ensino da lingua portuguesa

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Rua Dr. Moacir Birro, 663 Centro Cel. Fabriciano MG CEP: 35.170-002 Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: [email protected] BIBLIOGRAFIA PARA O CURSO DE ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA Selecionamos para você uma série de artigos, livros e endereços na Internet onde poderão ser realizadas consultas e encontradas as referências necessárias para a realização de seus trabalhos científicos, bem como, uma lista de sugestões de temas para futuras pesquisas na área. Primeiramente, relacionamos sites de primeira ordem, como: www.scielo.br www.anped.org.br www.dominiopublico.gov.br SUGESTÕES DE TEMAS 1. DISCURSO, ESTILO E SUBJETIVIDADE 2. INTERPRETAÇÃO, AUTORIA E LEGITIMAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO: língua materna e língua estrangeira 3. LETRAMENTO: um tema em três gêneros 4. A IMAGEM E SUAS FORMAS DE VISUALIDADE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS 5. PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA: perspectivas 6. PORTUGUÊS OU BRASILEIRO? Um convite à pesquisa 7. LETRAMENTO E HETEROGENEIDADE DA ESCRITA NO ENSINO DE PORTUGUÊS 8. O ENSINO DE PORTUGUÊS: intenção e realidade 9. ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: caminhos para a prática pedagógica 10. CONCEPÇÃO DE LÍNGUA FALADA NOS MANUAIS DE PORTUGUÊS DE IO E 2O GRAUS: uma visão crítica 11. GRAMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 12. O ENSINO DE LÍNGUAS NO BRASIL

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    BIBLIOGRAFIA PARA O CURSO DE ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA

    Selecionamos para voc uma srie de artigos, livros e endereos na Internet

    onde podero ser realizadas consultas e encontradas as referncias necessrias

    para a realizao de seus trabalhos cientficos, bem como, uma lista de sugestes

    de temas para futuras pesquisas na rea.

    Primeiramente, relacionamos sites de primeira ordem, como:

    www.scielo.br

    www.anped.org.br

    www.dominiopublico.gov.br

    SUGESTES DE TEMAS

    1. DISCURSO, ESTILO E SUBJETIVIDADE

    2. INTERPRETAO, AUTORIA E LEGITIMAO DO LIVRO DIDTICO: lngua materna e lngua estrangeira

    3. LETRAMENTO: um tema em trs gneros

    4. A IMAGEM E SUAS FORMAS DE VISUALIDADE NOS LIVROS DIDTICOS DE PORTUGUS

    5. PORTUGUS LNGUA ESTRANGEIRA: perspectivas

    6. PORTUGUS OU BRASILEIRO? Um convite pesquisa

    7. LETRAMENTO E HETEROGENEIDADE DA ESCRITA NO ENSINO DE PORTUGUS

    8. O ENSINO DE PORTUGUS: inteno e realidade

    9. ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: caminhos para a prtica pedaggica

    10. CONCEPO DE LNGUA FALADA NOS MANUAIS DE PORTUGUS DE IO E 2O GRAUS: uma viso crtica

    11. GRAMTICA DA LNGUA PORTUGUESA

    12. O ENSINO DE LNGUAS NO BRASIL

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    13. GRAMTICA DA LNGUA PORTUGUESA

    14. ORIENTAES DA LINGUSTICA MODERNA

    15. LIVRO DIDTICO DE LNGUA PORTUGUESA, LETRAMENTO E CULTURA DA ESCRITA

    16. INFLUNCIA DA FALA NA ALFABETIZAO

    17. CONTAR (HISTRIAS DE) SLABAS: descrio e implicaes para o ensino do portugus como lngua materna

    18. A EXPANSO DA LNGUA PORTUGUESA NO ORIENTE DURANTE OS SCULOS XVI, XVII E XVIII: com nove gravuras soltas

    19. A NORMA OCULTA: lngua e poder na sociedade brasileira

    20. O ENSINO DE PORTUGUS PARA ESTRANGEIROS NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

    21. OFICINA DE LINGUSTICA APLICADA: a natureza social e educacional dos processos de ensino/aprendizagem de lnguas

    22. A LNGUA FALADA E O ENSINO DE PORTUGUS

    23. GNEROS DO DISCURSO E GNEROS TEXTUAIS: questes tericas e aplicadas

    24. A ORGANIZAO DO TEXTO DESCRITIVO EM LNGUA PORTUGUESA

    25. AULA DE PORTUGUS: discurso e saberes escolares

    26. METODOLOGIA E PRTICA DE ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA

    27. ENSINO DO PORTUGUS E INTERATIVIDADE

    28. ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA E CONTEXTOS TERICO-METODOLGICOS

    29. O ENSINO DE PORTUGUS PARA ESTRANGEIROS: pressupostos para o planejamento de cursos e elaborao de materiais

    30. CONCEPES DE LINGUAGEM E ENSINO DE PORTUGUS

    31. A ESTRUTURA MORFO-SINTTICA DO PORTUGUS: aplicao do estruturalismo lingustico

    32. PORTUGUS NA ESCOLA: histria de uma disciplina curricular

    33. GRAMTICA ESCOLAR DA LNGUA PORTUGUESA: para o ensino mdio e cursos preparatrios

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    34. PRAGMTICA LINGUSTICA E ENSINO DO PORTUGUS

    35. LIES DE PORTUGUS PELA ANLISE SINTTICA

    36. LNGUA PORTUGUESA: histria, perspectivas, ensino

    37. ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS

    38. ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA

    39. GNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA

    40. CRENAS DE PROFESSORES DE PORTUGUS SOBRE O PAPEL DA GRAMTICA NO

    41. MISTURA BRASIL: o ensino de lngua portuguesa nas sries iniciais

    42. CONSIDERAES SOBRE O ENSINO DE PORTUGUS PARA SURDOS

    43. ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA: interligao entre leitura

    44. QUAL O PAPEL DA GRAMTICA NO ENSINO DA LNGUA

    PORTUGUESA

    45. LETRAMENTO, VARIAO LINGUSTICA E ENSINO DE PORTUGUS

    46. O ENSINO DE PORTUGUS COMO LNGUA NO-MATERNA

    47. ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA: uma perspectiva lingustica

    48. A INTERTEXTUALIDADE E O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA

    49. NOVAS PRTICAS MELHORAM ENSINO DA LNGUA ESCRITA

    50. O LDICO NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LNGUA PORTUGUESA

    51. O ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA NO ENSINO SUPERIOR

    52. DIVERSIDADE LINGUSTICA E ENSINO DE PORTUGUS

    53. METODOLOGIA DO ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA: um enfoque

    54. O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA EM DEBATE: problemas e

    perspectivas

    55. POLTICA DE ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA E PRTICA

    DOCENTE

    56. O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA E OS PCN

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    57. INVESTIGAO E ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA: reflexo terica

    58. ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA NA EJA: os gneros argumentativos

    59. LINGUSTICA E ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA

    60. ERROS DE ESCOLARES COMO SINTOMAS DE TENDNCIAS LINGUSTICAS NO PORTUGUS DO RIO DE JANEIRO

    61. LINGSTICA E ENSINO DO PORTUGUS

    62. O PORTUGUS CULTO FALADO NO BRASIL: histria

    63. LNGUA E LIBERDADE

    64. POR QUE (NO) ENSINAR GRAMATICA NAS ESCOLAS

    65. O ESTRUTURALISMO LINGUSTICO: alguns caminhos

    66. O EMPREENDIMENTO GERATIVO

    67. INTRODUO LINGUSTICA: fundamentos epistemolgicos.

    68. ESTRUTURA E FUNO DA LINGUAGEM

    69. NOVOS HORIZONTES EM LINGUSTICA

    70. TRINTA ANOS DE SINTAXE GERATIVA NO BRASIL

    71. ANLISE DO DISCURSO

    72. ESTUDOS FUNCIONALISTAS NO BRASIL

    73. A GRAMTICA FUNCIONAL.

    74. A LINGUSTICA INDGENA NO BRASIL

    75. LINGUAGEM E ENSINO: exerccios de militncia e divulgao.

    76. LEITURA: ensino e pesquisa

    77. TEXTO E LEITOR: aspectos cognitivos da leitura.

    78. OFICINA DE LEITURA: teoria e prtica.

    79. O TEXTO E A CONSTRUO DOS SENTIDOS

    80. DESVENDANDO OS SEGREDOS DOTEXTO

    81. PRINCPIOS DO SISTEMA ALFABTICO DO PORTUGUS DO BRASIL

    82. NADA MAIS GRATIFICANTE DO QUE ALFABETIZAR

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    83. SUBSDIOS PROPOSTA CURRICULAR DE LNGUA PORTUGUESA PARA O 2 GRAU

    84. PARA LER E FAZER O JORNAL NA SALA DE AULA

    85. O TEXTO NA SALA DE AULA

    86. A COESO TEXTUAL

    87. DA FALA PARA A ESCRITA: atividades de retextualizao

    88. OS HUMORES DA LNGUA: anlises lingusticas de piadas

    89. DRAMTICA DA LNGUA PORTUGUESA: tradio gramatical, mdia e excluso social

    90. UMA VISO SOCIOCOGNITIVA DA AVALIAO EM TEXTOS ESCOLARES

    91. O APORTE SOCIOCOGNITIVO PARA A PRODUO E O PARTILHAMENTO DE LINGUAGEM E CONHECIMENTO

    92. OS ASPECTOS SOCIOCOGNITIVOS DAS INTERAES MEDIADAS PELAS TAREFAS ESCOLARES

    93. UM ESTUDO DE CASO: A RESPOSTA "CERTA" COMO CHECAGEM DE INTERNALIZAO DE MCI

    94. EM TERRA DE SURDOS-MUDOS (UM ESTUDO SOBRE AS CONDIES DE PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES)

    95. O JOGO DISCURSIVO NA AULA DE LEITURA: lngua materna e lngua estrangeira

    96. TEORIAS E CONCEITOS EM LINGUSTICA COGNITIVA: (in)compreenses

    97. SOCIOLINGUSTICA INTERACIONAL: antropologia, lingstica e sociologia em anlise do discurso

    98. LEITURA COMPREENSIVA: um estudo de caso

    99. O APRENDIZADO DA LEITURA

    100. ESTUDOS EM ALFABETIZAO: retrospectivas nas reas da psico e da sociolingustica

    101. TEXTO E LEITOR: aspectos cognitivos da leitura

    102. LEITURA: ensino e pesquisa

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    103. A CONFIGURAO DAS ARENAS COMUNICATIVAS NO DISCURSO INSTITUCIONAL: professores versus professores

    104. PROBLEMAS DE REDAO

    105. SOBRE DISCURSO E TEXTO: imagem e/de constituio

    106. SOBRE A ESTRUTURA DO DISCURSO

    107. GRAMTICA E INTERAO: o enquadre programtico da hiptese scio-cognitiva sobre a linguagem

    108. A QUESTO DA CONSTRUO DO SENTIDO E A AGENDA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM

    109. RAZO, REALISMO E VERDADE: o que nos ensina o estudo scio-cognitivo da referncia

    110. O CONFLITO DE VOZES NA SALA DE AULA

    111. O JOGO DISCURSIVO NA AULA DE LEITURA: lngua materna e lngua estrangeira

    112. CONHECIMENTO TCNICO E ATITUDE NO ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA

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    ARTIGOS PARA LEITURA, ANLISE E UTILIZAO COMO FONTE OU REFERENCIA

    Portal da Estao da Luz da Lngua Portuguesa

    LINGUSTICA E ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA

    Rodolfo Ilari (Unicamp)

    Introduo

    Datadas de 1957, as primeiras reflexes de um lingista brasileiro sobre o ensino da

    lngua esto contidas num ensaio de Joaquim Mattoso Cmara Jr. cujo ttulo todo

    um programa "Erros de Escolares como Sintomas de Tendncias do Portugus no

    Rio de Janeiro". Nele se afirmava, com toda a clareza possvel, que muitos erros

    encontrados pelos professores de ensino fundamental e mdio na fala e na escrita

    de seus alunos, nada mais eram do que inovaes pelas quais estava passando a

    lngua portuguesa falada na poca; o texto de Mattoso Cmara sugeria tambm que

    era equivocado tom-los como sintoma de outra coisa - por exemplo de alguma

    incapacidade fundamental dos prprios alunos - e recomendava que, ao lidar com

    suas classes de crianas e adolescentes, nossos mestres do ensino fundamental e

    mdio tomassem a situao lingstica ento vigente no Brasil como pano de fundo

    do ensino de lngua materna.

    No contexto dos anos 1950, a mensagem de Mattoso Cmara era altamente

    inovadora. Ela se baseava nos pressupostos de uma cincia recm-introduzida no

    Brasil - a Lingstica - e interpretava de maneira totalmente nova uma situao

    pedaggica que se tornava cada vez mais freqente por causa da chamada

    "democratizao do ensino", que ia promovendo o ingresso macio de crianas e

    adolescentes das classes populares numa escola at ento fortemente elitizada. Os

    dois processos aqui aludidos - a presena cada vez mais numerosa de alunos

    provenientes da classe popular no ensino fundamental e mdio e a difuso nesse

    mesmo ensino de idias originadas na lingstica - continuam at nossos dias. Nas

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    prximas pginas, falaremos do segundo, tentando explicar como a cincia

    lingstica se mostrou relevante para o ensino de lngua materna.

    Nos cerca de cinqenta anos que nos separam do texto de Mattoso Cmara, a

    Lingstica brasileira foi uma disciplina extremamente dinmica:

    1) criou na sociedade brasileira uma nova figura de pesquisador profissional da

    linguagem - o lingista - que acabou por assumir parte das tarefas antes confiadas

    s figuras tradicionais do gramtico e do fillogo;

    2) cultivou o debate entre vrias orientaes tericas, o que levou a multiplicar as

    maneiras de pensar a lngua e seu estudo; isso repercutiu no estudo da lngua

    portuguesa estimulando pesquisas que, tomadas em seu conjunto, criaram para

    essa lngua um programa de investigao sem precedentes em todos os tempos;

    3) serviu de suporte para a assimilao de uma srie de teorias sobre fenmenos

    em que a lngua se envolve: a cognio, a capacidade humana de agir e interagir,

    todo tipo de ao pedaggica, etc.

    1. "Vulto solene, de repente antigo": o fillogo e o gramtico

    At a criao das primeiras disciplinas universitrias de Lingstica, ocorrida nos

    primeiros anos da dcada de 1960, o estudo da lngua ficava por conta de duas

    figuras de profissionais: o fillogo e o gramtico. A Filologia tem suas origens no

    Humanismo e na Renascena, e comea com a atividade de alguns grandes

    estudiosos das literaturas grega e latina, como o poeta italiano Petrarca, o filsofo

    holands Erasmo de Rotterdam ou o historiador portugus Damio de Gis. Nasceu

    do esforo de compreender os textos da antiguidade clssica e, alm de

    desenvolver mtodos e tcnicas destinados a recuperar a forma original dos textos

    que ainda sobreviviam, reuniu uma enorme massa de conhecimentos lingsticos e

    histricos necessrios para a sua compreenso.

    Assim como existe uma Filologia clssica, existe uma Filologia portuguesa: a

    cincia que nos permite interpretar os documentos mais antigos de nossa lngua,

    que foram escritos em Portugal a partir do sculo XII. Nesse tipo de estudo, como se

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    pode imaginar, as informaes histricas e a anlise minuciosa dos textos antigos

    tm um papel preponderante. At o incio da dcada de 1960, no Brasil, a presena

    de disciplinas de Filologia era um dos pontos altos dos bons cursos de Letras.

    Assim, um aluno da Universidade de So Paulo passaria provavelmente boa parte

    de seu curso estudando linha por linha algum texto medieval, como a Vida de So

    Bernardo ou os Cancioneiros que renem as cantigas dos trovadores medievais. Ao

    final de quatro anos, imbudo de Filologia portuguesa, ver-se-ia defrontado com a

    profisso de professor secundrio, onde se enfrentam problemas bem menos

    doutos, por exemplo o de ensinar alunos recm sados do primrio e mal

    alfabetizados a ler em voz alta.

    A Gramtica, como se sabe, nasceu entre os gregos como uma espcie de prima

    pobre da Retrica, esta ltima uma disciplina bem mais prestigiada num mundo em

    que o sucesso pessoal dependia da capacidade de expressar-se publicamente e de

    convencer "na lbia" os interlocutores. Ao longo de sua histria, a Gramtica foi

    sempre uma disciplina normativa, isto , uma disciplina que dizia como devem

    expressar-se as pessoas "bem criadas". Embora alguns grandes professores

    universitrios tenham sido ao mesmo tempo gramticos e fillogos (o caso mais

    clebre o de Celso Cunha, autor com o portugus Lus Felipe Lindley-Cintra de

    uma gramtica que at hoje uma referncia importante), as "boas" universidades

    da dcada de 1960 evitavam em sua maioria o ensino de Gramtica. De acordo com

    a concepo ento vigente, a Gramtica de uma lngua era um conjunto de receitas

    para a expresso correta e, supostamente, os alunos de uma boa universidade

    saberiam expressar-se de maneira correta e elegante desde o curso colegial. Aqui,

    sim, o estudo sistemtico de Gramtica era uma atividade central, junto com a

    prtica da anlise sinttica. Em 1957, depois de alguns anos de discusses, uma

    comisso de estudiosos criada por iniciativa oficial havia aprovado em carter de

    recomendao a Nomenclatura Gramatical Brasileira (a NGB), e muitos compndios

    de Gramtica que utilizavam a nomenclatura recomendada foram publicados (ou

    republicados) na esteira desse processo. No "colegial" da poca, o estudo de

    Gramtica consistia em ler na seqncia todos os captulos de um desses

    compndios, onde cada "regra" vinha acompanhada de uma lista mais ou menos

    longa de exemplos descontextualizados e de uma lista mais ou menos longa de

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    excees. Um tratamento anlogo era dado ao estudo da acentuao grfica e, at

    onde era possvel, grafia. A prtica da anlise sinttica se fazia tambm base de

    sentenas descontextualizadas (sobretudo quando tinha a finalidade de exemplificar

    a aplicao das regras); mas em alguns casos, era colocada a servio da anlise de

    textos, sobretudo quando era encarada como uma etapa necessria para a

    compreenso de autores como Cames ou Vieira, clebres por seus perodos

    gramaticais complexos e cheios de inverses em relao "ordem direta" dos

    termos e das oraes.

    No ensino mdio como no superior, um dos pressupostos daquele tempo era,

    evidentemente, que a escola existia apenas para pessoas que conheciam e

    praticavam o portugus culto. Quando se adota esse pressuposto, as variedades

    no prestigiadas da lngua so ignoradas, e a diversidade lingstica lembrada, na

    melhor das hipteses, como parte da questo de definir uma pronncia padro.

    Nos anos que precederam a introduo da Lingstica no Brasil, essa questo - a

    definio de uma pronncia padro - esteve vrias vezes na ordem do dia: um

    congresso realizado em 1936 sob a inspirao de Mrio de Andrade e Manuel

    Bandeira tratou da pronncia que deveria ser adotada no canto lrico: Mrio de

    Andrade estava em campanha contra a maneira como o portugus era pronunciado

    pelos cantores de peras, que eram freqentemente estrangeiros ou que, mesmo

    sendo brasileiros, utilizavam sua prpria pronncia regional. Em 1957, um outro

    congresso, no qual teve um papel destacado Antnio Houaiss (o mesmo fillogo que

    idealizou o Dicionrio Houaiss), produziu "teses" que oscilavam entre duas posies

    contrrias: a que reconhecia a existncia de diferentes normas regionais e a que

    recomendava que o teatro adotasse como modelo a pronncia carioca,

    descarregada de certas especificidades muito marcadas, como a pronncia "chiante"

    dos esses finais. Essas iniciativas partiam de trs pressupostos que hoje nos

    parecem discutveis: que a lngua de um pas tem que ser uniforme, que o uso

    lingstico deve ser determinado por decises superiores e que tarefa dos

    especialistas decidir em nome da populao o que certo e o que errado, o que

    nobre e o que vulgar. Assim, os dois eventos foram planejados para ter

    repercusso: esperava-se, sobretudo para o segundo, que a variedade de pronncia

    apontada como exemplar para o teatro passaria naturalmente para o grande meio de

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    comunicao da poca, o rdio, e tambm para a televiso, que ento comeava a

    ser implantada nas grandes cidades; adotada em seguida pela escola, a pronncia

    recomendada unificaria linguisticamente o pas.

    2. O impacto da Lingustica

    No incio dos anos 1960, como vimos, a Lingstica comeou a ser ensinada como

    disciplina obrigatria nos cursos de Letras, e por esse caminho comearam a

    difundir-se no pas alguns pontos de vista inteiramente novos sobre lngua e

    linguagem. Pelas circunstncias histricas daquele momento, o Brasil conheceu a

    assim chamada Lingstica estrutural, que destacava como principal tarefa, no

    estudo de qualquer lngua, a depreenso de sua estrutura, a partir do

    comportamento lingstico observado.

    Para um estruturalista, a lngua no se confunde com as frases que as pessoas

    usam, nem com o comportamento verbal que observamos no dia-a-dia; , ao

    contrrio, uma abstrao, um conhecimento socializado que todos os falantes de

    uma comunidade compartilham, uma espcie de cdigo que os habilita a se

    comunicarem entre si. H uma estrutura lingstica a revelar sempre que as pessoas

    se comunicam atravs da linguagem, e isso vale para as grandes lnguas de cultura

    e para as lnguas politicamente menos importantes (por exemplo as que so faladas

    nas sociedades primitivas), para os comportamentos lingsticos que seguem o

    padro culto e para aqueles que a sociedade discrimina como incultos ou vulgares.

    Aplicadas situao brasileira, essas idias levaram, antes de mais nada, a

    perceber que, no espao comum do que reconhecemos como "o portugus

    brasileiro", convivem vrias "lnguas" no sentido estrutural do termo. At ento, os

    estudiosos faziam a respeito da lngua uma imagem de grande uniformidade; mas

    de repente, percebeu-se que essa suposta uniformidade era o efeito de uma

    deciso nada bvia e no fundo preconceituosa: a de considerar como objeto de

    estudo apenas a lngua-padro (e eventualmente os textos antigos, historicamente

    importantes, que constituram sempre a preocupao dos fillogos). O portugus-

    brasileiro no inclui apenas a lngua trabalhada esteticamente pelos grandes

    escritores, ou a expresso altamente formal dos documentos oficiais; abrange

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    tambm variedades regionais como o "dialeto" caipira, os falares do tapiocano e do

    guasca ou as grias dos malandros cariocas e dos seringueiros da Amaznia; inclui

    ainda diferentes variedades correspondentes estratificao scio-econmica da

    populao brasileira.

    Para um estruturalista, nenhuma dessas variedades intrinsecamente errada, pois

    falar em "erro" to estranho numa cincia que descreve o comportamento

    lingstico como o seria para um meteorologista condenar a chuva ou elogiar as

    frentes frias. Do ponto de vista da cincia da linguagem, nenhuma das variedades

    do portugus do Brasil menos nobre ou menos digna de estudo do que qualquer

    outra. Por isso, contrariando as preocupaes normativistas que predominavam na

    poca, a Lingstica estrutural afirmou com veemncia que a grande tarefa a ser

    cumprida pela prxima gerao seria a de descrever as regularidades observadas

    nas diferentes variedades de portugus existentes no pas, no a de apontar

    algumas variedades como "corretas" em detrimento de outras que seriam "erradas".

    Note-se que voltamos assim idia de Mattoso Cmara que mencionamos no incio

    deste texto: o que discriminado como erro, pode ser simplesmente uma diferena

    percebida entre os diferentes sistemas lingsticos que convivem no mesmo pas.

    No novo clima assim criado, tomou fora a idia de que, para descrever a realidade

    lingstica brasileira, seria preciso, antes de mais nada, document-la

    cuidadosamente. Disso se encarregaram vrias pesquisas dialetolgicas,

    paralelamente elaborao de atlas lingsticos regionais, muitos dos quais

    inspirados na experincia pioneira do Atlas Prvio dos Falares Baianos de Nlson

    Rossi (1960-62); cresceu o interesse pelas lnguas minoritrias - no s as dos

    indgenas, mas tambm o que sobrevivia das lnguas trazidas da frica, Europa e

    sia pelos escravos africanos e pelos imigrantes. A preocupao em documentar fez

    nascer alguns grandes projetos de coleta de dados, o mais clebre dos quais foi o

    Projeto de Estudo da Norma Urbana Culta, que teve entre seus inspiradores o

    lingista paulista Ataliba T. de Castilho. Conhecido pela sigla NURC, esse projeto

    centrou suas atenes nas cinco capitais brasileiras que contavam na poca com

    mais de um milho de habitantes (So Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e

    Porto Alegre) e, tirando partido do recurso de gravao de voz mais avanado da

    poca - o gravador porttil - gravou cerca de 1570 horas de entrevistas - um nmero

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    que ultrapassava em muito o que j havia sido feito na maioria dos pases

    desenvolvidos. O resultado desse enorme levantamento, feito apenas com

    informantes de nvel universitrio, confirmou o que os lingistas tinham desconfiado

    desde o incio, que ningum fala conforme recomendam os gramticos.

    Na dcada de 1980, o mesmo Ataliba T. de Castilho lanaria outro grande projeto de

    descrio: o Projeto da Gramtica do Portugus Falado. Em cerca de vinte anos,

    este ltimo projeto produziu uma vasta gama de estudos voltados para um pblico

    de especialistas, mas seu objetivo final dotar a sociedade brasileira de uma grande

    gramtica de referncia, que possa ser usada por pessoas comuns (no-

    especalistas) interessadas em conhecer como de fato a lngua que se fala neste

    pas. Essa gramtica ter por base os usos lingsticos documentados a partir da

    dcada de 1960 pelo projeto NURC, ser rigorosamente descritiva e ter por foco a

    lngua falada, rompendo com uma tradio de sculos em que a gramtica sempre

    tratou de lngua escrita, e os gramticos sempre disseram como a lngua deve ser, e

    no como de fato. Resultado de um trabalho coletivo de quase trs dcadas, a

    grande gramtica de referncia do portugus falado dever chegar s livrarias

    brevemente.

    De todas as prticas escolares, a que foi mais questionada no contexto criado pela

    Lingstica, foi a velha prtica do ensino gramatical. Entre outras coisas, lembrou-se

    que os verdadeiros objetos lingsticos com que lidamos no do dia-a-dia so sempre

    textos, nunca sentenas isoladas, e observou-se (com razo) que as gramticas tm

    muito pouco a dizer sobre esses objetos; mostrou-se que os gramticos descrevem

    uma lngua sem existncia real; e apareceram vrios livros que, desde o ttulo,

    caracterizavam o ensino gramatical como uma forma de opresso ou minimizavam

    seu interesse pedaggico: um ttulo de intenes polmicas, como o do livro de

    Celso Luft, Lngua e liberdade seria absolutamente impensvel algumas dcadas

    antes.

    Num primeiro momento, as novas idias encontraram uma forte resistncia entre os

    professores de portugus, porque o ensino da gramtica, entendido como um

    aprendizado de nomenclaturas e um exerccio de classificao, ocupava um espao

    muito grande no ensino de lngua materna. Hoje, o quadro pode ter mudado, no

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    sentido de que a polmica ganhou novos interlocutores, passando do ambiente

    escolar para a mdia: boa parte do professorado parece ter assimilado, pelo menos

    em teoria, a idia de que o ensinar lngua portuguesa muito mais do que ensinar

    gramtica, mas a defesa da posio normativista tem sido encampada pela televiso

    e pelos jornais, que multiplicaram os espaos dedicados casustica gramatical.

    inegvel, contudo, que a Lingstica realizou um importante deslocamento ao

    mostrar que possvel olhar para lngua por outros ngulos que no o da correo.

    3. Lingstica ou Lingsticas?

    Ao mesmo tempo que ia difundindo suas idias na escola e na sociedade, a

    Lingstica feita nas universidades brasileiras foi mudando.

    At certo ponto, as mudanas resultavam do fato de que os lingistas brasileros,

    quer desenvolvessem um tipo de investigao de natureza mais abstrata, quer se

    dedicassem descrio do portugus, foram-se interessando por objetos de estudo

    cada vez mais complexos. De fato, eles passaram, por assim dizer, do fonema para

    o morfema, deste para a sentena e da sentena para o texto, e acabaram

    deparando com problemas que exigiam um enfoque interdisciplinar, como as

    relaes entre lngua e sociedade, exploradas pela Sociolingstica, os valores

    ideolgicos veiculados pelos textos que circulam numa sociedade complexa,

    estudados pela Anlise do Discurso, o desenrolar das etapas iniciais da aquisio e

    os distrbios da linguagem, estudados por diferentes ramos da Psicolingstica, o

    papel da lngua em sociedades primitivas, estudados pela Etnolingstica e pela

    Lingstica Indgena. Mas alm de eleger nveis de estudo cada vez mais

    complexos, e interessar-se por objetos diversificados, a Lingstica passou tambm

    por profundas mudanas de orientao terica. Os primeiros lingistas brasileiros

    trabalhavam, como vimos, no horizonte criado pelo estruturalismo; suas referncias

    eram, entre outras, o linguista suo Ferdinand de Saussure, que, no incio do

    sculo XX, lanou a noo de lngua como sistema, ou o lingista russo-americano

    Roman Jakobson, que deixou importantes trabalhos de inspirao estruturalista em

    reas que vo da Fonologia Gramtica, da aquisio da linguagem ao estudo da

    afasia.

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    Num segundo momento - que no exatamente um momento, mas sim um longo

    perodo que dura at hoje - a Lingstica brasileira assimilou os ensinamentos da

    gramtica gerativa de Noam Chomsky. As diferenas entre a lingstica chomskiana

    e a lingstica estrutural so grandes. Em primeiro lugar porque a lngua passa a ser

    concebida como um objeto matemtico. Em seguida, porque, quando se trata de

    formular um conceito de linguagem, Chomsky promove um deslocamento da esfera

    do social para a esfera do psicolgico e do biolgico. Para Chomsky, as lnguas so

    muito parecidas entre si, e so como so porque mobilizam uma capacidade inata

    que a mesma para todos os indivduos da espcie humana, e isso tem importantes

    reflexos para o processo da aquisio da lngua. Ao passo que os estruturalistas

    evitavam essa questo, ou acabavam por embarcar em algum tipo de behaviorismo

    (sugerindo que a lngua aprendida por um processo indutivo, no qual essencial a

    exposio a uma grande quantidade de dados), para o gerativista a aquisio da

    linguagem consiste essencialmente num processo de "fixao de parmetros". Mal

    comparando, podemos explicar essa noo dizendo que a criana que aprende sua

    lngua materna age como algum que configura um aparelho eletrnico dotado de

    alguma sofisticao tecnolgica, por exemplo, um telefone celular de ltima gerao,

    fazendo suas escolhas pessoais para as diferentes funes previstas no prprio

    aparelho; nessa comparao, o telefone celular, tal como sai da fbrica a nossa

    mente, e as vrias escolhas que podemos fazer para adapt-lo a nossas

    preferncias pessoais so os parmetros. A diferena que na aquisio da

    linguagem no podemos escolher a nosso bel-prazer: precisamos escolher a lngua

    que j usada por nossa comunidade. Segundo uma doutrina de Chomsky,

    conhecida como "doutrina da pobreza do estmulo", as crianas encontram a "lngua

    certa" a partir de estmulos muito precrios; uma outra doutrina inspirada em

    Chomsky e conhecida como "hiptese do bioprograma" afirma que esse aprendizado

    tem prazo para acontecer na vida das pessoas e, mais precisamente, que se d na

    primeira infncia. Juntas, essas duas hipteses parecem explicar algumas coisas

    que todos sabemos por experincia: numa idade bastante precoce, as crianas j

    dominam com grande maestria sua lngua (talvez no todo o lxico da lngua, talvez

    no algumas construes sintticas de uso literrio ou arcaizante), e as crianas

    aprendem qualquer lngua estrangeira com uma facilidade que no ser mais a

    mesma no adulto, no importa qual seja o mtodo de ensino usado. Isso d conta

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    de um sentimento que muito vivo para o professor de lngua: que sua tarefa

    diferente da dos mestres de outras disciplinas, porque estes ltimos respondem por

    uma verdadeira iniciao da criana num novo campo, ao passo que as crianas j

    so falantes de sua lngua quando chegam escola. Por esse caminho, em suma, a

    lingstica chomskiana levanta um problema nada fcil - o da especificidade do

    papel do professor de lnguas. No limite, chega-se a pensar que a lngua no

    ensinada, podendo no mximo ser aprendida, a partir de uma exposio correta a

    dados significativos, feita no momento certo da vida do educando.

    O prximo momento a considerar - e de novo convm lembrar que esse momento

    coexiste com outros - o do funcionalismo. O denominao "funcionalismo" j foi

    usado para indicar algumas orientaes estruturalistas que marcaram poca (por

    exemplo, a do francs Andr Martinet que teve seguidores no Brasil) ou as doutrinas

    da Escola Lingstica de Praga, seguidas entre ns por Mattoso Cmara Jr.; por isso

    torna-se necessrio alertar que a usaremos aqui num sentido diferente, referindo-

    nos a uma srie de orientaes recentes que incluem desde os trabalhos do

    holands Simon Dik at os americanos Talmy Givn e Ronald Langacker. O que

    permite incluir todos esses autores na "frente ampla" do "funcionalismo"? Antes de

    mais nada, o fato de que desenvolveram sua obra margem do gerativismo

    chomskiano, e s vezes em franca oposio a ele. Trata-se, com efeito, de autores

    que, de maneira mais ou menos direta, acusam a gramtica gerativa de ter criado o

    hbito de considerar um nmero relativamente limitado de fenmenos sintticos

    sobre os quais se procura dizer muito, deixando de lado reas de investigao

    igualmente importantes - como a significao e competncia para interagir

    verbalmente com nossos semelhantes - sobre as quais se tende a no dizer nada.

    Assim, um dos propsitos do funcionalista fazer da lngua uma descrio

    abrangente, que no exclua, por princpio, nenhum dos aspectos da atividade verbal.

    Outro objetivo do funcionalista explicar as caractersticas formais da lngua atravs

    das funes que exercem; essa concepo de linguagem remonta assim chamada

    "Escola Lingstica de Praga", particularmente a seus representantes anteriores

    segunda guerra mundial, mas foi retomada na segunda metade do sculo XX pelo

    lingista ingls M.A.K. Halliday, e o levou a perceber que qualquer sentena cumpre

    simultaneamente trs funes, que ele chamou de (i) ideacional, (ii) interpessoal e

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    (iii) textual e que consistem, respectivamente, em (i) fornecer representaes do

    mundo (ii) instaurar diferentes formas de interlocuo como perguntar, afirmar,

    ordenar, assumir graus diferentes de compromentimento em relao quilo que se

    diz e (iii) monitorar o fluxo de informao nova num contexto dado. Outro conceito

    fundamental do funcionalismo o de escolha. Para os funcionalistas, o falante

    constri seus enunciados escolhendo simultaneamente em vrios conjuntos de

    alternativas proporcionados pelo sistema lingstico (ao produzir qualquer frase,

    escolhemos simultaneamente as palavras, as construes gramaticais, os contornos

    entonacionais, etc.); entender o sentido e uma sentena equivale ento a entender

    por que certas alternativas foram escolhidas e outras descartadas. Pelo valor que d

    escolha, o funcionalismo coloca em primeiro plano o papel do falante e as

    caractersticas da mensagem que ele produz, e cria uma abertura importante para o

    estudo do texto e do estilo.

    Uma outra linha de investigao que constitui hoje uma alternativa importante ao

    gerativismo conhecida como teoria da gramaticalizao. Num sentido mais estrito,

    a teoria da gramaticalizao estuda a criao de construes gramaticais a partir de

    palavras e expresses que, originalmente, se aplicavam a objetos ou situaes do

    mundo, e funcionavam como itens "lexicais". Um bom exemplo o verbo estar, que

    remonta ao verbo latino stare, um item tipicamente lexical, que descrevia a situao

    fsica de "estar de p" ou "estar parado". Hoje, estar usado principalmente para

    formar frases como estou cansado, estou procurando a chave, onde um verbo de

    ligao ou um auxiliar na formao de um tempo composto. Nem tudo na lngua so

    palavras em via de gramaticalizao, mas essa teoria conseguiu chamar a ateno

    para o fato de que, numa lngua, h sempre palavras que esto numa espcie de

    rea de ningum, entre duas classes. Vale aqui, a imagem do filsofo Otto Neurath,

    de um navio que vai sendo reconstrudo medida que navega: a lngua nunca se

    encontra acabada, est sempre mudando. Vista por esse ngulo a lngua aparece

    como um sistema instvel, sujeito a constantes reajeitamentos. No faz sentido

    exigir de um tal sistema uma regularidade absoluta; e lembrar disso pode fazer

    diferena quando se procura analisar suas formas sem forar as classificaes.

    4. Lingustica terica e metodologia do ensino

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    A Lingustica uma cincia terica e descritiva, e sua funo primria no produzir

    orientaes metodolgicas destinadas ao ensino. Mas para muitos professores do

    ensino fundamental e mdio, compreender a fundo o que a lngua um problema

    importante, e as idias que os lingistas foram elaborando em perspectiva terica

    acabaram por ter repercusses mais ou menos profundas sobre todas as prticas

    pedaggicas cuja matria prima a linguagem. No que diz respeito ao ensino de

    lngua materna essa repercusso se deu muitas vezes de maneira direta, pela

    assimilao em contexto pedaggico de conceitos e idias elaborados pela

    lingstica terica. Outras vezes, a reflexo sobre linguagem e pedagogia se fez

    atravs de uma nova disciplina, a Lingustica Aplicada, que tendo nascido como

    aplicao em contexto pedaggico dos conceitos da Lingstica terica, ganhou

    maturidade, elaborou seus prprios problemas e conceitos e hoje trata de vrias

    reas da atividade humana em que a linguagem tem um papel essencial. A

    contribuio que a Lingstica aplicada deu ao ensino nos ltimos anos um tema

    rico e amplo, cujo tratamento foge aos objetivos do presente texto. A esse tema ser

    dedicado um outro texto, paralelo a este, escrito por um autor respeitvel com

    atuao na rea. Voltemos pois s contribuies da teoria e da descrio da lngua.

    J mencionamos as crticas e as perplexidades que as idias lingusticas suscitaram

    no ensino da Gramtica, uma prtica que, at os anos 1960, era um componente

    nobre do ensino fundamental e mdio. Outras prticas que passaram por

    reformulaes conceituais profundas, a partir de conceitos elaborados em

    lingstica, foram a produo de textos, a leitura e a alfabetizao.

    "Produo de textos" uma denominao que se aplica ao exerccio tradicional da

    redao escolar, mas abrange alm disso vrios outros gneros textuais em que o

    educando e o educador podem trabalhar juntos; uma das idias implcitas no uso

    dessa denominao que h muito mais a fazer, em matria de textos, do que o

    velho exerccio da redao escolar. Nessa rea, os avanos da Lingustica textual,

    trazendo baila um conjunto denso de questes ligadas aos conceitos de coerncia,

    coeso, interao e gnero, deram evidncia a um fato bvio, que os rituais

    escolares haviam por assim dizer tornado invisvel: na sala de aula, produzir um

    texto (seja ele uma dissertao, uma narrao, uma descrio, ou mais

    simplesmente um bilhete ou um recado) muito diferente de trabalhar sentenas: o

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    texto uma unidade lingustica com estrutura prpria, e geralmente as pessoas

    sabem construir textos bastante eficazes mesmo quando no utilizam a lngua

    padro (pense-se na riqueza com que as pessoas mais humildes conseguem contar

    episdios que marcaram sua vida). Esta constatao tem conseqncias srias para

    a maneira como se "avalia a redao", porque leva a considerar inadequado o

    mtodo de avaliao mais arraigado na escola, que consiste em "corrigir" e dar nota

    redao pela quantidade de erros de gramtica e de ortografia, ao mesmo tempo

    que se desconsideram suas caractersticas propriamente textuais (coeso,

    coerncia), mas isso no tudo.

    No dia-a-dia, as pessoas produzem textos (geralmente falados) fortemente iseridos

    na situao, dotados de objetivos concretos e muito adequados quanto s

    estratgias empregadas. Na escola difcil conseguir uma "insero no real" to

    autntica quanto a dos textos do dia-a-dia, mas a atividade de produo de textos

    no precisa chegar ao outro extremo, o do absoluto artificialismo de certos temas de

    redao clebres, como "minhas frias" ou "uma lgrima", "dados" geralmente pelo

    professor, pelos quais todos ns passamos. Uma das descobertas feitas pelos

    linguistas mais atentos linguagem como interao que todo texto real sempre

    uma forma de interlocuo ou resposta: falamos, no mais das vezes, reagindo a

    outra fala. Essa descoberta leva a valorizar uma prtica a que os bons professores

    sempre recorreram espontaneamente na produo de textos: a de preparar a

    redao por meio de "pesquisas" e discusses prvias sobre o tema a ser tratado.

    Esse modelo , de certo modo, retomado no formato dos bons concursos

    vestibulares, que mandam redigir s depois que o candidato completou a leitura de

    uma "coletnea de textos".

    No que diz respeito alfabetizao h pelo menos trs grandes momentos a

    considerar.

    (i) A estria da Lingstica brasileira coincidiu com a elaborao das primeiras

    descries fonolgicas do portugus. To logo a fonologia conseguiu impor a idia

    de que a lngua falada funciona por meio de unidades opositivas, tornou-se evidente

    que a velha representao segundo a qual o portugus tem cinco vogais, sugerida

    pela grafia, errada; a grafia representa mais de um som, o mesmo ocorrendo

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    com (comparem-se o peso e eu peso, o poo e eu posso); tambm ficou claro

    que as letras , , , e podem indicar tanto sons orais como sons

    nasais (como em cato e canto, cedo e sendo, pito e pinto etc.). Diante dessas

    constataes, que so absolutamente elementares em fonologia do portugus, foi

    possvel perceber que havia boas razes lingsticas para alguns erros que

    recorrem na escrita dos alunos (como o uso da grafia para o substantivo

    salto); as cartilhas que ensinavam a ver o mesmo "a" em pata e anta precisaram ser

    colocadas sob suspeita e, de maneira mais geral, ficou claro que entre as letras da

    escrita e os fonemas da lngua no h uma correspondncia um-a-um. Na verdade,

    em portugus, a correspondncia entre as letras e os sons bastante complexa

    (no tanto quanto em ingls, mas certamente muito mais do que em espanhol ou em

    italiano) e isso cria para o alfabetizador muitas dificuldades previsveis. No causa

    estranheza que muitos lingistas preocupados com o problema da alfabetizao

    tenham trabalhado no sentido de mapear essas dificuldades.

    (ii) Por muito tempo, uma das grandes preocupaes dos alfabetizadores foi com a

    "prontido", isto , eles se preocupavam com a maneira mais eficaz de desenvolver

    nos alunos das primeiras sries as capacidades motoras necessrias para desenhar

    corretamente as letras da escrita cursiva. Era o tempo em que a alfabetizao

    propriamente dita comeava pelo desenho da letra , embalado por uma cantilena

    que falava em "bolinha" e "perninha".

    Durante a dcada de '80, os escritos de duas pesquisadoras de orientao

    construtivista (influenciadas pelo psiclogo suo Jean Piaget), Emlia Ferreiro de

    Anna Teberowsky, mostraram que o grande salto da alfabetizao se d no quando

    a criana alcana o estgio da prontido, mas quando descobre que as letras esto

    em correspondncia com sons. Para a criana, a formulao dessa hiptese (que

    no tem nada a ver com motricidade, pois de natureza cognitiva), tem o sentido de

    uma autntica revelao, e o grande momento inaugural que abre o caminho para

    o aprendizado da escrita. Normalmente, para chegar a essa hiptese, a criana tem

    que descartar outras hipteses erradas, mas cognitivamente significativas, por

    exemplo a hiptese de que h uma correspondncia entre o tamanho do objeto e o

    tamanho da palavra (por essa hiptese, a palavra cachorro deveria ser menor que a

    palavra boi), ou a hiptese de que a escrita silbica (pela qual cada segmento da

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    escrita representaria uma slaba, como acontece, por exemplo, em coreano). Se o

    salto qualitativo necessrio para a alfabetizao a descoberta do princpio

    alfabtico, bvio que a preparao da classe para a alfabetizao no pode mais

    centrar-se no treinamento da prontido e da motricidade, mas na relao som/letra.

    Mas evidente que nem tudo, na alfabetizao, se explica por essa relao e quem

    quiser saber mais, poder tirar proveito das publicaes do CEALE, o Centro de

    Alfabetizao e Leitura da Universidade Federal de Minas Gerais, fundado por

    Magda Soares, que tem dado contribuies relevantes ao tema.

    (iii) A partir dos anos 1990, alis, tem sido cada vez mais freqente lanar mo, ao

    lado do velho conceito de alfabetizao, de um novo conceito de contedo mais

    social e antropolgico: o de letramento. A palavra letramento, que hoje de

    circulao corrente, refere-se no mera capacidade de representar os sons na

    escrita, mas sim s formas de insero na sociedade a que o indivduo se habilita

    pelo fato de utilizar de maneira competente a escrita. Distinguir entre alfabetizao e

    de letramento nos ajuda a entender que a insero do indivduo numa sociedade

    letrada como a nossa est longe de completar-se quando o indivduo aprendeu a

    escrever seu nome ou a anotar uma mensagem simples (essas so duas definies

    de indivduo alfabetizado, historicamente importantes); para alm desse aprendizado

    h outros aprendizados prprios de uma sociedade letrada que so indispensveis

    para uma insero plena.

    Nos ltimos pargrafos, detivemo-nos mais longamente no assunto da alfabetizao:

    as razes deveriam ser bvias, pois o analfabetismo continua sendo um dos

    grandes problemas nacionais, no Brasil: dados do Instituto Nacional de Estudos e

    Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), rgo do Ministrio da Educao,

    mostram que existiam ento no Brasil 16 milhes de analfabetos (9,3 % da

    populao) e que o nmero de meninos e meninas candidatos matrcula nos dois

    ciclos do ensino fundamental (na faixa etria entre 7 e 14 anos) girava em torno de

    35 milhes.

    Junto com a alfabetizao, o ensino da leitura um dos grandes desafios da escola

    brasileira, e um dos grandes problemas de poltica educacional com que se

    defrontam nossos educadores. Para avaliar as dimenses do problema, basta

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    lembrar que, na ltima avaliao do PISA, o Programa Internacinal de Avaliao de

    Alunos gerido pela Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento

    Econmico (OCDE) da UNESCO, os alunos brasileiros ficaram em 37 lugar nas

    provas de leitura, num total de 41 pases participantes. Numa escala de 800 pontos,

    os brasileiros mais bem colocados atingiram 431 pontos, sendo que dezesseis

    pases tiveram uma pontuao em leitura acima de 500. Entre os motivos desse

    fracasso esto, certamente, alguns velhos problemas que afetam nosso ensino

    como um todo, como a evaso escolar, a m remunerao dos professores e a falta

    de bibliotecas pblicas, mas tambm esto fatores mais especficos, e um deles a

    enorme desinformao que ainda existe entre nossos professores a respeito da

    leitura enquanto competncia dos falantes. Paradoxalmente, essa desinformao

    persiste numa poca em que, em nvel mundial, as grandes mudanas ocorridas nos

    meios de comunicao de massa, e a necessidade de uma perspectiva histrica

    para compreender as novas mdias fizeram surgir um interesse muito vivo pela

    histria da leitura, por suas relaes com diferentes contextos sociais e por sua

    natureza enquanto processo cognitivo.

    A Lingstica tem marcado presena nessa reflexo, e lanou desde a dcada de

    1980 vrias hipteses instigantes sobre os processos cognitivos envolvidos na

    adequada compreenso de um texto. Sob esse aspecto, teve um papel importante

    para desfazer o equvoco de que a leitura seria um processo passivo. Ao contrrio

    do que muitos pensam, quem l um texto (como quem ouve uma melodia, ou analisa

    as formas de um objeto) toma em relao ao ele uma srie de iniciativas. O leitor

    competente no se contenta em ler e processar, uma aps a outra, as sentenas

    que formam o texto; ele vai a essas sentenas munido de hipteses que podero ser

    confirmadas ou desmentidas. No se limita a extrair informaes das linhas que l;

    procura integrar as informaes colhidas no nivel da sentena em hipteses que

    dizem respeito ao texto como um todo, esforando-se por identificar as intenes de

    quem o escreveu e refaz, por assim dizer, todo o trabalho de composio do texto.

    Assim, o texto como um todo torna-se o grande critrio para explicar cada uma de

    suas partes, e as partes so o grande critrio em que se fundamenta a deciso de

    manter ou descartar as hipteses feitas para entender o texto como um todo, num ir-

    e-vir constante entre a macroestrutura e as microestrutura. Pelo que acabamos de

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    dizer, esse processo extremamente ativo, porque exige um leitor disposto a

    "montar", ajustando-as continuamente, hipteses que so feitas em vrios nveis

    (palavra, sentena, perodo, texto); tambm interativo, e cooperativo, porque se

    trata, a partir do escrito, de recuperar os caminhos do autor, suas opes e suas

    motivaes.

    5. Lingstica e ensino da lngua materna: o que se deve esperar dessa

    parceria?

    A alfabetizao, a produo de textos e a leitura so atividades bsicas do ensino de

    lngua materna, e so tambm questes que a Lingstica ajudou a repensar e

    reformular, nos ltimos anos, confirmando que a parceria Lingstica-Ensino

    benfica. Essa parceria foi construda pacientemente, e passou, por parte dos

    lingistas, por diferentes formas de colaborao: na dcada de 1970, o lingista que

    se interessava pelo ensino do portugus preocupava-se, no mximo, em apresentar

    em linguagem acessvel aos professores de lngua materna os conceitos cientficos

    que ele considerava pedagogicamente relevantes: esse, em linhas gerais, o

    sentido da srie "Subsdios para a aplicao dos guias curriculares" da Secretaria da

    Educao de So Paulo, de 1978: Castilho (Org. 1978). De outro tipo so os

    trabalhos que comeam a aparecer nos anos 1980, geralmente voltados para

    mostrar a necessidade de levar para a sala de aula os mesmos mtodos de

    descoberta usados em Lingstica, de fazer do texto o centro do ensino, ou de

    reformular as prticas vigentes luz das descobertas da cincia da linguagem (este

    o sentido geral de O Texto na Sala de Aula, editado em 1984 e ainda hoje uma

    referncia importante). Num momento particularmente fecundo da parceria

    lingstica/ensino, que podemos situar no final dos anos 1980 e no incio dos anos

    1990, aparecem obras que delineam concepes de ensino lastreadas em

    concepes da linguagem de cunho interacionista e cognitivista. Mas esse

    tambm o momento em que muitos lingistas optam pela verticalizao, explorando

    temas especficos, entre os quais reencontramos no s os temas da alfabetizao,

    da leitura e da redao, mas tambm muitos outros, como o estudo das

    propriedades de um bom texto ( coerncia, coeso, referenciao), o trabalho sobre

    gneros especficos (como a narrativa e a piada ou as notcias de jornal), o uso da

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    24

    lngua falada em contexto pedaggico, as relaes entre lngua falada e lngua

    escrita e as possibilidades de retextualizao, e muito mais.

    Vistas as coisas por um outro ngulo, houve tambm um grande envolvimento

    prtico no dia-a-dia do ensino: no s foi constante a participao de lingistas em

    cursos de treinamento e estgios de educadores em servio mas, a partir dos anos

    '80, alguns grandes lingistas estiveram frente de importantes projetos

    pedaggicos (por exemplo, Joo Wanderley Geraldi respondeu em vrios estados

    do Brasil, por projetos que levaram um ensino diferenciado a alguns milhes de

    crianas e adolescentes); outros escreveram livros didticos diferenciados (Mary

    Kato e Flvio di Giorgi, Milton do Nascimento, Jos Luiz Fiorin e Francisco (Plato)

    Savioli, Ana Luza Marcondes Garcia e Maria Betnia Amoroso); outros ainda (caso

    particularmente de Maria Bernadete Abaurre e Srio Possenti) participaram da

    criao de novos formatos para os vestibulares de algumas grandes escolas e para

    a formao de seus corretores, e assim contriburam para criar referncias e mo de

    obra qualificada para alguns processos de avaliao de alcance nacional e de

    grande visibilidade, como o Exame Nacional de Cursos (o "Provo") e o Exame

    Nacional de Ensino Mdio (ENEM). Tudo isso criou condies para que a Lingstica

    tivesse direito a voz, no processo de elaborao dos Parmetros Curriculares

    Nacionais, um documento que tem hoje a funo de orientar o ensino de lngua

    materna, em nvel nacional, e que, por seus prprios mritos, constituir, por muito

    tempo, uma referncia importante.

    Por tudo aquilo que dissemos, vivemos hoje um momento em a Lingstica j no

    precisa justificar sua presena para os principais agentes do ensino, os professores.

    Outra questo a assimilao de sua mensagem pelo corpo social, com vistas a

    difundir uma concepo da realidade lingstica do pas e a promover os valores da

    cidadania. Aqui, a lingstica continua enfrentando resistncias, porque a mdia -

    sobretudo os jornais e a televiso - encamparam a velha bandeira da correo, da

    uniformidade lingstica e da primazia do escrito e, com seus manuais de redao,

    suas colunas de consulta gramatical e seus programas em que a idia de lngua

    vinculada idia de ptria, continuam agitando um fantasma que tem sido

    extremamente eficaz para fazer da lngua um motivo de excluso social.

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    Os estudos sobre a formao do portugus do Brasil mostram que nossa lngua

    sempre esteve cindida entre uma norma lusitanizante e uma norma tipicamente

    brasileira, e que dessa duplicidade do passado deriva o enorme hiato que hoje

    separa o portugus escrito das pessoas letradas e o portugus efetivamente usado

    pelo povo. A Lingstica tem trabalhado no sentido de valorizar os usos reais e de

    tomar a lngua falada pelos educandos como ponto de partida para o aprendizado da

    lngua escrita culta; a mdia tem trabalhado, no mais das vezes, no sentido de

    estigmatizar as formas populares, aprofundando o hiato. No fogo cruzado entre as

    duas posies est o professor de portugus que, honestamente interessado em

    proporcionar o melhor a seus alunos, hesita entre uma e outra linha de conduta.

    O sentido deste texto foi mostrar que ele tem razes de peso para optar pela

    proposta da Lingstica, se quiser. Muita coisa mudou desde os anos 1960, quando

    a Lingstica, despontou no contexto cultural brasileiro com um discurso que

    procurava desqualificar as prticas pedaggicas vigentes, mas pouco tinha a

    oferecer em troca. Nos ltimos quarenta anos, foi acumulada uma quantidade

    impressionante de informaes sobre a lngua que se fala neste pas, sua

    diversidade, sua histria. Nesse contexto mudado, o debate se coloca hoje de

    maneira muito mais clara como uma escolha entre duas atitudes opostas: possvel

    abrir os olhos para a realidade lingstica, compreend-la a fundo, aceit-la e

    trabalhar a partir dela, assim como possvel fechar os olhos realidade, decidindo

    dogmaticamente como ela deveria ser. A opo da Lingstica tem sido pelo

    conhecimento do que existe e pela superao do preconceito.

    BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

    Para o item 1:

    MATTOSO CMARA Jr. J. (1957) Erros de escolares como sintomas de tendncias lingsticas no portugus do Rio de Janeiro. In Romanistisches Jarbuch, Hamburgo (8): 279-86. Reimpresso em Dispersos (seleo e introduo de C.E.F.Ucha). Rio de Janeiro, Fundao Getlio Vergas, 1972, pp.35-46.

    BAGNO, Marcos (org. 2002) Lingstica da Norma. So Paulo: Loyola

    Para o item 2:

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    26

    GENOUVRIER, E; PEYTARD, J. (1975) Lingstica e ensino do portugus. Coimbra: Almedina.

    CASTILHO, A.T. (2002) "Apresentao - Projeto de gramtica do portugus falado". In: CASTILHO (org. 2002) Gramtica do Portugus Falado. vol. 1: a ordem. Campinas, Edunicamp, pp. 7-24.

    CASTILHO, A. T. . O portugus culto falado no Brasil: histria do Projeto NURC. In: DINO PRETI; HUDINILSON URBANO. (Org.). A Linguagem Falada Culta na Cidade de So Paulo. 1a. ed. So Paulo, 1990, v. 4, p. 141-202.

    LUFT, Celso P. (1985) - Lngua e liberdade. So Paulo: tica.

    POSSENTI, S. (1996) Por que (no) ensinar gramatica nas escolas. Campinas: Mercado das Letras.

    ILARI, R. (2004) "O estuturalismo lingstico: alguns caminhos". In Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes, Introduo Lingstica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo: Cortez, pp. 53-91.

    Para o item 3:

    BORGES NETO, J. (2004) "O empreendimento gerativo". In Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes, Introduo Lingstica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo: Cortez, pp. 93-130.

    HALLIDAY, M.A.K (1976) "Estrutura e funo da linguagem". In Lyons (org.) Novos horizontes em lingstica. So Paulo: Cultrix (1976), pp. 134-160.

    KATO, M. A; RAMOS, J. (1999) "Trinta anos de Sintaxe Gerativa no Brasil". DELTA, vol.15 nmero especial, pp.105-146.

    MUSSALIM, Fernanda (2001) "Anlise do discurso". In Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes, Introduo Lingstica 2: Domnios e fronteiras. So Paulo: Cortez, 101-142.

    NEVES, M.H. de Moura (1999) "Estudos funcionalistas no Brasil". DELTA, vol.15 nmero especial, pp. 71-105.

    NEVES, M.H.Moura (1997) A gramtica funcional. So Paulo: Martins Fontes

    PEZATTI, Erotilde G. (2004) "O funcionalismo em Lingstica". In Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes, Introduo Lingstica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo: Cortez, pp. 165-218.

    SEKI, L. (1999) "A lingstica indgena no Brasil". DELTA, vol.15 nmero especial, pp. 195-146.

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    27

    Para o item 4:

    GERALDI, J.Wanderley (1996) Linguagem e ensino: exerccios de militncia e divulgao. Campinas: Mercado das Letras.

    KLEIMAN, A. (1996) Leitura: ensino e pesquisa. 2a. ed. Campinas: Pontes.

    KLEIMAN, A. (1989) Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes.

    KLEIMAN, A. (1993) Oficina de Leitura: teoria e prtica. Campinas: Pontes.

    KOCH, I.G.V. (1997) O texto e a construo dos sentidos. So Paulo: Contexto.

    KOCH, I.G.V. (2002) Desvendando os segredos do texto. So Paulo: Cortez.

    SCLIAR-CABRAL, Leonor (2003) Guia prtico de alfabetizao. So Paulo: Contexto.

    SCLIAR-CABRAL, Leonor (2003) Princpios do sistema alfabtico do portugus do Brasil. So Paulo: Contexto.

    SOARES, Magda (2005) "Nada mais gratificante do que alfabetizar" (entrevista). In: Letra A, o jornal do alfabetizador, ano 1, n 1, Belo Horizonte, abril/maio de 2005, pp. 10-14

    Para o item 5:

    CASTILHO, Ataliba T. de (Org. 1978). Subsdios Proposta Curricular de Lngua portuguesa para o 2 Grau. So Paulo/Campinas: Secretaria de Estado da Educao/UNICAMP, 1978, 8 vols.; republicado em So Paulo: Secretaria de Estado da Educao, 1988, 3 vols.

    FARIA, M.A; ZANCHETTA, J. (2002) Para ler e fazer o jornal na sala de aula. So Paulo: Contexto.

    GERALDI, J.Wanderley (organizador, 1985) O texto na sala de aula. So Paulo: tica.

    GERALDI, J.Wanderley (1991) Portos de passagem. So Paulo: Martins Fontes.

    KOCH, I.G.V. (2002) A coeso textual. 17a. edio revista e ampliada. So Paulo: Contexto.

    KOCH, I.G.V; TRAVAGLIA, L.C. (2002) A coerncia textual. 14a. edio revista e ampliada. So Paulo: Contexto.

    MARCUSCHI, L.A. (2001) Da fala para a escrita: atividades de retextualizao. So Paulo: Cortez.

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    28

    POSSENTI, S. (1998) Os humores da lngua: anlises lingsticas de piadas. Campinas: Mercado das Letras.

    POSSENTI, S; ILARI, R. (2001) "Apresentao", in 15 anos de vestibular da Unicamp: Lngua portuguesa e literaturas de lngua portuguesa. Campinas: Edunicamp, pp.5-17.

    BAGNO, Marcos (2000) Dramtica da lngua portuguesa: tradio gramatical, mdia e excluso social. So Paulo: Loyola.

    Nota:

    Os Parmetros Curriculares Nacionais foram editados em 1997. Existe a verso

    impressa, mas eles podem ser acessados pela internet atravs do site do Ministrio

    da Educao e Cultura, pgina da Secretaria de Educao Fundamental. O Centro

    de Documentao Cultural "Professor Alexandre Eullio Pimenta", do Instituto de

    Estudos da Linguagem a Unicamp mantm disponvel o estudo feito sobre as

    verses preliminares do texto pelo lingista Prof. Carlos Franchi.

    GLOSSRIO

    Alfabetizao - Conjunto de atividades que levam o indivduo a dominar a lngua

    escrita, capacitando-o a ler e a escrever.

    Anlise do Discurso - Espao crtico no qual interagem vrias disciplinas

    interessadas em tratar da totalidade dos enunciados que circulam numa sociedade.

    Fortemente influenciada por modelos franceses, a analise do discurso que se tem

    feito no Brasil tem-se caracterizado (i) pela reflexo sobre o modo como o sujeito se

    insere nos seus discursos, (ii) pela idia de que todo discurso um inter-discurso;

    (iii) pelo interesse em discursos que revelam um uso ideolgico da linguagem.

    Estruturalismo: ver Lingustica Estrutrural

    Etnolingstica - O estudo das relaes entre a lngua e as caractersticas da

    comunidade que a fala. Da pauta da etnolingstica fazem parte, por exemplo, a

    compreenso do modo como as pessoas se comunicam em diferentes sociedades,

    e a compreenso das funes que a lngua desempenha em sociedades primitivas

    ou tecnologicamente avanadas.

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    Filologia - Esforo de compreender os textos da antiguidade clssica que, alm de

    desenvolver mtodos e tcnicas destinados a recuperar a forma original dos textos

    que sobreviveram, reuniu uma enorme massa de conhecimentos lingsticos e

    histricos necessrios para a sua compreenso.

    Fonologia - A disciplina que estuda os sons da lngua em seu papel distintivo. A

    fonologia a disciplina que melhor ilustra a idia estruturalista de que as unidades

    da lngua tem uma natureza opositiva: uma de suas principais taefas identificar os

    sons que distinguem palavras e os contextos fnicos em que isso ocorre (por

    exemplo, para distinguir as palavras morte e morde dependemos da oposio entre

    /t/ e /d/, mas cada uma dessas unidades realizada de vrias maneiras, conforme a

    regio e conforme a posio na palavra (pense-se nas pronncias de um gacho e

    de um carioca).

    Funcionalismo: ver Lingustica Funcionalista

    Gramtica - O estudo dos processos pelos quais se constrem palavras e

    sentenas numa lngua. H pelo menos trs maneiras diferentes de entender

    "regra": como "norma a ser seguida", como "regularidade constatada", ou como

    "expectativa criada por um princpio geral". A essas diferentes maneiras de entender

    o que seja uma regra correspondem trs concepes diferentes de gramtica: g.

    normativa (ver a seguir, neste glossrio), g. descritiva e g. explicativa.

    Gramtica Gerativa: ver Lingustica Gerativista

    Gramtica Normativa - Disciplina que diz como devem expressar-se as pessoas

    bem criadas e educadas. Ver norma gramatical

    Leitura - O processo cognitivo pelo qual deciframos um texto escrito, recuperando

    sua forma oral (se a leitura for em voz alta) e seu contedo. A leitura uma atividade

    fundamental em sociedades como a nossa, onde h um grande nmero de

    mensagens circulam em forma escrita.

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    Gramaticalizao - Criao de construes gramaticais a partir de palavras e

    expresses que, originalmente, se aplicavam a objetos ou situaes do mundo, e

    funcionavam como itens "lexicais".

    Letras - O curso superior que responde pela formao de professores e

    pesquisadores na rea de lngua e literatura. Tradicionalmente, nos cursos de Letras

    ministram-se conhecimentos de lnguas vivas (como o portugues, o ingls e o

    francs) ou mortas (como o latim e o grego) e das literaturas correspondentes.

    Letramento - Forma de insero na sociedade a que o indivduo se habilita pelo fato

    de utilizar de maneira competente a escrita.

    Lingustica - O estudo da faculdade humana de linguagem e das lnguas que

    existem ou existiram, historicamente

    Lingstica Aplicada - Em princpio, qualquer transposio de conhecimentos

    lingsticos para campos no lingsticos (em oposio l. terica e l. descritiva).

    Ao longo das ltimas dcadas, em reas como a traduo, a terminologia e o ensino

    de lnguas, a lingstica aplicada foi descobrindo e elaborando problemas que no

    tinham recebido a devida ateno da lingstica terica; freqentemente, por

    "lingstica aplicada" entende-se o estudo desses problemas.

    Lingustica Estrutural - Ramo da Lingustica interessado na depreenso das

    estruturas lingusticas a partir do comportamento lingstico observado. Para o

    Estruturalismo, a lngua no se confunde com as frases que as pessoas usam, nem

    com o comportamento verbal que observamos no dia-a-dia; , ao contrrio, uma

    abstrao, um conhecimento socializado que todos os falantes de uma comunidade

    compartilham, uma espcie de cdigo que os habilita a se comunicarem entre si.

    Lingustica Funcionalista [acho que no h necessidade de definir no

    glossrio, pois j h uma definio no prprio texto]

    Lingustica Gerativista - Denominao que abrange as teorias lingsticas

    inspiradas pelo lingista americano Noam Chomsky, que constituram uma das

    principais referncias tericas para o estudo da linguagem humana, desde a dcada

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    de 1950. a lingstica gerativa desenvolveu-se a partir de uma concepo inovadora

    da sintaxe em que se procura criar um mecanismo matemtico capaz de simular

    nossa competncia sinttica, isto , nossa capacidade de reconhecer, entre todas as

    possveis seqncias de palavras, aquelas que corresponem oraes bem formadas

    da lngua.

    Lingstica Indgena - Nome que se d, no Brasil, ao estudo das lnguas no-

    indoeuropias faladas pelas populaes indgenas. Segundo os especialistas, havia

    em 1500, no territrio brasileiro, cerca de 340 lnguas indgenas, das quais

    sobreviveram apenas uma centena. A maioria das lnguas indgenas brasileiras so

    faladas por menos de 100 pessoas. Conhec-las e proteg-las uma tarefa de

    grande alcance cultural e humanitrio.

    Lingstica textual - Setor da Lingustica que estuda a estruturao dos textos,

    debatendo questes ligadas aos conceitos de coerncia, coeso, interao,

    conectivos textuais e gneros textuais.

    Norma gramatical - Variedade lingstica que a sociedade como um todo ou alguns

    grupos sociais adotam como referncia em seus usos da lngua. Freqentemente,

    na sociedade brasileira (e em outras sociedades), tentou-se definir uma norma para

    a lngua escrita a partir da linguagem usada pelos grandes escritores, e uma norma

    para a lngua falada a partir da pronncia utilizada em uma ou outra regio ou cidade

    (Rio de Janeiro, a Bahia etc.).

    Palavra - a unidades lingsticas que o nosso sistema de escrita separa por meio de

    espaos. Tipicamente, a palavra maior do que uma unidade significativa (por

    exemplo, na palavra cachorro h duas unidades significativas, cachorr- que remete a

    uma espcie animal, e -o que manda ara considerar apenas um espcime, do sexo

    masculino), e menor do que os sintagmas, as grandes unidades sintticas que

    estruturam a sentena (como o cachorro de guarda do vizinho, ou um cachorro

    branco).

    Psicolingstica - o estudo das relaoe sentre a linguagem e a mente. Um dos

    temas tratados pela psicolngstica o processameto da linguagem, iso , o

    conjunto de passos envolvidos em produzir e compreender a fala.

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    Sociolingstica - o estudo das relaes entre a lngua e a sociedade. Entre os

    assuntos estudafdos pela sociolingstica esto os valores que uma sociedade

    associa a diferentes variedade da lngua, e os efeitos do contato entre lnguas

    diferentes.

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    A IMAGEM E SUAS FORMAS DE VISUALIDADE NOS LIVROS DIDTICOS DE PORTUGUS*

    Celia Abicalil Belmiro**

    RESUMO: A importncia do estudo da imagem e de sua utilizao nos veculos de

    comunicao, principalmente os de carter pedaggico, instaura, no mbito escolar,

    a necessidade de se defrontar com a presena avassaladora da imagem visual no

    cotidiano dos sujeitos. Este texto pretende compreender os diferentes modos de

    visualidade em livros didticos de Portugus, de 5 a 8 sries do Ensino

    Fundamental, nas dcadas de 1960, 1970 e 1990.

    Qual o papel da escola ao se apropriar do discurso imagtico e submet-lo ao

    discurso pedaggico? Ao longo das dcadas analisadas, como as imagens foram

    sendo constitudas por um discurso especfico do processo de escolarizao? Trs

    abordagens tericas, a saber, a imagem do ponto de vista funcional, semitico e

    cognitivo, tm o objetivo de compor um conjunto de reflexes cujo eixo a relao

    ensino-aprendizagem.

    Palavras-chave: Imagem, livro didtico, leitura, ensino-aprendizagem, escolarizao Introduo Ao longo da histria de insero da imagem em diferentes instncias do espao

    escolar e materiais produzidos para esse espao, o livro didtico vem se destacando

    como um importante suporte de sua veiculao em projetos pedaggicos. So

    recorrentes as situaes de uso das imagens, evidenciando alguns pontos de sua

    contextualizao scio-histrica, em meio s polticas educacionais:

    1) como indicador do processo de modernizao por que vem passando o

    suporte;

    2) como um meio de trazer para dentro da sala de aula linguagens renovadas que

    circulam na cotidianeidade das populaes;

    3) como traduo didtico-metodolgica de um ponto de vista sobre as relaes de

    ensino-aprendizagem da lngua portuguesa e outras linguagens. As reflexes a

    seguir pretendem compreender o uso de imagens1 em livros didticos de Portugus

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    dos fins dos anos 60 e incio dos 70, em contraposio aos anos 90, orientadas por

    um contexto scio-histrico e terico.

    Algumas questes iniciais podem apontar na direo de um olhar investigativo: O

    que possibilitou o surgimento das chamadas ilustraes nos livros didticos? Por

    que a imagem passou a ser utilizada nos manuais didticos de Portugus

    preferencialmente a partir do final da dcada de 1960?

    Quais os procedimentos para seu uso? Com que fins a imagem surge nesses livros?

    Por que e como as ilustraes passam a ser consideradas parte de um saber

    autorizado, que pode e deve ser didatizado? Que diferenas fundamentais de usos e

    funes das imagens podem ser encontradas nos livros didticos dos fins dos anos

    60 em comparao com os dos anos 90?

    O que permaneceu e o que no resistiu? Como possvel construir textualidade

    (coeso e coerncia) na relao das imagens e atravs delas com o texto escrito

    dispostos nas pginas de um papel em branco?

    interessante observar como os anos 90, principalmente nesse fim de dcada, vm

    apresentando mudanas nas propostas de construo de seus projetos

    pedaggicos. Elas so mais abrangentes, interdisciplinares, integradoras, holsticas,

    o certo que o paradigma est mudando. A presena de novas tecnologias no

    mundo escolar faz com que se repensem formas de atuao do professor. As

    representaes que se fazem hoje do espao de aprendizagem mostram a

    necessidade de um professor mais gil, atualizado e pronto para novos desafios.

    uma carga muito pesada para quem tem deficincias na sua formao inicial e no

    tem facilidade, pela prpria gesto do tempo escolar, entre outras causas, para

    investir em uma formao continuada.

    Algumas reflexes sobre o estatuto da imagem

    Para se compreender o uso escolar da imagem no suporte livro didtico,

    conveniente refletir, inicialmente, acerca de diferentes conceituaes de imagem, a

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    partir de trs grandes eixos que discutem a natureza de sua constituio: o primeiro

    eixo, correntes que tendem para seu carter de convencionalidade, enfatizando a

    criao de cdigos prprios; o segundo, correntes que apontam para a semelhana

    da imagem com o dado real, como um espelhamento do mundo; ou, ainda, um

    terceiro, que se identifica com a idia de conexo fsica, marca luminosa indicativa

    da existncia do objeto, a exemplo da fotografia.

    possvel, primeiramente, compreender a imagem do ponto de vista funcional, isto

    , suas possibilidades de interao, nas palavras de Maffesoli (1995, p.103), de

    religao social. Assim, entendem-se os diferentes usos das imagens na vida

    social como recorrncia ao cotidiano, onde os objetos so reconhecidos

    imediatamente pelo engendramento de uma sociabilidade integradora que

    ressignifica o mundo de modo menos utilitrio; anuncia, assim, uma espiritualidade

    que no se prende a indicadores religiosos, mas que est mais perto dos atores

    sociais, nos segredos dos microgrupos, na sociabilidade da vizinhana, no ambiente

    afetuoso das relaes de amizade, na viscosidade das aderncias religiosas,

    sexuais, culturais, todas as coisas que precisam de imagens que lhes sirvam de

    catalisador . Na verdade, a discusso proposta por esse autor pretende apontar o

    sentido agregador das imagens, sentido que contribui para a atrao social.

    Distante da preocupao em produzir contedo poltico, esttico ou social, o

    interesse desse autor se dirige para descobrir que imagens religam tribos ou a

    massa, que a sociabilidade engendrada pelas imagens produzidas no e pelo

    cotidiano social. A construo de uma realidade coletiva e mltipla abre espaos

    diferenciados para experincias singulares, individuais e nicas. Mas essa uma via

    de mo dupla, em que as individualidades se aproximam ou se distanciam na

    constituio de processos de ressignificao de mundo. Um bom exemplo a

    reflexo de Elias Canetti em seu livro memorialista Uma luz em meu ouvido:

    Com este quadro, diante do qual fiquei parado muitas vezes, conheci o que dio. Eu o sentira cedo na vida, cedo demais, com cinco anos, quando quis abater com o machado minha companheira de brinquedos. Mas no temos conhecimento daquilo que sentimos; necessrio que o vejamos nos outros para que o reconheamos. Somente se torna real aquilo que reconhecemos quando, antes disso, o experimentamos. (Canetti 1989, p.113)

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    possvel que seja isso que Maffesoli queira enfatizar ao se referir imagem

    refletida e tomada de conscincia da pluralidade do real. Para ele podem-se

    mostrar coerncias, estabelecer correlaes, mas no possvel fazer sistemas com

    imagens. Talvez seja isso que tenha tornado menores todas as propostas de

    pensamento que se apoiaram nela [imagem refletida]. Pelo contrrio, essa unio do

    pensamento e da prpria coisa perfeitamente pertinente para descrever um mundo

    complexo, onde reina o heterogneo. A possibilidade de ilustrar, de nomear, de

    descrever, mesmo que no tenha a virtude generalizante do conceito, permite fazer

    destacar a razo interna (ratio seminalis) que anima cada coisa. (Op. cit., p.105).

    Embora no seja o caso, aqui, de pensar a pertinncia ou no da aposta de

    Maffesoli na razo sensvel, ajuda-nos a sua idia de reencantamento do mundo,

    em que as imagens serviriam de elemento catalisador s pequenas utopias

    intersticiais, isto , aos ritos particulares, para compreender essa razo interna que

    anima cada coisa.

    Os sistemas de referncia que os grupos criam e nos quais se reconhecem so

    constitudos tambm por imagens que instauram laos de comunho entre os

    homens. A idia de que pela imagem eu me aproximo do outro, me uno ao outro,

    favorece a qualidade ertica da imagem de conjuno, copulao.

    Esse carter relacional estabelecido pela imagem e o conjunto das pessoas e das

    coisas que define a imagem e constitui o modo de sua existncia.

    Assim, a imagem factual, efmera, sensual est prxima da natureza indicial que

    revela a presena de algo no qual a imagem se integra, isto , uma imagem

    indiciria cuja representao se d por contigidade fsica do signo com somente

    este referente, um trao do real. Da mesma forma, enfatiza sua natureza simblica

    que possibilita constituir esse conjunto de significados do todo social, e constituda

    por ele, vale dizer, uma imagem que se torna significativa por sua ancoragem nos

    contedos resultantes da criao imagtica e, no, na realidade mesma. Assim,

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    refletir acerca de possveis leituras de imagens pode significar tambm investigar

    que padres de visualidade um dado contexto scio-histrico organiza e conforma.

    Talvez seja proveitoso fazer um paralelo ao movimento que essa sociabilidade cria

    em direo ao conhecimento, com base na noo de letramento proposta por

    Soares: ter-se apropriado da escrita diferente de ter aprendido a ler e a escrever:

    aprender a ler e a escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em lngua

    escrita e a decodificar a lngua escrita: apropriar-se da escrita tornar a escrita

    prpria, ou seja, assumi-la como sua propriedade (1998, p. 39).

    Dessa forma, entende-se que so as prticas sociais de escrita que determinam as

    posies dos sujeitos e o seu valor lingstico na atribuio dos papis sociais. Isto

    tornar a escrita prpria. O conceito de letramento vem ultrapassar noes como

    homogeneidade, relaes biunvocas, sistema fechado, estrutura, e vai ao encontro

    da heterogeneidade prpria da natureza das prticas sociais significativas. No caso

    das imagens, elas vm nos povoando e constituindo modos de convivncia. Da no

    caber, nesse desenho terico, a afirmao de que podemos assumir imagens como

    uma propriedade. Isso significa que a sociabilidade naquilo que ela requer das

    imagens para se constituir no reivindica uma aprendizagem, isto , domnio de

    uma tcnica. Esse viver um evento em imagem a face imagtica do letramento

    verbal; na maioria das vezes, somos letrados visualmente mas analfabetos visuais,

    uma vez que no tivemos um aprendizado sistematizado de modos de ler uma

    imagem: como se organizam seus componentes, a seleo ou no de cor,

    angulao etc.

    Portanto, essa primeira abordagem da imagem possibilita dizer que a qualidade

    intrnseca de sua natureza indicial e simblica vem contemplar o vis relacional da

    imagem como atividade social.

    Um segundo ponto de vista, que utiliza outros procedimentos para a compreenso

    da imagem, vem trazer a necessidade de explicitao de um cdigo que pode e

    deve ser dominado para implementar estratgias de leitura da imagem. Essa no

    uma questo fcil de conduzir, uma vez que diferentes pesquisadores j travaram

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    polmicas sobre o estatuto de dependncia, ou no, lingstica da imagem.

    Santaella (1997, pp. 39-41) traa um quadro das teorias que sustentam essa

    discusso.

    O que nos importa no momento tentar esclarecer as implicaes da

    convencionalidade dos dispositivos tcnicos, que determinam uma visualidade

    prpria sem correspondncia direta com os padres de visualidade do nosso olhar.

    Sabe-se que o que apreendido pela viso da mquina fotogrfica no corresponde

    perspectiva do olho humano; Gombrich (1960, apud Santaella 1997), enfatiza que

    a viso de espaos representados em perspectiva no inata percepo visual e

    que deve ser aprendida. Sabe-se, igualmente, que o que se v traduo de um

    modo de organizao do olhar, que, de tempos em tempos, sofre influncias das

    revolues tcnicas e cria novas formas de apropriao do visvel, uma lgica

    sempre precria, porque presa a um conjunto de fatores histricos, sociais,

    cientficos. Dessa forma, a imagem, por sua prpria natureza, meditica e,

    portanto, representao.

    O uso do termo alfabetizao visual vem contemplar as prticas de aprendizagem

    da conveno para a leitura de imagens: enquadramento, distncia, ngulo, corte,

    cor, textura etc. Este um aspecto da relao teoria-prtica que deve ser

    amplamente discutido nos centros de produo de conhecimento a respeito da

    imagem na educao, tal a importncia das imagens, tanto em instncias pblicas

    quanto privadas do cotidiano social.

    Veremos, mais adiante, como o uso das imagens nos livros didticos sofre uma

    tremenda reduo de suas possibilidades interpretativas, pela adaptao a uma

    configurao analtica que aponta para um modo de compreenso prprio de um

    objeto de estudo que a linguagem verbal. A subordinao a um padro conceitual

    que no lhes prprio faz as imagens se ajustarem a uma lgica textual de

    produo de sentidos linear, argumentativa e unvoca.

    Um terceiro vis com que se pode definir a natureza da imagem o que Gibson

    (apud Santaella, pp.39-40) chama de invariantes da percepo visual, isto ,

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    unidades de percepo elementares que permanecem constantes quando o objeto

    ou o observador mudam de posio. Assim, a relao entre o fundo e figura se

    mantm coerente e compreensvel para quem v, posto que assegurada coeso

    interna figura e sua relao no campo visual mantm contornos invariantes. O que

    percebido, ento, visto como algo anlogo, semelhante realidade,

    caracterizando, assim, sua natureza icnica. o que Samain (1998, p.13) chama de

    uma visualidade originria e constitutiva do ser humano. A percepo visual,

    entendida como uma qualidade inata ao homem e descrita com categorias prprias,

    resulta, por conseguinte, na dimenso cognitiva de compreenso da imagem.

    As dcadas de 1960 e 1970

    O quadro que se configura nos fins dos anos 60 e na dcada de 1970 de mudana

    de paradigma, o que pode ser detectado em vrios aspectos da relao ensino-

    aprendizagem: o quadro passou a ser de giz (cor verde), no h o estrado em que

    se destaca a figura do professor e que enfatiza a relao de poder, nem os mapas,

    as borboletas envidraadas e os pequenos bichos empalhados. Uns, abolidos;

    outros, destinados a lugares prprios. o perodo de influncias intensas da Teoria

    da Comunicao no ensino da Lngua Portuguesa, um tempo em que o mundo

    ocidental se v envolto por grandes mudanas de comportamento dos jovens. A

    televiso comea a transmitir em cores.

    Assim que a influncia dos estudos sobre modelos transmissivos de comunicao,

    no espao escolar, se traduz no discurso pedaggico que procura caminhos de

    contemporaneidade. A matria sobre a qual os professores e alunos se debruam

    a Comunicao e Expresso (a partir da lei 5692/71); contedos que pretendem

    abordar a Teoria da Comunicao so privilegiados em sala; uma nova organizao

    em rea de estudo das linguagens aproxima disciplinas antes divorciadas, como o

    caso do Portugus e da Educao Fsica.

    Por outro lado, poca de ampliao de vagas nas escolas brasileiras, de acesso

    de crianas de camadas populares aos bancos escolares, de uma mudana radical

    dos freqentadores das escolas pblicas.

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