energia e ambiente - abes · potencial hidráulico e o petróleo, com grande predominância da...

12
dezembro 2005 25 A BIOMASSA COMO ALTERNATIVA ENERGÉTICA PARA O BRASIL Celso Roberto Alves da Silva Engenheiro civil, formado pela Universidade Mackenzie. [email protected] Maria Teresa Flosi Garrafa Engenheira eletrônica, formada pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI). [email protected] Paulo Laguna Navarenho Engenheiro civil, formado pela Faculdade de Engenharia São Paulo (FESP). [email protected] Rodolfo Gado Engenheiro civil, formado pela Universidade Mackenzie. [email protected] Sérgio Yoshima Engenheiro eletrônico, formado pela Universidade São Judas Tadeu. [email protected] RESUMO A geração de energia elétrica no Brasil provém, essencialmente, de duas fontes energéticas: o potencial hidráulico e o petróleo, com grande predominância da primeira. Apesar da importância dessas fontes, elas tendem a sofrer um processo de esgotamento no futuro. O Brasil dispõe de várias alternativas para geração de energia elétrica, dentre as quais se destaca o uso da biomassa. Esta, particularmente, provém de uma grande variedade de recursos energéticos, desde culturas nativas até resíduos de diversas origens. No entanto, a pouca informação a respeito do potencial energético desses resíduos limita seu efetivo aproveitamento. No intuito de consolidar as informações existentes, o presente trabalho mostra um panorama do potencial de biomassa no Brasil como fonte energética e seus aspectos sociais, econômicos e ambientais. PALAVRAS-CHAVE Biomassa, fonte de energia, impactos socioeconômicos, energia limpa, cana-de-açúcar, biodiesel, biogás. ABSTRACT There are two essential power sources that have provided electricity in Brazil, and the most used is by hydroelectric power stations and oil. Nowadays, these sources have occupied an importance place in the world power matrix but there is a tendency to suffer a break due to be drained in the future and more they have left negative impacts to the environmental. However, Brazil has several alternatives to get electricity, where biomass is one of them. A great variety resources provides biomass, since those extracted from native cultures until those gotten by waste of different ways. But the few information about the real power potential of wastes has difficulty using them more effectively. This work shows Brazil potential figures of biomass as power source, joining several existent information and exploring its economical, social and environmental aspects. KEY WORDS Biomass, power source, social and economical impacts, clean energy, sugar cane, biodiesel, biogas. Energia e Ambiente

Upload: hatuong

Post on 12-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

dezembro 2005 25

A BIOMASSA COMOALTERNATIVAENERGÉTICA PARA OBRASIL

Celso Roberto Alves da SilvaEngenheiro civil, formado pela Universidade [email protected]

Maria Teresa Flosi GarrafaEngenheira eletrônica, formada pela Faculdade deEngenharia Industrial (FEI)[email protected]

Paulo Laguna NavarenhoEngenheiro civil, formado pela Faculdade deEngenharia São Paulo (FESP)[email protected]

Rodolfo GadoEngenheiro civil, formado pela Universidade [email protected]

Sérgio YoshimaEngenheiro eletrônico, formado pela Universidade SãoJudas [email protected]

RESUMOA geração de energia elétrica no Brasil provém, essencialmente, de duas fontes energéticas: opotencial hidráulico e o petróleo, com grande predominância da primeira. Apesar da importânciadessas fontes, elas tendem a sofrer um processo de esgotamento no futuro. O Brasil dispõe devárias alternativas para geração de energia elétrica, dentre as quais se destaca o uso da biomassa.Esta, particularmente, provém de uma grande variedade de recursos energéticos, desde culturasnativas até resíduos de diversas origens. No entanto, a pouca informação a respeito do potencialenergético desses resíduos limita seu efetivo aproveitamento.No intuito de consolidar as informações existentes, o presente trabalho mostra um panorama dopotencial de biomassa no Brasil como fonte energética e seus aspectos sociais, econômicos eambientais.

PALAVRAS-CHAVEBiomassa, fonte de energia, impactos socioeconômicos, energia limpa, cana-de-açúcar, biodiesel,biogás.

ABSTRACTThere are two essential power sources that have provided electricity in Brazil, and the most used isby hydroelectric power stations and oil.Nowadays, these sources have occupied an importance place in the world power matrix but there isa tendency to suffer a break due to be drained in the future and more they have left negative impactsto the environmental. However, Brazil has several alternatives to get electricity, where biomass is oneof them. A great variety resources provides biomass, since those extracted from native cultures untilthose gotten by waste of different ways. But the few information about the real power potential ofwastes has difficulty using them more effectively.This work shows Brazil potential figures of biomass as power source, joining several existent informationand exploring its economical, social and environmental aspects.

KEY WORDSBiomass, power source, social and economical impacts, clean energy, sugar cane, biodiesel, biogas.

Energia e Ambiente

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – número 226

INTRODUÇÃOTodos os processos da cadeia

energética (produção, transformação,transporte, distribuição, armazenagem euso final) envolvem uma série de perdasque reduzem a quantidade de energia,efetivamente útil à sociedade, a apenasuma fração do total de energia captadada natureza. Por contingência daspróprias leis físicas, um certo nível deperdas é inevitável ao longo da cadeiade transformações energéticas.

Como contrapartida a todaincorporação de um aporte de fontesenergéticas, existe a perda da energiadegradada, rejeitada para o ambienteexterno na forma de calor ou deresíduos (gases, material particulado).

Além disso, o uso de energia tambémorigina impactos sociais e econômicosdecorrentes do próprio aproveitamentode recursos naturais. Alguns delespodem ser significativos, mesmo no casode fontes, em virtude das áreas extensasas quais são necessárias para aprodução em grande escala.

Durante muito tempo, utilizando asforças disponíveis da natureza eadequando-as à sua localização, ohomem pode gerar, transmitir e consumirenergia sem alterar significativamente oambiente global, o uso do espaço e osmodos de produzir ou distribuir bens, deacordo com os modelos sociais, políticose culturais prevalecentes. Apesar de ter seconfrontado com vários episódios deescassez, provocados pela apropriaçãointensa das fontes disponíveis, como foi ocaso da lenha durante a idade média, atéa Revolução Industrial a humanidadeevoluiu com um consumo de energiarelativamente moderado. A inserção deuma nova tecnologia – a máquina avapor – no modo de produçãoprovocou uma ruptura no sistema,exigindo uma nova ordem de grandezano uso da energia.

A maioria das negociações ambientaisrelacionada à energia ainda está a meiotermo. A padronização dos critérios desegurança no transporte de petróleo eas diretrizes internacionais paraconstrução de grandes hidrelétricasestão em debate e a Convenção sobreSegurança Nuclear, assim como oProtocolo de Kyoto, ainda aguardam aratificação dos países signatários.

No âmbito brasileiro, até a década de70, as grandes barragens e centraishidrelétricas eram consideradas ícones dodesenvolvimento energético edesfrutavam da convicção de seremprojetos de baixo impacto, compossibilidade de agregar usos múltiplos(atenuação de cheias e abastecimento deágua na região circunvizinha, habilitaçãode áreas para lazer e aqüicultura), semoferecer riscos ambientais como aemissão de poluentes.

As mudanças produzidas noambiente construído se encarregariamde demonstrar conseqüências maisdrásticas do que se poderia mensurar. Oelevado nível de eutrofização (aumentode nutrientes na água resultante dadecomposição orgânica submersa),associado ao descontrole do grau deassoreamento de rios represadosfavoreceram, em grande parte dos casos,a proliferação de determinadas espéciesvegetais e animais (algas, mosquitos,parasitas), comprometendo o equilíbrioecológico e a qualidade de vida em seuentorno.

Resultados de pesquisas recentesapontam outro problema a serconsiderado: a decomposição orgânicada biomassa, submersa nos lagos dasrepresas, produz dióxido de carbono(CO2) e metano (CH4) em quantidadessimilares às termoelétricas, quandoconsiderados períodos históricosrelativamente pequenos (menos de 100anos). Com relação à necessidade dabusca de alternativas para a geração de

eletricidade, o racionamento de 2001demonstrou que a manutenção dadependência de mais de 90% dahidreletricidade é estrategicamentearriscada. Além disso, o potencial hídricode geração de eletricidade a baixo custoé, hoje, bastante limitado, sendo osmelhores sítios encontrados na regiãoNorte, distante dos grandes centrosconsumidores.

A crítica ambientalista ao plano deinstalação de um parque termoelétricomovido a gás natural, uma fonteconsiderada mais limpa que o petróleo,reside, justamente, no aumento daemissão nacional de óxidos denitrogênio (NOx), resultantes doprocesso de queima, e de ozônio debaixa altitude (O3), formado pela reaçãofotoquímica do NOx à radiação solar.Além dos resíduos produzidos noprocesso de queima, a alta porcentagemde metano (CH4), contido no gás natural(90%), transforma as perdas potenciais(estimadas em 1% do total) na rede detransporte e distribuição em fontes comcontribuição significativa para o aumentodo efeito estufa, conforme veremosadiante.

O século 20 ficará conhecido como oséculo dos combustíveis fósseis, uma vezque o carvão, o petróleo e o gás,praticamente, dominaram o sistemaenergético de todos os paísesindustrializados. O desenvolvimento e aotimização das tecnologias para utilizaçãodesses combustíveis e alguns dosprogressos extraordinários os quaistestemunhamos, tais como as viagensaéreas e a geração de eletricidade porturbinas a gás, são verdadeiramentenotáveis.

Por esses motivos, a tendência eraesquecer que, até a metade no século19, mais de 85% do total da energiausada no mundo era biomassa, naforma de lenha, resíduos da agricultura ede animais.

dezembro 2005 27

A tecnologia utilizada naquela épocaera um tanto primitiva, e não evoluiu deforma significativa devido àpredominância das tecnologias maisavançadas de uso dos combustíveisfósseis. Não é surpresa, portanto, que a‘’biomassa’’, enquanto fonte de energia,tenha acabado com uma péssimareputação. A esses dados acrescente-seque em grande parte dos países menosdesenvolvidos, ainda é muito importantea utilização da lenha, seja para cozinharou aquecer, em fornos rudimentares, deeficiência bastante reduzida.

Essa situação está começando amudar: os combustíveis fósseis nãodurarão para sempre, sua utilização é acausa de a maioria das agressões aomeio ambiente, as quais hojetestemunhamos, e as tecnologias paraaumentar a eficiência da biomassaestarem evoluindo bastante nos últimosanos.

Apresenta-se, assim, a possibilidadedo ‘’renascimento’’ da biomassa naspróximas décadas, de maneira a tornar-se uma fonte de energia tão importantequanto há 200 anos. O sucesso doprograma de biomassa no Brasil –especialmente a expansão do uso doetanol, proveniente da cana-de-açúcarcomo alternativa ao uso da gasolina, sãofortes indicadores que as estratégiaspara se atingir, no futuro, um sistemasustentável, na área de energia, sãopossíveis e realísticas.

A BIOMASSA COMO FONTE DEENERGIADo ponto de vista energético,

biomassa é toda matéria orgânica (deorigem animal ou vegetal) que pode serutilizada na produção de energia. Assimcomo a energia hidráulica e outrasfontes renováveis, a biomassa é uma

forma indireta de energia solar. A energiasolar é convertida em energia química,pela fotossíntese, base dos processosbiológicos de todos os seres vivos.

Embora grande parte do planetaesteja desprovida de florestas, aquantidade de biomassa existente naterra é da ordem de dois trilhões detoneladas; o que significa cerca de 400toneladas per capita. Em termosenergéticos, isso corresponde a mais oumenos 3.000 EJ por ano; ou seja, oitovezes o consumo mundial de energiaprimária (da ordem de 400 EJ por ano).

Uma das principais vantagens dabiomassa é que, embora de eficiênciareduzida, seu aproveitamento pode serfeito diretamente, pela combustão emfornos, caldeiras, etc. Para aumentar aeficiência do processo e reduzirimpactos socioambientais, tem-sedesenvolvido e aperfeiçoado tecnologiasde conversão eficiente, como agaseificação e a pirólise.

A médio e longo prazos, a exaustãode fontes não-renováveis e as pressõesambientalistas acarretarão maioraproveitamento energético da biomassa.Mesmo atualmente, a biomassa vemsendo mais utilizada na geração deeletricidade, principalmente em sistemasde cogeração e no suprimento deeletricidade de comunidades isoladas darede elétrica.

Embora grande parte da biomassaseja de difícil contabilização, devido aouso não-comercial, estima-se que,atualmente, ela representa cerca de 14%de todo o consumo mundial de energiaprimária. Esse índice é superior ao docarvão mineral e similar ao do gásnatural e ao da eletricidade. Nos paísesem desenvolvimento, essa parcelaaumenta para 34%, chegando a 60%na África.

Hoje, várias tecnologias deaproveitamento estão em fase dedesenvolvimento e aplicação. Mesmo

assim, estimativas da AgênciaInternacional de Energia (IEA) indicamque, futuramente, a biomassa ocuparáuma menor proporção na matrizenergética mundial. Outros estudosmostram que, ao contrário da visãogeral, o uso da biomassa deverá semanter estável ou até mesmo aumentar,devido a duas razões, a saber:crescimento populacional; urbanização emelhoria nos padrões de vida.

Um aumento nos padrões de vidaleva pessoas de áreas rurais e urbanasde países em desenvolvimento a usarmais carvão vegetal e lenha, em lugar deresíduos (pequenos galhos de árvore,restos de material de construção, etc.).Ou seja, a urbanização não conduznecessariamente à substituição completada biomassa por combustíveis fósseis. Aprecariedade e falta de informaçõesoficiais sobre o uso da biomassa parafins energéticos deve-se, principalmente,aos seguintes fatores:

• Trata-se de um energéticotradicionalmente utilizado em paísespobres e setores menos desenvolvidos;

• trata-se de uma fonte energéticadispersa, cujo uso tradicional é muitoineficiente;

• uso tradicional da biomassa parafins energéticos é indevidamenteassociado a problemas dedesflorestamento e desertificação.

Contudo, essa imagem relativamentepobre da biomassa está mudando,graças aos seguintes fatores:

• Esforços recentes de mensuraçãomais acurada de seu uso e potencial,por meio de novos estudos,demonstrações e plantas piloto;

• uso crescente da biomassa comoum vetor energético moderno (graçasao desenvolvimento de tecnologiaseficientes de conversão), sobretudo empaíses industrializados;

• reconhecimento das vantagensambientais do uso racional da biomassa,

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – número 228

essencialmente no controle das emissõesde CO2 e enxofre.

No Brasil, além da produção deálcool, queima em fornos, caldeiras eoutros usos não-comerciais, a biomassaapresenta grande potencial no setor degeração de energia elétrica. Os setoressucroalcooleiro e de papel e celulosegeram uma grande quantidade deresíduos, a qual pode ser aproveitadana geração de eletricidade,principalmente em sistemas decogeração. A produção de madeira, emforma de lenha, carvão vegetal ou torastambém gera uma grande quantidadede resíduos, que pode, igualmente, seraproveitada na geração de energiaelétrica.

O aproveitamento da biomassa podeser feito pela combustão direta (com ousem processos físicos de secagem,classificação, compressão, corte/quebra,etc.), processos termoquímicos(gaseificação, pirólise, liquefação etransesterificação) ou processos

biológicos (digestão anaeróbia efermentação). A Figura 1 apresenta osprincipais processos de conversão dabiomassa em energéticos.

GERAÇÃO DE ELETRICIDADE APARTIR DE BIOMASSAEmbora ainda muito restrito, o uso de

biomassa para a geração de eletricidadetem sido objeto de vários estudos eaplicações, tanto em países desenvolvidoscomo em países em desenvolvimento.Entre outras razões estão a busca defontes mais competitivas de geração e anecessidade de redução das emissões dedióxido de carbono.

Na busca de soluções para esses eoutros problemas subjacentes, asreformas institucionais do setor elétricotêm proporcionado maior espaço para ageração descentralizada de energia

elétrica e a cogeração (produçãocombinada de calor útil e energiamecânica).

Embora seja difícil avaliar o pesorelativo da biomassa na geração mundialde eletricidade, por conta da falta deinformações confiáveis, projeções daAgência Internacional de Energia indicamque ela deverá passar de 10 TWh em1995 para 27 TWh em 2020.

No Brasil, a biomassa representa cercade 20% da oferta primária de energia. Aimensa superfície do território nacional,quase toda localizada em regiões tropicaise chuvosas, oferece excelentes condiçõespara a produção e o uso energético dabiomassa em larga escala. Apesar disso, odesmatamento de florestas naturais vemacontecendo por razões essencialmentenão-energéticas, como a expansão dapecuária extensiva e da agriculturaitinerante.

Segundo dados do Balanço EnergéticoNacional de 1999, a participação dabiomassa na produção de energia elétricaé resumida em 3%, dividida entre obagaço de cana-de-açúcar (1,2%), osresíduos madeireiros da indústria depapel e celulose (0,8%), resíduosagrícolas e silvícolas diversos (0,6%) e alenha (0,2%).

Contudo, a conjuntura atual do setorelétrico brasileiro sinaliza um novo quadropara a biomassa no país. Entre outrosmecanismos de incentivo ao uso dabiomassa para a geração de energiaelétrica, destaca-se a criação do ProgramaNacional de Incentivo às FontesAlternativas de Energia Elétrica – PROINFA–, instituído pela Medida Provisória n. 14,de 21 de dezembro de 2001. Esseprograma tem a finalidade de agregar aosistema elétrico brasileiro 3.300 MW depotência, instalada a partir de fontesalternativas renováveis, cujos prazos eregras estão sendo definidos eregulamentados pela Câmara de Gestãoda Crise de Energia Elétrica – GCE – eFonte: Elaborado a partir de MME, 1982

Figura 1 – Diagrama esquemático dos processos de conversão energética da biomassa

dezembro 2005 29

pelo Ministério de Minas e Energia –MME, com a colaboração de outrasinstituições, entre elas a ANEEL e aEletrobrás.

Os principais mecanismos de incentivoprevistos no PROINFA são a garantia decompra, por um prazo de até 15 anos,da energia gerada, e o estabelecimentode um valor de referência compatível comas características técnico-econômicas doempreendimento. Entre outros incentivos,destaca-se a redução não-inferior a 50%nos encargos de uso dos sistemas detransmissão e distribuição de energiaelétrica.

No que diz respeito à biomassa,particularmente, está sendo elaboradopelo MME e pela GCE um programa deincentivo específico, com a finalidade deagregar ao sistema elétrico nacional, atédezembro de 2003, 2.000 MW degeração de energia elétrica a partir debiomassa. Além dos incentivos previstospelo PROINFA, deverá haver umprograma de financiamento com taxas dejuros reduzidas e prazos de carência eamortização coerentes com a naturezados investimentos.

Além disso, a ANEEL tem estimulado eprocurado regulamentar o uso dabiomassa na geração de energia elétrica.Entre outras ações, destaca-se a definiçãode regras para a entrada de novosempreendedores, particularmente

autoprodutores e produtoresindependentes, levando em consideraçãoas peculiaridades e custos desse tipo degeração em sistemas elétricos isolados einterligados.

COGERAÇÃOCogeração é um vocábulo de origem

americana empregado desde os anos 70para designar a geração simultânea decalor e trabalho (energia mecânica/elétrica). Nas unidades de cogeração, ocalor e o trabalho são produzidos a partirda queima de um único combustível,com a recuperação de parte do calorrejeitado, qualquer que seja o ciclotermodinâmico empregado.

Dessa forma trata-se de um processode geração de energia mais eficiente doque simplesmente a geração de energiaelétrica, pois a partir da cogeraçãoocorrem dois produtos. Em conseqüênciaimediata da maior eficiência, tem-se amenor emissão de poluentes, desde queseja utilizado o mesmo combustível.

É uma tecnologia conhecida eempregada desde o início do século 20,porém, com o passar dos anos, foiperdendo a importância (meados dosanos 70) e a partir da década de 80 foirecuperando sua posição devido àstendências de desregulamentação do

setor elétrico em alguns países e àadoção de políticas de racionalização douso da energia. No final dessa décadapassou a ser valorizada também pelaminimização dos impactos ambientais,com redução das emissões globais deCO2 (o sistema consome quantidademenor de combustível, comparado comos sistemas convencionais) e pela maiorpossibilidade de emprego decombustíveis renováveis, como abiomassa.

Devido às limitações econômicas dosetor elétrico, dependente da participaçãodo capital privado, a cogeração seapresenta como uma opção interessantena contribuição à oferta de energiaelétrica, permitindo a geraçãodescentralizada, com unidades menores,mais flexíveis, próximas aos centros deconsumo, além de serem sistemas maiseficientes e menos poluentes.

As tecnologias de cogeração podemser separadas em dois grandes grupos,de acordo com a ordem relativa degeração de potência e calor: os ciclostopping (Figura 2) e os ciclos bottoming(Figura 3).

Nas tecnologias que operam segundoo ciclo topping, os gases de combustão auma temperatura mais elevada sãoutilizados para geração de eletricidade oude energia mecânica. O calor rejeitadopelo sistema de geração de potência é

Figura 3 – Sistema de cogeração tipo bottomingFonte: VELASQUEZ (2000)

Figura 2 – Sistema de cogeração tipo toppingFonte: VELASQUEZ (2000)

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – número 230

utilizado para atender aos requisitos deenergia térmica do processo; assim, essamodalidade de cogeração produz energiaelétrica ou mecânica para depoisrecuperar calor, fornecido geralmente naforma de vapor para o processo(podendo também fornecer água quenteou fria e ar quente ou frio). Essa é aconfiguração mais comum dos processosde cogeração.

As tecnologias que operam segundo ociclo bottoming envolvem a recuperaçãodireta de calor residual (quenormalmente é descarregado naatmosfera), para a produção de vapor eenergia mecânica ou elétrica (em turbinasde condensação e/ou contrapressão).Nesse tipo de tecnologia, primeiro aenergia térmica é usada no processo, eentão a energia dos gases de exaustão éutilizada para a produção de energiaelétrica ou mecânica.

Apenas os ciclos topping podemfornecer real economia na energiaprimária, pois a maioria das aplicaçõesdos processos requer vapor de baixapressão, convenientemente produzidoneste ciclo.

A produção de eletricidade em umciclo a vapor, de forma geral, é feita pormeio do ciclo de Rankine tradicional comturbina a vapor, o que corresponde auma tecnologia em uso comercial há maisde 100 anos.

SETOR SUCROALCOOLEIROO setor sucroalcooleiro no Brasil

possui 377 usinas cadastradas noMinistério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento; destas, 272 unidadesestão localizadas na região Centro-Sul. Oestado de São Paulo possui o maiornúmero de usinas; no total são 165unidades produtoras.

O mercado sucroalcooleiromovimenta em torno de R$ 12,7 bilhões

por ano, entre faturamentos diretos eindiretos, o que corresponde a 2,3% doPIB brasileiro, sendo responsável poraproximadamente 1 milhão deempregos diretos.

O estado de São Paulo é também omaior produtor de açúcar e álcool dopaís, produzindo cerca de 60% do totalnacional.

O período de safra na região Centro-Sul acontece entre os meses de maio enovembro, enquanto na região Norte-Nordeste o período é de dezembro aabril.

Bagaço de canaO bagaço de cana é um grande

empecilho nas usinas, pois é produzidoem grandes quantidades (30% dacana), ocupa grandes áreas e pode vir asofrer combustão espontânea. Por outrolado, possui grande porcentagem defibras, o que lhe concede boascaracterísticas combustíveis; por essemotivo, juntamente como fato de ser umcombustível gratuito, o bagaço de cana équeimado nas caldeiras visando àgeração de vapor para o processo.

Tecnologias para geração de eletricidadeA tecnologia utilizada na indústria

sucroalcooleira é baseada no cicloconvencional de vapor (ciclo Rankine),usando-se, em grande parte, o bagaçode cana, in natura, com 50% deumidade, para a queima em caldeirasque produzem vapor com pressão de21 kgf/cm2 e temperatura de 300 ºC emmédia. Esse vapor aciona uma turbinaacoplada a um gerador, produzindoparte da energia elétrica necessária parasua operação.

O vapor gerado pela caldeira não éusado, exclusivamente, para a geraçãode energia elétrica, porque também éempregado como fluido de trabalhopara equipamentos de preparação,moagem da cana e para utilização no

processo industrial. Esse tipo de utilizaçãodo vapor é chamado de cogeração.

Aspectos socioeconômicos e ambientais– Geração descentralizada, próxima

aos pontos de carga: em particular, nasregiões Sudeste e Centro-Oeste ocorredurante o período de baixahidraulicidade, podendo complementarde forma eficiente a geração hidrelétrica.A cogeração de eletricidade poderiacolaborar com esse objetivo,fornecendo esta às regiões ruraispróximas às usinas/destilarias. Com umaeletrificação rural, poderiam seroferecidas melhores condições de vidaàquela população, colaborando parafixar o trabalhador no campo ereduzindo o êxodo rural.

– Utilização de mão-de-obra na zonarural: a geração de empregos éparticularmente importante. Naagroindústria canavieira, a mão-de-obrarepresenta 48% do custo total deprodução.

– Combustível limpo e renovável: aqueima de energéticos oriundos dacana-de-açúcar apresenta balanço decarbono nulo, pois o carbono emitidopela combustão desses materiais éabsorvido e fixado pela cana-de-açúcardurante seu crescimento. No entanto, aqueima desses combustíveis emiteóxidos de nitrogênio; isto ocorre porqueo nitrogênio faz parte da constituiçãoquímica dos vegetais. Esse problemapode ser reduzido aplicando-selavadores de gases e filtros, já disponíveiscomercialmente no país.

SETOR DE PAPEL E CELULOSEO setor de produção de papel e

celulose se caracteriza por um processoprodutivo que apresenta uma excelenterelação entre as demandas deeletricidade e de calor (vapor) para

dezembro 2005 31

efeito de cogeração, além da geração deum combustível importante; intrínseco aoprocesso – o licor negro.

Além do licor negro (o efluentecombustível inerente ao processo, comum poder calorífico em torno de 13.400kJ/kg), produzido a uma taxa entre 1,0 e1,4 kg de licor concentrado por quilo decelulose, o setor conta com outrosinsumos energéticos agregados comocascas, lascas e resíduos de madeira, ecavacos de lenha, utilizados comocombustíveis complementares paraatender às necessidades energéticas doprocesso.

O sistema de cogeração utilizado naplanta de uma indústria de papel ecelulose é composto de turbina a vaporde condensação com duas extraçõespara atender às demandas térmicas doprocesso.

Em um sistema de cogeração, o vaporé gerado pela queima de licor negro nacaldeira de recuperação química, e deresíduos de madeira e lenha emcaldeiras do tipo leito fluidizado (esteúltimo, quando necessário para suprir ademanda de vapor no processo).

O processo de produção de celulosedemanda vapor a ser utilizado,sobretudo, nos secadores e digestores evapor de baixa pressão empregados nosevaporadores, entre outros setores.

A central de utilidades recebe daplanta industrial a lixívia e os resíduos/cascas de madeira, queimados emcaldeira de recuperação e leito fluidizado,respectivamente, gerando vapor de altapressão, que aciona o sistema decogeração fornecendo energia elétrica,vapor de média e de baixa pressão parao processo de fabricação.

Aspectos socioeconômicos e ambientaisO segmento de celulose e papel gera,

hoje, cerca de 130 mil empregos, seforem considerados os de naturezadireta e indireta. Mas a relevante

contribuição social do segmento não éclaramente representada por essaimagem, e sim pelos valores de impostosarrecadados anualmente e por seusbenefícios socioeconômicos, observadosnas regiões as quais cercam os setoresdas empresas (florestal, industrial,comercial, etc.).

Dando seguimento aos aspectossociais, não pode ser deixado de ladoavaliar a relação existente entre ainstalação da unidade produtora depapel e celulose e o desenvolvimentolocal. A maioria das unidadesprodutoras, no Brasil, localiza-se próximaà sua área de reflorestamento, levandoem conta os altos custos de extração etransporte que seriam gerados, casosuas fábricas ficassem localizadas agrandes distâncias de seusreflorestamentos, provocando, assim, umfenômeno de descentralização e fugados grandes centros urbanos.

Tal descentralização, dentro dosegmento de papel e celulose, exerceum papel de suma importância, poisconsegue obter bons índices dedesenvolvimento regionais, gerandoempregos e construindo uma estruturapara suportar as necessidades docrescimento da região.

O tema meio ambiente é um assuntode grande importância e preocupaçãopara as indústrias produtoras de papel ecelulose, visto que sua matéria-primabásica é fornecida diretamente daexploração controlada de madeira,respeitando leis e normas ambientaisrigorosas. Como principais aspectosambientais do segmento de papel ecelulose, destacam-se:

• Reflorestamento: No Brasil, asprincipais matérias-primas utilizadas pelosegmento de papel e celulose são oeucalipto e o pinus. O setor conta comem torno de 1,4 x 106 hectares dereflorestamentos próprios, principalmenteeucalipto (69,2%) e pinus (29,3%),

sendo o restante de outras espécies. Aprodução de celulose é, exclusivamente,feita a partir de madeira oriunda deflorestas plantadas, nas quais seincorporam modernas técnicas desilviculturas e de manejo florestalsustentável.

• Reciclagem: Como um rótuloecológico importante, a reciclagem dopapel carrega consigo um apelo, nãosomente ambiental, mas sim umasolução para a diminuição ou “controle”de aterros sanitários e também umasolução financeira para algumas pessoasque dependem da coleta seletiva parasobreviver. A indústria de papel ecelulose, tendo como principal matéria-prima a madeira e gerando resíduosorgânicos em seu processo, é um forteexemplo de utilização da biomassacomo uma alternativa energéticaambiental.

• Lixívia: A lixívia (licor negro), umresíduo inevitável do processo defabricação da celulose, altamente tóxico epoluente, comporta inúmeras vantagensem sua recuperação. Nela estãopresentes todos os produtos químicosutilizados no processo “sulfato” defabricação de celulose, e, se não fosseutilizada como combustível, na caldeirade recuperação (com a finalidade derecuperar esses produtos químicos egerar vapor), deveria ser descartada comelevados impactos ambientais em rios,lagos e lençóis freáticos. Como exemplo,o fato ocorrido em março de 2003 naIndústria de Papel Cataguases, ondetoneladas de licor negro poluíram abacia do rio Paraíba do Sul.

BIODIESELA idéia da utilização de óleos vegetais

em motores a combustão é quase tãoantiga quanto a própria invençãodestes. Há mais de 100 anos foram

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – número 232

Figura 4 – Processo de obtenção de biodieselFonte: Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – ABIOVE

realizados testes com óleos vegetais emmotores estacionários, sendo RudolfDiesel um empreendedor pioneironesse sentido. No entanto, apesar defazer o motor funcionar de modosatisfatório, os primeiros testes de longaduração revelaram que a utilização deóleos vegetais apresentava algunsinconvenientes. Além disso, com aredução do custo de prospecção dopetróleo e aumento da oferta doproduto, algumas frações derivadas dorefino do óleo cru mostraram-sebastante adequadas à utilização comocombustível em motores de combustãointerna. Assim, e com o passar dosanos, novos melhoramentos foramrealizados tanto no combustívelderivado do petróleo quanto no motorque o utilizava, levando aoesquecimento a idéia da utilização diretade óleos vegetais para esse fim. Aorigem das limitações ao usoautomotivo de óleos in natura estárelacionada com certas característicasintrínsecas aos óleos vegetais, tais comoalta viscosidade, composição em ácidosgraxos e presença de ácidos graxoslivres, assim como pela tendência queapresentam à formação de gomas porprocessos de oxidação e polimerização,durante sua estocagem ou combustão.No entanto, vários estudosdemonstraram que uma simples reaçãode transesterificação poderia dirimirmuito dos problemas associados àcombustão de óleos vegetais, tais comoa baixa qualidade de ignição, ponto defluidez elevado e altos índices deviscosidade e densidade específica,gerando um biocombustíveldenominado biodiesel, bastantecompatível com o óleo dieselconvencional. De modo geral, biodieselé definido como derivados monoalquiléster de fontes renováveis como óleosvegetais ou gordura animal, cujautilização está associada à substituição

de combustíveis fósseis em motores deignição por compressão interna(motores do ciclo Diesel).

Processo de produção de biodieselA transesterificação é um processo

químico que consiste da reação de óleosvegetais com um produto intermediárioativo (metóxido ou etóxido), oriundo dareação entre álcoois (metanol ou etanol)e uma base (hidróxido de sódio ou depotássio). Os produtos dessa reaçãoquímica são a glicerina e uma mistura deésteres etílicos ou metílicos (biodiesel). Obiodiesel tem características físico-químicas muito semelhantes às do óleodiesel e, portanto, pode ser usado emmotores de combustão interna, de usoveicular ou estacionário.

Fontes de matérias-primas para a produçãode biodiesel• Óleos Vegetais: Todos os óleos

vegetais, enquadrados na categoria deóleos fixos ou triglicerídicos, podem sertransformados em biodiesel: grão deamendoim, polpa do dendê, amêndoado coco de dendê, amêndoa do cocoda praia, caroço de algodão, amêndoado coco de babaçu, semente de girassol,baga de mamona, semente de colza,semente de maracujá, polpa de abacate,caroço de oiticica, semente de linhaça,semente de tomate, entre muitos outrosvegetais em forma de sementes,amêndoas ou polpas.

• Gorduras de Animais: Os óleos egorduras de animais possuem estruturasquímicas semelhantes as dos óleos

dezembro 2005 33

vegetais. Como moléculas triglicerídicasde ácidos graxos, também podem sertransformadas em biodiesel: o sebobovino, os óleos de peixes, o óleo democotó, a banha de porco, entre outrasmatérias graxas de origem animal.

• Óleos e Gorduras Residuais: Osóleos e gorduras residuais, resultantesde processamentos domésticos,comerciais e industriais: as lanchonetes eas cozinhas industriais, comerciais edomésticas, onde são praticadas asfrituras de alimentos; as indústrias nasquais processam frituras de produtosalimentícios, como amêndoas, tubérculos,salgadinhos, e várias outras modalidadesde petiscos; os esgotos municipais, ondea nata sobrenadante é rica em matériagraxa, é possível extrair-se óleos egorduras; águas residuais de processosde certas indústrias alimentícias, como asindústrias de pescados, de couro, etc.

Biodiesel no BrasilOs estudos e testes sobre

combustíveis alternativos e renováveis noBrasil não são recentes. Na década de20, o Instituto Nacional de Tecnologia(INT) já desenvolvia pesquisas nessadireção. Desde a década de 70, esseinstituto, com o Instituto de PesquisasTecnológicas (IPT) e com a ComissãoExecutiva do Plano da Lavoura Cacaueira(CEPLAC), vêm desenvolvendo pesquisasrelativas à utilização de óleos vegetaiscomo combustível, dentre as quaismerece destaque o DENDIESEL, baseadono óleo de dendê.

Em 1983, o governo federal,motivado pela alta nos preços depetróleo, lançou o Programa de ÓleosVegetais (OVEG), no qual foi testada autilização de biodiesel e misturascombustíveis em veículos quepercorreram mais de 1 milhão dequilômetros. É importante ressaltar queessa iniciativa, coordenada pela Secretariade Tecnologia Industrial, contou com a

participação do setor privado, comoinstitutos de pesquisa, indústriasautomobilísticas e de óleos vegetais,fabricantes de peças e produtores delubrificantes e combustíveis.

Embora tenham sido desenvolvidosvários testes com biocombustíveis, dentreos quais o éster etílico de soja puro e amistura 30% de éster etílico de soja e70% de óleo diesel (cujos resultadosconstataram a viabilidade técnica dautilização do biodiesel comocombustível) e realizadas diversastentativas para o desenvolvimento demercado para o produto, os elevadoscustos de produção em relação ao óleodiesel impediram seu uso em escalacomercial.

Com a elevação dos preços do óleodiesel e o interesse do governo federalem reduzir sua importação, o biodieselpassou a ser visto com maior interesse,levando o Ministério da Ciência eTecnologia a lançar o Programa Brasileirode Desenvolvimento Tecnológico doBiodiesel (Probiodiesel), em 30 deoutubro de 2002, pela PortariaMinisterial n. 702. Ele tem como objetivofomentar a produção e utilização dobiodiesel no país, de modo a atingir suaviabilidade técnica, socioambiental eeconômica. Na primeira fase, encerradaem 2003, foram testados o éster etílico emetílico de soja e etanol. Na fase II, quedeverá se estender até 2005, serãodesenvolvidas as cadeias produtivas dobiodiesel produzido a partir de outrosóleos vegetais e/ou óleos residuais. Oprograma prevê, para 2005, o usocomercial de misturas com 5% debiodiesel e 95% de óleo diesel (misturaB5), esperando-se para 2010 oaumento da participação do biodieselpara 10% (B10) e até 2020 para 20%(B20).

Além do Probiodiesel, há algunsprojetos de lei tramitando no Congresso,prevendo a inclusão do biodiesel na

matriz energética brasileira. Desses, cabedestacar o PL n. 6983/2002, o qualprevê a mistura de 5% de biodiesel nodiesel, a partir de janeiro de 2004, e15% a partir de 2006, e o PL n. 526/2003, que regulamenta o uso dobiodiesel no Brasil.

Aspectos socioeconômicos e ambientaisO biodiesel é um combustível

renovável e, portanto, uma alternativaaos combustíveis tradicionais, obtidos dopetróleo. Sua utilização traz uma série devantagens ambientais, econômicas esociais.

Em termos ambientais, uma das maisexpressivas vantagens trazidas pelobiodiesel refere-se à redução da emissãode gases poluentes. Estudos realizadospela Universidade de São Paulodemonstram que a substituição do óleodiesel mineral pelo biodiesel resulta emreduções de emissões de 20% deenxofre, 9,8% de anidrido carbônico,14,2% de hidrocarbonetos não-queimados, 26,8% de materialparticulado e 4,6% de óxido denitrogênio.

Os benefícios ambientais podem,ainda, gerar vantagens econômicas. Opaís poderia enquadrar o biodiesel nosacordos estabelecidos no Protocolo deKyoto e nas diretrizes dos Mecanismosde Desenvolvimento Limpo (MDL), jáque existe a possibilidade de venda decotas de carbono por intermédio doFundo Protótipo de Carbono (PCF), pelaredução das emissões de gasespoluentes e também créditos de“seqüestro de carbono”, por meio doFundo Bio de Carbono (CBF),administrados pelo Banco Mundial.

Outra vantagem econômica é apossibilidade de redução dasimportações de petróleo e dieselrefinado. Segundo estatísticas da AgênciaNacional do Petróleo (ANP), o consumobrasileiro de óleo diesel apresentou um

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – número 234

crescimento acumulado de 42,5%, noperíodo de 1992 a 2001. Para suprir ademanda crescente, foi necessárioaumentar o volume importado docombustível, de 2,3 milhões de m3, em1992, para 6,6 milhões de m3, em 2001.É importante destacar que, em 1992,8,5% do consumo brasileiro de óleodiesel era suprido via importações. Em2001, essa participação já havia saltadopara 16,5%. De acordo com a ANP,cada 5% de biodiesel misturado ao óleodiesel consumido no país representauma economia de divisas em torno deUS$ 350 milhões/ano.

O aproveitamento energético de óleosvegetais e a produção de biodiesel sãotambém benéficos para a sociedade,pois gera postos de trabalho,especialmente no setor primário. Outroaspecto positivo de sua utilização refere-se ao aumento da oferta de espéciesoleaginosas, as quais são um importanteinsumo para a indústria de alimentos eração animal, além de funcionaremcomo fonte de nitrogênio para o solo.

BIOGÁSAté há pouco tempo, o biogás era

simplesmente encarado como umsubproduto, obtido a partir dadecomposição anaeróbica (sempresença de oxigênio) de lixo urbano,resíduos animais e de lodo provenientede estações de tratamento de efluentesdomésticos. No entanto, o aquecimentoda economia nos últimos anos e asubida acentuada do preço doscombustíveis convencionais têmencorajado as investigações naprodução de energia, a partir de novasfontes alternativas e economicamenteatrativas, tentando, sempre que possível,criar formas de produção energética quepossibilitem a redução do uso dosrecursos naturais esgotáveis.

Diante do grande volume deresíduos provenientes das exploraçõesagrícolas e pecuárias, assim comoaqueles produzidos por matadouros,destilarias, fábricas de laticínios,tratamentos de esgotos domésticos eaterros sanitários, a conversãoenergética do biogás se apresentacomo uma solução a agregar ganhoambiental e redução de custos namedida em que reduz o potencialtóxico das emissões de metano, aomesmo tempo em que produz energiaelétrica.

Processo de formação do biogásO processo consiste na

decomposição do material pela ação debactérias (microrganismos acidogênicose metanogênicos). Trata-se de umprocesso simples, que ocorrenaturalmente com quase todos oscompostos orgânicos.

O tratamento e o aproveitamentoenergético de dejetos orgânicos(esterco animal, resíduos industriais,etc.) podem ser feitos pela digestãoanaeróbica em biodigestores, na qual oprocesso é favorecido pela umidade eaquecimento. Este é provocado pelaprópria ação das bactérias, mas, emregiões ou épocas de frio, pode sernecessário calor adicional, pois atemperatura deve ser de pelo menos35 °C.

Em termos energéticos, o produtofinal é o biogás, composto,essencialmente, por metano (50% a75%) e dióxido de carbono. Seuconteúdo energético gira em torno de5.500 kcal por metro cúbico.

Principais tecnologias de conversão dobiogásExistem diversas tecnologias para

efetuar a conversão energética dobiogás. Entende-se por conversãoenergética o processo que transforma

um tipo de energia em outro. No casodo biogás, a energia química contida emsuas moléculas é convertida em energiamecânica por um processo decombustão controlada. Essa energiamecânica ativa um gerador o qual aconverte em energia elétrica.

Não podemos esquecer demencionar o uso da queima direta dobiogás em caldeiras para cogeração e dosurgimento de tecnologiasremanescentes, porém atualmente nãocomerciais, como a da célula combustível.Mas as turbinas a gás e os motores decombustão interna do tipo “ciclo Otto”são as tecnologias mais utilizadas paraesse tipo de conversão energética.

Aspectos socioeconômicos e ambientaisO primeiro fator a ser analisado é o

da utilização de um gás combustível debaixo custo, uma vez que o biogás é umsubproduto de um processo dedigestão anaeróbica e, normalmente, édesprezado, ora emitido diretamente naatmosfera e agravando o impactoambiental por meio da emissão de gasesde efeito estufa, ora pela queima em“flares” para minimizar o impactoambiental.

Uma receita adicional pode sergerada pela venda do gás ou pelo usodo mesmo na geração de energiaelétrica. É importante salientar que, nocaso do tratamento de esgoto, o usodo biogás para geração de energiaelétrica possibilita a redução doconsumo de energia, enquanto, nocaso de um aterro sanitário, possibilita avenda da energia elétrica gerada à rede.

A emissão do biogás para aatmosfera provoca impactos negativosao meio ambiente e à sociedade, poiscontribui para o agravamento do efeitoestufa pela emissão de metano (CH4)na atmosfera (o impacto do metano é24 vezes maior que o do dióxido decarbono (CO2), provocando odores

dezembro 2005 35

desagradáveis pela emissão de gasesfétidos e tóxicos, sobretudo pelaconcentração de compostos de enxofrepresentes no gás, além de umapequena, mas não-desprezível,presença de bactérias responsáveis peladigestão anaeróbica dos resíduosorgânicos. A presença do metano nobiogás sugere que o mesmo sejaqueimado em “flare”, por exemplo, paraque seja convertido para dióxido decarbono (CO2) pelo processo decombustão, com o objetivo deminimizar o impacto ambientalprovocado pela emissão de gases deefeito estufa.

O aproveitamento energético dobiogás, gerado pela digestão anaeróbicade resíduos, contribui com a preservaçãodo meio ambiente e também trazbenefícios para a sociedade:

• Promove a utilização oureaproveitamento de recursos“descartáveis” e/ou de baixo custo (obiogás é considerado como um gásresidual de processo);

• colabora com a não-dependênciade uma única fonte de energia fóssil(oferecendo uma maior variedade decombustíveis);

• possibilita a geração descentralizadade energia (gerando-a em comunidadesisoladas);

• aumento da oferta de energia;• geração de empregos para pessoas

menos qualificadas;• reduz os odores e as toxinas do ar

que contribuem para a poluição do arlocal;

• diminui as emissões poluentes pelasubstituição de combustíveis fósseis;

• colabora para a viabilidadeeconômica dos aterros sanitários eestações de tratamento de esgoto,aumentando a viabilidade dosaneamento básico;

• reduz significativamente a emissãode gases efeito estufa.

CONSIDERAÇÕES FINAISO Brasil apresenta condições

favoráveis para se tornar uma grandepotência no que diz respeito a fontesrenováveis de energia, sobretudo abiomassa, dado os seguintes fatores:

– Vasta extensão territorial, propícia àagricultura alimentícia e possível de(re)florestamento;

– condições bioclimáticas e aexperiência atingida quanto ao trato eexploração florestal a permitirem aobtenção de produtividade quatro acinco vezes superiores às obtidas nospaíses de clima temperado(essencialmente os paísesdesenvolvidos);

– a existência de grandequantidade de biomassa disponível pelaexpansão da fronteira agrícola eimplantação de grandes projetos naregião Norte e a existência de excedentede bagaço de cana na indústriasucroalcooleira;

– o aprimoramento das tecnologiasde transformação e o surgimento denovas, possibilitando melhoresrendimentos.

Como conseqüência, os fatores acimaapresentados trazem alguns benefícios,dentre os quais citamos:

• incentivo à produção agrícola eflorestal, ambas em ascensão;

• incentivo ao desenvolvimento denovas tecnologias;

• geração de energia descentralizadae possibilidade de fornecimento deenergia excedente às concessionáriaslocais;

• geração de empregos na zona rural,diminuindo o êxodo para as grandesmetrópoles;

• desenvolvimento sustentável(qualidade de vida, transporte eenergia);

• menor emissão de poluentes naatmosfera;

• balanço de carbono praticamentenulo, o que incentiva a venda decréditos de carbono para os paísesdesenvolvidos.

A experiência nacional de geração deenergia a partir da biomassa tem maiortradição na indústria sucroalcooleira,mostrando-se plenamente viável sob ospontos de vista técnico, operacional eeconômico.

É recomendável, portanto, que asexperiências operacionais de geração deenergia elétrica com biomassa florestalna região Norte, como as dos sistemaseletricamente isolados e a dosreservatórios de usinas hidrelétricasconcretizem-se, possibilitando oaproveitamento de grande potencialflorestal o qual estará disponível nospróximos anos. No caso do bagaço decana, cuja experiência operativa seencontra mais aprofundada, requer-seincentivos institucionais, técnicos efinanceiros por parte do governo federala possibilitar a implantação de umprograma de cogeração na indústriasucroalcooleira.

Quanto ao aproveitamento dasextensas áreas reflorestáveis, recomenda-se programas pilotos que desenvolvam aexperiência florestal e tecnológica deusinas com alto rendimento energéticode modo a possibilitar, em um futuropróximo, a execução de programas degeração térmica da biomassa florestal deporte tal, que venham a contribuir com acomplementação do sistema hidrelétrico,principalmente nas regiões nas quais jáse vislumbra o esgotamento do potencialde recursos hídricos.

Considerando-se as alternativasapresentadas hoje e as perspectivas parao setor elétrico no Brasil, discute-se apotencialidade do uso de biomassa nasusinas termoelétricas já existentes. Ocusto de produção de MWh (nuclear,carvão ou óleo) é elevado em relação àshidrelétricas, apesar de apresentarem

Revista Brasileira de Ciências Ambientais – número 236

períodos de construção, no caso dastermoelétricas a óleo, de três anossomente. Foi considerada a possibilidadede operação de termoelétricas a bagaçode cana com operação em 11 meses/ano, ampliando-se a discussão sobre apossibilidade de trabalhar não só combagaço excedente, mas também com apalha da cana-de-açúcar, resíduosprovenientes do processo de fabricaçãode papel e celulose, e até mesmobagaço de laranja.

Energeticamente, as vantagens para opaís são devidamente atraentes.Lançando mão de uso de recursoslocais e renováveis, diminuindo-se apressão futura sobre o balanço depagamentos, com uma importação depetróleo compatível às receitas dasexportações e a despesa dasimportações totais, além deinternacionalizar a geração de benefícios.Afora isso, a remuneração das usinassucroalcooleiras, pelas noções de custoevitado, gera nova receita aosprodutores e transfere ao setor privado,que já produz álcool combustível,também a responsabilidade pela geraçãode energia, evitando a construção denovas centrais térmicas pelasconcessionárias de energia elétrica.Como autoprodutores, essas empresastambém economizariam na construçãode redes de transmissão de energia,com a eliminação das linhas detransmissão, pois o abastecimento seriaobtido da própria fonte.

Quanto à questão ambiental, aenergia da biomassa não apresenta

aspectos críticos com relação aoprocesso de conversão. Praticamente oúnico efluente a requerer controleespecífico em uma termoelétrica ématerial particulado dos gases decombustão. O uso de precipitadores oufiltros de mangas leva o nível deemissão desse poluente a valoresaceitáveis pelas legislações maisrigorosas.

O assunto mostra outra face quandose aborda o lado da obtenção docombustível. É inegável que paraalgumas situações o aproveitamento debiomassa pode ser extremamentebenéfico, como no caso de resíduosurbanos agrícolas e industriais (lixo,esgoto), evitando problemas com adisposição final.

Finalmente, entendemos que o usoda biomassa na geração de energiaelétrica constitui-se em uma das opçõesmais viáveis para a participação docapital privado, no atendimento daparcela do mercado de eletricidade noBrasil.

Algumas questões ficam no ar após arealização do trabalho:

1 – Como a prática da biomassa, tãoantiga e ambientalmente correta, pôdeser esquecida pela humanidade?

2 – Por que o combustível à base decana-de-açúcar (o álcool), nacional e detamanho valor de interdependênciaenergética, não se perpetuou comsucesso?

3 – O que se pode fazer para que aimplementação desses programas setornem ações definitivas e permanentes?

BIBLIOGRAFIAATLAS de Energia Elétrica do Brasil. Brasília, DF:Agência Nacional de Energia Elétrica. 2002.153 p.

COELHO, S. T. Mecanismos paraimplementação da cogeração de eletricidadea partir de biomassa. Um modelo para oestado de São Paulo. 1999. 278 p. Tese(Doutorado) – Escola Politécnica, Universidadede São Paulo, São Paulo, 1999.

COELHO, S. T; SILVA, O. C.; CONSÍGLIO, M.;PISETTA, M.; MONTEIRO, M. B. C. A.Panorama do potencial de biomassa no Brasil– Projeto BRA/00/029 – Capacitação do setorelétrico brasileiro em relação à mudançaglobal do clima. Brasília, DF: ANEEL – AgênciaNacional de Energia Elétrica, 2002. 80 p.

COSTA, D. F. Biomassa como fonte deenergia, conservação e utilização. 2002. 38 p.Monografia (Especialização). Instituto deEnergia / Escola Politécnica – Universidade deSão Paulo, São Paulo, 2002.

PARENTE, E. J. S. Biodiesel: Uma aventuratecnológica num país engraçado. Fortaleza:Tecbio Tecnologias Bioenergéticas Ltda, 2003.66 p.

VELÁZQUEZ, S. M. S. G. A cogeração deenergia no segmento de papel e celulose:Contribuição à matriz energética do Brasil.2000. 205 p. Dissertação (Mestrado) – EscolaPolitécnica, Universidade de São Paulo, SãoPaulo, 2000.

Visita à Unidade Fabril da Klabin Monte Alegre– Telêmaco Borba/PR.

Sites:www.cenbio.org.brwww.aneel.org.brwww.iee.usp.brwww.unica.com.br