emily goncalves

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Universidade Presbiteriana Mackenzie 1 A DITADURA MILITAR CONTADA PELO OLHAR DO FOTÓGRAFO EVANDRO TEIXEIRA Emily Gonçalves (IC) e Manoel Nascimento (Orientador) Apoio: PIVIC Mackenzie Resumo A pesquisa intitulada “A Ditadura Militar contada pelo olhar do fotógrafo Evandro Teixeira”, como o próprio nome indica, teve como objeto de estudo as imagens sobre esse período capturadas por tal fotojornalista. Foram selecionadas 8 fotografias que representam um pouco da realidade vivenciada na época. Procurou-se enfatizar a contribuição de Evandro para a História do país através de seu trabalho, e, além disso, analisar as imagens para além do mero registro dos fatos – ou seja, identificar sua subjetividade, pois, como ele mesmo afirmou, escolheu a câmera fotográfica como arma para lutar contra a ditadura militar (TEIXEIRA, 2007). O método de estudo foi quantitativo, de certa forma, devido à seleção das fotos utilizadas, mas foi predominantemente qualitativo. As imagens foram analisadas à luz de seu contexto histórico, e encaixadas cronologicamente no texto, como que “ilustrando-o”, com a finalidade de tornar a leitura mais imersiva. Os resultados obtidos reafirmaram a ideia inicial do projeto, a respeito da relevância do trabalho desse fotojornalista. Graças a tais fotografias, é possível resgatar a memória desse passado recente; elas foram feitas há mais de quarenta anos e apesar do tempo, sua mensagem sobrevive. Evandro Teixeira merece todo o reconhecimento que possui não apenas pela qualidade estética de sua obra, mas também e principalmente pelo seu envolvimento social e político, pelo seu engajamento na luta contra a repressão. Palavras-chave: fotojornalismo, engajamento, História Abstract The research entitled "The Military Dictatorship told by the vision of the photographer Evandro Teixeira," as the name suggests, had as object of study the images of this period captured by such photojournalist. Eight pictures were selected to represent a bit of the reality experienced at that time and emphasize the contribution of Evandro for the Nation's history through his work. They were analyzed beyond the mere record of facts - in other words, the intention was to identify the subjectivity, because according to his words, he chose a camera as a weapon to fight against the military dictatorship (Teixeira, 2007). The method used for such study was quantitative, in some way, due to the selection of photos used, but it was predominantly qualitative. The images were analyzed under the light of its historical context, and embedded in the text chronologically, as if "illustrating" it, in order to make reading more immersive. The results have reaffirmed the initial idea of the project, about the relevance of this photojournalist’s work. Thanks to these photos, it is possible redeem the memory of this recent past; they were taken for over forty years and despite the time, its message lives on. Evandro Teixeira deserves all the recognition he has, not only because the aesthetic quality of his work, but also and mainly for his social and political involvement, for his engagement to fight against repression. Key-words: photojournalism, engagement, History.

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Em parceria com a Professora Helena Abascal, publicamos os relatórios das pesquisas realizados por alunos da fau-Mackenzie, bolsistas PIBIC e PIVIC. O Projeto ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA difunde trabalhos e os modos de produção científica no Mackenzie, visando fortalecer a cultura da pesquisa acadêmica. Assim é justo parabenizar os professores e colegas envolvidos e permitir que mais alunos vejam o que já se produziu e as muitas portas que ainda estão adiante no mundo da ciência, para os alunos da Arquitetura - mostrando que ARQUITETURA TAMBÉM É CIÊNCIA.

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

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A DITADURA MILITAR CONTADA PELO OLHAR DO FOTÓGRAFO EVANDRO TEIXEIRA

Emily Gonçalves (IC) e Manoel Nascimento (Orientador)

Apoio: PIVIC Mackenzie

Resumo

A pesquisa intitulada “A Ditadura Militar contada pelo olhar do fotógrafo Evandro Teixeira”, como o próprio nome indica, teve como objeto de estudo as imagens sobre esse período capturadas por tal fotojornalista. Foram selecionadas 8 fotografias que representam um pouco da realidade vivenciada na época. Procurou-se enfatizar a contribuição de Evandro para a História do país através de seu trabalho, e, além disso, analisar as imagens para além do mero registro dos fatos – ou seja, identificar sua subjetividade, pois, como ele mesmo afirmou, escolheu a câmera fotográfica como arma para lutar contra a ditadura militar (TEIXEIRA, 2007). O método de estudo foi quantitativo, de certa forma, devido à seleção das fotos utilizadas, mas foi predominantemente qualitativo. As imagens foram analisadas à luz de seu contexto histórico, e encaixadas cronologicamente no texto, como que “ilustrando-o”, com a finalidade de tornar a leitura mais imersiva. Os resultados obtidos reafirmaram a ideia inicial do projeto, a respeito da relevância do trabalho desse fotojornalista. Graças a tais fotografias, é possível resgatar a memória desse passado recente; elas foram feitas há mais de quarenta anos e apesar do tempo, sua mensagem sobrevive. Evandro Teixeira merece todo o reconhecimento que possui não apenas pela qualidade estética de sua obra, mas também e principalmente pelo seu envolvimento social e político, pelo seu engajamento na luta contra a repressão.

Palavras-chave: fotojornalismo, engajamento, História

Abstract

The research entitled "The Military Dictatorship told by the vision of the photographer Evandro Teixeira," as the name suggests, had as object of study the images of this period captured by such photojournalist. Eight pictures were selected to represent a bit of the reality experienced at that time and emphasize the contribution of Evandro for the Nation's history through his work. They were analyzed beyond the mere record of facts - in other words, the intention was to identify the subjectivity, because according to his words, he chose a camera as a weapon to fight against the military dictatorship (Teixeira, 2007). The method used for such study was quantitative, in some way, due to the selection of photos used, but it was predominantly qualitative. The images were analyzed under the light of its historical context, and embedded in the text chronologically, as if "illustrating" it, in order to make reading more immersive. The results have reaffirmed the initial idea of the project, about the relevance of this photojournalist’s work. Thanks to these photos, it is possible redeem the memory of this recent past; they were taken for over forty years and despite the time, its message lives on. Evandro Teixeira deserves all the recognition he has, not only because the aesthetic quality of his work, but also and mainly for his social and political involvement, for his engagement to fight against repression.

Key-words: photojournalism, engagement, History.

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INTRODUÇÃO

O presente estudo buscou enfatizar a importância do trabalho do fotojornalista Evandro

Teixeira para a memória brasileira. Suas fotos, sobretudo as selecionadas neste trabalho,

ajudam a contar parte da História do país – a saber, o período do Regime Militar. Dessa

forma, ateve-se ao seguinte problema de pesquisa: Qual a contribuição de Evandro Teixeira

para a História brasileira, por meio de seu trabalho fotojornalístico? O que há em suas

fotografias, além do registro fiel dos fatos? Pode-se dizer que tal fotógrafo não só exerceu

um verdadeiro papel jornalístico ao retratar tal momento histórico, como também utilizou sua

câmera para lutar contra a repressão.

A câmera fotográfica foi a arma que escolhi para lutar contra a ditadura

militar. Desde o primeiro momento, quando flagrei a tomada do Forte de

Copacabana, na madrugada de 1º de abril de 1964, assumi o compromisso

de registrar imagens que revelassem as arbitrariedades e as injustiças dos

governos militares que tomaram de assalto a democracia de nosso País.

(TEIXEIRA, 2007, p. 117).

O principal objetivo desta pesquisa foi observar e analisar a linguagem fotográfica das

imagens selecionadas, relacionando-as com a realidade vivenciada no período ditatorial.

Foram estabelecidos como objetivos secundários a apresentação biográfica de Evandro

Teixeira, bem como sua participação política na Ditadura Militar e sua contribuição para o

acervo documental sobre o período.

REFERENCIAL TEÓRICO

Evandro Teixeira, fotojornalista reconhecido nacional e internacionalmente, retratou, entre

muitas outras coisas, cenas que ajudam a contar parte da História nacional. De 1964 a 1985

a sociedade esteve submetida às arbitrariedades dos militares, que tinham à disposição

armas, oficiais e instituições repressivas.

Nessa pesquisa foram selecionadas 8 fotografias do período, duas delas de 1964 e as

demais de 1968, que o representam e ajudam a “ilustrar” tal contexto histórico. Apesar das

dificuldades enfrentadas pela imprensa e, consequentemente, pelos fotojornalistas, Evandro

registrou valiosos recortes daquela realidade, que hoje, permitem a reconstrução e

rememoração dessa difícil época, como reforça o jornalista Fernando Gabeira:

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Nessa figura extraordinária de Evandro Teixeira, não aprendemos apenas a

História do Brasil em seus momentos mais dramáticos. Podemos seguir a

história do nosso jornalismo, suas importantes vitórias, sobretudo se

considerarmos que a liberdade de imprensa no país não é um fenômeno

natural – ela foi conquistada, assim como todas as outras dimensões de

nossa democracia.

Dessa conquista, participa, igualmente, gente que esteve por trás ou diante

das câmeras, gente que fez ou, simplesmente, registrou, com fidelidade,

emoção e senso estético, esse pedaço da História do Brasil. (GABEIRA in

TEIXEIRA, 2007, p. 116).

O olhar do fotojornalista “permite que as fotos sejam um registro objetivo e também um

testemunho pessoal, tanto uma cópia ou uma transcrição fiel de um momento da realidade

como uma interpretação dessa realidade”. (SONTAG, 2004). Portanto, mais do que o retrato

fiel dos fatos, Evandro Teixeira deixa transparecer sua subjetividade e demonstra sua

participação na luta pela democracia. Ele utilizou a profissão e seu instrumento de trabalho –

uma câmera fotográfica – para garantir que as presentes e futuras gerações do Brasil

conhecessem uma época tão recente e tão cruel desse país.

A fotografia tanto pode mostrar as belezas do mundo como as atrocidades

do mundo. Para o fotojornalismo, a fotografia precisa mostrar o que há de

errado no mundo. No meu caso, sempre preferi fotografar nosso cotidiano, a

miséria da nossa gente, e acabei concluindo que a fotografia é uma arma de

denúncia. Eu acompanhei todos os militares ditadores no Brasil e não posso

dizer que tive o prazer de enterrá-los, mas digamos que testemunhei

quando foram enterrados. (TEIXEIRA in CAPUTO, 2008, p. 36).

MÉTODO

Com a finalidade de atender aos objetivos a que esta pesquisa se propôs, foram

consultadas diversas fontes, como livros, sites, jornais, revistas, sobre o período da Ditadura

Militar no Brasil e sobre fotografia, visto que o que se pretendeu foi analisar e contextualizar

as fotos de Evandro Teixeira referentes a tal momento histórico. O livro-base e ponto de

partida do estudo foi o livro “1968 Destinos 2008: A Passeata dos 100 Mil”, do próprio

fotojornalista.

Foram selecionadas apenas 8 imagens presentes na obra supracitada, consideradas

suficientes para atender ao que se propõe esse estudo; diante disso, pode-se dizer que foi

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feita abordagem quantitativa. Entretanto, o estudo é majoritariamente qualitativo, pois

preocupou-se em examiná-las e contextualizá-las historicamente.

Os métodos qualitativos se assemelham a procedimentos de interpretação

dos fenômenos que empregamos no nosso dia-a-dia, que têm a mesma

natureza dos dados que o pesquisador qualitativo emprega em sua

pesquisa. Tanto em um como em outro caso, trata-se de dados simbólicos,

situados em determinado contexto; revelam parte da realidade ao mesmo

tempo que escondem outra parte. (NEVES, 1996, p. 1).

Inicialmente a ideia era examinar semioticamente tais fotografias, a partir da obra “Semiótica

aplicada”, de Lucia Santaella; contudo, a análise das mesmas foi baseada na interpretação

da pesquisadora à luz dos episódios históricos no qual foram capturadas, como se fosse

uma rememoração de alguém que presenciou tais momentos, a fim de tornar a pesquisa

mais imersiva para o leitor.

O fluxo incessante de imagens (televisão, vídeo, cinema) constitui o nosso

meio circundante, mas, quando se trata de recordar, a fotografia fere mais

fundo. [...] Numa era sobrecarregada de informação, a fotografia oferece um

modo rápido de apreender algo e uma forma compacta de memorizá-lo. A

foto é como uma citação ou uma máxima ou provérbio. Cada um de nós

estoca, na mente, centenas de fotos, que podem ser recuperadas

instantaneamente. (SONTAG, 2004, p. 23).

Foram lidas primeiramente obras sobre o campo da fotografia para obter um conhecimento

mais abrangente do mesmo, cujos títulos são “Uma história critica do fotojornalismo

ocidental” de Jorge Pedro Sousa, “Sociologia da Fotografia e da Imagem” de José de Souza

Martins, “Foto-jornalismo”, publicado pela Folha de São Paulo e “Fotojornalismo”, obra de

Evandro Teixeira.

Para legitimar a discussão e a análise das fotos, foram tomados como apoio os livros

“Diante da dor dos outros” e “Sobre Fotografia”, ambos de Susan Sontag, o artigo “Diante da

dor dos outros”, de Maria das Graças Targino, sobre a obra homônima de Sontag, “Foto,

política e memória”, resenha de Leila Landim sobre o livro “1968 Destinos 2008: A Passeata

dos 100 Mil”, além de trechos dessa mesma obra.

O desenvolvimento do contexto histórico teve como embasamento os livros “Os governos

militares”, de Edgard Luiz de Barros, “Brasil: de Castelo a Tancredo”, de Thomas Elliot

Skidmore, historiador norte-americano especializado em História do Brasil, “O golpe de 64 e

a ditadura militar”, de Júlio José Chiavenatto, além dos conhecimentos prévios da

pesquisadora sobre o tema, adquiridos principalmente na disciplina Cultura e Mídias

(cursada no primeiro semestre de 2011), lecionada pelas professoras doutoras Regina Célia

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Faria Amaro Giora e Maria Aparecida de Aquino, sendo esta última a responsável pelas

aulas sobre o Regime Militar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Evandro Teixeira nasceu no dia 25 de dezembro de 1935 em Irajuba, interior da Bahia, mas

cresceu no município de Ipiaú. O interesse pela fotografia começou na juventude, e, a partir

de então, Evandro passou a estudar fotografia; teve como professores Walter Lessa, do

jornal de Jequié (BA), Silvio Glauber Rocha, fotógrafo reconhecido em Salvador (BA) e Zé

Medeiros, do Cruzeiro. Foi morar no Rio de Janeiro e em 1958 iniciou sua carreira no Diário

da Noite (do grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand). Já em 1963, foi

trabalhar no Jornal do Brasil, onde permaneceu até setembro de 2010, quando o JB passou

a ter apenas a versão on line.

Reconhecido no Brasil e no mundo, o fotojornalista fez exposições em Paris, Frankfurt,

Zurique, Madri, Veneza, Basel, Nova lorque, Cuba, México, Buenos Aires, Bogotá, além das

principais capitais brasileiras. Currículo e nome estão presentes na Enciclopédia

Internacional de Fotógrafos, onde constam os maiores ícones da fotografia desde 1839 até

a atualidade. Evandro também recebeu vários prêmios: em 1969, recebeu seu primeiro

prêmio, da Sociedade Interamericana de Imprensa; depois disso, ganhou dois dos

concursos internacionais da Nikon (Japão, 1975 e 1991) e o da UNESCO (1993). Grandes

publicações internacionais já divulgaram seu trabalho, entre elas: revista da Leica

(Alemanha), revista de Fotografia da Suíça, "Photo" (França), "Harper's Bazaar" e "7" (Itália),

sendo, portanto, referência obrigatória para o fotojornalismo brasileiro.

Suas fotografias tornaram-se tema de uma poesia de Carlos Drummond de Andrade,

intitulada “Diante das Fotos de Evandro Teixeira”, e compõe acervos de importantes

museus, como Museu de Arte Moderna do Rio, Masp e Museu de Arte Contemporânea de

São Paulo, Museu de Belas Artes de Zurique, Suíça e Museu de Arte Moderna La Tertulia,

Cáli, Colômbia.

Passaram por suas lentes temas como esporte, moda, sertão brasileiro, personalidades e

política, sendo este último o ponto de abordagem do trabalho, especificamente as

fotografias do período ditatorial brasileiro (1964 a 1985). Para tanto, foram selecionadas oito

imagens, as quais serão analisadas e contextualizadas de acordo com o momento histórico

no qual foram registradas, a fim de “ilustrá-lo”.

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Mas a força das imagens fotográficas provém de serem elas realidades

materiais por si mesmas, depósitos fartamente informativos deixados no

rastro do que quer que as tenha emitido, meios poderosos de tomar o lugar

da realidade – ao transformar a realidade numa sombra. As imagens são

mais reais do que qualquer um poderia supor. (SONTAG, 2004, p. 196, grifo

do autor).

O período que antecede o golpe de 64 foi marcado por forte instabilidade política. Durante o

governo de João Goulart eram frequentes manifestações sociais e políticas, como

consequência da complicada situação econômica que a população enfrentava. Enquanto

isso, o presidente falava em Reforma de Base, e a classe média estava temerosa com a

possibilidade da chegada do comunismo ao Brasil.

O quadro só piorava e, com a ideia de modificá-lo, os militares entraram em ação. Em 31 de

março de 64 o general Olympio Mourão Filho comandou tropas vindas de Minas Gerais em

direção ao Rio de Janeiro. A fim de evitar uma guerra civil, Jango deixa o país e refugia-se

no Uruguai.

Havia, sem dúvida, efetivas possibilidades de resistência, tanto por parte

dos militares legalistas, como de diversos segmentos mobilizados da

população. [...] No entanto, não aconteceu qualquer resistência significativa

e o golpe político-militar se consumou em menos de 48 horas. (BARROS,

1997, p. 18).

A guarnição do forte de Copacabana não aderiu ao movimento militar e acabou sendo

tomada por forças comandadas pelo coronel César Montagna, que golpeou com as mãos o

sentinela do portão, invadindo o forte sem utilizar armas – fato que ficou conhecido como

“episódio da bofetada” –. Durante o Regime, o local foi utilizado como presídio político.

Evandro Teixeira foi o único fotógrafo a registrar esse momento.

Tomada do Forte de Copacabana - Rio de Janeiro, 31/03/1964

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Assim, tiveram início os chamados “Anos de Chumbo”. No dia 2 de abril, a junta militar

chamada “Comando Supremo da Revolução” passou a controlar o país e empossou Ranieri

Mazzilli como presidente provisório. O Comando baixou o primeiro Ato Institucional no dia 9

do mesmo mês, que atribuía ao Executivo o poder de cassar mandatos e abolir direitos

políticos por até dez anos, estabelecer estado de sítio sem consulta ao parlamento e forçar

o Congresso a aprovar emendas constitucionais. “Os novos donos da realidade explicitariam

agora o mando absoluto através do máximo de violência e do uso indiscriminado da força. O

emblema maior deste processo seria, desde a primeira hora da vitória do golpe, a prática

sistemática da tortura e do assassinato político”. (BARROS, 1997, p. 20).

Golpe Militar: o início da repressão - Rio de Janeiro, 1964

A imagem acima permite identificar o terror instaurado com o Golpe, e, por isso, pode-se

dizer que possui caráter subjetivo. Evandro Teixeira capta o momento em que homem em

primeiro plano leva as mãos ao rosto, num sinal que pode ser interpretado como desespero

ou tristeza, e ao fundo há um rapaz sendo carregado por oficiais, com uma expressão aflita.

É necessário dizer que a subjetividade do fotógrafo não anula a objetividade da imagem;

para legitimar tal idéia, é válido reproduzir a reflexão de Susan Sontag sobre as fotografias

de guerras e tragédias:

As fotos tinham a vantagem de unir dois atributos contraditórios. Suas

credenciais de objetividade estavam embutidas. Contudo sempre tiveram,

forçosamente, um ponto de vista. Eram um registro do real – incontroverso

como nenhum relato verbal poderia ser, por mais imparcial que fosse –,

uma vez que a máquina fazia o registro. E as fotos davam testemunho do

real – uma vez que alguém havia estado lá para tirá-las. (SONTAG, 2003, p.

26).

O Regime estava apenas no início, e sua fase mais difícil só ocorreria quatro anos mais

tarde. Castelo Branco subiu ao poder em 15 abril de 1964 e foi moldando a ditadura; em

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outubro de 1965 baixou o Ato Institucional número 2 e em menos de um ano – fevereiro de

1966 – editou o número 3 e em dezembro do mesmo ano o número 4. A repressão

aumentava mais e mais a cada ato decretado.

Mas é a partir de março de 1967 que a pior fase começa, com a transferência da faixa

presidencial para Artur Costa e Silva. A partir de então, sobretudo em 1968, há um

crescimento dos movimentos culturais, na música, literatura e teatro, incessantes

discussões entre intelectuais sobre socialismo e capitalismo no mundo, fortalecimento do

movimento estudantil – a principal preocupação dos militares –, além dos debates sociais

devido à frágil economia do país. Na foto seguinte, Evandro Teixeira mostra uma das formas

de ação do movimento estudantil, indicando que ele foi muito além das reuniões e discursos.

Rural do Exército em chamas, Movimento Estudantil - Rio de Janeiro, 1968

Em contrapartida, Costa e Silva foi concentrando seu governo diante desse cenário. No dia

28 de março de 1968 um pelotão de choque da Polícia Militar invadiu o Calabouço,

restaurante do centro do Rio de Janeiro, considerado possível foco de inquietação, alegando

que no local estava sendo organizada uma passeata com o objetivo de atacar a embaixada

dos Estados Unidos.

Houve uma manifestação no local e a polícia militar chegou pronta a agir

com energia. Logo ouviu-se um tiro. Disparado pela polícia, atingiu o

estudante Edson Luís de Lima Souto, que caiu morto. Agora os ativistas

tinham um mártir, uma morte que podia mobilizar o sentimento antigoverno.

(SKIDMORE, 1988, p. 152).

No dia 4 de abril de 1968 foi realizada a missa de sétimo dia de Edson na Igreja da

Candelária, vigiada por militares, agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e

Social) e por aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). No final da missa, a cavalaria da

Polícia Militar cercou e atacou os participantes, como é possível observar nas duas imagens

a seguir. A primeira traz uma visão panorâmica do local, cujo ângulo permite a visualização

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da cena como do alto de uma torre, que permite ao observador identificar e reproduzir

mentalmente os movimentos dos oficiais e da população.

Visão panorâmica da invasão da cavalaria na missa do estudante Edson Luís

Igreja da Candelária - Rio de Janeiro, 1968

A segunda, por sua vez, mostra exatamente a invasão da cavalaria, com oficiais

empunhando sabres e encurralando os populares contra a porta da igreja, que remete à

ideia de uma guerra covarde entre policiais armados e pessoas despreparadas, mas essa é

só uma possível forma de interpretação. “A leitura da fotografia não se dá de forma unívoca

ou eterna, mas é, sobretudo, trans-histórica e de teor subjetivo.” (TARGINO, 2005).

Cavalaria invadindo a missa do estudante Edson Luís na Igreja da Candelária - Rio de Janeiro, 1968

Além de Edson Luís, muitas outras pessoas foram perseguidas, feridas e torturadas pelo

Regime. Na imagem seguinte há uma estudante sendo carregada por colegas após levar

um tiro, que reforça o ideal da união entre os estudantes – os quais não mediam esforços

para ajudar ou proteger os companheiros da luta contra a ditadura.

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Estudante baleada, Movimento Estudantil - Rio de Janeiro, 1968

Já a fotografia abaixo retrata a cena de um estudante sendo perseguido pelos oficiais e

literalmente caindo, que faz alusão à verdadeira vontade do governo: derrubar, fazer ruir o

movimento estudantil.

Queda do estudante de Medicina na Cinelândia, Movimento Estudantil, Rio de Janeiro, 1968

A repressão se intensificava; no mês de junho houve uma série de protestos duramente

barrados pelos militares, cujos resultados foram mortes e prisões de inúmeros

manifestantes. Foi a chamada Semana Sangrenta, que teve como resposta a Passeata dos

Cem Mil, realizada no dia 26 de junho de 1968; foram feitos discursos de líderes estudantis,

como Vladimir Palmeira, somados a gritos e faixas de protesto, e surpreendentemente não

houve reação policial. Nesse dia, Evandro Teixeira fora escalado pelo Jornal do Brasil para

ficar atendo a Vladimir Palmeira, pois havia o boato de que ele seria preso ou assassinado.

A foto a seguir é uma das mais reproduzidas em livros, revistas, sites, blogs, quando o

assunto é Regime Militar, e consagrou Evandro Teixeira como fotojornalista. Foi a partir dela

que ele pensou e criou seu último livro - “1968 Destinos 2008: Passeata dos 100 Mil”. A

faixa que se destaca sobre a multidão com os dizeres “Abaixo a Ditadura – Povo no poder”

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representa o desejo de toda a sociedade, cansada da opressão imposta pelo regime. O

olhar do fotojornalista captura inúmeros rostos, incrivelmente nítidos, como se fossem

retratos individuais, “imobilizando para sempre um instante no transcurso de suas

juventudes como um cutelo que, diria poeticamente Cartier Bresson, corta o fluir incessante

e inalcançável do tempo e, na eternidade, capta o instante que confunde e surpreende a

morte” (LANDIM, 2008, p. 3).

Passeata dos 100 Mil, Movimento Estudantil - Rio de Janeiro, 1968

A Passeata dos 100 Mil, de Evandro Teixeira, é o 1968 definitivo, o ano que

não acabou, e que não acaba mais. O resto perdeu a juventude e, com ela,

o sentido que as coisas pareciam ter naquele tempo. Só a sua fotografia

rejuvenesce. Cada década que passa acrescenta a ela um significado – e

vai se remoçando. Anda tão nova, que quem a vê, ultimamente, mal faz

ideia de como era preciso focalizar um futuro distante, para fotografar a

multidão num negativo de 86 centímetros quadrados, posando para a

História. [...] Se, ao contrário dos acontecimentos de 1968, a Passeata dos

100 Mil continua aí na nossa frente, é porque, entre a fração de segundo e a

posteridade, ela cruzou com o olho de Evandro Teixeira (CORRÊA in

TEIXEIRA, 2007, pp. 29 e 30).

As fotografias de Evandro Teixeira sobre o Regime Militar param no ano de 1968, mas a

ditadura continuava, e endurecia cada vez mais. Em 13 de dezembro de 1968 foi decretado

o Ato Institucional n° 5, instalando de vez o pânico na sociedade. A repressão contra os

opositores foi acirrada; o AI-5 permitia que o general-presidente fizesse o que bem

entendesse, desde o fechamento do Congresso até a cassação de mandatos

parlamentares. Mas Costa e Silva teve problemas de saúde e foi afastado da presidência; foi

substituído por uma junta de emergência, que acabou em 1969, quando Emílio Garrastazu

Médici assumiu o cargo.

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O governo Médici é considerado o mais brutal do período ditatorial, marcado por prisões,

torturas, desaparecimentos de civis e medo, graças ao aparelho repressivo do estado, como

o DOPS e o DOI-CODI Destacamento de Operações e Informações-Centro de Operações

de Defesa Interna). Enquanto isso, o Brasil vivia o chamado “milagre econômico”, com

intenso desenvolvimento do país, financiado por recursos externos.

Mas não é somente a repressão que explica o Brasil de Médici. Juntamente

com o porrete, oferecia-se a cenoura. O rápido desenvolvimento económico

levou ao paraíso os brasileiros situados no vértice da pirâmide salarial - os

profissionais, os tecnocratas, os administradores de empresa. [...] Visto em

conjunto o governo estava se saindo bem - em seus termos. O crescimento

econômico acelerado funcionava. A propaganda governamental funcionava.

A repressão funcionava. A censura funcionava. Os militares da linha dura,

repetidamente frustrados desde 1964, estavam se vingando recuperando

tanto tempo perdido. (SKIDMORE, 1988, pp. 215 e 216).

Mas o milagre econômico teve seu fim no governo de Ernesto Geisel (1974 – 1979), devido

ao aumento do preço do petróleo, a recessão mundial e a falta de investimentos

estrangeiros. Com as crescentes dificuldades na política e o alto custo para manutenção do

regime, Geisel deu inicio ao processo lento e gradual de abertura à redemocratização,

levando militares radicais a cogitarem a deposição do presidente – tudo em vão. No fim de

seu mandato a sociedade havia mudado; a repressão diminuíra e os grupos de oposição

voltaram a se organizar. Em 1978, Geisel revogou o AI-5 e fez de João Batista Figueiredo

seu sucessor.

Figueiredo foi o último general-presidente, e seu mandato durou de 1979 a 1985. Ele

acelerou o processo de abertura política, restabeleceu o pluripartidarismo e aprovou a Lei de

Anistia, que permitia o retorno de exilados políticos ao país, além de absolver os que

cometeram crimes políticos – tanto opositores quanto militares. Também enfrentou os

militares radicais, cuja resistência se deu por meio de atos terroristas. A economia piorou e

os índices de inflação e a crise aumentaram.

No último ano de seu governo surgiu o movimento das Diretas Já, mobilizando toda a

população para reivindicar eleições diretas para a próxima eleição presidencial. Contudo, o

governo resistiu, e o sucessor de Figueiredo foi escolhido indiretamente pelo Colégio

Eleitoral no dia 15 de janeiro de 1985. O deputado Tancredo Neves fora escolhido, mas

devido ao adoecimento e morte, quem assumiu o cargo foi o vice José Sarney.

Tancredo morreu em 21 de abril, depois de sete operações e 38 dias no

hospital. O público, embora cético quanto às muitas cirurgias "bem

sucedidas", ficou aturdido com a notícia. Em vida Tancredo assomava como

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um salvador político. Morto, assumia as proporções de um santo. Todas as

esperanças, acumuladas e centralizadas no homem que não viveu para

materializá-las, manifestaram-se impetuosamente. [...] José Sarney prestou

juramento para assumir o pleno status de presidente em 21 de abril, depois

que os médicos declararam o caráter terminal da doença de Tancredo.

Trabalhando agora à sombra que o ilustre brasileiro projetava sobre o seu

governo, Sarney enfrentava formidáveis desafios. (SKIDMORE, 1988, p.

500).

CONCLUSÃO

A presente pesquisa, intitulada “A Ditadura Militar contada pelo olhar do fotógrafo Evandro

Teixeira”, preocupou-se em ressaltar a contribuição desse fotojornalista para o acervo

documental sobre esse período da História do Brasil. Com essa finalidade, 8 fotografias de

sua autoria foram selecionadas e analisadas de acordo com o contexto histórico em que

foram registradas.

Apesar de breve, o estudo trouxe maior conhecimento não apenas sobre esse passado

recente da História nacional e sobre o campo da fotografia, mas, sobretudo, a respeito da

excelência do fotógrafo Evandro Teixeira. Tal magnitude se deve, possivelmente, à

dedicação ao seu trabalho. Ele é digno de elogios pela qualidade estética de seu trabalho e

mais ainda por ter aliado a profissão ao engajamento político. Foi capaz de aliar a

objetividade jornalística – por retratar fielmente os fatos – à sua subjetividade, pois

fotógrafos são mais do que meros observadores – tornam-se parte daquilo que seus olhos

registram. “Há um preço embutido em cada imagem [...]: um pedaço da emoção, da

vulnerabilidade, da empatia que [os] torna humanos se perde a cada vez que [acionam] o

botão da câmera”. (in TARGINO, 2005).

Talvez na época Evandro não imaginasse que por meio dessas imagens as gerações

presentes e futuras tomariam conhecimento dessa triste fase do país e do sofrimento

daquela geração passada. Tais fotografias foram capturadas há mais de 40 anos, mas sua

mensagem perdura até hoje.

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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011

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REFERÊNCIAS

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