enny parejo

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1 Enny Parejo Contribuições do desenvolvimento expressivo Contribuições do desenvolvimento expressivo Contribuições do desenvolvimento expressivo Contribuições do desenvolvimento expressivo- - - musical musical musical musical multimodal para o processo de formação do professor multimodal para o processo de formação do professor multimodal para o processo de formação do professor multimodal para o processo de formação do professor e sua prática pedagógica e sua prática pedagógica e sua prática pedagógica e sua prática pedagógica Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação-Currículo sob a orientação do Profº Dr. Marcos Masetto Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo - 2001

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Page 1: Enny Parejo

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Enny Parejo

Contribuições do desenvolvimento expressivoContribuições do desenvolvimento expressivoContribuições do desenvolvimento expressivoContribuições do desenvolvimento expressivo---- musicalmusicalmusicalmusical multimodal para o processo de formação do professor multimodal para o processo de formação do professor multimodal para o processo de formação do professor multimodal para o processo de formação do professor

e sua prática pedagógicae sua prática pedagógicae sua prática pedagógicae sua prática pedagógica

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação-Currículo sob a orientação do Profº Dr. Marcos Masetto

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo - 2001

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Banca Examinadora

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Dedico este escrito, Dedico este escrito, Dedico este escrito, Dedico este escrito,

Ao meu orientador, mestre e amigo Marcos Masetto que com Ao meu orientador, mestre e amigo Marcos Masetto que com Ao meu orientador, mestre e amigo Marcos Masetto que com Ao meu orientador, mestre e amigo Marcos Masetto que com delicada sutileza dedilhou as cordas do meu pensamento...delicada sutileza dedilhou as cordas do meu pensamento...delicada sutileza dedilhou as cordas do meu pensamento...delicada sutileza dedilhou as cordas do meu pensamento...

Ao mestre e amigo H.J.Koellreutter que revelou para mim o mistério, Ao mestre e amigo H.J.Koellreutter que revelou para mim o mistério, Ao mestre e amigo H.J.Koellreutter que revelou para mim o mistério, Ao mestre e amigo H.J.Koellreutter que revelou para mim o mistério, grandeza e significado da música...grandeza e significado da música...grandeza e significado da música...grandeza e significado da música...

A todos os meus alunos, de ontem e de hoje, com quem aprendo A todos os meus alunos, de ontem e de hoje, com quem aprendo A todos os meus alunos, de ontem e de hoje, com quem aprendo A todos os meus alunos, de ontem e de hoje, com quem aprendo

diariamente o que é necessário aprender e ensinardiariamente o que é necessário aprender e ensinardiariamente o que é necessário aprender e ensinardiariamente o que é necessário aprender e ensinar.

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RESUMORESUMORESUMORESUMO

A presente dissertação de Mestrado trata da fundamentação teórica de uma metodologia para a educação musical intitulada INICIACAO E SENSIBILIZACAO MUSICAL (ISM). O objetivo da pesquisa é desvelar as contribuições de ISM para o processo de formação de professores e para sua prática pedagógica. As contribuições e aplicações possíveis de ISM serão abordadas num enfoque abrangente que contemple não somente ao professor de música, mas também, e de forma especial, ao professor de qualquer campo do conhecimento. Nesse sentido, a metodologia de ISM não se apresenta apenas como uma proposta a partir da qual se possa repensar a educação musical mas também como estratégia de desenvolvimento humano o que lhe confere o caráter de ferramenta educacional. A introdução - Preâmbulo - descreve os pontos de mutação determinantes da gênese de ISM e apresenta o plano de pesquisa; o primeiro capítulo - Rapsódia - descreve a trajetória profissional da pesquisadora e da metodologia utilizada nas atividades pedagógicas, condensada em nove diferentes momentos, na Espanha, na Franca e no Brasil, de 1987 à atualidade; o segundo capítulo - Poema Sinfônico - insere a filosofia de trabalho de ISM num quadro filosófico amplo que toma por base a Teoria Geral dos Sistemas, o pensamento musical de H.J.Koellreutter e algumas contribuições das ciências cognitivas, fazendo a crítica do tecnicismo e do mecanicismo em música e educação; o terceiro capítulo - Tema e Variações - apresenta a síntese das entrevistas realizadas com nove participantes de cursos ministrados pela autora utilizando esta metodologia de trabalho e procura com base nas análises dos depoimentos levantar a contribuição de ISM para o processo de formação de professores; o quarto e último capítulo - Finale - apresenta conclusões sobre a pesquisa, as sugestões dos entrevistados para aprimoramento da metodologia de ISM e traça rumos futuros para a continuidade da pesquisa.

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ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT

My present Masters Paper brings to you the theoretical basis for a musical educational methodology called MUSICAL INICIATION AND SENSIBILIZATION – MIS. The main objective of my research is to unveil the contributions offered by the MIS to improve teachers’ education and their teaching. The MIS contributions and possible applications will be treated here in a very comprehensive way so that it will be useful not only to the teacher of music, but also and specially to all teachers of any field. Based on that the MIS will not only be a proposal, which will make it possible for all users to rethink the musical education, but it will also have an educational tool characteristic because it will be used as a human development strategy. The introduction - Preamble – describes the determining mutation aspects of the MIS genesis as well as the research plan. The first chapter – Rhapsody – describes the researcher’s professional career, as well as the methodology used in pedagogic activities, all condensed in nine different periods – in Spain, in France and in Brazil since 1987 to the present time. The second chapter – Symphonic Poem – inserts the MIS philosophy in a large philosophical picture that takes the General System Theory, H.J.Koellreutter musical thoughts and some contributions from the cognitive science as its basis and all at the same time criticizing the technicism and mechanicism of the musical education. The third chapter – Theme and Variations – presents a summary of interviews performed with nine members of courses given by this author, utilizing the MIS Methodology. These interviews aim to number the MIS contributions brought to teachers’ education. The last chapter – Finale – presents the research conclusions, suggestions given by the interviewees as their own contributions to the progress of the MIS Methodology and finally the continuity and future developments of the research.

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

I PREÂMBULOI PREÂMBULOI PREÂMBULOI PREÂMBULO................................................................................................................................................................................................................9

1. Pontos de Mutação 1.1 1984/São Paulo – Rolf Gelewski.....................10 1.2 1984/São Paulo – Koellreutter......................11 1.3 1989/ Lyon – Um choque sensorial.....................................................................................12 1.4 1991/Salzburg – Instituto Orff - Experiências holísticas do fazer musical.................................14 1.5 1991/Málaga – Curso de Verão para Professores –transformando teoria em prática...............16 1.6 1998/1999/São Paulo – Pensamento Sistêmico –contextualizando a filosofia de trabalho..........17 1.7 1999/2000/São Paulo – Vida Acadêmica –sistematizando a reflexão sobre a prática.............19 2. Origem do Problema.............................................................................................................20 2.1 Justificativa....................................................................................................................22 2.1.1 Novas visões de mundo, ser humano e educação..............................................................22 2.1.2 Iniciação e Sensibilização Musical: uma metodologia para os novos paradigmas.....................23 3. Metodologia de Pesquisa........................................................................................................25 3.1 Objetivos........................................................................................................................25 3.2 Plano de Pesquisa...........................................................................................................26 3,2,1 Escolha de um referencial teóricoe levantamento bibliográfico..........................................26 3.2.2 Pesquisa de campo....................................................................................................26 3.2.3 Caminhos da Pesquisa..............................................................................................28 II RAPSÓDIA............................................................................................30II RAPSÓDIA............................................................................................30II RAPSÓDIA............................................................................................30II RAPSÓDIA............................................................................................30 1. Descrição da Trajetória ........................................................................................................31 1.1 I Episódio – Málaga/1987 - Oficina “MUSICALIZAR- El niño y la vivência musical”......31 1.2 II Episódio – Andaluzia/1987/88 – Jornadas de Renovación Pedagógica....................33 1.3 III Episódio – Málaga/1988/89 – Aula Permanente de Pedagogia Musical................34 1.4 IV Episódio – Málaga/1989 - Iniciación y Sensibilización Musical (obra não editada).....37 1.5 V Episódio – Lyon/1991 – Iniciación y Sensibilización Musical en la Escuela General Básica............38 1.6 VI Episódio – São Paulo/1993;98 – Curso Iniciação e Sensibilização Musical Pré-escolar.............................41 1.6.1 Percepções dos participantes do curso................................................................43 1.6.2 Síntese dos aspectos citados............................................................................46 1.7 VII Momento –São Paulo/1998 - Curso Iniciação e Sensibilização Musical na Escola..45 1.7.1 Percepções dos participantes do curso................................................................49 1.7.2 Síntese dos aspectos citados............................................................................52 1.8 VIII Momento – São Paulo/1993/98 - Oficina Voz, Som e Movimento.....................52 1.9 IX Momento – São Paulo/2000 - Curso Iniciação e Sensibilização Musical Pré-escolar..54

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2. Síntese da Evolução Metodológica...............................................................................55

III POEMA SINFÔNICO..............................................................58III POEMA SINFÔNICO..............................................................58III POEMA SINFÔNICO..............................................................58III POEMA SINFÔNICO..............................................................58 1. O Contexto..............................................................................................................59 2. Uma visão sistêmica de mundo......................................................................................63 2.1 Contribuições aa ciência para a transformação social...................................................67 2.2 Consequências do pensamento atomo-mecanicista na pedagogia musical............................67 3. Superando as contradições da visão mecanicista de mundo em música e educação....................72 3.1 Um universo relacional...........................................................................................72 3.2 Um universo não-fragmentário................................................................................74 3.3 Um universo em movimento.....................................................................................77 4. Visão Sistêmica da Metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical..............................79 4.1 A Escuta Musical..............................................................................................80 4.2 Expressão Musical e Interação no Grupo................................................................84 4.3 O Corpo na Educação Musical...........................................................................88 4.3.1 Histórico..................................................................................................88 4.3.2 Corpo e formas de Escuta na Educação Musical............................................89 4.3.3 Movimento corporal: da Emoção à Cognição..................................................92 4.3.4 Conclusões.................................................................................................97

IV TEMA E VARIAÇÕES..........................................................99IV TEMA E VARIAÇÕES..........................................................99IV TEMA E VARIAÇÕES..........................................................99IV TEMA E VARIAÇÕES..........................................................99 1. Tema.......................................................................................................................100 2. Variações................................................................................................................100 3. Falas dos participantes................................................................................................101 3.1 Prazer e alegria....................................................................................................101 3.2 Sentimentos generalizados de bem-estar, emoção........................................................102 3.3 Transposição de apremdizagens humanas do curso para a vida.......................................103 3.4 Trabalho da personalidade e aspectos terapêuticos diversos...........................................108 3.5 Mudanças na prática reflexiva e pedagógica..............................................................113 V FINALE.........................................................................................120V FINALE.........................................................................................120V FINALE.........................................................................................120V FINALE.........................................................................................120

1. Reafirmando a tonalidade principal da obra...................................................................122 2. Sugestões dos entrevistados........................................................................................124 3. Portais...................................................................................................................126 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................128 ANEXOS

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Anexo I...............................................................................................................130 Anexo II..............................................................................................................131 Anexo III.............................................................................................................132 Anexo IV...........................................................................................................133 Anexo V............................................................................................................134 Anexo VI...........................................................................................................135 Anexo VII..........................................................................................................136 Anexo VIII.........................................................................................................137 Anexo IX...........................................................................................................138 Anexo X.............................................................................................................139 Anexo XI............................................................................................................142 Anexo XII...........................................................................................................148 Anexo XIII..........................................................................................................153 POSTLUDIO....................POSTLUDIO....................POSTLUDIO....................POSTLUDIO...............................................................................................................161...........................................................................................161...........................................................................................161...........................................................................................161

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PREÂMBULOPREÂMBULOPREÂMBULOPREÂMBULO

Pontos de MutaçãoPontos de MutaçãoPontos de MutaçãoPontos de Mutação

O Preâmbulo ou Prelúdio é uma peça instrumental que serve de introdução a uma série de outras peças musicais.

Os prelúdios tinham a função de preparar o instrumentista para atuar, facilitar a afinação do

instrumento e introduzir o ouvinte ao ambiente sonoro da obra. Alguns compositores, fizeram dos prelúdios peças

independentes e significativas em si mesmas.

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1. PONTOS DE MUTAÇÃO1. PONTOS DE MUTAÇÃO1. PONTOS DE MUTAÇÃO1. PONTOS DE MUTAÇÃO

1.1 19841.1 19841.1 19841.1 1984 ----São PauloSão PauloSão PauloSão Paulo Rolf GelewskiRolf GelewskiRolf GelewskiRolf Gelewski –––– aprendendoaprendendoaprendendoaprendendo a ouvira ouvira ouvira ouvir

“Na verdade, ouvir é uma atividade do silêncio, uma vivência da

concentração, um abandono-de-si e gesto puro de entrega; e portantoseria necessário silenciar-se e concentrar-se, abandonar seu ego e se entregar para saber ouvir: e quem de nós está tão pronto? “ 1

R.Gelewski

Um dia, aos vinte anos, em 1981, fui convidada por um amigo para assistir a uma “palestra” sobre um método de percepção musical. Eu não sabia bem do que se tratava. Chegamos, não vi um auditório, nem cadeiras, parecia mais uma sala de aula de dança. A palestrante entrou, usava trajes soltos, largos, desencaixados no corpo, sorria muito. Sentamos no chão, achei estranho.

Depois de dezessete anos estudando música, foi aquela a primeira vez que ouvi

música... Eram estratégias loucas para se acercar ao fenômeno sonoro. Movemo-nos pelo

espaço “empurrando nuvens”, tocamos nossos corpos e os dos outros participantes, procuramos ouvir música por várias partes do corpo. A experiência mais sensacional foi ouvir música como se esta me penetrasse pelos cabelos...a partir de um certo tempo de audição, era como se eu levitasse, a sensação era tão infinitamente boa que eu desejei que o tempo parasse e não se movesse mais dali. Soube depois que a pessoa era uma discípula de Rolf Gelewski e utilizava seu método ESTRUTURAS SONORAS I de percepção musical.

1 Rolf GELEWSKI, Estruturas Sonoras 1, pág. 10

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1.2. 1984 1.2. 1984 1.2. 1984 1.2. 1984 ---- São PauloSão PauloSão PauloSão Paulo H.J.KoellreutterH.J.KoellreutterH.J.KoellreutterH.J.Koellreutter iniciando a compreensão dos novos paradigmas, iniciando a compreensão dos novos paradigmas, iniciando a compreensão dos novos paradigmas, iniciando a compreensão dos novos paradigmas, na música e na vidana música e na vidana música e na vidana música e na vida

“ É necessário que a Arte se converta em fator funcional de estética e humanização do processo civilizador em todos os seus aspectos. Somente o ensino da música como arte

ambiental e socialmente funcional – e, portanto, enquanto arte aplicada a atividades extra-musicais, mas funcionais na sociedade- contribuirá para a consciência do homem e para o

desenvolvimento da população.”2

H.J.Koellreutter

Em 1984, conheci aquele que seria o meu Mestre nos estudos musicais: Hans Joachin Koellreutter, compositor e grande pedagogo musical alemão que vive no Brasil desde 1937. Em janeiro de 1985, fui para a Universidade Federal do Rio, fazer um curso intensivo de três semanas com ele. Koellreutter, com extrema facilidade, navegou por mares nunca dantes, por mim, navegados: dos valores quantitativos aos valores qualitativos em música, fazendo uma parada estratégica na análise sobre a influência do Positivismo e do Mecanicismo sobre nossas formas de compor e ensinar música; dali partiu para o oriente – India e Japão - onde ele viveu dez anos – então, através de seus relatos e de nossas comparações, suas análises se corporificaram na mais encantadora e holística síntese da cultura ocidental que já consegui vislumbrar, através da música. Íamos e voltavamos. Certa vez, na teoria da Gestalt ensinou-nos como suas leis também explicavam a linguagem musical; continuou pela física quântica, pela teoria da relatividade, e adentrou à sua própria estética, a Estética Relativista do Impreciso e do Paradoxal.

Um dia, Koellreutter iniciou o processo de audição de uma música de

Penderecki – esta sim, um oceano bravio para a minha percepção, de então. As referências não eram mais as da música tonal que eu conhecia. Por onde pegar essa música? Como entender uma música sem melodia, sem harmonia, sem padrões simétricos que se repetem? Então, nunca me esquecerei, ele foi realmente professor, no sentido mais humano da palavra. Através de repetidas audições, e das incursões insipientes que fazíamos, das nossas observações e perguntas, daquilo que a música nos parecia ser, ele foi construindo conosco uma compreensão daquela linguagem , daquele conhecimento, e tudo o que havia sido dito na teoria materializou-se ali. Koellreutter explicou-nos que havia uma dimensão fenomenológica da percepção musical e que em cada pessoa havia naturalmente os instrumentos para compreender: os significados de cada um. Estas vivências juntaram-se às outras, com o método Rolf Gelewski e pela primeira vez o OUVIR pareceu-me a experiência primordial 2 Hans Joachin KOELLREUTTER, Uma Sinfonia de Seres Humanos, Revista Educação, nº 207, pág. 5.

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da vida musical. Para mim foi impossível continuar sendo a mesma professora e a mesma pessoa depois desse curso, Porém, eu ainda levaria anos para compreender o sentido de todas estas experiências e para onde me conduziriam.

Enclausurada em minha perplexidade, sentia-me impotente e aquele homem mais

parecia um Deus; perguntava-me quase que temerosa: como vou digerir esse conhecimento maravilhoso? Onde me conduzirá a viagem?

1.3 1989 1.3 1989 1.3 1989 1.3 1989 ---- LyonLyonLyonLyon Um choque sensorialUm choque sensorialUm choque sensorialUm choque sensorial

“ ... o sentir é aquela comunicação vital com o mundo que o torna presente como lugar familiar de nossa vida. É a ele que o objeto percebido e o sujeito da percepção devem sua dimensão. Ele é o tecido intencional que o esforço de conhecimento procurará decompor.” 3

Merleau Ponty

Lyon...cidade intimista de uma beleza triste, cortada por dois rios, o Saône e o Rhône, o que faz com que parte da cidade se transforme numa “presqu’ile” (quase ilha). Do alto da colina de Fourviére, na qual fica o Conservatório e a Catedral, avista-se a cidade: a parte moderna, ao fundo; a região entre rios, escurecida pelos tetos e chaminés renascentistas; suas

encantadoras pontes; e do outro lado da colina, um teatro romano autêntico. As vezes, parece que o tempo parou em Lyon, antiga capital da seda, com seus desfiles medievais, sua calma tristonha,

suas tradições de cidade gastronômica. Em Lyon, sente-se a poesia materializada na arquitetura, nos recantos naturais, nas ruelas medievais, nos pequenos “Bistrôt”,

em Lyon é possível sentir saudade de um tempo não vivido...

Era talvez duas horas da madrugada. Eu estava num Piano Bar, em Lyon na França, era o meu trabalho: tocar piano. Havia uma festa brasileira, muita gente, muito barulho, muito cigarro. A areia que decorava o chão subia, misturava-se à fumaça, aos gritos, à música, à penumbra, ao movimento frenético de tudo e de todos. Sentia-me mergulhada num lago infernal.

3 Merleau PONTY, Phénomenologie de la Perception, pág. 16

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Era a hora do intervalo, sentada numa mesa, apoiei os cotovelos na mesa e segurei a cabeça com as duas mãos. Como iria sobreviver até o final?

Sem que eu percebesse, uma amiga chegou brincando, enfiou as duas mãos no meu

cabelo, num movimento fluente que partindo da minha nuca deslizou até a minha testa. Senti que meu corpo se desintegrava e que minhas células flutuavam por todo aquele espaço. Ao levantar a cabeça o local parecia iluminado e eu tinha a sensação de ver pequenos pontos cintilantes no ar. Virei abruptamente, não posso imaginar com que expressão e disse-lhe. O que você fez? !?... , ela me olhou entre perplexa e assustada e disse: Nada. Sorri, fiz um afago no ombro em seu ombro e fui até a porta. Respirando plenamente o frio ar da noite me perguntei: Meu Deus...o que ela me fez?!..

Este, com certeza, terá sido o momento sensorial mais importante da minha vida. Durante vários anos, tentei reproduzir essas experiências com alunos, em diversas

situações. Não funcionava bem, eu não entendia bem o porquê. Entendo bem agora que eu não havia compreendido o aspecto ritualístico da situação, não era apenas chegar e dizer: deitem-se, ouçam, sintam a música; mas sim, tratava-se de criar a situação, cuidadosamente, primorosamente para que se instalasse o espírito de relaxamento, concentração e sintonia entre as pessoas que a atividade exigia. Levei muito tempo para me dar conta de que não era apenas uma questão de criar ritualisticamente a situaçaõ adequada, era também necessário perceber que os espaços físicos, as situações em que as aulas eram ministradas eram completamente adversos ao estado de espírito que eu almejava: salas ruidosas, sólos frios, ásperos e muitas vezes sujos, excesso de móveis na sala, luz inadequada, aparelhos que mais pareciam radinhos de pilha. Hoje eu sei que para o que eu estava pretendendo, teria sido necessário romper com parte da gramática da escola, pelo menos com aquela referente ao uso de seu espaço físico e tempo, e isso não é nada fácil. Hoje, percebo também que aprendi a lidar com estas situações, adaptando espaços, otimizando os recursos existentes, ou simplesmente ignorando os problemas insolúveis.

No entanto, através desses questionamentos, percebi que eu mesma era o maior

problema: aquela tomada de consciência do ouvir musical como uma experiência profundamente sensível havia se transformado numa paixão, eu necessitava vivê-la novamente e fazer com que outros a vivessem. Nada sabia porém sobre como conduzir o fluxo do sentir , eu apenas sentia. Eu não dominava a delicadeza das atitudes, dos rituais, eu necessitaria aprender a tratar aquela aula como uma gueixa na cerimônia do chá, preparando suave e delicadamente o líquido precioso, medindo cada gesto, não permitindo que o fluxo de seus movimentos se rompesse onde quer que fosse, emocionando aos observadores com sua delicada forma de ser. Se além da paixão pela descoberta do sentir eu pudesse incorporá-lo a mim, aos meus gestos, ao meu movimento, à minha fala, ao meu deslocar pelo espaço, ao modo de tocar um corpo humano, haveria então a possibilidade de que outros, espelhando-se talvez em mim, conseguissem entender a importância da descoberta que eu estava fazendo. Eu era apenas o problema mais grave.

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1.4. 1991 1.4. 1991 1.4. 1991 1.4. 1991 ---- SalzburgoSalzburgoSalzburgoSalzburgo Instituto OrffInstituto OrffInstituto OrffInstituto Orff –––– experiências holísticas do fazer musicalexperiências holísticas do fazer musicalexperiências holísticas do fazer musicalexperiências holísticas do fazer musical

“ Creio que em todo homem há algo de artista... Esse algo pode ser sepultado ou desenvolvido...

Minha meta pedagógica sempre foi descobrir no homem este artista escondido e despertá-lo. ” 4

Carl Orff

Salzburg...uma sensação de que a qualquer momento se ouvirá o trotar de cavalos, em suas ruas de pedra, levando o pequeno Mozart... O instituto fica fora da cidade, numa bela área natural. Ao fundo, uma alameda estreita de terra, passa a frente de várias pequenas propriedades, pode-se ouvir vacas mugindo, riachos passando. A pequena estrada conduz a um majestoso castelo, tudo aquilo havia sido um burgo, em outros tempos. A noite, uma iluminação especial, leitosa, mágica,

ressalta a bela e imponente arquitetura da cidade, especialmente de sua parte à beira rio, parece um quadro. De Salzburg, levei essa impressão de nobreza e o cantar dos rios, muitas águas que dão às florestas em volta uma coloração verde musgo intensa, quase azul...recantos solitários,

cheios de mistério, de onde poderiam sair duendes...

Desde minha chegada à Europa, tive com frequência, oportunidades de conhecer a Pedagogia Musical Orff. Primeiramente, numa escola de música em Barcelona, em 1987, depois, no Conservatório de Madrid, no mesmo ano, e ainda, uma terceira vez no Instituto Orff de Salzburgo, em 1991. Esses cursos, e muito especialmente o último, seguindo os mesmos influxos de todos esses anos excepcionais, foi outro grande ponto de mutação na minha forma de ver a música. As experiências com a Pedagogia Musical Orff encontraram ressonância em mim, vinham de encontro às descobertas que eu estava fazendo, e viriam abrir as portas para uma atuação mais adequada aos meus propósitos em educação musical. Os cursos Orff foram extremamente importantes para minha formação, pois, neles eu me tornava aluna no sentido mais prático e vivencial

4 O, Fortuna.(vídeo) Ladbroke Productions. Inter Nationes. Salzbrug. 1995.

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possível, descobria coisas, me desconcertava com situações muito afastadas da minha experiência. Aprendi nesses cursos que o universo musical não era limitado, que havia a música de outros povos, que se fazia música e essa música existia – e como existia ! - também fora do ocidente. Percebi como, as vezes, a música se relacionava com as outras artes, de forma extremamente poética, em especial com o teatro, a pintura, a escultura, a poesia; outras vezes, essa integração se tornava lúdica, jocosa, brincalhona. Os professores do Orff Institut propunham as mais variadas estratégias, envolvendo a ludicidade, o imaginário e o inusitado das situações.

Orff foi um homem de muitas idéias e criações que frutificaram na ação de

pedagogos do mundo todo. Em 1924, criou com Dorotheé Gunther, em Munique, a Escola de Dança, Movimento e Música, inspirada nos mesmos princípios das pedagogias ativas emergentes no início do século XX. Desde o princípio, o corpo esteve sempre presente nesse tipo de educação musical, e hoje mais do que nunca. Através das práticas Orff, fui aprendendo a incluir a dimensão corporal que eu tanto almejava na minha prática como professora. Sua idéia de Música Elementar – tanto quanto as de Koellreutter sobre a música funcional- levaram-me à concepção da educação musical como uma atividade para todos.

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1.5. 1991/ julho 1.5. 1991/ julho 1.5. 1991/ julho 1.5. 1991/ julho ---- MálagaMálagaMálagaMálaga

Curso de Verão para professores Curso de Verão para professores Curso de Verão para professores Curso de Verão para professores –––– transformando teoria em práticatransformando teoria em práticatransformando teoria em práticatransformando teoria em prática

Málaga... cidade onde o sol nunca se põe... Há duas coisas encantadoras na cidade: a luz e o cruzamento de culturas. Málaga é vibrante como as cordas de uma guitarra andaluza!.. De todas as partes avista-se o castelo de Gibralfaro - herança moura - do alto do qual o mediterrâneo se

apresenta intensamente azul. Málaga recebeu, fenícios, mouros, hebreus, sua catedral, em construção por vários séculos, seus bairros típicos refletem essas presenças. O sol parece ser eterno, sua luz se amplifica nas casas brancas - o andaluz não concebe outra cor para as casas - tal e qual aprendeu com os árabes. Em volta da cidade, uma profusão de “pueblos blancos” – pequeníssimos povoados de

casinhas brancas em estilo árabe que parecem estar pendurados nas encostas das montanhas. Málaga dos olivais, dos tablados flamencos, das missas rocieras em trajes de “gitana”, “de la plaza de toros”,

dos tomates e dos pêssegos gigantes. Málaga da cor e do sol incandescentes...

Na primeira quinzena de julho de 1991, eu havia estado no Instituto Orff, em Salzburgo, como relatei acima. Esse curso desencadeou em mim um processo muito intenso e febril de criação. Após alguns dias na Áustria, comecei a desejar intensamente estar no Brasil, aplicando tudo aquilo. Estava cansada de receber informação, o contato com os brasileiros que ali estavam passou a me afetar psicológica e organicamente, de maneira que tive que sair antes do final do curso. Tirei uma semana de férias e fui para Málaga onde ministraria um curso de férias para professores. Este curso enquadrava-se num contexto muito maior de formação que ocorria naquele momento. De fato, as Jornadas de Renovación Pedagógica, na região de Andaluzia, objetivavam a preparação de professores de música para atuar na E.G.B.- Educación General Básica. Em 1992, a Espanha entraria para a CEE, os currículos escolares deveriam equiparar-se aos dos demais países integrantes. Não havia música na escola pública e o trabalho de capacitação era muito urgente.

Ao conhecer os participantes do curso, percebi pessoas angustiadas - como eu.

Estavam sendo submetidos a um processo rápido e rígido de formação, e não se sentiam capazes de, a partir daquelas experiências organizar o currículo para sua atividade cotidiana. Naquele fim de tarde, voltei para casa refletindo sobre o que haveria de ser feito nesse curso. Cheguei à conclusão que se teria que organizar em linhas muito gerais o currículo e selecionar os seus conteúdos, mas muito mais importante que isso, tanto para eles, quanto para mim, seria voltar a sentir música, voltar a fazer música, e realmente, não mais falar sobre ela ou refletir sobre ela. Naquele momento, todos nós necessitávamos de uma experiência musical qualitativa e sensorial, uma experiência que fosse inovadora, sensibilizante e criativa. Dessa maneira, correspondendo às necessidades de todos nós, esse curso tornou-se uma experiência única- conforme relatarei mais adiante- importantíssima para meu desenvolvimento pessoal e profissional ulterior, consolidando minha entrada no campo de uma pedagogia musical ativa, sensibilizante e, cada vez mais, integradora.

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1.6. 1998/1999 1.6. 1998/1999 1.6. 1998/1999 1.6. 1998/1999 –––– São PauloSão PauloSão PauloSão Paulo Pensamento SistêmicoPensamento SistêmicoPensamento SistêmicoPensamento Sistêmico contextualizando a filosofia de trabalhocontextualizando a filosofia de trabalhocontextualizando a filosofia de trabalhocontextualizando a filosofia de trabalho

“... - Você, eu, todos nós precisamos de uma nova visão de mundo e de uma ciência mais abrangente para nos apoiar. Há uma teoria surgindo agora que coloca todas as idéias ecológicas de que falamos numa estrutura científica coesa e coerente. Nós a chamamos de

teoria dos sistemas, dos sistemas vivos. - Como pode falar de uma árvore sem falar nas folhas ou raízes?

- Eu conseguiria, sem nem mencionar essas partes: um cartesiano olharia para a árvore e a dissecaria, mas aí, ele jamais entenderia a natureza da árvore... um pensador de sistemas veria as trocas sazonais entre a árvore e a terra , entre a terra e o céu. Ele veria o ciclo anual que é como uma grande respiração que a terra realiza com suas florestas, dando-nos o

oxigênio. O sopro da vida , ligando a terra ao céu e nós ao universo... “5 O Ponto de Mutação (diálogo do filme)

Em 1987, seguindo à indicação de Koellreutter, comecei a ler O Tao da Física de Fritjof Capra. Na época, a leitura já me pareceu fascinante, alguma coisa extraordinária estava sendo dita, muito embora eu ainda não pudesse compreendê-la, em toda extensão: a matéria não era mais feita das menores partículas que conhecíamos - elétrons, prótons e neutrons – a essência da matéria voltava a ser um enigma tão profundo quanto o era para os antigos gregos. Da leitura, parecia ser possível concluir que a essência da matéria finalmente era imaterial, a grande unidade de todos os seres e de todo o cosmos provinha de nossa origem comum. Um caminho novo principiava a existir unindo as concepções da física mais avançada com o misticismo milenar de várias civilizações. Era extraordinário!

No entanto, mais de dez anos se passaram antes que eu pudesse perceber de

forma mais clara o que tudo isso tinha a ver comigo e com a pedagogia musical. Continuei lendo a obra de Capra, primeiramente, O Ponto de Mutação e recentemente , A Teia da Vida. As duas obras fazem por um lado, a síntese do paradigma Cartesiano sob o qual evoluímos nos últimos trezentos anos e por outro lado, ilustram, através de exemplos em todos os campos do conhecimento, a

5 O Ponto de Mutação (vídeo). Dir.Bernt Capra. Cannes Home Video.

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necessidade urgente de transcendê-lo, tanto quanto anunciam o novo paradigma ecológico sob o qual possivelmente viveremos no século XXI.

O que tudo isso teria a ver com a pedagogia musical? A meu ver, tudo. Estamos chegando finalmente à possibilidade de conscientizar

os efeitos danosos que uma visão fragmentária dos processos educacionais, das instituições e, principalmente, do aluno podem produzir em nossa sociedade. A característica mais importante na forma cartesiana de pensar é a redução do todo às suas partes mecanicamente relacionadas, onde organismos, seres e a natureza funcionariam como uma perfeita máquina. Se tal pensamento foi útil para que a ciência avançasse em um determinado momento histórico, atualmente constitui um entrave à evolução e ao equilíbrio da humanidade. É necessário contextualizar os problemas da forma mais abrangente possível, é necessário conceber pessoas, instituições, países e a natureza como organismos onde todas as partes se inter relacionam e onde o todo é sempre mais do que a soma de suas partes. Evidentemente, tais idéias são inspiradoras e revolucionárias em educação, pois é necessário conceber o aluno em formação como mais do que a soma de aptidões intelectuais, sociais ou de outro tipo. O aluno não pode ser visto como uma máquina de aprender, o processo educacional e o de formação de professores não pode prescindir de uma visão desse todo onde efetivamente deve existir vida, organicamente construída.

Nesse momento, dispomos do arcabouço filosófico e científico necessários à uma

mudança profunda em nossas concepções sobre a educação. Como educadora, interpreto como uma missão, lutar por uma educação que integre o novo paradigma e sua forma sistêmica de pensar. A emergência desse pensamento em minha prática educacional é com certeza o mais profundo ponto de mutação em minha vida como um todo.

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1.7. 1999/2000 1.7. 1999/2000 1.7. 1999/2000 1.7. 1999/2000 –––– São PauloSão PauloSão PauloSão Paulo Vida Acadêmica Vida Acadêmica Vida Acadêmica Vida Acadêmica –––– sistematizando a reflexão sobre a práticasistematizando a reflexão sobre a práticasistematizando a reflexão sobre a práticasistematizando a reflexão sobre a prática

“... A pedagogia não é mais que reflexão aplicada o mais metodicamente possível às coisas da educação (...) restringir a parte da reflexão no ensino, é na mesma medida, dedicá-lo à imobilidade.”6 E. Durkheim

A entrada para a Pós-Graduação em Educação na PUC de São Paulo viria propiciar um novo encaminhamento para a minha atividade como formadora de professores. Se por um lado, nos últimos anos, eu já começava a adquirir a consciência - através das próprias demandas dos alunos- de que seria necessário transcender o empirismo de minhas práticas pedagógicas, por outro lado, não dominava o instrumental teórico e as ferramentas didáticas disponíveis para transformar isso em mim e nos professores com os quais vinha atuando.

O conhecimento de autores importantes do campo da Educação, tanto quanto a

vivência de atividades típicas da vida acadêmica- debates, dinâmicas para discutir textos em grupo, produção de textos e relatos de aula, entre outras- a tomada de consciência sobre a abrangência do currículo enquanto construção sócio-política, vieram a instrumentalizar-me, no último ano de trabalho, para que eu pudesse conduzir com os professores que estou formando, encaminhamentos teóricos mais fundamentados, no intuito de levá-los a refletir sobre sua prática curricular e suas práticas em sala de aula. Eu mesma passei a visualizar com muito maior clareza as implicações da elaboração curricular em música, introduzi nos meus cursos a noção de diagnóstico da situação de ensino/aprendizagem, e dessa maneira estou podendo contribuir para atender à demanda antiga dos professores de todos os níveis elementares: como organizar o currículo de educação musical infantil?

Essa é uma pergunta que sempre tentei responder. Percebi no programa de

Educação da PUC que minha concepção de currículo se baseava numa visão clássica e reducionista, como de rol de disciplinas. A percepção do currículo como um “artefato social e cultural” 7, vem se constituindo numa fonte nova de reflexões que já começam a alterar prática.

6 Emile DURKHEIM, l’Évolution Pédagogique en France, p. 12. 7 Antonio F. MOREIRA e Tomaz T. da SILVA (orgs.), Currículo, Cultura e Sociedade, p. 7

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2.2.2.2. ORIGEM DO PROBLEMAORIGEM DO PROBLEMAORIGEM DO PROBLEMAORIGEM DO PROBLEMA

Há dez anos, venho desenvolvendo uma metodologia de trabalho para a sensibilização musical de professores de música e educação infantil intitulada INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL.

A descoberta dessa metodologia é decorrência da aplicação aos professores de

conteúdos e procedimentos didáticos utilizados na educação musical infantil. Inicialmente, os cursos que eu ministrava reuniam atividades de sensibilização aplicáveis a crianças. A proposta era que os professores sentissem na prática, o efeito dessas atividades, no intuito de instrumentalizarem-se para uma prática pedagógica mais vívida, lúdica e eficiente. Estes cursos apresentavam ao professor “ um receituário” de atividades, repertórios musicais, sugestões didáticas e informações que ele deveria aplicar, segundo suas possibilidades, ao público infantil com o qual estivesse trabalhando.

Ao vivenciar atividades infantis, os professores resgatavam - sem qualquer

intencionalidade de minha parte- alguns aspectos esquecidos de suas vidas: o prazer do brincar, o jogo da imaginação, a utilização não convencional de seus corpos, vozes e do espaço, o se relacionar com o outro de forma mais íntima e afetiva. A cada curso terminado, eu tratava de recolher o mais detalhadamente possível, todos os dados das experiências vividas, na esperança ingênua de utilizá-los, tal e qual, no próximo curso. A dinâmica do processo sempre superou minhas expectativas, percebi que um curso nunca era igual ao outro, pois, as pessoas nunca eram as mesmas, e traziam consigo suas diferentes formas de sentir, ver o mundo e se relacionar. Passei a receber dos participantes dos cursos manifestações profundas de carinho e respeito pelo trabalho. Os relatos de suas experiências profissionais com base no que haviam feito comigo animaram-me a seguir nessa via.

Foi durante o tempo em que trabalhei na Espanha, 1987 a 1991, que ocorreu a

grande impulsão em direção a criar uma nova metodologia. O país preparava-se para entrar para a CEE e estava sendo promovida a equiparação curricular dos diferentes países. No caso da Espanha, a música era um dos problemas, pois, não constava do currículo oficial da E.G.B. (Escuela General Básica), e deveria passar a integrá-lo no breve tempo de quatro anos. Justamente nessa época, cheguei ao país e conheci uma das coordenadoras dos projetos que formavam às pressas e de forma confusa, os futuros professores de música. Tive dessa maneira a oportunidade de trabalhar num projeto diversificado de capacitação de professores: algumas vezes, o nível musical e cultural dos professores era apenas o mínimo necessário; outras vezes, me deparava com parte da elite de professores de música do país. Os cursos ocorriam nos mais variados locais de Andaluzia. A cada

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grupo, os problemas e necessidades eram diferentes. Enquanto isso, eu mesma tomava contato com novos métodos de pedagogia musical, interessando-me de forma especial, pela Pedagogia Musical Orff que influenciou bastante meu trabalho. O contato com os professores promovia significativas alterações da minha prática; o tempo todo, tinha que me moldar a eles. Esse processo rápido, dinâmico e extremamente diversificado alterou profundamente minha forma de ver a pedagogia musical.

No último ano de trabalho na Espanha, encontrei um grupo especial de

professores. Eram pessoas com pouca formação musical que estavam completamente exaustas das inúmeras formações musicais que vinham recebendo. Já haviam tomado contato com todos os métodos mais conhecidos, dispunham de um verdadeiro arsenal de informações, conteúdos e estratégias sem conseguir absolutamente perceber o que fazer com tudo aquilo. Numa análise rápida da situação, decidi apenas organizar aquele material com base em alguns conteúdos clássicos e essenciais da disciplina Educação Musical e propiciar àqueles professores, vivências musicais sensibilizadoras onde pudessem experimentar um pouco de tudo aquilo.

Tomei os seguintes eixos de ação: o PROCESSO DE OUVIR

MÚSICA; o MOVIMENTO CORPORAL EXPRESSIVO intrinsecamente ligado às músicas trabalhadas em audição e a IMPROVISAÇÃO VOCAL E INSTRUMENTAL. Esse curso tornou-se uma experiência musical extraordinariamente viva. Todos os dias, eu voltava ao hotel e passava horas escrevendo sobre as muitas coisas que aconteciam. O grupo, através das atividades de sensibilização, entrou em perfeita sintonia. A partir de um certo momento, todas as ações desse grupo entraram em fluxo, transformaram-se em experiências estéticas de criação coletiva. Fizemos a sonorização de um conto infantil que acabou se transformando numa verdadeira festa andaluza: os alunos trouxeram para a aula seus trajes típicos e incluíram uma dança no meio da história- a Sevillana. O fluxo de criação dos alunos passou a quase dispensar a existência de um professor. Em outra aula, estávamos trabalhando num pequeno padrão de improvisação instrumental que eu havia criado a partir de uma cadência harmônica típica da música andaluza, alguém começou a improvisar com a voz em cima dos padrões instrumentais, e todos começaram a fazer isso espontaneamente. Criou-se uma polifonia absolutamente espetacular que fez com que várias pessoas de outras partes do prédio viessem correndo ouvir e ver o que estava acontecendo. No último dia, fomos para um restaurante, propus que cantássemos alguma coisa ao final da refeição. Um deles achou mais interessante que eu fizesse um “discurso”; concordei, com a condição de que eles produzissem um “tapete” de sons vocais sobre o qual eu colocaria o discurso. Assim fizemos. Logo em seguida, um professor de literatura engatou uma poesia maravilhosa de Garcia Lorca e depois, cada pessoa foi fazendo a sua despedida, sempre através da fala de um poeta ou nas próprias palavras que se misturavam ao tapete das vozes, transformando aquela despedida num momento sensivelmente poético.

Esta seria uma experiência inesquecível, emocionante ainda, nove anos depois.

Através dela percebi que faltava agudamente alguma coisa no processo de formação de professores, alguma coisa muito profunda que eu só percebia de forma difusa e que naquele momento, não saberia

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que palavras usar para descrever. Faltava um prazer manifesto de fazer, sentir, viver; faltava beleza, dimensão estética; faltava afeto e relação qualitativa entre as pessoas; faltava percepção de si próprio, do grupo, do fenômeno musical vivente; faltava a pulsação da vida.

O mais fascinante nisso, foi adquirir a percepção de que através da experiência

musical algumas dessas carências poderiam ser supridas, donde o problema de minha pesquisa que, neste momento, posso materializar na seguinte questão:

Qual a contribuição que um desenvolvimento expressivo- musical multimodal pode trazer para o processo de formação do professor e sua prática pedagógica?

Entendo por desenvolvimento expressivo - musical multimodal, um conjunto de

atividades musicais que incluem a escuta e a expressão musical em suas várias vertentes: expressão da voz, do corpo e do imaginário; expressão através de instrumentos musicais e fontes sonoras diversas e expressão através da integração da música com outras linguagens artísticas ( desenho, teatro, dança e poesia). 2.1 Justificativa2.1 Justificativa2.1 Justificativa2.1 Justificativa

Novas visões de mundo, ser humano e educação

As carências citadas do processo de formação docente não são exclusivas desse processo, mas sim, refletem a visão de mundo que está começando a orientar nossas vidas. Estamos diante de um novo paradigma existencial, e dessa vez, não são os místicos e lunáticos que o anunciam, mas a própria ciência. As descobertas da ciência, no século vinte, e em especial aquelas ocorridas na Biologia, na Física quântica e na Astrofísica abalaram as concepções vigentes de mundo, vida e ser humano. Os cientistas perceberam atônitos que a existência da matéria era praticamente virtual, dependente de milhões de relações e interconexões entre partículas subatômicas, movendo-se a velocidades inimagináveis, em espaços de uma inconcebível amplitude para nossas percepções prosaicas da realidade que cristalizando-se em padrões de energia dão sustentação à vida. Uma teia de relações, como diria Fritjof Capra.

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O novo paradigma científico do século XX – que vem sendo denominado Paradigma Ecológico - oferece a mais bela e completa metáfora para se pensar os seres humanos e seus processos de inter-relação como totalidades integradas, onde as palavras de ordem passam a ser interconexão, interdependência e rede de conhecimento. Nesse mundo, já não faz sentido separar espírito e matéria, vida e morte, não faz sentido conceber o ser humano sem uma unidade indissociável de corpo, mente e espírito.

O impacto dessas idéias está pouco a pouco atingindo mais e mais pessoas, levando-

as a transcender o positivismo, o materialismo, o reducionismo de suas existências e a valorizar as relações pessoais, os valores humanos, a defesa do planeta, da beleza e da vida.

Vistas sob esse ângulo, algumas idéias e polêmicas correntes atualmente perdem o

sentido, como por exemplo, a questão de “transmitir o conhecimento” ou “construir o conhecimento” . Nesta ótica, transmitir ou construir conhecimento não é realmente importante o que importa é que o conhecimento torne-se vivo, prazeroso e significativo para professor e aluno. Outro exemplo, seria a questão da tomada de consciência e luta contra a hegemonia. Nas teorias críticas que vimos estudando, admite-se como armas na luta para a transformação da sociedade a educação, a crítica intelectualmente construída e a ação política. Não se admite, ou não se dá crédito, a uma transformação da sociedade via transformação profunda do indivíduo através do prazer de viver, sentir e criar, por exemplo. É nisso que eu acredito: são os indivíduos que decidem fazer transformações e unir-se a outros indivíduos que também desejam transformações. São indivíduos que procuram ser íntegros, conscientes e, sobretudo, esperançosos e alegres ao vislumbrarem as possibilidades de mudança. É pela transformação do indivíduo no nível mais sutíl e profundo que eu desejaria lutar.

Iniciação e sensibilização Musical: uma metodologia para os novos paradigmas

Na esteira das reflexões acima, abre-se espaço para uma nova concepção do que seja o conhecimento e das formas pelas quais pode ser apropriado. As descobertas de minha metodologia - criativas, estéticas, afetivas, sensoriais, emocionais e relacionais – inserem-se neste contexto. Fundamental para a compreensão dessa metodologia é explicitar, desde já, o que entendo por Sensibilização Musical.

O processo de sensibilização musical refere-se à inter-relação das partes que

compõem o seguinte trinômio: OUVIR/EXPRESSAR-SE/INTERAGIR. O OUVIR, segundo estratégias bem definidas, é o ponto de partida. A

escuta musical cria as condições necessárias para que a pessoa se torne receptiva ao ambiente sonoro, à fala do outro, à escuta de si próprio e à música, naturalmente; é também através do ouvir que as

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condições fisiológicas, psicológicas e emocionais do indivíduo são transmutadas, levando-o a estados de relaxamento, concentração, percepção e bem-estar que permearão todo o processo.

As percepções elaboradas do ouvir transformam-se em EXPRESSÃO -

corporal, vocal e instrumental. É através da expressão musical que se realiza o processo catártico. Percebe-se o desbloqueio das capacidades criativas individuais, do sentir, do fazer, do relacionar-se com o outro, do aproximar-se do outro, de seu corpo tanto quanto de seus sentimentos.

A sensibilização musical é um campo de conhecimentos vivenciais e teóricos de

natureza interdisciplinar. Os fenômenos de audição, escuta e percepção musical atuam como processos desencadeadores da expressão musical; esta, por sua vez, se dá através da voz, do corpo, de instrumentos musicais e de fontes sonoras diversas, bem como através do imaginário, ou seja, do uso de imagens mentais, que vêm a integrar essas diversas formas de expressão. No processo de expressão musical, a música pode se entrelaçar com diversas outras linguagens - teatro, literatura, pintura, desenho, dança, entre outras; minha pesquisa se concentrará essencialmente nas possibilidades perceptivas e expressivas intrínsecas ao ser humano, ou seja, o ouvir, a voz, o corpo e o movimento expressivo, caracterizando aquilo que venho denominando por expressão musical multimodal.

Estas inter-relações entre o ouvir e o expressar-se ocorrem no GRUPO.

Este, através de estratégias variadas de auto-regulação atinge o estado de sintonia que é realmente decisivo neste processo. O conceito de auto-regulação refere-se à uma forma de estar em sintonia total com o que os outros estão fazendo; nenhum indivíduo é completamente independente: se um começa, os outros devem continuar, cada elemento do grupo deve responsabilizar-se pela concretização das propostas , não permitindo que ocorram interrupções no fluxo, preenchendo os vazios, moldando-se conforme a necessidade. Cada indivíduo é totalmente responsável pelo que acontece. Nessa perspectiva, o grupo torna-se um organismo, uma teia de relações delicadas e profundas. Esta ligação emocional que o indivíduo internaliza é também fundamental para sua prática pedagógica, como reafirma C.G.Yung neste trecho:

“ A emoção é por um lado o fogo alquímico cujo calor faz com que tudo surja e cujo ardor omnes superfuitates com nurit – consome tudo aquilo que é supérfluo-, e por outro lado, a emoção é esse momento onde o aço encontra a pedra e faz brotar a faísca: porque a emoção é a fonte principal de toda tomada de consciência. Não há passagem da obscuridade à luz, nem da inércia ao movimento sem emoção.” 8

Logo, o grande diferencial metodológico do que faço está naquilo que as pessoas

conseguem perceber sobre si próprias. Dentre estas percepções, eu poderia destacar: a percepção de que ensinar é viver e sentir prazer; a percepção de que a emoção é responsável pela alquimia que torna possível a relação professor/aluno, aluno/aluno; a percepção de sua própria fragmentação de ser

8 Carl G. JUNG, (Coord.), L’Ame et la Vie , 1963

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e da fragmentação do processo de educar. Estas percepções, entre outras, são então fundamentais, pois, a partir delas, vem o desejo de mudança, não simplesmente para ser melhor professor, mas também para aprender a viver, amar, relacionar-se e reunir-se, promovendo a unidade de todas as dimensões humanas.

O estudo da relação essencial proposto pelo trinômio Ouvir/Expressar-

se/Interagir fará emergir um conjunto de estratégias de sensibilização, expressão criativa e interação humanas que poderão subsidiar a atuação do professor, no sentido de torná-la mais espontânea, expressiva, criativa e sensível à relação no grupo. Percebo também que o tipo de estudo que desejo fazer não tem como objeto, necessariamente, o professor de educação infantil ou o professor de música, mas qualquer professor. A sensibilização musical, tal e qual a estou concebendo, seria uma parte importante na formação de qualquer ser humano, ainda mais, se este é um professor. Para ilustrar tal necessidade penso nas inúmeras aplicações – funcionais – que a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical vem encontrando em meu trabalho, desde que retornei ao Brasil: iniciação musical infantil e musicalização de bebês; sensibilização de professores com níveis variados de formação, leigos ou especialistas em música; vivências musicais anti-estresse; treinamento empresarial; congresso de lazer; programa de reabilitação cognitiva; vivências com a terceira idade e atividades integrativas dentro de eventos maiores, não necessariamente ligados à música.

Sobretudo interessa-me a possibilidade de colocar essa metodologia a serviço de

uma educação mais humanizada, onde o ser humano volte a ser a prioridade, ou ainda, simplesmente, apresentá-la como uma ferramenta a mais na valorização e melhoria da qualidade de vida no aqui e no agora onde vivemos.

3. METODOLOGIA DE PESQUISA3. METODOLOGIA DE PESQUISA3. METODOLOGIA DE PESQUISA3. METODOLOGIA DE PESQUISA 3.1. Objetivos3.1. Objetivos3.1. Objetivos3.1. Objetivos

A pesquisa que pretendo realizar sobre a proposta de Iniciação e Sensibilização

Musical tem por objetivos os seguintes:

• Refazer a trajetória evolutiva de Iniciação e sensibilização Musical de um ponto de vista crítico e analítico, desde seus primórdios, em 1987, até os dias atuais.

• Buscar a compreensão e fundamentação de seus princípios básicos, através da pesquisa de campo e de sua inserção num quadro filosófico adequado à sua contextualização histórica, cultural e pedagógica.

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• Extrair da análise e interpretação dos depoimentos dados pelos sujeitos da pesquisa, subsídios que possam vir a constituir-se em contribuições efetivas para o processo de formação de professores.

Na consecução dos objetivos citados, será utilizada a abordagem qualitativa

etnográfica apoiada numa pesquisa de campo com base em entrevistas realizadas com participantes dos cursos ao longo dos últimos cinco anos.

3.2 Plano de Pesquisa3.2 Plano de Pesquisa3.2 Plano de Pesquisa3.2 Plano de Pesquisa 3.2.1 Escolha de um referencial teórico e Levantamento bibliográfico

A reflexão sobre a estrutura tripartite e integrativa da metodologia de Iniciação

e Sensibilização Musical levou-me a escolher como referencial teórico a Teoria Geral dos Sistemas, e, de forma especial, alguns conceitos básicos que permitem o estudo de fenômenos como totalidades integradas e da interconexão existente entre os diferentes subsistemas de um sistema maior. Sendo a Teoria dos Sistemas originária das ciências físicas e biológicas, decidi tomar como eixo para a sua compreensão as obras de Fritjof Capra que cumprem perfeitamente a função de explicar ao público leigo os conceitos mais importantes da teoria, bem como de traçar o perfil do pensamento sistêmico desde suas origens até a atualidade. A partir dessas leituras, tomei conhecimento de outros autores e teorias relacionadas ao meu estudo os quais venho explorando através de pesquisa bibliográfica.

O levantamento bibliográfico foi efetuado de duas maneiras: a partir da leitura dos textos de Capra com suas referentes bibliografias e através de conversas informais ou entrevistas com especialistas de áreas determinadas, a saber: Educação, Psicologia Clínica, Psicologia da Educação, Ciências Cognitivas, Neurologia e Artes do Corpo e do Movimento. 3.2.2 Pesquisa de Campo Coleta de Dados

A coleta de dados têm se realizado basicamente de duas maneiras: através da observação participante dos cursos que ministro para diferentes grupos de professores com registros detalhados por escrito e de entrevistas com professores que participaram dos meus cursos nos últimos cinco anos.

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Os Entrevistados

No total, foram selecionados nove participantes dos cursos. Sete deles, profissionais de Educação Musical que lecionam em diferentes instituições; outros dois, profissionais de educação com alguma experiência musical.

Como critérios de seleção dos entrevistados foram considerados os seguintes:

• Um tempo mínimo de 16 horas como participante de um dos cursos de formação que ministrei utilizando esta metodologia – vários dos entrevistados participaram mais de uma vez do curso- e ainda, uma conversa preliminar com o professor, no intuito de verificar se essa participação foi significativa o bastante para que possa ser um sujeito interessante para a pesquisa.

• Envolvimento do participante com a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical em sua prática profissional.

A Entrevista

A entrevista utilizada é semi-estruturada com cinco questões programadas, a partir das quais o entrevistado pode discorrer livremente sobre o tema. Em alguns casos, torna-se necessário incluir de improviso mais algumas questões, visando tornar mais claros os conteúdos das falas do entrevistado.

Questões propostas: 1. Como você descreveria a experiência de ter participado do curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL? Que imagem mental você conserva dessa experiência?

2. Para você, qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que pode experienciar nesse curso? 3. Você considera que esse curso teve influências na sua vida profissional ou em qualquer outro plano de sua vida? Que influências?

4. Você encontrou nesse curso aplicações para sua prática pedagógica ou reflexiva? 5. Que sugestões faria para aprimorar a metodologia de INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL com vistas ao aprimoramento da formação dos professores participantes dos cursos?

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Análise de Dados

Serão consideradas como categorias de análise para a pesquisa, primeiramente aquelas já evidenciadas nas questões propostas, e outras possivelmente emergentes da análise dos discursos dos professores, tendo como foco especial todas as questões relativas às contribuições que a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical possa ter oferecido à experiência profissional e pessoal dos entrevistados. 3.2.3 Caminhos da Pesquisa

O primeiro capítulo deste escrito – intitulado Rapsódia - descreve a trajetória metodológica de Iniciação e Sensibilização Musical. Foram escolhidos nove momentos diferentes para essa análise. Cada um dos momentos apresenta alguma mudança ou evolução importante que estava ocorrendo na metodologia ou em minha forma de pensar a pedagogia musical com consequentes alterações nas práticas. Cada momento tem a sua descrição detalhada e, como anexo, seguem os programas de curso utilizados, contendo objetivos, conteúdos e estratégias utilizadas; em seguida coloco minhas percepções e análises acerca daquela etapa de trabalho. Os primeiros seis momentos relatam experiências e evoluções ocorridas na Espanha e na França, e sobre eles, infelizmente, não há entrevistas, pois não haveria mais a possibilidade de contatar essas pessoas. As entrevistas referem-se todas ao período da volta ao Brasil, ou seja a partir de 1992, e estão subsidiando as análises dos VI e VII movimentos da trajetória metodológica.

No capítulo II, intitulado Poema Sinfônico procuro inserir a filosofia de trabalho

de ISM num quadro filosófico amplo integrado pela Teoria Geral dos Sistemas, pelos pensamentos de Rolf Gelewski e H.J.Koellreutter e por algumas contribuições das ciências cognitivas; abro espaço para uma discussão a respeito do tecnicismo e mecanicismo em música, e para a colocação da importância do corpo, ou seja, da integração corpo/mente na educação musical.

No capítulo III – Tema e Variações - minhas percepções e as dos participantes

integram um quadro analítico que permite compreender melhor a evolução da metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical, bem como seu significado e alcance para a formação do professor e sua prática pedagógica.

Finalmente, o último capítulo – Finale – apresenta as sugestões dos entrevistados

para o aprimoramento da metodologia de ISM, a síntese das contribuições da pesquisa e vislumbra sua forma de continuidade.

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Teria sido muito importante para essa pesquisa ouvir também os participantes do VIII Movimento, intitulado Voz,Som e Movimento ( VSM) , pois, a maior parte de seus participantes são leigos em música e profissionais de áreas diversas que procuram essa atividade com a finalidade de lazer, relaxamento e convivência social - as oficinas VSM são abertas ao público em geral e foram quase sempre ministradas em unidades do SESC ou empresas. Suas experiências com essa metodologia, justamente por não terem o compromisso educacional e formativo estrito que têm os professores de música ou de ensino fundamental, poderiam possivelmente trazer insights e idéias, especialmente no tocante às pessoas que não atuam diretamente na área de educação e música. Esta será uma pesquisa futura, quando tornar-se possível para mim administrar toda essa contribuição que vem do público em geral. Nesse momento, estarei a caminho de realizar uma aspiração máxima: a da compreensão do alcance pleno da metodologia de ISM para a formação integral do ser e sua inserção, cada vez maior, nos ambientes de formação de professores.

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RAPSÓDIARAPSÓDIARAPSÓDIARAPSÓDIA

Descrição da trajetória profissional da pesquisadora e da Descrição da trajetória profissional da pesquisadora e da Descrição da trajetória profissional da pesquisadora e da Descrição da trajetória profissional da pesquisadora e da metodologia utilizada nas atividades pedagógicasmetodologia utilizada nas atividades pedagógicasmetodologia utilizada nas atividades pedagógicasmetodologia utilizada nas atividades pedagógicas

A Rapsódia é uma espécie de fantasia musical de forma livre, sujeita apenas à imaginação de seu autor; caracteriza-se por uma série de episódios mais ou menos curtos que se sucedem e contrastam uns com os outros. Este capítulo apresenta a

rapsódia de minha vida profissional.

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1. DESCRIÇÃO DA TRAJETÓRIA1. DESCRIÇÃO DA TRAJETÓRIA1. DESCRIÇÃO DA TRAJETÓRIA1. DESCRIÇÃO DA TRAJETÓRIA

1.1.1.1.1.1.1.1. I EpisódioI EpisódioI EpisódioI Episódio Oficina “MUSICALIZAROficina “MUSICALIZAROficina “MUSICALIZAROficina “MUSICALIZAR---- El niño y la vivencia musical” El niño y la vivencia musical” El niño y la vivencia musical” El niño y la vivencia musical” –––– Málaga 1987Málaga 1987Málaga 1987Málaga 1987 ( Vide plano de curso no Anexo I)

A oficina MUSICALIZAR – el niño y la vivencia musical , destinada a crianças de 7 a 12 anos, foi elaborada em condições especiais de criação. Era verão em Andaluzia, eu havia decidido que pretendia me instalar ali, perto da minha família espanhola. Os dias transcorriam em perfeita calmaria, era fácil pensar nessas condições. Essa oficina foi concebida para as crianças do bairro, e sua realização se daria na associação de vizinhos do vilarejo Puerto de la Torre. A oficina jamais aconteceu, talvez por falta de uma adequada divulgação, talvez pela inadequação do discurso que utilizei ao apresentá-la no folheto publicitário – o vilarejo não tinha qualquer familiaridade com esse tipo de atividade cultural, e diga-se de passagem, a cultura popular local é extremamente variada, rica e presente no cotidiano das pessoas. De fato, seria necessário questionar se as crianças dali necessitariam desse tipo de oficina musical.

A grande percepção nesse momento de reflexão é que imaginei essa oficina sem na

verdade pretender que ela ocorresse, a razão real de sua elaboração é que eu estava “obesa de informação e faminta de sentido” 9. As influências marcantes que eu havia recebido na minha formação a partir de 1984/85, necessitavam encontrar um canal de expressão mais efetivo. De fato, eu só estava conseguindo aplicar muito pouco das novas metodologias e diferentes formas de pensar a pedagogia musical com as quais havia entrado em contato apaixonadamente. Refiro-me à obra de Rolf Gelewski e ao pensamento revolucionário de H.J.Koellreutter que viriam a transformar de forma indelével toda a minha práxis.

Ao retomar a programação dessas oficinas, exatamente doze anos passados, posso

depreender de suas características e conteúdos, a existência, desde essa época, do arcabouço filosófico que viria a dar sustentação ao que faço no presente, que norteou toda a minha ação junto a professores na Espanha e na fase inicial da volta a São Paulo. Em 1987, ao chegar na Espanha, havia em minhas representações mentais, um sistema de trabalho pronto para ser experimentado; as fortes experiências vividas a partir de 1984 haviam me transformado, tanto quanto à minha maneira de ver a música e a vida. No entanto, eu ainda não dispunha de instrumentos, ou talvez da consciência necessários para poder transmitir a experiência aos meus alunos. Estas oficinas condensam essa energia contida, esse maravilhar-se diante daquelas idéias que haviam produzido um ponto de

9 Eduardo GIANNETTI, Obesos de informação, famintos de sentido, Folha de São Paulo, 08/10/98, p. 7 .

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mutação em minha existência. Estas oficinas viriam a desdobrar-se, ampliar-se, constituir-se em variações de uma filosofia de trabalho que viria a permear minhas ações dali em diante. Elas viriam a constituir a base para novas aquisições e incorporações que ocorreriam em meu trabalho prático e estudos, a partir de 1988.

Das aquisições filosóficas e reflexivas que pude obter com sua elaboração até a transformação efetiva de minha prática, haveria ainda um longo caminho. Durante alguns anos, me debati tentando fazer na prática o que minha percepção e intuição há tempos já incorporavam. Seria interessante constatar como praticamente todas as idéias e princípios que sustentam minha metodologia atual de trabalho estavam mais ou menos presentes na elaboração dessas oficinas, ainda que de forma inconsciente, estavam já, de certa maneira, aflorando em minha consciência:

1. Uma visão emergente de mundo, fundamentada na concepção do novo paradigma ecológico que permite conceber a vida, as pessoas e os sistemas de ensino-aprendizagem como totalidades, como sistemas integrados de inter relações e inter conexões. Trata-se enfim, do pensamento sistêmico.

2. Como decorrência do pensamento sistêmico, a valorização de uma visão holística do aluno, e da forma de ensinar música, que me levou a incluir no meu processo outras dimensões: o sentir, a experiência intuitiva do ouvir musical, o problema da emoção e sobretudo, o corpo na educação musical.

3. A idéia de desenvolver o contato interhumano e a comunicação através da música, que são atualmente componentes essenciais do que faço, estavam já presentes nestas oficinas como uma das influências perenes do pensamento de Koellreutter na minha formação.

4. A idéia de que o ensino e a aprendizagem de música devem ser uma experiência vivencial, do sentir, do fazer, antes de qualquer pretensão à compreensão intelectual da linguagem – compreendidos aí sua leitura e escritura - e antes de qualquer encaminhamento técnico.

5. Valorização de valores qualitativos em música que se revestem das seguintes características: imprecisão, relatividade, sutileza, diafaneidade, poder expressivo, entre outras; em oposição aos valores quantitativos: precisão, norma e erro absolutos, determinismo e limitação do potencial expressivo.

6. A incorporação da estética das tendências contemporâneas de música clássica no ensino musical. 7. A valorização da Improvisação e de formas menos diretivas – auto-reguladas- de atuação musical em grupo.

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1.2. II Episódio JORNADAS DE RENOVACIÓN PEDAGÓGICA- Andaluzia 1987/88 ( Vide plano de curso no Anexo II)

Estas jornadas aconteciam em cidades e povoados de Andaluzia dentro de um

contexto maior de formação que visava à preparação de professores de música para a escola pública. O nome do curso foi criado por mim, a pedido da coordenadora de cursos. Pela primeira vez, em 1988, utilizei a denominação Iniciação e Sensibilização Musical para um curso que, aliás, perdura até o presente. Durante esse período, minha parte do trabalho de formação de professores esteve mais concentrada nas questões de percepção auditiva, ou de elementos e formas da linguagem musical e na apresentação de novas estratégias para ouvir e entender a música contemporânea.

As influências filosóficas e culturais que permeiam a elaboração dessas oficinas

continuam sendo as mesmas: as obras de R.Gelewski e H.J.Koellreutter. Essas oficinas representaram a oportunidade bem real e concreta de colocar em prática tudo o que vinha estudando e descobrindo desde 1984.

Os temas das oficinas me eram propostos pela coordenadora de cursos das

Jornadas de Renovação Pedagógica. Durante os anos de 1987 e 1988, a cada jornada de renovação, sempre em cidades e povoados diferentes e com público de professores de nível cultural e musical muito variável, eu era obrigada a me adaptar, a planejar com rapidez a minha atuação, lançando mão dos mais variáveis conteúdos e estratégias. O processo era extremamente dinâmico, diversificado e imprevisível. No entanto, não havia muita dificuldade nisso, pois, minha cultura musical era extremamente diferente da que existia na região, eu tinha muita novidade a apresentar, sobretudo naquilo que se referia à música contemporânea e a estratégias mais concretas, significativas e vivenciais de entrar em contato com a música. Havia ali também espaço para uma luta em favor de uma visão menos mecanicista e tecnicista do ensino-aprendizagem musical. O objetivo das autoridades não era esse, com certeza. Ao implementar estas jornadas, pretendiam apenas preparar professores para atuar no ensino fundamental, na área de música, da forma mais rápida possível. No entanto, como não havia controle do currículo - parecia não haver proposta curricular-, para nós formadores, essa foi uma oportunidade única de colocar em prática idéias muito inovadoras. Não houve, no entanto, como avaliar os efeitos dessas práticas nos professores em formação e em sua ação pedagógica. Posso dizer que as Jornadas de Renovação Pedagógica em relação à minha metodologia de trabalho especificamente trouxeram as seguintes contribuições: 1. Colocação em prática de parte dos conhecimentos teóricos acumulados desde 1984 resultantes do contato estimulante e inovador com as obras de H.J.Koellreutter e R.Gelewski.

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2. Tomada de consciência efetiva do valor pedagógico e didático da experiência com a música contemporânea.

3. Desenvolvimento da capacidade de adaptação a situações e grupos de pessoas sempre novos. 4. Desenvolvimento da criatividade. 5. Percepção e aplicação de uma prática mais integradora em pedagogia musical, abrindo espaço para a inter –relação de várias dimensões do aprender, tradicionalmente dicotomizadas: teoria/prática, razão/intuição, análise/vivência, codificação e decodificação da linguagem/criação de um repertório de signos, clássico/contemporâneo, execução técnica/improvisação; e ainda, fazendo algumas incursões eventuais pelo espaço da ludicidade, do movimento corporal, e da integração com outras linguagens artísticas.

A maior crítica que se possa fazer a essas jornadas é a ausência de diálogo com a

prática dos professores, a não existência de um processo reflexivo. O interesse desses cursos residia no conteúdo inovador dos autores, assuntos e estratégias que eu propunha. Não sei, no entanto, até que ponto possam ter alterado de maneira significativa a prática dos professores, a não ser daqueles que por natureza ou por experiências anteriores eram mais dados à reflexão e à crítica do processo que vivíamos nessas aulas. Acredito que o maior aporte dessas jornadas aos professores tenha sido possibilitar a eles vivenciar formas mais lúdicas e criativas de transmitir o conhecimento musical. Por outro lado, é importante ressaltar que eu não tinha consciência da necessidade de partir da prática dos professores, de dialogar com eles, de entender como trabalhavam e de que maneira eu poderia colocar minha prática em relação dialética com a deles. Ainda assim, havia crescimento nestes cursos para ambas as partes, pois, como disse anteriormente, o que eu apresentava era bastante inovador naquele contexto. Acredito que não senti uma necessidade forte de mudar minha atuação, tornando-me mais permeável ao que vinha dos professores, pois tudo o que eles me retornavam do trabalho parecia ser bom e significativo para eles.

1.3. III Episódio AULA PERMANENTE DE PEDAGOGIA MUSICAL - Málaga 1988/89 ( Vide plano de curso no anexo III)

A Aula Permanente de Pedagogia Musical foi uma iniciativa nossa junto ao

Ateneo de Música Y Danza de Málaga com a proposta de aprofundar os conteúdos e práticas que eram oferecidos em oficinas e cursos rápidos aos professores de música e da Escuela General Básica. O curso seguia exatamente o modelo das oficinas ministradas nas Jornadas de Renovação Pedagógica e contava com os mesmos formadores. A proposta era reunir as oficinas de curta duração dando-lhe uma formatação de curso com a duração de dois semestres letivos que abrangesse todos os ciclos da escola pública tal e qual estavam organizados na época, ou seja, as atividades

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deveriam atender a professores atuantes desde a pré-escola até o ensino médio. Suas principais características eram as seguintes: 1. Tipo de conteúdos: - Pré escola e escola primária: vivencial, tendo como eixos principais a audição musical, o movimento corporal, propriedades do som, pesquisa sonora e representação simbólica dos sons.

- Escola secundária: introdução à leitura e escritura musical, elementos de teoria e improvisação vocal e instrumental.

- Ensino médio: audioanálise, movimento corporal, leitura, escritura e teoria musical. Os conteúdos partiam portanto, de uma prática vivencial em direção à estruturação da linguagem. 2. Mistura de métodos de trabalho – pode-se dizer que a aula de pedagogia musical foi uma oportunidade importante de praticar tudo o que aprendi nos cursos e metodologias com os quais tomei contato durante meu primeiro ano na Espanha, integrados aos métodos que eu já utilizava desde o Brasil. Assim, a aula permanente foi uma “salada de métodos” e autores, dentre os quais posso citar: Rosa Font Fuster (El ritmo en la educación preescolar), Maria Cateura Mateu (Música pré-escolar), H.J.Koellreutter ( Modelos de Improvisação e outras idéias pedagógicas), Kodaly (fonomímica e prática do ritmo), C.Orff ( prática rítmica, melódica e instrumental), E. Willems (estratégias para a iniciação ao solfejo), A . Weber ( estratégias para o ensino do solfejo), E.Lopez de Arenosa (técnicas de ditado) e R.Gelewski (etapas auditivas e expressão pelo movimento corporal).

Aparentemente, dada a presença e influência marcantes de diversos pedagogos

musicais no planejamento das atividades desse curso, minha própria participação ficaria reduzida ao. Isso, no entanto não ocorreu, pois tive papel determinante na seleção e organização dos conteúdos, atividades e estratégias, bem como na elaboração de uma sequência coerente para os mesmos, de acordo com os objetivos propostos e sobretudo na escolha de uma metodologia de trabalho que iria do mais intuitivo ao mais intelectual, da vivência musical à linguagem.

3. Sistematização- a Aula Permanente de Pedagogia Musical pode ser considerada como a primeira tentativa de sistematização de minhas práticas e estudos no campo da pedagogia musical. As reflexões que fui obrigada a fazer para chegar à sua forma final mudaram e ampliaram bastante minha forma de conceber a educação musical.

A crítica que posso fazer ao meu trabalho nessa época continua sendo a mesma:

como formação de professores deixava muito a desejar. Não havia qualquer iniciativa de processo reflexivo, nem debates e leituras; os professores estavam muito interessados em obter de mim um “receituário” de atividades prontas para reprodução a aplicação imediatas. Quanto a mim, já um pouco mais consciente da necessidade de que os professores refletissem mais sobre sua prática, tentava

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de forma bem incipiente ainda, fazê-los criar atividades com base nos modelos que eu apresentava. Essas tentativas, no entanto, tinham um limite claro, tratava-se, na verdade, de trocas de experiências sobre como resolver problemas didáticos bem práticos, não era propriamente um processo de reflexão, não havia realmente uma clara contextualização dos problemas de trabalho de cada um. Ainda assim, essas aulas eram elogiadas e cumpriam algumas funções importantes naquele contexto, dentre as quais, consigo visualizar as seguintes:

a) atualização de conhecimentos e estratégias didáticas numa região extremamente carente de vida cultural acadêmica. Em música, havia apenas o conservatório com suas práticas tradicionais e retrógradas calcadas sobretudo em sistemas arcaicos de avaliação, emulação, competição e cuja pretensão maior era formar “artistas”, na visão mais idealizada e não funcional que o termo possa ter na sociedade atual ou o Ateneo de Música y Danza que tinha na verdade, muito mais a intenção de entrar no mercado da educação musical abocanhando alunos do conservatório mas sem a preocupação de formatar uma verdadeira filosofia de trabalho;

b) difusão de uma concepção de ensino de música como pedagogia ativa, distanciando-se da prática reducionista e tecnicista tradicional do único conservatório da região; e ainda, apesar de incipiente, já estava presente no meu trabalho uma forma mais integradora de conceber o aluno e a própria pedagogia musical, já havia uma preocupação não completamente consciente com a união entre teoria e prática, com uma aprendizagem emocionalmente mais significativa, com o lúdico e o imaginário, com a inclusão do corpo no processo. Enfim, havia no meu curso uma abertura em direção a formas mais vivas e sistêmicas de conceber a educação musical. Até aquele momento, esta abertura decorria muito mais de minha própria crítica e de minha própria experiência enquanto aluna de música, do que de uma concepção constituída como formadora de professores de música. Na verdade, eu estava aprendendo tanto quanto ou mais que meus alunos-professores.

Como principais contribuições desse curso para o desenvolvimento de minha

metodologia de trabalho posso citar as seguintes: 1. Abertura de um espaço de experimentação onde todos os conhecimentos teóricos até então acumulados puderam de alguma forma materializar-se na prática.

2. Realização de uma primeira síntese da minha experiência prática e teórica no campo da pedagogia musical na qual idéias, concepções, autores e metodologias conhecidas até aquele momento puderam articular-se num todo coeso e progressivamente organizado.

3. Primeira sistematização escrita da minha experiência prática no campo do ensino da música. A forma e estrutura dessa sistematização viria a influenciar depois as duas obras que escrevi: Iniciación y Sensibilización Musical ( guia didático para o professor), Málaga/1989 e Iniciación y Sensibilización Musical en la escuela General Básica ( Filosofia de trabalho, Princípios e Atividades didáticas), França 1991.

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1.4. IV Episódio INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL (obra não editada) - Málaga/1989 (Vide plano da obra no Anexo IV)

Como assinala a introdução do livro – que não chegou a ser editado- trata-se de um guia didático para professores de Iniciação Musical e Treinamento auditivo, em geral. Seu objetivo primordial é o desenvolvimento do ouvido musical através de uma vivência musical global. As palavras “audição” e “vivência” encerram dois princípios pedagógicos básicos(...). Tinha ainda como estratégias importantes as seguintes: união de música e movimento corporal, trabalho do imaginário, audioanálise e uso de grafias musicais simbólicas.

As atividades apresentadas no guia didático destinam-se a crianças e

adolescentes na faixa etária de 4 a 16 anos. Os conteúdos estão organizados e divididos por faixas etárias que seguem os ciclos propostos pela escola pública tal e qual se organizava na época. Pode-se dizer que esta obra é uma apresentação muito mais organizada e personalizada da Aula Permanente de Pedagogia Musical que eu havia ministrado nos dois anos anteriores. O livro segue praticamente a mesma estrutura e ordenação das oficinas propostas na Aula Permanente de Pedagogia Musical. Apresenta-se como a síntese de um período de estudos, trabalho e experiência profissional que vai de 1984 a 1990. De fato, é durante o tempo de preparação desse livro - que se iniciou na Espanha e terminou na França – que pela primeira vez algumas questões importantes começaram a se colocar para mim e, mais importante ainda, constituíram um avanço em direção de uma forma de pensar mais pessoal, em direção do encontro de meu diferencial profissional: 1. Personalização das atividades – muito embora eu continuasse misturando metodologias de Pedagogia musical e utilizando estratégias típicas desses métodos, bem como estando sujeita às suas influências, todos os recursos didáticos foram pesquisados ou criados por mim, não há qualquer aproveitamento de música, texto, canção ou reprodução exata de qualquer atividade . Uma parte importante das atividades propostas são criações e descobertas da minha experiência profissional, ainda que me baseando nos modelos dos meus mestres, em especial Koellreutter e R.Gelewski. Por trás desse desejo de diferenciação existe também, é claro, a preocupação com a apresentação de propostas originais, caso contrário, seria uma espécie de plágio dos autores que me inspiraram.

2. Elaboração de um texto teórico subsidiando a ação prática do professor - a introdução do livro, apesar de breve, já denota uma preocupação em fazer algo mais do que simplesmente transmitir conteúdos e atividades a serem reproduzidas. Esta, contém uma explicação breve sobre os princípios envolvidos no tipo de educação musical proposto e, pela primeira vez, a sugestão de que o professor use as atividades como modelos para a criação de suas próprias atividades.

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Com certeza, na ânsia de propagar as idéias da pedagogia ativa e de uma

aprendizagem mais prática, vívida, lúdica e portanto, mais interessante para a criança, os aspectos teóricos e uma reflexão mais aprofundados foram novamente negligenciados. A falta de fundamentação teórica persiste, este livro é uma coletânea descritiva de experiências práticas, ou seja, um “receituário” de atividades a aplicar, apesar de apresentar em sua introdução uma abertura para a discussão da filosofia de trabalho e princípios norteadores. A introdução tem, no entanto, apenas duas páginas e meia, muito haveria de ser feito ainda antes que deixasse de ser apenas um manual prático. Apesar disso, Iniciación y Sensibilización Musical conserva os mesmos méritos já comentados na seção anterior sobre a Aula Permanente de Pedagogia Musical: atualização do professorado, proposta afinada com as pedagogias ativas e uma visão mais integradora do ensino musical.

1.5. V Episódio1.5. V Episódio1.5. V Episódio1.5. V Episódio INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL EN LA ESCUELA INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL EN LA ESCUELA INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL EN LA ESCUELA INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL EN LA ESCUELA GENERAL BÁSICA GENERAL BÁSICA GENERAL BÁSICA GENERAL BÁSICA –––– Lyon/1991 ( obra não editada) Lyon/1991 ( obra não editada) Lyon/1991 ( obra não editada) Lyon/1991 ( obra não editada) ( Vide plano da obra no anexo V)

Existe pouco mais de dois anos separando a redação do primeiro livro deste novo

escrito. Apesar do título ser o mesmo, a evolução de um para outro é tremenda, e isso se deve a vários fatores: 1. Ambiente cultural francês – a primeira coisa que me deixou maravilhada na França foi a organização dos estudos musicais no Conservatório de Região onde comecei a estudar história da música, em Lyon. A profundidade da abordagem, a abrangência do currículo, a carga horária, o nível dos professores, a quantidade de recursos disponíveis (CDs, livros, vídeos, partituras e tudo o mais que fosse necessário) e a gratuidade do ensino me deixou totalmente surpresa e extasiada. O contato com as bibliotecas e discotecas francesas é com certeza uma das maiores aquisições intelectuais da minha vida. Nos três anos em que estive na França pude refazer a história da música e fazer o “tour” da pedagogia musical, assuntos que mais me interessavam na época, sem qualquer dificuldade, era assídua frequentadora de bibliotecas e mediatecas e senti as possibilidades de expansão do conhecimento como ilimitadas.

2. Evolução profissional - no campo profissional, o que mais havia para fazer era a iniciação musical infantil, presente nas escolas, associações de bairro, clubes etc. Comecei a trabalhar com muitas crianças de 3 a 9 anos o que viria a estabelecer dialeticamente a relação com a prática de formadora de professores da qual eu vinha. Por outro lado, os cursos na Espanha continuavam, e por dois anos seguidos (1990 e 1991) eu estive lá trabalhando em cursos de verão que foram grandes experiências profissionais. O fato de estar atuando com crianças e professores, ao mesmo

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tempo, fez desse período um tempo inigualável de descobertas; . Foi um período excepcionalmente frutífero. Todas essas experiências se juntaram e começaram a transmutar completamente aquilo que eu entendia por ensino/aprendizagem de música. Pela primeira vez, foi possível encontrar todos os recursos didáticos que eu imaginasse para dar aula. O acesso às condições materiais e filosóficas para estudar assim como a variedade de grupo humanos com os quais estive em contato na época foram responsáveis por um período excepcional de desenvolvimento pessoal e profissional.

3. Contato com a Pedagogia Musical Orff – curso de Verão na Áustria/1991 - Relembrando as principais contribuições dessa metodologia para o meu pensamento musical, destacaria: a importância do movimento corporal como forma de expressão; a integração entre diversas linguagens artísticas(música, pintura, literatura, teatro); a incorporação de danças e músicas étnicas; a prática instrumental Orff e o uso do imaginário levando a atividades musicais inusitadas, surpreendentes e muito afastadas das práticas tradicionais no ensino da música. De fato, a pedagogia musical Orff expande-se atualmente em novas ramificações, em especial, a Orff-Musicoterapia.

4. Intensificação do trabalho na Espanha - os dois cursos de verão ministrados em Málaga depois que eu já havia fixado residência na França, foram oportunidades importantes de crescimento profissional. De fato, a cada viagem que eu fazia para ministrar cursos e com a ampliação de horizontes que a vida na França estava me proporcionando, a responsabilidade aumentava. O planejamento desses cursos foram empreendimentos que consumiram bastante tempo e energia abrindo a possibilidade para o desenvolvimento de um processo reflexivo sobre o que realmente deveria ser essa formação.

Como relatei anteriormente, a redação da segunda versão de Iniciación y Sensibilización Musical en la E.G.B. foi uma tentativa de descrever e registrar tudo o que havia ocorrido no curso de verão de 1991, em Málaga. Minha experiência profissional e minhas experiências de vida na Europa condensaram-se ali, resultando na fantástica experiência que relatei anteriormente com os professores andaluzes. Posso dizer que quase todos os componentes principais de minha metodologia de trabalho foram postos em prática, experimentados ou, simplesmente, descobertos ali naquele encontro fascinante com aquele grupo de pessoas. Ao voltar para a França, havia ainda algum tempo de férias. Comecei a escrever febrilmente tudo o que havia acontecido. Todas aquelas leituras, vivências práticas, cursos e formações das quais eu havia participado fusionaram-se ali. Durante uns dois meses escrevi quase que em tempo integral, ou melhor, reescrevi Iniciación y Sensibilización Musical à luz destas novas descobertas. O livro nunca seria editado: na primeira vez, porque o editor perdera a subvenção que tinha do governo; depois, por ter saído completamente das proporções e finalidades esperadas pelo editor. O livro permanece vivo como um instrumento afiado da minha reflexão, através de sua redação fui descobrindo minha identidade profissional e até mesmo pessoal. As versões do livro ajudaram a reunir, analisar, registrar, pensar e mudar minha experiência profissional, continuam sendo uma fonte de inspiração a alimentar o meu trabalho, uma espécie de tratado pessoal de filosofia do ensino musical. É íntimo e de tal maneira reflexo de mim mesma que

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talvez já não desejasse editá-lo nessa forma. Por tudo isso, é que se torna tão importante começar a fundamentar suas propostas, todas descobertas intuitivamente.

As principais contribuições da redação dessa obra para a minha metodologia de

trabalho podem ser sintetizadas nos ítens abaixo:

1. Registro da experiência profissional européia em sua forma mais depurada. 2. Condensação de experiências que não poderiam ser qualificadas somente como profissionais, mas que colocam em jogo a evolução pessoal, intelectual e social, conduzindo, por tanto, uma série de questionamentos que viriam a afetar minha vida como um todo.

3. Constituição filosófica e formatação concreta da minha proposta em pedagogia musical, incluindo os componentes essenciais da filosofia de trabalho, princípios pedagógicos, metodologia e estratégias didáticas.

4. Concretização de um processo de reflexão que serve de referência e inspiração para tudo o que tenho feito desde 1991.

5. Materialização de um arquivo de idéias que norteiam minhas ações tanto no campo da pedagogia musical, como em outros campos profissionais que se abrem nesse momento, a exemplo do trabalho em empresas, oficinas de reabilitação cognitiva, educação e formação de uma maneira geral.

Devo dizer também que apesar de tudo, a linguagem do livro não me agrada

mais. Havia um determinado contexto musical e cultural em Andaluzia que era necessário transcender tanto nas ações quanto no discurso. Utilizo uma linguagem de convencimento que hoje me soa antipática. Existe um paradoxo entre o que digo – e gosto de dizer – e a linguagem, muitas vezes impositiva que utilizo. Positivismo, mecanicismo e reducionismo sempre estiveram presentes e moldaram as formas em que se dá o ensino de música desde há pelo menos duzentos anos; a região de Andaluzia não fugia a essa regra, e mais que isso apresentava defasagem com relação ao resto da Espanha, ou seja, tendências inovadoras que certamente existiam em Barcelona ou Madri não chegavam ali. Lutar pela modernização da visão de ensino de música e por um ensino eminentemente prático era uma questão importante. Eu devia estar bastante afetada por essa necessidade, pois, quando leio o que escrevi na época, sinto bastante dogmatismo na forma como uso a linguagem. No Brasil, a visão retrógrada do ensino também imperou como em todos os lugares, no entanto, especialmente nos grandes centros, o pensamento dos professores de música já consegue ser mais reflexivo e inovador do que na Andaluzia de doze anos atrás. Eis então, duas boas razões para reescrever, ainda uma vez, se for o caso, Iniciación y Sensibilización Musical en la E.G.B.

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1.6. VI Episódio Curso INICIAÇÃO E SENSIBLIZAÇÃO MUSICAL PRÉ- ESCOLAR São Paulo 1993/1998 (Vide plano de curso no Anexo VI)

Durante os primeiros anos depois que retornei a São Paulo, ministrei poucos cursos, somente dois, no ano de 1993. Esse tempo foi necessário para perceber a nova realidade em que iria atuar, sobretudo porque antes de sair de São Paulo eu nunca havia trabalhado na formação de professores. Da época que saí em 1987 à época que voltei, em 1992, tive a impressão de que a demanda para a educação musical infantil cresceu muito no país. Decidi me concentrar na área de formação para professores de pré-escola. Não foi somente decisão minha, as oportunidades de trabalho também me conduziram a isso. Desde a chegada, e até o presente, pode-se dizer que houve pouca modificação no conteúdo (currículo) dos cursos. A mudança mais significativa se deu na organização dos módulos didáticos que passaram a agrupar conhecimentos de uma área determinada da iniciação musical. O objetivo dessa divisão era também distribuir os cursos e work-shops no tempo, de maneira que o público interessado pudesse tomar contato gradual com a metodologia. Percebi também de imediato que havia pouca disponibilidade de horário e de capacidade de investimento para esse tipo de formação, a divisão em módulos também era indicada nesse caso. Os módulos didáticos foram formulados em 1993 e assim permaneceram até o início de 1999. Para chegar a essa divisão por módulos estudei de forma comparativa o mesmo tipo de organização em módulos presentes nos métodos E. Willems e Martenot (França) de educação musical. A divisão funcionou bem com relação a atingir o público interessado e como forma de organizar a multiplicidade de conteúdos e estratégias inerentes à iniciação musical.

É necessário esclarecer que os módulos didáticos referiam-se à organização

curricular para os cursos de educação musical infantil. Na formação de professores - obedecendo sempre à estratégia de reproduzir com eles as atividades musicais infantis - os módulos permaneciam os mesmos. Foi somente a partir de 1998 que começou a se delinear com mais clareza para mim que os módulos da formação musical infantil poderiam não ser exatamente os mesmos empregados na formação de professores.

Uma estratégia importante que incorporou-se aos meus cursos e work-shops no

Brasil foi a roda de conversa ao final do dia ou ao final de cada bloco de atividades. Nessas rodas de conversa, passei a perceber com muita clareza que o professor necessitava muito partilhar sua experiência, trocar, colocar suas dificuldades, tentar expor seus medos, e também, buscar algumas soluções práticas que outros tivessem encontrado. Essa constatação foi aos poucos tornando-se muito evidente para mim. Chegou finalmente o tempo em que tive que mudar minha forma de agir e pensar

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nestes cursos, era necessário dialogar urgentemente com a prática dos professores, contextualizar a experiência do curso, fazer leituras e debates e produzir textos, enfim era necessário começar a refletir sobre nossas práticas e nossas identidades profissionais.

A questão da reflexão sobre a própria prática continuava ainda muito incipiente

nestes cursos e work-shops. Na verdade, estes, continuavam sendo uma transmissão de minhas experiências com as crianças aos professores que estavam ávidos por recebê-las e por comprar o material didático. Se poderia dizer que há sempre uma parte significativa de professores, tanto no Brasil quanto na Espanha, que não estão particularmente interessados em seu próprio processo criador como pedagogos, querem o material pronto para aplicar. Percebi, a partir de 1998 que fazê-los refletir deveria ser uma das funções importantes do meu curso.

Durante esses anos - 1992 a 1998 -, a metodologia de Iniciação e Sensibilização

Musical passou por uma significativa evolução que se pode acompanhar na análise dos objetivos propostos. Pela primeira vez, em 1998, está incluído nos objetivos um tópico referente à discussão da problemática do ensino musical, o que por si só constituiu um avanço nas possibilidades desse curso tornar-se também um espaço de reflexão onde a sensibilização, a prática e a teoria pudessem efetivamente dialogar.

A metodologia continuou centrada primordialmente em duas questões:

sensibilização musical dos professores ( audição, voz, corpo, movimento e trabalho do imaginário) e realização prática das atividades elaboradas para as crianças. A questão da sensibilização musical, durante esses anos, tornou-se um diferencial do meu trabalho. Especialmente no ano de 1997, houve grande impulsão de meu nome nesse mercado. A maior parte dos convites que recebi estavam associados às qualidades sensibilisatórias de minha forma de trabalhar. Por essa razão, quase todos os work-shops de curta duração focalizaram o MÓDULO I que tratava mais especificamente da sensibilização auditiva e corporal dos professores.

As contribuições da etapa paulista de 1993 a 1998 para a evolução da minha

metodologia de trabalho podem ser sintetizadas nos itens abaixo:

1. Organização dos módulos didáticos que passaram a agrupar conhecimentos de uma área determinada da iniciação musical.

2. Percepção de que a formação de professores exige módulos didáticos específicos e diferenciados da formação musical infantil.

3. Incorporação da roda de conversa como estratégia de trabalho importante nos cursos e work-shops, levando à clara percepção da necessidade de abrir-se espaço ao debate.

4. Percepção da necessidade de diálogo com a prática dos professores, contextualização da experiência do curso, levando à reflexão e à incorporação de novas estratégias: leituras, debates, produção de textos e avaliação.

5. Inclusão nos objetivos do curso de um tópico referente à discussão da problemática do ensino musical o que representa um avanço em direção a uma prática mais reflexiva.

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6. A sensibilização musical tornou-se reconhecidamente o diferencial do meu trabalho. 1.6.1 Percepções dos participantes do curso1.6.1 Percepções dos participantes do curso1.6.1 Percepções dos participantes do curso1.6.1 Percepções dos participantes do curso SUJEITO 1 Coordenadora de EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil, na cidade de São Paulo; Formação em Ballet Clássico, diletante em música; Participou do curso Iniciação e Sensibilização Musical Pré-escolar em outubro de 1997, com a duração de 16 horas ( Ver Anexo X) SUJEITO 2 Professora de música em escolas de música e em escola de ensino fundamental; Pesquisadora e instrutora de danças folclóricas brasileiras. Atua na formação de professores da rede, nas áreas de preparação vocal e dança folclórica. Participou dos seguintes cursos ministrados por mim: Iniciação e Sensibilização Musical Pré-Escolar em outubro de 1997, com a duração de 16 horas; I Curso de Verão da Faculdade de Música Carlos Gomes, em janeiro de 1999, com a carga horária de 40 horas e do curso Pedagogia Musical Orff (módulo I) – SENAC São Paulo, março de 2000, com a duração de 12 horas. ( Ver Anexo XI) SUJEITO 3 Licenciada em Música pela Universidade de São Paulo; Professora de educação musical pré-escolar e dona de escola de música. Participou dos seguintes cursos ministrados por mim: Iniciação e Sensibilização Musical Pré-escolar, de junho a outubro de 1997, com a duração de 42 horas; Iniciação e sensibilização Musical Pré-escolar, curso de férias, na FMCG – Faculdade de música Carlos gomes, em janeiro de 1998, com 42 horas de duração; I Curso de Verão da FMCG, em janeiro de 1999, com a carga horária de 40 horas e do curso Pedagogia Musical Orff (módulo I) – SENAC São Paulo, março de 2000, com a duração de 12 horas. SUJEITO 4 Licenciada em Música. Atua como professora de Piano e Musicalização Infantil na Escola de Música ALLEGRO, da qual é também uma das diretoras.

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Participou dos seguintes cursos ministrados por mim: Iniciação e Sensibilização Musical Pré-Escolar de agosto a novembro de 1997, com a duração de 40 horas, na Escola Allegro, e de oficina sobre o mesmo tema em maio de 97, com a duração de quatro horas. SUJEITO 5 Diplomada em piano pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Atua como professora de piano na Escola Allegro, a qual também dirige. Participou dos seguintes cursos ministrados por mim: Iniciação e Sensibilização Musical Pré-Escolar de agosto a novembro de 1997, com a duração de 40 horas, na Escola Allegro, e de oficina sobre o mesmo tema em maio de 97, com a duração de quatro horas.

As entrevistadas falam abaixo sobre o tipo de representações mentais que conservaram dos cursos, e sobre os aspectos mais marcantes (assinalados em vermelho) das experiências ali vividas: Embora as representações mentais dos sujeitos e os aspectos mais marcantes da experiência tenham sido tratados em questões diferentes na entrevista, pareceu-me adequado tratar os dois assuntos simultaneamente, ao perceber que havia uma ligação natural entre aquilo que os sujeitos conservaram como imagens e lembranças, e aquilo que vivenciaram como a coisa mais importante do curso. Dessa maneira, abaixo, os sujeitos da pesquisa discorrerão sobre estes assuntos.

As falas transcritas abaixo referem-se então somente às questões 1 e 2 da entrevista; as respostas às outras questões – 3, 4 e 5 – podem ser encontradas no anexo, na íntegra e no capítulo intitulado Tema e Variações, no qual serão comentadas.

Falas dos participantes sobre as questões 1 e 2: 1. Como você descreveria a experiência de ter participado do curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL? Que imagem mental você conserva dessa experiência? 2. Para você, qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que pode experienciar nesse curso?

Sujeito 1 “...Uma imagem de muita paz, de muita harmonia (...) o curso, aquela

experiência, marcou muito a minha vida profissional e a minha vida...pessoal, né ?(...) eu reestruturei as duas vidas, a partir daquele curso, ne? (...)foram momentos de vivência que...

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que me deram bagagem para poder pensar em algumas coisas, e fazer opções na minha vida profissional e na minha vida pessoal inclusive. ...“

“...Foi poder se expressar com o corpo, o que eu sentia, porque assim apesar de eu ter feito dança, de eu ter feito patinação durante muitos anos, tá ? (...) a expressão do corpo e do sentimento era uma pesquisa que eu tinha que fazer interna comigo mesma, e aí eu pude perceber o quanto meu corpo pode expressar o que eu estava sentindo quando voce colocava enquanto estímulo aquelas músicas, né ? ...”

Sujeito 2

“... prá mim ficou muito claro o prazer que eu senti, de estar vivenciando a música, sentindo(...) voce consegue fazer com que a gente...é como se a gente entrasse na música, vivesse cada aspecto daquela estrutura musical (...) a gente percebia uma coisa muito grande no grupo (...) Será que é o grupo que é coeso? mas acho que tem muita influência do trabalho que buscava isso também, que levava a isso... (...) no final todo mundo chorava, (...) todo mundo ficava grudado, porque parecia assim que a gente não queria se desgrudar mais (...) não é só... não é só música...”

“... com esse trabalho de sensibilização (...) o resultado que era conseguido é que através da música, dessa coesão do grupo, o grupo se falava mesmo, aquelas atividades que a gente fazia: “voce tem que se comunicar com os olhos...”, ou com o corpo...então a gente sentia nas atividades que a gente conseguia se guiar,(...)a gente conseguia perceber quando é que eu ía guiar ou eu ía ser guiado, não precisava de palavras...”

Sujeito 3 “...Eu senti (...) uma questão do grupo sendo uma coisa só onde a gente repartia um único... a única comunhão seria a música, entende? o grupo se comunicando através da música. A gente sentindo que a música estava unindo aquele grupo, ou então o grupo estava sendo unido..., depois é que eu parava para analisar: não...foi a música...mas a gente existia antes da música, eu digo, entendeu? Era uma coisa separada...(...) era uma coisa onde a gente podia se expressar e comunicar com a outra pessoa usando elementos de movimento e de música...” “... a forma de se relacionar...então, e do grupo se relacionar, da coesão do grupo, isso daí é o que eu mais fico ligada, isso daí é o que eu realmente aprendi. (...) realmente essa impressão foi o mais importante de tudo o que eu realmente aprendi. (...) a convivência com grupos foi radical, depois desse dia, nunca mais fui a mesma, mudou assim radical mesmo. (...) eu gostaria de poder ter mais esse tipo de vivência,(...) eu acho que é uma coisa que como não

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faz parte da minha formação, isso daí, eu vou esquecendo aos poucos, eu sinto que vou esquecendo...mas acho que vai, infelizmente, vai...vai ser difícil...”

Sujeito 4 “...o curso foi tão assim completo que a gente se sente com segurança (...) de voce fazer um caminho dentro da educação musical, (...) Porque ele vai num processo e vai acrescentando experiências e abrindo a cabeça da gente para outras... outras buscas, outras experiências, sabe? (...) Ele ( o curso) trazia alguns exemplos mas que não era só aquilo, não ficava só naquilo, ele mexia com a cabeça da gente, (...) aquilo era uma caminho que voce tinha, era um método que voce ía trilhando, sabe? (...) o ouvir foi um dos pontos mais fortes do curso, o aprender a ouvir, e como ouvir, (...) e voce sensibilizar o ouvido para torná-lo mais requintado, né? (...) E voce perguntou uma coisa, o que mais a gente lembra, né? (...) A palavra que viria para mim é alegria de fazer junto. (...)eu acho que isso é uma liderança muito positiva, né? que voce tem que saber que tem mesmo, (...) porque o grupo tinha alegria!!.. de fazer junto...” “... esse módulo auditivo foi a maior surpresa para mim, foi o módulo que mais me pegou, sabe? Porque foi tão diferente de tudo que eu conhecia, e tão rico, né? de experiências...(...) bateu aqui dentro de uma maneira muito forte. Eu uso ele direto, di-re-to...”

Sujeito 5

“...Eu gostei muito do seu curso porque... (...) um curso de música, nem sempre a gente começa realmente com a música, e ouvindo música. Isso é uma coisa que me marcou muito no seu curso. (...) E outras coisas, trabalhei com a criatividade, né? mas em princípio foi o ouvir música, aprender a ouvir....” “... vou colocar mais um (aspecto) que para mim me marcou(além do aprender a ouvir). Eu gostei muito também da aproximação que voce fez com as artes. Voce aproximou o teatro, a dança e também o falar poético, (...) então, teve uma integração das artes e no fundo, sempre a música unindo tudo isso, (...) também... o material , o material que voce tem, né? ...”

1.6.2 Síntese dos aspectos citados1.6.2 Síntese dos aspectos citados1.6.2 Síntese dos aspectos citados1.6.2 Síntese dos aspectos citados

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As imagens mentais conservadas pelos sujeitos da pesquisa referentes ao curso Iniciação e Sensibilização Musical, assim como os aspectos mais marcantes ressaltados por eles dessas experiências podem resumir-se nos seguintes ítens: Obs.: entre parênteses será indicado o número de entrevistados que se referiu a esse aspecto. a) Sentimentos positivos generalizados: paz, harmonia, alegria, prazer, segurança, sentir-se uno, coesão, abertura para o novo, vivência da afetividade... (5)

b) Prazer proporcionado por experiências específicas: o sentir, a escuta musical, a expressão de sentimentos, a expressão pelo corpo, a comunicação, a percepção de si e do outro. (5)

c) Importância do ouvir (4) d) Intensidade da relação humana: sentimento de pertinência (3) e) Transposição de aprendizagens do curso para outras situações da vida profissional e pessoal ( 2) f) Comunicação não-verbal (2) g) Qualidade do material didático ( 2) h) Percepção do caminho metodológico (1) i) Integração entre as diversas artes (1)

1.7. VII Episódio1.7. VII Episódio1.7. VII Episódio1.7. VII Episódio Curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA Curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA Curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA Curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA São Paulo setembroSão Paulo setembroSão Paulo setembroSão Paulo setembro a dezembro de 1998a dezembro de 1998a dezembro de 1998a dezembro de 1998 ( Vide plano de curso no Anexo VII)

O curso ministrado na Faculdade de Música Carlos Gomes durante o II semestre de 1998 foi a grande oportunidade de começar a mudar minha forma de conceber a formação musical dos professores. Esse seria um curso realmente diferente.

Pela primeira vez, posso dizer que a formação que ministro evoluiu do campo da

vivência prática sensibilizatória pura para uma experiência mais completa que deu lugar à integração entre teoria e prática, ação e reflexão, sensibilização e análise crítica, criação e reprodução, entre outros binômios. Se, do ponto de vista da sensibilização existia já um longo caminho percorrido, no campo das outras estratégias possíveis –análise, crítica, comparação, debates etc- havia tudo por fazer.

Durante algum tempo questionei se não seria o caso de preservar minha área de

atuação no campo da prática e sensibilização musical – medo talvez. Cheguei à conclusão que mesmo o processo de sensibilização não pode prescindir de sua própria compreensão e análise. Se são

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importantes as experiências do ouvir, sentir, expressar-se, interagir, criar e imaginar, tão importante quanto é saber interpretá-las, fundamentá-las no conhecimento existente, afim de torná-las compreensíveis, significativas, e ainda, a fim de viabilizá-las em outros contextos, ou seja, nos lugares onde vivemos e trabalhamos.

Tendo em vista essas conclusões, este curso foi importante porque passou a incluir

em seus objetivos a reflexão sobre a prática, viabilizada nas estratégias de leituras, debates, assistência a vídeos, produção de textos e elaboração de atividades pelos professores, e ainda, pela primeira vez, tentei introduzir uma proposta de avaliação escrita. Não se tratava ainda de uma monografia, ou trabalho do tipo, mas sim, de um texto simples, escrito durante a última aula do curso. Houve alguma resistência por parte dos professores quanto às estratégias mais trabalhosas – escrever, por exemplo- mas ao final do curso, houve a admissão geral, por parte deles, do crescimento alcançado a partir da necessidade de refletir para conseguir transferir a experiência para o papel.

A reprodução simples de modelos de atividades infantis pelos professores , na

prática, seria o aspecto mais resistente e inconsciente de minha atuação. Somente a partir de meados de 1998 - e especialmente , a partir desse curso que estou comentando- comecei a perceber com clareza, que as vivências musicais propostas aos professores não teriam necessariamente que ser as mesmas elaboradas para as crianças. Tive então, duas percepções absolutamente fundamentais: primeiramente, a de que as experiências de sensibilização dos professores poderiam ir muito além da simples reprodução de atividades infantis; e em segundo lugar, percebi que a sensibilização, reflexão e prática dos professores deveria afetá-los de tal maneira que a partir delas se pudesse verificar mudanças em sua maneira de fazer e pensar. Enfim, percebi que o professor poderia e deveria tornar-se crítico e criador de sua própria atividade.

Assim, essas percepções tiveram algumas consequências muito importantes para o

futuro da formação que ministro e para a transformação da minha atuação: a) Mudança de foco da reprodução de atividades infantis para a elaboração ou recriação das mesmas por parte dos professores e por minha parte também.

b) Criação de dois focos de atuação prática nos cursos: a sensibilização dos professores por um lado e a execução e análise de atividades específicas elaboradas para crianças do outro. É certo que os dois focos interagem todo o tempo, sendo muito difícil separar e classificar suas ações e resultados. A percepção dessa distinção, no entanto, foi para mim de importância vital enquanto formadora de professores.

c) Atenuação de qualquer ansiedade por transmitir fórmulas prontas, modelos testados, ou mesmo o material didático. Todas as ansiedades diminuíram , o que fez também que os próprios professores passassem a dar menos importância a esse aspecto de reprodução de conhecimentos interessando-se mais pelo seu processo criativo, sem, no entanto, extrapolar certos limites: assim como resisti durante muitos anos a mudar o comportamento de transmissão de conhecimentos, os professores resistem bravamente à idéia de tornar-se completamente responsáveis por suas ações pedagógicas, resistem a ser totalmente independentes e criativos na organização de seu trabalho.

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No entanto, as contradições surgidas no processo do curso, fez com que eles passassem a questionar esse comportamento, ou pelo menos a dar-se conta de sua existência.

d) Descoberta de novas possibilidades para o trabalho de sensibilização musical - ao visualizar com clareza que havia uma diferença entre o que as crianças fazem e o que os professores podem fazer, e ao investir nesse potencial criador do professor, fui pouco a pouco, descobrindo com os próprios professores muitas outras aplicações para o processo de sensibilização musical que eu propunha. O nível de profundidade das experiências individuais e coletivas nos cursos cresceu muito – refiro-me a fortes experiências emocionais, de comunicação e interação no grupo, de criação coletiva, de percepções emergentes, entre outras – eu estava dentro de um processo, consciente de poder desencadeá-lo, ainda que sem saber exatamente o que estava acontecendo. Essa perspectiva era um tanto assutadora, tornava-se urgente começar a entender, e muito bem, com que tipo de processos eu estava lidando.

1.7.1. Percepções dos participantes do curso1.7.1. Percepções dos participantes do curso1.7.1. Percepções dos participantes do curso1.7.1. Percepções dos participantes do curso SUJEITO 6 Formada em História e Pedagogia frequentou também cursos livres de música (Piano popular). Atua como professora de pré-escola na Escola Jati especializada em deficientes e como professora e coordenadora do PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental ( desenvolvimento humano) no SENAC em São Paulo e como voluntária em educação musical na AACD – Associação de auxílio à criança defeituosa. Participou dos seguintes cursos ministrados por mim: Iniciação e Sensibilização Musical na Escola na Faculdade de Música Carlos Gomes de setembro a dezembro de 1998 com carga horária total de 60 horas e do curso Pedagogia Musical Orff no SENAC – Núcleo de Comunicação e Artes, em São Paulo, em maio de 1998 com a carga horária de 15 horas. SUJEITO 7 Formação em Educação Física com especialização em Dança-educação. Diplomada no Curso Técnico de Piano e Violão. Atua como professora de História da Música, Música de Câmara e Prática de Orquestra no Conservatório Musical Villa-lobos do qual é também coordenadora pedagógica. Participou do curso Iniciação e Sensibilização Musical na Escola ministrado por mim na Faculdade de Música Carlos Gomes no período de setembro a dezembro de 1998, com a carga horária de 60 horas. SUJEITO 8

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Não tem formação superior, cursou o segundo gráu completo. Participou de diversos cursos de extensão cultural na área de música (ULM – Universidade Livre de Música e Conservatório Musical Villa-Lobos). Professora de Música da AACD. Participou do curso Iniciação e Sensibilização Musical na Escola ministrado por mim no período de setembro a dezembro de 1998 na Faculdade de Música Carlos Gomes, com a carga horária total de 60 horas. SUJEITO 9 Publicitário, estudou um ano de Composição na Escola de Música da UNB - Universidade Federal de Brasília e com Celso Mojola na Faculdade de Música Carlos Gomes. Professor de musicalização Infantil na Escola de Música Ravel, em São Paulo. Participou do curso Iniciação e Sensibilização Musical na Escola ministrado por mim na Faculdade de Música Carlos Gomes no período de setembro a dezembro de 1998, com a carga horária total de 60 horas. Falas dos participantes sobre as questões 1 e 2: 1. Como você descreveria a experiência de ter participado do curso INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL? Que imagem mental você conserva dessa experiência? 2. Para você, qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que pode experienciar nesse curso?

Sujeito 6 “...Para mim foi assim...foi muito surpreendente porque, (...)eu pude sentir ali ...acho que eu poderia resumir na palavra movimento...o que aquele curso provocou na minha pessoa, né? mas um movimento que envolve vários aspectos, ou seja, aspectos cognitivos, aspectos sensoriais, emocionais, afetivos. E...foi muito interessante como vivência, (...) uma vivência da criatividade musical, foi muito incrível....” “... mais um assunto que para mim foi...indicador da qualidade do trabalho (além do movimento interior e da criatividade) (...) eu acho que a escolha de repertório desse curso era simplesmente espetacular, certo? (...) esse repertório ía de encontro à diversidade, à pluralidade das linguagens musicais, né? dos vários povos, das várias culturas que nós temos, simplesmente maravilhoso!... Foi um aspecto, a meu ver, determinante para a qualidade do trabalho, além de outros, mas esse foi especialmente assim...agradável....” Sujeito 7 “... a sensação que eu tenho desse curso é como se estivesse assim, quebrando couraças para alguma coisa, para a gente chegar no interior da gente. É bem isso que eu sinto e quando eu trabalho com as crianças, parece que o trabalho de sensibilização vai sempre para esse

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caminho: quebrando couraças para eles chegarem em contato com eles mesmos. Então acho que é um trabalho ma-ra-vi-lho-so....” “... tiveram dois que me marcaram muito: o primeiro foi aquele negócio dos povos, né?(trabalho com músicas étnicas), (...) o segundo foi quando voce colocou um tango e que a sensualidade - a minha - não sei eu interiorizei tanto, mas a minha sensualidade jorrou, foi um trabalho que eu curti muito, aquele dia eu saí com o meu ego lá em cima, polidíssimo, eu era a mulher mais maravilhosa do mundo, (...) eu lembro assim da sensação que eu tinha de me olhar no espelho sabe, então para mim, como Amália, né? como Amália, como mulher, foi uma sensação muito legal. Foram dois pontos que me marcaram, que quando eu lembro, eu lembro com saudades....” Sujeito 8 “... Bom, eu gostei muito do curso, me deu uma abertura assim em termos de como trabalhar, como musicalizar a criança. Eu gostei muito, para mim foi uma experiência...por eu ser uma pessoa muito tímida, aquela coisa de poder fazer, isso ficou bem assim na minha mente, né? de poder fazer as coisas, não ter um limite: “não... vou ter que fazer...vou ter que copiar de alguém; não, eu posso fazer...”. Isso me deu uma abertura , assim... Flávio - de ser capaz... Rose – Exatamente... Enny - A tua criatividade... Rose - Isso, botar em prática a minha criatividade....” “... essa coisa de voce ensinar brincando, isso é muito divertido, acho que é uma coisa assim que marca qualquer criança. Isso eu fiz com minha filha, algumas coisas que nós fizemos lá, aquilo fica uma maravilha...para a gente é isso, essa é a coisa principal do curso ...” Sujeito 9 “... Eu acho que o que foi mais marcante no curso de Sensibilização foi uma abordagem diferente, em vez do professor ir lá ensinar, ele só vai fazer uma vivência com os alunos, uma vivência com elementos musicais,...” “... Eu acho que é a vivência, (...) eu acho que essa possibilidade da criança vivenciar coisas musicais sem estar preocupada em decorar alguma coisa, né? essa brincadeira musical, isso é o que mais me chamou a atenção, é a coisa mais marcante. Eu acho a qualidade do material da apostila excelente, (...) eu me senti bem amparado nas apostilas e nas fitas....senti que agora eu tinha projetos que eu podia apresentar para as pessoas, para as escolas, eu achei muito bem organizado....”

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1.7.21.7.21.7.21.7.2 Síntese dos aspectos citadosSíntese dos aspectos citadosSíntese dos aspectos citadosSíntese dos aspectos citados A partir da fala dos participantes, pode-se resumir em tópicos os aspectos mais significativos da experiência vivida por eles no curso Iniciação e Sensibilização Musical: Obs.: entre parênteses, o número de entrevistados que citou o referido aspecto a) Trabalho da personalidade e aspectos terapêuticos diversos: (3) - Movimento interior cognitivo, sensorial emocional e afetivo - Desbloqueio da personalidade a través da atividade expressiva do corpo e da aceitação pelo grupo: quebra de couraças para chegar ao interior

- Consciência do poder próprio de realização - Elevação da auto-estima: vivência do prazer e da sensualidade - Transcendência de limites: vencer a timidez, abrir-se para o novo - Viver a própria criatividade

b) Importância do lúdico: ensinar brincando ( 2) c) Qualidade e diversidade do repertório ( 2) d) Importância do método e do modelo didático ( 2) e) Qualidade do material ( 1) f) Tomada de consciência sobre o ensino como vivência, não como transmissão e resgate da informação ( 1)

1.8. VIII Episódio Oficina de Expressão VOZ, SOM E MOVIMENTO - São Paulo 1993 a 1999 (Vide plano da oficina no Anexo VIII)

As oficinas Voz, Som e Movimento surgiram de forma casual em minha vida profissional. Na primeira delas, em maio de 1993, eu estava reiniciando minha carreira no Brasil. Tinha por hábito não recusar qualquer convite de trabalho, mesmo quando o tema fugia um pouco à minha especialidade, a educação musical. Foi o que aconteceu então. Tive que substituir uma pessoa que faria uma oficina de Canto Coral num evento maior no SESC Rio Preto. Como não dominava a espcialidade regência coral, decidi fazer uma atividade de escuta de música vocal contemporânea e de músicas étnicas, e a partir das audições, realizar atividades lúdicas de voz e movimento.

A atividade a que me propus me assustava bastante, não me sentia segura sem

um planejamento do tipo que costumava fazer para os cursos de professores. Haveria nessa oficina

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uma liberdade de ação e expressão às quais eu não estava acostumada e cujos resultados não conseguia prever, nem imaginar.

Utilizei estratégias que eu havia vivenciado no Roy Hart Theatre (escola de

canto e expressão de Lyon), selecionei um repertório vocal bastante inusitado que aliás, eu mesma não conhecia perfeitamente bem. E fui para esse trabalho com boa dose de ansiedade.

A experiência esteve bem acima das minhas expectativas. No grupo havia

bailarinos, ludoterapeutas, cantores de coral, enfim, uma mistura de gente muito disponível para criar. Os resultados de nossas ações escaparam completamente a qualquer previsão. Houve grande sintonia entre as pessoas do grupo e momentos poderosamente expressivos em sua atuação. Pela primeira vez, me dei conta de que esse tipo de atividade musical tinha uma inegável função catártica. Saí desse curso entre encantada e assustada. Só voltaria a abordar esse tipo de expressão musical quatro anos depois.

A liberdade de criação e expressão, a capacidade de evocar imagens e provocar sensações que caracterizam esse tipo de oficinas não se adequavam completamente à ação mais regrada característica dos cursos de formação de professores, por isso mesmo, durante alguns anos, não enocntrei- ou não soube procurar- espaços par a oficina Voz, Som e Movimento. Por outro lado, tão pouco podia esquecer aquelas vivências poderosamente expressivas. Um desejo interior um pouco incosnciente me levava cada vez mais a introduzir atividades desse tipo na formação de professores, sempre com resultados surpreendentes. O espírito livre e descompromissado das oficinas passou pouco a pouco a insinuar-se nos cursos de formação coincidindo com o momento de minha percepção de que a sensibilização dos professores poderia ir bem além das atividades infantis.

Atualmente, eu definiria o que chamo de “espírito da oficina “ Vos, Som e

Movimento, como uma predisposição à criatividade e expressão através da música em suas várias vertentes, tendo como estratégias mais importantes a imbricação das diversas formas de expressão musical- vocal, corporal, instrumental - , a fusão de linguagens artísticas, a improvisação, o jogo da imaginação e uma certa magia resultante do fluxo ininterrupto e da sintonia entre as pessoas.

O diálogo constante entre a liberdade das oficinas Voz, Som e Movimento e a

atividade mais centrada dos cursos de formação de professores tem resultado num tipo de formação onde dimensões tradicionalmente descartadas ou dicotomizadas – sentir, imaginar, criar, por exemplo- podem ser reincorporadas.

Essa reincorporação de dimensões sensíveis diversas ao processo formativo tem

levado meu trabalho a expandir-se para outras áreas e à uma percepção fina do papel funcional da música na sociedade atual, como Koellreutter bem ressaltou. Tenho percebido que no campo das atividades de sensibilização musical todas as pessoas de todas as classes sociais e campos do conhecimento se igualam, a carência é a mesma. Um estudo do tipo que estou fazendo no intuito de fundamentar a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical terá com certeza muitas aplicações diferentes, além da formação de professores, a exemplo de oficinas anti-estresse em empresas,

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atividades diversas de lazer, atividades integrativas de apoio em programas de reabilitação cognitiva e social ou terapêuticas, musicoterapia, entre outras. Através dos diferentes grupos de pessoas com os quais tenho trabalhado posso vislumbrar diversos encaminhamentos possíveis para essa metodologia. 1.9. IX Episódio1.9. IX Episódio1.9. IX Episódio1.9. IX Episódio Curso Curso Curso Curso IIIINICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL PRÉNICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL PRÉNICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL PRÉNICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL PRÉ----ESCOLESCOLESCOLESCOLAR AR AR AR São Paulo/I semestre de 2000São Paulo/I semestre de 2000São Paulo/I semestre de 2000São Paulo/I semestre de 2000

(Vide plano de curso no Anexo IX)

Os cursos realizados no ano 2000- no SESC Vila Mariana e no meu próprio Atelier- realizam a síntese de uma trajetória de trabalho que poderia ser descrita em termos de visão do todo e adensamento da concepção sobre a formação de professores, nos seguintes termos:

1. De uma prática totalmente empírica a uma prática sustentada por uma fundamentação teórica. 2. De uma prática vivencial à uma prática que é também reflexiva. 3. De uma visão fragmentária do processo de formação de professores a uma visão mais abrangente consubstanciada principalmente nas seguintes percepções:

a) Necessidade de atender aos professores de uma forma mais completa, enfocando tanto aos aspectos empíricos quanto aos aspectos teóricos e científicos de sua formação.

b) Compreensão de que a formação exige um certo lapso de tempo de trocas de experiências e digestão dos conhecimentos, deslocando portanto a prática de workshops e cursos intensivos para uma prática com encontros mais espaçados ao longo de um período maior de tempo.

c) Percepção de que os cursos devem ter um caráter mais formativo do que informativo.

A partir dessas percepções, algumas mudanças estruturais estão sendo introduzidas ou experimentadas nos cursos: - A filosofia de trabalho de Iniciação e Sensibilização Musical antes apenas intuída pelas atividades práticas, passa agora a ser apresentada e discutida através de textos de autores que a fundamentem e de meus próprios escritos.

- A sensibilização musical dos professores passa a ser feita a partir de atividades criadas especialmente para eles, em sua especificidade de profissionais e adultos, enquanto que o “receituário de atividades infantis” , antes utilizado para essa finalidade, passa a ser um arquivo de idéias e um ponto de partida para a produção dos próprios participantes.

- A reflexão sobre a própria prática de aula e prática curricular em música passa a ser um dos eixos do curso tratado através de leituras, debates, produção de relatos e textos.

- O curso passa a ter uma nova divisão em três módulos: Módulo I – Escuta Musical e Expressão corporal – 40 horas; Módulo II – Práticas Musicais – 40 horas;

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Módulo III – Linguagem Musical – 40 horas

- Todos os módulos passam a ter três tipos de atividade: a sensibilização dos adultos; as atividades infantis; o processo de reflexão através de leituras, debates e produção de texto.

A partir dessas mudanças tem-se verificado maior autonomia criativa e maior

preparo emocional e técnico por parte dos professores que passaram pela formação, segundo seus próprios depoimentos.

2. SÍNTESE DA EVOLUÇÃO METODOLÓGICA2. SÍNTESE DA EVOLUÇÃO METODOLÓGICA2. SÍNTESE DA EVOLUÇÃO METODOLÓGICA2. SÍNTESE DA EVOLUÇÃO METODOLÓGICA de Iniciação e Sensibilização Musicalde Iniciação e Sensibilização Musicalde Iniciação e Sensibilização Musicalde Iniciação e Sensibilização Musical

I EPISÓDIO

Oficina “MUSICALIZAR“MUSICALIZAR“MUSICALIZAR“MUSICALIZAR---- El niño y la vivencia musical”El niño y la vivencia musical”El niño y la vivencia musical”El niño y la vivencia musical” Málaga 1987 Constituição de um arcabouço filosófico para a prática em pedagogia musical:

1. Uma visão emergente de mundo, fundamentada na concepção do novo paradigma ecológico. 2. Valorização de uma visão holística do aluno e da forma de ensinar música. 3. A idéia de desenvolver o contato interhumano e a comunicação através da música. 4. Idéia de ensino/aprendizagem musicais como experiência vivencial, do sentir e do fazer, primordialmente.

5. Valorização de valores qualitativos em música em oposição aos valores quantitativos. 6. Incorporação de tendências da música contemporânea no ensino musical. 7. Valorização da improvisação e de formas menos diretivas – auto-reguladas- de atuação musical em grupo.

II EPISÓDIO JORNADAS DE RENOVACIÓN PEDAGÓGICA Andaluzia 1987/88 1. Colocação em prática de conhecimentos teóricos acumulados desde 1984. 2. Tomada de consciência efetiva do valor pedagógico da experiência com a música contemporânea. 3. Desenvolvimento da capacidade de adaptação a situações e grupos de pessoas sempre novos. 4. Desenvolvimento da criatividade. 5. Percepção e aplicação de uma prática mais integradora em pedagogia musical. III EPISÓDIO AULA PERMANENTE DE PEDAGOGIA MUSICAL Málaga 1988/89

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1. Abertura de um espaço de experimentação e concretização de conhecimentos teóricos. 2. Realização de uma primeira síntese de minha experiência prática e teórica no campo da pedagogia musical.

3. Primeira sistematização escrita da minha experiência prática no campo do ensino da música. IV EPISÓDIO INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL Málaga/1989 1 Personalização das atividades: pesquisa e elaboração de recursos didáticos próprios. 2 Elaboração, pela primeira vez, de um texto teórico subsidiando a prática do professor. V EPISÓDIO INICIACIÓN Y SENSIBILIZACIÓN MUSICAL EN LA ESCUELA GENERAL BÁSICA Lyon/1991 1 Registro da experiência profissional européia em sua forma mais depurada. 2 Condensação de experiências pessoais, profissionais, intelectuais e sociais. 3 Constituição filosófica e formatação concreta da minha proposta em pedagogia musical. 4 Sistematização de um processo de reflexão que serve de referência e inspiração para tudo o que tenho feito desde 1991.

5 Materialização de um arquivo de idéias musicais aplicáveis à pedagogia musical e a outros campos profissionais emergentes.

VI EPISÓDIO INICIAÇÃO E SENSIBLIZAÇÃO MUSICAL PRÉ- ESCOLAR São Paulo 1993/1998 1. Organização dos módulos didáticos agrupando conhecimentos por áreas determinadas. 2. Percepção da necessidade de diferenciar os módulos de formação de professores dos módulos de educação musical infantil.

3. Incorporação da roda de conversa como importante estratégia de trabalho. 4. Percepção da necessidade de diálogo com a prática dos professores e contextualização da experiência do curso.

5. Incorporação de novas estratégias: leituras, debates, produção de textos e avaliação. 6. Inclusão nos objetivos do curso de um tópico referente à discussão da problemática do ensino musical .

7. A sensibilização musical torna-se o diferencial do meu trabalho.

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VII EPISÓDIO INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL NA ESCOLA São Paulo - setembro a dezembro de 1998 1. Mudança de foco da reprodução de atividades infantis para a elaboração ou recriação destas. 2. Criação de dois focos de atuação prática: sensibilização dos professores e a execução e análise de atividades específicas para crianças.

3. Atenuação de qualquer ansiedade por transmitir fórmulas prontas, modelos testados, ou mesmo o material didático.

4. Descoberta de novas possibilidades para o trabalho de sensibilização musical. 5. Percepção da necessidade de fundamentar teoricamente as práticas de sensibilização. VIII EPISÓDIO OFICINAS VOZ, SOM E MOVIMENTOOFICINAS VOZ, SOM E MOVIMENTOOFICINAS VOZ, SOM E MOVIMENTOOFICINAS VOZ, SOM E MOVIMENTO São Paulo – a partir de 1992 1. Percepção clara de que a atividade musical expressiva tem função catártica. 2. Incorporação à metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical de dimensões sensíveis e de um espírito de liberdade de ação e criação exploradas nas oficinas de forma mais aprofundada.

3. Percepção da carência generalizada das dimensões expressivas, emocionais e relacionais suscitadas pela experiência musical, em todos os grupos de pessoas observadas, não importando nível intelectual ou classe social.

4. Percepção de muitas aplicações diferentes, além da formação de professores, para a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical, resultando em grande expansão do campo de trabalho.

5. Preocupação com repertório diferenciado do ponto de vista expressivo e de misturas culturais. IX EPISÓDIO INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL PRÉ-ESCOLAR SESC Vila Mariana/ATELIER MUSICAL Enny Parejo São Paulo - a partir de abril de 2000 1. Reestruturação dos conteúdos pedagógicos em quatro módulos mais abrangentes. 2. Focalização da formação do professor como um fenômeno que se desenvolve e amadurece no tempo levando à revisão e aumento da duração dos cursos.

3. Criação de dois novos módulos específicos: Fundamentos teóricos do currículo em Educação Musical e Formação Musical.

4. Consolidação das práticas pedagógicas por mim desenvolvidas gerando maior segurança e prazer no trabalho.

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POEMA SINFÔNICOPOEMA SINFÔNICOPOEMA SINFÔNICOPOEMA SINFÔNICO

Por uma educação que integre os novos paradigmas,Por uma educação que integre os novos paradigmas,Por uma educação que integre os novos paradigmas,Por uma educação que integre os novos paradigmas, na música e nna música e nna música e nna música e na vida...a vida...a vida...a vida...

O Poema Sinfônico é uma obra descritiva que procura narrar um drama, evocar imagens com precisão, de forma pictórica, utilizando para tanto somente recursos instrumentais de uma grande orquestra. Somente um poema grandioso para comparar-se à

magnitude do pensamento sistêmico, quadro filosófico de rara beleza no qual insiro a reflexão sobre a educação

musical e a vida.

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1. O CONTEXTO1. O CONTEXTO1. O CONTEXTO1. O CONTEXTO

A função da música e do artista criador é clarificar as grandes idéias filosóficas e científicas da sociedade onde vive. 10

H.J.Koellreutter “A palavra ‘por que’ é uma universidade”. Dessa maneira, Koellreutter, meu

mestre e amigo, inicia quase todos os seus cursos. A palavra por que tem contribuído para que nos últimos anos eu questione cada momento de minha atividade, cada decisão, cada planejamento de aula. Esta palavra mágica tem me levado à busca da compreensão profunda de qual seria a função de ensinar música numa sociedade como a nossa.

Desde sempre, a música popular – aquela que originou a concepção de que “o povo

brasileiro é musical por excelência” – vem existindo no seio da cultura popular, sem constituir-se em objeto de estudo. A música clássica de tradição européia, por sua vez – esta sim, objeto de estudo nas escolas e conservatórios - desde os tempos da colonização e até há poucas décadas atrás, caracterizou-se como entretenimento para as elites; todas as moças de boa família tinham que ter em sua formação aulas de Canto e Piano. Mário de Andrade, aliás, no seu mais puro estilo jocoso, já criticava a “pianolatria”11 do início do século passado, no Brasil.

Nas últimas décadas, no entanto, uma série de fatores alteraram drasticamente

esse quadro. A música popular brasileira que em suas manifestações mais puras e menos comerciais, continua existindo apenas na vida do povo, afastada da mídia e das escolas, não sofreu tantas perdas; com relação à música clássica, no entanto, a queda foi grande: a “pianolatria” não preocuparia mais Mário de Andrade na atualidade, o piano tornou-se um móvel um tanto indigesto nas casas, uma herança duvidosa; as aulas de Canto e Piano não constituem mais valor estético ou social na sociedade pós-moderna; tão pouco existe uma classe média detentora de poder aquisitivo para oferecer essa formação – agora supérflua- para seus filhos. Para culminar, reformas legais da década de 80, arrasaram o status dos conservatórios como instituições formadoras, deixando-lhes apenas a função de ser um espaço para aulas de música “à la carte”, vieram a dar o golpe de misericórdia num tipo de ensino que por falta de modernização, adequação à realidade brasileira e sobretudo pelas

10 H.J. KOELLREUTTER, Apontamentos do Curso de Estética realizado no SESC Consolação, setembro de 1995. 11 CALDEIRA FILHO, Pianolatria, O Estado de São Paulo, 07/02/1982.

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circunstâncias sócio-políticas, já se encontrava em decadência. O que resta dos conservatórios atualmente são alguns poucos exemplos heróicos de sobrevivência, sendo que em nenhum deles se encontra a sombra do que foi o ensino musical em outros tempos. Não há qualquer preocupação governamental com o resgate desse ensino, e mesmo a classe musical parece perdida em meio à situação. Os filhos das melhores famílias continuam estudando no exterior.

Recentemente, em 1998, o Secretário Estadual de Cultura, Sr. Marcos

Mendonça, teve o trabalho de reestruturar a Orquestra Sinfônica Estadual ( OSESP). O trabalho deveria ser rápido e eficaz, o secretário desejava “níveis de excelência”, antes das eleições. Os níveis foram atingidos com um diretor de orquestra estrangeiro e um contingente de músicos vindos diretamente do exterior. O fato, a rigor não apresenta nenhum motivo de orgulho para o Estado de São Paulo.12

Portanto, o ensino médio profissionalizante de música, no Brasil, de onde deveriam

sair os futuros profissionais, está completamente inoperante e desqualificado, e este fato, naturalmente, não é sem consequências para o ensino superior cujos níveis decaem dia a dia. Atualmente, algumas Faculdades de Música aceitam como alunos de curso superior pessoas que mal tocam um instrumento e que conseguem sua vaga depois de haverem sido reprovadas em dois ou três vestibulares no mesmo ano- e na mesma escola !-, para logo em seguida serem aprovadas no terceiro ou quarto. Não é necessário dizer que o único objetivo das instituições de ensino superior que procedem dessa maneira é preencher seus quadros, de maneira a não “reduzir o faturamento da empresa”.

De forma aparentemente contraditória, o governo através de dois documentos

oficiais os RCNEI – Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, volta a discutir propostas para a retomada da educação musical como um dos eixos de trabalho orientado para a construção das diferentes linguagens. Esta retomada, no entanto, não é programada e assumida como uma responsabilidade das autoridades, mas sim deixada a cargo de cada instituição. Não havendo uma proposta de formação de professores para atuar em música, segundo as propostas dos RCN e PCN, temos assistido a uma grande confusão nessa área: escolas tentando a todo custo adaptar-se à nova proposta governamental mesmo a custo de desagregar trabalhos anteriores existentes, ou a inserção da música no currículo, sem qualquer critério, apenas para estar conforme aos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Nessa situação, a tendência é a música voltar a ser privilégio das classes sociais

frequentadoras das melhores escolas - a cada dia, aliás, aumenta o número de instituições de ensino particular que incluem a música em seu currículo- ou daqueles que podem pagar por cursos particulares. Enquanto isso, nas escolas públicas que aliás concentram a maior parte da população brasileira, o ensino da música fica a cargo de projetos especiais, quando existem, ou de projetos do tipo “amigos da escola”, configurando uma situação bastante desalentadora. Estando as escolas públicas sucateadas, 12

Todos os fatos relativos a essa questão estão reunidos em dossiê preparado especialmente por ocasião da luta pela sobrevivência do setor pedagógico da Universidade Livre de Música, em São Paulo, 1998. Na época, eu coordenava o Depto. Infanto-Juvenil da instituição e liderei movimento que se opunha às políticas culturais do governo do Estado.

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seus professores desgastados e sendo a falta de recursos total, como implementar a música na escola? Como pagar professores de música com a capacitação necessária para conduzir este trabalho? Ou será que a música, caso venha a “restabelecer-se” dessa situação doentia, deverá voltar a ser um privilégio reservado apenas às elites? Como interpretar as contradições das ações governamentais? Como reagir? O que pensar do ensino da música no Brasil? O que ensinar? Para que ensinar música?

A insistência em responder a essas questões têm inspirado minhas reflexões nos

últimos dez anos e alterado minha forma de ver a função da música na sociedade brasileira. Se antes, quando a música estava confinada ao usufruto de uma elite a situação era insatisfatória, hoje o incômodo é ainda maior: nem elites, nem excluídos.

A presença da música na sociedade brasileira atualmente tem que se enquadrar

numa concepção mais ampla de “música funcional”, assumindo funções inovadoras, diferentes das que conhecemos, e muito mais abrangentes. A rigor, a expressão “educação musical popular” ou algum outro termo ainda por cunhar, viria melhor definir estas novas funções sociais da música.

Essa educação musical não pode prescindir de uma dimensão democrática de

acessibilidade a todos; esta educação deverá, no Brasil, despojar-se do tecnicismo que herdamos da cultura européia, deverá integrar-se à formação humana de todas as crianças e de todos os profissionais que, em processo de formação, não poderiam prescindir de uma dimensão estética em suas vidas. Música, nessa ótica, não é atividade supérflua, H.J.Koellreutter bem define quais seriam as suas funções:

“ A arte converte-se em fator preponderante de estética e de humanização do processo civilizador; porque estou convencido de que apenas a transformação da arte em arte ambiental- e, portanto, em arte funcional- pode prevenir o declínio de sua importância social. Por sua vez, o artista torna-se consciente de que a sua função social é uma função, no mais amplo sentido do termo. Porque as realidades profissionais da sociedade tecnológica e industrializada são imcompatíveis com o conceito tradicional do artista burguês, ou seja, "o gênio" que permanece distante da sociedade. Dentro dessa sociedade, encontramos vários campos de atividades que podem ser intensificadas e desenvolvidas através da música funcional: no campo da educação,em geral - a música, não como música pela música, mas sim como instrumento de educação- no campo de trabalho, nas relações interhumanas, na terapia e reabilitação sociais. Enfim, nestes e em outros setores da vida moderna, a música funcional pode fazer-se presente, de uma forma dinâmica e produtiva. O objetivo dessa interação arte/civilização deveria ser o de intensificar certas funções da atividade humana; ou, em outras palavras, ‘humanizá-las’ com o auxílio da comunicação estética, funcionalmente diferenciada. No tocante à música na sociedade moderna- ou melhor, no tocante à educação pela música - a mais importante implicação desta tese é a tarefa de despertar, na mente dos jovens, a consciência da interdependência de sentimento e racionalidade, de tecnologia e estética. No fundo, isto significa desenvolver a capacidade do ser humano para um raciocínio globalizante e integrador.”13

13 H.J. KOELLREUTTER, O Objetivo da aprendizagem musical: O Humano, Boletim do CAP -Centro de Ativação Pessoal, 1991

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A educação musical, nessa ótica, passa a existir entre nós como estratégia de

resistência que busca preservar o sentido de humanidade. Estas estratégias virão a garantir o resgate do humano, a formação do ser humano integral.

Repensar a educação musical numa ótica abrangente, referendada por valores de

formação humana como vimos falando acima não é tarefa fácil. Todo projeto educacional, e por conseguinte, todo projeto de educação musical implica numa concepção de sociedade e de ser humano que seu autor deseja ver realizada. Assim, repensar a educação significa repensar a pessoa humana e a sociedade.

Não há como refletir sobre tudo isso sem constatar o estado doentio em que se

encontra nossa sociedade. Muitas são as situações que nos conduzem a isso. No limiar de novos paradigmas para a condição humana, movimentos sociais denunciam o mal estar profundo do ser humano, tornando urgente a tarefa de transcender a falta de prazer da vida moderna, renovando as possibilidades de uma vida mais equilibrada. Refletir sobre a situação do homem no mundo contemporâneo e sobre sua formação são tarefas de alta complexidade.

Esta nova forma de educação que poderá tornar-se funcional na sociedade de

várias maneiras abrangentes e inspiradoras necessita de um amplo quadro filosófico que a sustente, justifique e explique. Uma filosofia de vida que permita repensar o ser humano em sua multidimensionalidade, resgatando dele e do ambiente onde vive, uma visão humanista, ecológica integradora.

A Teoria dos Sistemas nos apresenta uma cosmovisão que viabiliza a tentativa

de compreensão e análise de fenômenos hipercomplexos- o ser humano, o cosmos, a vida- um caminho para novas percepções. Neste contexto filosófico, histórico e cultural coloco as intenções da metodologia de INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL.

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2.UMA VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO2.UMA VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO2.UMA VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO2.UMA VISÃO SISTÊMICA DE MUNDO

“... Talvez o parâmetro sistêmico mais elevado seja a estética. Todas as coisas estéticas são organizadas, mas nem tudo o que é organizado possui estética. A natureza tem uma solução estética para manter-se. A arte é fundamental para a complexidade humana, o humano implica nessa exploração. A primeira tentativa é a de representar o mundo desde tempos

ancestrais, numa espécie de demarcação de valores...” 14

Jorge de Albuquerque

2.1 Contribuições da ciência para a transformação social2.1 Contribuições da ciência para a transformação social2.1 Contribuições da ciência para a transformação social2.1 Contribuições da ciência para a transformação social

Nos últimos trezentos e cinquenta anos, a visão mecanicista de mundo vem dominando todas as nossas concepções, em praticamente todos os campos do conhecimento. A partir do pensamento de Descartes (1596-1650) e da mecânica clássica de Newton, estabeleceu-se a primazia da racionalidade sobre todas as outras dimensões humanas. As idéias desses dois grandes pensadores contribuíram para que passassemos a interpretar o mundo, a vida e as relações entre pessoas e objetos como eventos orientados por determinações mecânicas, regidas por leis causais.

Ao afirmar “Penso, logo existo” , Descartes instaurou o dualismo

espírito/matéria que culminaria numa visão fragmentária de mundo e ser humano de tal amplitude que impossibilitaria a este último compreender-se como totalidade, retirando-lhe também o sentimento de pertinência à natureza. A partir desse fundo filosófico apoiado por importantes descobertas das ciências exatas, nos séculos XVII e XVIII, o caminho estava preparado para que também os processos sociais e, consequentemente, educacionais fossem enclausurados pela força de concepções reducionistas e positivistas que até hoje se mantém entre nós - nas escolas, no pensamento acadêmico e mesmo na mentalidade popular – como pilares de uma civilização racionalista ao extremo: a civilização ocidental.

No entanto, se foi a partir da ciência que a visão mecanicista de mundo pode solidificar-se, é também através dela, que uma profunda mudança de paradigmas se prefigura. Mas afinal, o que seria um paradigma?:

“ Para Kuhn, é um conjunto de teorias, ou um modo de ver o mundo , que consegue atrair a unanimidade dos cientistas, ao mesmo tempo em que deixa vários problemas

14 Jorge de ALBUQUERQUE, Apontamentos de aula, PUC – São Paulo, 2000

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para serem resolvidos. Sem um paradigma, diz Kuhn, a ciência não pode se desenvolver, porque cada cientista atira para um lado. O paradigma permite que os resultados dialoguem, que os avanços se somem. Até que a ciência chegue a um novo impasse: então é a chance de outro paradigma ser proposto.” 15 Atualmente a expressão popularizou-se, e é muitas vezes utilizada com sentido

pouco claro. O importante a reter é que a noção de paradigma não se restringe mais apenas ao campo das ciências, mas sim a todas as áreas do pensamento humano. Graças aos paradigmas a mentalidade de uma sociedade ganha coesão.

A amplitude de mudanças observadas atualmente no ocidente, as novas idéias,

perspectivas e anseios configuram-se como uma mudança de paradigma. Este, tem sido chamado Paradigma Ecológico em oposição ao Paradigma Mecanicista. Foi a partir de descobertas da Física moderna - em especial da mecânica quântica- que nossas percepções começaram a mudar. Percebeu-se que a menor unidade indivisível de matéria praticamente inexiste. Energia e matéria são conceitos que se apresentam num continuum e confundem-se; tudo aquilo que experimentamos como sendo sólido, o sentimos graças a um jogo de forças dinâmicas de atração e repulsão, e ao movimento extremamente rápido de partículas sub-atômicas que consideradas isoladamente não podem existir. Toda a matéria existente se baseia então no princípio monista de energia, dando ao mundo uma unidade indivizível. Caso pudessemos reduzir nossas dimensões às de uma partícula sub-atômica, veriamos que não existiriam mais objetos e estariamos fusionados, interconectados com tudo o que está a nossa volta.

A partir destas incríveis percepções, a concepção filosófica da vida começou a

mudar. Esta, deixou de ser entendida como um fenômeno linear, temporal, localizado, para ser entendida como uma trama, estendendo-se a todas as direções e dimensões, num processo intrinsecamente dinâmico. Algumas idéias centrais passaram a escapar do âmbito das ciências naturais para atingir a realidade social. Dentre estas percepções geradoras, destaca-se a de que a realidade é indivisa: seres, natureza, sistemas sociais são entendidos como totalidades integradas; a indivisibilidade dos fenômenos nos coloca frente a frente com um universo relacional, composto de milhões e milhões de interconexões que jamais cessam de ocorrer; estas conexões nos levam a compreender o cosmos e a vida como um processo orgânico e dinâmico em essência; as noções de fluxo e transformação permeiam atualmente todas as nossas concepções. Os processos da vida, e por extensão, processos sociais e educacionais podem ser interpretados como sistemas abertos, ou seja, sistemas que se inter relacionam todo o tempo, trocando energia entre si e com o meio circundante. Estas novas concepções têm sido estudadas pelas várias teorias que se agrupam sob a égide do pensamento sistêmico. Nesse sentido, pela primeira vez na história ocidental, os mais diferentes campos de estudo- Física, Biologia, Neurobiologia, Química, Psicologia, Sociologia, Educação, Economia, Medicina, entre outros- preocupam-se com uma nova compreensão da vida que é uma visão sistêmica, ainda que com diferentes enfoques. Muitos dos cientistas, filósofos e pensadores mais

15 David COHEN, Já quebrou o seu paradgima hoje?, Revista Exame, 03/11/1999

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eminentes da atualidade debruçam-se sobre estas questões integrando diversas teorias que plasmarão uma visão unificadora de mundo.

Mas...o que seria exatamente uma visão sistêmica de mundo? Tomando por base a definição de A . Uyemov, se poderia definir

SISTEMA como “...um agregado de elementos sobre os quais atua um conjunto de relações, de tal maneira que estes possam partilhar uma ou algumas propriedades”.16 Cada um dos elementos do sistema é em si mesmo, um outro sistema de complexidade menor, ou seja um subsistema. Dessa maneira, o universo e tudo o que nele existe podem ser definidos como sistemas: os objetos, plantas, animais, nós, o sistema planetário. Todas as coisas existentes são sistemas compostos por sistemas menores que por sua vez também são compostos por sistemas. Essas hierarquias e inter relações entre sistemas e subsistemas nos dão a justa medida da complexidade dos seres e processos que pretendemos compreender. Um ser humano, por exemplo, constitui-se de uma infinidade de sistemas em estreita interação, desde seus átomos e células até sistemas de extrema complexidade como o sistema nervoso. O ser humano é o sistema mais complexo que conhecemos.

A sociedade é também um sistema altamente complexo. Seus componentes básicos

são os seres humanos, que estabelecem entre si relações das mais diversificadas. Dessas relações emergem propriedades- costumes, formas de relacionar-se, regras sociais, cultura- que serão partilhadas por todos os elementos do sistema social ou por parte deles. Os diversos grupos sociais podem então ser vistos como subsistemas da sociedade. Naturalmente, esta é uma representação extremamente simplificada de um sistema social.

A concepção sistêmica da vida, parte da aceitação da interconexão e

interdependência existente entre todos os seres, coisas e processos. Assim, se desejarmos ter a visão sistêmica de um assunto ou problema será necessário contextualizá-lo e dedicar-se à análise de todas as sua variáveis de forma interconectada, mapeando o todo.

A visão sistêmica dos fenômenos que desejamos compreender só se torna possível

porque coisas, seres e processos são sistemas abertos. SISTEMAS ABERTOS são aqueles que trocam matéria, energia e informação entre si e com o ambiente onde existem. Um sistema só pode ser compreendido dentro de um sistema maior que é o seu ambiente; o ser humano só pode ser entendido no seio de uma comunidade da qual faz parte; a função da escola não pode ser compreendida se a isolarmos da sociedade, da cultura e da realidade do aluno. O ambiente transforma os seres tanto quanto é transformado por estes, porque ambos são sistemas abertos que trocam entre si matéria, energia e informação. O cosmos serve de ambiente para tudo aquilo que existe em nosso mundo.

16

Avanir UYEMOV, Problem of direction of timeand the laws of systems’ development. In: Science and Philosophy p.93, apud VIEIRA, Jorge de A. Organização e Sistemas ( Escrito do autor no qual cita Uyemov), pág. 4.

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Segundo J. de Albuquerque17, a compreensão da visão sistêmica de mundo implica na resolução da tensão existente entre ATOMISMO e HOLISMO. O Atomismo é uma antiquíssima corrente filosófica segundo a qual, a realidade pode ser dividida em partes, podendo-se chegar nesta divisão, à uma parte ínfima indivisível; desde a Grécia antiga, com Demócrito, o ser humano pensou em encontrar e menor unidade indecomponível da natureza, o átomo; outra premissa atomista defende que através da parte é possível conhecer o todo. Estas idéias cresceram, estenderam suas raízes por todos os domínios das ciências naturais e humanas e ainda estão na base de formas reducionistas de pensar contra as quais ainda temos que argumentar na atualidade. O Holismo, por sua vez, dá prioridade ao todo e sua tese mais importante é a de que “o todo é sempre mais do que a soma de suas partes”. Ehrenfels, um dos precursores da psicologia da Gestalt, explicou como isso ocorre ao formular a Teoria das Qualidades das Formas, cujos princípios mais importantes são aqueles que estabeleceu como critérios formais da melodia:

1- Uma forma é mais do que a soma das sua partes. 2- Toda forma é transponível desde que se mantenham suas características estruturais.18

Se fizermos soar as notas de uma melodia separando-as do todo, ou seja mudando

sua duração, frequência ou qualquer outro parâmetro, estaremos destruindo a melodia, pois, esta, organiza-se e torna-se inteligível segundo regras estritas da sintáxe musical. Estas relações internas que regulam o todo fazem com que experimentemos essas frequências como sendo uma melodia, um todo funcional perceptível como uma unidade. São as relações estruturais internas entre os sons que dão sentido ao todo. Estas relações fazem emergir as PROPRIEDADES SISTÊMICAS ou seja, propriedades partilhadas por cada uma das notas da melodia, como por exemplo, a duração das notas que deve enquadrar-se dentro de certos limites, sob pena de perder-se o sentido de coesão da melodia. Propriedades sistêmicas são portanto propriedades relacionais que emergem do todo e são partilhadas por todos os seus elementos. A melodia nos oferece portanto um claro exemplo das relações existente entre atomismo e holismo e clarifica a tese segundo a qual o todo é sempre mais do que a soma das suas partes.

Visando à conciliação das duas tendências, J. de Albuquerque propõe a idéia

de SISTEMISMO, maneira metodológica e ontológica eficiente para conciliar, realizar a síntese entre holismo e atomismo; no sistemismo proposto pelo autor, as partes se reúnem para formar um todo de modo que este possa justificar a parte. A parte é fundamental mas é o todo quem a justifica. O sistemismo permite então explorar as duas posturas.19 Ao considerar os problemas propostos pela escuta musical, teremos um bom exemplo de como isso ocorre.

Aprofundando ainda mais as introvisões propostas pelo novo paradigma, se poderia

dizer que uma das funções mais importantes da educação hoje em dia – e naturalmente da educação 17 Jorge de ALBUQUERQUE, Apontamentos de aula, PUC - São Paulo, agosto de 2000 18 Paul GUILLAUME, Psychologie de la Forme, pág. 16 e 17 19 Jorge de ALBUQUERQUE, Apontamentos de aulas, PUC - São Paulo, agosto de 2000.

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musical- é promover a reintegração corpo/mente/espírito, resgatando para o ser humano o sentido de plenitude. O novo paradigma opõe à visão mecanicista de mundo- fragmentária, reducionista e positivista- uma visão ecológica que nos apresenta uma concepção de realidade indivisa, integrada, globalizante, orgânica e dinâmica, ou seja, a idéia de totalidades integradas na qual seres, ecossistemas e sistemas sociais podem ser concebidos de forma sistêmica.

M.C.Moraes nos faz entender a necessidade de uma visão sistêmica tanto

no nível macro quanto no nível micro das relações humanas:

“... A cosmovisão quântica implica, em nível macro, uma concepção de totalidade da realidade a ser transformada, a formulação de conceitos e modelos interligados e o desenvolvimento de organizações sociais correspondentes, que se comuniquem e cooperem entre si. Pressupõe um movimento dialético entre as diferentes esferas do poder público, entre as diversas instâncias setoriais, para que demandas comuns e específicas sejam, ao mesmo tempo, ponto de partida e de chegada. No nível individual, essa cosmovisão importa um novo diálogo criativo entre a “mente” e o “corpo”, entre interior e exterior, sujeito e objeto, hemisfério cerebral direito e esquerdo, consciente e inconsciente, indivíduo e seu contexto, ser humano e natureza. Até que ponto a educação, os ambientes de aprendizagem, as propostas curriculares e as práticas educacionais vêm facilitando esses diálogos? O diálogo do indivíduo consigo mesmo, com a sociedade e a natureza? “ 20

2.2 Consequências do Pensamento Atomo2.2 Consequências do Pensamento Atomo2.2 Consequências do Pensamento Atomo2.2 Consequências do Pensamento Atomo----Mecanicista na Pedagogia MusicaMecanicista na Pedagogia MusicaMecanicista na Pedagogia MusicaMecanicista na Pedagogia Musicallll

A primeira influência decisiva do pensamento atomo-mecanicista na pedagogia

musical é a fragmentação tanto dos processos de aprendizegem como do sujeito a eles submetido: o aluno. Esta fragmentação origina-se na filosofia dualista que compreende o ser humano como uma dicotomia entre corpo e alma. Despojado do holos21, o ser humano passa a ser tratado como uma entidade bifacética; a obra musical como um mosaico de elementos e partes associadas por contiguidade; a pedagogia musical como um caleidoscópio que ora privilegia o racional (leitura/escritura/técnica instrumental), ora deriva para o espontaneísmo. Todos perdem dessa forma a característica de todo orgânico.

Edgar Willems, importante pedagogo musical do século XX tem por base

psicológica de seu método as seguintes idéias: o ritmo é um elemento dinâmico ligado à fisiologia; a melodia representa o componente afetivo, enquanto que a harmonia22 é um fenômeno de racionalidade:

20 Maria Cândida MORAES, O Paradigma Educacional Emergente, p. 85 21 Palavra grega que significa “o todo”. 22 Harmonia é um tipo de gramática musical que consiste em encadear acordes segundo normas bem estritas. Acorde é uma simultaneidade de sons (no mínimo três) com características específicas. Muitos tipos diferentes de acordes são

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“ A consciência rítmica é de natureza dinâmica, motora; ela é, na música, a representação de forças vitais que animam o reino vegetal: propulsão, crescimento, respiração, pulsação da seiva etc(...) A consciência especificamente melódica é de natureza muito diferente, rica de tudo que a vida afetiva comporta de variedade anímica.(...). Só o ser humano pode praticar a harmonia (...) Ela é necessariamente do domínio da consciência reflexiva.” 23

Da fala de Willems, pode-se depreender as seguintes correlações: ritmo/fisiologia/corpo, melodia/afetividade/emoção, harmonia/racionalidade A visão dicotômica permanece, pois na experiência direta do ouvinte com a música tais divisões não ocorrem. Mesmo ao se pensar numa finalidade didática, tais divisões são questionáveis , pois o ritmo não pode ser apenas interpretado como qualidade motora: ritmo não é apenas tempo metrificado, também existe ritmo no vôo de um pássaro, na distribuição visual de uma tela ou no canto gregoriano que no entanto induz à quietude e à imobilidade através de uma concepção de ritmo que se traduz por fluência; quanto à harmonia, é percebida pelo ouvinte como qualidade profundamente emocional, são as qualidades harmônicas e melódicas de uma música que induzem a conclusões do tipo “é triste”, “é alegre”, “é angustiante”, entre muitos outros adjetivos.

Logo, pode-se concluir que as percepções musicais – rítmicas, melódicas e

harmônicas- são ao mesmo tempo sensoriais, emocionais e racionais. Não existe uma harmonia exclusivamente racional, todos esses processos nascem do corpo e das interações deste (como um todo ) com o ambiente. No entanto, é fácil compreender como a pedagogia musical pode chegar a essas formas de dicotomização quando se pensa na influência da psicologia experimental sobre todas essas concepções.

Com referência a isto, a separação dos elementos de uma totalidade orgânica

valeu à psicologia experimental a classificação de atomista ou de psicologia dos elementos. Uma de suas teorias, duramente rebatida pelos gestaltistas e também pela Fenomenologia é a teoria das sensações puras. Segundo esta, no momento da percepção, dois processos diferentes têm lugar: o fisiológico e o psicológico. O primeiro refere-se à sensação (estímulo sensorial) o segundo à percepção, ou seja, interpretação dos fenômenos percebidos pelo sujeito a partir de sua experiência anterior, também chamada experiência adquirida24. Mais uma vez, a tendência atomista se manifesta quando a psicologia analítica nos diz que a verdadeira sensação( sensação pura) não nos informa nada sobre a

utilizados na harmonia. Na forma mais elementar, entende-se a harmonia como o acompanhamento instrumental para uma melodia. 23 Edgar WILLEMS, La Valeur Humaine de L’Éducation Musicale., p. 165, 166 24 A expressão experiência adquirida designa, em verdade, uma grande variedade de fatos: a aprendizagem, os hábitos de observação, as significações, conhecimentos adquiridos sobre os objetos etc. A teoria da Gestalt não nega a influência da experiência adquirida sobre o processo da percepção, mas não pode aceitá-la como explicação básica deste processo.

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natureza dos objetos dados à percepção (sons, imagens, odores etc), esta, só poderia tornar-se sensível ao sujeito através de uma análise psicológica levada a cabo por uma função superior. A isto, a Fenomenologia e o Gestaltismo respondem que “... não existe definição fisiológica da sensação e mais genericamente, não há psicologia fisiológica autônoma, pois o evento fisiológico em si mesmo obedece a leis biológicas e psicológicas.” 25

As pesquisas atuais tornam a teoria das sensações puras absolutamente obsoleta,

pois o fenômeno da percepção é um fenômeno complexo que envolve processos fisiológicos, emocionais, neurológicos e mentais, conforme nos ilustram magistralmente as hipóteses de A . Damásio:

“ 1. O cérebro humano e o resto do corpo constituem um organismo indissociável, formando um conjunto integrado por meio de circuitos reguladores bioquímicos e neurológicos mutuamente interativos( incluindo componentes endócrinos, imunológicos e neurais autônomos); 2. O organismo interage com o ambiente como um conjunto: a interação não é nem exclusivamente do corpo nem do cérebro; 3. As operações fisiológicas que denominamos por mente derivam desse conjunto estrutural e funcional e não apenas do cérebro: os fenômenos mentais só podem ser cabalmente compreendidos no contexto de um organismo em interação com o ambiente que o rodeia. O fato de o ambiente ser, em parte, um produto da atividade do próprio organismo apenas coloca ainda mais em destaque a complexidade das interações que devemos ter em conta. “ 26

Na visão dicotomizada tradicional, voltada para o intelecto, o corpo permanece

alienado. Uma idéia muito expandida é a de que as crianças devam ser consideradas como totalidades, devendo para isto integrar no processo de aprendizagem processos fisiológicos, emocionais, psíquicos e portanto, o corpo. Por que então deveria ser diferente no caso de adolescentes e adultos que partilham da mesma natureza intrínseca? Por que a partir de uma certa idade – prematura, por sinal- o ensino musical passa a dirigir-se somente ao intelecto?

Segundo Köhler, toda observação direta assume um caráter altamente

qualitativo, em oposição à análise que é quantitativa. Os valores qualitativos de um objeto são valores fenomenológicos , ou seja, apresentam-se diretamente ao sujeito no campo sensorial, são subjetivos, não mensuráveis, e portanto, muito mais expressivos. Pode-se considerar como valor qualitativo em música a qualidade do que é impreciso e relativo - graduações de intensidade e de velocidade (dinâmica e agógica), graduações de densidade (textura musical 27), alturas relativas dos sons (ao invés de absolutas), proporções temporais (substituindo a noção de tempo medido) – em oposição ao que é preciso e absoluto – métrica, afinação pelo temperamento igual28, escritura musical tradicional, entre

25 Merleau PONTY, Phénomenologie de la Perception, p. 16 26 Antonio DAMÁSIO, O Erro de Descartes, p. 17 27

Textura é o tipo de “tecido musical”, pode-se falar de uma textura densa ou rarefeita, por exemplo. 28 Divisão acústica artificial do total da gama de sons existentes, com a finalidade de facilitar a afinação de instrumentos de teclado. A gama sonora apresenta-se dividida em pequenos intervalos iguais (semitons) que correspondem às notas musicais que utilizamos. Para que a voz humana adapte-se a cantar na divisão artificial do temperamento igual é necessário um treinamento bastante apurado.

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outros. Basta pensar na leveza, fluência e beleza dos cantos gregorianos ou dos ragas indianos, cujos ritmos têm a naturalidade da fala, ou na qualidade de imprecisão temporal de muitas linguagens da música contemporânea, para compreender o significado dos valores qualitativos em música. A suspensão de parâmetros musicais absolutos , tais como a afinação temperada, a métrica musical, o uso de metrônomo, a dosagem mecânica de andamentos29, entre outros, leva o ouvinte a estados de relaxamento e eliminação da ansiedade e o executante a níveis elevados de expressividade.

Para a compreensão da música clássica do século XX, a vivência e percepção de

valores qualitativos é particularmente importante, pois apresentam-se enfatizados: melodias são substituídas por séries ou configurações de sons (gestalten)30, harmonias substituída por texturas, estruturas de simultaneidade de sons ou estruturas timbrísticas31 e o ritmo transformado em qualidade temporal imprecisa.

No entanto, o ensino musical, apesar de todos os questionamentos atuais, continua

cedendo lugar de honra à quantificação de fenômenos: a melodia continua sendo estudada como uma associação ou soma de motivos melódicos32, a harmonia, como mera junção de acordes, o compasso33, uma divisão do trecho musical em partes de igual duração consideradas isoladamente e não a periodização natural inerente à estrutura da obra. Ao se ensinar música dessa maneira, promove-se o desprezo dos processos dinâmicos inerentes ao todo.

Ao se ensinar os valores musicais 34, alguns professores preferem dizer que a

semínima vale 1, a mínima 2 e a semibreve 4, sem nunca parar para pensar que estes valores são completamente relativos e dependentes da figura que se tomará como unidade de tempo35; esta figura é que dará a justa medida de todas as outras. As durações individuais de cada figura resultarão portanto de uma propriedade do todo.

Na opinião de H.J.Koellreutter, o absolutismo de algumas leis físicas foi

completamente transposto à estrutura musical: a lei da gravidade, espaço, tempo são exemplos de conceitos tidos como absolutos até o advento da relatividade. Consequentemente, na música também passaram a sê-lo: o tempo correndo invariavelmente numa linha do passado para o futuro; a melodia, aprisionada pelo temperamento igual e perdendo muito em qualidades expressivas: 29 Andamento é o termo que designa a velocidade da música. 30 As configurações de sons ou gestalten não obedecem aos mesmo princípios sintáticos das melodias tradicionais que conhecemos. Podem soar, por exemplo, como aglomerações de pontos (sons rápidos executados sucessivamente). 31 Tipo de sonoridade onde o tipo de timbres utilizados (tipos de instrumentos) torna-se mais importante que qualquer outro aspecto. 32 Pequenos trechos de uma melodia, também chamados células melódicas. 33 Compasso é a periodização natural do discurso musical. A periodização é percebida como acentos rítmicos mais fortes

como ocorre por exemplo no tempo de Valsa: 1 2 3 1 2 3 1 2 3, etc 34 Valores musicais são figuras de notas que indicam a duração dos sons: semibreve, mínima, semínima, colcheia, etc. 35 Qualquer figura musical pode ser utilizada como unidade de tempo, relativizando a duração de todas as outras, portanto, as durações das notas se estabelecem a partir de relações inerentes ao todo.

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“ O tempo não flui numa linha do tempo como imaginamos, esta é uma

idéia positivista, nós o vivemos. O tempo não existe fisicamente, é uma dimensão, uma forma de medir. As três dimensões não existem, são construções abstratas; o espaço é uma construção abstrata que serve para nos orientarmos entre os objetos.” 36

A quantificação se manifesta ainda mais inadequada quando utilizada como

critério de avaliação. Difícil seria depois de tudo o que se disse até o momento, conceber os exames e audições de música na forma tradicional, ainda empregada por muitas escolas. Muitos dos exames escritos se limitam à enumeração de dados, nomes e datas, no pior dos casos, testes de múltipla escolha ou testes “de completar”; o que se consegue testar nestes casos é a capacidade de memória e de isolar os elementos de seu contexto. Evidentemente é muito difícil atribuir notas à uma interpretação musical, o que entra em jogo nesse caso não é a musicalidade, mas sim a capacidade de auto-controle. As audições deveriam ser o resultado partilhado de um processo de trabalho, não uma prova de fogo. Os conteúdos disciplinares, por sua vez, buscam sempre estudar quanto e quando esquecendo-se do como e do porquê.

Toda a análise de fenômenos musicais tenderá a mudar a partir do momento em

que o conceito de estrutura orgânica musical vier a ser compreendido. As relações mais importantes no discurso musical não são aquelas feitas por simples associações, relações de contiguidade ou de causalidade, mas sim as relações dinâmicas de interação entre as partes e o todo, entre a estrutura e a forma.

Voltando ao primeiro princípio de Ehrenfels obtemos que “uma melodia é mais do

que a soma de sua notas.” Koellreutter sustenta o mesmo ponto de vista quando define a tonalidade37:

“ Função é uma grandeza susceptível de variar, cujo valor depende do

valor de uma outra. Na harmonia, entende-se por função a propriedade de um determinado acorde em relação ao contexto, (...) a relação dos acordes coma Tônica é chamada tonalidade (...), o sentido da função resulta do contexto, do relacionamento, consciente ou inconsciente, de fatores musicais antecedentes e consequentes.” 38

36 H.J.KOELLREUTTER , Apontamentos do curso Didática da Percepção Musical , Universidade Federal do Rio de Janeiro, janeiro de 1984. 37

A tonalidade é o alicerce de todas as composições musicais dos estilos Barroco, Clássico e Romântico e de quase toda a música popular , do mesmo período à atualidade. A tonalidade baseia-se em escalas (sucessões específicas de sons) e acordes que se podem construir sobre esses sons. Sobre cada nota da escala se ergue um acorde. Estes, relacionam-se entre si (harmonia) e relacionam-se de forma especial com o acorde de Tônica (primeira nota da escala)que é o mais importante nessa estrutura. Ao conjunto de todos esses acordes e relações entre eles, dá-se o nome de Tonalidade. 38

H.J. KOELLREUTTER, Harmonia Funcional, p. 13

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Os exemplos de distorções de aprendizagem musical proporcionados pela visão

atomo-mecanicista de mundo dariam para mais de um livro. As idéias acima expostas são suficientes para propor novos questionamentos que certamente orientarão novas estratégias didáticas e concepções em educação musical. Uma das funções mais importantes do professor de música situado no tempo atual é a de orientar o aluno na criação de novos parâmetros de observação e análise para a compreensão de novas linguagens.

Em última análise, em música as dicotomias representadas por valores quantitativos e qualitativos, fluência e métrica, mecanicismo e expressividade, precisão e imprecisão, relativismo e absolutismo, colocam em jogo, mais uma vez, o conflito entre razão e emoção, entre fragmentação e unidade.

3. SUPERANDO AS CONTRADIÇÕES DA VISÃO MECANICISTA 3. SUPERANDO AS CONTRADIÇÕES DA VISÃO MECANICISTA 3. SUPERANDO AS CONTRADIÇÕES DA VISÃO MECANICISTA 3. SUPERANDO AS CONTRADIÇÕES DA VISÃO MECANICISTA DE MUNDO EM MÚSICA E EDUCAÇÃODE MUNDO EM MÚSICA E EDUCAÇÃODE MUNDO EM MÚSICA E EDUCAÇÃODE MUNDO EM MÚSICA E EDUCAÇÃO

3.1 Um universo relacional3.1 Um universo relacional3.1 Um universo relacional3.1 Um universo relacional

Seria importante que estas idéias suscitadas pelo questionamento da visão mecanicista de mundo deixassem de ser apenas um amplo e inspirador arcabouço filosófico para infiltrar-se na realidade prática dos sistemas educacionais e das relações em educação. Os problemas de ensino/aprendizagem e formação de professores não podem mais prescindir de uma visão sistêmica que possibilite contemplar o todo e suas inter – relações por mais complexa que seja a tarefa, como bem nos explica M.C.Moraes:

“Dentre os problemas existentes, destacamos aqueles relacionados com decisões políticas, metodologias e procedimentos inadequados de planejamento educacional.(...) e à identificação de necessidades educacionais que não favorecem a compreensão de uma realidade educacional em suas múltiplas dimensões. Problemas com diagnósticos setorizados que observam a educação em si mesma, em seus fragmentos, sem estabelecer as conexões e as interações necessárias com a totalidade, desconsiderando o impacto e as relações de decisões socio-econômicas adotadas.” 39

39 Maria Cândida MORAES, O Paradigma Educacional Emergente, p. 83

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A idéia de que fazemos parte de um todo com o qual nos relacionamos de forma orgânica coloca em cheque as relações de poder em educação; abre portas para o questionamento da dominação do homem sobre o homem, sobre outras espécies e sobre a natureza. Um mundo relacional é um mundo de interação, flexibilidade e criatividade para todos, e como tal exige novas categorias de valores humanos.

A metáfora de rede, segundo a qual todos os elementos da trama têm igual

importância, leva à necessidade de um resgate de valores humanos mais apropriados à construção de uma sociedade sustentável40. A educaçáo, nessa concepção abrangente, tem importante papel a desempenhar. Segundo Fritjof Capra, a mudança de paradigmas exige mudanças não somente em nossas percepções e maneiras de pensar, mas sobretudo nos valores socialmente válidos:

“É interessante notar aqui a notável conexão nas mudanças entre pensamento e valores. Ambas podem ser vistas como mudanças da auto-afirmação para a integração (...) se olharmos para a nossa cultura industrial ocidental, veremos que enfatizamos em excesso as tendências auto-afirmativas e negligenciamos as integrativas.” 41

Valores auto-afirmativos não são necessariamente nocivos, tornam-se porém

prejudiciais ao destruir o possível equilíbrio entre tendências auto-afirmativas e integrativas que, na verdade, são opostos complementares: competição/cooperação, quantidade/qualidade, dominação/parceria, racional/intuitivo, análise/síntese, reducionista/holístico, linear/não-linear, expansão/conservação. Ainda segundo Capra:

“ ...Uma das coisas que notamos quando examinamos esta tabela é que os valores auto-afirmativos (...) estão geralmente associados com homens. De fato, na sociedade patriarcal, eles não apenas são favorecidos como também recebem recompensas econômicas e poder político. Essa é uma das razões pelas quais a mudança para um sistema de valores mais equilibrados é tão difícil para a maioria das pessoas e especialmente para os homens.” 42

Todas estas idéias reforçam a concepção de um universo como teia de relações,

onde as palavras de ordem são interação, integração, interconexão e dialogicidade. Assim, em educação, a relação professor/aluno passa a ser entendida como interação e complementação, uma relação onde todos deveriam aprender e ensinar, através da dialogicidade e colaboração.

Na situação ideal, as diferentes disciplinas dialogariam também entre si,

recompondo um quadro geral do conhecimento, com consequente visão do todo que só tenderia a favorecer a aprendizagem, ainda que se perdesse algo em especificidade. Os educadores seriam chamados a dialogar com as equipes de especialistas que elaboram currículos e leis de diretrizes e bases. E, por sua vez, o currículo tornar-se-ía muito mais permeável à influência do meio e dos agentes 40 Na definição de Capra, uma sociedade sustentável é aquela que pode desenvolver-se plenamente sem prejudicar as possibilidades das gerações futuras. 41 Fritjof CAPRA, Teia da Vida, p. 27 42 Ibid., p.27 e 28

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envolvidos. Somente uma concepção de currículo como sistema aberto – que portanto troca matéria, energia e informação com o ambiente circundante - poderia efetivamente transformá-lo numa construção social. 3.2 Um universo não fragmentário3.2 Um universo não fragmentário3.2 Um universo não fragmentário3.2 Um universo não fragmentário

A maior contribuição que o pensamento sistêmico tem a oferecer à história das mentalidades é a tentativa de recuperação da condição de totalidade indivisível para indivíduos e processos, inserindo-se também num universo indivisível.

A fragmentação proposta pela visão mecanicista de mundo teve origem no início

da era moderna como produto de uma conjunção de fatores: com o advento do antropocentrismo, o homem tornou-se o centro do universo, a sensação de poder sobre a natureza e sobre seus semelhantes lhe foi outorgada pela crença no poder ilimitado de suas realizações, descobertas científicas e expansão geográfica; com o abandono do modo de vida teocentrista, o homem perdeu totalmente o sentido de ligação com o cosmos e também por essa via, os abusos relativos à dominação- tanto da natureza quanto de outras espécies e sociedades- foram corroborados; a reafirmação de valores patriarcalistas de expansão, ligados à fé exagerada no progresso material e competitividade completaram o quadro. A supremacia da razão promoveu a negação de valores femininos integrativos – cooperação, preservação, parceria, intuição- tanto quanto a dureza e a inflexibilidade, como nos explica Guy Corneau:

“ ...A masculinidade patriarcal constrói-se a partir da amputação do

coração e do corpo. Estabelece-se a partir da repressaõ da sensibilidade e da sensualidade, e a partir do bloqueio da expressão espontânea dos sentimentos. Como remédio para todos os males, propõe a dominação de uma razão abstrata que impõe sua lei a todos os outros registros do ser. É a participação de todos nós, homens e mulheres, nesse mito coletivo que nos deixa cada vez mais afastados da vida e de toda possibilidade de intimidade com o mundo e com os seres que nos rodeiam.

O patriarcado representa bem mais do que uma organização do poder social e político. Ele não existe de maneira abstrata e independente de nós; mas, antes de tudo, existe em nós. Por exemplo, geramos nossas emoções e nossos pensamentos segundo seus diktats quando, ininterruptamente, fazemos passar o dever exterior à frente dos valores afetivos, quando a razão leva a melhor em relação ao coração. O patriarcado lançou-nos em uma assustadora divisão que representa uma ferida íntima para cada homem e para cada mulher.” 43

43 Guy CORNEAU, Será Que Existe Amor Feliz?, p. 29

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Esse pensamento fez triunfar razão sobre intuição, quantitativo sobre

qualitativo, palpável sobre impalpável, previsível sobre imprevisível; o todo, no entanto, revela-se sempre mais do que a simples soma de suas partes. Essas dicotomias tiveram muitas consequências nefastas em educação: privilegiou-se o intelecto em detrimento da intuição, a cognição à sensação; a parte, ao invés do todo; o currículo passou a ser um recorte pobre, fragmentário, ideológico e estático de uma realidade extremamente mais complexa; o campo do conhecimento perdeu sua organicidade e disciplinarizou-se de forma pouco significativa; o aluno, assim como o professor em formação, passaram a ser vistos de forma fragmentária, algumas dimensões do humano foram deixadas de lado no processo de ensino/aprendizagem: o corpo, as emoções, a subjetividade, a criatividade, a relação afetiva, as formas de comunicação não-verbal, por exemplo, e junto com elas, o prazer, a alegria e a sensação de integridade no indivíduo.

No nível macrocósmico, a visão fragmentária de mundo tem servido de pano de

fundo para atitudes, preconceitos, rivalidades, disputas e toda sorte de desequilíbrios que nada mais fazem do que degradar a qualidade de vida do homem e seu ambiente, além de colocar em dúvida a possibilidade de uma sociedade sustentável, como se pode confirmar nessa análise socialmente mais abrangente de Capra:

“...Esta fragmentação interna do homem reflete sua consciência do mundo “exterior” visto como uma multiplicidade de objetos e acontecimentos separados. O entorno natural é tratado como se se compusesse de partes separadas para serem exploradas por diferentes grupos de interesse. A consciência fragmentada se estende mais além da sociedade que está dividida em diferentes nações, raças, grupos religiosos e políticos. A crença de que todos esses fragmentos – em nós mesmos, em nosso ambiente e em nossa sociedade- estão realmente separados, pode ver-se como a razão essencial da atual série de crises sociais, ecológicas e culturais (...) nos separou da natureza e de nosso amigo, o ser humano. Trouxe consigo uma distribuição enormemente injusta dos recursos naturais criando a desordem econômica e política; uma onda sempre crescente de violência, espontânea e institucionalizada, e um feio e poluído meio ambiente no qual a vida se fez as vezes pouco saudável, tanto física quanto mentalmente.“ 44

O questionamento da fragmentação poderia ser rico de consequências para o pensamento educacional, conforme se observa nos temas destacados abaixo:

- Resgate da idéia de processo multidimensional: questões relativas ao ensino/aprendizageme e à formação dos futuros profissionais de educação devem ser analisadas no quadro mais amplo do contexto sócio-político, psico-pedagógico e individual-relacional. Da mesma forma como

44 Fritjof CAPRA, El Tao de la Física, p. 30

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nossa cultura privilegiou o racional sobre todos os outros aspectos, a formação dos profissionais também o faz. Estes são chamados a ser criativos, autônomos, participativos, dialógicos, sem que em nenhum momento se abra espaço para o exercício dessas competências. Refiro-me a espaços e estratégias diferenciados onde as competências citadas poderiam ser treinadas de forma não convencional.

- Resgate do ser humano multidimensional: as dimensões fisiológicas, sensoriais, emocionais, relacionais e espirituais não podem por mais tempo ser aniquiladas pela primazia do cognitivo-racional. O corpo deve reencontrar seu lugar no processo educacional e com ele as dimensões negligenciadas da emoção, do prazer e do sentir. Deve-se perceber que o sentimento, a ação concreta sobre os objetos do conhecimento e o não verbal são canais de aprendizagem tão eficientes quanto o verbal-cognitivo-racional. A redescoberta de corpo, intuição, sentimento e prazer reconduzirá o processo de ensinar/aprender à subjetividade; o potencial do indivíduo poderá manifestar-se por essa via. Afinal, são os indivíduos que se tornam criativos a ponto de promover mudanças.

- Visão de todo para o currículo : este, deve ser perpassado por uma visão unificadora, organicamente articulada, com disciplinas despojadas de detalhes que concernem apenas aos especialistas; enquanto que os pontos de contato interdisciplinares- favorecendo uma visão holística do conhecimento- devem ser revalorizados, tornando dessa forma coerente e significativa a estrutura curricular; nada pode explicar a existência de tantos conteúdos disciplinares tão diferentes e desconectados entre si ao longo de uma mesma jornada, em especial, nos níveis mais elementares da educação. A falta de visão de conjunto do currículo é um dos fatores que dificultam a apropriação do conhecimento por parte dos alunos, pois para contextualizar qualquer conhecimento é necessário pelo menos ter a percepção do ambiente no qual ele se insere. Esse exemplo, mais uma vez, nos reporta à discussão sobre holismo e atomismo, ou seja, à percepção das relações existentes entre o todo e as partes.

- Revisão de tempo/espaço – esta seria uma discussão extensa e profunda, no âmbito deste trabalho, cabe apenas dizer que tempo e espaço não permaneceram imunes às nossas concepções fragmentárias e reducionistas de mundo; a possibilidade de mudanças qualitativas tanto na estrutura da escola quanto nas relações inter humanas em seu interior, passaria por uma revisão profunda do uso de tempo e espaço.

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3.3 Um universo em movimento3.3 Um universo em movimento3.3 Um universo em movimento3.3 Um universo em movimento

“Deus dorme nos minerais, desperta nas plantas, caminha nos animais e pensa no homem". 45

Se aceitamos a idéia de que a origem do universo que nos é conhecido se deu com a grande explosão denominada big-bang, vivemos em um universo em expansão, ou seja um universo em constante movimento e criação. O movimento é a condição primordial dessa expansão. O movimento está também na origem da vida. Jorge de Albuquerque situa o movimento na origem daquilo que chamamos percepção:

“... Os primeiros seres – os eubiontes- perceberam com o tempo diferenças em seus movimentos, em relação à água. Essa foi a primeira forma de percepção. Informação é diferença. Com os eubiontes, aprendemos a conscientizar a diferença, sair da água, nos deslocarmos. O movimento é uma necessidade evolutiva e facilitou a exploração do planeta. Da mesma forma, sensibilidade e movimentos dos dedos foram um salto evolutivo para nós humanos...” 46

A natureza dinâmica intrínseca do universo está na base da filosofia oriental. Os Hindús a simbolizam pela dança eterna de Shiva; o eterno movimento de Shiva ressurge na dança eterna das partículas subatômicas, unindo místicos antigos e físicos contemporâneos em torno de um mesmo princípio, o da dinâmica universal. Os chineses o expressam pelo princípio do Tao:

“ Os filósofos chineses viam a realidade, a cuja essência primária chamaram tao, como um processo de contínuo fluxo e mudança. (...) todas as manifestações do tao são geradas pela interação dinâmica desses dois pólos arquetípicos (Yin e Yang), os quais estão associados a numerosas imagens de opostos colhidas na natureza e na vida social.” 47

45MITCHEL, Edgard. Da era do conhecimento para a era da consciência. Palestra proferida no Centro Empresarial de São Paulo em 27/09/1999. (Mitchel faz a citação de um pensamento recolhido em Sânscrito antigo) 46 Jorge de LABUQUERQUE , Apontamentos de aula, PUC - São Paulo, agosto de 2000. 47 Fritjof CAPRA, O Ponto de Mutação, p. 32

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Heráclito de Éfeso, na Grécia antiga, expressou através de uma série de aforismos, a mesma concepção de universo em movimento: Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti.48

Um universo em movimento é portanto, um universo regido por fluxo, troca

energética, transformação, flexibilidade e criatividade. Estas visões do novo paradigma não permitem mais conceber uma realidade linear e estática: vivemos uma realidade não-linear, dinâmica, processual, multidirecional e multidimensional.

As diversas relações envolvidas em educação – interhumanas, entre ser humano e

conhecimento e entre estes e o ambiente social - se permeadas por tais idéias, só podem ser compreendidas como processos em constante mudança e evolução, processos interativos entre todos os seus agentes e entre estes e o ambiente. A idéia de movimento e interação exclui a possibilidade de procedimentos imutáveis, exclui a existência de leis fundamentais, relativiza o papel de professor como detentor do conhecimento, reconhece a dialética dos processos de ensino/aprendizagem, obriga à reflexão constante para adaptar e contextualizar sempre a tarefa de educar.

Um universo dinâmico e orgânico é um universo criativo, caracterizado pela

diversidade, e portanto, pela necessidade de respeito a essa diversidade. Somente essa forma de respeito pode possibilitar a convivência harmônica entre indivíduos, grupos e sociedades. Estes, devem adaptar-se, moldar-se, recriar-se constantemente, no intuito de acompanhar o movimento do qual fazemos parte.

Neste contexto de transformação constante, o currículo (objetivos, conteúdos,

procedimentos didáticos), só pode ser entendido como uma construção adaptável, obra aberta em interação com o ambiente. Uma visão tradicional de ensino nos apresenta uma estrutura essencialmente estática: a escola detentora do conhecimento, sendo sua principal função transmití-lo às novas gerações, muitas vezes de formas impositivas e mecânicas; o currículo compartimentado e imutável; a avaliação como forma de checar conhecimentos quantitativos acumulados; a relação professor/aluno como uma forma de submissão. Numa visão integrativa e renovadora, concebe-se a escola como um espaço para a construção de conhecimentos, o currículo como uma construção social, a avaliação como um dos estados possíveis num processo em andamento e a relação professor/aluno como cooperação baseada na dialogicidade.

O movimento é vida em transformação. Eis porque a falta de movimento e

transformação leva à falta de vida e significado tão presentes no atual sistema educacional.

48 SOUZA José C. de (supervisão). Pré-socráticos, In: OS PENSADORES, São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.

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4. VI4. VI4. VI4. VISÃO SISTÊMICA SÃO SISTÊMICA SÃO SISTÊMICA SÃO SISTÊMICA DA METODOLOGIA DE INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICALDA METODOLOGIA DE INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICALDA METODOLOGIA DE INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICALDA METODOLOGIA DE INICIAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO MUSICAL

A Teoria Geral dos Sistemas oferece um referencial filosófico muito adequado

para a análise e compreensão da metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical (ISM). O sistema como um todo é formado por três subsistemas interconectados: ESCUTA MUSICAL, EXPRESSÃO MUSICAL e INTERAÇÃO NO GRUPO, conforme se observa na ilustração abaixo:

ESCUTA MUSICALESCUTA MUSICALESCUTA MUSICALESCUTA MUSICAL INTERAÇÃO INTERAÇÃO INTERAÇÃO INTERAÇÃO EXPRESSÃOEXPRESSÃOEXPRESSÃOEXPRESSÃO A metodologia de ISM, de um ponto de vista sistêmico, é portanto produto da

inter relação entre estes três subsistemas que representam três esferas práticas. Sua aspiração mais importante é tocar a pessoa em formação – a criança ou o profissional- em todas as suas dimensões, integrando – as. Dirige-se portanto a um ser humano integral, simultaneamente intuitivo, racional e social. A busca incessante de trabalhar nesse sentido, levaram a condensar minhas práticas pedagógicas em torno dos seguintes princípios:

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• A ESCUTA MUSICAL SENSÍVEL como ponto de partida para a educação musical.

• A articulação entre a escuta musical e formas variadas de expressão, dentre as quais, muito especialmente, a EXPRESSÃO CORPORAL.

• O entendimento do grupo de pessoas – alunos- como um organismo vivo em INTERAÇÃO, onde as relações e interconexões tornam-se profundamente qualitativas.

• E como resultado de tudo isso, a necessidade de compreender uma série de PROCESSOS HUMANOS que passaram a ocorrer durante os cursos. Refiro-me a processos relacionais, emocionais, psicológicos e catárticos.

Na análise dos subsistemas de Iniciação e Sensibilização Musical, tentarei

explicitar de que maneira esta proposta se encaminha. 4.1 A Escuta Musical4.1 A Escuta Musical4.1 A Escuta Musical4.1 A Escuta Musical

“É então o ouvir que deve ser desenvolvido, educado e treinado – o ouvir, a concentração, e a capacidade de recepção. Isto em um sentido bem amplo, não exclusivo, abrangendo tudo que nos cresce e acontece na vida: pois somos os que sempre recebem, vivemos só do receber, tudo nos é dado – nada é inteiramente nosso, e coisa alguma, em verdade, se origina totalmente

de nós. Por isso é tão importante aprender a ouvir.”49 Rolf Gelewski

O trabalho de escuta musical proposto por ISM orienta-se na fase inicial pelos critérios propostos por Rolf Gelewski em sua obra Estruturas Sonoras 150. Esta obra apresenta uma metodologia para a escuta musical cuja finalidade era propiciar aos alunos do departamento de dança da Universidade Federal da Bahia – que ele coordenava- uma vivência musical mais aprofundada:

“... unindo-se às pesquisas e descobertas em dança e música, aconteceram um dia as primeiras tentativas de representar músicas graficamente, de transpor para o campo da visão estruturas e formas e proporções sonoras e assim tornar mais diretamente perceptível o que o próprio acontecimento sonoro (por ser não palpável, fugitivo, e também por estimular emoção e imaginação) e a partitura musical (por ser abstrata e exigir para sua compreensão conhecimentos especializados complexos) antes escondem do que revelam: a unidade do

49 Rolf GELEWSKI, Estruturas Sonoras 1, p. 11 50 Ibid., p. 11

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organismo musical, o crescimento do seu todo no tempo e sua constituição por membros principais, sub-unidades que convivem sob a lei de relações recíprocas e inteirantes, realizando aberta ou secretamente uma aspiração a ordem, equilíbrio vivo e harmonia.”51

A qualidade e profundidade das propostas de R. Gelewski fazem delas

excelentes instrumentos educacionais, não só para bailarinos e músicos, mas para qualquer pessoa interessada no seu desenvolvimento pessoal. R.Gelewski propõe seis etapas para a escuta musical: 1. Audição simples, relaxadoAudição simples, relaxadoAudição simples, relaxadoAudição simples, relaxado----passivapassivapassivapassiva – trata-se de entregar-se à audição para receber a música sem pensamentos, sem a vontade de entendê-la, sem pretender identificar o acontecimento musical, ou seja, é uma primeira atitude de relaxamento e entrega à escuta musical.

2. Audição simples, intensificada totalAudição simples, intensificada totalAudição simples, intensificada totalAudição simples, intensificada total – nesta audição, a proposta é compreender que música é energia que se transmite em forma de vibrações e ainda, tornar o corpo todo - não somente o ouvido - sensível à vibração sonora, até que um dia se possa “ouvir com qualquer parte do corpo”. Segundo Rolf, isso é um problema de concentração de intensidade de consciência cujo desenvolvimento depende de vontade e do tempo. Estes dois primeiros tipos de escuta musical referem-se ao que estou chamando ESCUTA MUSICAL SENSÍVEL, ao mesmo tempo sensorial e afetiva, no sentido de ser desencadeadora de emoções.

3. Concentração na unidade da músicaConcentração na unidade da músicaConcentração na unidade da músicaConcentração na unidade da música – é a percepção da música como um todo, como um só fôlego, um organismo vivo e indissociável, ainda que se perceba nele articulações, é a identificação com a força condutora da música, a experiência e visão do todo, o crescimento juntamente com e dentro da unidade, que nesta audição devem formar a meta da concentração e entrega.

4. Concentração no desdobramento fundamental da música Concentração no desdobramento fundamental da música Concentração no desdobramento fundamental da música Concentração no desdobramento fundamental da música – trata-se da percepção das grandes articulações no discurso musical, o que no corpo humano corresponderia a cabeça, tronco e membros. Nas palavras de Rolf: (...) distinguindo claramente, entre si, seus membros constituintes principais, mantenha ao mesmo tempo a visão e consciência do todo, do ser-um do organismo musical. Trata-se então, da percepção do esquema formal básico da peça como um todo.

5. Descoberta de uma subdivisão orgânica do desdoDescoberta de uma subdivisão orgânica do desdoDescoberta de uma subdivisão orgânica do desdoDescoberta de uma subdivisão orgânica do desdobramento fundamental bramento fundamental bramento fundamental bramento fundamental – trata-se de perceber que o desdobramento principal identificado na audição anterior é constituído por partes menores; descobre-se assim, em proporção crescente, a complexidade e riqueza da música, e quanto mais se tem a percepção simultânea de sua unidade, seu desdobramento fundamental em membros principais e ainda a constituição destes por sub-unidades menores, tanto mais torna-se clara a organicidade do acontecimento musical e sua consistência específica, composta por muitos e diferentes complexos, camadas, linhas, forças e elementos.

6. Conscientização de elementos característicos integrantes da estrutura musical Conscientização de elementos característicos integrantes da estrutura musical Conscientização de elementos característicos integrantes da estrutura musical Conscientização de elementos característicos integrantes da estrutura musical - trata-se de perceber elementos característicos da estrutura musical: concentrar-se na percepção de determinados elementos que, participando da composição dos membros constituintes maiores e

51 Ibid., p. 6

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menores da estrutura-base da música(...), conferem a estes membros características próprias, ou simplesmente os enriquecem. Este último tipo de escuta facilita a distinção clara entre forma e estrutura.

Como se pode perceber, as etapas auditivas propostas por R.Gelewski propõem

mais um magnífico exemplo da relação entre Holismo e Atomismo cuja síntese J. de Albuquerque denominou Sistemismo. As primeiras etapas conduzem o ouvinte à percepção do todo; a decomposição deste em partes cada vez menores até que se chegue ao atomismo dos detalhes, leva o ouvinte ao sentimento da música como organismo, à apropriação e compreensão da linguagem. É maravilhoso testemunhar a vivência desse processo por parte de pessoas que se sentiam completamente incapazes de fazê-lo.

O sub-sistema ESCUTA MUSICAL é de grande complexidade, pois

envolve dois tipos de processos: a) o encadeamento de diferentes tipos de escuta musical; b) diferentes processos pelos quais o ouvinte passa. Voltando à definição de sistema de Uyemov, se sistema é um agregado de elementos sobre os quais atua um conjunto de relações, de tal maneira que estes possam partilhar uma ou algumas propriedades, pode-se dizer que os elementos desse agregado são tipos de escuta propostos e tipos de processos vivenciados pelo ouvinte. O sistema escuta musical tem portanto informações provenientes do exterior: a música e as instruções para ouvir, e outras informações provindas do interior: diferentes estados internos do indivíduo, conforme se observa no esquema abaixo:

OUVIR-SENSAÇÃO (plano intuitivo-integrativo) apropriação total do fenômono sonoro entrega/concentração representações en outras linguagens recepção sensorial (movimento, artes visuais) emoção/sentimento representação gráfica-simbólica efeitos psico-fisiológicos representação mental concentração no todo REPRESENTAÇÕES OUVIR-ANALÍTICO DO OUVIR (plano cognitivo-racional) (plano mental) elementos subpartes partes todo ESTRUTURA FORMA

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As primeiras etapas (1.audição simples, 2.audição simples intensificada, 3.concentração na unidade da música) conduzem o ouvinte à percepção do todo, propõem um tipo de experiência direta com o sensível, despertando emoções e o imaginário. As etapas seguintes (4.concentração no desdobramento fundamental, 5. descoberta de uma subdivisão orgânica 6. conscientização de elementos da estrutura), percorrem uma trajetória do todo para as partes, das partes para subpartes e destas para os elementos, permitindo a compreensão de forma e estrutura numa coordenação orgânica, fazem portanto apelo à análise e compreensão intelectual, por intermédio do que o ouvinte construirá uma representação mental da obra ouvida. O caminho de escuta musical proposto por Estruturas Sonoras 1 é portanto, um caminho do todo para as partes, do sensorial para o intelectual, do intuitivo para o racional e do ponto de vista técnico, da forma para a estrutura.

No ouvinte, os processos citados acima encontram a sua transposição em

diferentes estados emocionais e perceptivos que se sucedem no tempo constituindo o processo do ouvir. Um processo, aliás extremamente rico, conforme se observou no esquema acima. Identifico portanto, três momentos básicos ligados aos estados e percepções do indivíduo, no ato da escuta musical: sensorial /emocional, racional /intelectual e mental /representacional. Os autores têm se referido à essas possibilidades de diversas maneiras.

Ao citar Paul Mc Lean, Jorge de Albuquerque52, nos explica que o cérebro tem uma evolução em três tempos referentes a três complexos neurais:

“ Complexo reptílico – o mais elementar, gera aquilo que é necessário para a permanência do organismo: regeneração, alimentação, reprodução, por exemplo. No plano da percepção, corresponde à recepção sensorial do estímulo sonoro. Complexo límbico – responsável pelas questões de sensibilidade: afetividade, memória. Poderia corresponder ao momento em que no ouvinte as sensações da vibração sonora provocam um movimento interior que pode ser experienciado como emoção e interpretado como sentimento. Complexo Neo-cortical – responsável pelas operações de linguagem articulada, raciocínio. Nessa etapa, o ouvinte passa a perceber a música como forma e estrutura, torna-se capaz de representá-la mentalmente e de audioanálisá-la.”

Existe um paralelismo entre estas hipóteses de Mc Lean, e as idéias bem mais

antigas de J.C.Reil53 Segundo esse autor, existem três tipos de representações que o indivíduo pode fazer em relação aos objetos representados, todas dependentes de aparatos orgânicos: - Representação cinestésica – que informa o cérebro sobre os estados do próprio corpo, através de uma rede de nervos distribuída por todo o corpo.

- Sensação – são as percepções de objetos do mundo exterior que chegam através dos sentidos. 52 Jor ge de ALBUQUERQUE, Apontamentos de Aula nos quais cita Paul Mc Lean, PUC - São Paulo, setembro 2000. 53 STAROBINSKI, Jean. The Natural and Literary History of Bodily Sensation. In: FEHER, Michel et alli. Fragments for a History of the Human Body , part two. NewYork: Zone Books, 1991, p. 356

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- Sentido interno – refere-se à atividade mental, conceituação, idéias e consciência do self.

Antes de Reil, Descartes em seu tratado The Passions of the Soul, havia analisado e classificado as atividades sensoriais como pertencentes a três áreas específicas – o corpo, o mundo e a consciência54. A primeira referindo-se à percepção de objetos do mundo exterior(sensação); a segunda à percepção do próprio corpo (cinestesia) e a terceira referente à alma.

Tanto o gráfico acima quanto as idéias expostas dos autores devem ser

interpretados com alguma cautela, se por um lado, existem claramente momentos que se sucedem no processo: Escuta sensorial Escuta Analítica Representação; por outro lado, não fica tão claro em que momento o ouvinte passa da sensação para a emoção e o sentimento, e em que momento começa a se estabelecer a compreensão intelectual da forma, ou seja, a análise e representação mental. As divisões estanques, são na verdade formas de tornar possível a compreensão de eventos e processos muito mais entrelaçados.

4.2 Expressão Musical e Interação no4.2 Expressão Musical e Interação no4.2 Expressão Musical e Interação no4.2 Expressão Musical e Interação no GrupoGrupoGrupoGrupo

Os subsistemas EXPRESSÃO e INTERAÇÃO apresentam-se de tal maneira interdependentes que difícil seria estudá-los em separado. Seus respectivos elementos constituintes são basicamente formas de expressão que podem ser vocais, corporais, instrumentais, teatrais, poéticas, plásticas, entre outras e formas de relacionar-se no grupo.

As expressões pela voz e pelo corpo, tanto quanto os refinamentos da relação

humana, ao longo do processo, têm se revelado como estratégias terapêuticas, conforme os relatos de participantes de cursos. Ainda que minha atuação procure pautar-se exclusivamente pelos aspectos educacionais ligados à escuta musical e às diversas formas de expressão e interação, compreende-se, com certa facilidade o alcance terapêutico de tais práticas, pois estas colocam em jogo a possibilidade de alguns importantes resgates:

- Forma de expressão espontânea e criativa - Ludicidade - Relacões inter pessoais afetivas e não convencionais - Desbloqueio de tensões emocionais por várias vias: relaxamento, massagem e auto-massagem, toques corporais, escuta sensível e movimento corporal com efeitos fisiológicos, emocionais e psicológicos, envolvimento com formas próprias e individuais de expressão, envolvimento no grupo.

- Partilha constante de experiências e sentimentos em relação a elas . 54 STAROBINSKI, Jean. The Natural and Literary History of Bodily Sensation. In: FEHER, Michel et alli. Fragments for a History of the Human Body , part two. NewYork: Zone Books, 1991, p. 354

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- Questionamento e conscientização de preconceitos, tabús, inibições e outras restrições, através da experiência não convencional vivida.

- Efeito catártico de todas essas experiências, como um todo.

Ainda assim, é importante ressaltar que as práticas de ISM não têm finalidade terapêutica, mas sim educacional. A articulação com aspectos terapêuticos se dá através do prazer e tomada de consciência de certos estados pessoais, por meio das atividades de criação artística e de uma relação qualitativa no grupo. Estas implicações terapêuticas, por sua extensão e profundidade, não serão tratadas aqui, me limitarei a explorar mais a fundo a contribuição do resgate do corpo e da expressão corporal para a metodologia de ISM, como veremos mais adiante.

O subsistemas Expressão e Interação esquematizam -se da seguinte forma: EXPRESSÃO : expressão individualexpressão individualexpressão individualexpressão individual expressão coletivaexpressão coletivaexpressão coletivaexpressão coletiva expressão interativaexpressão interativaexpressão interativaexpressão interativa ( indivíduo/grupo, indivíduo/indivíduo( indivíduo/grupo, indivíduo/indivíduo( indivíduo/grupo, indivíduo/indivíduo( indivíduo/grupo, indivíduo/indivíduo) INTERAÇÃO

ações individuais ações individuais ações individuais ações individuais ações coletivasações coletivasações coletivasações coletivas interaçõesinteraçõesinteraçõesinterações

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Expressão e Interação mantém entre si uma relação de completa organicidade. As formas de interação ocorrem quando os indivíduos do grupo decidem expressar alguma coisa, ou seja fazer algo juntos ou um pelo outro. Talvez a única exceção a isso sejam momentos em que o grupo permanece conectado mentalmente, independentemente de realizar alguma ação. No entanto, mesmo nesse caso, se poderia falar de um movimento interior que une emocionalmente aos participantes e da experiência impalpável mas bastante real da troca energética. No gráfico abaixo, expressão mais próxima do que ocorre na realidade os dois sistemas encontram-se sobrepostos: EXPRESSÃO E AÇÃO INDIVIDUAIS sintonia responsabilidade pelas ações pesquisa de sons vocais e instrumentais trocas energéticas/auto-regulaçãodo grupo pesquisa de movimentos e fontes sonoras qualidade relacional concentração/emoção/sentimento criações coletivas em diversas linguagens efeitos psico-fisiológicos da ação no indivíduo modelos de improvisação AÇÃO E EXPRESSÃO FORMAS INTERATIVAS COLETIVAS DE EXPRESSÃO (indivíduo/grupo, indivíduo/indivíduo) efeitos psico-fisiológicos de ações e interações no grupo ações em imitação diálogos em diversas linguagens improvisações/criações

Assim como no subsistema Escuta Musical, trata-se de uma trajetória circular, na qual o indivíduo partindo de um determinado estado passa por uma série de processos e volta à uma ação individual (escuta, expressão ou interação) de uma forma renovada, transmutada por refinamentos pessoais de várias naturezas, vividos no processo. É dessa maneira que as capacidades de ouvir, expressar-se e interagir refinam-se, ampliam-se, a cada volta dada pela espiral, numa relação dialética entre as ações individuais e as ações do grupo, entre as percepções individuais e as percepçõs do grupo.

Os exercícios de Improvisação corporal em grupo com música atingem a

complexidade máxima, pois neles estão envolvidos todos esses processos simultaneamente: a ESCUTA MUSICAL em suas duas vertentes: a música como estímulo externo e a reação emocional como estímulo interno; a EXPRESSÃO CORPORAL envolvendo todos os

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processo citados de criatividade, desbloqueios e catarse; e finalmente, a INTERAÇÃO no grupo, onde através de qualidades relacionais bem como de variadas formas de comunicação que se estabelecem, o grupo passa a ser experienciado como um organismo. O grupo-organismo ocorre porque nele o indivíduo se dilui para logo em seguida reassumir sua individualidade numa dinâmica incessante.

Nos modelos de improvisação percebe-se com muita clareza que o indivíduo depende

do grupo. Existem dois tipos de energia que preenchem o espaço físico e mental dessa ação: a vibração da música ouvida ou produzida pelos participantes e a sintonia que se estabelece entre as pessoas do grupo.

A regulação do grupo na consecução de seu objetivo passa a existir por causa

dessas formas de energia que circulam no ambiente. Em modelos de improvisação intitulados “Onde coloco minha voz?”, ou, “Onde coloco meu corpo?” , a resposta só pode ser dada porque cada indivíduo do grupo percebe tudo o que está acontecendo a sua volta, e dessa maneira encontra o momento e a situação exatos para agir. Assim, as intervenções individuais inspiram e modificam a resposta do grupo, tanto quanto a dinâmica do grupo interfere ou condiciona a ação individual. Para que o processo ocorra, o grupo deve auto-regular-se constantemente. A citação abaixo, de F. Capra, pode exemplificar a dinâmica dos modelos de improvisação:

“... Um laço de realimentação é um arranjo circular de elementos ligados por vínculos causais, no qual uma causa inicial se propaga ao redor das articulações do laço, de modo que cada elemento tenha um efeito sobre o seguinte, até que o último “realimenta” (feeds back)o efeito sobre o primeiro elemento do ciclo. A consequência desse arranjo é que a primeira articulação (“entrada”) é afetada pela última (“saída”), o que resulta na auto-regulação de todo o sistema...”55

Dessa maneira, todos os elementos do grupo passam a responsabilizar-se por todos

os eventos que acontecem, e para tanto, devem estar completamente envolvidos pela ação proposta, não poderia ser de outra maneira. Daí a forte sensação de sintonia que faz do grupo um organismo.

Resta dizer que dado o tipo de sociedade racionalista em que vivemos, algumas

vezes a aplicação da metodologia de ISM encontra resistência por parte daqueles que não desejam reconhecer-se e reinterpretar-se como totalidades integradas, ou seja, como seres humanos multidimensionais. A resistência opera contra aquilo que é não habitual, ou seja, contra a inclusão de dimensões humanas esquecidas – corpo, emoção, prazer, criatividade, liberdade- não por casualidade, bastante interdependentes. Ao longo de todos esses anos, tem sido necessário desenvolver e fundamentar um discurso que justifique essas inclusões. Naturalmente, seria impossível tratar toda essa questão aqui, no entanto, me parece primordial analisar pelo menos a relação do ser humano com seu corpo, como tentarei fazer a seguir.

55 Fritjof CAPRA, A Teia da Vida, p. 59

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4.3. O Corpo na Educação Musical4.3. O Corpo na Educação Musical4.3. O Corpo na Educação Musical4.3. O Corpo na Educação Musical 4.3.1 Histórico

Desde fins do século XIX e início do século XX, pensadores importantes da

Educação introduziram e desenvolveram novas idéias que tornaram-se conhecidas sob a égide da Pedagogia Ativa. Educadores como Montessori, Decroly e Freinet, entre outros, passaram a ocupar-se pela primeira vez , com o fazer, a ação como forma de desenvolver as estruturas cognitivas.

Na trilha desses pensadores, educadores musicais também empreenderam algo

semelhante no campo da educação musical. E.Willems, C.Orff, Kodaly, M.Martenot e Dalcroze foram os grandes pioneiros na revolução do ensino da música no século XX. Apesar de cada uma das metodologias criadas por eles terem sua bem visível especificidade, são também bastante notórios os pontos comuns: o repeito à criança como um ser íntegro e independente do adulto, com competências próprias para agir e pensar; um princípio de universalidade que coloca a educação musical como patrimônio da humanidade, acessível a todas as crianças; uma concepção ativa de educação musical onde o fazer assume importância capital. O conhecimento passa então a ser prático e vivencial, não apenas intelectualizado, e para tanto, como não poderia deixar de ser, o corpo reassume sua participação e dimensão expressiva. O corpo reencontra o seu lugar no processo.

As metodologias musicais citadas- umas mais, outras menos- reservam lugar para

a expressão do corpo na educação musical. Algumas limitam-se aos jogos interativos baseados em cantos folclóricos, cantigas de rodas, parlendas e jogos rítmicos; outras estendem esse limite à dança e às manifestações folclóricas de diversas etnias, ampliando a concepção e a presença corporal na educação musical. Outras vão ainda mais além, a exemplo de Orff e Dalcroze, o corpo passa então a ser um poderoso instrumento de expressão tanto quanto um mediador entre o conhecimento que se deseja transmitir e a capacidade de apreensão e formação de conceitos por parte da criança. Orff e Dalcroze têm o corpo como uma das bases importantes da aprendizagem musical, utilizam diversas estratégias e técnicas corporais, dentre elas, Expressão corporal, Dança, Dança espontânea, Eutonia, Laban e a nova tendência do Psico-ballet.

Ao utilizar o movimento corporal abundantemente como forma de clarificar

conceitos musicais, todas as metodologias citadas, intuíram a estreita relação existente entre a ação corporal, e o desenvolvimento de estruturas cognitivas, no entanto, sempre me preocupou o fato de que nenhuma dessas metodologias procurasse fundamentar ou esclarecer tais relações, e mais importante que isso, que nenhuma delas identificasse o processo emocional que se engendra a partir da inclusão do corpo.

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Curiosamente, todo o meu interesse pelo corpo na educação musical se originou da necessidade de criar formas prazerosas de concentrar-se para ouvir música, especialmente para as crianças que são incapazes de simplesmente sentar-se e aquietar-se para ouvir. O corpo agindo e reagindo de alguma forma sobre a escuta possibilitava esses momentos de concentração e relaxamento que eu buscava. No entanto, como não poderia deixar de ser, o corpo revelou-se como uma dimensão grandiosa em si mesma. Levei algum tempo- alguns anos mais precisamente- para perceber com clareza que os aspectos emocionais e de catárse psicológica que frequentemente manifestavam-se nos cursos – especialmente nos de formação de professores- deviam-se ao trabalho de movimento corporal. O refluxo das emoções, a liga afetiva que se estabelecia entre as pessoas e comigo, o prazer, a sensação de plenitude, deviam-se claramente ao fato de se trabalhar o corpo, e essa relação, eu não compreendia muito bem. Minha incompreensão do fato era tão grande quanto meu fascínio.

Por outro lado, se era necessário preparar crianças para ouvir música, e

profissionais para atuar com música, mais necessário ainda seria reintegrá-los em todas as sua dimensões, superando o dualismo cartesiano que separa corpo e mente; dirigindo-me ao ser integral em formação, ao mesmo tempo, físico, emocional, intelectual, espiritual e social. O primeiro portal para essa transformação sempre me pareceu ser a inclusão do corpo na educação musical, e por essa via, a inclusão de todas as facetas de sensibilidade, emoção, afetividade, criatividade e relações humanas, normalmente negligenciadas. Enfim, trata-se de compreender a música e seu ensino, não mais como uma finalidade em si mesma, mas como uma perspectiva de desenvolvimento do humano.

Com o tempo, sempre procurando entender estes fatos, trabalhando meu

próprio corpo, percebendo minhas próprias emoções; percebendo o corpo e emoções de outras pessoas, relacionando-me com meus alunos – adultos e crianças-, e, ainda, tomando contato com diversos autores, fui adquirindo uma compreensão maior das relações existentes entre Escuta Musical, Corpo, Movimento e Emoção. A compreensão que tenho ainda é bem difusa, depende ainda de muito estudo, de continuar escrutinando estas experiências e de descobertas e hipóteses científicas que ainda estão em andamento.

4.3.2 Corpo e Formas de Escuta na Educação Musical

No primeiro nível de audição, que estou chamando de escuta sensível, existe a

intenção de fazer com que o ouvinte se torne receptivo à vibração sonora da mesma forma que uma esponja absorve a água. Meu interesse por esse tipo de escuta partiu das seguintes palavras de R. Gelewski:

“... Assim, as ondas sonoras, dentro de um determinado âmbito , tocam tudo, cobrem tudo , tudo será invadido por elas: objetos, bichos, plantas, pessoas a terra, o ar, a água- e quanto a nós

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especificamente, não só nosso ouvido mas nosso corpo todo será alcançado pelas vibrações da energia emitida pela música. Isto significa que nosso físico como um todo recebe a energia e que, visto em detalhe, também cada parte dele será atingida pelas vibrações, o tornozelo, a cocha, a barriga e a mão, por exemplo. E é constatando e sentindo isto que se des-cobre para nós a condição para um ouvir total: escutar não só com o próprio órgão auditivo, o ouvido, mas com o corpo inteiro... “56

Estudos de diversos autores parecem confirmar aquilo que R. Gelewski percebeu

através de experiência espirituais de meditação e concentração, ou seja, que o som tem uma qualidade tátil, penetrante, que pode atuar no organismo:

“... Madsen e Mears usando sujeitos surdos, descobriram que vibrações sonoras têm um efeito significativo sobre o limiar tátil; um som de 50 ciclos por segundo (grave), tanto em pressão alta quanto baixa, dessensibiliza a pele e eleva o limiar, enquanto que um som de 5.000 por segundo(agudo), em níveis de pressão tanto alta quanto baixa, sensibiliza a pele...”57

“ A versatilidade da pele é de tal monta que se torna capaz de responder às ondas sonoras da mesma forma como às da pressão. A . S. Mirkin do Insituto Pavlov de Fisiologia, em Leningrado, demonstrou que os receptores sensoriais de pressão (tato profundo), presentes em torno dos músculos, articulações, ligamentos e tendões, os corpúsculos de Paccini, possuem propriedades de ressonância nitidamente definidas. Mirkin submeteu corpúsculos de Paccini no tecido mesentérico adjacente aos intestinos, a uma estimulação acústica dentro de um campo acústico uniforme e descobriu que esses receptores possuem propriedades de ressonância e que se pode obter uma conexão condicionada entre uma frequência ótima de estimulação e períodos de atividade bioelétrica, o que sugere vigorosamente uma ressonância bioquímica nos corpúsculos de Paccini. Isto é muito interessante porque o tato e os receptores de pressão da pele informam ao cérebro o que captam a respeito da posição do corpo.” 58

As pesquisas citadas tornam claras as sensibilidades fisiológicas que entram em jogo, através da pele, na escuta musical; sensibilidades que serão experimentadas pelo indivíduo como emoções:

“ Toda mãe sabe intuitivamente que, a fim de por o filho para dormir, ela precisa balançá-lo, repetindo assim a dança nirvânica (do feto dentro do útero). A canção de ninar ‘Dorme nenê’ leva, sem empecilhos de qualquer espécie, a memória da criança de volta para o mundo que ela acabou de deixar. O rock faz o mesmo para as crianças mais velhas. É simplesmente isso! Ritmo e reviravoltas no espaço levam cada um de nós de volta às reminescências da equanimidade nirvânica.” 59 “... Edmund Carpenter comenta que ‘os cantores determinam a altura do som pela sensação que o mesmo lhes causa’. Essa experiência não é diferente da do rock, em que a pessoa sente a música, geralmente com o corpo todo...”60

56 Rolf GELEWSKI, Estruturas Sonoras 1, p. 12 57 Ashley MONTAGU, Tocar - O significado da pele humana, p. 293. 58 Ibid., p. 293. 59 Ibd., p. 293. 60 Ibid., p. 171.

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Uma das percepções intuitivas que têm me levado à pesquisa do aspecto tátil sensibilizatório da audição musical, diz respeito justamente ao prazer que os ouvintes encontram com esse tipo de experiência. No caso específico das músicas que escolho para a realização dos exercícios de escuta, acredito que o prazer advém de duas fontes: primeiramente, das sensibilidades táteis explicadas acima; em segundo lugar, pelo caráter poderosamente emocional de certos tipos de fenômenos sonoros presentes na sintáxe musical, tais como acordes, intervalos, tonalidades, cadências e progressões harmônicas específicas. Alguns tipos de melodias e combinaçóes harmônicas têm o poder de despertar fortes emoções nas pessoas e até mesmo de levá-las a chorar, ou a estados de relaxamento ou tensão intensos. A conjunção desses fatores, quando a música escolhida o favorece, torna a experiência do ouvir absolutamente prazerosa e relaxante para o ouvinte.

Sentir e pensar todas essas experiências tem me conduzido a adotar toques

corporais sutís na musicalização de bebês, crianças pequenas e auto-massagem, como forma de preparação à aula na musicalização de adultos, bem como promover oportunidades de contato corporal entre os participantes dos cursos. Pelo menos no caso dos bebês e crianças pequenas, essa prática é fortemente corroborada pelas pesquisas de Ashley Montagu, que demonstram que o toque corporal não é simplesmente uma fonte de prazer mas, sobretudo uma absoluta necessidade do desenvolvimento infantil: “... a estimulação cutânea nas variadas formas em que a recebem os recém nascidos e os jovens é de importãncia primordial para a saúde do desenvolvimento físico e comportamental...”.61 Numa experiência realizada com bebês primatas, relatada por A. Montagu, estes deveriam optar por uma mãe mecânica com comida e uma mãe de feltro sem comida. Após observações sistemáticas e estatísticas, chegou-se à seguinte conclusão: “... os dados tornam óbvio que o contato reconfortante é uma variável de importância crucial no desenvolvimento das respostas afetivas, ao passo que a lactação é uma variável de importância negligenciável...” 62 A autora reporta ainda situações da vida real onde recém-nascidos privados de estimulação de todos os outros sentidos puderam sobreviver com o estímulo tátil, enquanto que a privação do estímulo tátil leva os bebês a danos irreversíveis ou à morte.

Tudo leva a crer, por minha experiência pessoal e pelas observações de alunos que o

prazer experimentado pelos adultos nas experiências de audição com toque corporal ou de simples contatos corporais também venham a satisfazer necessidades básicas dos adultos, ligadas a privações em outras épocas da vida, conforme essa observação do Dr. Joost Merloo:

“... Parece que existe uma predisposição natural para o movimento rítmico no homem. A maneira desse movimento ser realizada, todavia é culturalmente condicionada. O contato corporal característico dos salões de baile representava uma proximidade formalizada, dentro do ritmo, que não poderia ser consentida em outras situações, exceto entre marido e mulher e entre pais e filhos. (...)Estaria esse face a face representando uma tentativa de obter o contato cutâneo negado a tais pessoas, no início de suas vidas? Não poderia ser também o caso de o Rock and roll e outras

61 Ashley MONTAGU, Tocar - O significado da pele humana, p. 52. 62 Ibid., p. 53.

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variedades contemporâneas de música e dança representarem uma resposta semelhante? Pelo menos em parte, mas a nível fortemente fundamental, não poderiam essas formas se originar de uma resposta perifrásica a uma experiência precoce insuficiente em termos de conforto, balanços, giros, estimulação cutânea?...” 63

Dessa forma, ao unir escuta musical e toque corporal na sensibilização musical de crianças ou de adultos, o que trato de fazer é associar duas experiências sensório-emocionais extremamente significativas e prazerosas, no intuito de valorizar a recepção da música. A recepção da música torna-se efetivamente mais eficiente por essa via, seja por desbloqueios musculares e emocionais promovidos pelo relaxamento intenso, seja pelo estado de concentração obtido, seja pela relação interhumana estabelecida entre aquele que toca e aquele que recebe o toque, ou, mais provavelmente, pela conjunção de todos esses fatores. 4.3.3 Movimento Corporal: da Emoção à Cognição

O processo auditivo segundo a proposta de Iniciação e Sensibilização Musical propõe uma trajetória que segue do intuitivo para o racional, ou seja da escuta sensível para a escuta analítica. Vimos também que o ouvinte cria uma estrutura mental representacional da obra ouvida, uma espécie de fotografia mental da audição. A partir disso, essa representação mental que o indivíduo faz da música pode ser transposta a várias outras linguagens: pode-se representar a forma e estrutura da música com gráficos, desenhos artísticos, ou mesmo através de outros suportes materiais como argila ou massa para modelar. No caso da metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical, interessa-me especialmente, a transposição do esquema mental musical à linguagem dos movimentos corporais. Essas diversas transposições da escuta musical para outras linguagens tornam-se possíveis por causa de um princípio conhecido como Isomorfia. O termo é “... empregado em lógica e em matemática para indicar a relação entre relações homogêneas de dois ou mais termos, que consiste na correspondência de termo a termo entre os termos das relações ... “.64 Isso quer dizer que o sistema de relações musicais representados por Forma e Estrutura encontram uma primeira forma de representação no sistema neural com correspondente representação mental e a partir disso podem encontrar correspondências em diversos outros sistemas de representação que podem ser utilizados para vivenciar a estrutura musical. Todas as experiências acima têm sido realizadas nos cursos e de forma muito especial, a representação da estrutura musical através de movimentos expressivos criados pelos próprios ouvintes.

O prazer experimentado pelos participantes dos cursos ao trabalhar o movimento

expressivo é algo que chama bastante a atenção. Chegar à compreensão desse prazer implica trazer à análise vários tipos de fenômenos intimamente conectados.

63 Ashley MONTAGU, Tocar – O significado da pele humana, p. 175. 64 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, ed. 1999

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Primeiramente o movimento corporal espontâneo é relaxante e trabalha diversos

tipos de sensibilidades corporais, despertando emoções e sentimentos. Henri Wallon situa o nascimento das emoções na percepção cinestésica do

movimento das próprias vísceras- reações interoceptivas- o que no recém nascido significa perceber a atividade do tubo digestivo. Ao tentar satisfazer suas necessidades de alimentação, eliminação e conforto, o recém-nascido irá chorar e iniciar a comunicação com a mãe, ou seja sua comunicação com o mundo, através de reações que podem ser classificadas como emocionais.65

Wallon descreve ainda um outro tipo de sensibilidade corporal: a sensibilidade

articular. Explica que o bocejo, um reflexo bastante complexo, “... coloca em marcha uma série de contrações lentas e tônicas, tende a dilatar o tórax ...”66 e dessa maneira afetar a todas as articulações do corpo. Esse tipo de sensibilidade é ativada nos exercícios lentos e fluentes de movimentos corporais espontâneos, como por exemplo o de “colocar o corpo em fluxo”. Esse tipo de exercício que costumo utilizar ao início da aula promove o relaxamento e o alongamento corporal de forma criativa e espontânea, sendo bastante prazeroso para os executantes, especialmente se associado à uma música tatilmente sugestiva, o que geralmente é o caso. Porém, e isso é interessante, a percepção da sensibilidade articular é agradável por si mesma, ainda quando o exercício é realizado em silêncio completo.

Diversos autores têm estudado as relações existentes entre o movimento e a

emoção e identificado sua íntima relação. Jacobson (neuropsiquiatra) desenvolveu uma forma de instrospecção, chamada Observação Auto-sensória com a finalidade de conduzir pessoas à tomada de consciência de suas tensões e à sua consequente eliminação. Os princípios básicos são os que se seguem: a) a tensão neuromuscular se apresenta emocionalmente carregada; b) não existe, o mental e o neuromuscular, os dois são interligados e reagem mutuamente; c) o que acontece no cérebro não acontece independentemente das inervações musculares.67

Darwin, em seu livro The expression of the emotions in man and animals,

pretendeu mostrar que as emoções nascem de uma dinâmica neuromuscular: “... todos os movimentos animais, à exceção de calmaria e repouso, estão associados com movimentos ativos.“68

Outra psiquiatra que se dedicou ao estudo da relação movimento/emoção, Nina

Bull, chegou à conclusão de que “... existe uma relação entre emoção e movimento tão expressiva quanto geradora... “. N.Bull realizou uma experiência69 que consistia no seguinte: sujeitos 65 Henry WALLON, As Origens do Caráter na Criança, p. 38. 66 Ibid., p. 45. 67 SHEETS -JOHNSTONE, M. Emotion and Movement: a beginning empirical- phenomenological analysis of their relationship, in Reclaiming Cogniton , (eds) Rafael Nuñez and Walter Freeman. Imprint Academic. p. 260. 68 Ibid., p. 261. 69 Ibid., p. 262 a 264.

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hipnotizados deveriam experienciar uma emoção sugerida pelo pesquisador, mostrá-la através de um comportamento natural e depois descrever o que haviam sentido. Os resultados foram os seguintes: os sujeitos não perceberam diferenças entre sentimentos corporais ou emoções; relataram também que sem uma mudança postural correspondente não era possível representar uma emoção, ou seja, sentimentos afetivos e sentimentos táteis cinéticos foram experienciados como entrelaçados. A pesquisadora constatou ainda que a atitude postural é então coincidente com o que poderia ser designado como o inícío da emoção.

Joseph De Rivera, psicólogo que também dedicou-se ao estudo da questão, parte

de duas observações: “... quando experienciamos emoções, esperimentamos a nós mesmos (fenomenologicamente) como “sendo movidos”; e quando examinamos nossa experiência, descobrimos “diferentes movimentos das emoções” e por outro lado, podemos especificar “a natureza do movimento que cada emoção manifesta. (...) o paradoxo da experiência emocional é que estamos sendo movidos passivamente, não ativamente e ainda, esse movimento parece estar vindo de dentro de nós.... “70

Rivera concluiu que emoções são, nessa perspectiva, possíveis formas cinéticas do corpo tátil cinético e que existem quatro formas cinéticas básicas: raiva, medo, afeição e desejo.

Com base em todas estas pesquisas e discussões M.Sheets-Johnston chegam a formular o conceito de CONGRUÊNCIA DINÂMICA, expresso da seguinte forma: as formas cinéticas dinâmicas (formas do movimento) são congruentes com formas dinâmicas de sentimentos. Emoção e movimento formalmente distintos formam uma única peça dinâmica: “Quando o medo acontece para nós, quando ele nos move, nos movemos de maneiras qualitativamente congruentes com a maneira pela qual somos levados a nos mover(interiormente); as qualidades espaciais, temporais e energéticas do movimento nos encaminham na direção de uma forma cinética em andamento que é dinamicamente congruente com a forma de nossos sentimentos em andamento. Unificadas por uma dinâmica única, os dois modos de experiência acontecem de uma só vez; a simultaneidade de afetos e movimento se faz possível graças a uma dinâmica partilhada.”71

Ainda segundo esse autor, a prova da unicidade entre tonicidade corporal e

emoções específicas é que podemos sentir corporalmente emoções e não manifestá-las em movimentos (

70 Ibid., p. 265 e 266. 71

SHEETS -JOHNSTONE, M. Emotion and Movement: a beginning empirical- phenomenological analysis of their relationship, in Reclaiming Cogniton , (eds) Rafael Nuñez and Walter Freeman. Imprint Academic. p. 269.

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inibí-los), e por outro lado, podemos realizar os movimentos correspondetes à emoção sem estar sentindo-a (mímica). Os autores assinalam que as crianças aprendem a inibir movimentos correspondentes a sentimentos reais, socialmente induzidas, assim como aprendem também a simular emoções inexistentes (submissão, por exemplo) quando conveniente. A isso se chama arte da decepção pelo movimento. Restringir movimentos ou simular emoções atestam que: o que é afetivo é cinético ou potencialmente cinético, e o que é cinético é afetivo ou potencialmente afetivo. 72

Para completar esta análise, faltaria considerar as relações existentes entre a experiência do movimento e a cognição. Segundo Johnson, existe uma conexão entre as estruturas da atividade corporal e as operações cognitivas que não se dão apenas no plano das metáforas conceituais, mas também no plano neurológico 73 . O conceito de metáfora conceitual refere-se às relações entre as ações corporais e o desenvolvimento de estruturas mentais. Johnson apresenta a seguinte definição de metáfora conceitual: trata-se de um “... mapa conceitual de um domínio de certo tipo ( o domínio de origem) para um domínio de tipo diferente (domínio meta). Apropriamos o conhecimento do domínio de origem para conceituar e raciocinar sobre o domínio meta. Dessa forma, o significado de base corporal do domínio de origem é levado para a nossa compreensão de conceitos mais abstratos. “74

Marjorie Garber ilustra as relações entre corpo, mente e metáfora com o seu

conceito de corpo político. A articulação dos joelhos, por exemplo, através de uma série de profundas associações psicológicas e convenções sociais torna-se um símbolo: “... ajoelhar-se é um gesto profundo de recebimento de apelos hierárquicos. Dobrar o joelho é prestar homenagem, é consentir num contrato político e social “75.

A razão abstrata seria dada pela mesma rede neural que estrutura os esquemas

motores superiores. Isso quer dizer que conceitos, percepções e atos motores dependem das mesmas conexões neurais e que portanto, “o corpo aprende” (cabe lembrar que as emoções não estão sendo consideradas nessa análise). Isso talvez venha a explicar porque em educação musical, a intuição de tantos educadores tem feito com que se utilize com tanta frequência o movimento corporal a fim de clarificar os elementos, estruturas, texturas e formas de uma linguagem impalpável, não referente ao mundo exterior, como veremos no exemplo abaixo:

72

Inid., p. 271. 73JOHNSON Mark. The Embodied Reason. In: Perspectives on Embodiment, The Intersections by Nature and Culture. New York: Routledge, p. 92 a 94. 74 JOHNSON Mark. The Embodied Reason. In: Perspectives on Embodiment, The Intersections by Nature and Culture. New York: Routledge, p. 94.. 75 GARBER , M. Out of joint. In: The Body in Parts,The emergence of art and Language in the Human Brain. Journal of Counciousness Studies, vol. 6, pág. 24.

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Exercício de respiração “Vamos colher uma florzinha?” 76

As crianças são convidadas a imaginar um jardim no meio da roda. Colhem uma florzinha imaginária, inspiram profundamente o seu perfume e expiram emitindo um som relaxante: aaah...

No exercício acima, ao invés de explicar à criança verbalmente o processo da

respiração, o uso do diafragma etc, escolho ações simples e lúdicas que levam-nas a executar todas as ações desejadas para o exercício, ainda que sem a consciência plena. Existe uma conexão estreita entre a imagem mental, o movimento corporal e o ato de conceituar a ação de respirar. Pode-se dizer que a criança aprende através do exercício sensório-motor e do trabalho do imaginário.

Nesse sentido aliás, as imagens mentais e táteis são frequentemente utilizadas nos

exercícios de improvisação corporal que proponho: “empurrar nuvens com o corpo”, “ser movido pelo vento, como uma folha”, “deslizar como a água”, entre outras. A . Montagu nos fala de um sentido háptico, ligado à possibilidade de evocar mentalmente, por intermédio do movimento, lugares e objetos com os quais interagimos no passado:

“Na realidade, existem vários sentidos táteis reunidos sob a denominação comum de tato; (...existem também as insformações que recebemos de nossos músculos através da pele, ao nos movermos). O termo háptico é usado para descrever o sentido do tato em sua extensão mental, desencadeada diante da experiência total de se viver e agir no espaço. Nossa percepção do mundo visual por exemplo, de fato mescla o que já sentimos em associações passadas com o que já vimos ou com a cena à nossa frente. O sentido háptico é adquirido, pois se aplica a objetos vistos que tenham sido tocados ou usados em manipulações. Segundo a colocação de Greenbie, “uma vez que experimentamos nosso ambiente terrestre com todos os nossos sentidos, inclusive com os da olfação e audição, o sistema háptico nos posiciona para o contato físico imaginativo com lugares e objetos que anteriormente tocamos e agora só vemos, ouvimos ou cheiramos”. O sentido háptico tem um papel altamente significativo no cenário da humanidade. Quando falamos de “nos manter em contato”, sabemos do que falamos, sabemos que não se trata de uma simples metáfora e, sim, de uma consumação altamente desejável.” 77

Voltando a M. Johnson, este estabelece três níveis de corporificação da razão78

que criam as bases corporais da conceituação e raciocínio: o neurofisiológico – no qual as experiências, conceituações e pensamentos são corporificados nas redes neurais que relacionam-se com toda a base corporal do organismo e com o ambiente no qual a experiência tem lugar; o cognitivo não consciente –

76 Enny PAREJO, Iniciação e Sensibilização Musical Pré-Escolar – Módulo I , p. 8 (Manuscrito da autora) 77 Ashley MONTAGU, Tocar - O significado da pele humana, p. 33 e 34. 78 JOHNSON, M. The Embodied Reason. In: Perspectives on Embodiment, The Intersections by Nature and Culture. New York: Routledge, p. 82

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Johnson explica que mecanismos e estruturas cognitivas estabelecem-se sobre padrões da experiência corporal inconscientes (sensório-motores): orientação espacial e temporal, padrões de movimentação corporal e a forma de manipular objetos; e o fenomenológico que representa a qualidade da experiência sentida pelo sujeito.

M. Johnson encontrará críticos fervorosos ao seu conceito de razão corporificada

em Sheets – Johnstone; segundo este último, falar de uma razão corporificada é evocar a possibilidade de existência de uma razão descorporificada como também ressuscitar o espectro do Cartesianismo.79

Este último parágrafo nos permite formar uma idéia clara da complexidade e

riqueza do assunto, tanto quanto vislumbrar as polêmicas intensas que pode suscitar. No entanto, no âmbito deste trabalho, não há necessidade de lançar mais luzes à polêmica, pois, o que nos interessa compreender – e para isso evocamos as idéias anteriormente apresentadas - é que, efetivamente, existe uma ligação inalienável entre corpo, movimento, emoção e cognição, e ainda, que o processo de ensino/aprendizagem não pode prescindir dela.

4.3.4 CONCLUSÕES4.3.4 CONCLUSÕES4.3.4 CONCLUSÕES4.3.4 CONCLUSÕES

Através das sensações causadas pela audição musical, o corpo entra no processo, despertando emoções e sentimentos. Torna-se mais fácil entender a exclusão do corpo na educação e na vida social ao comprender-se que as emoções nascem de processos biológicos que nele estão. Negar o corpo é negar o ser emocional que nele repousa. A supremacia da razão, cujo resultado é a ruptura entre corpo e mente, é na verdade uma falácia, pois, a própria vida mental é produto de processos fisiológicos como vimos acima. É a isso que Damásio chama “ o erro de Descartes”.

Então porque negar o corpo?

Parti da necessidade de incluir o corpo na educação musical eliminando a

dicotomia cartesiana e reconstituindo a concepção de um ser humano integral. Efetivamente, tudo leva a crer na pesquisa atual que as fronteiras entre matéria, corpo e mente assim como aquelas entre processos sensoriais, emocionais, mentais, neurais e cognitivos se tornarão muito fluídas, sendo que o ser humano só poderá ser compreendido num contexto de inusitada complexidade, no qual, finalmente, o dualismo cartesiano terá sido transcendido.

Os processos analisados acima, envolvendo as relações intrínsecas entre música,

emoção, sensibilidades e movimento, são profundamente entrelaçados e complexos. Essa incrível gama 79

SHEETS -JOHNSTONE, M. Emotion and Movement: a beginning empirical- phenomenological analysis of their relationship, in Reclaiming Cogniton , (eds) Rafael Nuñez and Walter Freeman. Imprint Academic. p. 275.

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de variáveis faz com que a escuta musical sensível, ligada ao movimento corporal se caracterizem como um processo altamente complexo e dinâmico. Diante de todas as teorias e implicações anteriormente consideradas, não seria o caso de nos perguntarmos se os exercícios que colocam em movimento o corpo inteiro, ou seja exercícios com o corpo em fluxo, afetariam diretamente à mente e ao pensamento em fluxo? Ou ainda, se a liberdade de movimentos, a criatividade no seu uso e no uso do espaço - seja pelo viés de uma metáfora conceitual ou pela correlação direta existente entre esquemas sensório-motores, mente e sistemas neurais – não conduziriam à experiência de um pensar desimpedido e de uma expansão correspondente de potenciais humanos?

Tudo leva a crer que sim. Essas idéias são de especial importância para

educadores e arte-educadores que têm por meta em seu trabalho tornar os seres mais criativos desbloqueando tensões e inibições, conscientizando preconceitos e condicionamentos sociais que põem empecilhos à livre manifestação do ser; essas conclusões comprovam que o aluno deve ser tratado como um ser humano integral, multidimensional, e levam ao questionamento de formas de educação onde predomina o racional/cognitivo/verbal, em detrimento do intuitivo/vivencial/não verbal.

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TEMA E VARIAÇÕESTEMA E VARIAÇÕESTEMA E VARIAÇÕESTEMA E VARIAÇÕES

NovosNovosNovosNovos olhares sobre a metodologia de Iniciação e olhares sobre a metodologia de Iniciação e olhares sobre a metodologia de Iniciação e olhares sobre a metodologia de Iniciação e sensibilização Musicalsensibilização Musicalsensibilização Musicalsensibilização Musical

Tema e Variações é um tipo de forma musical muito antiga na qual o tema musical é apresentado, e em seguida, através de procedimentos

musicais diversos, submetido a variações que refletem a criatividade de seu autor. Um compositor pode criar variações para um tema de outro compositor; dessa mesma maneira, os entrevistados lançam agora os mais diferentes olhares sobre o tema de ISM, e o reescrevem à luz de suas

experiências.

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1.1.1.1. TEMATEMATEMATEMA

O movimento de observar, perscrutar, analisar e refletir sobre a Metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical ao longo da elaboração dos quatro últimos capítulos e sobretudo o movimento de apropriar-me e digerir tudo o que ouvi dos entrevistados, levam-me agora a rever o tema desta composição. Muitas das falas dos entrevistados confirmarão aquilo que eu havia descoberto a respeito do trinômio Ouvir/Expressar-se/Interagir; outras, me levarão para muito além, novos campos a explorar, novas descobertas a fazer, um mundo de riquezas, um tesouro que eu só poderei talvez encontrar graças a esses outros olhares, estas outras vozes que se juntam à minha. A seguir, à luz destas vozes, ao som destes olhares, capto a contribuição que ISM tem a dar à formação do professor e à sua prática docente; volto-me mais uma vez sobre os procedimentos didáticos de ISM e os reencontro enriquecidos, explicados pela vivência e a fala viva do outro. Serão comentados especialmente os aspectos mais citados pelos entrevistados.

2. VARIAÇÕES2. VARIAÇÕES2. VARIAÇÕES2. VARIAÇÕES

A primeira conclusão a que se pode chegar a partir da análise das respostas dos entrevistados é que a maior parte das contribuições da metodologia de ISM à formação do professor, se devem à possibilidade de desenvolvimento humano evidenciada pela síntese das respostas, logo a seguir. Existem seis blocos de assuntos que agrupam diferentes aspectos sobre essa questão citados pelos entrevistados ( entre parênteses vê-se o número de pessoas que citaram tal aspecto do total de nove entrevistados):

1. Prazer proporcionado por experiências específicas (8) 2. Vivência de sentimentos positivos generalizados e emoções (7) 3. Transposição de aprendizagens humanas do curso para outras situações da vida profissional e pessoal( 6) 4. Percepção da Intensidade da relação humana (5) 5. Trabalho da personalidade e aspectos terapêuticos diversos (5) 6. Mudanças na prática reflexiva e pedagógica ( 9) 7. Idéias filosóficas para um novo paradigma na educação e na vida

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3. Falas dos participantes e comentários3. Falas dos participantes e comentários3. Falas dos participantes e comentários3. Falas dos participantes e comentários 3.1. Prazer e Alegria

Oito dos nove entrevistados citaram como experiências marcantes do curso sentimentos profundos de bem-estar: paz, harmonia, alegria, prazer, segurança para trabalhar com a música, sentir-se uno, coesão, abertura para o novo, vivência da afetividade. Percebe-se em suas falas a importância dada ao ato de sentir ( a música, o grupo, a si próprios), além da percepção da experiência musical – e consequentemente da experiência de ensinar música – como algo prazeroso e profundo.

A escuta musical, apesar de não haver sido citada por todos os entrevistados

como um fato marcante esteve subliminar a muitas de suas falas. Os momentos de escuta revelaram-se como momentos de prazer, relaxamento, equilíbrio, bem-estar e sobretudo momentos vivos de emoção, note-se que quase todos os entrevistados utilizam o verbo sentir ao referir-se à atividade de escuta. A música assumiu também a função de elemento transmutador da experiência pessoal dos entrevistados e elemento de coesão entre as pessoas do grupo:

“... e aí eu pude perceber o quanto meu corpo pode expressar o que eu estava sentindo quando voce colocava enquanto estímulo aquelas músicas, né ?” ( sujeito 1)

“... para mim ficou muito claro o prazer que eu senti, de estar vivenciando a música, sentindo.(...) é como se a gente entrasse na música,(...) hoje quando eu ouço alguma coisa eu percebo melhor o que aquela música está me fazendo sentir, e eu procuro levar aquela experiência para o meu trabalho,(...)até para estar pesquisando essa história das sensações, de como eu ouço, de como o outro ouve. ..” ( sujeito 2) Eu senti (...) uma questão do grupo sendo uma coisa só, onde a gente repartia um único... a única comunhão seria a música, entende? o grupo se comunicando através da música...” (sujeito 3) “... eu acho que o ouvir foi um dos pontos mais fortes do curso, o aprender a ouvir, e como ouvir, (...) e voce sensibilizar o ouvido para torná-lo mais requintado, né? ...” (sujeito 4) “... um curso de música, nem sempre a gente começa realmente com a música, e ouvindo música. Isso é uma coisa que me marcou muito no seu curso. ...” (sujeito 5) “... eu acho que a escolha de repertório desse curso era simplesmente espetacular, certo? ... Foi um aspecto, (...) determinante (...) foi especialmente assim...agradável. ...”(sujeito 6)

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A escuta musical, como eu havia intuído e sentido em minha própria experiência

revelou-se então como uma experiência primordial na ação musical, desencadeando emoções, unindo o grupo, criando novas referências estéticas e sobretudo proporcionando prazer, sensibilizando, fazendo com que os alunos realizassem que a educação não se dirige apenas ao intelecto, mas que somos um corpo que vibra e que está no mundo para perceber e sentir. A escuta musical possibilita que a música saia do papel e adentre o corpo, abrindo caminho para a verdadeira educação musical na qual existe a possibilidade de tornar-se um ser sensível e completo, na unidade de corpo e mente. Nesse sentido, a escuta musical revela-se como poderosa ferramenta educacional, tanto na formação de crianças, quanto na formação de professores. 3.2. Sentimentos generalizados de bem-estar, emoção

O prazer e a alegria permearam a experiência dos participantes dos cursos tendo por causas, além da escuta musical, diversos outros aspectos citados: a possibilidade de viver e expressar emoções, sentimentos e criatividade; a expressão pelo corpo; a comunicação como via de percepção de si e do outro; a experiência lúdica; o contato com a beleza do repertório. Além desses motivos específicos para o prazer e a alegria, sete dentre os nove entrevistados, em várias ocasiões, relataram haver experimentado sentimentos positivos generalizados ligados a essas experiências e os expressaram com as seguintes palavras: paz, harmonia, segurança, coesão, abertura para o novo e vivência da afetividade, conforme verifica-se em suas falas:

“... Uma imagem de muita paz, de muita harmonia,(...) o curso, aquela experiência, marcou muito a minha vida profissional e a minha vida...pessoal, né ?...” ( sujeito 1) “... E voce perguntou uma coisa: o que mais a gente lembra, né? (...). A palavra que viria para mim é alegria de fazer junto. (...) porque o grupo tinha alegria!! de fazer junto...” (sujeito 4) “... essa coisa de voce ensinar brincando, isso é muito divertido, (...) essa é a coisa principal do curso ...” “... eu me sentia assim insegura, né, porque eu tinha muito medo...o que é que eu vou fazer?...o que eu vou elaborar para essas crianças? Enny - Criou uma referência para voce criar em cima, né? Rose - Exatamente, então eu achei muito legal, o programa é realmente fantástico....” (sujeito 8) “... no final todo mundo chorava, (...)todo mundo ficava grudado, porque parecia assim que a gente não queria se desgrudar mais ...”

(...) está todo mundo buscando o prazer... “ (sujeito 2)

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A busca e o encontro do prazer, da alegria, a possibilidade de vibrar através dos

sentimentos e do afeto são sem dúvida uma contribuição para a formação do professor. Somente uma visão tecnicista e mecanicista poderia dispensar o bem-estar e a alegria em sala de aula. Isso no entanto, acontece tantas vezes... As estratégias de ISM confirmam-se portanto como uma via possível de acesso a esse bem-estar que jamais deveria ficar ausente das relações em sala de aula.

3. 3. Transposição de aprendizagens humanas do curso para a vida

Seis dos entrevistados relataram a transposição de aprendizagens humanas do curso para outras situações da vida profissional e pessoal. Dentre estas aprendizagens destaca-se com muita ênfase a percepção por parte dos entrevistados da intensidade da relação humana, todos eles referiram-se com maior ou menor intensidade a algum aspecto dessa relação. As aprendizagens relacionais levadas de ISM para a vida pessoal e profissional das pessoas podem ser sintetizadas nos ítens que se seguem:

a) Percepção da intensidade da relação humana: - Sentimento de pertinência ao grupo - Sentimento de coesão - Exercício da comunicação e interação - Aprendizagem do fazer pelo outro - Interação afetiva: dar e receber

b) Troca de experiências pessoais e profissionais c) Desenvolvimento da competência para colocar limites claros nas relações profissionais e pessoais: aprender a dizer não

d) Exercício de tomada de decisões e de exercer papéis no grupo.

Os entrevistados falam sobre diversos aspectos de suas experiências e aprendizagens com o grupo, algumas vezes de forma comovente:

Intensidade da relação humana

“... eu acho que a convivência com pessoas ligadas à área de música é muito frutífera e foi para mim naquele aspecto; eu pude mostrar o meu livro para voce, voce pode fazer comentários, modificou várias coisas. Eu acho que a troca...isso foi positivo....” (sujeito 9) “... a gente percebia uma coisa muito grande no grupo (...) Será que é o grupo que é coeso? mas acho que tem muita influência do trabalho que buscava isso também, que levava a isso...(...) através da música, dessa coesão do grupo, o grupo se falava mesmo, aquelas atividades que a gente fazia “voce tem que se comunicar com os olhos...”, ou com o

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corpo...então,(...) a gente conseguia se guiar,(...)a gente conseguia perceber quando é que eu ía guiar ou eu ía ser guiado, não precisava de palavras... “( sujeito 2) “...)eu acho que teve muito mais influência pessoal do que profissional ( o curso), assim, uma vez que a parte profissional para mim ainda está sendo... resolvida, entendeu? (...) na época que eu fiz o curso da Allegro (...), estava acontecendo comigo um negócio muito forte, eu não tinha como verbalizar para ninguém, eu queria falar isso, mas era uma coisa idiota, como é que eu ía falar uma coisa que acontecia comigo que eu não sabia nem dizer o que era, né?, quer dizer, eu aprendi que... se relacionar humanamente não era só o que eu fazia, tinha muito mais que poderia ser feito, muito mais pelas pessoas, que as pessoas podiam se comunicar muito mais, sei lá, e se curtir, em tudo, e dizer e se tocar, exatamente. (...) eu aprendi e depois de seis meses pintou uma de fazer uma viagem (...), eu fui para casa de fazenda, eram seis casais, doze pessoas,(...) e a gente jantava juntos todo mundo, a gente fazia tudo junto, estava todo mundo com filho, sabe? no meio do campo, foi uma loucura e foi com esse aprendizado que eu levei para lá, sabe, eu sei que serviu, foi um negócio muito maluco... (...) eu gostaria de poder ter mais esse tipo de vivência,(...) como não faz parte da minha formação, isso daí, eu vou esquecendo aos poucos, eu sinto que vou esquecendo...” (sujeito 3)

Este exercício de relacionamento do grupo se dá primeiramente na naturalidade

de uma proposta que pretende que as pessoas se conheçam além de compartilharem experiências profissionais. Assim, existe o momento inicial da aula no qual se busca a sintonia entre as pessoas através de algo muito simples como dar-se as mãos, por exemplo; existem inúmeros momentos de roda de conversa, ao longo das aulas, nos quais as pessoas podem colocar-se de forma estritamente pessoal, dando-se a conhecer; existe a hora do lanche que cada vez mais, ao longo do curso, torna-se um momento elaborado pelos alunos com pequenas coisas especiais para comer ou beber; ou seja, existe a intenção de ser primeiramente um grupo unido de pessoas. Além dessa convivência natural, existem naturalmente estratégias metodológicas para criar sintonia, a exemplo dos Modelos de Improvisação.

Os modelos de improvisação podem ser corporais, vocais ou instrumentais. Neles,

a partir de uma proposta claramente determinada antes do início do exercício, os participantes devem agir e interagir ouvindo ou produzindo música; observando ou produzindo movimentos corporais. Nestes exercícios de improvisação, o canal básico de comunicação é não verbal; a percepção global do grupo e de si próprio dentro do grupo acontece através, dos sentidos – audição, visão periférica, ou sentido cinestésico, por exemplo. Não há lugar para a comunicação verbal. A comunicação se dá sobretudo através de sons vocais ou instrumentais ou através do movimento corporal. Assim, para fazer-se compreender, uma pessoa pode tocar a outra, ou levá-la a fazer algo na prática, pela imitação ou de outra forma qualquer, mas jamais falar. Tão pouco é o caso de interromper o modelo de atividade quando algo dá errado, neste caso, mais ainda, o grupo deve ter em mente com muita clareza o conceito de auto-regulação que permite ao grupo, muitas vezes, incorporar, digerir e transformar o próprio “erro”, numa simples mudança de direção da ação. Nos modelos de

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improvisação todos estão sempre atentos, todos tem a ver com todos, o olhar deve ser o mais abrangente, o ouvido, o mais apurado.

Recorrendo à Teoria dos Sistemas para explicar como tal ocorre, podemos

entender os grupos humanos como sistemas abertos onde o tempo todo existe circulação de energia e troca de energia entre os elementos e entre o ambiente circundante. No caso dos modelos de improvisação, a energia é proporcionada pela música que soa ou é produzida pelo grupo, permeando o ambiente; ou, em outros casos pelo movimento corporal produzido pelo grupo. Este, então, torna-se responsável pela manutenção do nível de energia. Cada indivíduo alimenta a energia do grupo, produzindo aquilo que seja necessário no momento - sons ou movimentos- para manter estável o nível da produção em curso. Cada indivíduo alimenta e retroalimenta o grupo, tanto quanto é alimentado por este; cada indivíduo influencia a produção do grupo e logicamente é condicionado por ela. Nesse ambiente, não há espaço para que indivíduos se omitam sem prejuízo de todos, tão pouco há espaço para que uns se tornem proeminentes, em detrimento de outros. Duas são as palavras-chave: percepção e integração, levando aos seguintes questionamentos: Onde coloco meu som? Onde coloco meu movimento? Em que momento atuo?

Nesse contexto, torna-se cristalina a importância do indivíduo para o grupo e do

grupo para o indivíduo, torna-se absolutamente necessário que todos assumam suas responsabilidades; cada indivíduo consegue portanto compreender e medir toda a extensão de cada uma de suas atitudes; o grupo pode atingir um gráu de sintonia que é percebido pelos indivíduos como um vetor, ou corrente emocional, uma ligação orgânica: o grupo como um organismo.

Importante nessa questão é perceber que esse tipo de sintonia vivida no grupo, a experiência da responsabilidade como indivíduo do grupo, causa o sentimento de pertinência. Através de propostas simples, os participantes conseguem perceber sua importância para aquela ação e o quanto ela pode fazer falta. O conjunto de todos estes fatores descritos pelas entrevistadas como “uma coisa grande no grupo”, “sentimento do afeto no grupo”, “competência para estabelecer relações”, “ficar grudado”, constitui aquilo que poderia ser chamado de liga afetiva do grupo. Sem esta ligação emocional o grupo não pode produzir, ou pelo menos não pode produzir com todos os seus recursos. Logo, mais uma vez, cabe lembrar palavras anteriormente citadas de Jung:

“... a emoção é esse momento onde o aço encontra a pedra e faz brotar a faísca: porque a emoção é a fonte principal de toda tomada de consciência. Não há passagem da obscuridade à luz, nem da inércia ao movimento sem emoção.” 80

Relações humanas: limites, decisões e papéis

Sobre a competência para estabelecer relações humanas, o exercício de tomada de

decisões e a função da música em tudo isso, é extremamente interessante o depoimento do sujeito 1 da 80

Carl G. JUNG, (Coord.), L’Ame et la Vie, 1963

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pesquisa, que relata como certas competências e aprendizagens foram transpostos da prática musical para a prática profissional e para a vida pessoal:

“...eu reestruturei as duas vidas, a partir daquele curso, né ? (...)foram momentos de vivência que...me deram bagagem para poder pensar em algumas coisas, e fazer opções (...) Na (vida) profissional eu tinha muito receio de tomar posições, (...) “olha aqui, não é por aí que se encaminha, não é desse jeito”, com medo de melindrar situações e a partir daquela vivência me estruturou de tal forma que eu não sei te dizer como, né ? mas acho, que pela linguagem musical ser uma coisa universal, Enny. É... bem o que as pessoas agora estão falando de competência e não é um conteúdo, mas é uma competência que voce adquire e dentro da competência voce estabelece relações eu acho que é isso que aconteceu comigo (...); e na minha vida também pessoal, eu comecei a me posicionar também enquanto pessoa: “até aqui eu sou mãe, até aqui eu sou mulher, até aqui eu sou esposa, agora voce tem que respeitar por que esse é o lado profissional, e eu preciso disso”, (...) Então eu acho que o que aconteceu comigo - apesar ainda da minha ignorância dentro da linguagem mais técnica musical - mas o objetivo do curso, que foi sensibilizar as pessoas para ouvir, para sentir a musica, para te aproximar dessa linguagem, para mim pelo menos eu me senti atingida, porque eu consegui transferir todo aquele conteúdo que estava entre linhas, para outras competências, né ? ...” “... considero que quando nós trabalhamos e montamos um projeto dentro da linguagem musical, o projeto maior da escola deu uma deslanchada, então, foi uma coisa que não mexeu só comigo, porque eu cheguei a exercitar com as meninas algumas coisas da tua proposta, montei uma oficina para que a gente pudesse viver (...)então eu senti um avanço, no projeto; coisas que eram muito difíceis de serem lidadas, questionadas com o grupo dos professores - isso eu posso avaliar porque o grupo de professores que eu comecei a trabalhar essa proposta em 98, até agora não mudou- então assim, ah... eu sinto que o grupo tem respondido ...” “... a gente começou com toda uma sensibilização dentro da linguagem musical, e aí passamos para um entendimento do projeto que é ainda “o universo” que a gente coloca as duas visões da criação do universo: da visão mística que a gente pega a gênese na bíblia e da grande explosão que é a visão científica; e dizer que o grupo de professores, que a escola não é o lugar que dá as respostas, mas que é um grande fórum de debates e por isso a linguagem musical está bem por que ela abre espaço para esses debates; por que o esquimó quando escuta uma música, ele vai escutar da mesma forma que nós brasileiros escutamos - uma linguagem universal - e que eles podem se entender através dela. ...”

O sujeito 1 da pesquisa identificou como objetivos do curso, a partir de sua

experiência pessoal, os seguintes: a sensibilização para o ouvir, a aprendizagem do sentir a música e a aproximação à linguagem musical; e ressaltou que todos os objetivos foram atingidos no seu caso. Sua conquista mais importante foi no entanto, o “reestruturar-se” para reagir às situações familiares e profissionais que naquele momento a estavam oprimindo. A entrevistada coloca enfaticamente o tipo de atitudes requeridas nesse processo: tomada de posições, eliminação do medo de melindrar pessoas ,

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colocação de limites pessoais e profissionais, tanto na situação de trabalho como na situação familiar. Segundo seu depoimento, logo após o curso, todas estas atitudes foram encaminhadas, mudando radicalmente os papéis assumidos em casa e no trabalho. A entrevistada analisa tal capacidade de tomar atitudes para a mudança, em sua vida, como desenvolvimento de novas competências para estabelecer relações sociais.

Pode-se interpretar as competências citadas pela entrevistada como provenientes

de duas fontes: primeiramente, do trabalho de sensibilização musical, onde a escuta prepara o indivíduo para o ouvir, que se inicia no fisiológico e emocional, continua no racional e estende-se para o social, através de uma situação de abertura e permeabilidade ao outro; e por outro lado, o próprio exercício das relações interpessoais que têm lugar no curso através de atividades expressivas de improvisação, levando à integração e à compreensão das intenções mútuas. No entanto, dada a importância desse relato, cabe compreender como de fato a entrevistada chegou à experiência do exercício de tomada de decisões através de uma experiência específica, um ponto de mutação vivido no curso ISM: a certa altura, cada participante do curso foi chamado a improvisar corporalmente sobre uma música que havia sido trabalhada em audição- tratava-se de uma peça instrumental percussiva sobre ritmos africanos. A entrevistada chegou ao centro da sala, hesitou, uma sombra de conflito perpassou o seu rosto. Bastante oprimida ela se virou para mim e perguntou se podia dançar a outra música que era mais melodiosa:

Sujeito 1 – “...e teve até momentos que por conta de eu não gostar do ritmo – era aquele ritmo mais de batuque, e tal- eu me coloquei no grupo, eu não conseguia me expressar porque eu não conseguia me encontrar dentro... Eu - Aí voce pediu uma outra música... Sujeito 1 - É , eu pedi uma música mais...”

Concordei naturalmente, com a troca da música. Aquele momento passou

desapercebido pelo grupo, mas foi crucial para a vida da entrevistada, segundo seu depoimento, transcrito acima. Naquele momento ela percebeu que poderia dizer não – e era extremamente difícil dizer não para mim e para a proposta que o grupo inteiro havia acatado. Diz a entrevistada que ao chegar em casa, sua consciência de que era possível reagir e dizer não já estava a caminho.

Portanto, o fato ocorrido no curso funcionou para a entrevistada como uma

metáfora do que poderia operar em sua vida como um todo. Essa tomada de consciência da própria vontade e dos próprios sentimentos, e sobretudo a coragem de expressar isso diante do grupo e do professor – normalmente incontestado - garantiram à entrevistada o primeiro passo para a mudança dos papéis assumidos em relação às pessoas e ambientes de sua vida.

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3.4. Trabalho da personalidade e aspectos terapêuticos diversos Um ambiente difícil

Na sociedade em que vivemos, uma série de fatores faz com que os seres humanos se alienem cada vez mais de si mesmos e das experiências que lhes são prazerosas: vivemos em grandes cidades, muitas vezes descuidadas, desprovidas de sua dimensão estética e natural, impossibilitando às pessoas o contato com a natureza. O ser humano muitas vezes abre mão do seu lazer, em nome da sobrevivência - a vida regida pelas leis do mercado retira-lhe a possibilidade de cultivar sua humanidade; não se reconhecendo mais no trabalho, tantas vezes não usufrui daquilo que ajuda a construir. Além de tudo, existe a competição. É assim que o ser humano se isola, tenta proteger-se, assegurar sua identidade afastando-se cada vez mais do outro, resistindo à massificação. É assim que o convívio perde a importância. Neste contexto, as estratégias simples de ISM tendem a tornar-se terapêuticas e profundamente transmutadoras da experiência dos participantes: subitamente o aluno encontra-se num ambiente preparado para o relaxamento, toma contato com o belo em suas diversas formas – o belo musical, o belo da relação humana, o belo de suas próprias ações cotidianas nunca antes iluminadas por esse olhar: a voz...o corpo...o movimento...o som...; alguns momentos poéticos, fugazes, efêmeros talvez devolverão à pessoa a possibilidade de sutilizar as formas de pensar o mundo em que vivemos, renovando as possibilidades do sentir, redescobrindo o prazer de ser e estar no aqui e no agora. Expressão musical – a intersecção do educacional e do terapêutico

Todos os entrevistados relataram experiências vividas nos cursos que podem ser consideradas como terapêuticas. Além de processos de tomada de consciência, de pequenas e grandes ousadias, da transcendência de limites e do resgate do prazer, entre outros aspectos, pode-se considerar que o contato simples com estados profundos de bem-estar e relaxamento, a beleza da música e a relação interhumana qualitativa - aspectos tantas vezes levantados pelos entrevistados - são por si só terapêuticos.

Observando ocorrências de caráter fortemente catártico e terapêutico ao longo

dos cursos, foi que comecei a intuir que havia nesse campo algo muito profundo a estudar. As experiências catárticas decorrem principalmente da possibilidade de expressar-se, e relacionar-se com o grupo, mas também de introvisões que as pessoas adquirem sobre si próprias. Percebo que o resgate do potencial expressivo e criador de cada pessoa pode ter atuação profunda no mais íntimo do ser, propiciando a mudança verdadeira. Os entrevistados referem-se a isso com as expressões movimento interno, reestruturação, quebra de couraças e limites, pesquisa interna. O aspecto terapêutico de ISM é inclusive um dos que mais pode oferecer contribuições à transformação da ação do professor, à tomadas de consciência diversas, sobre sua posição como profissional e como pessoa, que podem torná-lo mais seguro, expressivo e criativo em sala de aula e também fora dela. Os entrevistados ressaltam estas possibilidades terapêuticas, desveladoras da personalidade, vivenciadas no trabalho de ISM e

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me fazem antever um futuro no qual esse aspecto deverá ser estudado e consideravelmente aprofundado. Este aspecto tão delicado e profundo tornou-se inclusive assustador para mim, tornou-se necessário tentar compreender estas experiências, e torna-se agora necessário admitir que estou apenas no portal dessa compreensão. Nesse momento, somente as falas dos sujeitos podem ser realmente reveladoras: Corpo e Emoção

“... a expressão do corpo e do sentimento era uma pesquisa que eu tinha que fazer interna comigo mesma, e aí eu pude perceber o quanto meu corpo pode ...” ( sujeito 1)

“... uma das coisas que esse curso me influenciou muito, foi que à medida que se trabalha criatividade...de uma forma livre e espontânea acaba aparecendo coisas emocionais muito fortes (...) que fazem parte do histórico de vida de cada um. (...) E eu acho que corpo para mim(...) é uma coisa muito verdadeira,(...) essa coisa de ser espontâneo, ser verdadeiro e ser autêntico, a emoção aparece, é uma coisa que me gravou(...) profissionalmente, mais do que outras, porque eu entendo que todo trabalho artístico está muito interligado com a parte emocional. (...) essa coisa de dança espontânea, é uma coisa muito forte. (...) essa coisa de corpo, de voce se expressar corporalmente, não é muito fácil, por causa dos bloqueios que normalmente a gente tem. Mas, ao mesmo tempo, o que eu vi lá é um desenvolvimento desse desbloqueio, é um trabalho que através da aceitação do grupo a gente conseguiu ver - e eu mesma, né? se bem que eu tinha um trabalho corporal anterior – mas, que dava para ver que estava desbloqueando, e lógico, mexendo diretamente com o emocional...” ( sujeito 7) “... Eu senti (...) uma questão do grupo sendo uma coisa só, onde a gente repartia um único... a única comunhão seria a música, (...) era uma coisa onde a gente podia se expressar e comunicar com a outra pessoa usando elementos de movimento e de música...” (sujeito 3) “... voce falou de técnica, que musica não é só técnica, né? (...) é uma vivência no corpo mesmo, né?- eu senti é...a vibração de cada som que surge, então para mim assim, mudou a minha idéia, meu conceito de trabalhar com música mudou, ...”( sujeito 2)

É muito interessante o que dizem os sujeitos 1 e 7 sobre o corpo, as emoções e os sentimentos, pois, as duas têm uma formação importante em dança. O sujeito 1 da pesquisa ressaltou como aspecto marcante do curso a possibilidade de expressar-se corporalmente, e de forma especial a possibilidade de experimentar sentimentos através desse tipo de expressão; o sujeito 7 ressalta a questão do desbloqueio do corpo pelo movimento espontâneo, e mais que isso coloca que esse desbloqueio se dá também pela aceitação desse tipo de expressão pelo grupo, gerando emoção. Percebe-se então que no tipo de formação em dança que receberam, a dimensão emocional esteve ausente. Esta é uma questão importante que novamente nos remete à uma das grandes questões na mudança do paradigma mecanicista para o paradigma ecológico: a visão não fragmentária do ser; uma visão na qual o ser

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humano é visto como uma unidade de corpo/mente/espírito e na qual as formas de expressão podem escapar do tecnicismo vazio que é então substituído pela criatividade.

Os sujeitos 2 e 3 da pesquisa ressaltaram em diferentes momentos da entrevista a

importância da comunicação não verbal. De fato, as qualidades comunicativas do não verbal somadas à expressividade do corpo são dois fatores que atuam como poderosos meios de coesão do grupo. No trabalho de expressão corporal com música coexistem diversos fatores que levam o participante a viver a experiência como algo de profundo e único: a experiência fisiológica e emocional do ouvir; os processos catárticos de desbloqueio de tensões corporais e de desbloqueio na comunicação interpessoal; a emoção estética causada pela qualidade intrínseca das músicas escolhidas, pela beleza dos movimentos naturais de cada pessoa, ou pela beleza das composições que o grupo chega a construir, em ligação estreita com a música e com a proposta criativa.

Desenvolvimento pessoal

Abaixo cito mais algumas falas dos entrevistados interessantes para que se compreenda a abrangência do trabalho de ISM enquanto estratégia de desenvolvimento pessoal, o que inclui vários aspectos: movimento interior, reencontro consigo mesmo, domínio da ansiedade, abertura para viver novas experiências, tomada de consciência dos potenciais próprios, desenvolvimento da auto-estima:

“... acho que eu poderia resumir na palavra movimento...o que aquele curso provocou na minha pessoa, né? mas um movimento que envolve vários aspectos, ou seja, aspectos cognitivos, aspectos sensoriais, emocionais, afetivos. E...foi muito interessante como vivência, (...) uma vivência da criatividade musical, foi muito incrível. ...”( sujeito 6)

“... eu não queria perder aquilo por nada, (...) porque eu fui na realidade aprender para que me ajudasse no meu trabalho, mas eu... me ajudou a mim mesma como pessoa muito mais do que aquilo que eu fui buscar....” (sujeito 2) “... a sensação que eu tenho desse curso é como se estivesse assim, quebrando couraças para alguma coisa, para a gente chegar no interior da gente. (...) Então acho que é um trabalho ma-ra-vi-lho-so. ...” ( sujeito 7) “... uma coisa que para a minha vida também foi importante, é voce lidar com a questão da ansiedade, (...) eu me permiti mais tempo, para (...)trabalhar algum aspecto em aula sem a ansiedade do resultado (...) então para a minha vida também mexeu, fiquei mais assim calma, dentro da.. expectativa de resultados. ...” ( sujeito 4)

“...Sem dúvida, na vida profissional...teve bastante influência(o curso) porque (...) abre a cabeça da gente para novas experiências e para voce se permitir a essas experiências (...) ele

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vai num processo e vai acrescentando experiências e abrindo a cabeça da gente para outras...outras buscas, outras experiências, sabe? (...)não ficava só naquilo, ele mexia com a cabeça da gente....” (sujeito 4) “... dá uma outra visão, né? para voce trabalhar, é isso que eu percebi e percebo hoje, realmente...”(sujeito 8)

“... por eu ser uma pessoa muito tímida, aquela coisa de poder fazer, isso ficou bem assim na minha mente, né? de poder fazer as coisas, não ter um limite: “não... vou ter que fazer...vou ter que copiar de alguém...não, eu posso fazer !...”. Isso me deu uma abertura....”(sujeito 8) “...o curso foi tão assim completo que a gente se sente com segurança (...) de voce fazer um caminho dentro da educação musical, ...” (sujeito 4) “... nem sempre a gente começa realmente com a música,(...) Isso é uma coisa que me marcou muito no seu curso. (...) E outras coisas, trabalhei com a criatividade, né? ...” (sujeito 5)

Auto- estima

“... o segundo( aspecto marcante no curso) foi quando voce colocou um tango e que a sensualidade - a minha - não sei eu interiorizei tanto, mas a minha sensualidade jorrou, foi um trabalho que eu curti muito, aquele dia eu saí com o meu ego lá em cima, polidíssimo, eu era a mulher mais maravilhosa do mundo, (...) eu lembro assim da sensação que eu tinha de me olhar no espelho sabe, então para mim, como Amália, né? como Amália, como mulher, foi uma sensação muito legal. (...) quando eu lembro, eu lembro com saudades. ...”(sujeito 7)

Vale a pena comentar que neste grupo de formação do qual participou o sujeito 7,

havia grande interesse pelos aspectos terapêuticos da música, quatro pessoas trabalhavam com crianças deficientes na AACD – Associação de auxílio à criança defeituosa-, inclusive os sujeitos 6 e 8 desta pesquisa e o sujeito 9 que mais tarde veio também a trabalhar. O grupo estava permeável às vivências emocionais, e assim esta questão bem como a questão da emoção, do afeto e da catarse do grupo afloraram. Nesse mesmo dia, enquanto o sujeito 7 vivenciou sua experiência de sensualidade ao som daquele tango, eu estava interagindo com um rapaz muito tímido, fechado, que muitas vezes parecia não estar interessado no que eu dizia. A proposta com o tango incluía a dança espontânea e a teatralização e ficou fortemente carregada no nível das emoções; durante aquela atuação as fronteiras entre a representação e o sentimento real se tornaram imperceptíveis, pelo menos para mim. O aluno desapareceu por duas semanas, o que me fez carregar durante esse tempo o peso do fracasso da minha estratégia. Na terceira semana, o aluno apareceu, quase não o reconhecíamos, mais bonito, mais bem vestido, chegou e veio diretamente em minha direção, explicou sua ausência, cumprimentou-me com um beijo - coisa que jamais fazia- e todos ficamos estupefatos. Naturalmente, algo havia ocorrido relativo à sua auto-imagem ou à sua auto-estima. Os efeitos do tango e dessa

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interação excepcional não pararam por aí: ao final da aula, indo rumo ao metrô, eu vivia uma espécie de euforia, assim como o sujeito 7, me sentia a mais linda e a mais feliz. Num momento dado, percebi que todos me olhavam no metrô, só então percebi entre assombrada e sem jeito que eu estava cantando o tango!!...

Em outra situação, numa creche na qual trabalhei, certa vez, decidi fazer uma pesquisa com as ADIs (auxiliares de desenvolvimento infantil) para saber o que elas pensavam dos treinamentos nos quais havia uma participação minha com a sensibilização musical. Uma das professoras revelou-me que havia muitas coisas que ela gostava - o relaxamento, a beleza das músicas – mas que ela jamais poderia esquecer o primeiro dia quando eu havia feito toques sutís na sua cabeça, ao som da música. Ela dizia conservar essa experiência vivida um ano e meio antes com toda a vivacidade dos sentidos e que havia sido um dos momentos mais bonitos de sua vida. Fiquei muito impressionada com a força daquele momento tão fugaz que havia sido aquela interação, um momento tão rápido para mim ao qual estou tão habituada e que para a professora havia sido tão poderosamente significativo !!... Aplicações com crianças deficientes

Os sujeitos 6 e 8 da pesquisa relataram acontecimentos importantes de suas experiências musicais com as crianças deficientes. Estas professoras trabalhavam a música na AACD de forma intuitiva, buscando na prática e nas próprias crianças o que haveria de ser feito já que não possuíam formação específica para isso. As professoras falam um pouco das aplicações de ISM em seu trabalho:

“... uma das coisas que eu fiz muito com as crianças e que me impressionou demais a capacidade de absorção delas,(...)foi aquela brincadeira de estátua, (...) eu usei (...) aquelas músicas que voce colocou, e depois gravei outras,(...) e como tem crianças com deficiências motoras muito graves, com dificuldades múltiplas de responder a qualquer atividade rítmica, é... impressionante, levou um ano, mas no final do ano eles brincavam perfeitamente da brincadeira de estátua. (...) Então, eu só estou dando um exemplo, né? de como essa metodologia é poderosa, por que isso, a criança com esse gráu de deficiência, traz um monte de dificuldades de aspectos neurológicos, de constituição, (...) de desenvolvimento, de se centrar, de ser capaz de desenvolver o raciocínio lógico, (...) muito grandes, né ? eles não teriam essa oportunidade se não fosse através da música. ...”(sujeito 6) “ ... no meu caso, hoje eu trabalho com criança defeituosa, né? é bem difícil voce usar todo aquele material para trabalhar, então aí é onde aparece a necessidade de voce criar, usando o material de uma forma adaptada, né? (...)Essa coisa de relaxamento é o que mais a gente usa, (...)a hora que começa a aula ele já começa (reagir)...porque eu comecei fazer esse relaxamento no começo, sabe? (...) eles já ficavam quietinhos...(...) e a mãe falou: “ué !!... Que é que está acontecendo?!...” porque eu comecei a fazer em sala com eles essa parte do

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relaxamento...aquela coisa de movimento, fazer o vento , a florzinha, e essas coisas assim é que dá para fazer. (...)nós temos pacientes que (...) não mexem, nem falam!...então (...) o que eu trabalhei mais foi a parte de ouvir, (...) eu trabalhei com a parte de timbre, aí entrou a diretora e falou: “ué!...mas eles estão tão bons assim? ” mas porque? eu venho trabalhando essa parte de ouvido, eles não sabiam o que era ouvir, então quando ela ouviu eles dizendo: (...) “é o instrumento tal...”ela ficou boquiaberta com o moleque. Como é que eles sabem que isso é um Violino, um Cello, no meio de tanto instrumento? (...) então as vezes entra algum terapeuta e diz : “o que é que está acontecendo por aqui?” está todo mundo aaah!..(produzindo ruídos), (...) então eu acho assim que está sendo muito bom... “(sujeito 8)

Sobre esse assunto, a fala do sujeito 7, também é muito interessante. Esta

professora tem apurada formação em dança e durante algum tempo estudou musicoterapia:

“... as crianças traziam coisas, dados emocionais muito fortes.(...)algum trabalho que eu fazia de repente desencadeava uma criança chorando,(...) Assim... teve um dia que um menino falou...começou chorar, né? e eu não sabia o que é que era(...), e ele falava “o vidro, o espelho, meu pai” eu tive que parar o trabalho, (...) deixei ele sentado no colo, (...) dispensei as crianças antes e eu conversei com ele. (...) a Psicopedagoga da escola (...) havia me dito que o menino tinha visto o pai cheirando cocaína, (...) tinha jogado um vidro, um litro de whisky num bar que tinha um espelho.(...) É uma coisa muito forte, eu não sabia disso e num dos trabalhos de dança espontânea ele trouxe isso. (...) É bem isso que eu sinto e quando eu trabalho com as crianças, parece que o trabalho de sensibilização vai sempre para esse caminho: quebrando couraças para eles chegarem em contato com eles mesmos....” (sujeito 7)

A partir de todos estes ricos depoimentos, consigo perceber que efeitos terapêuticos e catárticos podem ser provenientes de várias estratégias diferentes – relaxamento, expressão pelo corpo e voz, interação afetiva, sensibilização à escuta, entre outros – o mais provável é que possam ser resultado da conjunção de alguns ou de todos estes fatores. Este me parece ser um dos pontos focais para a minha pesquisa de agora em diante. Um desafio enorme, um caminho que exigirá muito estudo, tempo, escuta do outro e sobretudo a valorização cada vez maior do trabalho com esse tesouro que é o humano.

3.5.. Mudanças na prática reflexiva e pedagógica

Através das entrevistas, foi possível perceber que o curso ISM teve bastante influência na prática diária dos professores, tanto no que diz respeito ao processo reflexivo quanto no que se refere a procedimentos em sala de aula. Os procedimentos tornaram-se mais ricos, segundo o que os entrevistados relatam e o processo reflexivo conquistou seu espaço, nas pequenas coisas – a

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escolha de uma música, a adequação de uma atividade, por exemplo – e também nas grandes idéias, aquelas que pessoalmente relaciono aos novos paradigmas na educação e na vida.

Abaixo os entrevistados falarão sobre alguns aspectos de suas aquisições no campo da reflexão e da prática: Mudanças no pensamento e na atitude do professor

“... esse trabalho, mostrou concretamente (...)que o contato com a linguagem musical cumpre uma função insubstituível no processo da educação, (...) As contribuições que a música traz, são contribuições que nem uma outra linguagem vai trazer,(...) e... da maneira como foi colocada a gente pode sentir o quanto é rica essa contribuição, né? Então, isso é uma coisa que eu sempre intuí na minha vida, ...” ( sujeito 6) “..., as vezes eu ficava ouvindo aqueles temas(músicas do curso), e refletindo assim ,as escolhas, né?(...) porque é que eu vou pegar esse tema? (...) está longe da realidade das crianças... (...) então me fazia refletir e procurar outras coisas se eu não queria aquele, e porque que eu não queria aquele, né? então nessa eu...argumentava, assim eu comigo mesma, sabe? Argumentava muito....” (sujeito 4) “... eu pelo menos, não tinha nenhuma proposta para apresentar em lugar nenhum e um curso de musicalização para criança pré-escolar, então é óbvio, agora eu tenho. ...”( sujeito 9)

Modelos: o método, a atitude do formador

“...o curso oferece várias alternativas de modelos pedagógicos, e é muito interessante porque é um modelo aberto, (...) ele não está pronto e acabado, ele vai se transformando com a prática. É o que eu tenho observado desde que eu fiz o seu curso, né? e...aplicando aspectos dele com as crianças que eu trabalho, né?...” ( sujeito 6)

“... eu agora tenho outra iniciativa,(...) eu pego o material dela (apostila e fita do curso) trabalho com o material dela, então eu acho que essa coisa de programa...acaba dando uma abertura para voce fazer também, né? eu pego dela e vou sempre intercalando, aí vou fazendo e vou começando, e consigo enxergar um pouquinho mais...porque eu realmente não enxergava. ...” (sujeito 8)

“...além de ser vivência eu achei que cada um dos exercícios que são propostos, eles não tem uma necessidade de ser 1, 2, 3, 4, 5...dá para a gente fazer um mosaico, pegar um dia uma coisa, outro dia outra...são coisas isoladas...eu achei isso no plano pedagógico excelente, essa visão. ( sujeito 9)

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Os professores ressaltaram nas falas acima dois aspectos que considero essenciais para a formação de um educador: a adoção de um modelo e a transcendência do mesmo a partir das próprias ações e percepções. Os professores valorizam e elogiam o modelo pedagógico de ISM tanto quanto a possibilidade de transformá-lo. Isso me parece ser uma conquista fundamental, pois durante muito tempo, como relatei antes, a formação que eu ministrava não passava de uma transmissão de fórmulas prontas que eu havia descoberto. A partir de minha percepção de que o professor deveria aprender a refletir, elaborar suas próprias atividades, criar o seu próprio material, tornou-se um conflito para mim apresentar meus materiais didáticos e minhas atividades como sempre fazia. Durante algum tempo não consegui compreender se a adoção de um modelo era uma atitude válida. A resposta têm chegado ao longo do tempo e se ilumina com essas falas dos entrevistados nas quais o que percebo é o conceito de obra aberta. É importante constatar que foi possível passar às pessoas que formo que o modelo pode e deve ser transformado, ou melhor transcendido, e transcender significa apropriar-se do modelo e ir além. Atualmente, a busca exagerada pelo novo e pelo criativo faz com que muitas vezes se tente criar a partir do nada. Uma interpretação errônea do construtivismo faz com que muitas vezes se pense que a imitação é sempre uma estratégia inválida. Então cabem as perguntas? Como conhecer sem imitar? Como criar a partir do nada? A fala dos entrevistados confirma aquilo que eu pensava: existe um movimento dialético entre o que se cria e o que se copia, um influencia o outro. A imitação permite o estabelecimento de um repertório mínimo – a referência-; a criação começa com a tentativa de transcender esse mínimo. Os entrevistados compreenderam esse movimento dialético ao colocar as idéia de modelo aberto, não linear (mosaico), obra transformável.

Sobre isso, é muito elucidativo um comentário de Luchesi 81sobre uma idéia de Snyders:

“ Snyders chega a afirmar que a apropriação dos “modelos” não é uma forma de opressão sobre os educandos e de eliminação de sua originalidade, mas sim uma condição necessária para a busca da originalidade. Que poeta não nasceu dum esforço de estudar, se apaixonar e imitar o universal que há em seus modelos preferidos?que cientista nasceu sem se apropriar da forma de fazer ciência dos clássicos da metodologia que adota? Mais que isso, que cientista criou alguma coisa absolutamente original, sem ter dado o salto a partir da apropriação da ciência anteriomente produzida? Assim, a apropriação de uma perspectiva é necessária para, no mínimo, poder opor-se a ela. “

Outro modelo importante citado pelos entrevistados com extensões para sua

prática pedagógica é a importância do modelo de comportamento do formador:

“... achei que o seu jeito como professora passou muito bem para a gente porque na hora que voce brincava, brincávamos todos nós, né? (...) na hora que voce fazia um sinal e a sua seriedade era tanta que nós todos sabíamos que (...)estava na hora de começar (...)então, isso também foi uma coisa muito importante, voce...se colocou como profissional para a gente.

81 Cipriano C. LUCKESI, Filosofia da Educação, pg. 16

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(...) eu acho que a criatividade que voce tem assim, mexeu muito assim: que dá para ser rápido, dá para buscar, dá para conseguir, vamos lá que de um jeito ou de outro voce pega o aluno, (risos) de uma maneira ou de outra... “(sujeito 5) “... uma coisa que para a minha vida também foi importante, é voce lidar com a questão da ansiedade, (...) voce mesma que faz isso com o grupo, porque voce não é ansiosa, (...) então o seu modelo me foi muito importante porque a maneira como voce lidava, por exemplo, com a criatividade que é uma coisa que demora que é uma coisa que se arrasta as vezes até voce conseguir, né? (...) então as vezes, quem não está por dentro dá a impressão que aquilo não vai chegar a nada,(...) Mas eu acho que se voce tiver calma interior aquilo tem, tudo tem sentido, né? (...) outra coisa, toda a postura frente ao instrumento mudou comigo , né? depois do curso, desde segurar a baqueta(...)Tudo aquilo tem um sentido, né? então a tua atitude muda perante o instrumento, perante a classe,(...) voce não deixa de ser um modelo para as crianças, então no momento que voce segura, como voce segura aquilo passa, vem um pouco assim de magia assim, sabe? em torno dessas pequenas atitudes. (...) Ritual, é isso que ía falar, é ritualista mesmo. ...” (sujeito 4)

Ao início desta dissertação comentei o quanto havia sido difícil para mim perceber

que o sucesso das atividades sensibilizatórias dependeria de uma série de pequenos rituais em sala de aula, referi-me então ao exemplo da cerimonia do chá. Os entrevistados atestam alguns progressos em minha atitude como formadora: o domínio da ansiedade por resultados, a experiência do fluxo ( no movimento, na fala, na fluência da aula), a delicadeza, os pequenos rituais; e em outros momentos, energia, rapidez e criatividade para dar solução a alguma situação em aula. Tudo isso me faz reafirmar a necessidade de que o professor seja uma personalidade em sala de aula, um mestre com o qual se possa aprender falando ou não, fazendo ou não. Nos limites da maestria será possível aprender apenas estando ao lado do mestre. O professor terá que desejar ser este mestre um dia. Hoje, aquele que primeiramente me fez ver tudo isso - H.J.Koellreutter - já não me ensina “coisas”, já não me diz mais “como fazer”, e muitas vezes, depois da isquemia cerebral, já não me reconhece; eu, no entanto, continuo me sentando ao lado dele, andando com ele pela rua, tomando um chá e simplesmente aprendendo. Estratégias que os professores incorporaram

Algumas das estratégias a que se referem os professores não são novas, pelo contrário, frequentam o discurso educacional com assiduidade. A novidade talvez tenha sido a oportunidade que tiveram em ISM de vivê-las eles próprios, o que viria a impulsionar suas próprias experimentações em sala de aula Abaixo, os professores falam sobre suas experiências:

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a) Vivência e Escuta Musical

“... foi uma abordagem diferente, em vez do professor ir lá ensinar, ele só vai fazer uma vivência com os alunos, uma vivência com elementos musicais, não é uma aula propriamente como uma prova, isso eu achei...(...) essa possibilidade da criança vivenciar coisas musicais sem estar preocupada em decorar alguma coisa, né? ...”( sujeito 9)

A valorização da vivência musical por parte dos participantes dos cursos reafirma

um dos princípios práticos de ISM: viver na prática antes de teorizar. Na primeira aula do curso, existe um momento breve de apresentações e de falar sobre as expectativas de cada um; logo em seguida parte-se para a prática, e a primeira atividade é sempre uma escuta musical seguindo a metodologia de R.Gelewski. Esta escuta é quase sempre um evento transmutador da experiência dos participantes, uma experiência que vai do sensorial ao intelectual. Estes, percebem na prática o interesse que existe em sentir primeiramente e falar depois. Esse cronograma de aula tem evitado discussões inúteis, exposições vazias de significado, querelas intelectuais. Ao passar pelo processo de escuta musical e embeber-se de som, através dos póros e das emoções, o participante do curso se prepara para outro nível de questionamentos teóricos, mais qualitativos, mais diretos, mais significativos. Em resumo, o processo da vivência musical faz com que passe a existir equilíbrio entre o cognitivo/verbal/racional e o sensorial/não verbal/intuitivo. A vivência antes da teoria, e de forma especial em música, a escuta antes de qualquer outra ação promovem essa interação dialética entre teoria/prática, racional/ intuitivo, ação/reflexão, conforme explicita o sujeito 4 da pesquisa ao falar de seus alunos:

“... a partir daquele curso todas as aulas de grupo de musicalização começam com uma escuta. Acabou, foi instituído isso, voce entendeu? (...)desde os pequenininhos, desde as iniciaçõezinhas, eles estão sempre assim escutando alguma coisa e a partir daí começa-se a construir, a conversar, a debater sobre, e olha, (...) rola assim tudo que é assunto, de música, sem ser de música, de conhecimento geral, de cultura. Nossa!...voce precisa ver cada coisa que sai por causa de uma escuta. ...” (sujeito 4)

b) A experiência lúdica

“...essa brincadeira musical, isso é o que mais me chamou a atenção, é a coisa mais marcante....” ( sujeito 9) “... essa coisa de voce ensinar brincando, isso é muito divertido, acho que é uma coisa assim que marca qualquer criança. (...) essa é a coisa principal do curso ...” (sujeito 8)

No inicio dessa dissertação comentei que ao vivenciar atividades infantis, os

professores resgatavam - sem qualquer intencionalidade de minha parte- alguns aspectos esquecidos de suas vidas: o prazer do brincar, o jogo da imaginação, a utilização não convencional de seus corpos,

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vozes e do espaço, o relacionar-se com o outro de forma mais íntima e afetiva. A experiência lúdica – resgate da criança que existe em cada um – passa então a ser uma estratégia consciente, não simplesmente uma forma de atrair a atenção das crianças, mas uma forma consciente de devolver aos professores em formação e em exercício as experiências qualitativas do brincar, do desvelamento do imaginário e da criação na interação com o outro. c) O repertório e o material didático

Todos os entrevistados declararam terem usado o material didático de ISM amplamente e teceram muitos elogios à organização, qualidade do repertório instrumental e de canções. O material didático consistia então de cinco apostilas e três fitas ou CDs. Os entrevistados colocaram vários aspectos interessantes sobre a utilização do material: a necessidade de adaptá-lo à realidade de seus alunos, levando-os a pensar e a fazer outras escolhas; o uso do material como modelo para pesquisa de outros repertórios e outras criações pessoais e a diversidade do repertório como incentivo à criação pessoal, conforme as falas abaixo:

“... eu acho que a escolha de repertório desse curso era simplesmente espetacular, certo? (...) esse repertório ía de encontro à diversidade, à pluralidade das linguagens musicais, né? dos vários povos, das várias culturas que nós temos, simplesmente maravilhoso!... Foi um aspecto, a meu ver, determinante para a qualidade do trabalho, (...) o que eu achei legal nessa diversidade de repertório, (...)é que ela abre, ela traz para o indivíduo, o recheio que o indivíduo precisa para poder criar, porque a gente não cria do nada, né?...” ( sujeito 6) “... uma coisa que me marcou muito no curso, foi um trabalho que voce fez (...) das músicas étnicas. (...) quando eu apliquei isso foi muito interessante porque as crianças ficaram extremamente curiosas,(...) eles perceberam que existem assim...várias formas de tocar a música, não necessariamente só com melodia ou só com ritmo. E eles começaram a partir disso a criar a música deles, isso eu achei que foi uma coisa muito legal, como ponto de partida. (...) eu acho que é aquela coisa de não fechar conceito: ser muito “eruditóide”, ou ser muito “popularóide” (...) não é nada disso. (...) é fazer com que eles experimentem tudo o que está acontecendo. Tudo que acontece é expressão....” ( sujeito 7)

Estabeleço um paralelo entre o problema da escolha do repertório e o da

alimentação. Um homeopata disse-me uma vez algo marcante: é necessário acostumar as crianças desde bebês à diversidade dos sabores para que saibam valorizar todo tipo de alimentos e aprendam a se alimentar corretamente. O mesmo se pode dizer da música: é necessário acostumar o ouvido a diferente timbres e texturas, moldar a experiência estética, ouvindo as obras-primas clássicas, mas também o folclore e as música étnicas do mundo. Somente o mergulho nas manifestações culturais mais diversas pode evitar preconceitos e educar o olhar, desenvolver a crítica e o gosto estético.

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Ainda sobre a escolha de repertório, este é um passo fundamental para o trabalho de sensibilização, que não passa desapercebido pelos participantes dos cursos, levando-os algumas vezes a indagar sobre os critérios de escolha. Estes, posso dizer, dizem respeito, em especial, a uma correspondência estrita entre o caráter emocional do movimento e da música; ou seja, qualidades como fluência, elasticidade, tensão, quebra, expansão, contração devem ser partilhadas tanto pelos movimentos e ações, quanto pela música. Outro critério para a escolha de repertório que percebo como mais determinante do que o primeiro, é a minha relação pessoal com a música, o que ela me faz sentir. Só trabalho com músicas que me tocam a fundo, por essa razão, o repertório não muda com muita velocidade, pois não é muito fácil encontrar estas músicas apaixonantes. Quando porém as encontro, eu as conservo e procuro o momento especial em que deverão soar. A emoção que eu sinto nesse momento com certeza se transmite aos alunos. No fundo da questão, trato de escolher o repertório que eu gostaria que escolhessem para mim. d) O projeto de massagem infantil

“... eu aprendi lá também – (...) eu não esqueço a massagem maravilha que voce dava- eu chego na sala os alunos perguntam assim: hoje vai ter massagem? (...) quando começo as crianças já estão assim habituadas uma vai fazendo na outra, assim vai a outra na cabecinha da outra, gente!... então, voce tem que ver que delícia e tem criança que chega: “quando vai ter carinho?” então, quem conta para o pai que na aula de música tem massagem e o pai, tipo assim, na casa dele não tem massagem hora nenhuma, isso acaba, transformando até a relação na casa, na família... “ (sujeito 2)

Deixei por último o comentário sobre a estratégia de massagens e toques sutís,

pois como se percebe na fala da entrevistada, a ação de sala de aula começa a escapar do âmbito escolar e direcionar-se para a vida. É necessário que escola e vida não sejam coisas tão separadas, sobretudo é necessário permitir que as crianças vivam na escola. Quando tal não acontece, fatalmente ocorre uma ruptura entre a escola e a vida, conforme elucida tão bem Murray Schafer numa de suas máximas para educadores: ”para a criança de cinco anos, a arte é vida e a vida é arte; para a de seis, a vida é vida e a arte é arte.”

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FINALE FINALE FINALE FINALE

todo final é também um recomeço...todo final é também um recomeço...todo final é também um recomeço...todo final é também um recomeço...

O Finale não tem forma musical específica,é sempre a última peça de uma Sinfonia ou Sonata, de caráter brilhante, vivo e arrojado; o Finale reafirma a tonalidade principal da obra dando-lhe um sentido de

unidade e induzindo à necessidade de um sentimento de conclusão.

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“ O futuro dirá que haverá um tempo em que seremos capazes “ O futuro dirá que haverá um tempo em que seremos capazes “ O futuro dirá que haverá um tempo em que seremos capazes “ O futuro dirá que haverá um tempo em que seremos capazes de renunciar a todas as artes como as compreendemos hoje; pois, então,de renunciar a todas as artes como as compreendemos hoje; pois, então,de renunciar a todas as artes como as compreendemos hoje; pois, então,de renunciar a todas as artes como as compreendemos hoje; pois, então,

a beleza, alcançana beleza, alcançana beleza, alcançana beleza, alcançando a maturidade, terá chegado à uma realidade do a maturidade, terá chegado à uma realidade do a maturidade, terá chegado à uma realidade do a maturidade, terá chegado à uma realidade tangível. Quando a consciência humana tiver amadurecido a ponto tangível. Quando a consciência humana tiver amadurecido a ponto tangível. Quando a consciência humana tiver amadurecido a ponto tangível. Quando a consciência humana tiver amadurecido a ponto de que contradições sejam percebidas dentro de sua unidade de que contradições sejam percebidas dentro de sua unidade de que contradições sejam percebidas dentro de sua unidade de que contradições sejam percebidas dentro de sua unidade

complementar, quando o sentido da vida não mais for considerado complementar, quando o sentido da vida não mais for considerado complementar, quando o sentido da vida não mais for considerado complementar, quando o sentido da vida não mais for considerado trágico e quando a artetrágico e quando a artetrágico e quando a artetrágico e quando a arte tiver sido total e plenamente integrada na tiver sido total e plenamente integrada na tiver sido total e plenamente integrada na tiver sido total e plenamente integrada na vida, estaremos prontos a dispensar a arte, no seu sentido vida, estaremos prontos a dispensar a arte, no seu sentido vida, estaremos prontos a dispensar a arte, no seu sentido vida, estaremos prontos a dispensar a arte, no seu sentido tradicional, pois nesse tempo futuro, tudo será arte.”tradicional, pois nesse tempo futuro, tudo será arte.”tradicional, pois nesse tempo futuro, tudo será arte.”tradicional, pois nesse tempo futuro, tudo será arte.”

P.MondrianP.MondrianP.MondrianP.Mondrian

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1. Reafirmando a tonalidade principal da obra1. Reafirmando a tonalidade principal da obra1. Reafirmando a tonalidade principal da obra1. Reafirmando a tonalidade principal da obra

Durante o tempo de duração da pesquisa sobre ISM, um processo intenso de reflexão teve lugar em minha vida. Creio que nunca antes, o esforço havia sido tão concentrado, a atenção tão focalizada na finalidade de compreender meu próprio pensamento e forma de trabalhar. As percepções dos nove entrevistados sobre a metodologia de ISM vieram juntar-se às minhas, configurando mais uma vez aquele processo de intensa riqueza que é o de aprender com o aluno.

Muito do que eu pensava e sentia sobre o meu trabalho confirmou-se na experiência

dos entrevistados. As contribuições mais significativas da metodologia de ISM à formação dos professores, de fato, espelham a relação do trinômio Ouvir/Expressar-se/Interagir. Nos aspectos mais citados pelos entrevistados como marcantes e transmutadores de sua experiência, pode-se dizer que se encontra a semente para a elaboração de um conjunto coerente de procedimentos que poderiam ser enriquecedores e atuantes na formação de professores, de uma maneira geral: � Prazer proporcionado por experiências específicas � Vivência de sentimentos positivos generalizados e emoções � Transposição de aprendizagens humanas do curso para outras situações da vida profissional e pessoal � Percepção da Intensidade da relação humana � Trabalho da personalidade e aspectos terapêuticos diversos � Mudanças na prática reflexiva e pedagógica � Idéias filosóficas para um novo paradigma, na educação e na vida

Muito embora, apenas quatro dos entrevistados se referissem diretamente à

questão dos novos paradigmas, a transição desejável de uma visão mecanicista e fragmentária de educação para uma visão ecológica e integradora, foi um valor sempre presente e subjacente às suas falas e àquilo que ressaltaram de importante nesse trabalho, como se percebe na relação existente entre algumas aquisições dos professores e os eixos de pensamento sistêmico propostos no capítulo II: Um universo relacional � Percepção da Intensidade da relação humana: comunicação, troca afetiva, interação, integração, dar e receber, sentimento de pertinência ao grupo

� Consciência da necessidade em educação de desenvolver competências humanas e aspectos relacionais

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Um universo não-fragmentário � Consciência da necessidade de integrar: indivíduo/grupo razão/sensibilidade/emoção conteúdo/vivência técnica/ intuição/sentimento

� Consciência do espaço do prazer e da alegria em educação

Um universo em movimento � Viver a própria criatividade

� Abertura para a mudança � Tomada de consciência da própria ação modificadora sobre a prática pedagógica � Percepção da importância do modelo pedagógico aberto

O sustentáculo filosófico de minha pesquisa propõe a idéia de que é necessário ter

uma visão mais integradora do ser humano e dos processos de ensino/aprendizagem; interpreto a propagação dessa idéia entre os professores como uma tarefa essencial, e nesse sentido alegro-me por haver alcançado o objetivo: os participantes dos cursos puderam perceber o ensino musical como algo que em muito transcende o simples tecnicismo. Comprova-se dessa maneira, que é fundamental para o professor vivenciar de forma efetiva, “na pele”, alguns dos procedimentos e conceitos básicos que condicionam a mudança na escola, tais como: responsabilidade, flexibilidade, dialogicidade, adaptação, trabalho em equipe, entre muitos outros. Falar desses conceitos ou percebê-los como experiências racionais, verbais ou cognitivas, de pouco adianta se estes processos não forem seguidos de perto por experiências sensoriais, emocionais e afetivas. Os entrevistados conseguiram através de suas experiências pessoais perceber a educação musical como uma experiência holística, dirigida ao ser humano integral, não apenas ao intelecto, tomaram consciência da unidade dos seres e processos, abrindo caminho para uma visão ecológica do ensino musical:

“... no aspecto teórico teve (...) aquela discussão da necessidade da mudança de paradigma, justamente do pensamento teórico e tal e ideológico, indica mais uma vez como a música pode abrir possibilidades de caminho, de forma muito menos ortodoxa do que, por exemplo, as ciências humanas fazem, né? ...” (sujeito 6)

“... é isso que eu espero, que quando o projeto se firme mais dentro da escola, que a gente consiga passar isso para as crianças, né? que eles não saibam apenas tocar o instrumento na hora certa, mas que o corpo deles expressem esse movimento pela vivência que voce propôs tantas vezes prá gente, né? naquele curso, lembra ? que o pensamento possa expressar, que a linguagem possa expressar, então, acho que é meio por aí. ...“ ( sujeito 1)

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“... mudou bastante a minha idéia de trabalhar (...) musica não é só técnica, né? e através dessa vivência eu consigo muito mais resultado do que eu ficar trabalhando: “vamos bater ritmo, como cantar do re mi fa sol, la, si, do”, e é uma vivência no corpo mesmo,(...) é...a vibração de cada som que surge, então para mim assim, mudou a minha idéia, meu conceito de trabalhar com música mudou...” (sujeito2)

2.2.2.2. Sugestões dos entrevistadosSugestões dos entrevistadosSugestões dos entrevistadosSugestões dos entrevistados

Antes de concluir esta etapa, torna-se importante mais uma vez permitir que o pensamento dos entrevistados se junte ao meu na construção contínua de uma forma mais aprimorada de trabalhar. Dessa forma, transcrevo abaixo as respostas dadas à questão cinco da entrevista, sobre sugestões para o aprimoramento da metodologia de ISM:

“... a única coisa que eu acho que falta para nós dentro da escola, Enny, é não só fazer o curso, mas ter a oportunidade de voltar para a escola com todas aquelas idéias, e tentar realizar inícios de trabalhos, e voltar para pessoas como voce que tem uma formação, que tem mais segurança, que isso eu ainda sinto falta, com quem que eu vou trocar? será que estou indo no caminho certo? ...”

O sujeito 1 da pesquisa refere-se à necessidade da formação contínua para

garantir a atuação do professor com a metodologia de ISM. A colocação é bastante consistente considerando-se o tipo de instituição na qual trabalha, uma escola municipal de educação infantil. O professor leigo em música precisaria, de fato, de uma assistência constante e talvez até de uma formação musical mínima preliminar. Esta, no entanto, não poderá ser uma das preocupações da metodologia de ISM, trata-se antes de um problema de políticas públicas e política de formação de professores. O que se pode garantir é que o módulo inicial de ISM intitulado Escuta musical e Expressão corporal, opera antes de mais nada como uma estratégia de desenvolvimento humano através da música, na qual o conhecimento técnico é totalmente dispensável, podendo ser facilmente apropriado e ministrado por professores completamente leigos em música, numa formação de, no mínimo, quarenta horas.

“...O problema seria talvez como resolver as diferenças que tem dentro do próprio grupo, desde o nível de idade, de cultura, ou até de presença. Tem gente que vem de manhã, tem gente que não vem a tarde, o único problema talvez fosse esse, e como resolver esse problema, porque isso atrapalha o trabalho. (...) a heterogeneidade teria que ser resolvida, uma vez que não tem homogeneidade, (...), é dificil a coisa...essa sensibilização...essas sensações serem fluídas...” (sujeito 3)

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O curso ISM colocado como estratégia de desenvolvimento humano através da

música está aberto a qualquer pessoa interessada, esta é uma das causas da heterogeneidade. Outra causa seria referente ao comportamento das pessoas, atrasos, falhas nas tarefas, desistências, situação realmente difícil de controlar. No entanto, é muito importante lembrar que mesmo ao restringir o grupo a pessoas com formação musical, o que se observa é ainda a existência dessa heterogeneidade, pois, no que se refere à sensibilização musical e à capacidade de expressar-se em música, as carências são múltiplas. O profissionalismo do músico não garante que ele esteja pronto para ser mais criativo ou expressivo do que o leigo. Algumas vezes, o excesso de racionalismo, a falta de flexibilidade e o criticismo de algumas pessoas prejudicam o grupo. Não há porém como resolver isso do ponto de vista metodológico, a única possibilidade é continuar com a proposta esperando que esta surta os seus efeitos.

“... para voce trabalhar com essa metodologia ou com outras voce tem que ter pelo menos uns pré-requisitos que as vezes nem sempre voce encontra no professor. (...) por exemplo, entoar legal, né? cantar, né? no mínimo afinado, né? numa altura legal para as crianças (...) também estudar um pouco de harmonia, para voce fazer aquelas coisas que voce fazia no piano, (...) voce tem que ter o corpo bem afinado, sabe? Para fazer todas aquelas danças, todos aqueles movimentos, se é uma pessoa também muito distante disso, eu não vejo muito como, né? ...” (sujeito 4)

Efetivamente, seria interessante que pudesse existir no curso um horário extra

onde pudesse ser ministrada a formação musical elementar visando à preparação do professor, especialmente, do professor leigo em música, resolvendo alguns dos problemas citados pela entrevistada. Possivelmente, quando for possível ampliar a estrutura quase artesanal do curso, será possível atender a essa demanda.

“... eu acho que no seu curso uma das coisas que a gente precisaria mais é de tempo, é um tempo maior mesmo....” (sujeito 5)

Quando o sujeito 5 participou do curso, este estava estruturado em seis módulos

com a duração total de 60 horas. Atualmente, o curso tem a duração total de 120 horas, distribuídas em três módulos de 40 horas cada.

“...Eu acho (...) que se a gente pudesse ter uma (...) ou outra atividade de leitura mais sistemática, (...) que propiciasse a discussão e os debates, né? (...) acho que teria que ter um tempinho a mais , para isso (...) porque a gente vivencia muito, passa muito pela questão do intuitivo, da percepção, né? da sensibilidade, e tal, mas existe uma fundamentação teórica. ...” ( sujeito 6) “... eu acho (...) talvez para fazer um paralelo, não sei...sobre os vários pedagogos e sobre os sistemas, sabe? de sensibilização,(...) Nem todos os grupos daria para trabalhar isso, aquele

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grupo específico eu acho que daria, o pessoal teria condição de debater mais sobre cada pedagogo e fazer um paralelo com o que se está fazendo. (...) esse paralelo que a gente fizesse com outras metodologias concentraria mais, embasaria mais o que é o trabalho....” ( sujeito 7)

Os sujeitos 6 e 7 sugerem um trabalho teórico mais sistemático, comparação de

metodologias e mais debates. De fato, na época em que fizeram o curso o tempo dedicado a esta parte era mínimo. Atualmente, a parte teórica encontra-se muito mais organizada com relatos de aula, textos que devem ser lidos e comentados a cada encontro e um processo de reflexão sobre a própria prática que pode se dar através de discussões sobre temas específicos e produção de textos. Além disso, os resultados da pesquisa sobre a fundamentação teórica de ISM empreendida no Mestrado, serão pouco a pouco colocados à disposição dos alunos. Há também a intenção de minha parte de melhorar muito a parte teórica das apostilas do curso, com base nos novos conhecimentos trazidos pela pesquisa.

“...Não tenho nada a acrescentar não. ...” (sujeito 8) “... eu achei que para a musicalização está excelente, eu não teria nada a ...’ (acrescentar) (sujeito 9)

O Sujeito 2 não fez sugestões para o aprimoramento da metodologia, talvez por

falha da entrevista. 3. Portais3. Portais3. Portais3. Portais

No início, há quase quinze anos atrás, minha preocupação era fazer com que os

professores aprendessem a sentir a música como uma experiência viva e vibrante, como eu mesma havia sentido, daí a necessidade de recorrer às idéias do novo paradigma, rompendo com visões reducionistas e mecanicistas da educação musical, propondo a visão do todo, uma visão mais integrativa do cosmos e do ser humano. Se em alguns momentos o discurso contra a racionalidade tornou-se radical a ponto de fazer aflorar o desejo de substituir “Penso, logo existo”, por “Sinto, logo existo” , hoje percebo com clareza, que a fórmula ideal é sentir e pensar para existir. A confirmação das estratégias sensibilizatórias de ISM por parte dos participantes como um instrumento de educação e desenvolvimento pessoal, tranquilizam-me a ponto de suavizar meu discurso. Se antes havia uma única pergunta: como fazer os professores sentirem alguma coisa?, posso agora abrir o espaço para outra questão: como fazer os professores pensarem? como fazê-los desejar a autonomia? como fazê-los tornar-se ávidos por apropriar-se de sua prática reflexiva?

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Haverá um outro binômio a me acompanhar nesta trajetória, com certeza: Sentir/Pensar.

As percepções, assimiladas e elaboradas ao longo desse tempo, traçarão novos

caminhos para a pesquisa e me permitirão trilhar com o olhar renovado. Se, por um lado, é possível dizer que houve a concretização de algo...e por certo houve: a redescoberta de mim mesma enquanto pedagoga, a sistematização de minhas descobertas e vivências práticas, a consolidação de minha filosofia de trabalho, enfim...houve tudo aquilo que um processo profundo de reflexão pode propiciar; por outro lado, um portal se abriu, um portal grandioso, além do qual posso vislumbrar a pesquisa de minha vida, uma busca instigante, reveladora, apaixonante, da qual certamente não saberia desviar meu interesse.

Todo final é sempre o recomeço de alguma outra coisa... assim interpreto a

primeira etapa de minha pesquisa com a qual dormi e acordei nos últimos dois anos.

As percepções, contribuições, falas, devaneios, críticas e sugestões dos entrevistados serão coligidos, analisados, saboreados para se transformar numa estratégia efetiva, aspirante a participar da formação de educadores, sejam eles quem forem, sejam quais forem suas áreas específicas de atuação. Pois, se antes não teria podido adiantar-me aos resultados da pesquisa, posso agora reafirmar uma intuição, a de que a música na sociedade brasileira passa a ser também arte funcional, arte dedicada ao cotidiano, à profissão, ao lazer, ao prazer e à vida das pessoas. Música como desenvolvimento humano, enfim.

E se o que pude estudar e descobrir até o presente possibilita a qualidade de meu

trabalho, é certo que a maior parte fica ainda por estudar, um mundo de conhecimento de várias áreas que interagem na construção de uma filosofia de vida e trabalho. Assim, sobre a Escuta Musical, haverá ainda que compreender a fundo seus efeitos sobre a psique e o corpo humanos; sobre a Expressão Musical em suas várias vertentes, haverá que desvendar seus efeitos terapêuticos, seu poder de transformação sobre a experiência real das pessoas; e sobre a Interação do Grupo, haverá que sutilizar cada vez mais a compreensão da química que envolve cada um na teia emocional da convivência.

E quanto à Teoria dos Sistemas – portal aberto para uma nova percepção de

mundo – muitas outras visões e introvisões daí advindas virão a incorporar-se a essa busca, subsidiando esse pensar, integrando o que estava separado, reavivando o conceito de ser humano e cosmos, em perfeita simbiose.

Assim, talvez ao final dessa trajetória – se é que existe um final- poderei falar

como falou o Rei Zumbi orgulhosamente antes da morte ...assim passei o tempo que me foi dado prá viver...

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BIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIA 1. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999 2. CALDEIRA FILHO. Pianolatria , Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, p. 14 07/02/1982. 3. ANDRÉ, Marli Eliza D.A. Etnografia da Prática Escolar. Campinas: Papirus, 1995 4. Ponto de Mutação. Dir. Bernt Capra. Cannes Home Video. 5. CAPRA, Fritjof. El Tao de la Física. Madrid : Luis Cárcamo, 1975. 6. ———. O Ponto de Mutação. São Paulo : Cultrix, 1982. 7. ______. A Teia da Vida . são Paulo: cultrix –Amana Key. 1996 8. CORNEAU, Guy. Será Que Existe Amor Feliz?. Rio de Janeiro:Campus, 1999. 9. DAMÁSIO, Antonio R. O Erro de Descartes. São Paulo: Companhia das letras, 2000. 10. DURKHEIM, Emile. L’Evolution Pédagogique en France. Paris: P.U.F., 1938. 11. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998. 12. GUILLAUME, Paul. Psychologie de la Forme. Paris: Flammarion, 1937, pág. 16 e 17 13. GARBER , M. Out of joint. In: The Body in Parts,The emergence of art and Language in the Human Brain. Journal of Counciousness Studies, vol. 6.

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17. JUNG, Carl G. (Coord.). L’Ame et la Vie. Paris : Buchet Chastel, 1963. 18. KOELLREUTTER, H. J. Objetivo da aprendizagem musical: O Humano in Boletim do CAP Centro de Ativação Pessoal, Tiradentes, 1991

19. KOELLREUTTER, Hans J. Uma Sinfonia de Seres Humanos, Revista Educação, São Paulo : Segmento, nº 207, pág. 5, 1998,

20. ———. Sobre o Valor da Educação Musical, Hoje e Quiçá, Amanhã. (Manuscrito do Autor)

21. ———. Modelos de Improvisação. (Manuscrito do Autor) 22. ----------------- . Apontamentos do curso Didática da Percepção Musical ,ministrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em janeiro de 1984.

23. ________. Harmonia Funcional. São Paulo: Ricordi, 1980. 24. KÖHLER W . Psychologie de la Forme. Paris: Gallimard, 1964. 25. LEBOYER, Frédérick. Shantala. São Paulo : Ground, 1995. 26. MONTAGU, Ashley .Tocar- o significado da pele humana. São Paulo: Summus Editorial, 1986, 6ª Ed.

27. MORAES, M.C. O Paradigma Educacional Emergente. Campinas: Papirus,1997. 28. MOREIRA, A .F .B. e SILVA, Tomas T. da( orgs.). Sociologia e Teoria Crítica do Currículo: uma introdução. In Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1995.

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29. PALMADE, Guy. Les Méthodes en Pédagogie. Paris : P.U.F., Collection Que sais - je? 1953.

30. PONTY, Merleau. Phénomenologie de la Perception. Paris : Gallimard, 1945. 31. RÁDIO NEDERLAND (Holanda) e CRIAR – Assessoria de Comunicação de São Paulo . O Andarilho da Utopia, texto do repente de abertura. São Paulo: Estúdio Trilha Certa,1998.

32. SHEETS -JOHNSTONE, M. Emotion and Movement: a beginning empirical- phenomenological analysis of their relationship, in Reclaiming Cogniton , (eds) Rafael Nuñez and Walter Freeman. Imprint Academic.

33. SLOBODA, J. A. L’ESPRIT MUSICIEN La Psychologie Cognitive de la Musique. Liége : Pierre Mardaga, 1985.

34. SOUZA, José C. de (supervisão). Pré-socráticos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996

35. STOKOE, Patrícia. La Expression Corporal y el Niño. Buenos aires : Ricordi Americana, 1967.

36. TULKU, Tartang. Gestos de Equilíbrio. São Paulo : Pensamento, 1977. 37. UYEMOV, Avanir, Problem of direction of timeand the laws of systems’ development. In: Science and Philosophy p.93, apud VIEIRA, Jorge de A. Organização e Sistemas ( Escrito do autor ) pág. 4

38. WALLON, Henry. As Origens do Caráter na Criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.

39. WILLEMS. Edgar. La Valeur Humaine de L’Éducation Musicale. Suisse, 1975. 40. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez Editora, 1990.

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ANEXO I PLANO DE CURSO ANEXO I PLANO DE CURSO ANEXO I PLANO DE CURSO ANEXO I PLANO DE CURSO

Oficina “MUSICALIZAR Oficina “MUSICALIZAR Oficina “MUSICALIZAR Oficina “MUSICALIZAR –––– El niño y la vivência musical”El niño y la vivência musical”El niño y la vivência musical”El niño y la vivência musical” ESPANHA ESPANHA ESPANHA ESPANHA –––– Puerto de la Torre Puerto de la Torre Puerto de la Torre Puerto de la Torre –––– Málaga Málaga Málaga Málaga ---- Provincia de AndaluziaProvincia de AndaluziaProvincia de AndaluziaProvincia de Andaluzia

II Semestre de 1987II Semestre de 1987II Semestre de 1987II Semestre de 1987 � Títulos das oficinas: 1. Música e movimento; 2. Música e som; 3. Música e improvisação; 4. Música e investigação sonora; 5. Música e entonação; 6.

Música e ritmo � Objetivos: 1. Vivência do som como fenômeno gerador da música em oposição ao ensino técnico do solfejo ou de um instrumento específico. 2. Conscientizar as propriedades do som: timbre, altura, intensidade e duração 3. Sentir e vivenciar os elementos básicos do ritmo: pulsação, compasso e célula rítmica � Descrição das oficinas: Objetivos/Conteúdos/Estratégias 1ª oficina: MÚSICA E MOVIMENTO Objetivos: 1. Perceber estruturas musicais através da audição e movimentação corporal espontânea, com base na obra estruturas sonoras de Rolf Gelewski. Conteúdos: 1. Audição simples, relaxado-passiva 2. Audição simples, intensificada total 3. Concentração na unidade da música – utilização de imagens

mentais 4. Concentração no desdobramento fundamental da música –

representação da macroforma musical através da representação simbólica escrita e da criação de movimentos corporais

Estratégias: 1. Audições; 2. Imagens mentais facilitadoras das audições; 3. Representações simbólicas escritas; 4. Criação de movimentos. 2ª oficina: MÚSICA E SOM Objetivos: 1. Perceber o som como elemento gerador da música; 2. Conscientizar som e silêncio; 3. Vivenciar tipos diferentes de sons Conteúdos:

1. Definição de música – destaque para a relação entre som e silêncio

2. Audição e classificação dos sons ouvidos no ambiente em tons, mesclas e ruídos

Estratégias: 1. Debate sobre a definição de música; 2. Percepção das articulações do canto, através do

movimento (Canção ”En el portal de Belén”); 3. Classificação e ditado de sons ambientais e instrumentais.

3ª oficina: MÚSICA E VIVÊNCIA TEMPORAL Objetivos: 1. Conscientizar som e silêncio através do modelo de

improvisação Tamboriladas; 2. Viver o ritmo não métrico e proporções irregulares de

tempo; 3. Desenvolver as capacidades de contato interhumano e

comunicação. Conteúdos: Modelo de Improvisação Tamboriladas Estratégias: 1. Produção de sons tamborilados com instrumentos ou fontes

sonoras; 2. Criação de variações para o exercício; 3. Representação gráfica simbólica; 4. Comentário e críticas. 4ª Oficina: MÚSICA E INVESTIGAÇÃO SONORA Objetivos:

1. Pesquisar sons considerando os seguintes fatores: material de que é feito o instrumento, forma de articular, elementos musicais disponíveis para a improvisação;

2. Desenvolver capacidades de contato interhumano; 3. Desenvolver a sensibilidade. Conteúdos: Modelo de Improvisação em Fases Sonoras Estratégias: 1. Realização do modelo de improvisação; 2. Pesquisa sonora e escolha das fontes adequadas 5ª oficina: PROPRIEDADES DO SOM: DURAÇÃO Objetivos: 1. Reconhecer diferentes durações do so; 2. Introduzir a notação rítmica musical (escritura). Conteúdos: 1. Exercícios de percepção do ritmo de uma melodia. 2. Improvisação utilizando configurações no plano. Estratégias: 1. Representação simbólica de ritmo através do trabalho

auditivo com uma melodia J.S.Bach , Minueto em Sol menor; I

2. Improvisação utilizando uma configuração rítmico-melódica e diálogos instrumentais.

6ª oficina: PROPRIEDADES DO SOM- ALTURAS Objetivos: 1. Investigar sons vocais. 2. Conscientizar registro grave e agudo e diferentes alturas

do som. 3. Introduzir a grafias musicais contemporâneas. Conteúdos: 1. Jogos melódicos vocais para grave e agudo; 2. Modelo de Improvisação vocal Estratégias: 1. Entoação de desenhos melódicos; 2. Representação gráfica dos mesmos; 3. Exercícios vocais de improvisação utilizando diferentes

alturas e clusters. 7ª oficina: PROPRIEDADES DO SOM – INTENSIDADE Objetivos: 1. Reconhecier e executar diferentes matizes de intensidade. 2. Contato entre improvisadores. Conteúdos: 1. Registro grave e agudo; 2. Modelos de improvisação vocal. Estratégias: 1. Trabalho de matizes de intensidade (forte/suave),

crescendos e decrescendos sobre textos falados; 2. Repetição do modelo de improvisação Tamboriladas com

diferentes fases de intensidade, em várias variações possíveis.

8ª oficina: PROPRIEDADES DO SOM – TIMBRE Objetivos: 1. Reconhecer timbres vocais e instrumentais. 2. Contato entre improvisadores.

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Conteúdos: Modelo de Improvisação Matização Estratégias: 1. Reconhecer timbres de vozes e instrumentos da classe,

tendo os olhos fechados

2. Pesquisa de tom, mescla e ruído na voz Realização do modelo de

improvisação vocal Matização utilizando vogais e consoantes

ANEXO II PLANO DE CURSO Jornadas de Renovación Pedagógica ( workshops e cursos rápidos)

ESPANHA – Provincia de Andaluzia ( Málaga, Almeria, Jaen e povoados da região) 1987/1988

Nome do curso: Iniciación y Sensibilización Musical Títulos das oficinas: Preparación vocal y Canto – por Ana de la Preugne Valencia Instrumentación elemental y danzas populares – por Maria Encarna Garcia Escribano Desarrollo de la percepción auditiva – por Enny Parejo Objetivos do curso: 1. Iniciar ao professorado em métodos e técnicas de pedagogia musical contemporânea 2. Vivência musical global: canto, audição ativa, movimento, prática instrumental Descrição das oficinas Desarrollo de la Percepción Auditiva: Objetivos/Conteúdos/Estratégias 1ª Oficina: Ouvir e entender a música contemporânea Objetivos: 1. Aprender a ouvir e perceber elementos, estrutura e

forma na música contemporânea 2. Experienciar a música contemporânea e sua

terminologia conceitual. Conteúdos: 1. Audioanálise comparativa de obras contemporâneas

e clássicas: Ligeti Continuum; W.Lutoslawsky Jogos Venezianos; Canto Gregoriano e Árias de ópera de W. A . Mozart.

2. Observação de parâmetros qualitativos e quantitativos na estética da música contemporânea e da música clássica.

3. Escritura musical planimétrica Estratégias: 1. Audioanálises; 2. Comentários; 3. Gestualização e movimento nas partes da música 4. Partituração simbólica 5. Composição coletiva utilizando o modelo formal da

obra analisada 2ª Oficina: Modelos de Improvisação: “Densidade e Rarefação” e “Matização” Objetivos: 1. Vivenciar elementos, formas e estruturas da música contemporânea Conteúdos: 1. Modelo de Improvisação Tamboriladas 2. Modelo de Improvisação Densidade e Rarefação 3. Modelo de Improvisação Matização Estratégias: 1. Pesquisa e produção de sons vocais e instrumentais 2. Calssificação dos sons em Tom/Mescla /Ruído

3. Execução das propostas de improvisação 4. Ciração de repertório de signos 5. Partituração 3ª Oficina:Introdução à escritura musical tradicional Objetivos: 1. Introduzir a escritura musical tradicional de forma

criativa e ativa Conteúdos: 1. Noção de grave , agudo e movimento sonoro. 2. Elementos da métrica musical: pulsação e ritmo 3. Obra utilizada: J.S.Bach Minueto em Sol menor 4. Figuras musicais Estratégias: 1. Cantar e gestualizar o movimento da melodia 2. Vivenciar os elementos rítmicos da melodia e

improvisar com eles 3. Representação destes em grafia simbólica 4. Transcrição para a grafia tradicional 4ª Oficina: Formas Musicais na Audição Objetivos: Conhece r formas musicais da música clássica tradicional Vivenciar , analisar e representar as formas musicais através de outras linguagens Conteúdos: Proposta auditiva do método Rolf Gelewski Formas musicais simples: binárias, ternárias, rondó e variações Representação de formas musicais através de desenhos e movimento corporal Estratégias: Audioanálise Discussões sobre as audições Realização de gráficos visuais Pesquisa e criação de movimentos individualmente e em grupo

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ANEXO II I PLANO DE CURSO

Aula Permanente de Pedagogia Musical ESPANHA – Málaga – Ateneo de Música Y Danza

II semestre/1988 e I semestre 1989

Títulos das oficinas: Preparación vocal y Canto – por Ana de la Preugne Valencia Instrumentación elemental y danzas populares – por Maria Encarna Garcia Escribano Desarrollo de la percepción auditiva – por Enny Parejo Objetivos:

1. Oferecer aperfeiçoamento didático-musical ao professorado. 2. Propor um repertório de atividades a ser aplicado na educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. ______________________________________________________________________________________________________________________________ Plano das oficinas Desarrollo de la Percepción Auditiva e síntese dos conteúdos: I CICLO – Pré-escola e escola primária 1º oficina ( pré-escola) 1. Audição e interiorização musical 2. Som e silêncio 3. Ruído 2ª oficina (primário) 1. Som e silêncio 2. Audição ativa, audioanálise e coreografia 3ª oficina (pré-escola): Propriedades do som 4ª oficina (primário) 1. Vivência temporal não métrica 2. Parâmetro intensidade 3. Audição ativa 5ª oficina (primário) 1. Matéria prima do som 2. Parâmetro timbre 3. Parãmetros timbre/intensidade 6ª oficina (pré-escola) 1. Duração do som, pulsação, marchas 2. Vivência do compasso 3. Sons curtos e longos/ exercícios de coordenação 7ª oficina (primário) 1. Altura do som/preescritura 2. Entonação da escala pentatônica (Kodaly) 3. Audição de instrumentos com timbres graves e agudos 8ª oficina (primário) 1. Pulsação; Acento; Ritmo 9ª oficina (pré –escola e primário) 1. Escritura simbólica de uma partitura 2. Preescritura na pré-escola 10ª oficina (pré-escola e primário): Memória rítmica e melódica II CICLO – Escola secundária 1ª oficina 1. Escritura musical tradicional/figuras musicais 2. Unidade de tempo/transposição rítmica 3. Leitura rítmica 2ª oficina 1. Entoação sobre a escala pentatônica; Improvisação cantada 3ª oficina 1. Memória rítmica 2. Células rítmicas/ subdivisões da unidade de tempo

3. Leitura rítmica globalizada 4. Escritura rítmica 4ª oficina 1. Entoação da escala pentatônica de Do 2. Memória e ditado melódico cantado 3. Improvisação vocal e instrumental 5ª oficina 1. Prática rítmica (método Kodaly) 2. Improvisação rítmica (método Orff) 6ª oficina: 1. prática rítmica e melódica 2. Introdução ao ditado rítmico e melódico 7ª oficina: Elementos de Teoria Musical 8ª oficina: Ditado e entoação sobre a escala pentatônica 9ª oficina: Ditado e leitura rítmica 10ª oficina: Ditado e leitura melódica III CICLO – Ensino médio 1ª oficina: 1. Audioanálise e movimento corporal (método R.Gelewski) 2ª oficina: A escala diatônica maior – audição, ditado e leitura 3ª oficina: Subdivisão binária e ternária do tempo; Compasso simples e composto 4ª oficina: Audioanálise e movimento (método R.Gelewski) 5ª oficina: 1. Escala diatônica maior; Intervalo de tom e semitom 6ª oficina: Fórmula de compasso e unidade de tempo 7ª oficina: Entoação de modos naturais; Intervalos de tom e semitom 8ª oficina: 1. Leitura em clave de fá 2. Entoação dos intervalos de tom e semitom 3. Alterações das notas: sustenido bemol e bequadro 9ª oficina: 1. Compassos compostos; Leitura rítmica e coordenação 10ª oficina: 1. Audioanálise: melodia, polifonia, homofonia 2. Audição concentrada

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ANEXO IV PLANO DE CURSO

Iniciación y Sensibilización Musical Obra escrita em Málaga 1989

Objetivos: 1. Ser um guia didático para o professor da Escuela General Básica 2. Propor estratégias para o desenvolvimento do ouvido musical através da vivência musical

global 3. Condensar e sistematizar as oficinas ministradas na Aula Permanente de Pedagogia Musical Plano da obra e síntese dos conteúdos: Introdução I Parte – oficinas para o nível pré-escolar II Parte – oficinas para a escola primária e turmas iniciais de conservatório III Parte – oficinas para a escola secundária I PARTE ( nível pré-escolar) 1ª oficina: Respiração e concentração 2ª oficina: Música e movimento 3ª oficina: O som e o silêncio 4ª oficina: Ruído e som musical 5ª oficina: Parâmetro intensidade: crescendos e diminuendos 6ª oficina: Preparação à memória melódica e rítmica 7ª oficina: Pulsação; Movimento e canto 8ª oficina: Altura do som: grave e agudo 9ª oficina: Preparação vocal; Duração do som: sons curtos e longos 10ª oficina: Soins ascendentes e descendentes; Canções para grave e agudo 11ª oficina: Preescritura musical 12ª oficina: Entoação sobre a escala pentatônica; Fonomímica 13ª oficina: Sensação binária e ternária do compasso; Movimento corporal 14ª oficina: Entoação e musicalização de textos; Reconhecimento auditivo de sons II PARTE ( escola primária e turmas iniciais de conservatório) 1ª oficina: Audioanálise e movimento 2ª oficina: Matéria prima da música: som, silêncio, tom, mescla e ruído 3ª oficina: Altura do som: grave/agudo, ascendente/descendente: Gráficos de audição; Expressão corporal 4ª oficina: Métrica musical: pulsação, acento e compasso; Movimento corporal 5ª oficina: Pulsação interior; Memória musical

6ª oficina: Preescritura musical: escritura simbólica; Realização de uma partitura 7ª oficina: Entoação pentatônica; Improvisação vocal 8ª oficina: Improvisação rítmica; A célula rítmica de subdivisão binária 9ª oficina: A escla pentatônica de Do; Memória e ditado melódico cantado; Improvisação vocal e instrumental 10ª oficina: Prática rítmica; Improvisação rítmica 11ª oficina: Prática rítmico-melódica; Introdução ao ditado rítmico-melódico 12ª oficina: Elementos da teoria musical 13ª oficina: Ditado e entoação sobre a escala pentatônica 14ª oficina: Ditado e leitura rítmica 15ª oficina: Ditado melódico e entoação III PARTE ( escola secundária) 1ª oficina: Investigação sonora: Tom, mescla e ruído 2ª oficina: A escala diatônica maior 3ª oficina: Ritmos de subdivisão binária e ternária; compassos simples e compostos 4ª oficina: Pesquisa sonora: modelo de improvisação com diferentes articulações 5ª oficina: Escala diatônica maior; Intervalos de tom e semitom 6ª oficina: A fórmula de compasso e a unidade de tempo 7ª oficina: Entoação dos modos naturais; Reconhecimento auditivo do intervalo de semitom 8ª oficina: Pesquisa sonora: improvisação rítmica

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9ª oficina: Intervalos de tom e semitom; Alterações das notas 10ª oficina: Leitura rítmica ativa 11ª oficina: Clave de fá; Elementos de teoria musical

12ª oficina: Modelo de improvisação para o estudo das formas musicais 13ª oficina: Audioanálise de peça do século XX 14ª oficina: Audioanálise e movimento

ANEXO V PLANO DE CURSO

Iniciación y Sensibilización Musical en la Escuela General Básica Obra escrita em Lyon

1991- II semestre Objetivos:

- Sistematizar toda a experiência dos cursos e oficinas ministrados na Espanha - Dar uma primeira forma teórica integrada da minha metodologia de trabalho - Reunir todas as atividades criadas ao longo desses anos, dando-lhes uma forma aplicável às aulas de música dentro de uma

estrutura curricular de ensino, na escola pública espanhola. Partes constituintes: I Parte – Filosofia de Trabalho II Parte - Princípios pédagógicos III Parte - Oficinas Práticas

Descrição dos conteúdos e oficinas: I PARTE – Filosofia de Trabalho 1. Homem Musical 2. Homem expressivo 3. Sensibilização Musical: um duplo processo 4. A Audição Musical 5. Processo de Audição Musical: um método admirável 6. Realização do processo de audição Musical com Crianças 7. Expressão Musical 8. A Expressão Vocal 9. A Expressão Corporal 10. A Expressão Instrumental 11. O Imaginário II PARTE – Princípios Pedagógicos 1. A Música na Escola Hoje 2. Conteúdos da Disciplina Musical na Escola

- Fatores humanos: o professor, o aluno - Natureza da disciplina musical: o som,

multifacertismo 3. Um programa para o ensino da arte musical?

- A natureza luxuriante da arte musical - Elementos essenciais da constituição musical - Elementos essenciais da experimentação humana

4. Alguns princípios de Pedagogia Musical 5. Proposta para a organização de uma aula de música 6. As atividades de preparação à aula III PARTE – Oficinas práticas AUDIÇÃO E EXPRESSÃO CORPORAL – Oficina I Atividade 1: Movimento da cabeça Atividade 2: Movimento de tronco e cabeça Atividade 3: Movimento das mãos Atividade Atividade 4: Movimento de cabeça tronco e braços Atividade 5: Movimento dos braços Atividade 6: Movimento das pernas e pés Atividade 7: Movimento de balanceio Atividade 8: Movimentos circulares Atividade 9: Movimentos pendulares Atividade 10 : Movimentos e posições de equilíbrio AUDIÇÃO E EXPRESSÃO CORPORAL – Oficina II

Atividade 1: Movimento globalizante do corpo Atividade 2: Movimento globalizante do corpo Atividade 3: Pulsação rítmica/deslocamentos Atividade 4: Deslocamentos com música Atividade 5: Deslocamentos com mudança de velocidade Atividade 6: Deslocamentos expressivos

Atividade 7: Deslocamentos em grupos Atividade 8: Deslocamentos expressivos/mímica Atividade 9: Deslocamentos expressivos/coreografia Atividade 10: Deslocamentos expressivos/coreografia Atividade 11: Deslocamentos expressivos/Sonorização instrumental Atividade 12: Deslocamentos expressivos/Sonorização vocal Atividade 13: Deslocamentos individuais /Sonorização Atividade 14: Deslocamentos em “câmera lenta” AUDIÇÃO E EXPRESSÃO CORPORAL – Oficina III Atividade 1: Movimento em câmera lenta aos pares Atividade 2: Deslocamentos/interação/ coreografia Atividade 3: Movimentos em espelho Atividade 4: Movimentos de sombra Atividade 5: A Dança espontãnea

EXPRESSÃO VOCAL – Oficina I Atividade 1: A voz humana, um instrumento musical Atividade 2: Produção sonora vocal/parâmetro intensidade Atividade 3: Sons vocais/gesto/mímica Atividade 4: sons vocais/gesto/mímica Atividade 5:sonorização vocal Atividade 6: Produção vocal/partituração simbólica Atividade 7: Produção vocal/partituras individuais EXPRESSÃO VOCAL – Oficina II Atividade 1: A voz cantada/ parãmetros intensidade, altura e duração Atividade 2: Parâmetro altura/ noção de grave, médio e agudo Atividade 3: A voz cantada/ noção de grave, médio e agudo Atividade 4: A voz cantada/ parâmetro densidade Atividade 5: Pesquisa sonora Atividade 6: Audição e pesquisa sonora Atividade 7: Pesquisa sonora/planos Atividade 8: Entoação/modos naturais Atividade 9: Invenção melódica/ Iniciação à escritura EXPRESSÃO INSTRUMENTAL – Oficina I: A Percussão Corporal Atividade 1: O corpo humano, um instrumento musical Atividade 2: Produção sonora corporal/parâmetro intensidade Atividade 3:Percussão corporal/parâmetros intensidade e timbre/partituração Atividade 4: Percussão corporal/Parâmetros agógica e intensidade Atividade 5: Percussão corporal/ Memória rítmica Atividade 6: Percussão corporal/pergunta e resposta rítmica Atividade 7: Percussão corporal/diálogos rítmicos livres Atividade 8: Produção sonora/ostinatos

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EXPRESSÃO INSTRUMENTAL – Oficina II : O Instrumental Orff Atividade 1: Técnica elementar das percussões Atividade 2: Técnica elementar dos instrumentos de plaquetas Atividade 3: Parâmetro intensidade/ partituração Atividade 4: Parâmetro agógica/partituração Atividade 5: Articulação em trêmolo/ parâmetro timbre Atividade 6: Impulsos ou pontos/produção sonora/partituração Atividade 7: Planos sonoros/partituração Atividade 8: diálogos expressivos/ invenção instrumental Atividade 9: audição/diálogos expressivos Atividade 10; Inventário de signos musicais/invenção/partituração EXPRESSÃO INSTRUMENTAL – Oficina III: Modelos de Improvisação Instrumental Modelo nº 1 – Pulsação, compasso e subdivisão Modelo nº 2 –Células rítmicas Modelo nº 3 – Ostinatos rítmicos Modelo nº 4 - Improvisação melódica/sonoridade medieval Modelo nº 5 – Pentatônico/sonoridade oriental Modelo nº 6 – Improvisação sobre a cadência andaluza

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ANEXO VI PLANO DE CURSO Cursos e Workshops Iniciação e Sensibilização Musical

São Paulo 1993 a 1997 Cursos ministrados: Mar/93 - CAMERATI CASA DE CULTURA Jan/97 - ARTIUM Núcleo de Pedagogia Musical – janeiro /97 Jul/97 – IASP Instituto Adventista de São Paulo – IX Curso de Verão Jul a out/97 – ALLEGRO Escola de Música Out/97 – FACULDADE DE MÚSICA CARLOS GOMES Jan/98 – FUNDAÇÃO CULTURAL DE AMPARO Jan/98 – FACULDADE DE MÚSICA CARLOS GOMES Jan/99 – FAC. CARLOS GOMES – I Curso De Verão para Educadores Musicais Work-shops ministrados: Jun/93 - ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL PATURI Nov/96 - ARTIUM Núcleo de Pedagogia Musical Mai/97 - ALLEGRO 7ª Oficina de Educação Musical no Brasil Mai/98 – ALLEGRO 8ª Oficina de Educação Musical no Brasil Nov/97 - MUSICALIS – Núcleo de Música Jul/98 - UNISA – Universidade de Santo Amaro Objetivos:

1. Sensibilizar o professor às novas estratégias pedagógicas - auditivas, vocais e corporais- concernentes ao ouvir e expressar-se em música.

2. Discutir a problemática da iniciação musical: metodologia, didática, recursos didáticos disponíveis , ambiente e condições de trabalho.

3. Informar o professor quanto a recursos didáticos disponíveis: discografia, bibliografia, repertório, instrumentais e outros recursos.

4. Estabelecer um currículo mínimo para a Iniciação e Sensibilização Musical Infantil nos níveis de pré-escola e escola primária

Módulos e conteúdos: MÓDULO I – Audição e Expressão corporal Atividades de preparação corporal; Concentração e relaxamento; Audição simples e audição ativa; Trabalho do imaginário; Movimentação criativa; Reconhecimento de elementos da estrutura musical MÓDULO II – Treinamento Auditivo Audição, diferenciação e reprodução de fenômenos sonoros; Sonorização; Parâmetros musicais: timbre, altura, intensidade e duração; Representação simbólica dos elementos musicais; Partituração. MÓDULO III – Expressão Rítmica e Prática Instrumental Ritmo livre; Ritmo métrico: pulsação, acento, compasso, célula rítmica;

Instrumentação de canções; Ostinatos; Vivências do ritmo através da audição e do movimento corporal MÓDULO IV – Expressão Vocal e Canções Atividades de respiração; Relaxamento; Preparação vocal;sentido da afinação; Voz falada e voz cantada; Desenhos vocais; Canções dramatizadas, coreografadas e instrumentadas; Como ensinar uma canção; Repertório. MÓDULO V – Improvisação Vocal e Instrumental Memória rítmica e melódica; Jogos de pergunta e resposta; Diálogos rítmicos vocais e instrumentais; Pesquisa sonora; Criação de um repertório de signos sonoros; Representação simbólica e partituração;

Modelos de improvisação rítmica e melódica.

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ANEXO VII PLANO DE CURSO ANEXO VII PLANO DE CURSO ANEXO VII PLANO DE CURSO ANEXO VII PLANO DE CURSO

Curso InicCurso InicCurso InicCurso Iniciação e Sensibilização Musical na Escolaiação e Sensibilização Musical na Escolaiação e Sensibilização Musical na Escolaiação e Sensibilização Musical na Escola Faculdade de Música Carlos Gomes Faculdade de Música Carlos Gomes Faculdade de Música Carlos Gomes Faculdade de Música Carlos Gomes ----São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo

SetembroSetembroSetembroSetembro a dezembro de 1998a dezembro de 1998a dezembro de 1998a dezembro de 1998

Objetivos: 1. Iniciar com o professor um processo de reflexão sobre o fenômeno musical que lhe permita

atuar dentro de suas possibilidades. 2. Sensibilizar o professor às novas estratégias pedagógicas -auditivas, vocais e corporais-

concernentes ao ouvir e expressar-se em música. 3. Discutir a problemática da Iniciação Musical : metodologia, didática, ambiente e condições de

trabalho. 4. Informar quanto a recursos didáticos disponíveis: discografia, bibliografia, repertório,

instrumentais e outros recursos. 5. Estabelecer um currículo mínimo para a Iniciação e Sensibilização Musical Infantil nos cursos de

Pré-escola e escola primária. Estratégias: 1. Aulas práticas de audição musical; 2. Pesquisa e produção sonora vocal e instrumental; 3. Pesquisa do movimento e improvisação; 4. Reflexões a partir de textos de grandes pedagogos. Módulos e conteúdos: ( permaneceram os mesmos de todos os cursos ministrados em São Paulo) MÓDULO I – Audição e Expressão corporal MÓDULO II – Treinamento Auditivo MÓDULO III – Expressão Rítmica e Prática Instrumental MÓDULO IV – Expressão Vocal e Canções MÓDULO V – Improvisação Vocal e Instrumental

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ANEXO VIII PLANO DE CURSO ANEXO VIII PLANO DE CURSO ANEXO VIII PLANO DE CURSO ANEXO VIII PLANO DE CURSO Voz, Som e MovimentoVoz, Som e MovimentoVoz, Som e MovimentoVoz, Som e Movimento---- Oficinas de Expressão MusicalOficinas de Expressão MusicalOficinas de Expressão MusicalOficinas de Expressão Musical

São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo 1992 1992 1992 1992 a 1999a 1999a 1999a 1999

Oficinas realizadas: Sesc São José do Rio Preto – maio/1993 ARTIUM Núcleo de Pedagogia Musical – março, abril/1997 Sesc Vila Mariana – V Congresso Mundial de Lazer – setembro 1998 Faculdade de Música Carlos Gomes – Encontro da ABEM – agosto 1999 Senac Santo Amaro – outubro 1999 Senac Osasco – outubro 1999 Entre outras... Objetivos: 1. Facilitar aos participantes formas de relaxamento e desbloqueio de tensões emocionais através da escuta e expressão

musical em suas diversas vertentes. 2. Favorecer o resgate da dimensão do sentir como forma prazerosa de percepção de si e do grupo, através da música. 3. Propiciar a redescoberta do potencial criador que existe em cada um. 4. Proporcionar vivências musicais através da voz e do movimento corporal. 5. Escuta do repertório vocal de várias épocas e culturas. Conteúdos e descrição das oficinas: 1. Escuta Musical: 1.1 A proposta de Rolf Gelewski Audição simples Audição simples- intensificada total Concentração na unidade da música Concentração no desdobramento fundamental da música Descoberta de uma subdivisão orgânica do desdobramento fundamental Conscientização de elementos característicos integrantes da estrutura musical 1.2 Repertório Música clássica ocidental de todas as épocas Músicas tradicionais étnicas Jazz e Música Popular brasileira Canção folclórica brasileira e de outros povos 1.3 Representação Da Audição Representação em grafia musical simbólica(criação dos participantes) Percepção de elementos, estrutura e forma musical Gráficos individuais e coletivos a partir da análise auditiva Representação pelo movimento corporal Criação de gestos, movimentos e coreografias individuais e coletivos que clarifiquem a estrutura musical 1.4 Trabalho do Imaginário Uso de imagens mentais que favoreçam a concentração na música e o relaxamento Percepção das forças afetivas do discurso musical através de imagens 2. Expressão Corporal 2.1 Preparação corporal Relaxamento e alongamento Automassagem Sentir o corpo como organismo articulado e integrado Sensibilizar o corpo à recepção sonora 2.2 O Movimento Perceber a intenção musical e recriá-la em movimento Pesquisa e criação de movimentos (individual, por duplas, pequenos grupos e coletivamente) Dança espontânea Coreografias e Danças circulares em criações coletivas Improvisação pelo movimento, individual e coletivo

2.3 O Espaço Sentir e perceber o espaço físico

- sonorização do espaço - experimentar texturas, iluminações e outros

componentes do espaço Formas de locomoção

- Posicionamento e distribuição no espaço - Formas expressivas de locomoção - Locomoção individual, por duplas, coletivamente - Planos alto, médio e baixo da movimentação espacial

Relações tempo-espaço no trabalho do movimento 3. Expressão Vocal 3.1 O trabalho de preparação vocal

- Percepção da própria respiração e da respiração do outro

- Respiração e movimento - Emissão, afinação, imitação de sons

3.2 Voz cantada

- Canto coletivo e individual - Memória de sons e frases musicais - Exploração de sons musicais e ruídos vocais - Modelos de Improvisação vocal

4. Interações Entre Linguagens 4.1 Música e texto

- Expressão da voz falada - Texturas vocais - Trabalho com poesia e textos - Contar histórias

4.2 Música e artes visuais

- Relações entre a representação de sons, cores e formas

- Transformar música em representação visual - Transformar figuras em som

4.3 Música e Dramatização

- Representar corporalmente a música

- Transformar personagens e intenções musicais em ação

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ANEXO IX PLANO DE CURSO ANEXO IX PLANO DE CURSO ANEXO IX PLANO DE CURSO ANEXO IX PLANO DE CURSO

Curso IniciCurso IniciCurso IniciCurso Iniciação e sensibilização Musical Préação e sensibilização Musical Préação e sensibilização Musical Préação e sensibilização Musical Pré----EscolarEscolarEscolarEscolar SESC Vila Mariana/Atelier Musical Enny ParejoSESC Vila Mariana/Atelier Musical Enny ParejoSESC Vila Mariana/Atelier Musical Enny ParejoSESC Vila Mariana/Atelier Musical Enny Parejo

São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo –––– a partir de abril de 2000a partir de abril de 2000a partir de abril de 2000a partir de abril de 2000

Objetivos: 1. Instrumentalizar o professor para uma atuação mais expressiva, espontânea e criativa frente às

crianças. Criar as condições necessárias para a autonomia do professor com relação à disciplina musical, respeitando suas possibilidades e preferências.

2. Apresentar e discutir repertórios, procedimentos e recursos didáticos disponíveis. 3. Ampliar a análise e reflexão sobre currículo, procedimentos e recursos didáticos já utilizados

em sua prática. Estratégias: 1. Aulas práticas de escuta musical; 2. Pesquisa e produção sonora vocal e instrumental; 3. Pesquisa do movimento expressivo e improvisação; 4. Reflexão e produção de textos a partir de leituras relacionadas ao currículo em educação

musical, sensibilização e outros temas de interesse. Módulos e conteúdos: Módulo I – Sensibilização Auditiva, Vocal e Corporal do professor – atividades integrativas de Escuta Musical, Expressão Vocal, Corporal, Instrumental e Improvisação. Módulo II – Repertório de Atividades Musicais Infantis – vivência prática das atividades musicais propostas no Atelier de Musicalização Infantil; elaboração de atividades por parte dos participantes. Módulo III – Fundamentos Teóricos do Currículo em Educação Musical – leituras, debates e produções de textos referentes aos problemas da elaboração curricular em música; análise de algumas propostas curriculares existentes. Módulo IV – Formação Musical – atende a algumas lacunas específicas dos participantes referentes a: Treinamento auditivo, Leitura e escritura, Formas musicais, Harmonia elementar no teclado. Os

participantes terão material para treinamento em casa, ao longo do mês.

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ANEXO X ENTREVISTA COM SUJEITO 1 ANEXO X ENTREVISTA COM SUJEITO 1 ANEXO X ENTREVISTA COM SUJEITO 1 ANEXO X ENTREVISTA COM SUJEITO 1

Como você descreveria a experiência de ter participado do curso de iniciação e sensibilização musical ? que imagem mental você conserva da experiência ? Uma imagem de muita paz, de muita harmonia, e...é como eu já te disse, né ? o curso, aquela experiência, marcou muito a minha vida profissional e a minha vida...pessoal, né ? eu reestruturei as duas vidas, a partir daquele curso, né ? eu pude...foram momentos de vivência que, que me deram bagagem para poder pensar em algumas coisas, e fazer opções na minha vida profissional e na minha vida pessoal inclusive. Na profissional eu tinha muito receio de tomar posições, de tomar partido, né? e dizer para pessoas até na minha função, “olha aqui, não é por aí que se encaminha, não é desse jeito”, com medo de melindrar situações e a partir daquela vivência me estruturou de tal forma que eu não sei te dizer como, né ? mas acho, que pela linguagem musical ser uma coisa universal, Enny... é... bem o que as pessoas agora estão falando de competência e não é um conteúdo, mas é uma competência que voce adquire e dentro da competência voce estabelece relações eu acho que é isso que aconteceu comigo eu consegui estabelecer relações, e aí dentro disso os projetos começaram a se encadear de melhor forma mais satisfatório para mim e pro grupo inclusive; e na minha vida também pessoal, eu comecei a me posicionar também enquanto pessoa: até aqui eu sou mãe, até aqui eu sou mulher, até aqui eu sou esposa, agora voce tem que respeitar por que esse é o lado profissional, e eu preciso disso, por que antes eu não queria que nada falhasse, acabava falhando tudo e... perdia o rumo das coisas. Então eu acho que o que aconteceu comigo, apesar ainda da minha ignorância dentro da linguagem mais técnica musical, mas o objetivo do curso, que foi sensibilizar as pessoas para ouvir, para sentir a musica, para te aproximar dessa linguagem, para mim pelo menos eu me senti atingida, porque eu consegui transferir todo aquele conteúdo que estava entre linhas, para outras competências, né ? que eu hoje chamo de competências, que é muito mais do que conteúdo, porque o conteúdo para mim se restringe na partitura, no saber tocar, né ? enfim como voce vai interferir no linguagem musical , né ? e a competência é fazer isso com o indivíduo, é isso que eu espero, que quando o projeto se firme mais dentro da escola, que a gente consiga passar isso para as crianças, né? que eles não saibam apenas tocar o instrumento na hora certa, mas que o corpo deles expressem esse movimento pela vivência que voce propôs tantas vezes prá gente, né? naquele curso, lembra ? que o pensamento possa expressar, que a linguagem possa expressar, então, acho que é meio por aí. E... para você –você, de uma certa forma já respondeu, mas qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que pode experienciar nesse curso? Foi poder se expressar com o corpo, o que eu sentia, porque assim apesar de eu ter feito dança, de eu ter feito patinação durante muitos anos tá ? mas era uma coisa assim, a expressão do corpo e do sentimento era uma pesquisa que eu tinha que fazer interna comigo mesma, e aí eu pude perceber o quanto meu corpo pode expressar o que eu estava sentindo quando voce colocava enquanto estímulo aquelas músicas, né ? e teve até momentos que por conta de eu não gostar do ritmo – era aquele ritmo mais de batuque, e tal- eu me coloquei no grupo, eu não conseguia me expressar porque eu não conseguia me encontrar dentro Aí voce pediu uma outra música... É , eu pedi uma música mais... Foi um momento muito importante, muito interessante... Assim, e até hoje ainda tenho resistência, quer dizer, para mim é instrumento de pesquisa comigo mesma, de saber porque que eu não gosto desses ritmos. Até eu estava escutando uma cantora portuguesa e ela traz muito desses ritmos de batuque nas músicas dela, e tem uma música dela que para mim , por conta de contar a história do povo da região- que tem muito- eu me interesso, mas pela letra, quando fica no batuque, aquilo mexe um pouco comigo, não sei muito porque... Todos tem isso ne? todos tem coisas que não tem afinidade, pode ser por muitas razões, as vezes inconsciente, a gente acaba sendo chamada para se expressar de uma forma de expressão tão intimista que com uma música que voce não gosta fica difícil. As músicas que eu escolho para o trabalho tem muito a ver comigo, eu gosto muito delas, acho que é por isso que rola uma emoção também. Voce considera que esse curso teve influência na sua vida profissional ou em qualquer outro plano da sua vida? Que influências? voce já me respondeu essa... (risos) É, será que eu troquei a questão?

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Não, não é que eu estou redundando aqui, está respondido já. voce encontrou nesse curso aplicações para sua prática pedagógica ou reflexiva? Então, eu...é é isso que eu coloquei para voce, eu não considero ainda que o trabalho de linguagem musical está satisfatório na escola, mas considero que quando nós trabalhamos e montamos um projeto dentro da linguagem musical, o projeto maior da escola deu uma deslanchada, então, foi uma coisa que não mexeu só comigo, porque eu cheguei a exercitar com as meninas algumas coisas da tua proposta, montei uma oficina para que a gente pudesse viver , e como aquilo mexia muito comigo - acho que é meio o que voce passa para a gente quando voce está dirigindo o curso e um pouco do que eu passei para o grupo- então eu senti um avanço, no projeto; coisas que eram muito difíceis de serem lidadas, questionadas com o grupo dos professores -isso eu posso avaliar porque o grupo de professores que eu comecei a trabalhar essa proposta em 98, até agora não mudou- então assim, ah... eu sinto que o grupo tem respondido, mas... Voce continua fazendo intervenções com eles ? Continuo, continuo, mas assim a demanda da escola e da necessidade dos professores, a partir da oficina eu senti que muitos não tinham informação suficiente para gente tocar algumas coisas, então eu tive que diminuir a carga do projeto dentro dessa linguagem musical, dentro dessa sensibilização, para atingir outras coisas, que seriam mais diretas para a sala de aula , então agora eu vejo que a coisa está um pouco mais tranquila e a gente tem retomado, tanto é que quando elas escolheram a montagem de um projeto de arte dentro da linguagem plástica ( nos fazemos sempre um dia de estudo teórico e um dia de vivência, e sempre nas vivências eu coloco a linguagem musical), e assim, é interessante porque nós fomos realizar uma oficina de dois dias, passaram pela nossa oficina 160 professores da região, e foi uma coisa tão forte que até agora a gente recebe ligação das pessoas querendo que a gente vá as escolas - quer dizer os professores foram os oficineiros- e querendo que a gente vá as escolas , que agente começou com toda uma sensibilização dentro da linguagem musical, e aí passamos para um entendimento do projeto que é ainda “o universo” que a gente coloca as duas visões da criação do universo: da visão mística que a gente pega a gênese na bíblia e da grande explosão que é a visão científica; e dizer que o grupo de professores, que a escola não é o lugar que dá as respostas, mas que é um grande fórum de debates e por isso a linguagem musical está bem por que ela abre espaço para esses debates; por que o esquimó quando escuta uma música, ele vai escutar da mesma forma que nós brasileiros escutamos, uma linguagem universal, e que eles podem se entender através dela. Sabe uma coisa curiosa? É como voce se sente segura para fazer esse trabalho musical, né? sem ter tido a formação musical, voce tem mesmo aptidão, né ? afinidade para ser exata. É eu gosto né ? eu... Por causa da dança também ? Talvez, talvez, por causa da dança, né ? e assim, sempre fui muito ligada em música, os meus filhos tambem, meu marido toca violão, ne´? quando eles eram pequenos, ele tinha um pouco mais de tempo, todas as noites nos faziamos uma seresta, entendeu ? o meu pequeno toca praticamente de ouvido, ele vai escutando, e vai tocando violão praticamente sozinho, é uma coisa impressionante. Que sugestões voce faria, para aprimorar a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical com vistas ao aprimoramento da formação dos professores que participam dos cursos ? É, a única coisa que eu acho que falta para nós dentro da escola, Enny, é não só fazer o curso, mas ter a oportunidade de voltar para a escola com todas aquelas idéias, e tentar realizar inícios de trabalhos, e voltar para pessoas como voce que tem uma formação, que tem mais segurança, que isso eu ainda sinto falta, com quem que eu vou trocar? será que estou indo no caminho certo? Hum... precisaria ser assessorado o trabalho... Uma coisa acompanhada, olha, agora voces estão indo...por aqui, ir dando pistas para que a gente vá, porque o professor, ele é extremamente criativo, voce não precisa montar uma oficina de receita passo por passo, se voce der a pista, ele cria na hora, ele vai junto com o grupo, e a gente, a escola lida com criança de 4 a 6 anos, criança nessa faixa de desenvolvimento ela está muito aberta, principalmente para a linguagem musical, expressão corporal, pro olhar, né? então, se voce trabalha isso adequadamente voce vai ter um trabalho riquíssimo com eles, né?e eu espero que este trabalho– é o meu objetivo, até hoje a gente estava conversando sobre isso- que as crianças se utilizem disso para a leitura e para a escrita. Voce está convencida de que é um caminho...

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É um caminho. Não treinar a mão para escrever um a, né? memorizar que b mais a dá ba, né? mesmo toda a pesquisa da Emília, quando ela coloca que a criança está num mundo letrado e que ela vai se apropriando disso, não é o suficiente, esse mundo letrado; é preciso que haja um trabalho com esse interior... E a nível das sensações... Isso, isso. Voce acha isso importante... Com certeza, mesmo porque o nosso social grita por isso, o mundo está gritando, as pessoas estão procurando as igrejas porque é onde voce busca uma fé ou um estado ou outro de calma, por que pelo menos dentro da igerja voce nunca vai imaginar que alguém vá puxar o teu tapete, um mundo tão competitivo. voce vê uma busca acelerada das pessoas em ser pessoa , eu tenho sentido isso, no trabalho com os pais lá na escola. Agora, é uma vontade minha, um sonho meu é fazer esse trabalho com os adultos que são pessoas de uma faixa sócio-econômica extremamente pobre, mulheres extremamente oprimidas, por tudo; mulheres assim para voce ter uma idéia, de marginalização, eu vejo, total, quer dizer, não tem acesso à moda, não tem acesso à cultura, não tem acesso ao amor, não são respeitadas, porque a grande maioria dos companheiros são agressivos, viciados em álcool ou drogas. Eu tenho tido um número crescente de mães alcóolatras, e não é porque elas optaram por ser alcoólatras mas é que no momento do trago, do álccol, ou da droga é o momento de esquecer que eu sou essa coisa que está aí, Eu estou pensando no ano que vem disponibilizar um tempo para trabalhos voluntários e aí a gente pode ver alguma coisa. Então e lá na região tem uma casa que já existe há um ano, chama casa Sofia que trabalha...começou um trabalho com a questão da violência doméstica porque a região é uma região de altos índices de violência doméstica e não é só a violência doméstica apenas, mas a gente tem constatado dentro da casa Sofia que a violência doméstica psíquica e emocional está muito grande. Na semana passada, eu ainda comentei com uma das meninas que são voluntárias aqui: olha, se abrir casa Sofia no Campo Belo vai chover de mulher, porque quantas mulheres não estão passando por esse tipo de violência né? onde ela não tem vontade, ela está ali para servir o tempo todo e para dizer amém, coisa que a gente imagina que a mulher não sofre mais , porque a mídia vive falando que a mulher .já conseguiu um status aí que não conseguiu. Uma última pergunta , e o meu material, voce ficou com aquela apostila só do módulo I? voce usou? tem usado ainda? Tenho usado, a fita, né? tenho usado para a sensibilização... Agora eu mudei e está bem mais completo, voce precisa ver... Preciso mesmo, preciso mesmo. Então obrigada, Cris Espero que tenha contribuído. É muito importante o seu depoimento.

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ANEXO XI ANEXO XI ANEXO XI ANEXO XI ENTREVISTA COM SUJEITO S 2 e 3 ENTREVISTA COM SUJEITO S 2 e 3 ENTREVISTA COM SUJEITO S 2 e 3 ENTREVISTA COM SUJEITO S 2 e 3

Como voce descreveria a experiência de ter participado do curso Iniciação e Sensibilização Musical? que imagem mental voce conserva dessa experiência? Lucilene - Então, prá mim ficou muito claro o prazer que eu senti, de estar vivenciando a música, sentindo. No seu trabalho, voce consegue fazer com que a gente...é como se a gente entrasse na música, vivesse cada aspecto daquela estrutura musical que a gente está trabalhando . Lucia - Eu senti uma coisa semelhante mas assim, uma questão do grupo sendo uma coisa só onde a gente repartia um único... a única comunhão seria a música, entende? o grupo se comunicando através da música. A gente sentindo que a música estava unindo aquele grupo, ou então o grupo estava sendo unido..., depois é que eu parava para analisar: não, foi a música...mas a gente existia antes da música, eu digo, entendeu? Era uma coisa separada... Transcendia o objetivo musical... Lucia – exatamente, era uma coisa onde a gente podia se expressar e comunicar com a outra pessoa usando elementos de movimento e de música. Lucilene – A gente nota, no decorrer do curso...a gente percebia uma coisa muito grande no grupo que acho que foi, que teve como ajuda, a música. Será que é o grupo que é coeso? mas acho que tem muita influência do trabalho que buscava isso também, que levava a isso. Legal. Para voces qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que puderam experienciar nesse curso? Lucia - Aspecto mais marcante... De certa forma, voces já disseram, é só ressaltar o aspecto. Lucia – Agora, eu posso... não sei se isso vai ser perguntado depois, é... não são todos os grupos que participei, né? Teve grupos em que isso daí foi super claro e teve outros em que foi bem mais difícil perceber isso, não sei analisar porque exatamente Lucilene- mas assim, todos os que eu participei com a Enny que foram com esse trabalho de sensibilização ( não foi nada com o Orff) o resultado que era conseguido é que através da música, dessa coesão do grupo, o grupo se falava mesmo, aquelas atividades que a gente fazia “voce tem que se comunicar com os olhos...”, ou com o corpo...então a gente sentia nas atividades que a gente conseguia se guiar, então, ninguém falou nada, a gente conseguia perceber quando é que eu ía guiar ou eu ía ser guiado, não precisava de palavras... É a comunicação não verbal... Lucilene – não verbal. Isso também fica muito claro. (falha de gravação, falta um trecho da conversa) O que voce está colocando então é que o grupo seja regular... Lucia – seja regular em presença e que sejam as mesmas pessoas porque quando tem elementos que saem, só vêm em algumas aulas, ou então...ou só por uns períodos, como foi o caso na Carlos Gomes, tinha gente que só vinha de manhã, tinha gente que só vinha a tarde...eu lembro que não tinha uma regularidade... Infelizmente isso interfere na coesão do grupo e até no processo de criatividade Lucia - interfere mesmo, com certeza, não sei como resolver, como seria resolvido um negócio desse tipo É.. as pessoas têm que ir tomando consciência de que elas tem que se liberar para participar de um trabalho regular, é sempre um problema de consciência se voce observar bem.

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Lucia – talvez num começo de curso, fosse interessante isso ser colocado como um ponto que a pessoa vai aprender, que isso daí vai ser passado, esse tipo de sensibilização do grupo vai ser passado, é uma das suas metas, porque , por exemplo, na hora que eu fui fazer o curso eu não tinha isso como meta para mim aprender, é isso que eu quero dizer, estava claro que eu ía fazer Orff, ía aprender o que ensinar para as crianças, tal, tal, tal, isso daí então é surpresa, voce está entendendo? Então foi uma coisa que eu nunca pensei que eu fosse aprender isso, eu fui lá prá outra coisa, mas aprendi outras, por isso eu estou te falando, talvez assim, na hora que voce vai começar o curso voce coloca, de uma maneira, não sei como, que isso vai ser passado, então é importante que todos estejam em todos os momentos e tal, tal tal, porque se não a coisa não acontecerá, né? Voces vão aprender isso... Eu acho que o que é possível fazer é colocar, como em qualquer trabalho que se faz, a necessidade da regularidade, né? Porque se eu fizer, tentar fazer essa descrição completa do processo, vai um pouco até contra a metodologia, que implica na pessoa chegar, vivenciar a coisa e comentar no fim e ver o que acontece, foi sempre isso que a gente fez, é que talvez esse seja o ponto que te surpreendeu, voce foi lá prá aprender técnicas e aprendeu a se relacionar. Lucia – é exatamente, esse que é o ponto x da coisa, então é uma coisa, como voce vai contornar isso porque se isso é uma tática como voce vai colocar que as pessoas têm que ser regulares? Quer dizer, não sei também como. Mas isso... esse problema não acontece... Lucilene – o que eu senti por, exemplo, na minha experiência e nas demais pessoas que também estavam, é assim, eu não queria perder aquilo por nada, mesmo se eu estivesse morrendo tinha que dar um jeito, porque eu fui na realidade aprender para que me ajudasse no meu trabalho, mas eu... me ajudou a mim mesma como pessoa muito mais do que aquilo que eu fui buscar. Então gente, assim , o que aconteceu comigo é que prá mim, faltar naquilo era uma coisa que prá mim seria horrível eu acredito que num primeiro momento que voce tem a experiência e voce vai adquirir consciência de que aquilo está sendo bom prá voce também, com certeza voce não vai quebrar. Eu mesma, ao longo do tempo descobri que o que eu fazia era uma estratégia de desenvolvimento pessoal, no começo eu pensava que eu trabalhava com repertório de atividades que ajudava os pais a fazerem planejamento, depois eu descobri que eu ajudava no desenvolvimento pessoal e aí isso virou o grande barato da tese, né? As experiências da Lucilene foram fortíssimas, aquele grupo lá de outubro de 96, cinco pessoas apenas fizeram esse curso. Lucia – antes do Allegro? É mesmo?!... É.. e foi como se essa gente se conhecesse há anos... Lucilene – gente, no final todo mundo chorava, eu não esqueço que a Enny falou assim, tipo assim, é..sempre no final do curso, a gente tem a impressão...todo mundo falava grudado, porque parecia assim que a gente não queria se desgrudar mais, né Enny? Lucia - Ah então, eu vou falar, vou falar mais uns negócios, voce sabe que na época que eu fiz o curso da Allegro. Rolou um negócio, assim desse tipo , para mim, né? Tipo assim, estava acontecendo comigo um negócio muito forte, eu não tinha como verbalizar para ninguém, eu queria falar isso, mas era uma coisa idiota, como é que eu ía falar uma coisa que acontecia comigo que eu não sabia nem dizer o que era, né?, quer dizer, eu aprendi que... se relacionar humanamente não era só o que eu fazia, tinha muito mais que poderia ser feito, muito mais pelas pessoas, que as pessoas podiam se comunicar muito mais, sei lá, e se curtir, em tudo, e dizer e se tocar, exatamente. Então, o que aconteceu depois disso aí, ficou assim, eu aprendi e depois de seis meses pintou uma de fazer uma viagem com um grupo de pessoas, vários casais, foi todo mundo para uma casa de fazenda, eu vivi nessa casa de fazenda como se estivesse...o que eu aprendi lá ( na Allegro) uma coisa super maluca, eu fui para casa de fazenda, eram seis casais, doze pessoas, dez pessoas e a gente jantava juntos todo mundo, a gente fazia tudo junto, estava todo mundo com filho, sabe? no meio do campo, foi uma loucura e foi com esse aprendizado que eu levei para lá, sabe, eu sei que serviu, foi um negócio muito maluco... Maravilha... Lucilene - não é só... não é só música Lucia – exatamente

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Lucilene – e é assim, o que eu aprendi lá também – estou ligando agora com o meu trabalho – gente!... eu chego na sala - eu não esqueço a massagem maravilha que voce dava- eu chego na sala os alunos perguntam assim: hoje vai ter massagem? (risos) Lucilene - E assim, quando começo as crianças já estão assim habituadas uma vai fazendo na outra, assim vai a outra na cabecinha da outra, gente então, voce tem que ver que delícia e tem criança que chega: “quando vai ter carinho?” então, quem conta para o pai que na aula de música tem massagem e o pai, tipo assim, na casa dele não tem massagem hora nenhuma, isso acaba, transformando até a relação na casa, na família... Voce considera que esse curso teve influências na sua vida profissional ou em qualquer outro plano da sua vida? que influências? Para mim teve com certeza, é...mudou bastante a minha idéia de trabalhar aquela história que voce falou de técnica, que musica não é só técnica, né? e através dessa vivência eu consigo muito mais resultado do que eu ficar trabalhando: vamos bater ritmo, como cantar do re mi fa sol, la, si, do, então através dessa vivência – e é uma vivência no corpo mesmo, né?- eu senti é...a vibração de cada som que surge, então para mim assim, mudou a minha idéia, meu conceito de trabalhar com música mudou, me deu a base de quanto é importante em qualquer trabalho que eu realizar, a importância de eu trabalhar essa integração de grupo, né? que fez com que o seu trabalho fluísse e faz com que as minhas aulas fluam também. Lucia - Olha para mim, eu acho que teve muito mais influência pessoal do que profissional, assim uma vez que a parte profissional para mim ainda está sendo... resolvida, entendeu? Eu ainda não consegui entrar nessa catarse assim com os alunos, sabe? eu não sinto...eu não sei explicar muito bem isso, é dificil para mim, eu sinto assim que ainda tem chão, para mim fazer isso. Eu acho assim, eu adoro o que eu faço, curto e tal mas ainda acho que ainda tem um certo chão, assim eu entendi a idéia, eu compreendi sabe?, mas ainda tem chão prá mim viver. É uma coisa bem pessoal não sei nem, se isso é medível, se é assim mesmo, sabe? É meio difícil falar. É, voce estava relatando uma experiência forte que foi com essa viagem dos casais, aonde pessoalmente voce teve uma experiência importante com essa metodologia, né? voce se lembra de outras formas de influência, outros exemplos? Lucia – ah...mesmo em família, a convivência com grupos assim, a convivência com grupos foi radical, depois desse dia, nunca mais fui a mesma, mudou assim radical mesmo. Agora assim aí já não é bem a resposta dessa pergunta mas eu gostaria de poder ter mais esse tipo de vivência, eu gostaria disso daí, eu acho que é uma coisa que como não faz parte da minha formação, isso daí, eu vou esquecendo aos poucos, eu sinto que vou esquecendo, eu vou voltando a ser o que eu sempre fui... Certo... Lucia – isso é muito triste, eu procuro renovar essa emoção mas acho que vai, infelizmente, vai...vai ser difícil... Mais alguma coisa que voce se lembre? Voce encontrou nesse curso aplicação para sua prática pedagógica ou reflexiva? Lucilene – com certeza, mas aí voce quer que especifique? É...é, as aplicações que voce encontrou na sua prática com base nesse curso. Lucilene - com certeza, então aquilo que eu estava falando, por exemplo, hoje quando eu ouço alguma coisa eu percebo melhor o que aquela música está me fazendo sentir, e eu procuro levar aquela experiência para o meu trabalho, prá eu, inclusive até para estar pesquisando essa história das sensações, de como eu ouço, de como o outro ouve E ajuda a selecionar repertório... Lucilene - exato, ajuda a selecionar repertório, eu estou sempre atenta a buscar coisa nova, tudo que ouço, eu estou sempre peneirando para ver o que é que dá prá levar para o meu trabalho. As apostilas voce usou? Usei, todas, todas elas.

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Legal... Lucilene – e assim, até é uma coisa clara, né? qualquer curso de musicalização a gente vê isso de trabalhar todos os parâmetros do som, de uma forma bem organizada a gente faz é... ter consciência de que se trabalha, tudo ao mesmo tempo... Uma visão mais integradora... Lucia – é...para mim assim, eu volto a pisar na mesma tecla, o que eu tento usar é essa impressão mesmo do grupo, isso é o que eu mais ... A forma de se relacionar... Lucia – de se relacionar...então, e do grupo se relacionar, da coesão do grupo, isso daí é o que eu mais fico ligada, isso daí é o que eu realmente aprendi. Porque assim, eu tenho meu jeito de dar aula...as apostilas eu usei assim no começo para tentar relembrar como é que foi tal, né? mas realmente essa impressão foi o mais importante de tudo o que eu realmente aprendi. Eu vou fazer a próxima questão e depois a gente ainda pode comentar o que for lembrando porque isso não é uma coisa fechada, né? Que sugestões voce faria para aprimorar a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical, com vistas ao aprimoramento da formação dos professores. Voces já sugeriram uma coisa que seria a conscientização deles da, importância da regularidade na participação do trabalho, né? que mais? o que é que faltaria?...ou o que é que voces sugerem? Lucia - O problema seria talvez como resolver as diferenças que tem dentro do próprio grupo, desde o nível de idade, de cultura, ou até de presença. Tem gente que vem de manhã, tem gente que não vem a tarde, o único problema talvez fosse esse, e como resolver esse problema, porque isso atrapalha o trabalho. O problema da heterogeneidade do grupo... Lucia - a heterogeneidade teria que ser resolvida, uma vez que não tem homogeneidade, é dificil rolar, é dificil a coisa...essa sensibilização...essas sensações serem fluídas... Lucilene – é... fluírem e acontecerem, talvez pelo menos na proximidade das proporções para todo mundo... Lucia – teria se que pensar em como resolver, seria a única sugestão, né? nem sugestão assim, questão, porque sugestão eu não tenho, não sei como resolver isso. É um problema humano, sei lá. Não sei como seria, será que o método chega a esse ponto? Dá para ficar atento nessa questão... Lucia – é.. ficar atento ainda mais porque o primeiro curso foi cem por cento, vamos dizer que eu aprendi tudo que eu não esperava aprender; no segundo fui esperando a mesma coisa do primeiro; no terceiro fui esperando a mesma coisa do primeiro; no quarto ( risos), então, eu fui esperando aí uma coisa que eu queria aprender de novo, só que daí não aparecia mais. Talvez voce foi com uma expectativa a priori.. Lucia – é, então, eu fui sempre com essa expectativa, idêntica à do primeiro, eu levei essa expectativa.. Eu lembro, no primeiro voce não tinha expectativa nenhuma, esse fator conta... ( risos ) Lucia - talvez isso seja bem relevante... Com certeza... (risos) Voce participou dos cursos Orff que tem uma visão mais tecnicista da coisa, um pouco mais, né? e do curso da Carlos Gomes que teve uma população flutuante que de fato atrapalha... agora, na Allegro, também tinha essa flutuação, mas o grupo era muito homogêneo...então quando vinha, acabava conectando por causa da homogeneidade do grupo, pessoas que estão acostumadas a fazer aquelas oficinas juntas,né?

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Lucia – então, aí é que está, pode ter sido uma falta de expectativa em relação ao primeiro que me pegou de surpresa, como também pode Ter sido uma coincidência, pode ter sido uma realidade também, eu nunca vou saber isso. Eu acho que essa idéia que voce colocou que talvez seja que eu no segundo, terceiro e quarto, de fato, eu fui com uma expectativa, pode ser real, como também uma coisa a se analisar melhor. Não mas o curso do SENAC tinha alguns...tinha um menino que era um elemento bastante desagregador mesmo, era difícil, né? Lucia – mas eu acho que não foi uma coisa de expectativa e vou te falar porque, porque na hora, no momento em que eu me junto com qualquer outro grupo que não seja de música, que não seja de aula, qualquer outro grupo que seja homogêneo, rola, eu entro nessa sintonia rapidinho porque eu aprendi isso, entendeu?...então eu acredito que não tenha sido mesmo um problema de expectativa, porque qualquer outro grupo que eu me junte que seja homogêneo, que eu tenha essa expectativa do que eu aprendi, acontece de novo, não precisa ser coisa musical, não precisa ser sua aula, não precisa nada, rola isso, se eu tenho essa expectativa acontece porque o grupo tem essa possibilidade, tem que ver também se o grupo tem a possibilidade.. Lucilene – e talvez também voce se coloque predisposta prá isso, preparada prá isso. Lucia - é, mas aí é que está, num grupo, uma vez que eu aprendi que existe isso, eu sempre me coloco assim. Lucilene – ah...entendi... Lucia – entendeu? agora eu aprendi, eu sei, num grupo eu me coloco dessa maneira que eu enxerguei, que eu não enxergava isso, entendeu? Eu me coloco assim, na hora que eu vejo um grupo...eu já me... Voce pode falar mais detalhadamente do que que é tão importante.. Lucia – de se colocar no grupo? De quais aspectos que voce conseguiu aprender dessa relação do grupo? Lucia – que...num grupo todo mundo é igual, todas as pessoas são iguais, num grupo não, que no fundo , todo mundo do mundo é assim, todo mundo é igual, todo mundo tem os mesmos problemas, todo mundo pensa igual, todo mundo quer resolver as mesmas coisas, as ambições, todo mundo gosta de gostar, todo mundo detesta não gostar, entendeu? E isso é que... Lucilene – está todo mundo buscando o prazer... Lucia – ques está todo mundo procurando o prazer, que todo mundo é uma coisa só no fundo, e todo mundo pensa que cada um é um, mas todo mundo é uma coisa só no fundo, então eu já me coloco assim, nessa posição, eu encontrei um grupo eu já me coloco assim, ah...todo mundo tem 24 horas por dia, então se um é melhor é porque investiu mais numa coisa, se o outro é pior é porque investiu menos, mas 24 horas por dia tem prá todo mundo então, se um é bom numa coisa, é ruim em outra, se um é ruim numa coisa...entendeu? o tempo é deslocado, simplesmente isso, então todo mundo é igual e me coloco já assim, então, se o grupo é homogêneo, na hora que chega num grupo homogêneo, voce se coloca nessa posição. Mas o grupo ele já tem os estereótipos assim das diferenças, entendeu? Então, fulano nunca abre a boca, então ele é diferente, então todo mundo já se porta diferente porque o fulano nunca abre a boca, né?, mas, se todo mundo tivesse essa consciência, todo mundo ía perceber que não: ele não abre a boca porque...ele também quer as mesmas coisas que eu, mas ele, nem ele sabe direito disso, coitado, né? então as pessoas se estereotipam num grupo que já assim , um tem o cabelo muito curto, o outro não estudou, e tal, então isso trava, na hora que surgem os estereótipos na cabeça das pessoas. Voce sabe uma outra coisa que eu notei, estou lembrando da tua vontade de repetir aquela experiência, tem experiências...essas experiências muito fortes, eu acho que é uma característica delas realmente, não se repetirem com frequência; são como mistérios, mistérios não se repetem com frequência, né? como quando voce faz uma viagem legal, conhece um grupo de pessoas, e voce não quer mais perder aquela gente, aí voce fala: vamos se encontrar lá em São Paulo, me dá seu telefone, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo, a até pode acontecer, eu já consegui fazer isso, mas não é a mesma coisa, voce não pode transportar aquela experiência, todo o contexto que te levou a sentir o que voce sentiu naquele momento prá uma outra situação, então, no fundo, a gente é que não aprende a se desapegar e a ficar com aquele prazer que foi vivido e não tentar levá-lo para outro lugar.

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Lucia – é, olha, mas assim, não é bem exatamente isso que eu estavz querendo dizer, o que eu quero dizer é assim, que eu aprendi mesmo é uma coisa que eu aprendi e não é que eu estou querendo buscar a mesma experiência... É que voce estava então... talvez voce estivesse vivendo uma fase de individualismo e voce aprendeu a dividir Lucia – isso daí (risos)... isso é na cara que é isso (risos) Voce era uma individualista do caramba, vai... Lucia - do caramba, sempre fui, nossa, eu nasci assim, entendeu? É uma coisa... Lucilene – será que tem a ver com os capricornianos? (risos) Lucia – totalmente, outra coisa que eu ía falar era isso: Enny, voce está marcando com uma coisa, é que voce está entrevistando duas capricornianas, então a entrevista vai sair muito baixinha...(risos)

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ANEXO XII ENTREVISTA COM SUJEITOS 4 e 5 Data: 16/02/99

Como voce descreveria a experiência de ter participado do curso Iniciação e Sensibilização Musical ? que imagem mental voce conserva dessa experiência? Irene – eu gostei muito do seu curso porque eu acho que um curso que diz, eh...um curso de música, nem sempre a gente começa realmente com a música, e ouvindo música. Isso é uma coisa que me marcou muito no seu curso. A gente começou ouvindo música foi a primeira coisa que me fez...eh...bem legal. Então isso para mim...o começo do curso me marcou muito. E outras coisas, trabalhei com a criatividade, né? mas em princípio foi o ouvir música, aprender a ouvir. Inês – olha, eh...o curso foi tão assim completo que a gente se sente com segurança mais ainda, ne´? De voce fazer um caminho dentro da educação musical, porque voce...nesse ponto ele nos mostrou assim eh...que voce pode a partir de pequenos motivos de pequenos exemplos, voce vai chegar a construir, sabe? Uma educação. Porque ele vai num processo e vai acrescentando experiências e abrindo a cabeça da gente para outras, outras buscas, outras experiências, sabe? A partir daquele módulo, que a gente trabalhava; entaõ, o que é que esse módulo trouxe? Ele trazia alguns exemplos mas que não era só aquilo, não ficava só naquilo ele mexia com a cabeça da gente no sentido de abrir para outras experiências. Aquilo ali nos dava segurança que aquilo dava certo, que aquilo era um caminho que voce tinha, era um método. – que voce ía trilhando, sabe? Que voce pode ir trilhando. Que a criança vai aprender mesmo, vai acrescentando outras experiências, né? e o que a Irene falou eu também concordo, eu acho que o ouvir foi um dos pontos mais fortes do curso, o aprender a ouvir, e como ouvir, é o aprender a ouvir, mesmo, né? e voce sensibilizar o ouvido para torná-lo mais requintado, né? assim nas minúcias daquele som que voce está ouvindo. Eu não sei, para mim, eu acho assim que esse módulo auditivo foi a maior surpresa para mim, foi o módulo que mais me pegou, sabe? Porque foi tão diferente de tudo que eu conhecia, e tão rico, né? de experiências...que foi um módulo assim que bateu aqui dentro de uma maneira muito forte. Eu uso ele direto, di-re-to, a partir daquele curso todas as aulas de grupo de musicalização começam com uma escuta, acabou, foi instituído isso, voce entendeu? Já começa, as crianças já sabem, o momento da escuta: o que é que vai escutar? Algo ele vai escutar, não precisa ser só as fitas, o que voce nos deu de gravado, qualquer coisa, sabe? Mas desde os pequenininhos, desde as iniciaçõezinhas, eles estão sempre assim escutando alguma coisa e a partir daí começa-se a construir, a conversar, a debater sobre, e olha , tudo sabe? rola assim tudo que é assunto, de música, sem ser de música, de conhecimento geral, de cultura. Nossa!...voce precisa ver cada coisa que sai por causa de uma escuta. É impressionante que nós sendo profissionais de música que é uma arte do som, que a gente tenha que lidar com essa negligencia tão grande do ouvir, em todos os ambientes... Inês – é isso mesmo...olha...eu acho tão importante, né? saber, começar ouvir sabe? O ouvir, né? com atenção... Para voces qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que puderam experienciar nesse curso? Irene – acho que eu vou colocar mais um que para mim me marcou. Eu gostei muito também da aproximação que voce fez com as artes. Voce aproximou o teatro, a dança e também o falar poético, assim tem coisas que voce falou - na hora aparecem outras que também falaram - então teve uma integração das artes e no fundo, sempre a música unindo tudo isso, nunca a música foi...nós fizemos isso primeiro depois a música, não...sempre com tudo a música estava por trás. Então, isso também é uma coisa que me impressionou bastante. E nessa área voce teve bastante criatividade, voce também... o material , o material que voce tem, né? E assim, as idéias que voce tem muito grande então eu achei muito...para mim eu acho que na iniciação deve haver essa união entre as artes, eu acho interessante, sempre que possível. Lógico, principalmente é a música mas es houver oportunidade eu acho isso muito interessante. Voce considera que esse curso teve influências na sua vida profissional ou em qualquer outro plano da sua vida? que influências? Inês – Bom, sem dúvida, na vida profissional...teve bastante influência porque foi, é como eu te falei, abre a cabeça da gente para novas experiências e para voce se permitir a essas experiências, eh... e uma coisa que para a minha vida também foi importante, é voce lidar com a questão da ansiedade, para mim, eh...houve assim ou eu me permiti mais tempo, para voce trabalhar.. para a gente trabalhar algum aspecto em aula sem

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a ansiedade do resultado e isso foi graças, mas acho que, é ela mesma, voce mesma que faz isso com o grupo, porque voce não é ansiosa, ou pelo menos não passa isso para nós, então, então o seu modelo me foi muito importante porque a maneira como voce lidava, por exemplo, com a criatividade que é uma coisa que demora que é uma coisa que se arrasta as vezes até voce conseguir, né? dar um corpo àquilo que voce está criando, uma forma, então as vezes, quem não está por dentro dá a impressão que aquilo não vai chegar a nada, que aquilo são experiências que vão, que vão ah.. poder ficar aí pelo caminho. Mas eu acho que se voce tiver calma interior aquilo tem, tudo tem sentido, né? Desde que voce vá com calma, voce vá dando aquela ligação em tudo que está sendo trabalhado. Então para mim eu percebi assim que depois do curso veio essa...essa.. comigo a ansiedade baixou muito, sabe? De não esperar logo, na primeira experiência esperar logo o resultado, e vamos deixar, e vamos repetir de outra maneira, daqui uns tempos, sabe? Vamos ver como é que acontece isso, então para a minha vida também mexeu, fiquei mais assim calma, dentro da.. expectativa de resultados. Legal. Irene – também eu achei que o seu jeito como professora passou muito bem para a gente porque na hora que voce brincava, brincávamos todos nós, né? a gente até brincava mesmo, na hora que voce fazia um sinal e a sua seriedade era tanta que nós todos sabíamos que, todos sabiam que estava na hora de começar e nós parávamos e ficávamos tranquilos, e foi isso que voce falou, né? da ansiedade, então a gente ficava tranquila ( falha da gravação) então isso também foi uma coisa muito importante, voce...se colocou como profissional para a gente. Puxa!...estas entrevistas vão acabar enaltecendo o meu ego... Inês - E voce perguntou uma coisa, o que mais a gente lembra, né? do grupo, assim, alegria. A palavra que viria para mim é alegria de fazer junto. Quer dizer, então, não é para te inflar mais mas eu acho que isso é uma liderança muito positiva, né? que voce tem que saber que tem mesmo, que voce, né? porque o grupo tinha alegria!! de fazer junto E eu uma alegria de trabalhar impressionante, quando eu paro de trabalhar o meu mundo cai. Irene - voce tem a sensibilidade para trabalhar, né? é uma benção. É uma fonte de felicidade o trabalho, um privilégio... Irene – assim deviam ser todos os trabalhos ( falha na gravação) Legal. Voce encontrou nesse curso aplicações para sua prática pedagógica ou reflexiva? Inês – ah...as duas coisas, né? eu acho que as duas coisas a gente encontrou com certeza, as vezes eu ficava ouvindo aqueles temas, eh...e refletindo assim ,as escolhas , né? por exemplo, vamos pegar a parte dos temas que voce nos deu eh... eu chegava a refletir assim, não mas eu não, porque é que eu vou pegar esse tema? não, mas esse tema está longe da realidade das crianças, né? sabe? Eram coisas alguns conflitozinhos assim que me vinham , né? porque é que eu vou pegar... então me fazia refletir e procurar outras coisas se eu não queria aquele, e porque que eu não queria aquele, né? então nessa eu...argumentava, assim eu comigo mesma, sabe? Argumentava muito. Voce buscava... Inês – em alguns momentos, outras coisas que me satisfizessem, que eu achava assim que ía de encontro ao meu grupo, né? E a voce... Inês – e claro, no fim era a mim mesma também, né? Porque o fator básico na escolha das músicas é que ela me dê prazer e que eu goste muito dela, então eu acho que até o que se transmite para as pessoas é esse prazer que eu sinto com essa música, que naturalmente é diferente para cada pessoa.

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Inês – é porque tem alguns temas...era verdadeira magia, são mágicos, né? e não é só para mim, nem para só um grupo, mas para vários grupos, quando voce põe, acontece alguma coisa, né? que fica assim, um clima na classe, muito diferente, né? e alguma coisa assim que ía buscar um pouco diferente porque queria que ficasse mais próximo deles, entendeu?. Eu não sei te dizer exatamente quais eram mas isso que me fazia pensar. Por exemplo, outra coisa, toda a postura frente ao instrumento mudou comigo , né? depois do curso, desde segurar a baqueta, tudo, voce entendeu? Tudo aquilo tem um sentido , né? então a tua atitude muda perante o instrumento, perante a classe, por exemplo voce está ali como um modelinho, né? voce não deixa de ser um modelo para as crianças, então no momento que voce segura, como voce segura aquilo passa, vem um pouco assim de magia assim, sabe? Em torno dessas pequenas atitudes. É ritualista. Inês – ritual, é isso que ía falar, é ritualista mesmo. Eu concentrei, tenho concentrado atenção nisso: a maneira de colocar a música, o tipo de ambiente, a forma de colocar a música , no fim são esses rituais que aguçam a sensibilidade que mais afetam as pessoas, que abrem o campo. Irene – para mim uma coisa que mexe muito é assim a criatividade, né? sempre buscar alguma coisa mais que ali voce vai conseguir. Não foi por esse lado , mas vamos por outro.. eu acho que a criatividade que voce tem assim , mexeu muito assim: que dá para ser rápido, dá para buscar, dá para conseguir, vamos lá que de um jeito ou de outro voce pega o aluno, (risos) de uma maneira ou de outra. Sempre digo que a criatividade é uma coisa muito importante. Inês – Nossa!... o tempo todo, né? o tempo todo a criação, a criatividade é... está presente. O material voces já falaram que usaram... Inês – é, as apostilas. Eh...uma coisa que eu não consegui usar bem, porque eu fiquei também meio...eu achei que foi meio assim, eu fiquei meio insegura, foi o último módulo, foi a improvisação sabe? Que eu acho é o mais difícil mesmo de lidar, né? de passar... eu imagino a dificuldade da pessoa passar o que se passa na improvisação, eu acho muito, por que no começo se voce começar dar regras e muitos caminhos, pode até tolher, né? e também se não der...eu não sei, então essa coisa fica meio assim, sabe? Pisando em ovos, vou falar a verdade. As canções, por exemplo, apesar de não terem sido assim tão exploradas porque nós estávamos em ritmo já de final de curso, voce lembra o módulo das canções? Mas voce vê, tem coisas lindas ali, tem coisas folclóricas que eu nem...olha quanto tempo que eu lido com folclore eu consegui ainda me surpreender, tem novidade ali, entendeu? Eu falei que legal!...não sabia, não conhecia de algum lugar, sei lá de que parte, eh...agora a improvisação eu fiquei meio... Ah.. isso é muito difícil, isso me faz pensar na frase do Koellreutter quando foi entrevistado pela revista educação, e perguntaram para ele como que ele via essa questão da disciplina e da liberdade, né? e ele falou que ele via como um jogo de futebol que tem regras muito claras, posições em campo muito bem definidas, mas o que define o jogo é a criatividade individual, é quando o jogador sai fora da regra (risos) Inês – é isso aí, né? muito bom Enny, essa foi boa, eu acho que eu vi essa entrevista, a gente leu aqui , isso mesmo, foi isso. Que sugestões voce faria para aprimorar a metodologia de Iniciação e Sensibilização Musical, com vistas ao aprimoramento da formação dos professores participantes? Inês – olha, eu não sei, eu acho assim, para voce trabalhar com essa metodologia ou com outras voce tem que ter pelo menos uns pré-requisitos que as vezes nem sempre voce encontra no professor. Então fica difícil aplicar essa metodologia se esses pré requisitos não são preenchidos, por exemplo, entoar legal, né? cantar, né? no mínimo afinado, né? numa altura legal para as crianças, nem sempre eu vejo os professores com esses pré-requisitos. Voce também estudar um pouco de harmonia, para voce fazer aquelas coisas que voce fazia no piano, assim, ou não, que seja num instrumento harmônico porque senão também fica muito difícil, fica complicado... voce tem que ter o corpo bem afinado, sabe? Para fazer todas aquelas danças, todos aqueles movimentos, se é uma pessoa também muito distante disso, eu não vejo muito como, né? Voce está dizendo que o professor tem que ter uma formação porque esse curso ele ainda não é uma formação, ele é uma sensibilização, é isso que voce está me dizendo?

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Inês - Eu acho nem só, eu acho assim que o curso, ele até exige isso antes para a pessoa poder aproveitar bem, entende? Porque senão fica meio truncado, né? Fica assim...fica muito evidente que se nota estas faltas nas pessoas, né? por causa do processo de criação e dessa ligação muito íntima com o grupo, então quando tem um elemento que está faltando muito essas propriedades aí que voce falou, se evidencia demais. Inês – é...agora, fora tudo isso, o que o curso, mesmo sem ter isso, eu acho que é bárbaro, sabe porque? Porque vai abrir a cabeça, né? das pessoas que participam porque também pode ter tudo isso, mas ter uma cabecinha fechada, hum...aí eu acho que é a pior coisa que possa existir, porque a pessoa pode não er boa harmonia mas ela tem cultura, sabe? Criatividade, essa improvisação assim muito acurada, ela vai compensar de tudo. Eu acho que no fundo o que precisa mesmo é abrir mesmo a cabeça, sabe? Joga muita regra fora, joga muita...né? eh...abre para o mundo aí, sabe? Olha a criança de um outro jeito, né? é outro olhar, sabe? Não sei...eu estou nessa, eu estou nesse momento, o meu momento é esse assim, sabe? Está muito assim de deixar experimentar mesmo, sabe? E por mais que eu planeje a aula, se aconteceu alguma coisa, eu não estou nem aí com o meu planejamento porque eu não posso perder aquele momento. E tem que ser semanal agora para pegar o gancho, né? de aula a aula. Inês – tem mesmo, né? Porque as vezes voce entra em certos lugares que querem que se apresente o material do semestre, impossível. Inês – não!!.. eu não consigo, eu fui tentar fazer do mês, eu já mudei na segunda aula já não era mais aquilo que eu tinha feito, eu não conhecia as crianças, não adianta, Enny... Porque é um processo dialético: voce propõe uma coisa, as crianças transformam essa coisa e aí voce se transforma porque elas gostam... Inês – exatamente!...eu estou bem assim, sabe? E eu acho que é muito enriquecedor para ambas as partes, para mim também é bárbaro. Voce entra junto, né? numa boa. Tem uma sugestão que voce fez há bastante tempo atrás que a gente pudesse discutir os parâmetros do currículo, de como fazer... o currículo, lembra? Inês – ah...nossa implicava muito isso... E isso acredito agora que na Carlos Gomes vai dar para fazer, porque eu vou fazer as duas matérias: no I semestre é sensibilização e no segundo a discussão curricular. Inês – nossa... Acho que vai ser legal. Irene - essa é uma questão que a gente precisa de tempo, né? e eu acho que no seu curso uma das coisas que a gente precisaria mais de tempo, é um tempo maior mesmo. É, precisa desenvolver. A Ilza tinha uma proposta boa de transformar em grupo de estudo. Inês – é...mas o pessoal Irene - Nesse sentido deveria ter uma extensão maior de tempo, o curso. Inês – também acho. Irene – porque os módulos dela ( falha na gravação) se a gente tivesse um pouco mais de tempo neles acho que a gente pegaria mais uma base, uma coisa que eu acho que falta é um pouco mais de tempo. Inês – agente ficava sábados, né? sábado inteiro... Um sábado por mês Irene – teve módulo que passou...

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Inês – nossa... teve módulo que,, dois sábados , foi maravilhoso... a gente começa lembrar, foi bom...nossa!...aquelas cenas sonoras lá, aquelas , voce lembra? Que a gente fazia a partir de um motivo né? aquilo me marcou demais, para mim, era uma coisa lúdica... A cena do discurso do deputado também... Inês - é o que a gente fala porque voce traz o teatro. É tão importante trazer, né? essa teatralização, essa coisa assim, olha... (falha na gravção) Legal. Inês – muito bom, viu? Obrigada..

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ANEXO XIII ENTREVISTA COM SUJEITOS 6, 7. 8 e 9 Data da entrevista: 23/02/2000 Como vocês descreveriam a experiência de ter participado do curso Iniciação e Sensibilização Musical? que imagem mental voce conserva dessa experiência? Flávio - Pode falar? Eu acho que o que foi mais marcante no curso de Sensibilização foi uma abordagem diferente, em vez do professor ir lá ensinar, ele só vai fazer uma vivência com os alunos, uma vivência com elementos musicais, não é uma aula propriamente como uma prova, isso eu achei... Não tinha preocupação com resultado. Rose - Bom, eu gostei muito do curso, me deu uma abertura assim em termos de como trabalhar , como musicalizar a criança. Eu gostei muito, para mim foi uma experiência...por eu ser uma pessoa muito tímida, aquela coisa de poder fazer, isso ficou bem assim na minha mente, né? de poder fazer as coisas, não ter um limite: “não vou ter que fazer..., vou ter que copiar de alguém” , não, eu posso fazer. Isso me deu uma abertura , assim... Flávio - de ser capaz... Rose - Exatamente. A tua criatividade... Rose - Isso, botar em prática a minha criatividade. Ruth - Para mim foi assim eh... foi muito surpreendente porque, poder estar fazendo aquele curso, porque eh...eu pude sentir ali ...acho que eu poderia resumir na palavra movimento, eh...o que aquele curso provocou na minha pessoa, né? mas um movimento que envolve vários aspectos, ou seja, aspectos cognitivos, aspectos sensoriais, emocionais, afetivos. E...foi muito interessante como vivência, acho que um pouco na linha disso que o Flávio falou, uma vivência da criatividade musical, foi muito incrível. Para mim acho que foi isso.... De certa forma, vocês já responderam à questão dois, mas talvez dê para especializar um pouquinho... Para voce qual foi o aspecto mais marcante dentre todos os que pode experienciar nesse curso? (Um ou mais aspectos que realmente se destacaram na experiência de vocês...) Ruth - Eu gostaria de chamar atenção para mais um assunto que para mim foi...para mim foi indicador da qualidade do trabalho que é a escolha de repertório. eu acho que a escolha de repertório desse curso era simplesmente espetacular, certo? Porque nós temos massa crítica a nível de algo de música no Brasil, né? de oferta do que tem de trabalho escolar, porque tem esse trabalho e esse repertório ía de encontro à diversidade, à pluralidade das linguagens musicais, né? dos vários povos, das várias culturas que nós temos, simplesmente maravilhoso!... Foi um aspecto, a meu ver, determinante para a qualidade do trabalho, além de outros, mas esse foi especialmente assim...agradável. Flávio - Eu acho a qualidade do material da apostila excelente, acho que eu me senti, agora que eu tive essa possibilidade de precisar fazer um curso de musicalização, eu me senti bem amparado nas apostilas e nas fitas....senti que agora eu tinha projetos que eu podia apresentar para as pessoas, para as escolas, eu achei muito bem organizado. Rose - Eu também concordo, realmente é que nem eu falei na primeira questão, deu uma abertura realmente, a gente pensa: o que é que eu vou fazer hoje com essas crianças? Então com o material da Enny, eu agora tenho outra iniciativa, que nem essa coisa de voce poder, eu pego o material dela trabalho com o material dela, então eu acho que essa coisa de programa... acaba dando uma abertura para voce fazer também, né? eu pego dela e vou sempre intercalando, aí vou fazendo e vou começando, e consigo enxergar um pouquinho mais...porque eu realmente não enxergava. Criou uma referência para voce criar em cima, né? Rose - Exatamente, então eu achei muito legal, o programa é realmente fantástico.

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Mas para vocês dois...- vocês fizeram um comentário do que a Ruth disse- mas...foi esse o aspecto mais marcante para cada um de vocês? Flávio - Eu acho que é a vivência, eu acho que respondi isso na primeira vez. Certo. Flávio - Para mim é a questão da vivência, eu acho que essa possibilidade da criança vivenciar coisas musicais sem estar preocupada em decorar alguma coisa, né? essa brincadeira musical, isso é o que mais me chamou a atenção, é a coisa mais marcante. Rose - É, realmente é isso mesmo, essa coisa de voce ensinar brincando, isso é muito divertido, acho que é uma coisa assim que marca qualquer criança. Isso eu fiz com minha filha, algumas coisas que nós fizemos lá, aquilo fica uma maravilha...prá gente é isso, essa é a coisa principal do curso, é essa coisa de trabalhar...(falha da gravação) Voce considera que esse curso teve influência na sua vida profissional ou em qualquer outro plano de sua vida? Que influência? Flávio - Eu acho que eu pelo menos, não tinha nenhuma proposta para apresentarem lugar nenhum e um curso de musicalização para criança pré-escolar, então é óbvio, agora eu tenho. Em outros planos pessoais da sua vida ou em qualquer outro plano voce sentiu alguma influência? Flávio - É, eu acho que a convivência com pessoas ligadas à área de música é muito frutífera e foi para mim naquele aspecto, eu pude mostrar o meu livro para voce, voce pode fazer comentários, modificou várias coisas. Eu acho que a troca...isso foi positivo. Ruth - Se teve alguma influencia se eu observei... É, na tua experiência profissional ou pessoal, ou em qualquer outro plano e como isso te influenciou? Ruth - Eu acho que me influenciou muito por esse aspecto que eu já tinha levantado antes, né? mais importante: eu acho que esse trabalho, mostrou concretamente para mim uma coisa que eu venho sempre intuindo a muitos anos, que é o fato de que o ensino ligado a música, o contato com a linguagem musical cumpre uma função insubstituível no processo da educação, não pode ser substituída por outra linguagem, né?. As contribuições que a música traz, são contribuições que nem uma outra linguagem vai trazer, porque são próprias dela, né? e... da maneira como foi colocada a gente pode sentir o quanto é rica essa contribuição, né? Então isso é uma coisa que eu sempre intuí na minha vida, eu sempre senti na minha vida de professora na escola a falta da presença da música e tal, e aí esse curso foi assim como que uma demonstração concreta, de fato de quanto isso é importante, né? e quanto pode ser rica essa experiência, né? essa convivência com a linguagem musical então nesse sentido eh...influenciou porque deu essa demonstração concreta, vamos dizer assim, e por outro lado também eu acho que...(interrupção da gravação por ruído forte) Ruth - A gente vai continuar então. Continuando...retomando a questão três: voce considera que esse curso teve influencia na sua vida profissional ou em qualquer outro plano de sua vida, que influência? Ruth - Então eu acho que no aspecto teórico teve influências porque eh... aquela discussão da necessidade da mudança de paradigma, justamente do pensamento teórico e tal e ideológico, indica mais uma vez como a música pode abrir possibilidades de caminho, de forma muito menos ortodoxa do que, por exemplo, as ciências humanas fazem, né? era nesse sentido que eu falava, por causa da leitura do Capra... Claro. Ruth - É só isso. Amália - Uma coisa que eu acho super importante é a parte de sensibilização, na medida em que tenha sensibilização, tem um contato direto com a parte emocional, eh... uma das coisas que esse curso me influenciou muito, foi que à medida que se trabalha criatividade...de uma forma livre e espontânea acaba aparecendo coisas emocionais muito fortes que são... que fazem parte do histórico de vida de cada um. Dentro da minha vida por mais uma vez eu constatei que quanto mais livre, fosse essa coisa corporal, né? mais

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fácil seria assim...a linguagem de se... de se expressar artisticamente, não era bem isso que eu queria falar, mas... quanto mais livre o trabalho mais espontâneo, maior é a quantidade de pontos que poderiam ser abordados, não sei se deu para... Continua falando que vai clarificando... Amália –É. A sensação que eu tenho, é assim, quanto mais livre e espontâneo é o trabalho mais verdadeiro ele é. E eu acho que corpo para mim, a meu ver, é uma coisa muito verdadeira e esse trabalho que nós fizemos com voce, ficou muito claro isso, essa coisa de ser espontâneo, ser verdadeiro e ser autêntico , a emoção aparece, é uma coisa que me gravou assim, para mim naquele curso, profissionalmente, mais do que outras, porque eu entendo que todo trabalho artístico está muito interligado com a parte emocional. Então esse lado emocional foi forte para voce... Amália- foi muito forte, essa coisa de estar solto, de estar livre, para criar, foi uma coisa muito forte, essa coisa de dança espontânea, é uma coisa muito forte. Ruth – acho que é aí que aparece um pouco essa coisa do novo paradigma, né? acoisa da criatividade, né? da liberdade Antes porque voce inclui o corpo que é uma dimensão negligenciada, reprimida afastada, proibida, e é isso que dá um enorme prazer para as pessoas reincluir o corpo. Amália - E eu acho que essa coisa de corpo, de voce se expressqr corporalmente, não é muito fácil, por causa dos bloqueios que normalmente a gente tem. Mas, ao mesmo tempo o que eu vi lá é um desenvolvimento desse desbloqueio, é um trabalho que através da aceitação do grupo agente conseguiu ver - e eu mesmo, né?, se bem que eu tinha um trabalho corporal anterior – mas, que dava para ver que estava desbloqueando, e lógico, mexendo diretamente com o emocional. Legal. Então vamos lá... De certa forma voces já responderam, mas só especificando... Voce encontrou nesse curso aplicações para sua prática pedagógica ou reflexiva? Ruth – Então, eu encontrei, encontrei, e não só encontrei como até o Flávio falou e da maneira que ele coloca é muito interessante, né? que é bem isso, acho que o curso oferece várias alternativas de modelos pedagógicos, e é muito interessante porque é um modelo aberto, né? é um modelo aberto que a medida que voce vai usando, praticando, ele vai se transformando, porque ele é aberto e não é fechado, ele não está pronto e acabado, ele vai se transformando com a prática. É o que eu tenho observado desde que eu fiz o seu curso, né? eh..,aplicando aspectos dele com as crianças que eu trabalho, né? Flávio – eu percebi, posso falar? Eu percebi uma coisa...não sei, dá para repetir a pergunta? eu não sei se vou falar alguma coisa... Voce encontrou nesse curso aplicações para sua prática pedagógica ou reflexiva? Flávio – analisando um pouco lá o curso de musicalização, além de ser vivencia eu achei que cada um dos exercícios que são propostos, eles não tem uma necessidade de ser 1, 2, 3, 4, 5.. Não são lineares, né? Flávio – É. Dá para a gente fazer um mosaico, pegar um dia uma coisa, outro dia outra...são coisas isoladas...eu achei isso no plano pedagógico excelente, essa visão. Amália – uma coisa que me marcou muito no curso, foi um trabalho que voce fez, eh...daqueles povos, nè? das músicas étnicas. E...quando eu apliquei isso foi muito interessante porque as crianças ficaram extremamente curiosas, e a gente tem que aprofundar muito esse lado, é uma coisa muito legal. E eles perceberem que existem assim...várias formas de tocar a música, não necessariamente só com melodia ou só com ritmo. E eles começaram a partir disso a criar a música deles, isso eu achei que foi uma coisa muito legal, como ponto de partida. Ruth – É , e o que eu achei legal nessa diversidade de repertório, acho que é isso, é que ela abre, ela traz para o indivíduo, o recheio que o indivíduo precisa para poder criar, porque a gente não cria do nada, né? então

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essa diversidade de repertório é muito importante para o processo de criar. Ela ajuda muito,né? a desenvolver melhor o seu processo de criatividade musical. Rose – dá uma outra visão, né? para voce trabalhar, é isso que eu percebi e percebo hoje, realmente... Amália – eu acho que é aquela coisa de não fechar conceito: ser muito eruditóide, ou ser muito popularóide, ou ser...não é nada disso. Eu acho que é fazer com que eles experimentem tudo o que está acontecendo. Tudo que acontece é expressão. Todos voces chegaram a usar as fitas e a apostila? Flávio – ainda não comecei, está planejado de comelçar a usar a partir de março, lá na Ravel. Ruth – eu usei muito, muito. Rose – eu também, uso bastante. E como foi? Ruth – é sempre muito bom. A fita as vezes tem uns problemas, isso é até estimulante porque quando acontece isso voce vai procurar uma outra música que possa substituir aquela...e tal, né? Tem músicas, fitas muito problemáticas porque eu não achei mais a gravação original, mas a música era incrível, né? valia a pena manter. Ruth – e é problemático a gente encontrar o substituto, né? mas, eu usei muito nossa... Rose – eu também, usei muito, muito, muito... Amália – é... engraçado que eu cheguei a fazer um outro curso de musicalização, e eu entrei em choque, porque eu achei tão fechado, tão fechado em relação àquilo que a gente tinha absorvido de voce que eu n~]ao consegui terminar o curso. Engraçado, ne´? Porque é aquela coisa de manter aquele conceito fechado. Eu acho que para trabalhar com a musicalização infantil, trabalhar com criança, sensibilização corporal, voce tem que estar sempre dando tudo, para poder...sem teorizar muita coisa. Acho que na realidade é nos sentidos, eu trabalhei muito, muito com as fitas, aquela coisa das flautas, tem aquela parte acho que é o terceiro CD que tem as flautas, os vários timbres, não é? Trabalhei muito e foi muito legal, expressando...foi muito legal. Rose – no meu caso, hoje eu trabalho com criança defeituosa, né? é bem difícil voce usar todo aquele material para trabalhar, então aí é onde aparece a necessidade de voce criar, uansdo o material de uma forma adaptada, né? então o que é que a gente faz...nós usamos, fazemos sim algumas coisas nós fazemos em classe, mas de uma forma bem diferente, porque eles não mexem as pernas, não batem os pés, n~]ao batem palma, é complicado, né? então voce faz com a boca, faz com o som, com a cabeça, muda essa coisa, mas a gente usa o material. Essa coisa de relaxamento é o que mais a gente usa, porque é a única coisa que está mais fácil da gente estar fazendo, ne´? Flávio – eu senti dificuldade lá na AACD de usar o material, aí eu não fiquei insistindo. Mas eu estou vendo agora lá na casa do Dener por exemplo, né? que fazer aquela “história da estrelinha” era possível. Rose – ah... eu fiz, não sei se voce percebeu na hora que voce começou trabalhar com ele, como ele já estava acostumadinho...a hora que começa a aula ele já começa...porque eu comecei fazer esse relaxamento no começo, sabe? Eu cheguei assim, pronto, eu cheguei e eles já ficavam quietinhos, já ficavam sabe...e a mãe falou: “ele acordou e...” de manhã cedo ela ligou o rádio baixinho e a música começou e ele já começou...e ela falou : “ué? Que é que está acontecendo?” porque eu comecei a fazer em sala com eles essa parte do relaxamento...aquela coisa de movimento, fazer o vento , a florzinha, e essas coisas assim é que dá para fazer. Então, até hoje na Moóca eu faço muito um trabalho escolar e eu sempre estou pegando ele...por isso que é legal esse curso, é que nem a Enny falou: voce não precisa seguir a linha, ter que fazer de uma forma, ou seja, seguir; voce pode fazer e acontecer, pegar hoje uma coisa e amanhã voce faz outra, e é bem legal. E é isso que eu...que eu.. nesse curso...que nem eu falei no começo, eu me sentia assim insegura, né, porque eu tinha muito medo...o que é que eu vou fazer?...o que eu vou elaborar para essas crianças?...tem vários cursos que nós fizemos na AACD. Mas essa parte da música, a musicalização é uma coisa super difícil de ser trabalhada: nós temos pacientes que mexem um dedo!...pacientes que não mexem, nem falam!...então voce tem que trabalhar com essa criança...então essa coisa de fita e de CD o que eu trabalhei mais foi a parte de ouvir, e é bem legal, tá? Hoje mesmo eu trabalhei com a parte de timbre, aí entrou a diretora e falou: “ué, mas eles estão tão bons assim?” mas porque? eu venho trabalhando essa parte de ouvido, eles não sabiam o

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que era ouvir, então quando ela ouviu eles dizendo “é xis e tal.. é o instrumento tal...”ela ficou boquiaberta com o moleque. Como é que eles sabem que isso é um Violino, um Cello, no meio de tanto instrumento? Então quer dizer, está tendo um bom aproveitamento do material, mesmo de uma forma que nem eu te falei adaptada porque o nosso caso é um caso de inter relação, não essa coisa de ouvir mas essa coisa de fazer o movimento. Até mesmo essa parte do relaxamento, cada vez eu faço uma loucura, eu acredito em voce , né? fazer essa coisa de língua...então acaba a gente fazendo esse tipo de coisa. E é engraçado, sabe? Aqueles que só ficam bocejando...ah...então as vezes entra algum terapeuta e diz : “o que é que está acontecendo por aqui?” está todo mundo aahh..(produzindo ruídos), porque é legal, então eu acho assim que está sendo muito bom, estou gostando de trabalhar com esee material e espero trablhar mais eh...até comentei com a nossa coordenadora, se eu poderia sentar eles no chão, porque está difícilo ali...tirar a criança de uma cadeira de rodas e sentar no chão. Mas...eu estou gostando, eu pretendo esse ano, se eu continuar, eu pretendo ficar na AACD, apesar de estar morando longe, exatamente para mim ver até onde eu posso trablhar com esse material, e até gostaria de fazer o Orff, porque eu acho que para mim na Móoca seria assim em cima, com as crianças maiores da Quarta série. Voce concorda? (eprgunta para a Ruth) voce que trabalhou com as crianças, tem uma experiência bem mais do que eu aí no escolar, na central.então eu acho que o que está me faltando eu sinto isso, uma necessidade de fazer sim, os cursos, né? Aquele mesmo a gente tem que repetir aquelas coisas, com mudanças de repertório, mudanças de pequenas estratégias para continuar vivenciando... Ruth – é...eu não acho que é ruim até repetir porque sempre aparece, né? novidades Amália - É verdade... Ruth - Se o grupo é diferente também necessariamente acaba ficando diferente. As vezes, uma pessoa muda o grupo completamente. Amália – é verdade... é verdade... Ruth – fora que foi gostoso, nè? foi uma delícia, né? Amália – Nossa!!..foi um curso muuuito dez Ruth – eram 6ªs a tarde maravilhosas (risos) Amália – é verdade... Ruth – eu adorei Amália – as crianças...sabe o que eles gostavam muito também? E gostam...é aquela coisa da fixação da letra, lembra? Que voce brincava com a letra? Para aprender a letra... Amália –Isso, gente eles vi-a- jam!...eles viajam... Ruth – letra chorando, letra rindo, letra bravo... Amália – é , e nossa, e assimilam assim, né? “rapi-10”, “rapi-10”...muito legal. Eu tenho saudades do curso...juro...(risos) Ruth - é muito legal...(risos) Que sugestões voce faria para aprimorar a Metodologia de Iniciação e sensibilização musical com vistas ao aprimoramento da formação dos professores participantes dos cursos? Ruth – eu acho assim olha, que...talvez, eh... a gente pudesse ter uma eu acho que isso poderia ser bastante...ou outra atividade de leitura mais sitemática, eu acho. Fundamentação teórica? Ruth – É. Eh..eu acho que isso poderia ser abstante...porque no que diz respeito à viv~encia, eu acho que não dá para falar nada. Se tiver alguma coisa para falar, alguma sugetão etal, da minha parte eu acho que seria

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isso, talvez a gente pudesse Ter uma leitura ou outra mais sistemática que propiciasse a discussão e os debates, né? Flávio – mas essa diferença de repertório, em dar repertório, de leitura e fundamentos teóricos foi justamente entre o escolar e o pré-escolar, eu achei que para o pré-escolar essa viv|~encia sem uma preocupação de aprendizado de fato, mas de uma vivência lúdica com a música era o que era necessário no pre-escolar. No escolar eu uso esse material de aprendizado, de leitura, de repertório. eu achei que para a musicalização está excelente, eu não teria nada a ... Amália – É eu acho assim, essa de, de... teórico, talvez para fazer um paralelo, não sei...sobre os vários pedagogos e sobre os sistemas, sabe? De sensibilização, eu acho que isso, ( gravação interrompida)... Nem todos os grupos daria para trabalhar isso, aquele grupo específico eu acho que daria, o pessoal teria condição de debater mais sobre cada pedagogo e fazer um paralelo com o que se está fazendo. Eu acho que só isso por que de resto...o curso foi realmente maravilhoso, me deu realmente diretrizes do que eu estava fazendo, que era por aqui, realmente me deu diretrizes. E isso foi tão forte em mim que eu não consegui mais aceitar outra coisa, trabalhar de uma outra forma, eu me identifiquei tanto com aquele processo que eu não consegui trabalhar de outra forma Essa parte, o aprofundamento teórico...a discussão sobre como montar o currículo, a comparação de métodos, exigiria um outro horário, mais uma disciplina, na verdade, porque eu tinha a preocupação grande de conseguir transmitir o que era a metodologia de sensibilização. Voce vê que o tempo era justo, era curto, a gente queria ler e não dava tempo porque aquela coisa era premente, de aproveitar o tempo para viver coisas, né? Teria que Ter uma duração bem maior, eu acho, o curso, para esse processo de reflexão, leituras, debates e colocar outras metodologias em jogo acontecer de fato. Ruth – É, acho que teria que ter um tempinho a mais , para essa intercalamdo, tem que...eu falo assim do meu ponto de vista,aho que até por uma questão de formação, né? e tal, mais acadêmica e tal, né? Não mas é certo que precisa, ainda mais que esse tipo de atividade que eu faço tende a se misturar muito com coisas intuitivas, nós estamos na nova era, faz aquel bolo, de repente voce tem que fundamentar mesmo o que ér a sensibilização, qual é a importância de tocar no corpo de uma criança, qual a importância do toque, quais são os efeitos dfe ouvir música concentradamente...são coisas que tem-se que fundamentar. Ruth – porque a gente vivencia muito, passa muito pela questão do intuitivo, da percepção, né? da sensibilidade, e tal, mas existe uma fundamentação teórica. Existe, eu agora estou tratando de fazer isso no mestrado. Amália – eh...inclusive, tem uma fundamentação? Muito. Amália - quem trabalha sabe que tem uma fundamentação, mas muitas vezes pode passar a olhos grossos assim: “poxa, voce só brinca...” , né? a realidade não é essa, agente sabe, cada coisa tem o seu objetivo, e foi até um debate que eu fiz num curso depois, justamente defendendo essa parte de sensibilização. Gente, a brincadeira, toda brincadeira tem um intuito, toda brincadeira. E toda brincadeirta tem o objetivo dela. Toda brincadeira. Então, eh...e foi o que eu comecei a w2uestionar, né? pra a gente não ser tão teórico, tão teórico. Então talvez esse paralelo que a gente fizesse com outras metodologias concentraria mais, embasaria mais o que é o trabalho. A gente sente que é muito importante, pelo menos é isso que eu sinto, que é muito importante, euvejo qual é o objetivo e vejo qual é o resultado. E é muito legal acho que valia até a pena dar uma estudada sobre isso, porque...foi muito legal, muito legal. Boa sugestão. Ruth – agora tem que segurar ela porque ela não pode comer doce, hein.. Rose – não tenho nada a crescentar não. Minhas perguntas eram essas. Se voces quiserem ainda complementar com alguma coisa o papo está aberto... Amália – eh...a sensação que eu tenho desse curso é como se estivesse assim, quebrando couraças para alguma coisa, para a gente chegar no interior da gente. É bem isso que eu sinto e quando eu trabalho com as crianças, parece que o trabalho de sensibilização vai sempre para esse caminho: quebrando couraças para eles chegarem em contato com eles mesmos. Então acho que é um trabalho ma-ra-vi-lho-so.

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Então ai voce praticamente me respondeu a imagem mental que voce conserva da experiência... Faltou só voce responder a segunda Amália...para voce qual foi o aspecto mais marcante desse curso? Que voce experienciou no curso... Amália – eh...tiveram dois que me marcaram muito: o primeiro foi aquele negócio dos povos, né? que foi uma coisa que foi muito legal para mim e o segundo foi quando voce colocou um tango e que a sensualidade, a minha, n~]ao sei eu interiorizei tanto, mas a minha sensualidade jorrou, foi um trabnalho que eu curti muito, aquele dia eu saí com o meu ego lá em cima, polidíssimo, eu era a mulher mais maravilhosa do mundo, porque realmente aquele dia foi muito legal.eu lembro assim da sensação que eu tinha de me olhar no espelho sabe, então para mim, como Amália, né? como Amália, como mulher, foi uma sensação muito legal. foram dois pontos que me marcaram, que quando eu lembro, eu lembro com saudades. Foi o mesmo dia que eu dancei com o Flávio? Amália – foi (risos) marcante, né?, foi demais... (Risos) Rose - Com certeza foi, né? Amália – como fim, voce dançou com o Flávio...(risos) Ruth – foi ótimo.. Eu estava captando as suas energias... Amália – talvez o canal tenha sido direto. (risos) Legal gente, muito obrigada, voces vão me ajudar muito com essas respostas. Flávio – é para a tese, Enny? É, eu estou levantando os aspectos mais importantes da metodologia que eu suponho que seja isso, suponho que seja aquilo e voces estão confirmando e trazendo outras coisas. Ruth – por exemplo uma das brincadeiras, uma das coisas que eu fiz muito com as crianças e que me impressionou demais a capacidade de absorção delas por causa do ritmo como a coisa é feita, né? foi aquela brincadeira de estátua, por exemplo, depois eu usei uma ou outra daquele CD, aquelas músicas que voce colocou, e depois gravei outras, e tal, né? e como tem crianças com deficiências motoras muito graves, com dificuldades múltiplas de responder a qulaquer atividade rítmica, eh... impressionante, levou um ano, mas no final do ano eles brincavam perfeitamente da brincadeira de estátua. Qual ? aquela de parar a música? E ficar no local, eles faziam com os braços? Ruth – com instrumento. Com instrumento... Flávio - Toca enquanto toca a música e quando para a música para o isntrumento? Ruth - São crianças com graves deficiências motoras, graves dificiências auditivas, visuais, teve criança com deficiência múltipla, né? Então, eu só estou dando um exemplo, né? de como essa metodologia é poderosa, por que isso, a criança com esse gráu de deficiência, traz um monte de aspectos neurológicos, de constituição, né? de desenvolvimento, de se centrar, de ser capaz de desenvolver o raciocínio lógico, né? eh...muito grandes, né eles não teriam essa oportunidade se não fosse através da música Que legal, né... Amália – Bom, aliás, eu acho que o trabalho com voce – depois eu comecei a fazer Pós em musicoterapia e depois eu vi que esse trabalho...

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Flávio – Na Carlos Gomes? Amália – não, foi na Faculdade Paulista de Arte, eesse trabalho é muito fundamentado em Musicoterapia, é puramente, é musicoterapia pura. Rose – e muito importante... Amália – porque é assim voce está mexendo com o tal do (falha na gravação) e isso é cultural, quer dizer, voce está mexendo realmente com todos os princípios da musicoterapia. Tá, agora eu que tenho que estudar musicoterapia Amália – Não, e assim também ª..o que acontecia dentro de sala de aula, as crianças traziam coisas, dados emocionais muito fortes. Alguma coisa que algum trabalho que eu fazia de repente desencadeava uma criança chorando, mas não por frustração, pelo momento, né? Assim... teve um dia que um menino falou...começou chorar, né? e eu não sabia o que é que era que o menino estava chorando, e ele falava “o vidro, o espelho, meu pai” eu tive que para o trabalho, separei o menino como ele estava muito angustiado, deixei ele sentado no colo, continuei o trabalho, dispensei as crianças antes e eu conversei com ele. Inclusive voltou a emoção, ele falou – estava muito confusa a idade dele a ... ª.. a consciência dele. Eu levei isso para a Psicopedagoga da escola e ela havia me dito que o menino tinha visto o pai cheirando cocaína, tinha chegado, chegando drogado de cocaína, tinha jogado um vidro, um litro de whisky num bar que tinha um espelho. Em cima disso a gente começou a trabalhar. E isso não aconteceu só com ele conateceu com outras crianças, não sempre, é lógico, mas acontecia, de uma criança sair chorando. Aí a gente ía lá ía ver o que estava acontecendo. É uma coisa muito forte, eu não sabia disso e num dos trabalhos de dança espontânea ele trouxe isso. Incrível, né?

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POSTLÚDIOPOSTLÚDIOPOSTLÚDIOPOSTLÚDIO Ruth – é...eu não acho que é ruim até repetir (o curso) porque sempre aparece, né? novidades... Amália - É verdade... Ruth - Se o grupo é diferente também necessariamente acaba ficando diferente. Enny - As vezes, uma pessoa muda o grupo completamente. Amália – é verdade... é verdade... Ruth – fora que foi gostoso, né? foi uma delícia, né? Amália – Nossa!!.. foi um curso muuuuuuito dez !!... Ruth – eram 6ªs a tarde maravilhosas... (risos) Amália – é verdade... Ruth – Eu adorei. Amália – as crianças...sabe o que eles gostavam muito também? E gostam...é aquela coisa da fixação da letra, lembra? Que voce brincava com a letra? Enny - Para aprender a letra? Amália –Isso, gente eles vi- a- jam!...eles viajam!!... Ruth – letra chorando, letra rindo, letra bravo...

Amália – é , e nossa, e assimilam assim, né? “rapi-10”, “rapi-10”...muito legal. Eu tenho saudades do curso...juro...(risos)

Ruth - é muito legal...(risos) (risos...risos...risos...risos...)