traba-lham quatro equipes, cada qual composta porquatro homens. Há, além disso, um supervisorgeral e um contramestre responsável pelocanteiro.

Quem se aproxima do canteiro tem, pela faltade andaimes externos, uma visão clara de al-guns trabalhadores. Pode-se ver bastante bem,por exemplo, um deles, vestido de macacão azule com capacete vermelho, abrindo e fechandouma caçamba, enquanto despeja o concreto des-tinado a compor uma parede. A seqüência deseus movimento é, às vezes, complicada. Suaposição é instável: os pés se apóiam precaria-mente nos dois lados da fôrma de madeira, en-quanto o concreto vai sendo depositado noespaço entre eles. Isso, a uma altura de cinco an-dares, sem qualquer corrimão que o proteja deuma queda e com feixes de ferro de armaçãodescobertos apontados em sua direção. Abre acaçamba ora com facilidade, ora com dificul-dade. O concreto parece cair, às vezes, muito ra-pidamente, outras vezes não cai. Como não sesabe com que velocidade o concreto será despe-jado, esse trabalhador corre o risco de perder oequilíbrio e cair no vazio. "Sorte que não hávento", penso.

Contornando pelo lado de fora os limites docanteiro, passo para o outro lado da construção.Aí há um corrimão protetor no alto da fôrma demadeira que contém o concreto. Três homenstrabalham numa plataforma de madeira situadaentre a fôrma e o corrimão. Três metros abaixodeles, há uma plataforma de segurança. Acaçamba amarela agora se move na direçãodeles. O corrimão de segurança é retirado parapermitir sua aproximação. A lança do guidasteestá a apenas três metros acima de suas cabeças;o corrimão protetor prejudicaria a realização datarefa. Eles também têm problemas com acaçamba, mas, felizmente, sua pequena platafor-ma constitui uma superfície de trabalho maior.do que tem o colega observado logo antes. Casoum deles caia, com sorte será amparado pelaplataforma protetora três metros abaixo; a outrapossibilidade é cair de uma altura de seis an-dares até o chão. Os três trabalhadores e acaçamba ocupam praticamente todo o espaço

disponível na plataforma.Concluídas essas observações preliminares,

entro pela primeira vez no canteiro de obras,acompanhado pelo técnico de segurança dacompanhia matriz. Sou recebido pelo gerente ecomeçamos a subir escadas, uma após a outra,todas iluminadas artificialmente. Marcas depoeira indicam que os degraus foram varridosrecentemente. Ao subirmos, o técnico em segu-rança diz para o supervisor geral: "Isso aqui nãoestá nada bom", referindo-se ao que acabo de ob-servar. Chegamos aos locais de trabalho, os cor-redores estão bloqueados, há lixo (detritos etc.)por toda parte. O supervisor responde: "Se nãotemos corrimãos de segurança é que não temostempo de inetelâ-loe ... nós aqui trabalhamosmuito rápido".

Encontramos o contramestre do canteiro. De-pois de ouvirmos alguns comentários desfa-voráveis do técnico em segurança, ele se voltapara mim: "Os canteiros de obras silo assim noseu país?" As pretensões de neutralidade do pes-quisador de campo são instantaneamenteameaçadas por esse tipo de pergunta. "Nilo", res-pondo, correndo o risco de me tomar seu inimi-go. "Mas lá ninguém trabalha!", retruca ele.

"Vocês devem gastar todo o seu tempo emsegurança ... nós aqui trabalhamos rápido ... te-mos que nos mexer ... o prédio tem que ficarpronto na semana que vem - tivemos três me-ses para construí-lo - quinze andares em trêsmeses (tem oito andares subterrãneost.: temosum cronograma a seguir, senão já sabe: não con-seguimos mais nenhum contrato - estamos tra-balhando já para o próximo contrato, ali" (indi-ca na direção de um outro canteiro de obras).

Seu rosto coriáceo contorce-se ao continuar:tiA gente tem que recorrer ao berro se quiser

fazer com que os caras trabalhem... é assim quefazemos eles trabalharem... durante seis anostrabalhei assim, sou obrigado... a segurança,você sabe, para colocar uma prancha de segu-rança (indica o lugar), ... ela deveria estar ali,mas aí teríamos que descer dois andares paraachar uma prancha... acaba não dando para fazerisso, porque não queremos atrasar o trabalho".

Enquanto fala, olha para seus homens, àsvezes grita com eles. Somos três ou quatro con-centrados no centro desse andar. Enquanto con-versamos, atrás de nós um grupo de quatro ho-mens constrói fôrmas de madeira para receber oconcreto. Dois outros homens também prepa-ram fôrmas, do lado externo da construção, so-bre uma plataforma situada um metro acima denós. Na nossa frente, o trabalhador de capacetevermelho continua de pé sobre a fôrma, cerca detrês metros acima do andar onde nos encontra-

21

CJARTIGO

mos. Perto dele, dois trabalhadores numa plata-forma parecem estar fazendo muito pouca coisa,já que não há mais concreto para ser despejado.Ã direita, bem acima de nós, os três homens quedespejavam concreto quando chegamos termi-nam o trabalho e recolocam o corrimão protetorno lugar. Essa turma (os três homens mais o decapacete vermelho) é, segundo me explicam, a"turma-líder" da construção. Cada uma trabalhade forma mais ou menos independente ê não seobserva nenhuma forma de comunicação entreelas.

Terminada essa conversa inicial, fico só e pos-so observar à vontade e conversar demorada-mente com os homens. Graças a atrasos no for-necimento de materiais, este é um dos raros"períodos de calma" - nas palavras deles - nessecanteiro de obras.

22

Em entrevistas preliminares, fora feita a per-gunta "o que você acha de seu trabalho?". Asdiferentes respostas indicaram uma dimensão-chave para entender o funcionamento dessecanteiro de obras em particular. Elas indepen-diam tanto da natureza étnica quanto do grau.dequalificação dos trabalhadores e dividiam estesúltimos em dois grupos distintos:. o dos insatis-feitos e o dos satisfeitos com o emprego. Os com-ponentes do primeiro demonstravam forte an-tagonismo em relação aos do segundo. Adinâmica desta tensão, suas origens dentro dossistemas de gestão de empregados no canteiro deobras e as relações entre esses sistemas e a pro-dução de acidentes do trabalho foram esclareci-das em novas entrevistas. Dois dos"insatisfeitos" explicaram sua atitude emrelação aos "satisfeitos":

RAE

"Tem três ou quatro caras aqui que são puxa-sacos dos chefes; quando um chefe chega e dizque vai dar um aumento se a gente trabalhar as-sim ou assado, eles topam. Na época em que es-tava nevando, esse aqui era o único canteiro deobras da região que continuava trabalhan-do...porque aquele filho da puta ali (apontampara o homem do capacete vermelho) disse quetudo bem, que trabalhava sim, a gente teve quetrabalhar também, senão estávamos na rua ".

"Aquele cara (o apelido dele é 'motor') topariscos que ninguém quer saber...ele está do ladodos chefes, já teve acidentes por causa disso, masfaz qualquer coisa pra ganhar um pouco mais degrana."

Mais tarde, o homem do capacete vermelhoconfidenciou:

"Claro que a segurança é importante ...é, játive acidentes, não faz muito tempo caiu umnegócio no meu nariz, tá vendo?(mostra a pro-tuberância no nariz) ...mas é assim mesmo nessetipo de trabalho".

Ele aceitava o perigo e sentia que tinha umaposição privilegiada. Quando o questionei sobresua forma perigosa de despejar o concreto, queobservara pouco antes, deu de ombros e recu-sou-se a responder. Um de seus colegas"satisfeitos" (um membro da "turma-líder" queeu vira despejando concreto) afirmou: "Aquinão falta nada em matéria de segurança". Indi-quei as tábuas visivelmente malcolocadas em al-gumas das plataformas, os buracos no assoalho,a falta de corrimãos de segurança, a desorgani-zação no local de trabalho e as pressões exercidaspela chefia. "Tudo bem", admitiú ele. "Qualquerum está sujeito a cair ...sempre haverá aci-dentes ".

Esses trabalhadores "satisfeitos" eram detesta-dos pelos outros por consentirem em enfrentaro perigo. Para isso, recebiam os mais altossalários de todos. Para manterem essa posiçãoprivilegiada, recebiam a oferta - que aceitavam- de incentivos em troca de assumirem riscosaos quais os outros relutavam em se expor. Paraeles, não parecia haver qualquer "problema desegurança", já que seus próprios interesses emobter recompensas materiais estavam direta-mente ligados à falta de segurança pelos incenti-vos financeiros oferecidos pela chefia. Os aci-dentes que sofriam eram devidos ao fato deaceitarem esses riscos de forma a receber os in-centivos financeiros. Para os patrões, isso se tra-duzia em dupla vantagem: economizava-se emmedidas de segurança, ao mesmo tempo que seconseguia a divisão dos trabalhadores. Tal di-visão podia ser manipulada de forma a aumen-tar o ritmo relativo da produção. Um exemplo

disso era a continuação do trabalho sob a neve."Os "insatisfeitos", distribuídos em turmas

diferentes das dos "satisfeitos", demonstraramestar sob um sistema de gerência diferente. Umadiferença crucial: esses trabalhadores não rece-biam quaisquer incentivos salariais pelo traba-lho que realizavam. Antes de examinar essegrupo em profundidade, é necessário olhar maisde perto a organização do trabalho nesse cantei-ro de obras.

De acordo com indicações disponíveis, o tra-balho era realizado com rapidez. As turmas esta-vam organizadas de modo a trabalharem inde-pendentemente umas das outras. O prédioestava sendo construído segundo um padrãoem espiral, com a "turma-líder" no andar maisalto, subindo sempre, à medida que completavauma tarefa e começava a mesma tarefa no andaracima. Seguiam-se sucessivamente as outrasturmas, que executavam novas tarefas, com basenas realizadas pela turma anterior. A falta detécnicas de construção complicadas (em compa-ração com outras obras examinadas) surge comouma característica que contribui para reduzir osníveis relativos de especialização necessáriapara a execução das tarefas. Esse sistema de orga-nização permite evitar um arranjo perigoso, po-rém comum na construção civil: uma turmaem posição fisicamente acima de outra. O can-teiro é pequeno, de modo que os trabalhadorespodem normalmente manter contato visualuns com os outros. O número de outros emprei-teiros na construção é muito limitado. As fontespotenciais de acidentes resultantes da baixaqualificação da força de trabalho ou da desorga-nização do local de trabalho foram, em grandeparte, eliminadas pelo planejamento.

Os sentimentos gerais dos trabalhadores"insatisfeitos" situam-se mais além dessas ob-servações do local e indicam uma realidade in-visível à primeira vista. Para dois desses traba-lhadores, que compartilham claramente a mes-ma percepção articulada,

"Os problemas aqui quem cria são os chefes,que ficam pressionando a gente o tempotodo... trabalha, trabalha... - para eles, a únicacoisa que conta é o concreto. Se a gente pedemais segurança, eles não dão a menor bola. Afi-nal, se tiver que morrer alguém aqui, não há deser nenhum deles!"

Por que esses dois imigrantes concordam emtrabalhar nessas condições?

"Não podemos nos negar a trabalhar nessas

11. O mestre-de-obras havia aparentementeoferecido um bônus ao trabalhador do capacete ver-melho para que não parasse.

23

oARTIGO

condições. Somos pais de famt1ia, precisamos dedinheiro, não de desemprego ...viemos (para aFrança) atrás de trabalho, não de briga...e olha oque conseguimos!"

A impotência sentida por eles e as divisõesno local de trabalho parecem afetar o conjuntoda vida dos "insatisfeitos". "Não consigo terrelações com minha mulher por causa dessemaldito emprego ...a gente nem dorme mais nomesmo quarto."

O contramestre explica numa entrevista queum dos trabalhadores cortou o dedo porque es-tava trabalhando rápido demais. Não explicapor que o trabalho é rotineiramente realizadoem um ritmo perigoso, exceto por se referir àspressões externas para a conclusão do prédio e àfalta de cuidado individual. Os "insatisfeitos"dão outro tipo de explicação. Interpretam seuritmo de trabalho, os acidentes sofridos ou evi-tados por pouco como conseqüência do controleautoritário do canteiro de obras.

A chefia consegue manter o estilo autoritáriograças à incapacidade dos trabalhadores de se de-fenderem coletivamente: enquanto indivíduos,eles se sentem incapazes de deixar o emprego,por causa dos altos índices de desemprego naconstrução civil.

"Já tive vários acidentes aqui, por causa doritmo(forçado pelo contramestre), todos elessem maior gravidade. Mas, uma vez, caí e esca-pei por pouco de morrer."

Ou em nível mais geral:"Há muitos acidentes porque o chefe vive

pressionando, o problema é esse".O funcionamento dessa obra é dominado por

uma mistura de autoritarismo (para os"insatisfeitos") e incentivos financeiros (para os"satisfeitos"). Para o contramestre, isso se justifi-ca: "TemOS que andar depressa". Ele não negaque o ritmo requerido provoque acidentes, maspermanece despreocupado em relação a isso: afi-nal, ele próprio nunca sofreu qualquer acidente.

Os acidentes que ocorrem com os "insatisfei-tos" e os perigos aos quais eles se expõem pare-cem, analisando-se melhor o caso, ser causados,sobretudo, pelo autoritarismo. Os trabalhadores"satisfeitos" tratam o perigo como parte de suatarefa e por ele recebem salários mais altos e in-centivos financeiros. Não parecem estar sujeitosao controle autoritário. O fato de aceitarem in-centivos financeiros em troca de assumirem ris-cos surge como a causa predominante de sua ex-posição ao perigo e, portanto, aos acidentes.

CONCLUSÃO DO ESTUDO DE CAMPO

Num dado momento da pesquisa, o contra-

24

mestre quis me mostrar os aspectos positivos daconstrução. Levou-me até os corrimãos exis-tentes, mostrou os buracos que haviam sido ta-pados e as escadas, bem protegidas e iluminadas.De fato, haviam sido implantadas várias medi-das de segurança. Deve-se, porém, perguntar atéque ponto elas teriam sido colocadas em práticana ausência de uma inspeção independente. Ocontramestre conseguira determinar com ante-cedência quando seria realizada minha pesquisae, de acordo com um trabalhador,"eles organiza-ram toda essa proteção, mas para mim é que nãofoi, mas sim por causa das inspeções. Quandoterminar seu trabalho e você for embora, tudovai voltar a ser como antes." Pensei nas escadasque haviam sido varridas pouco antes de minhachegada. "Fui eu que construí esse corrimão",disse orgulhosamente um trabalhador."Quando?", perguntei. "Hoje de manhãzinha.Foi a primeira coisa que fiz."

Apesar da falta de complexidade dessa cons-trução, do ponto de vista técnico, essa pesquisalevou-me a formular a hipótese de que asrelações sociais existentes no local de trabalhoseriam tais que produziriam um alto índice deacidentes do trabalho. As estatísticas mostravamque, durante os três meses de construção, ha-viam sido registrados cinco acidentes, o que re-sultou na perda de 155 dias de trabalho de umtotal de 17.285 horas trabalhadas (inclusive oscontramestres); ou seja, uma freqüência quatrovezes maior do que a média nacional para o se-tor (28,9 acidentes para cada 100 mil horas traba-lhadas). A taxa de gravidade foi de 14.75 dias(aproximadamente 120 horas) perdidos paracada 1.000horas trabalhadas 12.

RUMO A UMA COMPREENSÃOSOCIOLóGICA DA PRODUÇÃO DOS

ACIDENTES DO TRABALHO

Meu estudo etnográfico sugere que uma sériede fatores dentro do local de trabalho podem servistos como responsáveis pela produção de aci-dentes. O que parece interessante é que os fa-tores-chave identificados como produtores deacidentes - o autoritarismo e os sistemas de in-centivos financeiros - são virtualmente ignora-dos pela bibliografia utilizada no estudo da ad-ministração da segurança'ê. Para alguns autores,as bases teóricas dessa bibliografia ligam-se mais

12. Os registros de acidentes não permitiram dife-renciar entre as taxas de acidente dos "satisfeitos" e"insatisfeitos" .

13. HEINRICH, H.W. Industrial Accident Pre-vention. New York, McGraw-Hill, 1950; MALASKY,S.W. System Safety. New Jersey , Hayden, 1974.

RAE

à promoção da mobilidade em algumas pro-fissões 14. Para outros, advêm de pouco mais doque tentativas de deformar a ciência, de modo aatribuir ao descuido dos trabalhadores a maioriados acidentes 15. Em ambos os casos, as teoriasdesenvolvidas parecem ter pouca relação com aredução dos acidentes. Na tentativa de testarhipóteses decorrentes dessas teorias, a maioriados autores nega deliberadamente a relevânciade fatores sociais (em oposição a fatores indivi-duais) no funcionamento do local do trabalho eda produção dos acidentes. A bibliografia quebusca analisar o local de trabalho e situar os aci-dentes nesse contexto parece abordar aspectosseletivos do problema. Tipicamente, examinaou um tipo de acidente 16 ou, quando baseadaem estudos do local de trabalho, deixa de exami-nar as relações entre o material colhido por ob-servação e entrevistas, de um lado, e os registrosde acidentes e dados estatísticos, do outro 17.Além disso, é lamentável que a grande maioriados estudos de campo realizados no âmbito dasociologia do trabalho ignore o tratamento sis-temático de questões decorrentes da segurança ede acidentes do trabalho.

Uma compreensão sociológica da produçãodos acidentes do trabalho deve obrigatoriamentelevar em conta índices altos ou baixos, de tal for-ma que eles não sejam relacionados nem à "na-tureza" de um setor nem à dos indivíduos quenele trabalham ou à dos materiais que ele trans-forma ou aos processos de trabalho empregados.

Deve, isso sim, procurar saber quais osprocessos sociais em ação que resultam num au-mento dos índices de acidentes numa dadaindústria (firma, fábrica etc.) e sua queda emoutras. Para, em seguida, perguntar: se osprocessos sociais identificados como concor-rentes para um índice de acidentes baixo numaindústria (firma, fábrica etc.) fossem introduzi-dos em outro local com um índice alto, haveriauma redução dos acidentes de trabalho?

Um modelo sociológico da produção de aci-dentes do trabalho deve, em sua própria formu-lação, tentar localizar as respostas às questões a-cima dentro da transformação das relações soci-ais do trabalho. Ao tentar estabelecer tal modeloteórico, devemos ir além dos limites estreitosdos dados apresentados no estudo de campo rea-lizado na França e examinar outras relações dotrabalho. tratadas pela bibliografia.

Um acidente do trabalho envolve a súbita in-terrupção do trabalho e o conseqüente ferimen-to humano 18. Os acidentes do trabalho são pro-duzidos no local de trabalho; é aqui que as pes-soas agem, em função de sua capacidade física eintelectual, sobre máquinas, materiais, idéias, a

natureza etc., de modo a transformá-los.A antropologia social ensina que a decisão de

trabalhar ou não uma substância, ferramentaetc., só pode ser tomada socialmente, dado quetodo trabalho é feito de elementos físicos e inte-lectuais que não podem ser separados de seucontexto social. A idéia de que uma pessoa tra-balhe a natureza ou máquinas socialmente neu-tras e independentes de quaisquer relações soci-ais é falsa. A pessoa só trabalha as relaçõessociais transformadas. A aplicação do conheci-mento e da habilidade manual à natureza, àsferramentas etc., não pode ter início sem que es-tas sejam apreendidas e concebidas socialmente.Essas "coisas" são, portanto, "relações sociaistransformadas em coisas". Em qualquer pontodo tempo e do espaço elas, e a forma como sãoconcebidas e apreendidas, são o produto do 'queTouraínetê chama lia ação da sociedade sobre simesma". A essas "coisas", que são trabalhadaspelos que agem dentro de um sistema de açãohistórico, chamaremos relações sociais transfor-madas(RST).

QUATRO NíVEIS DE REALIDADE

No trabalho industrial, podem ser distingui-dos quatro níveis de realidade, separados unsdos outros por seu funcionamento:

1. Recompensa2. Controle Direto3. Organização4. Indivíduo-Membro

Os três primeiros são construídos social-mente. O quarto é composto pela autonomia deação deixada ao indivíduo-membro dentro docontexto das relações sociais do trabalho. Afunção explícita das relações sociais em cada

14. NOBLE, D. America by Design.·New York, AKnopf,1977.

15. FAVERGE,J-M.Op. cito pp.52-53.16. FRIEDMANN, G. Industrial Behaviour. New

York, Free Press of Glencoe, 1964, ~.112; TURNER,H.A.et alii. Labour Relations in the Motor Industry.London,. Allen and Unwin, 1967, pp. 190-19l.

17. FITZPATRICK, J. "Adapting to Danger". In:Sociology of Work and Occupations. Newbury Park,Califórnia, vol.7, nl! 2, 1980; DI NARO, C. et alii."Securezza e Produttività: influenza delle variabilitecnologiche sul comportamento laborativo" In: Se-curitas. Roma, ano 58, nl!7, 1973.

18. A noção de "interrupção súbita" excluidoenças ocupacionais. A noção de "ferimento huma-no" exclui o tratamento de outros incidentes normal-mente chamados "acidentes".

19. TOURAINE, A. La Production de la Société.Paris, Seuil, 1973.

25

oARTIGO

nível de realidade social é, no limite, beneficiaro grupo dominante.

Do ponto de vista do grupo dominante,numa empresa capitalista industrial o nível derecompensa refere-se à reprodução das forçasprodutivas (trabalho e capital) a um custo abaixodo preço recebido pelo produto dessas forças. Onível de controle direto refere-se à tomada decontrole ativo, por parte do grupo dominante,das ações do grupo dominado. O nível de orga-nização corresponde à situação em que o grupodominante assume o conhecimento e a coorde-nação das RST.

Uma empresa capitalista industrial não podecontinuar a existir, se se vir ameaçada comrelação à função de recompensa. Essa funçãonão domina, porém, necessariamente, as vidascotidianas dos empregados. Uma das duas ou-tras funções pode dominar os trabalhadores e,através dessa dominação, a firma realiza seusobjetivos no nível da recompensa. Meu modeloprocurará mostrar os possíveis efeitos do fun-cionamento das relações sociais no trabalho e,como ele deverá ser aplicado ao estudo dos aci-dentes do trabalho, será orientado por umaanálise do trabalho manual. O grupo dominanteno local de trabalho será chamado de patrões,seus agentes no local de trabalho, de administra-dores, e o grupo dominado, de trabalhadores.

COMPOSIÇÃO DOS NíVEISSOCIAIS DE REALIDADE

O nível de organização, quando levado a ex-tremos de seu desenvolvimento, forma umarelação social na qual os trabalhadores executamseu trabalho manual sem qualquer questiona-mento de suas relações com as RST. Os patrõesorganizam e coordenam as relações entre traba-lhadores e suas RST. Monopolizam, além disso,a distribuição do conhecimento relativo ao esta-do das RST.

O conflito ocorre neste nível, quando ostrabalhadores e patrões contestam a distribuiçãodo conhecimento sobre as RST e a suacoordenação.

A bibliografia moderna da administração falaextensivamente da organização dos processos deprodução e da coordenação das tarefas. O pressu-posto básico contido nessa bibliografia é que osgerentes, enquanto agentes dos patrões, sãoresponsáveis pelo controle do conhecimento so-bre máquinas, ferramentas, esto~ues etc., e pelacoordenação desses elementos 2 . Taylor consi-dera o "taylorismo" explicitamente como umatécnica para desprover os trabalhadores do co-nhecimento e do direito de questionar suas

26

relações com suas RST e de transferir esseconhecimento à administração. Segundo Bra-verman, "quanto mais a ciência é incorporadaao processo de trabalho, menos o trabalhadorentende o processo" 21.

As conseqüências gerais do desenvolvimentodo taylorismo, como a crescente fragmentaçãodas tarefas e a rotinização do trabalho, estão hojebem documentadas e representam uma caracte-rística fundamental do local de trabalho contem-porâneo nas sociedades capitalistas industriais.

Os trabalhadores são, através do desenvolvi-mento do nível de organização pelos patrões,gradualmente transformados em meros execu-tores de tarefas manuais não-qualificadas. Ospatrões, através de sua dominação nesse nível,gradualmente controlam todo o conhecimentoe a coordenação das RST e, com base nesse con-trole, administram o local de trabalho em pro-veito próprio. Os trabalhadores acabam domina-dos por três tipos de relações sociais. Ourealizam tarefas monótonas, ou tarefas ondelhes falta conhecimento adequado das relaçõesdeles próprios com as RST externas à tarefa emsi (caso que chamo de desorganização) ou, porfim, carecem do conhecimento e da capacitaçãoque lhes permitiriam transformar adequada-mente as RST internas à tarefa em questão (faltade qualificação). Cada uma dessas relações podeexercer sua dominância, quer isoladamente,quer em combinação com outras. Em qualquersituação de trabalho onde predomine o nível deorganização, qualquer um ou todos esses fatorespodem afetar o trabalhador. O grau em que essesefeitos ocorrem depende da natureza e da ex-tensão da dominação nesse nível.

Quando levado a extremos, o nível de con-trole direto forma uma relação social na qual ospatrões têm o poder de dirigir as ações dos tra-balhadores de tal forma que estes agem empartes do sistema de trabalho de maneira que re-conhecem ser contrária a seus interesses.

Quando esse nível exerce predominância nofuncionamento diário do local de trabalho, ospatrões se beneficiam, devido à incapacidade dostrabalhadores de se oporem às tarefas impostas aeles. A ruptura da coesão do grupo assegura amanutenção da dominação patronal sobre ostrabalhadores.

O conflito ocorre nesse nível, quando os tra-

20. TAYLOR, F.W. Scientific Management.NewYork, Har~er and Row , 1911 (edição de 1947); BAR-NARD, C.The Functions 01 the Executive. Cambridge,Harvard University Press, 1938.

21. BRAVERMAN, H. Labour and MonopolyCapital.NewYork, Monthly Review Press, 1974, p.425.

RAE

balhadores organizam-se coletivamente paracontestarem o poder do patrão e quando estetenta romper a organização do grupo e o poderdos trabalhadores.

Os textos que tratam em detalhe de aspectosda história da industrialização na Grã-Bretanhafornecem discussões aprofundadas sobre o fun-cionamento deste nível 22. A bibliografia organi-zacional moderna pouco fala do controle dos lo-cais do trabalho nesses termos. Fox vê oemprego do poder como O último recurso queresta aos administradores "quando sua autori-·dade falha, é rompida ou não consegue se expri-mir de forma efetiva" 23. Através do desenvol-vimento deste nível até seus limites, ostrabalhadores são, em última análise, reduzidosa um grupo sem conhecimento de seus com-panheiros de trabalho. Os patrões tomam-se au-toritários e conseguem, assim, controlar a exe-cução do trabalho no nível do controle direto.

O nível de recompensa, por sua vez, quandolevado a seus limites máximos, forma uma re-lação social na qual os trabalhadores só conse-guem ganhar o suficiente fazendo horas-extrasou trabalhando fora de seu horário normal. Ospatrões relacionam os salários pagos aos traba-lhadores à produtividade destes e aumentam,assim, os seus próprios lucros. Podem tambémimplantar um sistema de participação dos traba-lhadores nos lucros eventualmente gerados, re-lacionando-a à quantidade de trabalho realizado.

Os aspectos práticos dos vários tipos de esque-mas de incentivos financeiros são discutidospela bibliografia gerencial 24. Os trabalhadores,frustrados em sua tentativa de produzir ou re-produzir suas próprias condições desejadas deexistência material através da realização de umnúmero "razoável" de horas de trabalho, recor-rem a horários fora do normal ou a horas-extras. A maioria dos sindicatos ocidentais, aoapoiar o conceito de "um salário de subsistênciaem troca de 40 horas de trabalho semanal",opõe-se ao cumprimento de horas excessivas detrabalho. O conflito ocorre neste nível, quando,por exemplo, os trabalhadores tentam atingirseus objetivos financeiros impedindo a implan-tação dos esquemas de incentivos salariais; ou,ainda, para lembrar outro exemplo, quando osadministradores contestam o número de horastrabalhadas, por considerarem que esse tipo detrabalho está afetando a capacidade da firma deproduzir lucros.

O nível de recompensa liga a firma, enquantofornecedora de bens ..e serviços produzidos, aomercado. Os trabalhadores ligam-se ao mercadoenquanto indivíduos que compram, com o re-sultado de seu trabalho, bens e serviços de con-

sumo. A dominação pelo nível da recompensaassegura aos patrões a obtenção de lucros atravésda participação dos trabalhadores nos esquemasde incentivos financeiros. Os trabalhadores po-dem ser reduzidos a uma situação em que, parasatisfazerem suas necessidades materiais inde-pendentemente de tais esquemas, têm que re-correr ao excesso de horas de trabalho.

ACOMPQSIÇÃO DO NíVELINDIVIDUO-MEMBRO

Há ainda um outro nível de realidade no lo-cal de trabalho, não analisável enquanto relaçãofuncional de dominação social. No entanto, seupapel é, em grande parte, limitado (emboranunca determinado) pelo funcionamento dasrelações sociais do trabalho. Esse nível represen-ta o que resta ao trabalhador enquanto in-divíduo, aquela parte dele que não é organizada,controlada ou recompensada. É a esse"componente residual" que chamamos nível doindivíduo-membro.

O trabalhador expressa-se de forma indivi-dual ao chegar ao local de trabalho contente,porque talvez tenha acabado de ganhar um filhoou por estar intoxicado. O trabalhador pode agirindividualmente em um dos níveis sociais parareforçar o seu poder ou o do patrão nesse nível.O indivíduo que sabota a linha de montagem, oque organiza clandestinamente um sindicato ouo que viola as normas de produtividade coleti-vas numa fábrica que paga por produção, todoseles expressam dimensões diferentes desse nívelde realidade. O sabotador recusa-se a aceitar ocontrole de seu ritmo de trabalho imposto pelalinha de montagem. O sindicalista busca contes-tar coletivamente o poder de controle de seuspatrões. O violador das normas coletivas tentaaumentar seus ganhos aceitando as definiçõesdo patrão e rejeitando as de seus colegas.

Quando ligada a um nível social de realidade,a ação desenvolvida no nível do indivíduo-membro pode moldar profundamente o funcio-

22. CHILDREN5' EMPLOYMENT COMMI55ION.Appendix to First Report of Comissioners. London,HMSO, 1842; THOMPSON, 'E.P. e YEO, E. (orgs.) TheUnknown Mayhew. Harmondsworth, Penguin, 1971;são apenas dois exemplos.

23. FOX, A. A Sociology of Work in' Industry. Lon-don, Collier-Macmillan, f971, p.47.

24. BROWN, W. Piecework Abandoned. London,Hienemann, 1962; NATIONAL BOARD FOR PRICESAND INCOME5. Payment by Results Systems Sup-plemeni, London, HMSO, 196B; FAYOL, H. "GeneralPrincipIes of Management". In: PUGH, D.5. (org.). Or-ganisation Theory. Harmondsworth, Penguin, 1971.

27

oARTIGO

namento deste nível no futuro. A articulaçãosocial desta ação é necessária para que ela consi-ga mudâr efetivamente as relações de domi-nação num determinado nível. As regras bu-rocráticas 25, a "disciplina" e a psicologia socialsão instrumentos empregados na tentativa derecompensar, controlar e organizar este nível esubordinar a autonomia que resta ao trabalha-dor à lógica da dominação social. Os patrões àsvezes tentam controlar esse nível de realidadede forma a romperem o controle coletivo dostrabalhadores num dado nível de realidade so-cial; o estímulo ao violador de padrões de pro-dutividade é apenas um exemplo disso. Duranteo processo de recrutamento ou de transferênciade trabalho, os patrões (às vezes, com apoio dossindicatos) podem tentar "peneirar" trabalha-dores com "características de indivíduo-mem-bro" consideradas indesejáveis para um deter-minado emprego (por exemplo, daltonismo,reações motoras lentas, sensibilidade a calor).Com isso, reduzem os acidentes produzidos pela

. interação entre certas características individuaise certos tipos de tarefas. Estas permanecem inal-teradas; são as pessoas que sofrem intervenção.

APLICANDO O MODELO:A COMPLEXIDADE DO TRABALHO

Ao aplicar o modelo dos acidentes do traba-lho à análise do trabalho, deve-se lembrar que ascategorias desenvolvidas neste texto são ideali-zações. É raro encontrar um local de trabalhoonde um nível de relações sociais exerça predo-minância total em relação aos outros, assimcomo é raro encontrar uma relação social parti-cular em sua forma pura, extrema.

A importância relativa de cada nível na pro-dução de bens e serviços no local de trabalho édeterminada socialmente. Essa determinação é,por sua vez, limitada por fatores internos e ex-ternos ao local de trabalho. A predominância dequalquer dos quatro níveis é a expressão tantodo conflito no local de trabalho como da in-fluência dos fatores externos - como, por exem-plo, a ameaça de inspeções, no caso do canteirode obras francês, ou como a economia, a legis-lação, a cultura, para falar em um plano maisamplo - que limitam a formação social do localde trabalho. A predominância de um nível emparticular ou qualquer mudança na predo-minância relativa de um dado nível é a expres-são de uma mudança nas relações de poder den-tro do local de trabalho. As mudanças nas rela-ções de poder, por sua vez, refletem-se em con-senso, repressão e luta dentro e fora da empresa.

Padrões de relações sociais analiticamente

28

diferentes podem existir no mesmo local de tra-balho, 'em momentos diferentes e para gruposde trabalho diversos. Podemos, portanto, conce-ber dois grupos de trabalho atuando no mesmoprocesso numa fábrica, um deles sem treina-mento e o outro, altamente treinado e bastantemotivado pela oferta de incentivos de produti-vidade. O índice de acidentes é semelhante nosdois grupos. A decisão sindical ou patronal desuspender esses incentivos deverá, de acordocom o modelo aqui desenvolvido (permanecen-do constantes os outros fatores), resultar naqueda do índice de acidentes no último grupo,sem afetar o do primeiro.

O MODELO POSTO EM PRÁTICA

Como as categorias desenvolvidas nestemodelo podem nos ajudar a conceituar a pro-dução e a prevenção dos acidentes do trabalho?Que evidências empíricas fornece a bibliografiapara validar a escolha de categorias analíticasque foi feita por nós? As evidências apresenta-das a seguir neste texto foram obtidas dos pou-cos estudos que podem ser interpretados comotendo operacionalizado as várias relações sociaisque compõem este modelo teórico.

No nível da recompensa, defini acima duascategorias teóricas de relação social. Na primei-ra, predominavam os sistemas de incentivos; nasegunda, as horas-extras ou o trabalho emhorários incomuns. Observando a realidade dotrabalho, Friedmann afirma que o trabalhadordominado pelo sistema de incentivos de pro-dução vê-se numa situação em que tem que tra-balhar em um ritmo rápido para ganhar umsalário alto. Com isso, acaba sendo induzido anão usar equipamentos de segurança que depen-dam dele (como óculos protetores, máscaras, lu-vas etc.), que o possam impedir de conseguir au-mentar sua renda 25.

Uma queda na predominância empírica dessarelação social parece ter sido provocada pela

25. GOULDNER, A. Patterns of Industrial Bu-re4ucracy. New York, Free Press, 1954.

26. FRIEDMANN, G. Op, cit., p.112. Ver também:HARASZTI, M. Worker in a Worker's State. Har-mondsworth, Penguin, 1977, pp.59- 65; WRENCH, J. eLEE, G. "Piecework and Industrial Accidents: TwoContemporary Case Studies". In: Sociology. London,vo1.16, nQ 4, 1982; INTERNATIONAL LABOUR OR-GANISATION. Payment by Results. Geneva, ILO,1953; OLIVIER, M. Recherche communiieire sur lasécurité dIlns les mines et dans la sideTUrgie. Rapport3-2, Recherche dans les charbonnages be1ges. Luxem-bourg, Communauté euro~éenne du Charbon et del'Acier, s.d., apud FAVERGE, J-M., op. cit., pp. 101-105.

RAE

greve de 1969 numa mina de minério de ferrosueca, que resultou na abolição dos programasde incentivos de produtividade. Seguiu-se umaqueda de 95% nos acidentes graves entre 1969 e1972, e de 70% nos acidentes menos graves 27.Outras pesquisas apontam que os trabalhadoressem orientação apropriada não terão acidentesassociados com incentivos 28. Na construçãofrancesa, observei a existência desta relação so-cial: através do uso patronal de incentivos fi-nanceiros, os trabalhadores "satisfeitos" adota-ram uma orientação favorável à execução detrabalho perigoso. Isso teve por conseqüência aprodução de acidentes.

A realização de horas excessivas de trabalhofoi correlacionada com altos índices de acidentesdo trabalho por Friedmann, que observou queuma queda de 12 para 10 horas de trabalhodiárias numa fábrica de munições foi acompa-nhada ~r um declínio de 25% no índice de aci-dentes 11. Na construção francesa, não observeium excesso de horas de trabalho, tornado ilegalna indústria da construção civil por um decretogovernamental baixado como parte das medidasde combate ao desemprego.

No nível de controle direto, podemos ver osdominados contestarem a dominação percebidapor eles, por meio do uso da força coletiva. Oenfraquecimento dessa força coletiva pode levara um aumento do autoritarismo patronal. Issotem conseqüências importantes na produção deacidentes, por levar ao trabalho em condiçõesperigosas, que seria recusado em outras cir-cunstâncias.

Turner 30 discute uma situação em que au-menta a incidência de acidentes numa fábricaapós a demissão de refresentantes sindicais. Oestudo de Hill e Trist 3 enfatiza as conseqüên-cias da diminuição das pressões do controle e-xercido pelos patrões. Eles vinculam a menorincidência dos acidentes nas operações do turnoda noite em relação à do turno do dia ao menornível de autoridade supervisora presente noturno da noite.

Na construção francesa, vimos que os traba-lhadores "insatisfeitos" tinham seu trabalho ge-renciado pelo autoritarismo. Esses trabalhadorespercebiam essa relação como a principal fontedos acidentes ocorridos em seu local de trabalho.Seria coerente com as especificações do modelolevantar a hipótese de que qualquer diminuiçãonesse nível de autoritarismo levaria, mantidosconstantes os outros fatores, a uma diminuiçãono número de acidentes.

A falta de capacidade dos trabalhadores de co-municarem-se efetivamente entre si é identifi-cada como uma relação social teorizada no nível

de controle direto.Faverge 32 discute um estudo realizado em

três fábricas da Alemanha Ocidental no qual fi-cou demonstrado que 10% dos acidentes eramdevidos ao fato de que as comunicações entre ostrabalhadores eram inexatas e de difícil com-preensão. Um estudo realizado em Paris mos-trou que 5,1% dos acidentes fatais ocorridos naconstrução civil eram provocados por "falta decoordenação entre os trabalhadores q,ue desem-

27. ACCIDENTS. In: Hazard« Bulletin. London,nl! 8, November, 1977, p.7. Ver também: EKSTROM,O. "Increased Safety in Forestry: fixed wages - feweraccidents". In: Work Environmentin Sweden '81.Stockholm, 1981; MCKELVEY, R.K. et alii."Performanc.e Efficiency and Injury Avoidance as aFunction of Positive and Negative Incentives". In:Journal 01 Salety Research . Ehrisford, N.Y., vol.5, nl!2,1973.

28. HOPKINS, A. "Blood Money?The Effect ofBonus Pay". In: Australian and New Zealand [oumalof Sociology. Santa Lúcia, vol.20, nl! 1, 1984; MASON,K. 'The Effect of Piecework on Accident Rates in theLogging Industry". In: Journal 01 Occupational Acci-dents. Amsterdam, vol.1, nl! 3, 1977; LINDSTROM,K.G. e SUNDSTROM-FlSK, C. Unsale Behaviour inthe Felling qperation: Prevalence and lnfluencingFactors. Stockli.olm, National Board of Occupationa1Safety and Health, apud OSTBERG, O. "Risk percep-tion and Work Behaviour in Forestry. Imphcationsfor Accident Prevention Policy". In: Accident Analy-sis and Prevention. Elmsford, N.Y., vol.12, 1980.

29. FRIEDMANN, G. ÜJ'. cit., p.115. Ver também:POSSAS, C. Saúde e Trabãlho: a crise da PrevidlnciaSocial. Rio de Janeiro, Graal, 1981, p.119; VERNON,H. M. An lnvestigation 0t the Factors Concemed inthe Causation 01 Indusiria Accidents. Health of Mu-nition Workers Committee ~emo NI! 21, 1918, apudHALE, A.R. e HALE, M. oe. cít., p.47; POWELL, PJ. etalíí, 2000 Accidents. London, National Institute ofPsychology, 1971; VERNON,. H.M. "Accidents andtheir Prevention". In: British Journal o[lndustrialAúdecine, vol.2, p.1, 1945, apud HALE, A.R. e HALE,M., op. cit., p.45.

30. TURNER, H.A. et alii Op.cit., pp. 190-191.31. HILL, J. e TRIST, E. "Changes in Accidents

and Other Absences with Length of Service". In: Hu-man Relations. New York, vol.B, May, 1955. Ver tam-bém: CARSON,W.G. The Other Price of Britain's Oil.New Brunswick, Rutgers Universio/ P'ress, 1982, pp.211-214; GRAEBNER, W. Coal Mlning Salety in tlieProgressive Period, Kentucky, University of Ken-tUCKyPress, 1976; GRUNBERG, L. "The Effects of So-cial Relations of Production on Productivity andWorkers' Safety: an a Ignored Set of Relationsh!ps".In: lnternational [ournal 01 Health Services. Far-mingdale, N.Y., vol.13, nll4, 1983; LEGER, P. :"Safe~and Organisation of work in South African GolaMines: A Crisis of Control". In: lnternational tabourR.eview. Geneva, vol.l25, nl! 5, 1986, pp. 591-603.

32. NEULOH et alíí, Der Arbeitsunlall und seineUrsachen, apud FAVERGE,J-M., op. cit., p.49. Vertambém : LEPLAT, J. e CUNY, X. 1..es ACCldents duTravail . Paris, PUF, 1974, pp.35-36.

29

oARTIGO

penhavam uma mesma tarefa" 33. Na cons-trução examinada, não se apresentou qualquerevidência que apontasse para a existência dessarelação social.

No nível da organização, os trabalhadores po-dem carecer do conhecimento necessário pararealizar seu trabalho com segurança, devido aofato de ter seu acesso a esse conhecimento nega-do pelos administradores. Isso se manifesta nafalta de qualificações adequadas dos trabalha-dores ou na desorganização do local de trabalho.Nos dois casos, os trabalhadores sofrem aci-dentes por lhes faltar conhecimento das RSTcom que entram em contato.

Para contrabalançar os efeitos da falta de qua-lificações, os trabalhadores podem exigir e/ou ospatrões podem oferecer programas de treina-mento. Apesar da abundante bibliografia sobreesse tipo de programa 34, são fornecidos poucosresultados claros a respeito de como os progra-mas de treinamento adequados podem reduziros acidentes 35. Na construção francesa examina-da aqui, não havia evidência da existência defalta de qualificação nem da de desorganização.Essa ausência parece devida, em grande parte, àforma como a construção fora planejada porseus administradores.

A desorganização, enquanto causa de aci-dentes, é discutida em grande parte da bibliogra-fia preventiva convencional. A prevenção dadesorganização é considerada no conceito de''boa manutenção da casa". Em um nível maiscrítico, Dassa 36 examina e critica o papel desem-penhado pelos planejadores do trabalho na pro-dução da desorganização do trabalho e os riscosa ela associados. Mais uma vez, a falta de estu-dos empíricos de orientação sociológica frustrouminhas tentativas de encontrar evidências quepudessem confirmar a correlação simples entrea desorganização e os índices de acidentes.

O trabalhador pode, no nível da organização,ser transformado num mero executor de traba-lhos manuais para os quais tem os conhecimen-tos adequados. Falta, porém, a essa tarefa varie-dade; ela é repetitiva. Sua execução continuadapode provocar cansaço, tédio, familiaridade ex-cessiva e, em conseqüência disso, acidentes 37.Esse fenômeno não foi detectado na construçãofrancesa examinada. Na tentativa de reduzir osefeitos do trabalho monótono e repetitivo, equi-pamentos e máquinas planejadas segundo crité-rios ergonômicos podem ser adotados pelos ad-ministradores (ou em conseqüência de pressõesexercidas por ~overnos ou sindicatos). O traba-lho de Wisner 8 na França teve, com apoio dossindicatos, grande influência e conseguiu fazercom que se levassem as perspectivas er-

30

gonômicas em consideração no planejamentodo trabalho repetitivo.

No nível de indivíduo-membro, os trabalha-dores exprimem aquela liberdade que não foisuprimida ou controlada no local de trabalho.Isso pode gerar acidentes quando o trabalhador,

33. WISNIEWSKI, J. "Accidents mortels sur leschantiers du bâtiment et des travaux publics dans larégion Parisienne". In Cahiers des comités de preven-tion du bâtiment et travaux publics. Paris, nll 2,março-abril,1977. .

34. Ver, por exemplo, MILUTINOVICH, J. e PHA-TAK, A. "Carrying the Safety Training Load - tips forall managers". In: Industrial Engineering. Atfanta,voI.l0, November, 1978.

35. CHERADAME, M.R. "Incidence of Selectionand Trainin~ of Personnel in Relation to the Preven-tion of Accídents at Work". In: Human Factors andSafety in Mines and Steel Works. Studies in Physiolo-gy and Psychology of Work. Luxembourg, Commu-nauté européenne de charbon et de l'acier, nll 2, 1967;SALENGROS, P. Recherche communitaire sur la sé-curité dans les mines et la siderurgie. Recherche dansles charbonnages Belges. RapJ'0rt 3-2, apud FA-VERGE, J-M., op.cit., p:76; FAVERGE J-M., op. cit., p.4; HAGBERG-OLYCKSFALL, A. "Indiv-arbet och ar-betsmilijo". In: Paradets med, nll 23, apud FAVERGE,J-M., op. cit., p. 4; DEFOIN, Y. Recherche communi-taire sur la sécurité dans les mines et la siderurgie.Rapport 3-6, Recherche dans les mines de ferfrançaises, apud FAVERGE, J-M., op. cit., p. 5; COL-LISSON, N.H. "Preventive Medecme in Industry".In: Public Health Reports, Washington D.C., nll 79,1964; U.S. BUREAU OF LABOUR STATISTICS. lm-proved Productivity. Bulletin nll 1715. Washington,DC, United States Go~emment Printi.ng Office, 1971,apud ELLIS, L., 01" cít., pp. 182-183, QUINOT, E. eMOYEN, D. Technique, risque et danger. Paris, INRS,1980, p.38.

36. DASSA, S. "Travail salarié et santé des travail-leurs". In. Sociologie du travail. Paris, vol, 18, nll 4,1976. Exemplos de desorganização podem ser vistosem: BUILDING Accidents Committee. London,HMSO, 1908; NICHOLS, T. e ARMSTRONG, P. Safetyor Profit: Industrial Accidents and the ConventionalWisdom. Bristol, The Falling WalI Press, 1973; LE-PLAT, J. e CUNY, X. Op-. cit., p. 42; PERROW, C. Nor-mal Accidents. New York, BaSlCBooks, 1984.

37. RAYMOND, V. "Cause des accidents du tra-vail: le geste nefaste". In: Archives des maladies pro-fessionnelles. Paris, vol, 13, n~ 5, 1952, pp-. 450-452;RALE, A.R. e HALLE, M. oe. cít., p. 42; HALE, A.R. AStudy of Operational Switcning Accidents. Relatórionão publicado, London, National Institute of Indus-trial"Psychology, 1969; DAVIS, D.R. "Human Errorsand Transport Accidents". In: Ergonomics. Basing-stoke, vol. 2, nll 1, 1958, p. 24; DAVIS, D. R. "RailwaySignals Passed at Danger: the drivers, circumstancesand fhysicalprocesses". In: Ergonomics, voI. 9, nll 3,p. 21 ,apud HALE, A.R. e HALE, M. Op. cit., p. 42.

38. WISNER, A. Conséquences du travail répétitifsous cadence sur la santé des travailleurs et les acci-dents. Paris, Laboratoire de Physiologie du Travail-CNAM,1972.

RAE

conscientemente ou não, coloca-se a si próprioou a seus colegas em perigo em conseqüência deações que manifestem essa liberdade. Além dis-so, o indivíduo-membro pode ter certas carac-terísticas inerentes impossíveis de se detectarpelas práticas de triagem que antecedem a con-tratação. Em certos casos, essas características po-dem provocar acidentes. Um trabalhadordaltônico pode, por exemplo, causar acidentesespecíficos que seus colegas com visão normalnão causariam.

Muito da reflexão sobre os acidentes do tra-balho tem sido orientado por diagnósticos de ca-racterísticas humanas ou ações individuais tidascomo causa principal dos acidentes. Os métodosde prevenção sugeridos por tais análises impli-cam que a intensificação de vários tipos de con-trole administrativo sobre o indivíduo-membroé a única via eficaz a ser seguida. Patrões e admi-nistradores são, portanto, dispensados de ter queconsiderar o papel desempenhado pelas relaçõessociais do trabalho na produção de acidentes.

No canteiro de obras francês, não surgiu qual-quer evidência capaz de demonstrar que o níveldo indivíduo-membro fosse responsável pelaprodução de acidentes. E certamente possívelque um trabalhador "insatisfeito" possa agirnesse nível para tentar disciplinar os"satisfeitos". Esse tipo de ação poderia facil-mente envolver a exposição de um ou mais in-divíduos deste grupo a um nível considerávelde perigo por um membro do primeiro grupo.

E duvidoso que o nível do indivíduo-membro, isolado de todos os outros níveis nolocal de trabalho (e fora de seu aspecto de"seleção com vistas a contratação"), tenha umpapel importante na produção de acidentes. Ostestes empíricos de hipóteses relevantes, como apredisposição a acidentes, nunca conseguiramestabelecer sua validade geral 39.

CONCLUSÃOO modelo sociológico dos acidentes do traba-

lho desenvolvido aqui constitui uma nova ten-tativa, ancorada numa reflexão teórica, de con-ceituar e de categorizar as relações sociais que

produzem os acidentes. Ao fazê-lo, surgem no-vas técnicas de análise e estratégias con-seqüentes de prevenção passíveis de aplicaçãosistemática.

Tendo conceituado as causas dos acidentesdesta forma e colocado sua prevenção na de-pendência de mudanças nas relações sociais,afasto-me radicalmente da política das perspecti-vas dominantes na prevenção de acidentes.Com isso, espero acrescentar um novo eixo àbusca de métodos que possam reduzir os aci-dentes do trabalho.

Este trabalho representa pouco mais do queuma pequena tentativa de expor o que poderáum dia constituir a base de "teorias radical-mente novas ...necessárias na pesquisa dos aci-dentes do trabalho". Caso isso aconteça, o en-foque da. prevenção dos acidentes deixará deficar concentrado nas tentativas de se mudaremmáquinas ou trabalhadores. Tomarão então seulugar, como centro da análise e da mudança, asrelações sociais. a

(••) Gostaria de manifestar meu agradecimen-to à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estadode São Paulo, que subsidiou um período de pes-quisas de pós-doutorado na França e Grã-Bretanha. Essa ajuda foi fundamental para reira-balhar elementos da teoria sociológica dos aci-dentes formulada sob a orientação de Alain To-raine. Esse artigo, traduzido do inglês por CassiaRocha, é uma nova versão do artigo "A Newconcept of the production of industrial acci-dents: a sociological approach" publicado numnúmero especial do New Zealand [ournal of In-dustrial Relation. (Wellington) vol.8, n9 2, 1983,pp.147-160. Essa reflexão enquadra-se num tra-balho mais amplo a ser publicado em forma delivro, com o título de "Life and Death at Work".

39. FAVERGE, J-M. Op. cit., p. 156; CRONIN,J.B. "Cause and Effect? Investigations into Aspects ofIndustrial Accidents in the Umted Kingdom'', In: In-ternational Labour Review. Ceneva, vol. 103, n22,1971; CRAWFORD, W. "Accident Proneness an Un-affordable PhilosophJ:;". In: Australian Safety News.Melbourne, vol. 44, n 4, 1973.

ABSTRACT: A case study of a French construction siie shows that systems of authority and paymentare responsible for the production of accidents. The classical literature in industrial sociology is exam-ined in the light of accident research and the case study. These reflections lead to a sociological theori-zation of accident produciion. The vast majority of industrial accidents are seen as being produced bysocial relations at three leoels in the firm: organization, command and rewards.

KEY WORDS: Sociology of taork, industrial accidents, construction industry, sociological theory.

31