ensino e escrita
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Annie Rose dos SantosLilian Cristina Buzato RitterRenilson José Menegassi(Organizadores)TRANSCRIPT
Escrita E Ensino
Maringá2010
Editora da UnivErsidadE EstadUal dE Maringá
Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini
consElho Editorial
Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza EditoresCientíficos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis
EqUipE técnica
ProjetoGráficoeDesign Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio ArtesGráficas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima
Maringá2010 42
Annie Rose dos SantosLilian Cristina Buzato Ritter
Renilson José Menegassi(Organizadores)
Escrita e Ensino
Formação dE ProFEssorEs - Ead
coleção Formação de professores - Ead
Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese
Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio
Júnior Bianchi
Eliane Arruda
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Copyright © 2010 para o autor
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2010 para Eduem.
Escrita e ensino / Annie Rose dos Santos, Lílian Cristina Buzato Ritter, Renilson José Menegassi, 2. ed. -- Maringá : Eduem, 2010. 112 p. ; 21 cm. (Formação de Professores - EAD; v. 42).
ISBN 978-85-7628-284-6
1. Escrita – Estudo e ensino. 2. Leitura e escrita – Estudo e ensino. 3. Escrita – Produção de textos. 4. Lingüística. I. Menegassi, Renilson José, org. II. Santos, Annie Rose dos, org. III. Ritter, Lílian Cristina Buzato, org.
CDD 21. ed. 372.4
E74
Endereço para correspondência:
Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392
http://www.eduem.uem.br / [email protected]
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Sobre os autores
Apresentação da coleção
Apresentação do livro
capítulo iConcepções de escrita
Renilson José Menegassi
capítulo 2Os gêneros como instrumentos para
o ensino e aprendizagem da leitura e da escritaCláudia Lopes N. Saito / Elvira Lopes Nascimento
capítulo 3A produção de textos nos anos iniciais
Cláudia Valéria Doná Hila
capítulo 4Análise linguística no ensino fundamental
Lilian Cristina Buzato Ritter
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umárioS
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CLÁUDIA LOPES NASCIMENTO SAITO
Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Mestre em Estudos da Linguagem (UEL). Doutora em Linguística e
Filologia de Língua Portuguesa (Unesp).
CLÁUDIA VALÉRIA DONÁ HILA
Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em
Letras (UEM). Mestre em Lingüística Aplicada (UEM). Doutoranda em
Estudos da Linguagem pela UEL.
ELVIRA LOPES NASCIMENTO
Professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduada em
Letras Anglo Portuguesas (UEL). Mestre em Filologia e Língua Portuguesa
(USP). Doutora em Filologia e Língua Portuguesa (USP).
LÍLIAN CRISTINA BUZATO RITTER
Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em
Letras (UEM). Mestre em Linguística Aplicada (UEM). Doutoranda em
Estudos da Linguagem pela UEL.
RENILSON JOSE MENEGASSI
Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em
Letras (UEM). Mestre em Linguistica (UFSC). Doutor em Letras (Unesp).
obre os autoresS
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A coleção Formação de Professores – EAD teve sua primeira edição em 2004,
comapublicaçãode33 títulosfinanciadospelaSecretariadeEducaçãoaDistância
(SEED)doMinistériodaEducação(MEC)paraqueoslivrospudessemserutilizados
comomaterialdidáticonoscursosdelicenciaturaofertadosnoâmbitodoPrograma
deFormaçãodeProfessores(Pró-Licenciatura1).Atiragemdaprimeiraediçãofoide
2500exemplares.
Apartirde2008demosinícioaoprocessodeorganizaçãoepublicaçãodasegunda
ediçãodacoleção,comoacréscimode12novostítulos.Aconclusãodostrabalhos
deveráocorrersomentenoanode2012, tendoemvistaqueofinanciamentopara
estaediçãoseráliberadogradativamente,deacordocomocronogramaestabelecido
pelaDiretoriadeEducaçãoaDistância(DED)daCoordenaçãodeAperfeiçoamentode
PessoaldoEnsinoSuperior(CAPES)queéresponsávelpelodoprogramadenominado
UniversidadeAbertadoBrasil(UAB).
Aprincipioserãoimpressos695exemplaresdecadatítulo,umavezqueoslivros
nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no
CursodePedagogia,ModalidadedeEducaçãoaDistância,ofertadopelaUniversidade
EstadualdeMaringá,noâmbitodoSistemaUAB.
Cadalivrodacoleçãotraz,emseubojo,umobjetodereflexãoquefoipensado
paraumadisciplinaespecíficadocurso,masemnenhumdeles seusorganizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticasconstruídashistoricamentenoqueserefereaosconteúdosapresentados.O
quesebusca,comcadaumdoslivrospublicados,éabrirapossibilidadedaleitura,
dareflexãoedoaprofundamentodasquestõespensadascomofundamentaisparaa
formaçãodoPedagogonaatualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dualdeMaringá(UEM)edasinstituiçõesquetemsecolocadocomoparceirasnesse
processo.
Em função disto, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais
instituições queorganizaram livros ou escreveram capítulospara os diversos livros
destacoleção.
Agradecemos, ainda, à administração centraldaUEM,quepormeioda atuação
diretadaReitoriaedediversasPró-Reitorias,nãomediuesforçosparaqueostrabalhos
presentação da ColeçãoA
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Escrita E Ensino pudessemserdesenvolvidosdamelhormaneirapossível.Demodobastanteespecifi-
co,destacamosaquioesforçodaReitoriaparaqueosrecursosparaofinanciamento
destacoleçãopudessemser liberadosdeacordocomos trâmitesburocráticoseos
prazosexíguosestabelecidospeloFundoNacionaldeDesenvolvimentodaEducação
(FNDE).
Internamente destacamos, ainda, o envolvimento direito dos professores do De-
partamentode Fundamentos da Educação (DFE), vinculado aoCentrodeCiências
Humanas, Letras e Artes (DFE), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforçosparaqueocursodePedagogia,namodalidadedeeducaçãoadistância,pu-
dessesercriadooficialmente,oqueexigiuumrepensarnotrabalhoacadêmicoeuma
modificaçãosignificativadasistemáticadasatividadesdocentes.
NoqueserefereaoMinistériodaEducação,ressaltamosoesforçoempreendido
pelaDiretoriadaEducaçãoaDistância(DED)daCoordenaçãodeAperfeiçoamento
dePessoaldoEnsinoSuperior(CAPES)epelaSecretariadeEducaçãodeEducaçãoa
Distância(SEED/MEC),queemparceriacomasInstituiçõesdeEnsinoSuperior(IES)
conseguiramromperbarreirastemporaiseespaciaisparaqueosconvêniosparalibe-
raçãodos recursos fossemassinadoseencaminhadosaosórgãoscompetentespara
aprovação,tendoemvistaaaçãodiretaeeficientedeumnúmeromuitopequenode
pessoasqueintegramaCoordenaçãoGeraldeSupervisãoeFomentoeaCoordenação
GeraldeArticulação.
EsperamosqueasegundaediçãodaColeção Formação de Professores - EAD
possacontribuirparaaformaçãodosalunosmatriculadosnocursodePedagogia,bem
comodeoutroscursossuperioresadistânciadetodasasinstituiçõespúblicasdeen-
sinosuperiorqueintegramepossamintegraremumfuturopróximooSistemaUAB.
Maria Luisa Furlan Costa
Organizadora da Coleção
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Estelivro,comooprópriotítuloindica,pretendeabordaralgunsconceitosrelati-
vosàsconcepçõesdeescrita,visando,sobretudo,aoensinodaLínguaPortuguesanas
sériesiniciaisdoEnsinoFundamental.
Nestesentido,oorganizamoscomafinalidadedequetaisconcepçõesdeescrita
possam ser apreendidaspor você, caro(a) aluno(a), emuma abordagemobjetiva e
pedagógica,acomeçarpelousodalinguagem,omaisdidáticapossível,comodeve
seremsetratandodeumlivrodidático,comoéocasodestelivro,quesepretendede
longoalcanceeeficáciaaosCursosdePedagogia,sejamestesnamodalidadeadistân-
cia,sejamnapresencial.
Dessa forma, no primeiro capítulo, intitulado ‘Concepções de Escrita’, Renilson
JoséMenegassiapresentaalgumasconcepçõesdeescritadiscutidasnoBrasilapartir
dosaportesteóricosdeBakhtineVygotsky,agrupando-asdeacordocomaperspectiva
teóricaassumidaporessespesquisadores,queseconstituem,naatualidade,afonte
dosestudosdosquesedebruçamsobreoensinodalínguaportuguesaeseusdesdo-
bramentos.Ocapítuloaindatrazexemplosbastanteilustrativosdessasconcepçõesde
escrita,cujasatividadespodemaindasertrabalhadasemsaladeaulaporvocê,objeti-
vandoainteraçãosocialentrealuno,texto,professor.
Nosegundocapítulo,‘Osgêneroscomoinstrumentosparaoensinoeaprendiza-
gemdaleituraedaescrita’,CláudiaLopesNascimentoSaitoeElviraLopesNascimento
discorremsobreosgênerostextuaisnaperspectivadoensinoedaaprendizagemda
leitura e da escrita. Em sua exposição, temos clara a definiçãode gêneros textuais
comoconstruçõessociaisehistóricas,equeapesardeconfiguraremasaçõeshumanas
emqualquercontextooudiscurso,nãosãoinstrumentosestanques,queenrijecema
açãocriativadohomem,massãomaleáveis,dinâmicos,transformam-seeseadaptam
àsnecessidadeseatividadessociaiseculturais.Essadefiniçãoauxiliaemuitootrab-
alhoemsaladeaulacalcadonavisãointeracionistadalínguaportuguesa.
Noterceirocapítulo,‘Aproduçãodetextosnosanosiniciais’,CláudiaValériaDoná
Hila preocupa-se em demonstrar, com exemplos consistentes, a diferença existente,
jánasprimeirassériesdoEnsinoFundamental,entreredaçãoeproduçãotextual.A
finalidadeédemonstrarqueacompreensãodosignificadodasconcepçõesdelingua-
gemparaoensinodaescritaéfundamentalparagarantirousoeficazdalinguagem
nãoapenasnoâmbitodaescrita,masdeoutraspráticasdasaladeaulacomoaalfabet-
presentação do livroA
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Escrita E Ensino ização,otrabalhocomaleituraeaindaotrabalhocomagramática.
Noquartoeúltimocapítulo,‘AnáliselinguísticanoEnsinoFundamental’,Lil-
ianCristinaBuzatoRitterdebruça-sesobreoeixopráticoquecompõeoensinode
LínguaPortuguesa:aanáliselinguística.Oenfoqueabordadonãoéfazercomqueo
alunosaibagramáticacomoumfimemsimesmo,masqueestasejaconcebidacomo
uminstrumentoparamelhorarasuacompetênciadiscursiva.Destaca-senocapítulo
anecessidadedeainstituiçãoescolarpossibilitarqueoalunoaprendaalidarcomos
diferentesmodosdeconcretizaçãoquealinguagemapresenta,tomandooconceito
bakthinianodegênerosdiscursivospararespaldaroensinoeaaprendizagemda
línguaportuguesa.
Esperamosqueaorganizaçãodestescapítulos,astemáticasnelestrabalhadas,as
concepçõesdelinguagemedeescritaaelessubjacentes,osexemplosdesenvolvidos
eexplicitadosconsigamoobjetivomaioraquenospropomoscomoorganizadoresdo
livro,preocupadoscomaquestãodoensinoeaprendizagemdeLínguaPortuguesa:
propiciaraosfuturosprofessoresdassériesiniciaisdoEnsinoFundamentalsubsídios
paraumtrabalhoeficazemsaladeaula,demodoquepossamlevarosseusalunosa
experienciaremoensinoeaaprendizagemdalínguaportuguesaemumaconcepção
interacionista,comumtrabalhovoltadoàrealidadesocialquepermeiatexto,profes-
sorealuno.
AnnieRosedosSantos
Lilian Cristina Buzato Ritter
RenilsonJoséMenegassi
Organizadores
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Renilson José Menegassi
Aoconsiderarmos a abordagemdeensinoe aprendizagemde línguaque se in-
spiranosociointeracionismo,aprender,bemcomoensinar,significaconstruirnovo
conhecimentoapartirdeoutrosjáestabelecidos.Entretanto,oqueobservamosnas
escolaséqueoprofessornãopassadeumtreinadoreoprocessodeaprendizagem,
umaalienação.Percebemostambémqueaquelequeensinaaescrevernãoescreve,
poisconformeMenegassi,“oprofessornãoéumprodutordetextos.Éumavaliador
dostextosproduzidospelosalunos”(2003,p.55);alémdisso,asuaparticipação“no
processodeproduçãodetextosemsituaçãodeensinoérestritaadoismomentoses-
tanques:aentregadocomandoaoalunoeaavaliaçãodaredaçãoproduzida”(p.55).
Porisso,tem-sediscutidomuitosobreaformaçãodosprofessores,eespecificamente
noensinodelíngua,questiona-seasuaformaçãosobreoensinarosalunoseoseu
aprenderalereaescrever.
AlgumasconcepçõesdeescritasãodiscutidasnaliteraturaproduzidanoBrasil,to-
dasapartirdospressupostosteóricosdeBakhtineVolochinov(1992),Bakhtin(2003)
eVygotsky(1998).Nestesentido,expomosaquialgumasdessasconcepções,quesão
agrupadas em função da perspectiva teórica assumida pelos pesquisadores. Assim,
observamos,naliteraturabrasileirasobreLinguísticaAplicada,discussõesrelativasàs
concepçõesdeescritaapartirdedoisagrupamentos,quesãoapresentadosseparada-
mente,contudo,suascaracterizaçõesconvergememmuitosaspectos:
a) escritatreinadaeescritaespontânea;
b) escrita com foco na língua; como dom ou inspiração; como consequência;
comotrabalho.
a Escrita trEinada E a Escrita EspontÂnEa
Soares(2001)mostraadiferençaentreaescritatreinadaeaespontânea.Naprimei-
ra,háareprodução,aimitaçãodeideiasetextos,emqueashipótesesdoaluno,nesse
casooprodutordotexto,sãoimpedidas,jáquenãosepodeerrarnesseprocessode
produção.Deparamo-noscomumaconcepçãotradicional,emqueseescreveparaa
Concepções de escrita1
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Escrita E Ensino escola,nãohavendosingularidade,poissãoproduzidostextoscoletivos,homogêneos,
istoé,redaçõesescolares.
AlgunsexemplosdeatividadesdeproduçãodetextoaplicadasnoEnsinoFunda-
mentaldemonstramcomoessaconcepçãodeescritaétreinada.Vejamos:
Exemplo 1:
A FormigA ViriAtA
Viriataéumaformigafeliz.
Elamoranumburaco,atrásdocanteirodealface.
Elaandasempreafobadaporquefazentregasnafeira.
Hojeelalevou:couve,feijão,farinhaefubá.
Viriataéumaótimavendedora.
Autora: Graça Batituci
Aumenteaestória,ouseja,crieoutrasfrasesquecontinuemotexto.
Nesseexemplo,oalunoéconvidadoaaumentarahistóriadaformigaViriata,apenas
criandofrases.Notamosqueotextoapresentadocomoapoioàproduçãoétambém
formado apenas por frases, e nesse contexto ao aluno cabe apenas a formulação de
frases,oqueatendeadequadamenteàsolicitaçãodocomando.Comisso,aconcepção
de escrita treinada demonstra como a construção frasal foi trabalhada em sala de aula
eseefetivanaproduçãodotextodoaluno,emníveisevidentementefragmentários.
Exemplo 2:
Escolhaumdosseguintestemasefaçaumaproduçãodetexto.
Umdianocirco.
Umpalhaçoengraçado.
Nesse exercício, o aluno deve demonstrar como o treinamento de escrita re-
alizadoem salade aula semanifestanopapel. Para tanto, basta ao alunobuscar
informaçõesemseusconhecimentosprévios sobreumdos temasapresentadose
escreverumtextoque,porsinal,nãohádelimitaçãoalguma,istoé,nãosedeter-
minaoqueescrever,paraquemescrever,quetextoescrever,apenasdetermina-se,
demaneirasubliminar,queaescritatreinadaemsaladeaulasemanifesteapartir
dasolicitaçãoapresentada.
Exemplo 3:
13
A ChuVA
-Solzinhovem,vem,queeudou-teumvintém...Porcimadotel-
hadoqueeudou-teumrealrasgado.
QuemcantavaassimeraoZezinho.
-Vocênãoquerchuvahoje,Zezinho?–perguntouopai.
-Nemhoje,nemnunca.Achuvaéumacoisamuitoaborrecida!O
paizinhonãoacha?
-Àsvezes,meufilho.Mas,vocêestáenganado.Achuvaéumacoisa
muitonecessária.
-Sóseforparalavarostelhados!
-Não.Semchuva,todasasplantasmorreriam.Morrendoasplantas,
osanimaisnãoteriamquecomer.Todosmorreriamtambém.
Expressãoescrita:
ComodiziaopaidoZezinhoachuvaéumacoisamuitonecessária.Escreveum
pequenotextoondeexpliquequalaimportânciadachuva,sobqueformacaieoque
aconteceàchuvaquecainaterra,quandochovemuito.
Nessaatividade,aescritatreinadasemostraapartirdasperguntasapresentadasno
comando.Dessaforma,aoalunocaberesponder,nasequência:
a)qualaimportânciadachuva;
b)sobqueformaachuvacai;
c)oqueaconteceàchuvaquecainaterraquandochovedemais.Oalunoresponde
àsperguntaseseutextoestápronto.Comessetreinamento,oalunonãofoge
aotemaproposto,poisasperguntassãodirecionadorasdoprocessodeescrita.
Asegundaconcepçãodeescritaéaespontânea.Apartirdela,criam-sehipóteses,
emqueoerroépermitido;oalunousaaspalavrasqueacharnecessário,havendo,
portanto,aproduçãodetextossingulares,heterogêneos.
ParaCarvajal Pérez e RamosGarcia (2001), na escrita treinada considera-se um
“sujeitopassivodeaprendizagemquereconhece,recorda,reproduzerepete”e,na
espontânea,“umserinteligentecomcapacidadescognitivas,nãosósujeitodeapren-
dizagem,mas,também,portadordeconhecimento”(p.19).Conhecimentoquenão
seformapelaimitaçãosomente,masqueseconstróiapartirdainteraçãocomooutro
ecomomeio,dentroeforadaescola.
Ecomoensinaraescritaespontânea?Seráqueosprofessoressabemcomofazerouapre-
sentamosrequisitosnecessáriosparaensiná-la?SegundoCarvajalPérezeRamosGarcia,
concepções de escrita
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Escrita E Ensino Éprecisofacilitarainteraçãocomalínguaescritatalqualelaéeapresentaraleituraeaescritaemcontextosfuncionais;énecessáriointerpretareproduzirtextosdediversosestilosegêneros,elidarcomtodaagamademateriaisescri-tosutilizadosforadoâmbitoescolar.Temosdeapresentaraleituraeaescritacomoumdesafiocognitivo,enãocomoumaaprendizagemmecânicadeumatécnica(2001,p.23).
Logo,paraqueissoocorra,éprecisoquehajatemposuficienteparaainternaliza-
ção do conhecimento, amadurecimento e sedimentação das palavras alheias, oriundas
desses textos, atéque se tornempalavrasprópriasdo indivíduoqueproduz textos
(BAKHTIN,2003;GERALDI,1993).Énecessáriaapresençadeummediadorquefaça
aintervençãoedesestabilizeooutro,alémdapresençadeummeiosocialamplo,que
determineaestruturadaenunciação(BAKHTIN;VOLOCHINOV,1992).
Comoformadeauxiliarnodesenvolvimentodehabilidadesdeescritaespontânea
juntoaosalunos,Soares(2001)tambémapresentaváriasatividadescomosugestões
deaçãopedagógica,como:
a) “atividadesquecriemoportunidadesparaqueoaluno‘descubra’apossibili-
dadeounecessidadedeusaralínguaescritacomoformadecomunicação,de
interlocução”,apresentandoumadiversidadedegênerostextuaisdasociedade,
paraqueelepercebaaimportânciadacomunicaçãoescritaemsuavidasocial;
b) “situaçõesdeproduçãodetextotantoquantopossívelnaturaisereais,ades-
peitodainevitávelartificialidadedocontextoescolar”,ouseja,propiciarsitua-
çõesnaturaisemqueoalunopossaseexporeapresentarsuasexperiências,sua
vida,tornar-seautordeseustextos;
c) “situaçõesemqueaexpressãoescritaseapresentecomoumarespostaaumde-
sejo ou a uma necessidade de comunicação, de interação”, a partir de situações
naturais,deescritaespontânea,emqueseescrevanaescolaenãoparaaescola,
tendoanoçãodequeaescritanãoésomenteumaatividadeaseraplicadaem
umfuturopróximo,emsituaçõessociaisquesomenteacontecerãoquandoele
setornarumefetivotrabalhadorperanteasociedade;
d) “o aluno tenha, pois, objetivos para escrever e destinatários (leitores) para
quemescrever”,istoé,queoalunonãoescrevaapenasparatirarnotaelograr
aprovação,masparaatenderaumafunçãosocialequeointerlocutornãoseja
apenasoprofessor;
e) “devemseguir-seatividadesdeanáliseeavaliação”dostextosproduzidos,para
queoeducandoaprenda,juntamentecomoprofessor,naposiçãodeco-produ-
tor,enãosomentedecorretor-avaliadordotexto,aanalisarseutextoeconsiga,
aospoucos,realizaraatividadesemauxíliodeoutrem;
f ) “atividadesemquesediscutamseaspeculiaridadesdogênerodotextoforam
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observadas,seotextoestábemestruturadoe[se]hácoerêncianodesenvolvi-
mentodasidéias”,afimdequeoprodutoraprendaarefletirsobreoconteúdo
eaformadeseutexto,comointuitodechegaràautocorreção;
g) “seoníveldeinformatividadecorrespondeàscaracterísticasdoleitorpreten-
dido”,enfatizando,assim,aimportânciadosinterlocutoresnesseprocessode
interaçãosocialviatextosescritos;
h) “serecursosdecoesãosãoutilizadosdeformaapropriada”eaindase“costur-
am”otexto,paraqueoaprendizentendaqueasideiaseosparágrafosprecisam
estararticulados,formandoumaunidadedesentido;
i) “seavariedadelinguísticaeoregistroescolhidossãoadequadosaotema,aoob-
jetivo,àsituaçãointerlocutiva”,ouseja,seotextoestárespondendo,deforma
adequada,assuascondiçõesdeprodução.
De tal modo, para colocar em prática essas atividades, conforme Soares, é ne-
cessárioqueoprofessor:
Conheçabemasrelaçõesentreosistemafonológicoeosistemaortográfico,compreendaaescritacomorepresentaçãoenãocomo transcriçãoda línguaoral,sejacapazdeidentificaravariedadelingüísticafaladapelacriançae,as-sim,nãosópreverosproblemasqueessacriançaenfrentará,[...]mastambémcompreenderessesproblemase[...]saberdiscuti-loscomacriança.[...]com-preendaoprocesso lingüísticoepsicolingüísticodeaprendizagemda línguaescrita[...][saiba] identificaremqueestágiodoprocessodeapropriaçãodosistemaacriançaseencontra,saiba interpretarashipóteses[...]selecionareorganizardados,[...]levá-laaconfrontaressashipóteses[...][tenha]compre-endidoeassumidoumaconcepçãodelínguacomodiscurso,delínguaescritacomoatividadeenunciativa,[...][conheça]osprincípiosqueregemasrelaçõesautor-leitor, autor-texto, leitor-texto, [saiba] dominar as características dos di-ferentes gêneros de texto escrito, as exigências de diferentes portadores daescrita(2001,p.72-73).
Oeducadorquepreencheessesrequisitostem,deformaconsolidada,umacon-
cepçãodelínguaedeescritaapartirdaabordageminteracionista,emqueotextoé
vistocomoo“própriolugardainteração”(KOCH,2002,p.17),emqueseconsid-
eram, na escrita, os aspectos da interação verbal, nos pressupostos bakhtinianos e
vygotskianos:ainternalizaçãodoconhecimento,amediação,odiálogoeosmecanis-
mossociaiseinterativos.Enfim,queaescritasejasinônimodetrabalhocomalíngua.
Oexemploparaaconcepçãodeescritaespontâneaéapresentadojuntoàconcep-
çãodeescritacomotrabalho.
as concEpÇÕEs dE Escrita
concepções de escrita
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Escrita E Ensino O ensino da produção textual escrita em língua materna passou, ao longo da
históriadaeducaçãobrasileira,porváriasconcepçõesdeescrita,queseestabelece-
ramemfunçãodasconcepçõesdelinguagemedeensinovigentesemcadaperíodo
histórico.Assim,sãoconhecidasquatroconcepçõesdeescrita:
-escritacomfoconalíngua;
-escritacomodom/inspiração;
-escritacomoconsequência;
-escritacomotrabalho.
As duas primeiras concepções estão voltadas às pressuposições teórico-met-
odológicas da concepção de linguagem como expressão do pensamento (KOCH;
ELIAS,2009),emqueodomínioderegrasgramaticaiséoprincípioparaaconstrução
deumtextoescrito.Consequentemente,essedomínioédepoucos,somentedaqueles
queapresentam“inspiraçãodivina”,quenascemcom“odomdeescrever”,conforme
determinavamasideiasplatonianasquederamorigemaessametáfora.Poroutrolado,
aconcepçãodeescritacomconsequência(SERCUNDES,2001)éabordadapelacon-
cepçãodelinguagemcomoinstrumentodecomunicação,emquebastaaaquisiçãode
estruturaslinguísticasdeumadeterminadalínguaparaqueumindivíduoestejaaptoa
desenvolverumtextoescrito.Porfim,aconcepçãodeescritacomotrabalho,abordada
pelaconcepçãointeracionistadelinguagem(GERALDI,1993,2001;FIAD;MAYRINK-
SABINSON,1994;KOCH;ELIAS,2009).
a escrita com foco na língua
Émuitofrequenteaumprofessordelínguamaterna,ouatémesmoqualquerpes-
soaqueavalie textosescritos,aosedepararcomoumaproduçãotextual, tercomo
primeirareaçãocorrigir,diretamentenotexto,errosdegrafia,desviosdeconcordân-
ciaesintaxe, istoé,aspectosformaisqueapresentamdesviosànormapadrão-culta
dalínguaescrita.Talposturaevidenciaaconcepçãodeescritacomfoconalínguaque
essapessoateminternalizadacomoprocedimentometodológicodetrabalhocomo
textoescrito.
Paraqueessaconcepçãodeestabeleça,aoalunosãoapresentadasmuitasregras
gramaticais,assimcomováriosexercíciosdegramática,comofimdequeinternalize
todasasfunçõesgramaticaiseperspectivaslinguísticasquealínguaeruditafornece
(KOCH; ELIAS, 2009). Para tanto, o aluno realiza inúmeros exercícios referentes a
sinaisdepontuação,grafiadepalavras,concordância,regência,colocaçãopronominal
emuitosoutros tópicosda gramática tradicional. Assim, comessas regras internal-
izadas,oalunoproduziráseutextodentrodanormapadrãoescrita.Porissomuitos
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alunosafirmamqueescreveréconhecerasregrasgramaticaisdalíngua,éterumbom
vocabulário,porque,na realidade, sãoessesos critériosquenormalmente sãoem-
pregadosparaseavaliarseustextos.
Exemplo de solicitação de produção escrita nessa concepção ocorre em situações
comoadescrita:
Contexto:Os alunos trabalharam com dois exercícios que discutiam as regras de apresentação de adjetivo anteposto e posposto ao substantivo. Num deles, havia atividades de adjetivos pospostos; no outro, atividades com adjetivos antepostos. Em seguida, é oferecido um comando de produção escrita ao aluno:“Escreva algumas linhas sobre a responsabilidade do profissional em qualquer área de trabalho. Não se esqueça de empregar adjetivos antepostos e pospostos, conforme a necessidade da descrição realizada no texto.”
Nessaprodução escrita, o aluno tem comoobjetivo apenas a escrita depoucas
linhas,porémdeve-seatentaràutilizaçãodoadjetivoeàsposiçõesqueocupanafrase,
evidenciando-seaconcepçãodeescritacomfoconalíngua.
a escrita como dom/inspiração divina
Nessaconcepção,aproduçãotextualescritanascedeumtítulo,deumafraseque
expõeumtemaaoalunoparaqueproduzaumtexto,semqualqueratividadeprévia
desustentaçãodeinformações,ouatémesmodeconsolidaçãodeideiasparaode-
senvolvimentodotexto(SERCUNDES,2001).Nestesentido,oautordotextoproduz
apenasapartirdasinformaçõesinternalizadasacercadoassunto,queépressuposto
comoconhecidoedivulgadopelosmeiosdecomunicação,semqualquerdiscussão
sobreotema.Decertamaneira,essaestratégiadeproduçãoocupaoespaçodetempo
doalunoemantémadisciplinanasaladeaula,evitandoquecirculepelasalaepela
escola, fazendocomqueseucomportamentosejacontroladopelaescritaquedeve
produzir,nãopelainteraçãoquedeveriaseestabelecercomasituaçãodeprodução
textual.
Nessaperspectiva,oautor,nocasooaluno,pensaqueoatodeescreveréarticular
informações, demaneira a exteriorizar logicamente o pensamento, suas intenções,
semlevaremcontaasexperiênciaseosconhecimentosdoleitorouainteraçãoque
envolveesseprocesso.Dessaforma,ocompromissocomoatodeescreversedilui,já
queoalunoéconscientedequeoprofessorapenasirárecolherasredaçõesevistá-las,
apresentando a marca √ diretamentenotexto,quesignifica“vistopeloprofessor”,do
verbo“ver”,enão“lidopeloprofessor”,comoefetivamentedeveriaacontecer.
Umexemplotípicodessaconcepçãodeescritaocorrequando,nasaladeaula,o
concepções de escrita
18
Escrita E Ensino professorcolocanoquadroumafrasecomo:
“Amazônia:opulmãodomundo”
e solicitadosalunosaproduçãodeuma redação sobreesse tema.Oalunode-
verábuscaremseusconhecimentosenas informaçõesqueconhecesubsídiospara
escreverumtexto;paraisso,bastaquetenhao“domdivino”oua“inspiraçãodivina”
paraproduzi-lo,emumarecorrênciaapoderesespirituaisdivinosparaescrever,con-
formesustentavamosantigosescribasdostemplosreligiosos.Oresultadodessaabor-
dagemmetodológicaéumtextosemfinalidademarcada,seminterlocutordefinido,
semgênerotextualpropostoe,consequentemente,semobjetivoparaprodução.Essa
concepçãodeescritaocorreucomoabordagemdetrabalhopormuitosanoseaindaé
empregadaemmuitassalasdeaula.
a escrita como consequência
Nessaconcepção,aescritaéumaconsequênciadeumtrabalhorealizadonasala
ouextraclasse,demaneirahomogeneizada.Nasaladeaula,oalunoéconduzidoàre-
alizaçãodeumapesquisa,aassistirumfilme,aparticipardeumdebate(SERCUNDES,
2001).Nasituaçãoextraclasse,oalunoélevadoaumpasseio,avisitarumdetermi-
nadolugarescolhidopelaprofessora,enfim,aalgumaatividadequeretireoalunodo
perímetroescolar.Emambasassituações,aconsequênciaporrealizarumaatividade
diferenciadadastradicionaiséaproduçãoescrita,normalmentedeumrelatório,que
será visto (√) peloprofessor,nãonecessariamentelidoecorrigido.Assim,ficaaim-
pressãodequeapenalidadeporterrealizadoumaatividademotivadoradeinteração,
dentroouforadasaladeaula,éaproduçãodeumtextoescrito.
Nessaperspectiva,otextoproduzidopeloalunoévistocomo:
• registroescritoqueserveparaaatribuiçãodeumanota;
• registroescritoquepenalizaoalunopelaatividadeextrarealizada;
• registroescritoquecomprovaqueoalunoparticipoudaatividadeproposta,
nãonecessariamentequeacompreendeu;
• produtoparaacorreçãodoprofessor;
• produtoquelevaoprofessoràcomparaçãocomostextosmaisfracos;
• produtodaavaliaçãodaatividaderealizada.
Nessa concepção, não há consideração do tempo de sedimentação necessário
paraainternalizaçãodosconhecimentosedasinformaçõesqueoalunorecebeu(VY-
GOTSKY,1998;SERCUNDES,2001;MENEGASSI;OHUSCHI,2008).Otextodeveser
19
escritologoemseguida,entregueeavaliadocomrapidez,paraqueumanovaativi-
dadepossaserimplementadaemsaladeaula.Nessecontexto,desconsidera-seque
cadaalunotemseuprópriotempodesedimentaçãodeinformações,oqualseestabel-
eceemfunçãodafinalidadepropostaparaotrabalhodeproduçãoescrita.
Umexemplodetrabalhocomessaabordagemacontecequandooprofessorleva
osalunosdeumdeterminadoanoparaaestaçãodetratamentodeáguadacidade
paraque aprendamdeonde vema águaquebebem, comoé tratada edistribuída
diretamenteàs casasdosmoradores.Nesseprocesso,é comumobservarosalunos
munidosdecadernooupranchetaecaneta,anotandooqueforpossíveldasinúmeras
informaçõesqueotécnicodaempresadetratamentodeáguarepassa.Nessecaso,a
preocupaçãoemanotar informaçõesparaaproduçãodorelatórioaserentregueé
maiordoqueadeaprendersobreotratamentodeágua,poisafinalidadedeestar
alitemcomoconsequênciaaproduçãodorelatórioaserentregueaoprofessor,que
normalmenteapenasovista.
a escrita como trabalho
Nessaconcepção,aescritaéconsideradaumprocessocontínuodeensinoeapre-
ndizagem,emqueháreaisnecessidadesparaoalunoescrever.Assim,asatividades
préviassãoessenciaiscomopontosdepartidaparasedesencadearumapropostade
escritaapartirdainteração(SERCUNDES,1998).Nela,otextoéopontodepartida
edechegadaanovasproduções(GERALDI,1993),constituindo-setambémcomoo
lugardeinteraçãoaosparticipantesdesseprocesso(BAKHTIN;VOLOCHINOV,1992;
BAKHTIN,2003;GERALDI,1993),nocaso,oprofessor,oalunoeoprópriotextoem
construção.
Paraqueseproduzaotextoescrito,oautorpassapelasetapasdoprocesso:plane-
jamento–execuçãodotextoescrito–revisão–reescrita.Nelas,oprofessorauxilia
comoco-produtordotexto,orientandosempreafinalidade,ointerlocutoreogênero
aserproduzido(MENEGASSI,2003).Nesseâmbito,aescritaéumtrabalhoconsciente,
deliberado,planejado,repensado,porissoadenominação“trabalho”paraessacon-
cepção.Énotrabalhodeplanejamentoqueasatividadespréviassãoaproveitadase
orientadasparaaexecuçãodaescrita.Nessaetapa,oalunoconsideraafinalidade,oin-
terlocutoreleitoeogênerotextualescolhidoparatrabalharsobreotema,aorganiza-
çãocomposicionaleoestilodelínguanaproduçãotextual(BAKHTIN,2003).Porsua
vez,nosprocessosderevisãonasceareescrita,quelevaamodificaçõesnotextoinicial,
considerando-seoselementosjámencionados.Porissoessaconcepçãodeescritaé
conhecidacomo“trabalho”,porquedátrabalhopreparar,construir,revisar,reescrever
eavaliarumtexto,porissomesmoelaéconsideradacomopertencenteàabordagem
concepções de escrita
20
Escrita E Ensino processual-discursivadeescrita,distinguindo-sedasconcepçõesjádiscutidas.
Como exemplo dessa concepção de escrita, observemos a descrição da atividade
quelevoualunosàestaçãodetratamentodeáguaeàproduçãodorelatórioadvindo
desse trabalho.Evidentemente,essapropostaéumaampliaçãodaquelaexpostana
concepçãodeescritacomoconsequência,queprecisaseradaptadaaoanoescolar,à
finalidade,aointerlocutoreaogênerotextualdefinidospreviamente.Aatividadeestá
adequadaaospropósitosdaconcepçãodeescritacomotrabalho,sendopertinenteàs
propostasteórico-metodológicasatuais.
Tema:o trAtAmEnto DA águA quE bEbEmos
i - Leitura e trabalho com textos envolvendo a temática sobre água em algumas
disciplinas, em uma relação interdisciplinar:
LínguaPortuguesa–poema,letrademúsica;
Ciências–textocientíficosobreacomposiçãoeotratamentodeágua;
História–relatossobreousodaáguaaolongodahistóriahumanaeasformasde
tratamentoempregadas;
Geografia–descriçõeserelatossobreaslocalizaçõeseutilizaçõesdemananciais
deáguaparaconsumohumano;
Matemática–asmedidaseformasdeenvasamentodaágua.
II - Delimitação da finalidade, do interlocutor e do gênero textual que será
produzido:
Finalidade:apresentarcomoocorreoprocessodecaptação,tratamento,armaze-
namentoedistribuiçãodaáguaparaconsumohumano;
Interlocutor:alunosdassériesqueparticiparamdavisitaàestaçãodetratamento
deágua;
Gênerotextual:relatodeexperiência;
Suportetextual:folhadepapelsulfite;
Meiodecirculaçãosocial:quadrodemadeiraexpostonocorredordaescola.
iii - Delimitação de regras entre os participantes:
a) Escribas:escolhadeduaspessoasnasalaquefarãoopapeldeescribas,istoé,
aquelesqueanotarãoas informações importantesqueosparticipantesdeter-
minaremcomorelevantes.Devemosobservarquenão sãoanotaçõesqueos
escribasdeterminarãocomopertinentes,massimaquelasqueosparticipantes,
osdemaisalunosdasala,escolherem;
21
b) Participantes:não levarãomaterialparaanotações,contudodeverãorepassar
aosescribasquaissãoasinformaçõesmaisrelevantesquesãoexpostasdurante
avisita.Umdetalhe,nessecaso,équeasinformaçõesnãopodemserepetir,o
quelevacadaparticipanteaprestaratençãoemquaisdelasjáforamapresenta-
dasaosescribas.
iV - Planejamento do texto:
Em dia posterior, todas as anotações realizadas pelos escribas são expostas no
quadro,paravisualizaçãogeral.Apartirdisso,inicia-seoprocessodeplanejamentodo
gênerotextualescolhido:
a) levantamentodetodasasinformaçõesnoquadro;
b) observaçõesdequaisinformaçõessãorepetidas;
c) eliminaçãodasinformaçõesrepetidase/oudesarticuladascomotema;
d) escolhadedezoumaisinformaçõesprincipais,querepresentemoconjuntode
informaçõeslevantadas;
e) encaminhamentodaproduçãodorelatodeexperiência.
V - Execução do texto:
Oaluno,depossedasdezprincipais informações levantadasnavisita àestação
detratamentodeágua,produzotextosolicitado,demaneiraindividualoucoletiva,
conformeorientaçãodocente.Essaproduçãopodeserrealizadanasaladeaula,ou
atémesmoemcasa.
Vi - revisão do texto:
Ostextossãorevisadosdeduasmaneiras:a)pelopróprioaluno;b)porumdeseus
paresdasaladeaula.Nessarevisão,deve-seobservarqueasdezinformaçõeslevanta-
dascomoasprincipaisdevemseranalisadas,paraqueseverifiqueseestãoconstando
completamentedotextoproduzido.Casofalteumadelas,oalunodevereescreverseu
textoàluzdesselevantamento.Outrasituaçãoéobservarse,notextoproduzido,há
algumainformaçãoquenãoestásuficientementeesclarecida,articulada,relacionada
ecoesacomotextoconstruído.Casoissoaconteça,oprocessodereescritaéativado.
Vii - Avaliação do texto:
Todotextodeveseravaliadocomcritériosquesejamapresentadosanteriormente
aoaluno.Assim,devemosapresentaraosparticipantesocritério inicialdequeseu
texto será avaliado a partir da exposição das dez informações consideradas mais rel-
evantesparatodaaclasse.Comisso,oprofessorfazaavaliaçãodeumtextomuito
concepções de escrita
22
Escrita E Ensino maiscompleto,jápensadoemodificadopeloaluno,emumanítidaconfiguraçãode
queoprocessodeescritaestásendoefetivamenteimplementado.
Viii - Circulação social do texto:
Apóstodoessetrabalho,otextoéexpostonoquadrodemadeiranocorredordaes-
cola,paraqueosalunosquenãoforamàestaçãodetratamentodeáguaconheçamcomo
éoprocessoapartirdosrelatosdeexperiênciasapresentadosàcomunidadedaescola.
Como podemos observar, o trabalho de produção textual escrita, nessa concepção,
émuitodiferentedaquelesdescritosnasseçõesquediscutemasdemaisconcepçõesde
escrita.Comisso,podemosafirmar,categoricamente,queescreveréumtrabalhodelib-
erado,pensado,interativo,dialógicoeprodutivo!Assim,essaéapropostaidealparaa
efetivaçãodaproduçãodetextosemsituaçãodeensino.
BAKHTIN,M.;VOLOCHINOV,M.Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6.ed.São
Paulo:Hucitec,1992.
BAKHTIN,M.Estética da criação verbal. 4.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,1997;
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escrever? PortoAlegre:Artmed,2001.
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23
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SOARES,M.Aprenderaescrever,ensinaraescrever.In:ZACCUR,E.(Org.).A magia
da linguagem. 2.ed.RiodeJaneiro:DP&A:SEPE,2001.
VYGOTSKY,L.S.A formação social da mente. 2.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,
1988.
sÍtios nA intErnEt
www.alb.com.br–AssociaçãodeLeituradoBrasil
www.escrita.uem.br–GrupodePesquisa“InteraçãoeEscrita”,UniversidadeEstadual
deMaringá
Proposta de Atividades
1) Prepareumapropostadeatividadedeproduçãotextualapartirdasdescriçõesapresenta-dasparaaconcepçãodeescritacomotrabalho.Façaadescriçãoconsiderandocadaumadasetapasdescritasnaseção2.4.
24
Escrita E Ensino
Anotações
25
Cláudia Lopes Nascimento Saito / Elvira Lopes Nascimento
a adoÇão das práticas dE lingUagEM coMo ponto cEntral do trabalho pEdagógico
Vocêjáparouparapensarnavariedadedepráticassociais
quevivenciamosemnossodia-a-dia?
Vocêsabequemuitasdelassóexistemcomepela linguagemeécomelaeporela
que nós, seres humanos, interagimos comnossos semelhantes; logo, não podemos
pensarnelacomoalgoestanquedenossavidaoudasnossasrelaçõessociais.
Naspráticas sociais,desempenhamosdiversospapéis (dealunoouprofessor,de
amigoounamorado,demãeoupai,deeleitor,deconsumidoretc.)eacionamosformas
cristalizadasdecomunicação,ouseja,de“tiposrelativamenteestáveisdeenunciados”,
osgênerosdodiscursoougênerostextuais.
Em cada esfera da comunicação humana, do cotidiano, da criação literária, da reli-
gião,dojurídico,docomércio,dosabercientífico,daescolaetc.,acomunicaçãoentre
osparceirosdainteraçãoconstituipráticassociaisdaculturaemqueseinserem.Pode-
mos considerar as práticas sociais como construções sociais e as atividades como ações
dos indivíduosexigidasporessaspráticas.Dessa forma,podemosconcluirque toda
sociedadeseorganizaporpráticassociais.Essaorganizaçãosocialédiferentedelugar
paralugar,deépocahistóricaparaépocahistórica,deculturaparacultura.Associeda-
des,aosetransformarem,gerametransformampráticassociaisouextinguemalgumas
jáexistentes.Estasdefinemnãoapenasasatividadesdelinguagem,masinstituempa-
péiselugaressociaisparaosquenelasseenvolvem.
Os gêneros como instrumentos para o
ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
2
26
Escrita E Ensino Assim,porexemplo,apráticasocial“vender”exigeaatividadede“apresentaçãodo
objeto”porpartedovendedoreade“ouvirapresentação”porpartedocliente.Essa
prática socialexigeaindaaaçãode“compraroobjeto”ou“recusaroproduto”por
partedocliente.Nessasatividadesenessaesferadetrocaverbal(aesferadasrelações
comerciais),ohomemelaboragênerosdodiscursoougênerostextuais:cheque,nota
fiscal, formulário, lista de compras, apresentação, cumprimento, telefonema, e-mail,
bate-papo,garantia,cartacomercial,manualdeinstrução,anúnciopublicitárioetc.
Jánapráticasocial“reuniãodecondomínio”,asatividadesexigidassãooutraseos
gênerosdediscursooudetextoaseremelaboradostambém(convocação,edital,lista
depresença,ataetc.).
Comotambémnapráticasocial“tribunaldejúri”(discursodedefesa,discursoda
promotoria, lei,petição, intimação,mandadodesegurança,alegaçõesfinais, recurso
etc.).
práticasocial“tribunaldejúri”
(discurso de defesa, discurso da promotoria, lei, petição, intimação,
Vocêpercebeuqueaspráticassociaisinstauramdiferentesatividadesde
linguagemque,porsuavez,envolvemdiferentesformasdeexpressão?
Em outras palavras, existem relações entre as práticas sociais, as atividades humanas
eostiposdeenunciadosqueaelasserelacionam.Otrabalhodidáticocomalinguagem
emsituaçãoimplicaumaconcepçãodelinguagemquenãosefechanasuacondiçãode
sistemadeformas,masabre-separaasuacondiçãodeatividadeeacontecimentosocial.
ComoafirmaBakhtineVoloschinov,“todapalavraédeterminadatantopelofatode
queprocededealguém,comopelofatodequesedirigeaalguém.Elaconstituijusta-
menteoprodutodainteraçãodolocutoredoouvinte.Apalavraéterritóriocomumdo
locutoredointerlocutor.”(1995,p.149).Odiscursoemergedaatividadecomunicativa
entreinterlocutoresemumcontextosocialdeterminado,linguagemefetivamenteutili-
zadanaspráticassociaiscomo,porexemplo:
• quandoumestudantelêensaios científicosereportagens, produz resenhas, or-
ganizaosdados resultantes de suas observações em tabelas e gráficos inseridos
em um relatório e o envia ao professor.
• Quando o pai de um aluno, para efetuar a matrícula dofilho,preencheumfor-
mulárioeumcheque eoapresentacomoregistrodenascimento.
27
• Quando a dona de casa prepara um bolo lendo uma receita culinária, faz uma
lista de compras, vaiaomercado,ondelêanúncios e embalagens e participa de
uma discussão paraobterdescontonospreços.
• Quandoosalunosorganizamumroteiro das tarefas acumprirparaaorganiza-
ção de uma festa na escola, escrevem bilhetes para os pais, enviam convites e
colamfaixaseanúncios nas paredes da escola.
• Quandoamãelêabula doremédiodeseufilho,contaumcontodefadasparaele, canta uma canção deninarelêumaparábola daBíblia.
• Quando o professor apresenta um enunciado de problema matemático no teste
queorganizaparaseusalunos.
• Quandoodiretordaempresaenviaume-mailparaogerenteeesteescrevecar-tascomerciaisaosclientes.
Comovocêpodeperceber,essasatividadesorganizame,aomesmotempo,sãoor-
ganizadaspormeiodeenunciadosquesão tãovariados,heterogêneosecomplexos
quantoasprópriasatividadesdohomem.ComoenunciaBakhtin:
ariquezaeavariedadedosgênerosdodiscursosãoinfinitas,poisavariedadevirtualdaatividadehumanaéinesgotávelecadaesferadessaatividadecomportaumrepertóriodegênerosdodiscursoquevaidiferenciando-seeampliando-seàmedidaqueaprópriaesferasedesenvolveeficamaiscomplexa(1992,p.279).
Emcadaesfera(oudomíniodiscursivo)dastrocasverbais,ohomem,nasinúmeras
situaçõessociaisdeexercíciodacidadania,respondeàsexigênciasdacomunicaçãoso-
cial,adequandoseusenunciadosàscaracterísticasprópriasdediferentesgênerosorais
ouescritosqueforamcriadospelasgeraçõesqueoprecederam.
Oconceitodeesferasdecomunicação(emquesedãoaspráticas sociaisquese
utilizamdaleituraedaescrita)constituiumapossibilidadepararefletirmossobreas
práticassociaisconstituídaspelalinguagemenosdãoumaideiadaimensavariedade
degênerosdodiscursoquepodemserreferênciaparadidatizaçãoemnossasaulas.E
comoadvertemMoita-LopeseRojo:
ensinarousodalínguaeentendercomofuncionaalinguagemnomundoatualétarefacrucialdaescolanaconstruçãodacidadania,amenosquequeiramosdeixargrandepartedapopulaçãonomundodoface-a-faceexcluídadasbenes-sesdomundocontemporâneodascomunicaçõesrápidas,datecno-informaçãoe da possibilidade de se expor e fazer escolhas entre discursos contrastantes sobreavidasocial(2004,p.78).
Osgênerossãoconstruçõessociaisehistóricas,comotudooqueécriadopeloho-
memeque,apesardeconfiguraremasaçõeshumanasemqualquercontexto/discurso,
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
28
Escrita E Ensino nãosãoinstrumentosestanques,queenrijecemaaçãocriativadohomem;aocontrário,
osgênerossãomaleáveis,dinâmicos,transformam-see,sobretudo,seadaptamàsne-
cessidadeseatividadessociaiseculturais.
Comoaparecimentodaculturaletradaescrita(ejásefalaemculturaeletrônica),
multiplicaram-seosgênerostextuais.Hojepodemosdizerqueaconstruçãodoletra-
mentoescolaréumprocessodeapropriaçãodegênerossecundários(complexos),ou
seja,de“transmutaçãodosgênerosprimários”,aquelesqueocorrememsituaçãode
cotidiano,osquaisacriançajádominaantesdeingressarnaescola.
Atransformação/adaptaçãodegênerospodegerarnovosgêneroscomo,porexem-
plo,ocorreucomaconversaçãocotidiana(bate-papo)queseadaptouparaaconversa
aotelefoneechegouaoe-mail.Masosusosdosgênerosnovospossuemidentidade
própria, instauram novas relações interpessoais, novas relações entre a oralidade e a
escrita,possibilitandonovosângulosdeobservaçãoedeensino-aprendizagem.
Tudo isso tornaasabordagensadvindasdemétodosdealfabetização tradicionais
(sintéticoouanalítico)inviáveis,ouseja,nãohámaisespaçoparaafragmentaçãodapa-
lavra/fraseemseusconstituintesmenores(sílabas/letras)valorizandoafonéticaeagra-
fia(ooraleoescrito),apresentadasdeformamecânica,descontextualizadaerepetitiva.
Ao contrário, o letramento passa a ser visto como um conjunto de práticas sociais
aliadasàleituraeàescrita,realizadopelosindivíduosmergulhadosemumcontexto
socialdeprodução,oquetornafalsaainferênciadeque“épossívelsepararoinsepa-
rável, istoé,queconcepçõesdealfabetização, letramentoepráticasdealfabetização
e letramentopossamserconsideradascomoautônomase independentes”(SOARES,
2008,p.9).
As práticas de alfabetização e letramento da atualidade, embasadas nos pressupostos
da teoria socioconstrutivista, buscam considerar como o ser humano se relaciona com o
objetodeconhecimento.Nessequadro,defende-sequealfabetizaçãoeletramentosão
processosconcomitantes,istoé,acompreensãoeousodaspráticassociaisdeleitura
eescritadevemocorrersimultaneamenteaoprocessodecodificaçãoedecodificação.
Oquesignificaisso?
Significaacreditarmosqueaçõesdealfabetizaçãoeletramentodevemlevaremcon-
ta a inserção da criança nas práticas sociais, considerando os modos do discurso neces-
sáriosàcriança,paraosquaiselaémotivada,ouseja,quedespertamnelaodesejode
lereescreveremumaatividadesocialemcurso,inseridaemumusosignificativode
leiturae/ouproduçãoescrita,formatadaemumgênerodetextoqueéconstruídoem
umprocessodeinterlocuçãoespontânea.
Nesseprocessodeinterlocução,acriançatemdesentiromotivoparaescrevereter
umaintençãoclaraaseratingidadiantedeumdestinatárioespecífico.Elaestádiante
29
dedoisdesafiosquesãosimultâneoseinterdependentes:apropriar-sedosistemada
escritaedesenvolverhabilidadesdeproduçãodotextoescrito.Evocêdeveconcordar
conosco:comumapalavra,umafrase,uma“redação”ninguémvairealizaroseuintuito
discursivo,poissetratadeuma“expressãoescrita”quenãoexpressanada,porqueestá
desprovidadeumcontextodeprodução.
Aeleiçãodosgênerosdodiscurso/textuaiscomoobjetosdeensino,pelofatodeque
esse objeto contempla aspectos da ordem do contexto e do discurso efetivamente rea-
lizado,buscacontemplarocomplexoprocessodeproduçãoecompreensão/recepção
detextos,vistoqueogênero(oralouescrito)permiteincorporar,emumúnicoobjeto,
elementosde:
• ordemdosocialedohistórico;• situaçãodeproduçãodeumdadodiscurso(quemfala,paraquem,lugaresso-
ciaisdosinterlocutores,posicionamentosideológicos,emquesituação,emque
momentohistórico,emqueveículo,comqueobjetivo,finalidadeouintenção,
emqueregistroetc.);
• conteúdotemático–oquepodeserdizívelemumdadogênero;• construçãocomposicional–suaformadedizereasuaorganizaçãogeral-quenãoéinventadaacadavezquenoscomunicamos;
• estiloverbalorientadopelaposiçãoenunciativadoprodutordotexto.
Entreasrazõesquecitamos(NASCIMENTO,2009)parajustificaraimportânciado
estudodogênero,estáofatodeeleseconstituiremumaopçãomaisatraentedoque
oensinodalinguagemfundamentadonagramáticadescontextualizada,namedidaem
queogênerorespondedemaneiramaisadequadaaquestõesrelacionadasaosdiferen-
tesusosdalinguagemesuainterfacecomoexercíciodacidadania.
Nosciclos iniciais,parapodercontemplar,demaneiraarticuladae simultânea, a
alfabetizaçãoeoletramento,ouparao“alfabetizarletrando”, essa proposta caminha
em direçãoàscapacidades,competênciaseatitudesaseremdesenvolvidasnaEducação
Fundamental, articulando atividades em torno dos cinco eixos mais relevantes para os
diferentesciclos:
1) compreensãoevalorizaçãodaculturadaescrita;
2) apropriaçãodosistemadeescrita;
3) leitura;
4) produçãodetextosescritos;
5) desenvolvimentodaoralidade.
Para o desenvolvimento do trabalho didático, percebemos os gêneros textuais
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
30
Escrita E Ensino apresentados(implícitaouexplicitamente)comoferramentasdeensino-aprendizagem
emtodososeixosdaEducaçãoFundamental.Assiméque,nosciclosemquesedáa
aquisiçãodosistemadeescritaalfabéticoeoletramentocomoprocessossimultâneose
interdependentes,torna-seumdesafiomaiorquandosetratamdoscontextosescolares
dasséries iniciais,poisoprofessorprecisaconciliaressesdoisprocessosdeformaa
asseguraraosaprendizesaapropriaçãodosistemaalfabético-ortográficoeaplenacon-
diçãodeusodalínguanaspráticassociaisdeleituraeescrita.
Caroprofessor,porqueacreditamosserfundamentalqueaescola,aoreconhecero
letramentocomopráticasocialseconstitua,cadavezmais,comoagentedesseletramen-
to,esperamoscontribuirparaimplementaremseufazerpedagógicoainteraçãoverbal
eosusossignificativosdalinguagemnaspráticassociaisemqueseusalunosestãoinse-
ridos,oquepressupõeasatividadesdelinguagemnasdiferentesesferasdavidasocial.
Asuamediação,professor,juntamentecomasferramentas(VYGOTSKY,1993)que
vocêselecionaparacriarambientesqueauxiliemoacessodoalunoaomundoletrado,
pressupõeoensinodeliberadodediferentesgênerostextuaisquecirculamnoambien-
tecultural,cadaummarcadoporconvençõesenormasqueoconfiguram,exigindo
umadeterminadamaneiradeusaralínguaoralouescrita,como,porexemplo,ocorre
comogênerocarta(comercial,aberta,dereclamação,deleitor,depedidodeconselho
auma revista, de amor etc.).Constituem textospeculiares em relação às condições
deproduçãoemqueemergem,a certas convenções comoaestruturae aorganiza-
ção do texto, os recursos de coesão textual, os níveis de informatividade, a disposição
napágina,otipodediscursopredominante(narrativo,expositivoetc.)quepodemos
considerá-loscomodiferentesgênerostextuais.
Essaspeculiaridadesdosgênerosnos incentivamaestudá-los,nãoémesmo?Na
seçãoaseguir,começaremosenfocandoocontextodeprodução.
a basE dE oriEntaÇão para o Uso do gênEro: o contExto dE prodUÇão
Seráqueparautilizarmosumdeterminado
gênerotemosqueteralgumaorientaçãoespecífica?
Específica,não!MasestudiososcomoBronckart(2003)elencaseisfatoresquecor-
respondemàscondiçõesenunciativasqueconstituemtodaproduçãodelinguagem:
i. Esfera de comunicação:o cenárioou formação social (instituição:escola,
empresa,mídia, família etc., comas regras e rotinas interacionais emqueo
textocircula;
31
ii. Identidade social dos interlocutores: olugarsocialdeondefalamosparcei-
rosdainteração(professor?pai?patrão?empregado?aluno?).Aavaliaçãoqueo
locutorfazdesimesmoedosoutrosquantoassuascapacidadesdeaçãocom
epelalinguagemequantoassuasintençõesnainteração.Ostraçosoumarcas
queosinterlocutoresdeixamdasimagensquetêmdesimesmosedosoutros
nessecontextoparticular;
iii. Finalidade: o intuito discursivo da interação, ou seja, a sua intenção nessa
interação;
iV. Concepção de referente:oconteúdotemático,oreferentedequesefalae
comoéjulgado/avaliadonessasituaçãodeinteração;
V. Suporte material:ascircunstânciasfísicasemqueoatodeinteraçãosede-
senrola (outdoor,livrodidático,revista,jornalimpresso/jornalon-line, oral ou
escrito),embalagem,vestuário,parede,muro,placa,cartazetc.
Vi. A relação interdiscursiva:omodocomosedáodiálogoentreasvozesque
circulamnasociedade:qualéa“voz”(dadonadecasa,dopolítico,doreligio-
so)quefalaemcertaspassagensdodiscurso(deumadeterminadaesferaou
formaçãodiscursivacomoadapropaganda,dapolítica),vozesqueemergeme
seconfrontam,polemizandoentresi,negando-seouseconfirmamnodiálogo
queéconstitutivodalinguagem,segundoBakhtin(1992).
A partir desse contexto de produção, o enunciador toma decisões para a seleção do
gêneroeparaaarquiteturainternadotextoqueomaterializa.
Vocêpercebeuquetodaaçãodelinguagemésituadaeporissomantémes-
tritarelaçãodeinterdependênciacomasituaçãodeproduçãoecomosefeitos
visadosnodestinatário?Diantedisso,comodeveriaseraposturadaescola?
Aposturadaescoladeveriaseradeexplorar,transformareenriqueceraspossibi-
lidadesdeusodosgêneros.Tambémdeapresentaraosalunososseus“esquemasde
utilização”que,deacordocomSchneuwly(2004),vãodesdeaescolhadogêneroede
suaadequaçãoàsituação,aotratamentodoconteúdo,aotipodecomposição,àrelação
que instauracomosparticipantesda trocaverbal, atéao tratamento linguísticoque
lhedáoestilo(vistoaquinãocomoefeitodaindividualidadedoprodutor,mascomo
elementoconstitutivodogênero).
Paraoreferidoautor,vaiserapartirdoesquemadeutilizaçãoqueogêneroserá
adequadoaocontextocomunicativo–abasedeorientaçãodaaçãodelinguagemserá
dadaporele.Osesquemasdeutilizaçãodogênerocompreendem,então,acapacidade
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
32
Escrita E Ensino deintegrarasrelaçõesdotextocomocontexto,assimcomoadecolaborarparaacons-
truçãoda“arquiteturainternadotexto”(BRONCKART,2003).
Dessemodo,podemosconcluirqueumaaçãodiscursivaéprefiguradapelosmeios
paraagirsobresimesma,oquesignificaqueoinstrumento/gêneroéummeiodeco-
nhecimentoquepermiteagireficazmentenasituaçãodecomunicação.
Porexemplo,aexistênciadoManualdeInstruçãoéoconhecimentonecessáriopara
ousoeacondiçãonecessáriaparaaaçãodiscursiva“escreverumManualdeInstrução”.
Damesmaformaqueoconhecimentoeocontroleda“enxada”sãocondiçõesnecessá-
riasparaaaçãode“plantarumasemente”.
AindasegundoSchneuwly(2004),abasedeorientaçãodaaçãodelinguagemfun-
cionaemduasdireções:
• Gênerocomo instrumento(umaunidadecompostaporconteúdotemático,composiçãoeestilo)quedeveseradaptadoaumdestinatário,aumafinalidade
emumadeterminadasituação;
• Oconhecimentodogênerocomocondiçãomínimaparaobomdesempenhodediferentessituaçõesdelinguagem.
Nessaperspectiva,quandovocêfalaouescreve,conformeolugarsocialqueocu-
pa(opapelsocialquedesempenhaaoenunciar),você(enunciador,sujeitoprodutor)
sempretemumaimagem,opiniõesevaloresconstruídos,tantodo(s)destinatário(s),
quantodotemaaoqualserefere.
Percebeu?
Estamosfalandodojulgamento,daapreciaçãovalorativa,daavaliação(positivaou
negativa)emrelaçãoaointerlocutor,aotematratado,aosobjetosdodiscurso.Essessão
osparâmetrosqueconstituemasituaçãoimediatadeprodução,devendosersempre
combinadoscomaabordagemdascondiçõessócio-históricasemquesedãoasintera-
çõessociais.
Sãoessasrepresentaçõessobreocontextodeproduçãoque levamoenunciador
deumtextooralouescritoatomardecisõessobreogênerodotextomaisadequadoà
situaçãodeinteração,comotambémàescolhadasoperaçõesdiscursivaselinguísticas
maiseficazesparaasuatextualização.
Assim, a construção do letramento escolar, vista como um processo de apropriação
degêneros,develevarosaprendizesaentenderemque:
• nemtodososparticipantesdeumapráticasocialdesempenhampapéisseme-lhantesouobedecemàsmesmasregrassociais;
• quetodasasescolhasrealizadaspeloenunciadortêmcomobaseocontextooucondiçõesdeprodução.
33
Porexemplo,aodarumapalestra,queconstituiumgênerotextual,oenunciador
(produtor)temumpapeldominante,éelequemasseguraapalavra/turno.Dificilmente
alguémointerromperá,poisfoiestabelecidoemumcontrato“tácito”queosinterlo-
cutores(destinatários)devemseguirasexplicações,rirdasanedotas apresentadas pelo
palestrante,masnãosemanifestarverbalmentenodecorrerdapalestra.Somenteseo
palestranteabrirespaçopara,aofinaldesuaapresentação,responderpossíveisdúvidas
àplateiaéqueapalavraécedidaaosinterlocutores.
Ficasubentendido,então,quenessasituaçãodecomunicaçãoquemditaasregras
interacionaiséopalestrante,cabendoaoauditórioapenasprestaratenção.Aobserva-
çãodessasregrassociaisporpartedosparceirosdainteraçãovaiconstituirumrequisito
básicoparaosucessodeumeventocomunicativo.
Tambémserápautadonascondiçõesdeproduçãoenafinalidadededeterminada
situaçãocomunicativaqueoenunciadorvai traçarassuasestratégiasdiscursivas.No
casodapalestra,serãoinformaçõesdecomoéoespaçodaapresentação,ohorário,
o dia, a duração, os recursos físicos e de pessoal disponíveis, o interesse e a formação
daplateiaeoobjetivopropostoparataleventoquedefinemasestratégiasdiscursivas
realizadaspeloenunciador.
Resumindo:quantomaiorodomínioquetivermosdascaracterísticasdosgêneros
emusonassituaçõespúblicasformais,maioresserãoaspossibilidadesdeagireficaz-
mentecomalinguagem.Podemossintetizaroselementosqueconstituemocontexto
deproduçãonasquestõesaseguir:
Quem é o emissor? Em que papel social se encontra? Quais valores sociais assume e coloca em circulação? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? A quem se dirige? Que grau de adesão ele intenciona? Em que papel social se encontra o receptor? Em que local é produzido? Em que instituição social se produz e circula? Em que momento? Em que suporte? Com qual objetivo é produzido? Em que tipo de linguagem (formal ou informal)? Qual é a atividade social com a qual se relaciona?
Professor,semareflexãoemtornodessasquestõesacompreensãodeumtextofica
emumníveldeadesãoaoconteúdoliteral,oqueéinsuficienteparaumaleituracrítica
ecidadã.Semumaleituracrítica,oleitornãodialogacomotexto,ficasubordinadoa
ele.
A partir desse contexto de produção, o enunciador toma decisões para a seleção do
gêneroeparaaarquiteturainternadotextoqueomaterializa.
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
34
Escrita E Ensino a rElaÇão da Escola coM os gênEros tExtUais
Emumaperspectivaenunciativo-discursivadalinguagem,
alínguaserátratadadamesmaformaquefoinoensinotradicional?
Apostamosqueasuarespostafoinegativa,poisquandoenfocamosalinguagemna
perspectivaenunciativo-discursiva,nãotratamosmaisalínguacomosistemaabstrato,
idealefechadoemsimesmo,semmanterqualquerrelaçãocomosaspectossociaise
culturaisdasinterações.
Naabordagemenunciativabakhtiniana,énainteraçãoverbalenoenunciadoque
encontramosa“verdadeirasubstânciadalíngua”.Porissoéqueaenunciação(atode
enunciarouproduzirenunciados),vistacomoprodutodasinteraçõessociais,constitui
aunidadedeestudodalínguatantonasinteraçõesfaceafaceinformais,comotambém
naquelasqueocorrememcontextossociaismaisamplosecomplexos.
A enunciação se dá em uma determinada situação de produção por meio de enun-
ciados–gênerostextuais–que,exercendoafunçãodesignoideológico,acompanham
osatosdecompreensãoedeinterpretaçãodavidahumana.Paranós,otextoéamate-
rializaçãodogênero,masoobjetodeensinosãoosgênerostextuais.
Pensandoassim,éfundamentalqueaescola,emseusprojetospedagógicos,colabo-
reparaa(re)construçãodasituaçãodeproduçãoerecepçãodotextolido.
Estamosnosreferindoàatençãoquenós,professores,devemosdaràsatividades
didáticascomocontextosocialemquesãoproduzidososenunciados/gêneros,comas
relaçõesdialógicas(desentido)quesetravamentreosenunciados,porqueestessão
plenosdeecosdevozesquesecruzamemumprocessocontínuodecomunicação.
Os gêneros são ferramentas indispensáveis à comunicação e devem constituir o
objetodeaprendizagemparaoaluno.Aoseaproximardesseinstrumento,acriança
desenvolveascapacidadesparaapráticaquesejaadequadaà interaçãosocialqueo
professor poderá recriar, na sala de aula, dentro dos limites impostos pelo contexto
escolareomaispróximopossíveldoreal.
Observemoscomoaprofessoraaseguirdeixadecriarumasituaçãodeusosigni-
ficativodalinguagemeignoraaspráticasdiscursivascomoconteúdoestruturantedo
processodeensino-aprendizagem:
35
A professora entrou com seus alunos na sala de aula. O planejamento era para uma
aula sobre adjetivos. As crianças sentaram-se em seus lugares e tiraram o material.
Muitos conversavam e levantavam-se. A professora, então, falou:
- Peguem o livro de português. Achem a página 107.
Em seguida, começou a explicar:
- Existem palavras que falam da qualidade dos objetos ou pessoas, essas palavras
são os adjetivos. Elas são muito importantes porque com elas você pode descrever
melhor aquilo que está tentando dizer...
A professora colocou algumas frases no quadro e circulou os adjetivos, reforçando
a explicação. Em seguida, pediu para que os alunos lessem silenciosamente o que o
livro dizia sobre o assunto. Depois, pediu que resolvessem em seus cadernos os exer-
cícios propostos no livro.
Comovocêdeveterpercebido,ofocodessaaularecaisobreagramáticadescritiva
eametalinguagem,deixandodefocalizaralínguaviva,dialógica,emconstantemovi-
mentação,reflexivaeprodutiva.
Oobjetivodaaulanãoéodeagirsobreoprocessodedesenvolvimentodashabi-
lidadesdeusodaescritadoaluno,nemsobreautilizaçãodosistemalinguísticopara
umainteraçãosocial,nemsobreaspectosdaorganizaçãodeumtextoemumaatividade
discursiva.
Resumindo: o enfoquedessa aula não é ousoda língua escrita como formade
comunicação,ouseja,umexercíciodeproduzirtexto.Mastambémnãoéumexercí-
ciodeaprenderaproduzirtexto,umavezquenãoenfocaosprocessospelosquaiso
alunopoderiaoperarcomalinguagempararealizarumintuitodiscursivo(atividade
epilinguística).Oseuenfoqueéodefalarsobrealinguagem(metalinguagem),especi-
ficamentesobreaclassedosadjetivos–oquenadatemavercomosprocessosefetivos
deprodução(oralouescrita),deleituraouescutadeumtextooralouescrito.
Dolz,NoverrazeSchneuwly(2004)reconhecemqueatransposiçãodidáticade
gênerostextuaisconstituiumapráticadelinguagemempartefictícia,porqueascon-
diçõesdeproduçãoquesão recriadasnãosão idênticasàquelasqueacontecemna
realidadesocial.Masoprofessorpodecriarsituaçõessignificativascomoemmaisesse
exemplo:
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
36
Escrita E Ensino
A professora interagindo com seus alunos:
- Vamos fazer o passeio que combinamos?
Mas para sair devemos deixar um aviso no quadro, informando a todos que nos
procurarem que fomos ao parque. Mas antes, cada um de vocês vai escrever um bil-
hete para a mamãe, contando que faremos esse passeio. Na volta, vocês irão contar
oralmente o que viram no parque. Depois, vão escrever uma lista das atividades que
desenvolvemos lá. Vamos também produzir cartazes sobre o parque e a visita para que
outras pessoas se interessem e também queiram ir.
Osgêneroscitados(aviso,bilhete,contar, lista,cartazes) foram“escolarizados”,a
professora fez deles instrumentos para levar os alunos a determinadas situações de uso
dalinguageme,apartirdaí, implementarotrabalhodereflexãoeoperaçãosobrea
linguagemquepossibiliteaosalunosaconsciênciadosprocessosenvolvidos.
Em uma situação de ensino como essa, certamente o professor desenvolverá ativida-
descomseusalunosqueirãocontribuirparaqueelesseapropriemdascaracterísticas
contextuais,discursivaselinguísticasdostextospertencentesaosgênerosqueforam
acionados.Tomando-secomoexemploogênerotextualbilhete queosalunosleramou
produziramcoletivamentenalousa,comaprofessora:
Quaissãooselementosquecompõemaestruturacomposicionaldessegênero(as
convençõesdogênero)?
• Qual pronome de tratamento podemos utilizar para nos referirmos ao destinatá-
riodamensagem?
• Qualéopropósitocomunicativo?• Qualéa imagemqueoenunciador fazdesiaoagiredeseudestinatárioaoreceber?
•Avariedadelinguísticaeoregistroescolhidosãoadequadosaotema,aoobjetivo,àsituaçãodeinteração?
• Otemaquefoiabordadoéadequadoparasertratadoemumbilhete?• Comootextoseráorganizadoemsuaarquiteturainterna:osfatossãonarradosouexpostosaoparceirodainteração?
• Otextoapresentapassagemnarrativa?• Oautorrecorreaorganizadoresespaço-temporais(dotipo:na semana seguinte,
na casa da vovó)?
37
• Apresentasequênciadescritivaarticuladaàsequêncianarrativa?• Tendoemvistaabasedeorientaçãoqueocontextodeproduçãolhedá,porqueoprodutorrecorreaessestiposdesequênciatextualnasuaaçãodelinguagem?
• Comosedáofechamentodotexto?
Enfim,apartirdessas(eoutras)indagações,progressivamenteoprofessorvaicapa-
citando o aluno para o uso, cada vez mais consciente, da construção composicional, do
estiloedotemadogênerofocalizado.
Todasessasindagaçõesarespeitodasdecisõesquelevamoprodutoraselecionar
elementosparaousodeumgêneroconstituemostrêsconceitosinterdependentesde
Bakhtinparacaracterizarosgêneros:otema,asuacomposiçãoeseuestilo.
Bakhtin (1992) representa como sendo a primeira característica o tema, que dá
unidadede sentidoao texto,quepor suavezé individual,nãoé reiterável,porque
expressaumasituaçãohistóricaconcreta(aorigemdotexto),édeterminadopelasfor-
maslinguísticas(palavras,formasmorfossintáticas,sons,entonação)epeloselementos
não-verbaisdasituaçãoedocontextosócio-históricomaisamploqueoenvolvem. A
segundacaracterística–aconstruçãocomposicional–éaestruturaeorganizaçãodo
textodeumdeterminadogênero,queéresultantedeváriosfatores:asnecessidades
dasituaçãodeinteraçãoedatradição,poisosgênerosnossãodadospelasgerações
anterioresquedeleseutilizaram.E,porúltimo,aterceira–oestilo,queéaescolha
doagenteprodutorporformasdalíngua–asseleçõeslexicais,asformasgramaticais,a
organizaçãodosenunciados–quedarãooacabamentoaoenunciado/gênero.
critérios para a sElEÇão dE gênEros a sErEM didatizados
Odiscursocomopráticasocialéoconteúdoestruturantepreconizadopelasdiretri-
zeseducacionaisparaaeducaçãobásicanoBrasilpara:
• aspráticasdaoralidade;• apráticadaleitura;• apráticadaescrita;• apráticacomaliteratura;• práticadeanáliselinguísticanaoralidade,leituraeescrita.
Essas“diretrizes”conduzemoprofessoràquestão:Qualpráticadelinguagemenfo-
carparaotrabalhoquemeproponhoarealizarcomosmeusalunos?Quaisgênerosdo
discursoconfigurampráticasdelinguageminteressantesparaaquiloquedesejoenfocar
emminhasaladeaula?
Com o objetivo de desenvolver capacidades para melhorar uma determinada prática
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
38
Escrita E Ensino delinguagem,oprofessorpodecontarcomdoiscritériosparaaseleçãodosgêneros:
1.Ocritériodasesferasdecomunicação(Bakhtin)e2.Ocritériodeagrupamentosde
gênerosdeDolz,NoverrazeSchneuwly(2004).
o agrUpaMEnto dos gênEros
Sabemosquedurantemuitotempooensinodeleituraeproduçãoescritaesteve
atreladoaumaconcepçãode“tiposdetexto”:narração,descrição,dissertação,oque
restringiaaumaabordagemdotextocentradanascaracterísticaslinguísticas,otextoera
utilizadocomopretextoparaensinargramática.
Otextonãoeravinculadoàspráticassociaisdelinguagem,hajavistaqueessasclas-
sificações tipológicas não forneciammuitos critérios para oprofessor decidir o que
deveriaensinar.Quandosefalavaemnarração,eracomosetodosostextosnarrativos
tivessemumaestruturageral:umcenário(queincluiriaadescriçãodaspersonagens,
dolugaretc.),umaoumaiscomplicaçõesouproblemas,umaoumaisresoluçõese,
finalmente,umdesfecho,queatépoderiaconterumaavaliaçãooumoral).Acreditava-
se queaconstruçãodessaestruturaporpartedosalunosforneceriaelementosparaa
apropriaçãodostextosnarrativos.Elesteriamcomeço,meioefim.
Sabemosoquantoissotudotemsemostradoinócuoparaaaprendizagem.Atéé
possívelreconhecermosalgumasdessascategoriasemumafábula,umcontodefadas,
umacrônica,umcontopolicial.
Masissonãofazcomqueesses“textosnarrativos”deixemdetergrandes
diferençasentresi,nãoémesmo?Porquê?
Porquecadaumdessesgênerosvisaaatingirpropósitoscomunicativosdiferentes,
refletindoerefratandoasuasócio-históriadeaparecimento,demodificação,deadapta-
çãoaoscontextossociaisemquevãocirculando.Seriaincoerenteclassificarmosvários
textoscomosendonarrativas!Afinal,elesseconcretizamemformasdiferentes–em
gênerosdistintos–quepossuemcaracterísticascontextuais,discursivaselinguísticas
específicasqueprecisamserobjetodeensinosistemático.
Pensemosagoraemuma“dissertação”,queanteseraapresentadaaosnossosalu-
noscomotendoumaintrodução,umdesenvolvimentoeumaconclusão.Ora,oque
dizerdoeditorialdejornal,doartigodeopinião,dacartadoleitor,daresenhacrítica,
dorelatóriocientífico,doartigocientíficoedetantosoutrosgênerostextuaisquesão
colocadossobesserótulodissertação?
O editorial, o artigo de opinião, a resenha crítica e a carta do leitor são textos
39
pertencentesagênerosdaordemdoargumentar,ouseja,oprodutorprocuradefender
umaopinião,sustentando-acomargumentos,considerandopossíveiscontra-argumen-
tos e levando o leitor a uma conclusão, mas cada um possui sua estrutura composicio-
nal,seuestiloetema.
Nãopodemosdizeromesmodorelatório,doartigocientífico,doverbetedeenci-
clopédia,dotextoexplicativodolivrodidático,daexposiçãooral,dapalestraquesão
textospertencentesagênerosdaordemdoexpor,masneles,apesardeoprodutor
procurar expor, explicar ou construir saberes, percebemosdiferenças.
Porexemplo,seráqueascondiçõesdeproduçãosãoasmesmasparatodos?
Eosuporteemquesãovinculados?Oquevocêacha?
Como já assinalamos, nas diferentes esferas de atividades humanas as práticas so-
ciaispropiciamdiferentesusosefunçõesparaalinguagem–enãosãoosmesmosos
textosempíricos(oraisouescritos)quecirculam.Exemplificandonovamente,imagine
quevocêquerlevarosseusalunosafazeremastarefasdecasa,porqueobservaqueeles
nãoestãolevandoasérioessaatividadeescolar.
Queferramentaouinstrumentovocêusaráparaessapráticaeatividadedelingua-
gem?Quegênerotextualpoderiaser:umsermão?Ouumcontoinfantil?Ouuma
anedota?Umacarta?Ume-mail?Umapeçateatral?Umareportagem?
Umapalestracompedagogo?
Acreditamosquesim,qualquerumdessesgênerospoderiaseradequado,depen-
dendodosobjetivosdainteração.Contudo,nãoseriaadequadoquevocêutilizasseum
requerimento,umofícioouummanualdeinstruções,nãoémesmo?
Sabemosqueaslinguagensetextosquecirculamemdiferentesesferassãoadequa-
dosadeterminadoscontextosousituaçõeseporessarazãonãopodemserosmesmos.
Hátextosquepertencemagênerosquesãoadequadosàsesferasdavidaburocráti-
ca,comorequerimentos,ofícios,passaporte,declaração,depoimentos,requerimentos,
instruções, relatórios, roteiros,mapas, listas, regulamentos. Jáoutrossãoadequados
àsesferasdacriaçãoliterária,comooscontosdefadas,osromances,ospoemasetc.
Outroscirculamnasesferasjornalísticas,publicitáriaseseencontramvinculadosemdi-
ferentes veículos de comunicação de massa como imprensa, televisão, rádio e Internet,
como,porexemplo:manchete,infográfico,editorial,reportagem,entrevista,notícias,
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
40
Escrita E Ensino propaganda,filmepublicitário1(VT),spot, etc.
Ostextosquecirculamnomesmocontextoapresentamaspectoscomunsdeforma-
toedelinguagem,oquesignificaqueelespertencemaumamesmaesferaoudomínio
discursivo.
Comoobjetivodeconstruirprogressõesdidáticas,Bronckart(2003),Dolz,Nover-
razeSchneuwly(2004)propõemoseguinteagrupamentodegêneroscombaseem
domíniossociaisdecomunicação:narrar,relatar,argumentar,exporeprescrever.
Agora,observeabaixoessescincoagrupamentosdegênerosdeacordocomoscri-
tériospropostospelosautores:
1) domíniosocialdecomunicação;
2) aspectostipológicos;
3) capacidadesdelinguagemdominantes.
Domínios Sociais Aspecitos tipológicosCapacidades de
linguagemExemplos
Cultura literária Narrar
imitação da ação
humana através da
criação de intriga no
domínio do faz de conta,
do verossímil.
Contos de Fadas
HQs
Fábula
Romance
Documentação e
memorização das ações
humanas vivenciadas
Relatar
Representação pelo
discurso de experiências
vividas situadas no
tempo
Notícia
Memória,
Autobiografia
Relatório, Diário
Discussão de problemas
sociais controvérsiosArgumentar
Sustentação, refutação,
negociação de tomadas
de posição
Anúncio publicitário
Editorial, Debate,
Carta de Reclamação,
Resenha crítica
Artigo de opinião
Transmissão e
construção de saberesExpor
Apresentação textual
de diferentes formas de
saberes
Texto informativo
Seminário
Exposição oral
Regulação de ações Prescrição e Instruções
Regulação mútua de
comportamentos por
meio da orientação
(normativa, prescritiva
ou dscritiva) para a ação
Receita culinária
Regras de jogos
Bula
Lei
Regulamento
1 O filme publicitário ou VT é aquela publicidade que tem duração de 30 segundos, é filmada fora dos estúdios de uma agência de publicidade ou emissora de televisão e, em sua produção, são utilizadas técnicas de cinema. Já o spot são as chamadas que são veiculadas no rádio para informar sobre algum produto/serviço ou promoção de loja.
41
os gênEros tExtUais E o Ensino EM Espiral
Apropostadosautoresconstituiumaboareferênciaparaaspráticaspedagógicas
nassériesiniciais,comonoensinoFundamentaleMédio.
Comonós,professores, temosdeorganizaroplanejamentodenossasatividades
comleitura,produçãoeanálise linguística(ostrêseixossobreosquais trabalhamos
comnossosalunos),devemosorganizarastransposiçõesdidáticasdosgênerostextuais
tendoemvistaumensinoemespiral,comorecomendaDolz(2009).
Vocêdeveestarseindagando:masoqueéensinoemespiral?
Ensinoemespiraléocontráriodaqueleensinolinear,emquesetrabalhacomum
tipode texto e depois se passa a outro, e outro, subindodegraus emdificuldades,
como,porexemplo:oprofessorda5ªsérie(6ºano)deixavaparatrabalharosgêneros
do argumentar (artigodeopinião,dissertação argumentativa, cartade leitor, debate
regradoetc.)paraa8ªsérie(9ºano)etrabalhavacomosgênerosdorelataredonarrar
nassériesiniciais.
Porquerazãooprofessoragiaassim?
Talvez porque ele considerasse a argumentação oral/escritamuito difícil para as
crianças!Talvezjustificasseargumentandoque“ascriançasnãotêmaindaopiniãofor-
madasobreascoisas”;“osalunosnãosabemargumentarparadefenderumaopinião”;
“nãoconhecemaestruturabásicadaargumentação:tese,argumentos,contra-argumen-
tos,refutaçãoeconclusão”.
Noentanto,vejamoscomoavariedadedegênerosdetextospodesertrabalhadaem
todasasséries,emummovimentoemespiral(nãolinear),deacordocomasugestão
deDolz(2009).
Nãosetratadeconsideraranarração,porexemplo,comopré-requisitoparaoes-
tudodeumtextoseguinte,ouseja,comoumtexto-baseparasechegaraostextosmais
difíceis,comoaexplicaçãoeaargumentação.Aoinvésdeseguirumalinharetaquevai
deumtextoaoutro,aprogressãoseriaemcurva:distanciando-segradualmentedoen-
sinado,paravoltaraabordá-lomaisadiante,segundoumaabordagemmaisadequada
aomomentoeaoprogressodoaluno.
Assim,avariedadedegênerosdetextospodesertrabalhadanosprojetosdidáticos
emtodasasséries,comopreconizaDolz(2009).
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
42
Escrita E Ensino Aaprendizagememespiralrefere-seaoensino/aprendizagem,emtodososníveis
escolares,dadiversidadediscursiva(narração,explicação,argumentação,descriçãoe
diálogo).Oquevariadeumnívelescolarparaoutroéquedeumladoestáogênero
escolar e de outro as dimensões ensináveis dessegêneroquevãoprogredindoemcom-
plexificação(DOLZ;NOVERRAZ;SCHNEUWLY,2004),istoé,vãosendoaprofundadas
conformeoavançodoaluno.
Tudoissosempreconsiderandoaspectosculturais,sociaisehistóricosdocontexto
deprodução,enãosóenfatizandoaestruturaformal.Oqueincluigênerosdonarrar,
dorelatar,dodescrever,doprescrever,doargumentardesdeoiníciodoprocessodo
letramentoescolarematividadesbemadaptadasparacadaciclo.
Oprofessorsempreproporcionandoumadimensãomaisamplaaostextostrabalha-
dos,estabelecendorelaçõesdesentidocomoutrostextos,afimdequealeituranão
sejaapenasumespelhodaideiaqueoautorproduz.
Oexemploaseguirédeumaatividadeadaptadaaosciclosiniciais.Aatividadepara
a leitura e produção textual foi articulada em torno de uma unidade temática e de di-
versosgênerostextuaisepistolaresemquepredominaumdiscursodaordemdoexpor:
carta, bilhete, e-mail, cartão-postal, cartão de apresentação, carta de amor, carta aberta,
cartadoleitor,cartaliterária,cartadeapresentaçãoecartaformal.
Cada um desses textos constitui adaptações de modelos já existentes, mas as condi-
çõesdeproduçãodecadaumapresentamespecificidadesqueprecisamserlevadasem
consideração:finalidade,intenção,tema,imagensrecíprocas,papéissociais,maiorou
menorintimidadeentreosinteragentes,valoraçãoapreciativadecadagêneronogrupo
socialemquecircula.
Diantedisso,essestextosapresentamdiferentesarquiteturas(aindaquealgunsse
assemelhemmuito):otipodediscurso(exporinterativoouexporteórico,relatointe-
rativoounarraçãoficcional).Tambémapresentaformasparticularesdecoesãotextual,
deseleçãolexical,depontuaçãoetc.
Pensesobreisto:quandonosreferimosadiversosgênerosepistolares(cartadere-
clamação,cartaaberta,cartadoleitor,cartacomercial,cartaíntima),percebemosque
há cartas escritas com a intenção de expressar a opinião pessoal sobre um tema social
polêmico,ouaopiniãodeumgrupodepessoasabertamente;háasquesãoproduzidas
comaintençãoderelataracontecimentosvividosetc.Tudovaidepender,comojápon-
tuamos,docontextodeproduçãoquedáaoenunciadorosparâmetrosparaaaçãode
linguagemqueelevaiempreender.
Otrabalhodidáticocomosgênerosepistolarespoderiacomeçar,porexemplo,com
aleituradeváriashistóriasdaliteraturainfantilparaquedepoisascriançascriassemsi-
tuaçõesemqueaspersonagensteriamderecorreradiferentesformasdecomunicação
interpessoal.
43
Emseguida,começariamaproveitandosituaçõesreaisacontecidasnaescolasobre
asquaisascriançastrocariamcartõespostais,cartasíntimas,e-mailsoucartasparaopi-
narsobrefatosreaisimportantescomo,porexemplo,cartaaocolegaparamostrara
importânciadavacinação;cartaaoprefeitoparasolicitarumacampanhaparavacinar
cachorro;cartaaodiretorpedindo-lheparadaropiniãosobreasbrigasdealunosno
pátiodocolégio;cartaàmãepedindo-lheparacriarumcachorro;cartaaospaisdando
asuaopiniãosobreospaisquefazemastarefasparaosfilhos;cartaabertadosmorado-
resdesuaruapedindoumacampanhadevacinaçãoparaoscães;atémesmocartaao
PresidentedaRepública,aoGovernador,aoPrefeitoparadefenderaopiniãodequese
devemdarmelhorescondiçõesdevidaaosportadoresdedeficiênciafísica.
Como podemos notar, as atividades levariam os alunos a produzirem textos em dife-
rentesgênerosepistolares,tendocomobaseparaaseleçãoaadequaçãoaocontextode
produçãoeaoconteúdotemático(cartaaberta,cartadereclamação,cartadoleitoretc.).
Otrabalhopoderiatambémseriniciadoporumfilme(emqueascartaspoderiam
serumganchotemáticoparaaconstruçãodaintriga,porexemplo), ou sobre um texto
geradorquedetonariadiscussõesoraissobreotema.
Tambémpoderiaserfeitoolevantamentodosargumentosquedessemsustentação
aopontodevistadefendidoou,então,àenumeraçãodeaspectosnegativosoupositi-
vosrelativosàquestãoenfocada.
Ainda no momento da elaboração do texto coletivo em torno da proposta, poder-
se-iachamaraatençãoparaosseguintesaspectos:aestruturadotexto(comosepode
descreverotextopertencenteaessegênero);aimportânciadeescolherargumentos
quedessemsustentaçãoàopiniãodefendida;anecessidadederecorreraumdiscurso
doexporargumentativo;desaberrelacionarotérminodotextoàideiainicial;osre-
cursoslinguísticosexpressivosquepoderiamserutilizados;aseleçãodaspalavrasmais
adequadas;osaspectosortográficos;deconcordância;asvariaçõeslinguísticas(etudo
oquejásalientamossobregênerosaosquaisjánosreferimos),equecontribuempara
levarosalunosaseapropriaremdoinstrumento/gêneroqueservirácomoferramenta
demediaçãoentreosparceirosdasinteraçõesquevivenciam.
Aofinaldoprocesso,essetextocoletivopoderiaservir tantoparaa leituracomo
paraaproduçãodeoutrotexto,comotambémparaaanálisedosmecanismoslinguísti-
cosacionadospeloprodutordotexto,quesãocomunsaostextosdessegênero(análise
linguística).
Vejamosacartaaseguirqueumaalunada1.ªsérie(2ºano)daprofessoraLuzinete
Souza(2003)elabora,tomandoumaposiçãoemnomedoscolegaseconstruindouma
operaçãodejustificação,servindo-sedenoveargumentoseumcontra-argumento.
Observemosqueaintençãodaalunaéadeapresentarsuaopiniãosobreumtema
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
44
Escrita E Ensino controverso,oquealevaarecorreraumtipodediscursodoexporargumentativoque
configuraumasequênciaargumentativaemtodasassuasfases:fasedapremissa(toma-
dadeposição),doscontra-argumentosedaconclusão:
Goiana, 22 de novembro de 1999.
Sr. Presidente Fernando Henrique Cardoso
Nos alunos da 1.ª serie B queremos que Você merole as situasões de mininos e meninas esta com defisiente físico nas Ruas ele entra na igreja e tei escada eles não entra não tei nigei para por eles la dentro e nei uma jite que eles e elas não coiese ela e ele e também não ce coiesem ele e ela porque eles e elas e defisiente e eles não e defisiente eles não pode joga Bola e nei andar de Bicicrete e nei di patis e também não pode pasia nas Ruas dos colega nei estudar Praque ele não da comta de escrever e nei ler oque ele vai fazer na escola so llarcha e brimcar na escola Dese jeito eles não podi pasar di ano
Obrigada porter Aterder o meu pidido
Lu
ExaminandootextodeLu,podemosverificaraseguinteorganizaçãodotexto:
Tomadadeposição:Nós, alunos da 1.ª série B, queremos que você melhore a situa-
ção de meninos e meninas com deficiência física...
Argumentos:
1)(porque)elequerentrarnaigreja
2)etemescadaenãotemninguémparapôrelesládentro
3)enemumagentequeeles(eelas)nãoconhecem
4)porqueeleseelasedeficienteeelesdeficientesnãopodemjogarbola
5)enemandardebicicleta
6)enemdepatins
7)etambémnãopodempassearnasruasdoscolegasnemestudar
8)porqueelenãodácontadeescreverenemler
9)oqueelevaifazernaescolaésólancharebrincar
Contra-argumento:
10) porque eles não podem passar de ano
Aalunadefendeasuaopiniãonacartaqueescreveaopresidente,recorrendoaum
tipo de discurso do expor interativo implicando a si própria como enunciadora (nós, da
primeirasérieB)eaointerlocutor(você)noiníciodotexto.
45
Depois o discurso continuado expor,mas em autonomia em relação à situação
deprodução(nãoempregadêiticosdepessoa(eu,tu,você(s),nós);dêiticosdelugar
(aqui, aí);oude tempo(agora,nestemomento)que remetemà situaçãodeprodu-
ção).Recorreamecanismosdetextualização,oschamadosorganizadorestextuais,que
permitema“costura”dotexto:porque(ligandooargumentoàtomadadeposição),e
também,enem(paraacrescentarargumento).
Quantoàcoesãoreferencialanafórica(queremeteaumreferenteexpressoanterior-
mentenotexto),percebemosqueaprodutoradotextorecorreaumaprogressãodo
conteúdotemáticopormeiodarepetiçãodepronome(ele,ela).Maistarde,aodesen-
volvercapacidadeslinguísticas,irárecorreraomecanismodecoesãonominalanafórica
porrepetiçãoouporsinônimo,(porexemplo:Elesquerementrarnaigreja.As crianças
nãopodemjogarbola).
Comovocêpodenotar,otextoopinativodacriançaapresentaumasequênciaargu-
mentativacompleta,comtodasasfasesqueaconstituem:fasedapremissa,dosargu-
mentos,contra-argumentosedeconclusão.
O texto é iniciado com suaopinião (premissa), em seguida, apresentaumargu-
mentoqueadefenda(começacomoorganizadortextualporque),mostrandoassim
indíciosdaoperaçãodejustificação.Elasabequeumcontra-argumentopodesurgirna
mentedodestinatário;então,considerandoaréplicadessedestinatário,elaargumenta
novamentecomumatomadadeposição.Observequeotextoapresentaumarremedo
deconclusão,masseutextoopinativojáapresentalegibilidade.Nãoseesqueça:aaluna
cursavaaprimeirasérie!
Vocêviu,nesseexemplo,aexperiênciarelatadaporumaprofessora(SOUZA,2003)
comaaprendizageminicialdaescritaeogênerodeopinião.Observouqueacriança
produziuumtextoquepertenceaodomíniosocialdapráticadelinguagemdoargu-
mentar (vejanoquadrodeagrupamentosdosgênerosno iníciodesse tópico).Essa
criança,recém-saídadapré-escola,fezissosemqueaprofessoraapressionasseoua
coagisseparaescrevercorretamente;simplesmentefoilevadaausaralínguaescritade
formasignificativa(elatinhaummotivoeumaintençãoaatingiremrelaçãoaodesti-
natário),parainteragircomalguémdandoasuaopiniãosobreumtemacontroverso,
polêmico,poisnemtodostêmamesmaopiniãoarespeito.
MesmoaLu,comseus7anoseoseupequenoconhecimentolinguístico,demons-
troutercapacidadesdiscursivaselinguísticasparaargumentar.
Então,vocêviuqueoargumentarnãodepende
daidadeoudograudeescolaridade?
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
46
Escrita E Ensino Continuandoafocalizarasatividadesdenossaprofessora(SOUZA,2003),elaexer-
citavacomosalunosaçõesdelinguagemquelevavamascriançasaproduziremtextos
opinativosoraiseescritossobretemasdocotidianocomo:
-Ocestodolixodeveficarnocantodasala?Dêasuaopiniãosobreisso.
-Vocêconcordaqueéprecisotercarteiradabiblioteca?
-Oquevocêachadacriaçãodeumanimalemcasa?
- Aspessoasdevemcomersemlavarasmãos?Defendaasuaopinião.
- Ospaisdevemdeixaracriançadormirtarde?Oquevocêachadisso?
- Ospaisdevemfazeratarefaparaosfilhos?
Ascriançasexpressavamsuaopiniãoemtextos“escritos”coletivosouindividuais.
Noinício,eramarremedosdetextosescritos,masqueemalgunsmeseseramlegíveis
comotextosdogêneroartigodeopinião.
Vejamos agora outro texto como resposta à seguinte questãopolêmicaproposta
pelaprofessora:
Você acha que o cão é amigo do homem?
Eu axo purque cachoro ajuda o cego atravesar a rua ajuda a pulicia procurar o
ladrão ajuda a pulicia procurar droga mais ele faz coco na rua e a gente preciza linpar
eu acho bom sim ter cachoro em casa
(Marcia, 7 anos)
Diantedesseexemploreal,vocêconcordacomo“ensinotextuallinear”que
deixaaargumentaçãoparaasúltimassériesdoFundamental?
ParaBakhtin(1992),essessãoosparâmetrosqueconstituemasituaçãoimediatade
produção,devendosersemprecombinadoscomaabordagemdascondiçõessócio-his-
tóricasdeprodução.Porissoéqueasestratégiasdeensinodevemimplicarabuscade
intervençõesquefavoreçamaapropriaçãodosgênerosedassituaçõesdecomunicação
quelhescorrespondem,levandoosalunosaprogrediremnaquiloqueelesjásabem
em relação ao gênero e decompondo em formade atividades tudo aquilo que eles
aindanãoestãoaptosarealizarsozinhos.Issolevaráoprofessoraorganizarsequências
didáticas (DOLZ;MOVERRAZ;SCHNEUWLY,2004) queestejamadaptadasàscapacida-
desdelinguagemquesedesejadesenvolvernosalunosemrelaçãoaogêneroqueestá
constituindooobjetodeensino.
47
hEtErogEnEidadE tExtUal: a organizaÇão sEqUEncial dos tExtos
Nãopodemosnosesquecerdequetodogênerotextualsematerializaemumtexto
quegeralmenteéheterogêneonostiposdediscursoqueoconstituem,porquepode
serconstituídoporumtipodediscursodoexporoudonarrar.
Vocêjáviuque,segundoBronckart(2003),ostiposdediscursoseresumemem
quatro:exporinterativo,exporteórico,relatointerativoenarração.
Tambémemsuaorganizaçãosequencial(ADAMapudBRONCKART,2003)umtexto
podeserconstituídoporcincotiposdesequências:sequênciasnarrativas,sequências
descritivas,explicativas,argumentativas,injuntivasedialogais.
Umacartapessoal,porexemplo,podeconter:
• sequêncianarrativa(aorelataracontecimentos);
• sequênciasdescritivas(aodescreveraçõesoucontextodasaçõesetc.);
• sequênciaargumentativa(aoapresentaredefenderumatomadadeposição);
• sequênciasexplicativas(observáveisnostextosinformativosedidáticosparaex-
plicarascausasourazõesparaumfato);
• sequênciasinjuntivas(observáveisnasreceitasculinárias,manuaisdeinstrução,
regulamentos),cujafinalidadeélevarodestinatárioaumfazer;
• sequênciasdialogais(nodiscursodireto).
Paraexemplificar,observeaheterogeneidadetextualdodiárioaseguir:
Querido diário:
Hoje o dia foi muito legal. [sequência descritiva]. Fui conhecer a casa da
Vilma. [sequência narrativa] A casa dela fica num novo bairro da cidade, tem
um jardim lindo. [sequência descritiva]. Eu logo soube que aquela era a casa
dela [sequência narrativa], porque ela sempre teve mania de plantar flores por
toda parte.[sequência explicativa] Quando eu cheguei lá peguei todo o mundo
dançando.[sequência narrativa] Você imagine! [sequência injuntiva] Era o
aniversário do Valter e fizeram uma festa-supresa para ele. Fiquei pensando .[se-
quência narrativa] Como é bom conviver com gente de bem com a vida, faz bem
diminui o stress. Além disso, o amor entre todos contagia a gente e isso faz bem ao
coração. [sequência argumentativa] amanhã conto mais novidades para você.
[sequência narrativa]
Observoucomoécomplexooemaranhado,atessiturade“tipostextuais”,ouseja,
desequênciastextuaisemumtexto?
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
48
Escrita E Ensino Vejamosagoraotextoproduzidopormaisumaalunada1.ªsérie,apresentadopor
Marcuschi(2003)emumaatividadedeproduçãoenglobadaemprojetosobregêneros
doagrupamentodonarrar,quetambémconstituemgênerossecundáriosequeneces-
sitamdeumaprogressãoemespiralquedêcontadeatividadesdidáticasdedificuldade
crescente.
Apropostadaprofessora sedesenvolveassim:ogênerovai adquirindosignifica-
doemsituaçõesconcretasdeprodução(aatividadeemqueseincluiaproduçãodo
contoabaixoérecortadadaatividade“Horadahistória”,emqueascriançasprimeiro
reproduzemoralmente,desenhamaspartesdequemaisgostamedepoisescrevem)
atéchegaraoobjetivovisado:montarum“livrodehistórias”comostextosconstruídos
pelaturma.Ointuitodiscursivo,comopodemosver,estáclaroparaosprodutores,o
gêneroescolhidotambém.
Apartirdeumgêneroprimário,o“relatooral”,passamautilizaruminstrumento
maiscomplexo(contoparaolivrodehistóriasdaturma).Esteterádesermoldadopara
mediarainteraçãonaesferadacriação(literária).
Essaseráumaproduçãocontrolada,auto-suficiente,autônoma;alémdisso,vaipas-
sar por um processo de adaptação em sua estrutura composicional, tratamento do tema
eestiloprópriosparacircularnessanovaesfera.Portanto,ogêneroprimáriosetrans-
formaráemgênerosecundárioqueprecisaseraprendido/ensinado,ouseja,didatizado
(NASCIMENTO,2009).
Observemoso“conto”queAna(alunadaprimeirasérie)produziu:
O peixe
Era uma vez que tinha uma menina que jamava Magali ela foi peca no rio que tem la peto da casa e ela falou para a mãe dela;- Mãe eu vou para o rio e vai traze um peixe.E ela esta pescando e o anzol trem e ela puxou avara e saiu um peixe grande ela pegou o peixe e foi tira uma foto com ele e façou para o home;- Home voce fais um favor o que voe quer menina eu quero tira uma foto com o meu peixe que eu pesque coto que paga? Paga 50 setavo tão toma o diero. Mais a foto não sai escuro e ela leva o peixe para a mãe dela fritar. Qando foi come ela esqueseu a iscama que intalou na boca e a mãe dela salvou ela ela qasi qui si afogou. Ela não podi come peixe com iscama que é pirigozo.
49
Observemosqueotextodameninaproduzumefeitodecoerêncianotexto,con-
seguindoprenderaatençãodoleitoratravésdaintriga,tensãoprovocadapelasações
criadas.Asequênciadefatosobedeceaumaordemtemporal.
Otextoseorganizaemcincofasesdasequêncianarrativa:situaçãoinicial,complica-
ção,ações,resoluçãoesituaçãofinal.Hátambémafasedeavaliaçãoeafasemoral,que
dependemmaisdonarrador.
Quanto aos mecanismos de textualização construídos no texto, percebemos a preo-
cupaçãodoprodutorcomaconexãotextual:háorganizadorestextuaisquecontribuem
paramanterasligaçõeseasrelaçõesentreasestruturasdotexto.Aconexão(e)aparece
muitasvezesnotexto.Como,porexemplo,nalinha8,emqueousodo“mais”estabe-
leceoencadeamentoargumentativodeduasfrases.
Quanto aosmecanismos de coesãonominal (anáfora pronominais ounominais)
queasseguramaretomadaouasubstituiçãodeelementosdotexto,ameninaseutiliza
dopronome“ela”inúmerasvezes,emsubstituiçãoa“umamenina”,construindoassim
umacadeiaanafóricapronominal.
Otrabalhodaprofessora,queculminounotextodaaluna,trabalhadoemsuastrês
dimensões (contextual, discursivas e linguísticas) emumaatividade sócio-discursiva,
possibilitouaumapequenacidadãacompreensãocríticadeumgênerocomquepode
lidarnocotidiano.
gênEros híbridos: gênEros qUE sE EntrEcrUzaM
Adiversidadedefunçõesqueummesmogêneropodeexerceréoutroexemplode
comoéprecisoestaratentoàexploraçãodosgênerosnasaladeaula.
Os gêneros não são imóveis, sobretudo em certas esferas de atividade, emque
oagentedainteraçãorecorreaestratégiascriativas,tornando-osmaisimprevisíveise
flexíveis.
Nessassituaçõesdeprodução,podemsimularumacançãoemformadecarta,um
regulamentoemformadehistóriaemquadrinhos,umcontodemistériorepletode
bilhetes, interrogatório, cartas anônimas etc. São gêneros híbridos que se entrecru-
zamemumdiálogoquepodeconfundiroleitorsobreanaturezaefunçãodessejogo
intergenérico.
Observemos,noanúnciopublicitário,queadecisãodoprodutorfoiadedaraforma
deorganizaçãotextual-discursivadeumbilhete paraconvencerosjovensqueasgarotas
devem usar mini-saia, mas para isso devem usar meias de seda (e, com isso, aumentar as
vendasdoprodutoanunciado).
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
50
Escrita E Ensino
Figura 1. revista cláudia, março de 2001.
Observemoscomo,aorecorreraumprocedimentodeenquadramentocontextual
(dialógico),umtextoserelacionaindissoluvelmenteaooutro.Aoencaixarumdiscurso
emoutro,oautorconseguiuumanotáveltransformaçãodoenunciadoalheio(ogênero
bilhetesofremodificaçõesnasituaçãosocialnaqualexerceumanovafunção).
Essehíbridodebilheteeanúnciopublicitáriopassaaterumaidentidadeprópria
vinculadaàscondiçõesdesuaproduçãoeàcomunidade(discursiva)quefazusodele;
houveumaretextualizaçãoqueproduziuumamudançanogêneroinicial–obilhete.
Oestilodeumbilheteébastantecoloquial,simulandoumainteraçãooralatravésdo
vocativo(CaraRochele),dousodeumexporinterativo(observeodêitico:você).Elese
encaixanoanúncioemumaespéciedeparódiadogênerobilhetecomoformadedar
umconselhoaoamigo.Essainterdiscursividade/intertextualidadeseconstituiemação
persuasivasobreodestinatário.
Portanto,temosaíumgêneroquedeixoudecircularemumaesferadecomunicação
privada(escreverumbilheteparaumamigoíntimo)epassouaserumgêneroquecir-
culaemumaesferadecomunicaçãopúblicaenãomaisprivada,dirigidoaumpúblico
consumidordessetipodeproduto.
Oformatoqueserviaparaveicularconteúdodecaráteríntimo,pessoal,passoua
vincularoutrosconteúdos,poisafinalidadedoautordoanúncioé,recorrendoàestra-
tégiadobilhete,mostrar,convencerasgarotas(comoRochele)quedevemusarmini-
saiacommeiasfinas.
Vejamosque,nobilhete, oautorrecorreamarcaslinguísticasdessegênero:ousoda
primeirapessoaquedemonstraaimplicaçãodointerlocutoraoqualobilhetesedirige
etambémafórmuladecomoiniciareterminaromesmo.
Quantoaoanúnciopublicitário, trata-sedegêneroquesecaracterizaporestratégias
51
depersuasão.Porexemplo: frases imperativas, recursoscomofigurasde linguagem,
ambiguidade,jogosdepalavras,provérbios,metáforaporsimilaridadeouporcontigui-
dade,identificação,comparação,níveldelinguagemdeacordocomopúblicoquese
queratingir(NASCIMENTO,2004).Suaestruturacomposicionalébemvariável,masem
geralécompostaportítulo,textoqueampliaoargumentosobreotítulo,assinatura,
logotipooumarcadoanunciante.
palavras Finais
Nestecapítulo,buscamoscontribuirparalançaralgunsfundamentosparaumavi-
radaenunciativanoquedizrespeitoaoenfoquedetextosedeseususosemsalade
aula,propostaquetemecoadonasdiretrizescurricularesoficiais,nasquaisseconvoca
anoçãodegênerosdiscursivos/textuaiscomoinstrumentomediadorquerepresentaas
atividadesdelinguageme,aomesmotempo,significam-nas.
Buscamosrespostasparaalgumasquestões:
• Como podemos articular o trabalho didático nos eixos da alfabetização e do
letramento?
• Quesubsídiosteóricosepráticosnecessitamosparaotrabalhopedagógicocom
gênerosdediferentesesferasdeatividade?
• Comopodemosorganizarasatividadesemsaladeauladeformaafavorecera
interação,otrabalhoemgrupo,acontextualizaçãodaspráticasescolarescom
a leitura, aproduçãooral e escrita, a análise linguística inseridasnaspráticas
sociaisqueconfiguramdiferentesgênerosdodiscurso?
Apresentamosumconjuntodereflexõesteóricasepráticasdaabordagemdosgê-
nerosqueinfluenciamaelaboraçãodeatividadesdidáticasaseremselecionadaspelo
professorparacriarambientesqueauxiliemoacessodoalunoaodomíniodaleiturae
dos mecanismos de produção de textos em diferentes esferas e situações de uso, consi-
derandoquedesdeafaseinicial,quandooprofessoraindaseposicionacomoleitore
escriba,eleéoorganizadordeatividadeseinterferências,buscandosempreexploraras
operaçõesdelinguagemquedãosuporteàspráticassociais.
Noprocessodeconstruçãoereconstruçãodetextosedeleitura,buscamosenfatizar
a importânciadequeasatividadesdidáticasconstituamatividadessignificativaspara
oalunocomo,porexemplo,aproduçãodecartaaocolegadoentequefaltaàaula,a
produçãodecontosparaumlivroaserdoadoàbiblioteca,aproduçãodeartigospara
o jornal mural, os convites para a festa junina, a entrevista ao pioneiro do município, a
produçãodepoemasquecomporãoumCDparaasmãesetc.
Oimportanteéqueoalunosintadespertaremsiavontadeenunciativa,comodiria
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
52
Escrita E Ensino Bakhtin,queimplicamotivaçõesparadiscursaremdeterminadassituaçõesdeprodu-
çãotendoemvistaumdestinatárioespecífico.
Asatividadescomesobreosgênerosdetextosabrangem:
a)acompreensãodabasealfabéticadaescrita;
b)acompreensãodasregrasdosistemaderepresentação;
c)aorganizaçãotextual;
d)osrecursosexpressivosprópriosdaescrita;
e)osaspectosconstrutivosdoprocessodeinterpretaçãodostextos–quevãomui-
toalémdaleituradosentidoliteral.Portanto,vãomuitoalémdaalfabetização
centradanagrafiaouortografiaoumesmonarepresentaçãográficadouniverso
sonorodalinguagem.
Esperamosterdeixadoclaroque,paranós,escreverémaisdoqueaprenderagrafar
sons.Aprenderaescreveréseapropriardepráticasdiscursivaseusossignificativosda
escritaconfiguradasemdiferentesmodosdodiscurso(gêneros),emnovasmaneirasde
serelacionarcomtemasesignificadosenovosmotivosparacomunicareinteragircom
ooutro.
Tudoissoimplicaumaalfabetização/letramentocentradosnaconstruçãododiscur-
soconfiguradonaspráticassociais–osgênerostextuais.
BAKHTIN,M.Estética da criação verbal.SãoPaulo:MartinsFontes,1992.
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http:www.novaescola.com.br-RevistaNovaEscola.
http://www.psicopedagogia.com.br-ConselhoFederaldePsicopedagogia.
55
Proposta de Atividades
1) Vocêvairefletirsobreocontextodeproduçãodostextosaseguir:
texto i:
Ficomuitoagradecidaavocêpeloadjetivo“entediante”atribuídoaminhacida-de.Seráquevocêconsidera“entediante”acidadeporquenãoétãoesculham-badaquantoasua?
(MariaAparecida–Curitiba,PRCARTAS-RevistaVeja,Nº55,ano36).
texto ii:
Nacaradura
Quandoeutinha12anos,iaparaocolégiodecaronacomamãedeumaamiga.Àsvezes,agenteparavanosupermercado(umsaco,eusei,masnãoreclamarfazpartedomanualdeetiquetadacarona)eessaamigacolocavaumchocolatenobolsoe saía sempagar.Alémdeprecisardecoragem -nãopensequeascâmerasdaslojassãocaixasdepapelãopintadas!-elacorriaoriscodemorrerdedornaconsciência.Eeupensava:afinal,porquealguémfaz isso?Outrasgarotasparavamnãopeladornaconsciência,masporqueforampegas.Ascâ-marasfilmavamtudoeentãovinhaotraumadeumaterrívelexperiência.Tôforadisso!Agora,pegarcoisasdasamigaseseesquecerdedevolver,eufaçoalgumasvezes.
( Juliana–ContesuaExperiência–RevistaCapricho–27/05/2004).
texto iii:
EstAtuto DA CriAnçA E Do ADoLEsCEntE
Lein.8.069,de13-7-1990
TÍTULOI
DASDISPOSIÇÕESPRELIMINARES
Art.1.ºEstaLeidispõesobreaproteçãointegralàcriançaeaoadolescente.
Art.2.ºConsidera-secriança,paraosefeitosdestaLei,apessoaaté12(doze)anosdeidadeincompletos,eadolescenteaquelaentre12(doze)e18(dezoito)anosdeidade.
Parágrafoúnico.Noscasosexpressosemlei,aplica-seexcepcionalmenteesteEstatutoàspessoasentre18(dezoito)e21(vinteeum)anoseidade.
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
56
Escrita E Ensino texto iV:
A árVorE quE ContAVA
Houveumaárvorequepensava.Epensavamuito.Umdiatranspuseram-naparaapraçanocentrodacidade.Fez-lhebemadeferência.Elaentusiasmou-se,cres-ceu,agigantou-se.
Aívieramoshomensepodaramosseusgalhos.Aárvoreestranhouo fatoecorrigiuseucrescimento,pensandoestarnadireçãodeseusgalhosacausadainsatisfaçãodoshomens.Masquandoelanovamenteseagigantouoshomensvoltaramenovamenteamputaramseusgalhos.
Aárvorequeriasatisfazeraoshomensporjulgá-losseusbenfeitores,eparoudecrescer.Ecomoelanãocrescessemais,oshomensaarrancaramdapraçaecolocaramemoutrolugar.
(FrançaJúnior.Aslaranjasiguais.2.ªed.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1996,p.16).
a)Preenchaatabela:
Texto 1 Texto 2 Texto 3 Texto 4
Função social do autor
leitora da revista Veja que geralmente possui bom nível de escolaridade e informação.
Objetivo /intuito discursivo/intenção do autor do texto
demonstrar, pela carta, a sua indignação com a forma pejorativa com que sua cidade foi tratada pelo jornalista.
Imagem que o autor tem de seu destinatário
que ele é jornalista da revista Veja, portanto é um importante profissional da mídia, mas é arrogante e agressivo
Locais ou suportes pelos quais esse gênero de texto circula
revista semanal da Editora Abril, seus assinantes são considerados das classes A e B.
Contexto sócio-histórico possível da produção
nos dias seguintes à publicação da reportagem da revista que a autora da carta cita
57
2) Coloquecadagênerotextualemseurespectivoagrupamento,considerandoostrêscrité-riossugeridosporDolzeSchneuwly(2004).
Artigo de opinião, editorial, receita, verbete, fábula, debate oral, seminário, regras de jogo, crítica de cinema, curriculum vitae, telenovela, conferência, notícia, horóscopo, di-ário de viagem, peça teatral, regulamento escolar, histórico escolar, carta de reclamação, notícia, história em quadrinhos, charge, autobiografia, diário, cordel, texto informativo, monografia, carta do leitor, lista de compras, lenda, lei, bula, regulamento, piada, con-trato de locação.
Narrar Relatar Argumentar Expor Instruir/Prescrever
os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
Anotações
58
Escrita E Ensino
Anotações
59
Cláudia Valéria Doná Hila
rEdaÇão E prodUÇão dE tExtos a partir dE gênEros discUrsivos
Vamosiniciarestecapítuloapartirdaleituratrêsdetextosdesenvolvidosporcrian-
çasdamesmaidadedesériesiniciaisconformeelasescreveram:
Texto 1
A iscola e muitu importanti a iscola ajuda agente a ter futuro eu gosto muito da iscola e da minha professora e poriso a gente tem que dexar a iscola bem limpa.
(M. 8 anos, escola municipal)
Texto 2
Maringá, 23 de maio de 2008.
Senhora diretora,Gostaria muito de pedir pra senhora que Mude a nossa sala do 2o. B para a sala que era
da biblioteca porque náo consiguimos aprender com o barulho que fica todo dia na quadra que dá ao lado da nossa sala.
Grata(P. 8 anos, escola municipal)
Texto 3
Texto 3O melhor amigo do mundo se chama g. d. g. bom esse enino conheço desde os 3 anos
de idade esse sim daria um amigo bom mas eu to falando serio sericimo esse menino é legal gentil palhaço engraçado mas muitissimo amigo é simpatico esperto e muito esportizado gosta de estudar mas éo segundo mas esperto da sala – eu sou o primeiro né...esse amigo tem muito carinhoo é entereçado nos dinos e nunca avandonarei ele porque
1- chorava ele estava do meu lado;2- brincava estava ao meu lado;3- estudava estava ao meu lado;4- brigava mesmo assim estava ao meu ladooooo enfim esse é o melhor amigo k alguem pode terrrrrrrrrr t vejo na aula c cuida (G, 8 anos escola privada)
A produção de textos nos anos iniciais
3
60
Escrita E Ensino Vocêconsegueperceberadiferençaentreessestrêstextos?Notexto1,acriança
dizaquiloquedeveserdito,ouseja,escreveumtextosobreaescola,ressaltandoseus
aspectospositivos(“aiscolaajudaagenteterfuturo”),ovalordaprofessora(“eugosto
muitodaminhaprofessora”),masumvalorquedependedeumaação–adedeixara
escolalimpa.Essediscurso,narealidade,denotaumafalaquenãoéadacriança,mas
daprofessoraedaprópriainstituiçãoescolarque,comsuasnormaseseusdeveres,
instauraaquiloqueacriançadevedizer.Nessecaso,temosumclássicoexemplode
redação escolar,pois:
• acriançaescreveumtextoproduzidoparaaprofessoralerecorrigir;
• acriançaescreveaquiloqueaprofessoraquerouvir;
• acriançanãosecolocacomoalguémquetemalgoadizerdesiprópria.
Geraldi (1993) explica que o termo redação remete àqueles textos produzidos
para aescola,ouseja,nãoexisteumobjetivoconcretoparaseescreveroquesees-
creve,nemtampoucoumarazãoparadizeroquesediz,emuitomenosalguémpara
escrever(uminterlocutor),diferentedopróprioprofessor.Brito(1997,p.19)ratifica
essaideiaaoafirmarqueàcriança,quandoescreveumaredação,resta“falarparanin-
guémou,maisexatamente,nãosaberaquemfalar”.LopesRossi(2002)complementa
adiscussão,ressaltandoqueescreverredaçãolimita-seaumensinovoltadoapenasà
aprendizagemdaschamadas tipologias textuais–narração,descriçãoedissertação.
Paraaautora,essetipodeensinoéinadequadoeestáfadadoaoinsucessoporque:
• artificializaascondiçõesdeproduçãodeumtexto,namedidaemquenãose
escreveumtextoqueéprodutodeumapráticasocialautêntica;
• descaracterizaoalunocomosujeitonousoda linguagem, fazendocomono
exemplo1,quereproduzaoprópriodiscursodaescola;
• nãoestabeleceumrealinterlocutor(excetooprofessor)paraqueotextoseja
produzidoeparaqueesseinterlocutordêsentidoemotivaçãoparaseescrever;
• não há objetivos reais para se escrever, a não ser o de cumprir um exercício
escolar;
• nãoseobedecemàsetapasdaescrita,fundamentaisparaodesenvolvimentoda
criançanessaprática,comooplanejamento,arevisãoeareescrita.
Como efeito, a redação passa a ser um mero exercício escolar, desprovida de sen-
tidoparaacriança,enamaioriadasvezeso“coringa”,o“tapa-buracos”dasalade
aula,istoé,umaatividadeaserexecutadaquandofaltaumprofessorouquandosobra
temponaaulaenãohámaisnadaplanejadoasefazer.Emoutrassituações,écolocada
comotarefadecasa,poisemsalanãoépossíveltrabalhá-la.
61
Nessescasos, faltaaosprofessoresoentendimentosobrearelaçãoentreaspro-
postasdeescritaeasconcepçõesde linguagemquecadauma implica.Entendero
significadodessasconcepçõesparaoensinodaescritaesuasdevidasimplicaçõesé
fundamentalparagarantirqueousoeficazda linguagemnãoapenasnoâmbitoda
escrita, mas de outras práticas da sala de aula, como a alfabetização, o trabalho com a
leitura,otrabalhocomagramática.Paraentendermelhoresseponto,observemosos
exemplos:
O peixeiro puxou o peixe da vara.O peixe mexia, mexia.O peixe caiu debaixo do caixote.Ele abaixou e pegou o peixe.Ele assou o peixe.Ele comeu o peixe assado.
(Cartilha. ALMEIDA, D. P. F. No Reino da Alegria. s/d)
TEXTO DE ALUNO
A casa é bonita.A casa é do menino.A casa é do pai.A casa tem uma sala.A casa é amarela.
(aluno de 8 anos)
aixo(GERALDI, J. W. Escrita, uso da escrita e avaliação. In: ______ (Org.). O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1987. p. 121-125.)
Otextopresentenacartilhaébastantecaracterísticodaconcepçãodelinguagem
“comoexpressãodopensamento”presentenasdécadasde1960emeadosdade1970.
Nessavisão,acredita-sequeaexpressãoéconstruídanointeriordamentedoaluno,
semquaisquerinfluênciasexternas.Dacapacidadedoindivíduoorganizarlogicamen-
teseupensamentodepende,portanto,suacorretaexteriorização.Porisso,seexistem
regrasenormasgramaticaisaseremseguidaseseelasseconstituemcomonormasdo
bemfalaredobemescrever,afunçãodalinguagempassaaseraderepresentarou
refletiropensamentohumano.Porissomesmo,otextodoalunoquevemosàdireita
noquadrorepresentaessatentativadeadequar-seàproduçãodefrasesbemformadas,
aindaquedesprovidasdecoesão.
Emmeadosdadécadade1970,surgeumanovaconcepçãodelinguagemcomo
“instrumentodecomunicação”.Nessavisão,aescritaéconcebidacomomodeloase
imitar,característicodasinfluênciasestruturalistasdaépoca.Vejamos,porexemplo,
essaacepçãoapartirdeumapropostaretiradadeumlivrodidático:
a produção de textos nos anos iniciais
62
Escrita E EnsinoVAMOS IMAGINAR
Imagine uma criança muito feliz (ou, se preferir, muito infeliz) com seu jeito de ser:- Como ela é fisicamente?- Como é o seu jeito de ser, ou seja, como ela se comporta?- Por que ela age assim?- Como essa criança trata essas pessoas?- Como ela gostaria de ser tratada?- O que vai ser essa criança quando crescer?Desenhe sua personagem e complete a história com as idéias que imaginou e depois dê
um título adequado.
(SORDI, R. Língua portuguesa: comunicação oral e escrita: 1ª. série. São Paulo: Moderna, 1995. p. 88.)
Paraauxiliarotrabalho,écolocadooseguintemodeloparaacriança:
A criança da minha história chama-se..........................Fisicamente é .......................................................................................Essa criança é muito...................... porque...........................................Quando conversa com as pessoas é muito............. porque.................A criança da minha história gostaria que a tratassem......porque.......Quando crescer, vai ser.............. porque.............................................
Nessecaso,ésolicitadoprimeiroqueacriançaimagineumapersonagem,como
se escrever não dependesse de um ensino intencionalmente planejado, mas da ima-
ginaçãoedodomdacriança(SERCUNDES,1997).Depois,elapreencheráaslacunas
deumtextopreviamenteorganizado,quejátrazinclusiveaquiloqueacriançadeve
escrever,comoseelanãotivesseoqueescrever.
Ascaracterísticasdeumensinodeescritavoltadoaessasconcepçõessãoasseguintes:
LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO
LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO
- Saber se expressar e escrever equivale a saber produzir frases e orações corretas à luz da gramática tradicional;
- O foco de atenção é a frase;- Escrever é dominar a norma-padrão
da língua por meio da escrita de um amontoado de frases desconexas;
- Não há preocupação com a significação.
- Saber escrever é saber imitar uma estrutura de texto com base em outra pré-estabelecida, notadamente aquela escrita por escritores da esfera literária;
- O foco de atenção é a estrutura do texto;
- Escrever é saber imitar um modelo-padrão;
- Não há preocupação com o significado.
Essas duas concepções de linguagemmostraram-se insuficientes para promover
odesenvolvimentoda escritano aluno, exatamenteporquenãonos comunicamos
porfrasesouporimitaçõesdetextosdeescritoresfamosos,ouaindapelastipologias
63
textuais,masnoscomunicamospormeiodeumaconversa,ume-mail,umartigode
opinião,umacartade reclamação,umboletimdeocorrência,umaentrevista,uma
fofoca,ouseja,noscomunicamospormeiodegênerostextuais.
Porissomesmo,apartirdadécadade1980emergeumanovaconcepçãodelingua-
gem,ade“linguagemcomoformadeinteraçãoentreossujeitos”,baseada,sobretudo,
emumacorrentelinguísticadenominadaInteracionismoSocial,tendoMikailBakhtin
comoseurepresentantemaior.Aoassumirmosessaconcepçãodelinguagemnoensi-
no,pensandonoatodaescrita,partimosdaideiadequeacriançatemumpapelativo
nomomentodesuaprodução,utilizandoalinguagemparainteragirconcretamente
comoutrapessoa.Eoquepodemosentendercomoumaatividadeinterativa?Antunes
(2003,p.45)explicaqueumaatividadeéinterativaquando:
[...]érealizada,conjuntamente,porduasoumaispessoascujasaçõesseinter-dependamnabuscadosmesmosfins.Assim,numainter-ação(“açãoentre”),oquecadaumfazdependedaquiloqueooutro faz também:a iniciativadeuméreguladapelascondiçõesdooutro,etodadecisãolevaemcontaessascondições.Nessesentido,aescritaé tão interativa, tãodialógica,dinâmicaenegociávelquantoafala.
Paraqueacriançaentreeminteraçãocomoooutro,énecessárioensiná-laaredigir
textosdecirculaçãorealouoschamadostextosdeuso.Pense:usamosanarração“pura”
comoumamodalidadede textodeuso?Não.Usamosanarração,porexemplo,para
nosauxiliaraescreverumareportagem,umacrônica,umacartaetc.Damesmaforma,
usamosodiscursodissertativoparaescrevermosumartigodeopinião,umacartadere-
clamação,pararealizarumdebateoral.Astipologiasseriam,dessemodo,instrumentos
paraaconstruçãodosdiversosgênerostextuais.PorissomesmoéqueosParâmetros
CurricularesNacionais(BRASIL,1997)elegemotextocomounidadedeensinodasaulas
delínguamaternaeosgênerostextuaiscomoobjetosdeaprendizagem,jáquesãopor
intermédiodelesquenoscomunicamosenosrelacionamosunscomosoutros.
Agorareparemosnoexemplodotexto2quecolocamosnoiníciodestaseção.Você
consegueidentificarquetextoéeste?Diferentementedoprimeirotexto,nosegundo
ficaclaroqueacriançaestáescrevendoumacartadesolicitaçãoparaadiretorapara
queelamudesuasalaparaoutra,devidoaobarulho.Há,portanto,umanecessidade
realdeinteraçãocomooutroeporissomesmoháoquesedizereparaquemsedizer.
Aqui,diferentementedaprimeirasituação,temosumexemplodeprodução textual a
partirdeumgênerotextualespecífico,noqualacriança:
• temoquedizer,frutodesuavivênciapessoalnasala;
• temuminterlocutor,quenãoaprofessoraprasedizer,nessecaso,adiretorada
escola;
a produção de textos nos anos iniciais
64
Escrita E Ensino • defineumgêneroespecíficoparasedizer,acartadereclamação;
• sabe como dizer, pois ao escrever uma carta de solicitação evidencia um proces-
sodeaprendizagemrealizadonaescolamediadopelaprofessora;
• utiliza-sedeumgênerotextualparainteragircomooutro.
Omesmoocorreno texto3.Onde você se lembra ter visto esse tipode texto?
AcertousedissequeénaInternet.Essetextoéogênerodepoimento,presentenas
páginasdoOrkut, uma rede social presente na Internet, criada em 2004, cujo pro-
pósitoédivulgaroperfildeumapessoaedar espaçopara criarnovas amizadese
manterrelacionamentosentreamigosquecompartilhemcomelafotos,bate-papose
depoimentos,porémdiferentementedotexto2,quefoiresultadodeumensinointen-
cionalmenteplanejadopelaprofessora,aquitemosumexemplodoqueFreinet(1977)
eCagliari(1998)denominamescritaespontânea,ouseja,aescritaqueocorresema
mediaçãodeoutrapessoa,semainterferênciadaescola,masquetambémexemplifica
umasituaçãoautênticadeinteração,porqueacriançatemumobjetivoeoquedizer
(fazerumdepoimentoparaseumelhoramigo),temparaquemdizer(paraseuami-
go),constitui-secomolocutorrealquebuscaemsimesmoasinformaçõesparadizer;
insereotextonoveículoadequado(nocasoapáginadoOrkut)erealiza,inclusive,a
adequaçãodalinguagemaesseveículocomapenas8anosdeidade.
Por isso mesmo, os textos 2 e 3 atendem hoje a outro conceito importante para o
trabalhocomaescrita:oconceitodeletramentoescolar.ParaSoares(2002),serletra-
dosignificairalémdameraaquisiçãodocódigoescrito,éprecisofazerusodaleitura
edaescritanocotidiano:“seumacriançasabeler,masnãoécapazdelerumlivro,
umarevista,umjornal,sesabeescreverpalavrasefrases,masnãoécapazdeescrever
umacarta,éalfabetizada,masnãoéletrada”.Exatamenteporisso,aautoradefende
queaescolaalfabetizeletrandoacriança,colocando-aemcontatocomtextosreaisde
circulação,oquesignificaproduzirtambémgênerosdiscursivosespecíficospresentes
nasmaisdiversasformasdeinteraçãosocial.
Kleiman(2003)defineletramentocomooconjuntodepráticassociaisqueutilizam
aescritaemcontextosespecíficosecomfinalidadesespecíficas.Podemosconsiderar
aspráticassociaiscomoformasdeorganizaçãodeumasociedadedasatividadesedas
açõesrealizadaspelosindivíduosemgruposorganizados.Sãopormeiodessaspráti-
casquesedefinemasatividadeshumanas,bemcomoospapéiselugaressociaispara
aquelesquenelaestãoenvolvidos.
Apráticasocial“iràescola”,porexemplo,exigediversasatividadestantoporpartedo
professorcomoporpartedoaluno,como:planejaraaula,ouviroprofessor,elaborar/re-
alizarexercícios,discutirtópicos,prestaratençãonaaula,organizaratividadesetc.Exige
65
tambémqueassumamosnessaesferasocialopapelsocial,querdeprofessor,querde
aluno(enão,porexemplo,denamorados,depatrão,deempregado).Nessaseemou-
trasinúmerasatividadesohomemelaboraoschamadosgênerosdodiscurso,taiscomo
agenda,prova,discussãooral,resumo,debateregrado,seminário,planodeaulaetc.
Dessa forma, as práticas sociaismobilizam diversas atividades de linguagem, as
quaisenvolvemdiferentesmaneirasdeexpressão,pormeiodosgênerosdiscursivos,
queimplicamemdiferentescapacidadesdecompreensãoedeprodução.Issoexpli-
ca,então,arazãopelaqualnãopodemosmaisusaremsaladeaulaapenasanoção
detipologiatextual,entendidacomosequênciastextuaisdefinidasporpropriedades
meramente linguísticas (descrição, narração, dissertação), já que, alémde não nos
comunicarmos por esses tipos de textos, eles não dão conta de desenvolver as ca-
pacidades de leitura e de escrita necessárias para a participação efetiva do indivíduo
emummundomultissemiótico,noqualhánecessidadesdeleitoreseescritoresnão
apenasdo textoverbal,masde textosque trazemmúltiplossistemasde linguagem
(verbal,visual,audiovisual,gestual),denominadosgênerosmultimodais,como,por
exemplo,históriaemquadrinhos,tirasemquadrinho,canção,anúnciopublicitário,
reportagem;propagandatelevisivaetc.
Por isso mesmo, a noção de letramento passa a ser ampliada, ou seja, o bom leitor
e,principalmente,obomescritornãoémaisaquelequeeescreveumaboanarração
oudissertação,maséaquelequeécapazdeescreveredecompreenderdiversosgêne-
rosdiscursivosmobilizadosnasmaisdiversaspráticassociais,atendendoafinalidades
específicasdeinteração.
tipologias E gênEros discUrsivos
Na seçãoanterior, vocêpercebeuquenos comunicamosporgêneros textuais e
nãoportipologiastextuais.Noentanto,comotemosumatradiçãomuitofortenesse
últimotipodeensino,aindapercebemosqueumadasgrandesconfusõespresentes
naescoladizrespeitoàdificuldadedecompreensãodessasnoções.Paracompreender
melhor,vamosobservaralgunsexemplosretiradosdelivrosdidáticos.Observemosa
seguintepropostadeescrita:
Invente uma história cujas personagens sejam crianças e animais. Você pode fazer individu-almente ou em grupo.
(CÓCCO, M. F.; HAILER, M. A. ALP 4: análise, Linguagem e pensamento: um trabalho de lingua-gem numa proposta sócio-construtivista. São Paulo: FTD, 2000.)
Tomemos outro exemplo, agora o paradidático de Jacqueline Peixoto Barbosa
(2003),intitulado“Receita”,noqualtemosaseguinteproposta:produçãodeumlivro
a produção de textos nos anos iniciais
66
Escrita E Ensino dereceitasdasala,decorrentedeumprojetodesenvolvidoemsaladeaula:
Em grupo vocês vão produzir um pequeno livro, de no mínimo seis receitas. Cada grupo deve escolher o tipo de livro de receitas que vai produzir. Seguem quatro sugestões: 1. Recei-tas baratas; 2. Receitas rápidas e práticas; 3. Receitas fáceis; 4. Receitas malucas ou receitas da bruxa. Em seguida, a autora sugere os passos metodológicos para a realização do livro (1. Definição das receitas que farão parte do livro; 2. Reescrita da receita; 3. Revisão da receita; 4. Edição da receita; 5. Publicação da receita). Para cada passo apresentado, há orientações específicas. Finalmente, a orientação para publicação das receitas é: Agora que os livros estão prontos, resta mostrá-los para outros grupos. Você também deverá levar o livro para casa e mostrar para seus familiares. Afinal, eles poderão se divertir com as receitas mais estranhas que vocês inventaram. Combinem quanto tempo cada membro do grupo ficará com o livro e quem vai levar o livro primeiro.
(BARBOSA, J. P. Receita: trabalhando com os gêneros do discurso. 1. ed. São Paulo: FTD, 2003).
Noprimeirocasorelatado, temosumtrabalhocomaescritavoltadoà tipologia
narrativa,enosegundocaso,umapropostadeescritabaseadananoçãodegêneros
textuais,nocasoareceita.Asdiferençasentreessaspropostaspodemsermaisbem
observadasnoquadroabaixo:
quadro 1. diferenças entre propostas de escrita a partir de tipologias e a
partir de gêneros discursivos.
TIPOLOGIAS TEXTUAISPROPOSTA 1
GÊNEROS DISCURSIVOSPROPOSTA 2
1. A proposta não define um gênero em específico, apenas solicita à criança que “invente uma história”. Inventar parte da premissa da escrita como um dom.
1. A proposta define um gênero específico – a receita – e parte de um projeto trabalhado em sala de aula, oportunizando à criança ter o que dizer.
2. A proposta não se define por uma necessidade real de comunicação da criança.
2. A proposta de escrever uma receita define uma necessidade real de comunicação da criança: escrever um livro de receitas.
3. A proposta não define um interlocutor específico; é escrita para a professora.
3. A proposta define interlocutores específicos do livro de receitas – amigos e familiares.
4. A proposta não pressupõe um ensino intencionalmente mediado para cumprir uma função sociocomunicativa.
4. A proposta cumpre uma função sociocomunicativa – a de escrever um livro para ser compartilhado com amigos e familiares.
Oquevemos,emumensinobaseadoapenasnastipologias,éarepetiçãodecon-
teúdosnoâmbitodaproduçãotextual.Porexemplo,emsériesiniciais,oestudodos
elementosdanarrativaoudesuaestruturacomposicional(situaçãoinicial,conflitoe
desfecho),notoriamentesegundoopadrãodachamadanarrativatradicionalclássica,
naqualtemosaseguinteestruturaaserensinada:
67
FASES DA SEQUÊNCIA NARRATIVA TRADICIONAL
• Situação inicial: situa ou orienta o leitor a respeito da narrativa, o “estado das coisas” aparece equilibrado.
• Complicação: transformação desse “estado” equilibrado, introduzindo à narrativa uma perturbação, criando uma tensão.
• Ações: reúne acontecimentos desencadeados por essa perturbação.• Resolução: solução da tensão.• Situação final: novo estado de equilíbrio estabelecido.• Avaliação ou moral: comentário relativo à história, que pode aparecer explícito ou não.
Nãoestamosquerendoafirmarquevocênãodevaensinaressaestrutura,aliás,ela
éumaetapaimportanteparaoprocessodeconstruçãodaescritanassériesiniciais.
Oproblemaérepeti-lainsistentementeaolongodosanosescolares,mesmoquando
acriança já seaproprioudela.Essaestruturaclássicadanarrativa literária, advinda
daAntigaRetórica,podeservisualizadaemalgunsgêneroscomoocontodefadas.
Porém,ograndeproblemaéquemuitasescolasensinamessaestruturacomoseelase
realizassedamesmaformaemoutrosgênerostextuaisdaordemdonarrar.
Observemosotexto:
“Cinderela”
Era rei um filia e rei se caso.O rei morreu e a Cinderela ficou com a madasta. A madasta ficava chemmendo a Cinderela Cinderela cinderela javou javou....... Cinderela que ir comigo no baile meninas mispere e Secolar é meu e se vistido é meu – fada madrinha pegou a vara majica e empeistou o vistidio cinderela meia noite voce ficara sem o vistidio e sem a caroça e votaralnormau........ e ela foi a obaile e dansou com prisipi O jaé meia noite euprisiso eu vou imbora E cinderala num vio mais o pincipe nunc amais eFico pra titia.
Patrícia Juliana – 7 anos
Asituaçãodeproduçãodahistóriaoferecidapelaprofessorada2ºano foiase-
guinte:“Reproduza com suas palavras a história da Cinderela”.Noentanto,Patrícia
(nomefictíciodaaluna)nãoapenasreproduzahistória,masmodificaoseudesfecho,
atualizandooconto.Naversãotradicional,temosodesfecho“finalfeliz”;jánaversão
dePatrícia,Cinderelaficapratitia,portantoasituaçãodeconflitonãoéresolvidada
mesmaforma.Patrícia,narealidade,querdizeralémdaquiloqueleu,secolocando
comoalguémquetambémtemoquedizer,que leuotexto,masacaboutrazendo-
o muito provavelmente para a sua realidade mais próxima, atualizando com isso o
própriocontodefadas,istoé,fazendoumaparáfrasedocontoaomesmotempoque
a produção de textos nos anos iniciais
68
Escrita E Ensino acrescentaumainformaçãoquenãoestavapresentenele.Odesfechoinesperadoaca-
barevelandoanecessidadededizeralgomaisdoqueseencontravanocontodefadas.
Omesmoocorrecomumanarrativadeterror.Comonormalmenteterminamessas
narrativas?Comumdesfechoqueresolveasituaçãodeconflito?Claroquenão.Nar-
rativas de terror, por vezes de suspense e de aventura, podem trazer outros tipos de
desfecho,quedenominamos:(a)finalemaberto,quandopermiteaoleitorimaginar
oqueocorreu,ou(b)finalcomquebradaexpectativa,quandoalgoinusitado,não
esperado,finalizaoenredo(HILA,2004).Porissomesmo,nãopodemosensinaruma
únicaestruturanarrativaquesirvapara todososgênerosdaordemdonarrar,pois
cadagênerotrarásuaestruturacomposicional,queserávariável,porquecadagênero
tem uma condição de produção diferente, e muitas vezes trabalhará com diversos tipos
desequênciasemseuinterior,nãoapenasanarrativa.
Maslembre-se,assequênciaspresentesemgênerosdaordemdonarrar,comoo
conto de fadas ou a narrativa de suspense serão diferentes, mas seus elementos, como
ospersonagens,otempo,asações,oespaçosempreestarãopresentes.Oqueque-
remosressaltarcomessadiscussãoéquevocêpodeedevetrabalharcomsequências
narrativastradicionais,aexemplodaqueocorrecomoscontosdefadas,masàmedida
quea criança seapropriedelas,procureavançarparanovosgêneros textuais, com
novasorganizaçõescomposicionais,possibilitandoquenovosaprendizadosocorram.
Vejamosocasodacartadoleitorabaixo:
Eu achei bem intereçante esse texto mas isso não serve pra todo mundo não porqeue eu não gosto muito de conto de fadas é coisa de minina e o final é sempre igual eu gosto mesmo é di jogar vidiogame é mais legal e divertido e eu não sou um dos piores da sala de aula eu vim de Curitiba, lá eu sempre brinquei de vidiogame na lanrouse até meu pai se mudar e faz três semanas que estou aqui eu gosto é de ler coisas antigas sabe tipo história antiga mesmo de países e também gosto muito de matemática porque esses assuntos naun tão na revista?
Mateus (3º. Ano)
Nessacarta,oalunofazusodasequênciaargumentativa,porquecolocaasrazões
denãotergostadodotemacontodefadasemumaprovávelreportagemdarevista(“é
coisa de minina e o final é sempre igual”),mastambémhápassagenstípicasdase-
quêncianarrativa,como“eu vim de Curitiba, lá eu sempre brinquei de vidiogame na
lanrouse até meu pai se mudar e faz três semanas que estou aqui”.Oquequeremos
destacaréquenocasodessacartadoleitor,edetantosoutrosgêneros,utilizamo-nos
dastipologiastextuaiscomorecursosparaaproduçãodeumgêneroespecífico.
PortudoissoéqueosParâmetrosCurricularesNacionais–PCN–(BRASIL,1997)
propalamqueparaaprenderaescrever“énecessárioteracessoàdiversidadedetextos
69
escritos”(p.66),éprecisoinseriracriançadiantedesituaçõesreaisdeescrita,ouseja,
éfundamentalqueaspráticasdeescritanasaladeaulaestejamvoltadasaoaprendiza-
dodalinguagemapartirdadiversidadedetextos(e,portanto,degênerosdiscursivos)
quecirculemsocialmente,comvistasàformaçãodeumescritorcompetente:
Umescritor competenteé alguémque, aoproduzirumdiscurso, conhecen-dopossibilidadesqueestãopostasculturalmente,sabeselecionarogêneronoqual seu discurso se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seusobjetivoseàcircunstânciaenunciativaemquestão.Porexemplo:seoquesedesejaéconvenceroleitor,oescritorcompetenteselecionaráumgêneroquelhepossibiliteaproduçãodeumtextopredominantementeargumentativo;seéfazerumasolicitaçãoadeterminadaautoridade,provavelmenteredigiráumofício;seéenviarnotíciasafamiliares,escreveráumacarta.Umescritorcompe-tenteéalguémqueplanejaodiscursoeconseqüentementeotextoemfunçãodoseuobjetivoedoleitoraquesedestina,semdesconsiderarascaracterísticasespecíficasdogênero.Éalguémquesabeelaborarumresumooutomarnotasduranteumaexposiçãooral;quesabeesquematizarsuasanotaçõesparaestu-darumassunto;quesabeexpressarporescritoseussentimentos,experiênciasouopiniões(BRASIL,1997,p.48).
Escrevercomcompetênciasignificasaberselecionarogêneromaisadequadopara
se expressar em uma dada situação de interação, respeitando aí suas características
temáticas,estruturaisedeestilo;significaterumpropósitoparaseescrevereterum
destinatárioparaisso.Todavia,quaisgênerosmobilizarparaasatividadesdeescrita?
OsPCNsexemplificamalgunsgênerosadequadosparaotrabalhocomalinguagem
escritanosprimeirosciclosdaescola(BRASIL,1997,p.11):
• receitas,instruçõesdeuso,listas;
• textosimpressosemembalagens,rótulos,calendários;
• cartas,bilhetes,postais,cartões(deaniversários,denataletc.),convites,diários
(pessoais,declasse,deviagemetc.);
• quadrinhos,textosdejornais,revistasesuplementosinfantis:títulos,lides,no-
tícias,classificadosetc.;
• anúncios,slogans,cartazes,folhetos;
• parlendas,canções,poemas,quadrinhas,adivinhas,trava-línguas,piadas;
• contos(de fada,deassombraçãoetc.),mitose lendaspopulares, folhetosde
cordel,fábulas;
• textosteatrais;
• relatoshistóricos,textosdeenciclopédia,verbetesdedicionário,textosexposi-
tivosdediferentesfontes(fascículos,revistas,livrosdeconsulta,didáticosetc.).
Damesmaforma,asDiretrizesEstaduaisparaoensinodeLínguaPortuguesapreco-
nizamqueotrabalhodadisciplinadeLínguaPortuguesadeve“considerarosgêneros
a produção de textos nos anos iniciais
70
Escrita E Ensino discursivosquecirculamsocialmente”(PARANÁ,2005,p.11),orientandoparaaprá-
ticadaescritaaescolhadegênerosdediversasesferassociais.Aesferasocialéenten-
didacomoumcampoideológicoemqueváriosgênerosestãoagrupados.Vejamosos
exemplosabaixo:
• Esferadaliteratura:poema,contodefadas,narrativadeaventura,narrativade
enigma,poema,etc.;
• Esferajornalística:reportagem,artigodeopinião,cartadoleitor,entrevistade
especialista,etc.;
• Esferapublicitária:propagandaimpressa,propagandatelevisiva,anúnciopubli-
citário,etc.
Háaindaoutrasesferas,comoajurídica,areligiosa,amidiática.AsDiretrizesdei-
xamclaroqueéimportanteescolhergênerosdiscursivosdeesferasdiferentes,oque
oportunizaráqueanoçãode letramentoanteriormentediscutidarealmenteocorra.
Porissoéprecisoiravançandonaescolhadegênerosdiferentespertencentesaesferas
tambémdiferentesaolongodassériesiniciais.Nadaimpede,porexemplo,queomes-
mogêneropossaentraremtodasassériescomocomponenteprogramático.Aesse
procedimentoDolzeSchneuwly(2004)denominam“ensinoemespiral”.Oquedeve
serlevadoemcontanessetipodeensinoéqueummesmogêneropodeserobjetode
ensinoedeaprendizagemvisandoàescritaparatodasasséries;oquedeveocorreré
umagradativacomplexificaçãoemtornodasatividadesrelativasàleituraeàprodução
textualdogênero, fazendocomqueacriançaavanceemseudesenvolvimento.Por
exemplo,podemostrabalharcomcriançasda2ª.sérieacartadoleitor,focandootra-
balho,porexemplo,napráticadaleitura;posteriormentenos4ºe5ºanospodemos
voltaraessegênero,priorizandoagorasuascaracterísticascomunicativas,composicio-
naisedeestilo.
Nestesentido,oensinodaescritaapartirdaperspectivadogêneroampliaaspos-
sibilidades de trabalho com a escrita, utilizando-se de textos de circulação, de uso
real,alémdefavorecerotrabalhocomaleitura.Emúltimainstância,trabalharcom
adiversidadedetextosedegênerospermiteàcriançaseapropriardalinguagemde
formamaisvivaedinâmica.
condiÇÕEs dE prodUÇão dE UM tExto
Apartirdaconcepçãodequealinguageméinteraçãovistanoiníciodestecapítulo,
éprecisoentenderquetodogênerodiscursivoinsere-seemumcontextodeprodu-
ção,conceitoessefundamentalparaasatividadesdeleituraedeescrita.
No quadro teórico do Interacionismo Social, o conceito acerca do contexto de
71
produção partedapremissaqueaproduçãodesentidosédecorrente,deumlado,das
particularidadesconstitutivasdaquiloquecercaotextooudoseucontextoe,deoutro,
dascaracterísticasdoprópriotexto(BAKHTIN,2003).Porissomesmo,aosolicitarque
acriançarealizeumaproduçãotextualnãobastaapenasdefinirumtemaparaqueela
escreva,como,porexemplo:“Escreva uma história bem interessante sobre a aventura
de um dragão”;“Faça uma narrativa contanto um fato curioso da sua vida”:“Escreva
um texto sobre a importância da água.”Nessesexemplos,alémdenãosedefinirqual
éogêneroqueacriançairáproduzir(umanarrativadeaventura?umartigodeopinião?
umanarrativadesuspense?),tambémnãosãoestabelecidasascondiçõesdeprodução
decadaumdostextos,oquetornaessesexemplostípicosemredaçãoescolar.
Geraldi(1993),umestudiosodasideiasdeBakthin,trouxe,jánadécadade1980,
deformasintética,ascondiçõesdeproduçãodeumtexto:
a) setenhaoquedizer;
b) setenhaumarazãoparadizeroquesetemadizer;
c) setenhaparaquemdizeroquesetemadizer;
d) olocutorseconstituicomotal,enquantosujeitoquedizoquedizparaquem
diz(oqueimplicaresponsabilizar-se,noprocesso,porsuasfalas);
e) seescolhamasestratégiaspararealizar(a),(b),(c)e(d).
Hila(1999)explica-nosessascondições:“Ter o que dizer”dizrespeitoàexperiência
daquiloqueacriançaviveu,ouseja,opontodepartidaparatodaareflexãodoaluno
deveserasexperiênciasporeletrazidas,suasansiedadesevivências.Éfundamentalque,
aoproporumapropostadeescritasepartadeconhecimentosjáexistentesnascrianças.
Porexemplo,seemumaatividadedeproduçãosolicita-seàcriançaqueelaboreuma
receita, na sala de aula o professor já deve ter trabalhado atividades de leitura e de escrita
queenvolvamessegênero.Dessaforma,oalunoprecisasentirqueescreversejaalgo
importante,emqueaexperiênciadovividopasseaseroobjetoinicialdereflexãonaes-
cola:“ovividoé,portanto,opontodepartidaparaareflexão”(GERALDI,1993,p.163).
Asegundacondiçãodeproduçãoé“ter uma razão para dizer”,ouseja,épreciso
quetantooprofessorcomooalunoencontremumamotivaçãointernaparaotrabalho
aserexecutado.Oalunodeveperceberqueseutextoéoresultadodeumanecessi-
daderealdeexpressão,enãoumexercícioimaginário,desvinculadocompletamente
desuarealidadesócio-histórica,quenãosetraduzemumaformadeinteraçãocomo
própriomundo.Semisso,corre-seoriscodequeoexercíciodaescrita,maisumavez,
transforme-seemumatarefasemsentido,penosa,oque,gradativamente,afastaráo
alunodaprópriaescrita.
Aterceiracondição,“se tenha para quem dizer o que se tem a dizer”, diz respeito
a produção de textos nos anos iniciais
72
Escrita E Ensino àdefiniçãodeuminterlocutorparaotexto,poisseráapartirdaimagemquesefaz
delequeoalunodefiniráosrecursoslinguísticosetextuaisparadesenvolverotexto.
Daí,novamente,aimportânciacomosgênerostextuais/discursivos,porquediferentes
gênerosmobilizarãootrabalhocomdiferentesrecursosdeexpressão.Porexemplo,
escreverumacartaparaumamigomobilizarecursosbemdiferentesdeescreveruma
cartadereclamaçãoparaadiretoradaescola.
Aquarta condição, “o locutor se constitua como tal”, édecorrenteda anterior,
ouseja,àmedidaqueotextotemuminterlocutorreal,oalunoseconstituirácomo
“locutor”,comoalguémquetemoquedizer.
Aquintaeúltimacondição,“se escolham estratégias” para realizar as operações
anteriores,dizrespeitoàsoperaçõesnecessáriasparaarealizaçãodetodasasetapas.
Issopoderáserrealizadolevandoemconsideraçãoqueoprofessor,aoescolheruma
propostadeprodução(queatendaàscondiçõesanteriores),deveobservarqueéne-
cessárioofereceràcriançacondiçõesparaqueseapropriedogêneroemquestão.As-
sim,porexemplo,aopedirqueacriançaproduzaumcontodeassombração,primeiro
oprofessordeveconhecerascaracterísticasdessegênero(estilo,tema,estruturacom-
posicional) para, em seguida, transformar esses conhecimentos em conhecimentos
ensináveisaosalunos(porexemplo,comoéaestruturacomposicionaldessetipode
história,comosãoaspersonagens,quaisostemasdessetipodegêneroetc.).
Narealidade,todasessascondiçõestrabalhadasporGeralditiveremcomobaseas
ideiasdeumfilósofodalinguagem,MikhailBakthin,consideradoomaiorrepresen-
tantedeumacorrentelinguísticadenominadaInteracionismoSocial.Resumidamente,
a partir do quadro teórico do Interacionismo Social, teríamos como elementos do
contextodeprodução:
quadro 2. condições de produção no interacionismo social (hila, 2007).
ELEMENTOS DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO NO INTERACIONISMO SOCIAL
1. Parceiros da interação (locutor e destinatário)
2. Objetivo da interação, o intuito ou querer-dizer do locutor
3. A esfera onde ocorrerá a interação, que delimita o contexto da situação, com suas marcas ideológicas, sociais e culturais (contexto social mais amplo)
4. O tema e seu tratamento exaustivo
5. O gênero escolhido (e suas formas realizáveis)
Esseselementosconstituemabaseparaasatividadesdeleituraedeescritaque
visemàautoriadoaluno,ouseja,aapropriaçãodogêneropelacriançaexigequeo
professordesenvolvaumasériedeatividadesanteriores(nointeriordeprojetosou
73
não)paraqueelaseaproprie:
a) docontextodeproduçãodogênero(reconhecimentodessegênero,ondeelese
encontra,qualoseuobjetivo,paraquemsedestina,quaisseustemastípicos);
b) daestruturacomposicionaldogênero(comoogêneroseorganiza,quaissuas
sequênciasprototípicas);
c) dasmarcasdoestilo(mecanismoslingüístico-enunciativosprópriosdogênero).
Poressemotivo,umaatividadedeautoria, entendida comoaquela atividadede
produçãonaqualacriançadevepensarsobreotema,sobreaestruturacomposicional
e sobreoestilodogênero,normalmenteestá inseridano interiordeprojetosque
possibilitemotrabalhocomoselementosdescritos.
tipos dE atividadEs dE Escrita
A atividade de escrever, semdúvida, é uma operaçãomental de nível superior,
exigindodacriançaumasériedeoperaçõesedeesforçosparaqueelaaconteça;do
professor,oplanejamentoadequadoparaqueacriançaavancenaformaenoconteú-
dodaquiloqueescreve.Assimsendo,muitoemborasepretendaaolongodotrabalho
escolaraescritavisandoàautoria,ouseja,queoalunoseconstituacomoalguémque
temoquedizer,especialmenteenquantoacriançaaindaestáemprocessodealfabe-
tizaçãoeseusesforçosvoltam-separaisso,outrasatividadesdeescritasãoigualmente
importantes.OsPCN(1997)orientamquatrotiposdeatividadesprincipaisdeescrita:
1. Atividadesdetranscrição;
2. Atividadesdereprodução;
3. Atividadesdedecalque;
4. Atividadesdeautoria.
Alémdessasatividades,acrescentamos:
5.Respostaaenunciadosdecunhoexpositivo/argumentativo.
As atividades de transcriçãomobilizamaatençãodoalunoparagarantirafideli-
dadeaoregistroeaodomíniodasconvençõesgráficasdaescrita,especialmenteco-
locadasquandoacriançaaindaestáemfasedealfabetização.Nessecaso,acriançajá
tememmãosoquedizer(otema)eocomodizer(aestrutura),eseuesforçomental
recairásobreoestilo,particularmentenassériesiniciasparaquestõesortográficase
fonológicas.Nesseconjunto,estariamasatividadesquelevemascriançasa:
• compreender as diferenças existentes entre os sinais do sistema de escrita alfa-
bético-ortográficoeoutrasformasgráficasesistemasderepresentação;
• identificarasletrasdoalfabeto,inclusivemaiúsculasdeminúsculas;
a produção de textos nos anos iniciais
74
Escrita E Ensino • dominarasconvençõesdaescrita,comodireçãocorretadaescrita,segmentação;
• compreenderasrelaçõesentregrafemasefonemas,como,porexemplo,p/b,f/v.
• transcreverostextosquejásabedememória.
Atítulodeexemplo,vejamosaatividadeabaixo,parareconhecimentoeidentifica-
çãodasletrasdoalfabeto,propostaporBatistaetal.(2005,p.4):
Além dessa atividade, podem ser trabalhadas outras atividades focadas na
transcrição:
• escritadelistadenomesdosalunosdaturma;
• escritadetítulosdecontosdefadasconhecidos;
• escritadedatas;
• escritadeumalistadecompras;
• relacionarlegendasdenotíciascomasimagens;
• escritademanchetedeumanotícia;
• diferenciaçãoentreescritaeoutras formasgráficasapartirdaobservaçãode
anúnciosdeembalagens;
• completartítulosdecontosconhecidosapartirdeumalistadepalavras;
• completarlacunasdeparlendas;
• associaçãodeumlogotipodeumaembalagemàimagem,etc.
As atividades de reprodução(oralouescrita)permitemqueoalunofiqueliberado
datarefadepensarsobreoqueiráescreverecomoiráescrever,poisoconteúdoea
estruturajáestãodefinidospelotextomodelo.Nessecaso,suaatençãoestarácentra-
lizadamaisumaveznoplanodaexpressão–nocomodizer.Sãoexemplosdessetipo
deatividade:
75
• reproduzir(oralouescrito)umcontodefadas;
• reproduzir(oralouescrito)umatirasemelementosverbaisedepoiscomele-
mentosverbais;
• elaborarumresumodeumanotícia,deumareportagem(quandoacriançajá
sealfabetizou)etc.
As atividades de decalque funcionamquaseque comomodelos lacunados,nas
quaisocomodizereaestruturacomposicionalsãodadosparaacriança,quedeverá
centrarseuesforçonoquedizer.Exemplosdessasatividadessão:
• escreverumaparódiadeumamúsicaconhecidaoudeumpoema;
• completarofinaldeumacartadereclamação;
• escreverumareceitabaseadaemoutraetc.
As atividades de autoriasãoconseguidasprincipalmentepormeiodeprojetos,e
serãocomentadasnaspróximasseções.
Finalmente, outra atividade constante de escrita desenvolvida na sala de aula, não
apenasnasaulasdelínguaportuguesa,sãoatividadesquelevemascriançasaescreve-
rem respostas de cunho expositivo e/ou argumentativo. Nessescasos,cabeaoprofes-
sorajudaracriançaaentendercomoseescrevecadatipoderesposta.Porexemplo,
seafinalidadeéqueacriançaargumente,elaprecisateraconsciência,eoprofessor
também,queumasequênciaargumentativaécompostadasseguintesfases
FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA
FASE DAS PREMISSAS: em que se propõe uma constatação, opinião ou ponto de partida.
FASE DAS APRESENTAÇÕES DOS ARGUMENTOS: em que se apresentam as ideias que provam a opinião, por meio de exemplos, explicações, relatos etc.
FASE DA APRESENTAÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS: em que se opera uma restrição em relação à orientação argumentativa. Essa restrição pode ser apoiada por exemplos, constata-ções, explicações etc.
A FASE DA CONCLUSÃO: ou da nova tese que integra os argumentos e contra-argumentos.
Vejamos,comoexemplo,aseguinteatividaderealizadaporumaprofessoradeuma
segundasérie/terceiroano.Apóstertrabalhadoemsaladeaulaumtextoemquese
discutiao trabalhodas criançasemcasa, aprofessorapediuque respondessemno
cadernoàseguintequestão:“Emsuaopinião,ascriançasdevemtrabalharemcasaPor
quê?”.Nessecaso,acriançaprecisadarumarespostadecunhoargumentativo.Marina,
8anos,naprimeiraversãoescreveoseguinte:
a produção de textos nos anos iniciais
76
Escrita E EnsinoProqueofinhotemquiajudaamãeeamãeeopaitemquetrabaia
Nessaprimeiraversão,acriançacolocaapenasafasedapremissa.Seoprofessor
desconheceasfasesdasequênciaargumentativa,considerariacorretaaresposta.Mas
apósotrabalhocomareescritaeaintervençãodaprofessora,aversãofinaldeMarina
foiaseguinte.
Proqueofinhotemquiajudaamãeeamãeeopaitemquetrabaiaprapodesus-
tentaafamiaeagentepodeestudaentãoeuaxoqueagentepodiajudaumpouco
mastamemtemquebrincaprapodeficafeliseficabemnaiscolaentãofazeasduas
coisasumpouco.
Obviamenteosaspectosortográficossãodesconsiderados,jáqueacriançaainda
estáemfasedealfabetização.NotamosquepelotrabalhodaprofessoraMarinaagora
apresentaosargumentos(acriançatemqueajudarnotrabalhoemcasa,porqueos
paisprecisamtrazerosustento),mastambémoscontra-argumentos(acriançatam-
bémprecisabrincarparapoderficarfeliz)eaindafazumaconclusãousandoumco-
nector“então”,afirmandoquetantobrincarcomotrabalharsãoatividadesnecessárias,
sintetizandooargumentoeocontra-argumento.
Esse trabalhosó foipossívelporque: (a)aprofessoraconheciaoselementosda
sequênciaargumentativa;(b)aprofessorarealizouotrabalhocomareescrita;e(c)
respeitouasfasesdotrabalhocomaescrita.
Aoproporumaatividadedeescrita(deautoriaounão),oprofessordeveorientar
seus alunos, desde as primeiras produções, a respeito dos momentos ou das fases da
escrita:momento do planejamento(noqualoprofessorensinaasestratégiasneces-
sárias à elaboração do texto);momento da textualização (da elaboração do texto
propriamentedito);momento da revisão(quedeveservistocomoetapanaturaldo
processodeproduçãoenãocomoerrooucastigoimputadoaoaluno);momento da
reescrita(naqualoalunopensaconscientementesobreosaspectosqueprecisamser
modificadosnoseutexto).Se,desdeassériesinicias,oalunoencararessesmomentos
comonaturaisaoprocessodeescrita,gradativamente,comamediaçãodoprofessor,
elealcançaráprocessosdeelaboraçãodetextosmaisricosecomplexos.Exatamente
porissonosdebruçaremosumpoucomaissobreesseassuntonapróximaseção.
Damesmaformaqueexistemfasesparaaescritadoaluno,portudooquejáabor-
damosatéaqui,existem,igualmente,fasesoumomentosespecíficosparaoprofessor:
77
momento da escolha da proposta de escrita; momento da execução e o momento da
avaliação.Aoescolherumaproposta,oprofessordeveestarconscientedosmotivos
queolevaramaisso.Porqueescolhiessaproposta?Elaéadequadaàscondiçõesde
produção?Elarespeitaaquiloqueacriançajásabeetemaomenosinternalizado?Ela
preencheumanecessidaderealdecomunicação?Qualéoseuobjetivo?Nomomento
daexecução,énecessáriopensar:ofereciasestratégiasnecessáriasparaascriançases-
creveremessegênero?E,nomomentodaavaliaçãolevaremcontaoquefoiensinado
ecomofoiensinado.
rEvisão E rEEscrita
Arevisãoeareescritadevemseradotadascomoprocedimentoscorriqueirosemsala
deaula,semosquaisdificilmenteumacriançaavançaesedesenvolveemtermosde
escrita.OsPCNdeLínguaPortuguesado1ºe2ºciclos(BRASIL,1997)esclarecemque:
oobjetivoéqueosalunostenhamumaatitudecríticaemrelaçãoàsuaprópriaproduçãodetextos,oconteúdoaserensinadodeveráterprocedimentosderevisão[...].Aseleçãodestetipodeconteúdojátraz,emsi,umcomponentedidático,poisensinararevisarécompletamentediferentedeensinarapassaralimpoumtextocorrigidopeloprofessor.Noentanto,mesmoassim,ensinararevisaréalgoquedependedesesaberarticularonecessário(emfunçãodoquesepretende)eopossível(emfunçãodoqueosalunosrealmenteconseguemaprendernumdadomomento).Consideraroconhecimentopréviodoalunoéumprincípiodidáticoparatodoprofessorquepretendeensinarprocedimen-tosderevisãoquandooobjetivoémuitomaisdoqueaqualidadedaprodução–aatitudecríticadiantedoprópriotexto.
Ficaclaro,portanto,querevisaréumaatitudemuitodiferentequedade“higieni-
zar”,quepormuitotempoacompanhouasatividadesdeavaliaçãodoprofessor.
Areescritatransformava-senumaespéciede‘operaçãodelimpeza’,emqueoobjetivoprincipalconsistiaemeliminaras‘impurezas’previstaspelaprofilaxialingüística,ouseja,ostextossãoanalisadosapenasnoníveldatransgressãoaoestabelecidopelasregrasdeortografia,concordânciaepontuação,semsedaradevidaimportânciaàsrelaçõesdesentidoemergentesnainterlocução.Comoresultado,temosumtexto,quandomuito,‘lingüisticamentecorreto’,maspre-judicadonasuapotencialidadederealização( JESUS,1997,p.102).
Percebemos,assim,quehá,normalmente,umapredileçãoparaahigienizaçãode
elementos apenas na superfície do texto, especialmente em relação aos erros de orto-
grafia,pontuaçãoeconcordância,comoseesseselementostivessemsupremaciasobre
os elementos de base semântica, em seus aspectos de coesão e coerência. Revisar,
portanto,éconseguirencontrarnotexto,pormeiodeummediador,quepodeser
oprofessor ououtros, osproblemasque interferemnaproduçãodaquele gênero,
a produção de textos nos anos iniciais
78
Escrita E Ensino problemasnãoapenasdaordemdagramática,mastambémdaorganizaçãodotexto,
dasescolhastemáticas,daadequaçãoàsituaçãodeprodução.
Jáareescritaéomomentoemqueoalunoirápensarsobreessesproblemascom
vistasatransformá-los.Nãorestamdúvidasdequeareescritaéum“espaçoprivilegiado
de articulaçãodas práticas de leitura, produção e reflexão sobre a língua” (BRASIL,
1997,p.80),possibilitandoaoalunoumarelaçãomaisinterativacomseuprópriotexto,
provocandoumdiálogoentreoaluno-autorcomoseuproduto;alémdeauxiliá-loaen-
xergar,pormeiodamediaçãodoprofessor,oqueanteselenãoconseguiaversozinho.
Sercundes (1997) tambémapontaoutra razãoda importânciadas atividadesde
reescrita.Paraaautora,seoalunopartedeseuprópriotextoeemitesobreeleum
olharmaisanalíticoeavaliativo,eleterácondiçõesderealmenteperceberqueescrever
étrabalho,masnãoumtrabalhoassociadoàvisãonegativadotermo,comoalgoenfa-
donho,masusandoaperspectivafreinetiana,observarqueotrabalhoéumaatividade
naturaldohomem,queoajudaráasetornarumusuáriomaisefetivodesuaprópria
língua.Interessante,também,éaposiçãodeJolibert(1994)aoreforçarqueasativida-
desdereescrita,quandomal-entendidasoumal-planejadas,feitasdeformarepetitiva
eentediante,tendemaafastaroalunodesuapróprialíngua.Domesmomodoque
Freinet(1977),oautorenunciaqueotrabalhocomareescritadeveservistocomo
umaetapasignificativa,quepermitaaoalunoavançar,gradualmente,emsuaprópria
aprendizagem.Reforça,ainda,quereescritanãoécópiadotexto.
Neste sentido, o professor, ao término de uma atividade de produção (seja ela
umaatividadedetranscrição,dereprodução,dedecalque,deautoria,derespostasa
enunciados),poderátrabalharareescritadediversasformas,utilizandootextotodo,
partesdotexto,parágrafoseatéunidadesmenores,comoafrase.Oimportanteéque
emcadamomentopriorizem-seaspectosparaalémdosproblemasformais(quede-
vemserobjetosdareescrita,masquenãodevemserapenaseles).Oidealéselecionar,
paraaquelasproduções,quaisaspectoschamarammaisaatençãoetrabalhá-los,alter-
nandoformaeconteúdo.Nocasodaforma,porexemplo,queébastantesignificativa
nessa fase, ou o professor se debruça sobre ela, ou sobre a pontuação, ou sobre os
aspectosdecoesão.Quantoaoconteúdo,aspectoscomoaprogressãodas ideias,a
adequaçãodoconteúdoaogêneropropostotambémpodemedevemserobjetosde
umareflexão.
Paraascriançasmuitopequenas,aatitudedarevisãoporsisóéumatarefaque
consideramdifícil,exatamenteporqueexigeodistanciamentodoprópriotexto;daí,
procedimentos como utilizar textos alheios para serem analisados coletivamente são
interessantes.Nessecaso,épreponderanteopapeldoprofessor,quedeverácolocar
questõesaseremavaliadasparaoproblemaquedesejafocar.Éoprofessor,nessecaso,
79
oprimeiromodeloderevisor.
Há,também,algumasformasouestratégiasdeauxiliaroalunoaelaborararevisão
apartirdesipróprio,pormeiodefichasdeautoavaliação,nasquaisoprofessoresta-
beleceaspectosquepressupõequeascriançasjáinternalizaramepedequeobservem
notextoaspectosdaformaedoconteúdo.Ospróprioscolegastambémpodemcum-
priressepapelcomotextodooutro.
Asfichassãointeressantesquandoinseridas,sobretudo,emprojetos.Aoelaboraruma
ficha,devemosincluircomoitensaquelesqueefetivamenteforamtrabalhadosdurante
oprojeto,envolvendoosaspectostemáticos,composicionaisedeestilo(GONÇALVES,
2009).Atítulodeexemplo,vejamosafichaelaboradaporumaprofessorada4ªsérie/5º
ano,porocasiãododesenvolvimentodeumprojetoenvolvendoacartadoleitor:
PONTOS PARA VOCê OBSERVAR ok PRECISO(A) MUDAR
A linguagem utilizada na minha carta está de acordo com os leitores da Revista Atrevida?
Deixei claro para os leitores o objetivo da minha carta? (tópico trabalhado no capítulo 3)
Usei apenas opiniões ou desenvolvi argumentos? (tópico trabalhado no capítulo 4)
Consegui argumentar em relação à minha opinião sobre a matéria lida, isto é, por meio de fatos, exemplos, comparações?
Usei uma pontuação adequada no parágrafo, respeitando as pausas e evitando muitas vírgulas?
Marquei minha opinião por meio de expressões indicativas do meu ponto de vista? (tópico trabalhado no capítulo 5)
Usei expressões específicas para finalização dos meus argumentos?
Combasenessaficha,oprofessor,paraoprocessodeavaliaçãodoaluno,pode
elaborarumafichadeconstatação(GONÇALVES,2009)sobreoselementosalcançados
ounãoporcadacriança,como,porexemplo:emrelaçãoaocontextodeprodução,
oalunoxaindanãoconseguiuperceberoquediferenciaumacartadoleitordeuma
a produção de textos nos anos iniciais
80
Escrita E Ensino cartaaoleitor;oalunoyconseguiureconhecer,eassimpordiantecomcadaaspecto
quefoiobjetodeensino.
Portudoisso,éprecisoqueoalunotenhaumtrabalhocontinuadocomoprocesso
dareescrita.FiadeMarynk-Sabinson(1991,p.55)ratificamessaafirmação,poisao
encarar a reescritura comouma atividade inerente à própria escritura do texto, os
alunos passam a se preocupar mais com a maneira como os leitores verão os seus tex-
tos.Passarãoaconsiderarotextoescrito“comoresultadodeumtrabalhoconsciente,
deliberado,planejadoerepensado”.
projEtos dE Escrita na Escola
Discutimosemtópicoanterioraimportânciadascondiçõesdeproduçãoparaque
aescritaseaproximedesituaçõesreaisdeinteração.Metodologicamente,otrabalho
com projetos torna mais fácil para o professor e para o aluno encontrarem espaço para
pôrempráticaumaescritamaisvivaeaproximaracriançadeatividadesdeautoria.Os
ParâmetrosCurricularesNacionais(BRASIL,1997,p.70-71)assimpreconizam:
Osprojetossãoexcelentessituaçõesparaqueosalunosproduzamtextosdeforma contextualizada – além do que, dependendo de como se organizam,exigemleituras,produçãodetextosorais,estudo,pesquisaououtrasativida-des.Podemserdecurtaoumédiaduração,envolverounãooutrasáreasdoconhecimentoeresultaremdiferentesprodutos:umacoletâneadetextosdeummesmogênero(poemas,contosdeassombraçãooudefadas,lendasetc.),umlivrosobreumtemapesquisado,umarevistasobreváriostemasestudados,ummural,umacartilha sobrecuidadoscoma saúde,um jornalmensal,umfolhetoinformativo,umpanfleto,cartazesdedivulgaçãodeumafestanaescolaouumúnicocartaz.
Umprojetopodeserentendidocomoumtipodeorganizaçãodidática,quetem
umobjetivodefinidoecompartilhadopor todososenvolvidosequeterá,necessa-
riamente,umdestinatário,umaformadedivulgaçãoecirculaçãosocial,naescolaou
foradela.Háváriasformasdesefazerumprojetodedocência(oudesala)apartirdos
gênerosdiscursivos,sejapormeiodeumaoficinadeleiturae/ouprodução,pormeio
deumasequênciadidática,oumesmoprojetosquevisemaauxiliarproblemasespe-
cíficosdeaprendizagemdosalunos.Vamos,noentanto,enfocarosprojetosnavisão
propostaporestecapítulo,ouseja,navisãodoInteracionismoSocialBakthiniano.
Lopes-Rossi(2002,p.81),combaseemsuaexperiênciacomoprofessoraformado-
racomoestágiosupervisionado,propõeque“nemtodososgênerosseprestambem
àproduçãoescritanaescolaporquesuassituaçõesdeproduçãoedecirculaçãosocial
dificilmenteseriamreproduzidasnasaladeaula[...]”.Issosignificaquealgunsgêne-
ros se prestariam mais a projetos apenas de leitura, não envolvendo a efetiva produção
escritadogênero,taiscomo:“rótulosdeprodutos,bulasderemédio,propagandas
81
de produtos, propagandas políticas, etiquetas de roupas,manuais de instrução de
equipamentos,contratos,notafiscal.”Aleituradegênerosdiscursivosnaescolanão
pressupõe,portanto,sempresuaproduçãoescrita.
Sequisermosdesenvolverumprojetodeensinoenvolvendoumdeterminadogê-
nero,voltadotambémparaaproduçãoescrita,precisamospensarserealmenteaquele
gêneroescolhidoéensinávelparaadimensãoescrita,emais,seésocialmenteválido
paraintegrarumprojetoparaaquelaturmaemespecífico,preenchendoumanecessi-
daderealdasala.Pensandoemumprojetoqueenvolvaaescritadeumgênerodiscur-
sivo,poderíamosterasseguintesfases:
quadro 3. Fases de um projeto a partir de um gênero discursivo (adaptado
de lopEs-rossi, 2002, p. 82).
Início do projeto Explicação aos alunos sobre o objetivo do projeto, sua forma de divulgação ao público (fora da sala e, eventualmente, fora da escola) dos textos a serem produzidos, definindo-se o gênero a ser objeto da escrita. Fase de motivação para o projeto.
MÓDULO 1Leitura para apropriação das características típicas do gênero discursivo
Série de atividades de leitura (e de escrita) comentários e discussões de vários exemplos do gênero para conhecimento dos elementos de seu contexto de produção, de suas características temáticas, composicionais (verbais e não-verbais) e de estilo.
MÓDULO 2Produção escrita do gênero de acordo com suas condições de produção típicas
Série de atividades de produção: planejamento da produção (assunto, contexto de produção, esboço geral, forma de obtenção de informações, recursos necessários); coleta de informações; produção da primeira versão; revisão colaborativa do texto ou por fichas de auto-avaliação; produção da segunda versão; revisão colaborativa do texto; produção da segunda versão; revisão colaborativa do texto; produção da versão final, incluindo o suporte para circulação do texto.
MÓDULO 3 Divulgação ao público, de acordo com a forma típica de circulação do gênero
Série de providências para efetivar a circulação da produção dos alunos fora da sala de aula e mesmo na escola, de acordo com as necessidades de cada evento de divulgação e das características de circulação do gênero.
Quandobemplanejados,osprojetosvisandoàproduçãoescritaapartirdeum
gênerodiscursivoimportanteenecessárioaoletramentodacriança,adequadoauma
determinadasituaçãodecomunicaçãodaescolaedaturma,sejamelesdequaisquer
natureza, oportunizam a aproximação da criança com uma escrita mais viva, eviden-
ciamqueescreveréoresultadodeumensinoplanejadoparaessefim,tornamaescrita
menosartificialelevam,principalmente,nossascriançasaperceberemqueescreveré
umaformadeparticiparmaisplenamentedoprópriomundo.
a produção de textos nos anos iniciais
82
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Proposta de Atividades
1)Elaboreumcomandoparaaescritadeautoriadeumgêneroespecífico,utilizando-sedoselementosexplanadosnestecapítuloeimaginandoqueessecomandofinalizaráumpro-jetosobreogêneroescolhido.
85
a produção de textos nos anos iniciais
Anotações
2)Tendoemvistaostiposdeatividadedeescritaqueexploramosnocapítulo,elabore:
a) umaatividadedetranscriçãoparao1ºano;
b) umaatividadedereproduçãoparaoano:
c) umaatividadeemqueacriançatenhaqueconstruirumarespostaaumaquestãodecunhoexpositivo/argumentativoparao4ºano.
86
Escrita E Ensino
Anotações
87
Lilian Cristina Buzato Ritter
Otemadestecapítuloésobreumdoseixospráticosquecompõemoensinode
LínguaPortuguesa:aanáliselinguística.Emcapítulosanteriores,jáforamfeitasmuitas
reflexões sobreo ensinode línguamaterna apartir da concepçãode língua como
formadeinteraçãosocial.Reforçamosnestemomentoaideiadequenãosefalaem
aluno-gramático como se fala em aluno-leitor e produtor de textos porque não se
pretendequeoalunosaibagramáticaparasabergramática.Agramáticadeveservista,
portanto,comouminstrumentoparamelhoraracompetênciadiscursivadoaluno,e
nãocomoumfimemsimesmo.
Mendonça(2001),contudo,salientaque,paramuitos,auladeLínguaPortuguesa
aindaésinônimodoensinoderegrasgramaticais.Porisso,émuitofrequenteemcur-
sosdeformaçãodeprofessoresdelínguamaternaaformulaçãodeperguntascalcadas
nessa concepçãonormativadeensinode língua, como,por exemplo, a indagação:
“Análiselinguísticaéumnovonomeparaauladegramática?”
Hámaisdeduasdécadas,pesquisadoresbrasileiros,preocupadoscomoensino-
aprendizagemdelíngua,defendemanecessidadedemudanças,assumindoaconcep-
çãodelinguagemcomolugardeinteração,interlocuçãohumana,nãocabendomais
umavisãomonológicaeimanentedalínguasobaperspectivaformalistaqueseparaa
linguagemdeseucontextosocial.
Dessemodo,porentendermosqueoobjetivodoensinodalínguamaternaseja
ampliaracompetênciadoalunoparaoexercíciodafala,daleituraedaescrita–ou
seja,darcondiçõesparaqueeletenhaodomíniodeatividadesverbaiscomolercriti-
camente,escreverparaalguémler,falarparaauditóriosdiferenciadosdentrodamo-
dalidadeadequadaerefletirsobreapróprialinguagem–salientamosanecessidadede
ainstituiçãoescolarpossibilitarqueoalunoaprendaalidarcomosdiferentesmodos
deconcretizaçãoquealinguagemapresenta.
Senãodevemosmaisnospautaremumaconcepçãodetrabalhocomalinguagem
–compreensãoeproduçãodetextosoraiseescritos–queconsideresomenteaaqui-
siçãodocódigoescrito,entãoemqual(quais)conceito(s)podemosnosancorar?Uma
Análise linguística no ensino fundamental
4
88
Escrita E Ensino daspossibilidadesétomarmosoconceitobakhtinianodegênerosdiscursivos.Essaé
aperspectivateóricatantodosParâmetrosCurricularesNacionais–PCNs–(BRASIL,
1998) quantodasDiretrizesCurriculares doEstadodo Paraná–DCE–de Língua
Portuguesa(PARANÁ,2006).NavisãodeBakhtin(2003),osgênerosdodiscursosão
formas de dizer sócio-historicamente cristalizadas, provenientes de necessidades co-
municativasproduzidasemdiferentesesferasdacomunicaçãohumana.
Assim,entendemosqueostextosmerecemserestudadoslevando-seemcontaas
esferasdeatividadesnosquaissãoproduzidos,juntamentecomasrelaçõesdialógicas
(desentido)quesetravamentreosenunciados(textos),poisestes,conformeBakhtin
(2003),sãoplenosdeecosdevozesquesecruzamemumprocessocontínuodeco-
municação.Alémdisso,osujeitofazescolhasdevariedadeslinguísticas,depalavras,
de“entoaçãoexpressiva”,deacordocomseusobjetivos,seuinterlocutor,osuportedo
texto,ogênerodiscursivo,sempreconsiderando,portanto,ascondiçõesdeprodução
dodiscursoetodoocontextocomunicativo.
Em vista do exposto, acreditamos na importância de a escola colaborar na (re)
construçãoda situaçãodeproduçãoe recepçãodos textos afimdequepossamos
nosaproximarcommaiorêxitodoobjetivodeformarleitores/produtoresdetextos
socialmenteeficazesecríticosemfavordacidadania.Diantedesseobjetivo,oensino
deLínguaPortuguesadeveabrangerfatoresligadosàspráticasdalinguagem,emuma
abordagemdiscursivo-textualenãotercomocentrooensinogramaticaldesarticulado
dosusosdalíngua.
Nestesentido,ointuitodestecapítuloéinvestirnaformaçãodoprofessordelín-
guamaterna,apresentando-lheumapossibilidadedereflexãomaisadequadaaoestu-
dodepráticascontextualizadasdeensinogramatical.Dessaforma,analisamosasmar-
caslinguístico-enunciativasdeumacrônicainfantil,“DIAD”(FRATE,1996),apartir
dolevantamentodesuascondiçõesdeprodução(suporte,interlocutores,finalidade
e localde circulação)ede seuarranjo textual,discutindo seuspossíveis efeitosde
sentido.Apósessaanálise,propomosumaorganizaçãodidáticadeanáliselinguística
dessegênero.
Para tanto, afimdeorganizareste capítulo,primeiramente retomamosalgumas
questõesteórico-práticasacercadaconcepçãointeracionistade linguagemeoensi-
nodeanálise linguística.Emseguida,demodoresumido,elencamoscaracterísticas
enunciativas/discursivasdogênerocrônica infantil,comoexemplodotrabalhocom
essapráticadelinguagememsituaçãodeensinoeaprendizagemdelínguamaterna.
Emseçãoposterior,delimitamosocontextodeproduçãodacrônica“DIAD”,para,
nasequência,dedicarmosatençãoaoseuarranjotextual(elementosdaformacompo-
sicionaleaseleçãoderecursoslinguístico-enunciativos),semperderdevistaarelação
89
desse“mododedizer”comessasituaçãodeprodução.Aofinaldotexto,sugerimos
umapropostapedagógicadeanáliselinguísticaeleitura,comoexemplomodelarde
trabalhoparaoprofessor.
a concEpÇão intEracionista dE lingUagEM E o Eixo análisE lingUística E lEitUra
Aconcepçãointeracionistadelinguagemestáalicerçadanaconcepçãoenunciativa
delínguadoCírculodeBakhtin,queassimpostula:“Narealidade,olocutorserve-se
dalínguaparasuasnecessidadesenunciativasconcretas[...]aconsciênciasubjetivado
locutornãoseutilizadalínguacomodeumsistemadeformasnormativas”(BAKHTIN;
VOLOCHINOV,1992,p.92).Maisadiante,amplia-seessavisãocomaafirmação:“a
línguaconstituiumprocessodeevoluçãoininterrupto,queserealizaatravésdainte-
raçãoverbalsocialdoslocutores”(BAKHTIN;VOLOCHINOV,p.127).
Deacordocomessesprincípios,disseminou-se,apartirdadécadade1980,em
relaçãoaoprocessodeensinoeaprendizagemdalínguamaternaemnossopaís,essa
concepçãointeracionista.Éimportanteentendermosqueaverdadeirasubstânciada
línguaéainteraçãoverbal,porqueénainteraçãoverbal,estabelecidapelalínguacom
osujeito(denominadotambémlocutor)ecomosenunciados(entendidoscomoos
textos orais e escritos, produzidos em determinadas condições sócio-históricas, deno-
minadostambémgênerosdiscursivosougênerostextuais,noBrasil)anterioresepos-
teriores,queapalavra(discursosocialeideológico)setornarealeganhadiferentes
sentidosconformeocontexto.
Essaconcepçãodelinguagemrequerumareorientaçãoemtermosdepráticaspe-
dagógicaseensinodelíngua.Assim,asatividadesdelinguagemsãoentendidascomo
práticassociais,epensando-seespecificamentesobreoensinodelínguamaterna,o
seuobjetivopassaapropiciaraoalunoousoadequadodaoralidadeedaescritarelati-
vasàssituaçõesdeenunciações,istoé,aoscontextosdeterminadosemqueacontecem.
Comaadoçãodaconcepçãointeracionistadelinguagem,apráticapedagógicade
línguamaterna deve acontecer em três eixos interdependentes: a leitura, a análise
linguísticaeaproduçãodetextooraleescrita.Nocasodestecapítulo,focalizamoso
eixodaanáliselinguísticanomomentodapráticadeleitura.
Muitosautoresutilizamoutrostermosparasereferiremaoeixodaanáliselinguís-
tica,masnestemomentoutilizamosapropostadeGeraldi (1993),quenosaponta
acondiçãonecessáriaparaqueessapráticaseconcretizeemsaladeaula: “Criadas
ascondiçõesparaatividadesinterativasefetivasemsaladeaula,querpelaprodução
detextos,querpelaleituradetextos,énointeriordestaseapartirdestasqueaaná-
lise linguística sedá” (p.189).A condiçãonecessária,portanto,paraquea análise
análise linguística no ensino fundamental
90
Escrita E Ensino linguísticaseefetueéoreconhecimentodotexto-enunciadocomounidadedeanálise.
Porsuavez,essaposturasolicitaumtrabalhopedagógicoapartirdoestudodocon-
textosócio-históricodarealizaçãodesseenunciado,considerando-seospapéissociais
dos interlocutores (quem fala/paraquemse fala), seuspropósitos comunicativos, a
apreciação valorativa desses interlocutores sobre si mesmos e o tema, a escolha da
estruturatextualedoestilodasuaescrita.
Geraldi(1993)conceituaanáliselinguísticacomoumconjuntodeatividadescujo
objetivoérefletirsobrecomosefala/escreve.Paraesteautor,essapráticaécomposta
porduasatividadesdistintas,asepilinguísticaseasmetalinguísticas.Atividadesepilin-
guísticas,segundoele,sãoasquetêmcomoobjetodeanáliseareflexãosobreospró-
priosrecursosexpressivosutilizadosnaproduçãodostextos,àluzdesuascondições
deprodução.Porexemplo,quandooprofessordiscutecomseusalunos,nomomento
daleitura,quaissentidospossíveis(efeitosdesentido)dousodeumadeterminada
expressãovocabulardentrodotextolido,refletindosobreaadequaçãoounãodesse
recursoexpressivoaogêneroproposto,aoobjetivodeinteraçãoentreosinterlocuto-
res,eleestárealizandoumaatividadeepilinguística.Ouseja,essetipodeatividadedá
contadelevaroalunoarefletirsobreaadequaçãoounãodosrecursosexpressivos
utilizadosnaescritaaogênerodetextoproposto,aodestinatário,aoobjetivo,entre
outrosaspectosquesejulgarimportantesepertinentesparaaproduçãodesentidos
dotextolido.
Asatividadesmetalinguísticassãodefinidascomoumareflexãosobreos“recursos
expressivos,quelevamàconstruçãodenoçõescomasquaissetornapossívelcatego-
rizartaisrecursos”(GERALDI,1993,p.190).Assim,esteautorconcebeasatividades
metalinguísticascomoasaçõesdelinguagemquetomamapróprialinguagemcomo
objetodeumaanálisequeconstróiumsistemaparafalarsobrealíngua.Sendoassim,
entendeporatividademetalinguísticaaquelaqueserealizanapartefinaldoprocesso
deproduçãodesentidosdotexto,emqueserefletesobreoescritocomoobjetode
análise,comoobjetivodesistematizarconceitosenormasdalíngua,ouseja,classifi-
car,conceituaraquiloquefoiconsideradocomoaspectoouaspectosmaisimportantes
dagramáticadotextodogênerolidoeestudado.Frenteaesseconceito,asatividades
metalinguísticasdarãocontadesistematizaressasnormasgramaticais,possibilitando
queacriançaentenda,porexemplo,oqueéumverbo,umadjetivo,edequemaneira
essascategoriasgramaticaisfuncionamecaracterizamostextosdosgênerosaserem
estudados.
Alémdessadistinção,oautorexige,comopodemosobservar,umaordempara
arealizaçãodessasatividades:primeiro,asatividadesepilinguísticasesódepoisas
metalinguísticas,paraqueestasúltimastenhamsentidonesseprocessodereflexão.
91
Porconseguinte,apráticadeanáliselinguísticaexigedoprofessoracompreensão
doaspectohistóricoesocialdalíngua,poisoqueimportaéareflexãosobreopro-
cesso de construção e produção de sentidos do texto, para posteriormente, de ma-
neiraexplícitaeorganizada,sistematizarcategoriasexplicativasdofuncionamento
dalíngua.Dessaforma,“[...]aanáliselinguísticasedánosentidodeseobservarem
umtexto–dedeterminado(s)gênero(s)–oarranjotextualeasmarcaslinguístico-
enunciativas,vinculadasàscondiçõesdeprodução(interlocução,suporte,possíveis
finalidades, épocadepublicaçãoe circulação [...],noprocessode construçãode
sentidos”(PERFEITO,2006,p.9).
Apartirdessasconsiderações,podemosafirmarquenãoéoensinodenomencla-
turaseclassificaçõesgramaticais(ouseja,apráticadeatividadesmetalinguísticas)que
garantiráaoalunoacompreensãodo funcionamentoda língua,massimareflexão
sobresuaformadeorganizaçãoeusoemdiferentescontextosdeprodução,emoutras
palavras,apráticadeatividadesepilinguísticas.
VejamosumexemplodeexercíciodeLínguaPortuguesaque,apesardenão ter
porobjetivosomenteaidentificaçãoereconhecimentodenormasgramaticais,ainda
nãodácontadeanalisaralínguaemdeterminadasituaçãodeuso.Essaatividadefoi
retiradadositedaSecretariadeEducaçãodeSãoPauloeérecomendadaparaalunos
dos4ºe5ºanosdoEnsinoFundamental:
NINHO DE CUCO
O cuco é o mais mafioso dos pássaros. Não gosta de trabalhar e adora ocupar o ninho dos outros.
Foi assim que, um dia, um pardal, muito bondoso, emprestou o seu ninho para o cuco e pediu que, em troca, ele ficasse por algumas horas tomando conta da ninhada toda.
Saiu. Quando voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçando seus ovinhos:- Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça?Ao que o cuco respondeu:- Eu estou retribuindo a sua hospitalidade. Nós, cucos, somos assim mesmo: só posso
ser como sou.O pardal, cheio de raiva, deu uma bicada no cuco, que, ofendido, disse:- Mas o que é isso, amigo?E o pardal respondeu:- Essa bicada é tudo o que eu lhe posso dar, no momento. Sinto muito, mas nós, pardais,
somos organizados, e você e seu ovinho vão ter que cair fora do meu ninho.E o cuco, bagunceiro, foi baixar noutro terreiro: mais precisamente no buraco vazio de
um relógio, onde, desde então, dá duro para sobreviver trabalhando em turnos de meia hora.
Cuco-cuco-cuco!
(FRATE, Diléa. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996).
análise linguística no ensino fundamental
92
Escrita E Ensino 1)“Masoqueéisso,amigo?”Nafraseacima,apalavragrifadaserefereao(A)cuco(B)pardal(C)relógio(D)ovinho
2)Nafrase“...encontrouocuconumazorra danada”,aexpressãogrifadasignificaqueo cuco estava(A)fazendopoucobarulho(B)dormindoprofundamente(C)chocandoosovinhos(D)desorganizandooninho
3)OtítulodotextoéNinhodoCucoporque(A)ocucoseaproveitadoninhodosoutrospássaros(B)ocucoconstróiseupróprioninho(C)opardaldáseuninhoparaocuco(D)dentrodeumrelógioháumninhodecuco
4)Opardalbrigoucomocucoporqueocuco(A)nãogostadetrabalhar(B)abandonouoninhodopardalefoiparaorelógio(C)bicouopardal(D)bagunçouoninhodopardal
5)Oqueaconteceuaocucodepoisquefoiexpulsodoninhodopardal?(A)foipararnoterreiro(B)foiparaoseuninho(C)foimorarnorelógio(D)foicantarnoterreiro
6)Nafrase“Eocuco,bagunceiro, foibaixarnoutroterreiro:maisprecisamentenoburacovaziodeumrelógio...”,qualafunçãodosdoispontos?(A)finalizarumafrase(B)introduzirumaexplicação(C)interromperafrase(D)destacarumaexpressão
(http://www.sarespedunet.sp.gov.br/2003/e_f/3a/index.htm)
93
Ascincoprimeirasquestõesreferem-seàcompreensãotextual,solicitandodoalu-
no tanto a leitura literal como a inferenciação, habilidades fundamentais para o desen-
volvimentodeumleitorproficiente.
Entretanto,nãodesmerecendoa importânciadesse tipodeexercíciode leitura,
énecessárioobservarmosqueessasatividadesnãoabordamalínguaemusoporque
desconsideram as condições de produção desse enunciado, no caso a narrativa produ-
zida.Nãohouvepreocupaçãoemlevaroalunoarefletirsobreaorganizaçãodotexto,
tendoemvistaoselementosqueconstituemessasituaçãodeproduçãoedeinterlocu-
ção,bemcomoogêneroselecionado,nocaso,acrônicaliteráriainfantil.
A últimaquestão focaliza um conteúdode análise linguística importantepara a
produçãodesentidosdotexto.Todavia,aindafaltaumareflexãosobreoporquêdea
autora ter selecionado os dois pontos para introduzir um período explicativo em seu
textoque,nocaso,configura-secomoogênerocrônicainfantil.Portanto,nãosetema
preocupaçãodelevaroalunoaperceberquaissãoosefeitosdesentidodousodesse
recursolinguísticoparaessemomentoenunciativoeparaaconstituiçãoeconfigura-
çãodogêneroselecionado.
Seobservarmosmaisatentamente,percebemosqueousodosdoispontospara
introduzirumaexplicaçãoouconclusão,nesseenunciado,éumrecursolinguístico-
enunciativo,ouseja,éumacaracterísticadeestilodeescritadaautora/enunciadorae
tambémdasuacrônicainfantil.Porexemplo,noperíodo“Nós,cucos,somosassim
mesmo:sópossosercomosou”,aautorapoderiaterutilizadonolugardosdoispon-
tos a conjunção portanto.Essaescolhalinguísticaéfeitasemprediantededetermi-
nadascondiçõesdeprodução,porissoqueasatividadesdeanáliselinguísticadevem
desenvolver no aluno a percepção do texto como resultado de escolhas temáticas,
estruturaiseestilísticas(recursoslinguístico-enunciativos,comoaspalavraseapontu-
açãoempregadasnotexto,emfunçãodotemaapresentadonacrônicainfantil)feitas
peloautor/enunciadorapartirdesuasituaçãodeprodução.
Aprioridadedessasatividadescentra-seemcriaroportunidadesparaoalunorefle-
tirsobreaimportânciadafunçãodosrecursoslinguístico-enunciativosparaaprodu-
çãodesentidosdostextos,permitindo-lhepensarnacondiçãodeempregartambém
essesrecursosemsuasproduçõestextuais.
Alémdessesaspectoscomentados,faz-senecessáriodestacarmosque,aoseretirar
acrônicadeseusuporteoriginal,nocasoolivrodeliteratura“Históriasparaacordar”,
deDiléaFrate,desconsiderou-seumrecursolinguístico-enunciativoparamarcarafala
dospersonagens,modificando-seotextooriginal.Neste,todasasfalasdepersonagem
são introduzidas pormeio do discurso direto,marcado graficamente pelo uso das
aspasenãodotravessão,como,porexemplo:
análise linguística no ensino fundamental
94
Escrita E Ensino Quandovoltou,encontrouocuconumazorradanada,bagunçandoseusovi-nhos:‘Querdizerqueeulheemprestooninhoevocêfazessabagunça?’Aoqueocucorespondeu:‘Euestouretribuindoasuahospitalidade.Nós,cucos,somosassimmesmo:sópossosercomosou’(FRATE,1996,p.64).
JánaapresentaçãodaSecretariadeEducaçãodeSãoPaulo,otextoaparececom
esseformato,marcandoodiscursodiretodaspersonagensatravésdotravessão:
Quando voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçando seusovinhos:-Querdizerqueeulheemprestooninhoevocêfazessabagunça?Aoqueocucorespondeu:-Euestouretribuindoasuahospitalidade.Nós,cucos,somosassimmesmo:sópossosercomosou.
Esseusodasaspasimprimeaotextomaisagilidade,poiscomissosóháumamarca-
çãodeparágrafo,configurando-ocomoumtextocurto,comonormalmenteéaorga-
nizaçãocomposicionaldacrônicaliteráriainfantil.Assim,naconfiguraçãoapresentada
ao aluno em situação de ensino, perde-se tanto uma característica estilística, o uso das
aspasparaindicarafaladepersonagens,comotambémumacaracterísticaestrutural,
amarcaçãodesomenteumparágrafo.Essascaracterísticasqueforamignoradasnessa
versão didática criam efeitos de sentido para o texto e são características constitutivas
dogênerocrônica,especialmentenessasituaçãoenunciativa.Portanto,adesconside-
raçãodessesrecursoslinguísticosémaisumfatorquedificultaoestudodalínguaem
determinadasituaçãodeuso.
Como já assinalamos, os ParâmetrosCurricularesNacionais (1998) e asDiretri-
zesCurricularesdeLínguaPortuguesaparaaEducaçãoBásica(2006)propõemquea
noçãodegêneroscomopráticasocialdeveorientaraaçãopedagógicacomalíngua,
tendocomopontodepartidaaexperiênciadoalunocomadiversidadedetextose
gêneros.Dessaforma,aunidadebásicadoensinosópodeserotexto.Oqueissosigni-
fica,emrelaçãoaoensinodelínguamaterna?Significaqueaspráticasescolaresdevem
ultrapassarosníveisdaspalavrasedasfrasessoltas,descontextualizadas.Oprofessor
deveconsiderarqueotexto–verbalounão-verbal–asemanifestaemsituaçõesde
enunciaçõesconcretas,asquaisdenominamoscondiçõesdeprodução.Oselementos
das condições de produção de um texto orientam essa produção e estão apresentados
noesquemaabaixo:
95
• LOCUTOR (EU/QUEM DIZ) e INTERLOCUTOR (O OUTRO/PARA QUEM SE DIZ): são os parceiros da enunciação, assumindo papéis sociais adequados à situação enun-ciativa;
• LOCAL E ÉPOCA DE CIRCULAÇÃO (QUANDO FOI DITO)
• VONTADE ENUNCIATIVA/OBJETIVO (QUERER DIZER);
• GêNERO DO DISCURSO (COMO DIZER): o locutor faz a seleção das estratégias lin-guístico-discursivas mais adequadas para a elaboração de seu enunciado a partir de três elementos indissolúveis no todo do enunciado: o conteúdo temático (trata-mento dado ao tema pelo locutor), o estilo verbal (recursos gramaticais da língua) e a construção composicional (partes estruturais do texto).
Éportudoissoqueotrabalhocomaanáliselinguísticavisaà“construçãodeins-
trumentosparaanálisedofuncionamentodalinguagememsituaçãodeinterlocução,
naescuta,leituraeprodução,privilegiandoalgunsaspectoslinguísticosquepossam
ampliaracompetênciadiscursivadosujeito”(BRASIL,1998,p.36).Umdosmaiores
desafiosparaoprofessoréperceberqueesses“aspectoslinguísticos”sópodemser
selecionadoseensinadoscomo“marcaslinguísticas”quecompõemumtextodeum
determinadogênero.Vemosissocomodesafioporqueessapercepçãorequerdopro-
fessorumolhardepesquisador,deestudiosodostextosquecirculamemsaladeaula.
a aUla dE graMática E a prática dE análisE lingUística
Émuitoimportantedestacarqueaosepensaremgramáticainúmerassãoasacep-
çõespossíveis,desdeadegramáticacomomecanismogeralqueorganizaaslínguas,
até a de gramática comodisciplina de estudo. Alémdisso, autores comoAntunes
(2007)ressaltamqueexistemecoexistemdiversostiposdegramáticaenquantomé-
todode investigação sobreas línguas:normativa,descritiva,gerativa, funcionalista
etc.Adiferençaentreumaeoutraperspectivajáfoitratadaemoutrolivrodidático
destacoleção.Nestemomento,interessa-nosfocaradiferençaentreoqueosenso
comumchamade“auladegramática”eapráticadeanáliselinguística.
Háumaconstatação,pormeiodepesquisas,dequeagramáticanormativaéa
baseprincipaldoensinodegramáticanaescola.Antunes(2007,p.30)enunciaque,
nestesentido,agramáticanãoabarcatodaarealidadedalíngua,poisreconheceape-
nasosusosconsideradosaceitáveisnaperspectivadalínguaprestigiadasocialmente.
Resumidamente,“enquadra-se,portanto,nodomíniodonormativo,noqualdefine
o certo, o como deve ser da língua e, por oposição, aponta o errado, o como não
deve ser dito”.
Paraumamelhorcompreensãodasdiferençasentreauladegramáticaepráticade
análiselinguística,apresentamosumquadroelaboradoporMendonça(2006,p.207):
análise linguística no ensino fundamental
96
Escrita E EnsinoAULA DE GRAMáTICA Prática de análise linguística (al)
Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível e invariável.
Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita às interferências dos falantes.
Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de gramática não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual.
Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para a leitura e a produção de textos.
Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) + treinamento.
Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades/regras).
Privilégio das habilidades metalinguísticas. Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas.
ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de ensino, abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fixa.
ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário.
Centralidade na norma-padrão. Centralidade nos efeitos de sentido.
Ausência de relação com as especificidades dos gêneros, uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal.
Fusão com o trabalho com os gêneros na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas.
Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o período.
Unidade privilegiada: o texto.
Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação e classificação de unidades/funções morfossintáticas e correção.
Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação e efeitos de sentido.
Fonte: (MEndonÇa, 2006, p. 199-226).
Reforçandoasideiassumarizadasnoquadro,afirmamosque,emrelaçãoaopro-
cesso demediação para a construção de conhecimentos linguísticos, a abordagem
tradicionaldoensinogramaticalestabelecerelaçõesartificiais,umavezqueoobjetivo
maiorésomente identificar,reconhecercategoriasgramaticais,semnenhumapreo-
cupaçãocomoparaqueservem,paraqueforamusadasouqueefeitosprovocamem
textosoraiseescritos.Comoexemplodessapráticatradicionaldeauladegramática,
apresentamosumexercícioapartirdacrônica“Ninhodecuco”:
1)Leiaasfrasesaseguiresublinheossubstantivos:
a.Ocucoéomaismafiosodospássaros.
b.Opardal,cheioderaiva,deuumabicadanocuco.
2)Agora,escreva,nocaderno,umafrasecomossubstantivosencontrados.
Aspráticasdelinguagemqueocorremnoespaçoescolarsãomarcadaspeloartifi-
cialismo,porissomesmo,noprocessodemediação,devemosminimizar,oquantofor
97
possível,essaartificialidade.Umaformadeseconseguirissoéoprofessorobservar,
pesquisareanalisarquegênerosdiscursivosfazempartedoentornosocialdeseusalu-
noseformularatividadesqueosauxiliemaleremabasesocialdostextospertencentes
aosgênerosselecionados.
Nacontinuidadedestecapítulo,apresentamosumapropostapedagógicadeanáli-
selinguísticaeleiturateoricamenteancoradanaperspectivainteracionista.
Uma proposta pedagógica de análise linguística e leitura
Aelaboraçãodessapropostaéconstituídapormomentosdeestudoeanálisedis-
tintos,mas interdependentes.Paradialogarmoscomasreflexões já tecidas,selecio-
namosoutracrônicainfantildolivro“Históriasparaacordar”paraseconstituircomo
exemplardeanálisedogêneroselecionado,nocasoacrônicainfantil.
Noentanto,julgamosconvenienteapresentar,antesdisso,umquadrodascarac-
terísticas da crônica infantil, a partir de um levantamento analítico prévio, com as
crônicasquecompõemolivrodaDiléaFrate.Essaanálisecontempla,primeiramente,
ascondiçõesdeproduçãodascrônicas(locutor,interlocutor,tema,objetivo),e,em
seguida,ostrêselementosconstitutivosdogênero,asaber:aconstruçãocomposicio-
nal,oconteúdotemáticoeoestilo:
O contexto de produção
Locutor: o produtor de uma crônica infantil assume o papel social de um cronista: ele não se preocupa em fazer uma transcrição da realidade, mas sim apresentar sua visão recriada dessa realidade por parte de sua capacidade ficcional e artística.
Interlocutor: o público-alvo desse gênero encontra-se no mundo infantil ou infanto-juvenil.
Objetivo(s): divertir e/ou refletir criticamente sobre a vida e/ou os comportamentos humanos.
Local e época de circulação: livro de literatura infantil dos anos 1990.
A construção composicional
Narrativa curta, ágil, que apresenta os elementos básicos da narrativa (fatos, personagens, tempo e lugar), organizados na estrutura básica da narrativa: um momento de harmonia, em que os personagens são caracterizados/apresentados em um tempo e espaço; um conflito que surge para desequilibrar a situação inicial; um momento máximo de tensão (clímax) e, por fim, a resolução dos conflitos.
O conteúdo temáticoReconstrução de fatos ou situações do cotidiano infantil, retirando-lhes algo relevante para a reflexão sobre o comportamento do homem ou do mundo.
As marcas linguístico-enunciativas (estilo)
Predomínio de um tom leve, divertido, com a utilização de uma linguagem lúdica, cuidando com o ritmo frasal, a sonoridade, a multiplicidade semântica, as construções diretas e ágeis, por meio do uso do discurso direto, marcado graficamente pelas aspas.
análise linguística no ensino fundamental
98
Escrita E Ensino
A crônica “DIAD” circuloupelaprimeira vez em1996, no livro “Histórias para
acordar”,daautoraDiléaFrate1, com ilustrações de Eva Furnari2.Olivrofoialtamente
recomendadopelaFundaçãoNacionaldoLivro Infantile Juvenil (FNLIJ), recomen-
daçãoestaquequalificatantoolivroemsicomotambémasuaeditora,Companhia
das Letrinhas,eaautoraque,alémdeescritora,jáatuoucomodiretoraeroteiristade
algunsprogramastelevisivoscomoJôSoaresOnzeeMeiaeJornalNacional,daRede
GlobodeTelevisão.
Atualmente, a editora Companhia das Letrinhaséreconhecidaemnossasocieda-
de, particularmente na esfera literária infantil, por valorizar o leitor-criança, publican-
dolivrosqueabordamtemasrelacionadosaomundoimaginárioinfanto-juvenil.No
geral, o livro “Históriaspara acordar” reúne60 crônicasnarrativas curtas, apresen-
tandoumadiversidadequantoaostemasdasnarrativas,poisháaquelasdeaventura,
fantástica,fabulística,etiológicaetc.
Naapresentaçãodo livro, aautoracaracteriza suashistórias como“ligeiras, cur-
tas,comalgumaschaves,cliques...”comoobjetivode“[...]abrirumaconversa,um
1 Diléa Frate: como jornalista, trabalhou em jornais escritos e na televisão. Começou em jornal (Estadão, Abril, em SP) e logo foi para a televisão (TV Globo e SBT). Trabalhou em muitos setores do jornalismo de TV até fazer o projeto-piloto do programa do Jô, em 1988 (para o SBT). É também escritora com vários contos publicados em revistas e dois livros infantis ("His-tórias para Acordar", Cia das Letrinhas e "Procura-se Hugo", Ediouro). Escreve para teatro, já fez roteiros para documentários; é idealizadora do site Companhia da Boa Notícia. (http://www.ciaboanoticia.com.br) que, como o nome indica, é especializado em notícias positivas como di-vulgação de descobertas, de receitas de viver melhor, de boas ações, de curiosidades e de piadas.
2 Eva Furnari: é ilustradora e escritora de livros infantis. Recebeu vários prêmios de institui-ções literárias. Formou-se em Arquitetura pela Universidade de São Paulo, e, a partir de 1976 dedicou-se inicialmente a livros com ilustrações, sem texto. Colaborando com a Folhinha, su-plemento infantil do jornal Folha de S. Paulo, criou sua personagem mais famosa: a Bruxinha. Como autora infanto-juvenil e como ilustradora recebeu o Prêmio Jabuti , nos anos de 1986, 1991, 1993, 1995, 1998 e 2006. Em 2002, foi escolhida para ilustrar a reedição de seis livros da obra infantil de Érico Veríssimo.
99
cochicho,umareflexão,umcarinho,ouqualqueroutracoisaquepossaaproximara
criançadoadultoevice-versa”(FRATE,1996,p.3).Portanto,ospaisecrianças-leitoras
sãoconvidadoseinstigadosadialogar,nosentidobakhtiniano,comessashistórias.
Desse modo, pensando no momento histórico e social da produção desse livro, nos
parecequeaobraconseguecumprircomumadesuaspossíveisfinalidadessociais,
promoverogostodecontareouvirhistórias,gosto,que,entreosváriospovosda
Terra,éumtraçocomum(LAJOLO,2005).
Diante disso, a configuração social concreta dessa enunciação (a publicação do
livro)podeserdescritaapartirdosseguintesaspectos: trata-sedeumaenunciação
produzida em uma esfera literária infantil, com o objetivo de criar um momento de
interaçãoentrecriançaseadultos.Daíaenunciaçãosedaremumdosgênerosdiscur-
sivospermitidoseesperadosnessasituação:acrônicainfantil.
No livro“Históriasparaacordar”,cadacrônicaocupaumapágina,sendovisual-
mentecompostaporumsóparágrafo.Otexto“DIAD”seapresentacomaseguinte
formaàpágina45:
DIA D
Eram meninos sapecas: os da rua de cima e os da rua de baixo. Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima gritavam: “Alto lá! Território inimigo!”. O mesmo acontecia com os da outra rua. Por causa disso, uma guerra foi declarada. A primeira batalha foi marcada para logo depois da aula. Nélio, um dos meninos, che-gou a tirar zero em matemática, tão preocupado estava em armazenar os caroços de jabuticaba que ia usar como arma. A hora D chegou e, armados com seus caroços, eles esperaram o sinal, um pum do gordo Oscar. A batalha terminou quando aca-bou a munição de caroços do pessoal da rua de cima. Foi aí que eles perceberam que não tinham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz, tanto faz! Alguém teve a idéia: “Vamos ver quem tem a bunda mais branca, e quem tiver mostra”. Né-lio, coitado, foi o escolhido. E naquele dia, além do zero, ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira. Até agora está doendo.
Otemaabordadonotextoépré-anunciadoapartirdeseutítuloepodeserassim
sintetizado:umaguerraentredoisgruposrivaisdemeninos,os da rua de cima e os
da rua de baixo.Essetemarepresentamuitobemumadasgrandespreocupaçõesdo
mundoinfantilmasculino,adisputapelodomíniodeumdeterminadoterritório.É
porissoqueconsideramosessacrônicacomcaracterísticasdeumanarrativadeaven-
tura,jáquesepropõeanarrarodesenrolardessabatalha.
Podemossubdividirotextoemcincoorganizadorescomposicionaisdominantes,
análise linguística no ensino fundamental
100
Escrita E Ensino eobservandoessasubdivisão,podemosasseverarqueahistóriaécontadanaordem
cronológicadosacontecimentos:
TEXTO ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL
Eram meninos sapecas os da rua de baixo e os da rua de cima. Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima gritavam: “Alto lá! Território inimigo!”. O mesmo acontecia com os da outra rua.
Apresentação de personagens genéricos e de suas atitudes usuais.
Por causa disso uma guerra foi declarada.A primeira batalha foi marcada para logo depois da aula.Nélio, um dos meninos, chegou a tirar zero em matemática, tão preocupado estava em armazenar os caroços de jabuticaba que ia usar como arma.A hora D chegou e, armados com seus caroços, eles esperaram o sinal, um pum do gordo Oscar.
Introdução do conflito e seu desdobramento, até o momento do clímax.
A batalha terminou quando acabou a munição de caroços do pessoal da rua de cima.
Resolução da complicação.
Foi aí que eles perceberam que não tinham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz, tanto faz.
Introdução de um novo conflito.
Alguém teve a ideia: “Vamos ver quem tem a bunda mais branca, e quem tiver mostra”. Nélio, coitado, foi o escolhido. E naquele dia, além do zero, ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira. Até agora está doendo.
Resolução desse conflito e comentário final.
DeacordocomBakhtin(2003),oacabamentodoenunciadoconcretoocorrepor-
queo locutor/autordisse/escreveu“tudo”oquequeriaoupodia,emdeterminadas
condições.O grau de acabamento de um enunciado que possibilita uma resposta,
a compreensão responsiva, é determinadopor três elementos interdependentes: o
tratamentoexaustivodotema;oquererdizerdolocutor;asformastípicasdeestrutu-
raçãodogênero.Nestesentido,aapreciaçãovalorativadolocutorarespeitodotema
edo(s)interlocutor(es)deseudiscursoéqueindicaasdiversasnuancesideológicas
refratadasnotratamentodadoaotema,refletidasnaescolhadasformasedoestilodo
enunciado.Apartirdessaperspectivateórica,enquantoprofessoresdelínguamaterna
podemosnosperguntar:oqueessasseleçõesrealizadaspeloenunciador/narradorem
relação ao tema (no sentido bakhtiniano, concebido como conteúdo ideologicamen-
te conformado), à forma composicional e àsmarcas linguístico-enunciativas, nessa
101
situaçãoenunciativa,podemsignificar?Assim,partimosparao levantamentodessas
escolhascomoobjetivodecompreendermosassignificaçõesaíconstituídas,refletin-
dosobreosefeitosdesentidoprovocadosporessasescolhas.
OpersonagemNélioéapresentadoecaracterizadonãopormeiodequalificações
explícitas,masporsuasações.Ahistóriaénarradaemterceirapessoa,osverbosque
constituemasaçõesestãonopretéritoperfeitosimples,porexemplo,foi declarada,
foi marcada, chegou...Eosqueconstroemopanodefundodoenredoestãonopre-
téritoimperfeito,porexemplo, eram, ousavam, gritavam... (verbos essencialmente
domundonarrado).Otempodaaventuraémarcadoporexpressõestemporais,como
logo depois, a hora H, quando, naquele dia,quesituamaação.
Comopersonagensdeumanarrativadeaventurasãoaudaciosas,corajosas,ousa-
das,temerárias,aescolhadequalificadores,caracterizadoreseatédeverbosperten-
centesaessecamposemântico,porexemplo,meninos sapecas, ousavam, gritavam:
“Alto lá! Território inimigo!”,sejustifica.
Tambémaestratégiautilizadaparaapresentarecaracterizarospersonagensreflete
apreocupaçãodoenunciador/narradoremconstruiressaimagemaudaciosaqueas-
sumeriscos,perigos.Porisso,somenteopersonagemNélioéespecificado,destacan-
do suas capacidades humanas de realização e os imprevistos e riscos assumidos por
ele:suadedicaçãoeempenhoemarmazenarmuniçãoparaabatalhaquetevecomo
consequênciaumzero em matemática; suaousadiaecoragemaomostrarsuabunda
branca queacarretouemumacusparada certeira bem ardida na traseira.
Emborao foconarrativodeterceirapessoaqueirareforçaro tomimpessoal,no
momentoemqueoenunciador/narradorserefereaNéliopeloadjetivocoitado re-
vela-seumpontodevista,umaapreciaçãovalorativanegativasobreassituaçõesde
insucessovivenciadaspelopersonagem,confirmadaaseguircomousodooperador
argumentativoalém de.Comousodessesrecursoslinguísticosoenunciador/narrador
constróiaorientaçãovalorativaquepretendedeseuleitor,elegendoaperspectivade
Nélioparanarrarosfatos.
Essaperspectivadonarradorpodeserverificadanoenunciadofinaldanarrativa
por meio do período até agora está doendo.Alocuçãoverbaldegerúndioestá do-
endo mais a locução adverbial até agora intensificaacontinuidadedadordeNélio,
reforçandoopontodevistanegativoassumidoemrelaçãoàsperipéciasvividaspor
eleedemaneirapositivaressaltasuacoragem.Assim,asaventurastransformam-seem
desventuras, ou melhor, em peraltices de criança sapeca.
Essa ideia tambémpodeserconstruídaapartirdaprópria ilustraçãoqueacom-
panhaahistória:ummeninoloiro,plantandobananeiracomocalçãoabaixado.Essa
imagemtrazaotextoomundoimagináriodabrincadeiraenãoomundodaviolência,
análise linguística no ensino fundamental
102
Escrita E Ensino dosentimentodesubjulgamentoqueacompanhamasituaçãodeumaguerra.Éfun-
damentalobservarmosqueailustração,nocasodessascrônicas, juntamentecomo
texto verbal compõem suas características composicionais, permitindo a construção
designificadospeloleitor.
Umdos recursos linguístico-enunciativos, cujoefeitoéaaproximaçãodopúbli-
coinfantil,seconcretizanadefiniçãolexicaldetréguapelosinônimopaz, reiterada
pela expressão de valor interjetivo tanto faz. Essa seleção lexical paz, faz, assim como
bandeira, certeira, traseira reveste a crônica de certo ritmo, outro recursomuito
apreciadopeloleitor-criança.
Acrônica“DIAD”criasituaçõestípicasdeumaaventurainfantil,utilizandoelemen-
tosefatosdocotidianodeumacriança:a“armadeluta”sãocaroços de jabuticaba; o
sinal para o início da batalha, o pum do gordo Oscar; a bandeira branca, a bunda de
Nélio; asdificuldadesvividas,um zero em matemática e uma cusparada na traseira.
Aonomatopéiapum e o brasileirismo bunda introduzemnessacrônicaohumor.
Emrelaçãoa isso,é importante retomarmosa ideiabakhtinianasobrea linguagem
enquantosigno ideológicoporexcelência (BAKHTIN,2003),que refletee refrataa
realidade,fazendonelaemergiremosvalores,ascrençasdasuasociedade.Oqueo
autorquerenfatizaraquiéofatodequecomosignonãoapenasdescrevemosomun-
do(aideiaderefletir),massobretudocomeleconstruímoshistoricamentediversas
interpretações(refrações)dessemundo.
Nestesentido,essesvaloresecrençasrevelam-se,entreoutrosaspectosjálevanta-
dos,pelamobilizaçãodosrecursosmorfológicos,sintáticoselexicaisdalíngua.Dessa
forma, o enunciador/narrador também se valeu de períodos sintaticamente curtos;
deaspasenãodetravessõesparainserirodiscursodireto;dosmecanismoscoesivos
orais foi aí que e a repetição da conjunção aditiva e, parainstaurarohumor,agraça
e o despojamento nesse modelo de narrar, aproximando-se do modelo de narrar do
mundoinfantilpós-anos1990.
sUgEstão dE UMa proposta pEdagógica dE análisE lingUística
Passamosaapresentarnossapropostadeintervençãonoensinogramaticaldescon-
textualizado,propostaquedeveserentendidacomoresultadodoestudoedaanálise
expostosanteriormente.Sugerimoscomooestudosobreoarranjotextualeasmarcas
linguístico-enunciativasdotexto“DIAD”,pertencenteaogênerocrônicainfantilde
aventura, poderia ser transposto didaticamente no processo de construção de sentidos
noeixoanáliselinguística/leitura.Oobjetivoéfornecercondiçõesparaaconstrução
depossíveiscaminhosquetornemoprofessoreoalunosujeitosnoprocessoensino-
aprendizagemdelínguamaterna.
103
Nessaperspectiva,destacamosaideiadeLopes-Rossi(2005,p.81)sobreoobjetivo
dasatividadesdeleituranadimensãodotrabalhocomgênerosdiscursivos:
[...]devemlevarosalunosaperceberemqueacomposiçãodogênero–emtodososseusaspectosverbaisenão-verbais,nas informaçõesqueapresentaouomite,nodestaquequedáaalgumasmaisdoqueaoutras–éplanejadadeacordocomsuafunçãosocialeseuspropósitoscomunicativos.Issocontribuiparaaformaçãodeumcidadãocríticoeparticipativonasociedade.
Nesseâmbito,subsidiadosnosestudosbakhtinianos,emprimeirolugar,sugerimos
aênfaseàscaracterísticasdaesferadecomunicaçãoemquepertenceogêneroedasua
situaçãodeprodução,para,emseguida,focarmososelementosdaformacomposicio-
nale,porfim,oselementoslinguísticosrelevantes.
Paraessaprimeirafasedotrabalho,éessencialqueoalunodiscuta,comenteeco-
nheçaascondiçõesdeproduçãoedecirculaçãodogêneroreferenteaotexto“DIAD”.
Portanto,comoogêneropertenceàesferaliteráriainfantil,ocontatocomoportador
dessetexto,olivro“Históriasparaacordar”,émuitoimportante.
Aindaquereproduzaotextoparatodos,oprofessordeveprocurarlevarooriginal
para a sala de aula, explorando as características sócio-discursivas desse suporte a par-
tirdeprocedimentosquelevemàreflexãosobre:identificaçãodoanodepublicação;
dados da ficha catalográfica; leitura da apresentação do livro; comentários sobre a
autora; inferênciassobreospossíveisobjetivosdo livroe,emparticular,dogênero
crônicainfantil.Nestesentido,nosparecesermuitoprodutivasatividadescomo:
Momento da pré-leitura
1)Observebemacapadolivro“Históriasparaacordar”.Qualéarelaçãoquese
podefazerentreotítuloeasilustraçõesdacapa?
2)Quaisinformaçõessobreolivroestãopresentesnacontracapa?Elasconseguem
criaremvocêodesejodeconhecersuashistórias?Porquê?
3)Quaisinformaçõessãoapresentadasnaabertura?Elassãoasmesmasdacapa?
Porque seráqueelas são importantese foramselecionadaspara comporem
essaabertura?
4)Nessaapresentação,aautorainformaoquesobreashistóriascontadasnolivro?
5)Leiaaúltimapáginadolivro:eagora,quaisinformaçõessãofornecidasaoleitor?
Porqueelassãoimportantes?
6)Vocêsabequeméaautoradesselivro?
7)Esobreailustradora?Vocêsabealgumacoisa?
8)Apósessasdiscussões,penseeresponda:qualpoderiaseroobjetivodaautora
emescreveressashistórias?Justifique.
análise linguística no ensino fundamental
104
Escrita E Ensino 9)Antesdelerotexto(nãomostraraindaotextotodo,sóotítulo),otítulocria
expectativassobreotemadahistória.Quaissãoelas?
Para a próxima fase, o professor pode solicitar a leitura do texto verbal e da ilus-
tração, indagarosalunossobrea temáticadesenvolvida, sua formadeorganização,
permitindoqueoalunofaçainferênciasacercadas“estratégiasdodizer”utilizadasno
textoapartirdereflexõesdotipo:
Momento do encontro com o texto i: explorando a estrutura composicional
1) Descrevaailustraçãodahistória.Elacriaemvocêasmesmasexpectativasqueo
título?Explique.
2) Apóslerotexto,assuasexpectativasforamconfirmadas?Porquê?Então,sobre
oquecontaahistória?
3) Identifiqueospersonagens,oslugaresemqueaconteceahistória,onarrador,
omomento/otempo.
4)Seotextoéumahistóriaquecontaumaaventurademeninos,identifiquequal
éaaventura,comoelaédesenvolvidanotexto,ecomotermina.
5) Nodesenvolvimentodofatoprincipaldahistória,aconteceoutrofatoimpor-
tante.Qualéessefato?Qualpalavraouexpressãointroduzessefatonahistória?
6) Porqueseráqueotextotemumparágrafo?Comopodemosexplicarisso?(dis-
cutircomosalunosqueissoéumaquestãoestilísticadaautoraequeesseuso
nomeioliterárioépermitido;discutirtambémsobreoefeitovisualparaoleitor
ahistóriaserapresentadasomenteemumparágrafo).
7) Reescrevaotexto,marcandocommaisdeumparágrafoasváriaspartesdessa
históriadeaventura;comparecomoutrocolegaevejaseadivisãoficouigual
(Oprofessorpromoveoconfrontodasrespostasesistematiza,coletivamente,
o estudo da estrutura composicional narrativa, explicando a função de cada
parágrafo,pormeiodaconstruçãodeumquadroouum“boneco”dotexto).
Aseguir,promoveroestudodasmarcaslinguístico-enunciativas.Paratalpropósito,
oprofessorpodeexplorar:
Momento do encontro com o texto ii: explorando o estilo
a)aimportânciadostemposverbaiseacargasemânticadealgunsverbosquecon-
tribuemparaacaracterizaçãodessetextocomogênerocrônicainfantil.Exemplosde
exercíciosquecontemplamesseaspecto:
1) Háumadiferençaentreosverbos(destacá-losnotexto)ressaltadosnaparteem
105
queonarradorapresentaospersonagensenapartequeintroduzoconflito.
Pesquiseemumagramáticaostemposdessesverboseexpliqueasuautilização
dentrodotexto.
2) Todasaspalavrasdestacadasnotextosãoverbos.Escolhaentreelasosverbos
queestãoassociadosàideiade“guerra”ejustifiquesuaescolha(muitoimpor-
tanteseestabelecerumacomparaçãocoletivadasrespostas).
b)ofoconarrativo:
1) Comoonarradorcontaessaaventura:eleparticipadasaçõesousomenteconta
ahistória?
2) Comoissoestámarcadonotexto?
c)apresentação/construçãodospersonagens:
1) Façaumlevantamentodaspalavrasouexpressõesdotextoquecaracterizame/
ouapresentamospersonagensdahistória.Essaescolhadonarradorestáade-
quadaparapersonagensdeumahistóriasobreaventurademeninos?Explique
(oprofessordeveexplicarsobreascaracterísticasdessetipodepersonagem).
2) QualafunçãodospersonagensNélioeOscarnahistória?Qualdelespodeser
consideradoo“herói”?Porquê?
3) Ailustraçãopodeestarrepresentandoqualpersonagem?Justifiquesuaresposta.
d)aperspectivadonarradorparacontarahistória:
1) Nofinaldahistória,onarradorrefere-seaopersonagemNélioutilizandouma
palavra.Qualéessapalavra?
2) Porqueelaapareceentrevírgulas?
3) Elaestáadequadaparacaracterizarum“herói”?Explique.
4.)Elaénecessáriaparaoleitorconhecerahistória?Expliqueofatodeonarrador
terusadoessapalavraaosereferiraNélio.
5) Releiaaúltimafrasedotexto.Seahistóriativessesidoescritasemela,seufinal
estariacompleto?
6) Observeosverbosdestacados:“Atéagoraestá doendo”.Podemosafirmarqueessa
locuçãoverbal(osdoisverbosjuntos)enfatizaaideiadequeadorjáacabouou
dequeaindacontinua?(depoisdefeitaessareflexão,oprofessorpodeexplicar
que,paraindicaraçõesemcurso,ouseja,realçarodesenvolvimentodeumaação,
podemosusarogerúndio,queémarcadonanossalínguapelaterminação“ndo”).
7) Apartirdessasobservações,escrevaumaconclusãosobreafunçãodessafrase
paraahistórianarrada.
análise linguística no ensino fundamental
106
Escrita E Ensino e)aseleçãolexical,morfológica,sintáticaeasrelaçõesentreolocutoreointerlocutor:
1) Dequemaneiraonarradorexplicaparaoleitorosignificadodapalavratrégua?
Porqueseráqueonarradorconsiderouessaexplicaçãonecessária?
2) Procurenodicionárioosignificadodapalavratrégua.Éomesmosignificado
quefoidadopelonarrador?
3) Nasduasúltimaspartesdotexto,hápalavrasquerimam.Quaissãoelas?Como
podemosexplicaraescolhadessaspalavrasporpartedonarrador?
4) Elaboreumquadrodemonstrativo,retirandodotextoassituaçõestípicasdessa
aventurademeninos,informandoqualfoiaarmadeluta,osinalparaoinício
dabatalha,abandeirabrancaeasdificuldadesvividaspelo“herói”.
5) Apalavrapuméumaonomatopéiaeovocábulobunda éumbrasileirismo.Re-
escrevaafrase“AhoraDchegoue,armadoscomseuscaroços,elesesperaram
osinal,umpumdogordoOscar”,semutilizarapalavrapum.
6) Compareasduasfrasesereflita:qualdelasémaisadequadaparaoleitorinfan-
til?Porquê?
7) A palavrabunda aparece na fala de um dosmeninos da rua de cima. Seria
adequadoparaacriaçãodessediálogoousodapalavranádegas nolugarde
bunda?Porquê?
8) Podemosconsiderarqueonarradorescreveuessahistóriadeumamaneirabem
próximadafala(oralidade).Procureexemplosdotextoquecomprovemessa
afirmaçãoejustifiqueessaopçãodonarrador.
9) Asfalaspresentesnotextosãomarcadascomousodasaspasenãocomtraves-
sões.Comoessaescolhapodeserjustificada?
Emseguida,tambéménecessárioqueoprofessorplanejeatividadesdidáticascom
oobjetivodesistematizarosconhecimentoslinguísticosqueforamampliados,reela-
boradosou,atémesmo,aprendidosapartirdessacaracterizaçãodofuncionamentodo
gênerocrônicainfantil.Conformejáexplicamosanteriormente,esseníveldeconheci-
mentoéoqueGeraldi(1993),aoconceituarapráticadeanáliselinguística,chamade
“atividademetalinguística”,istoé,asatividadesquetomamapróprialinguagemcomo
objetodeumaanálisequeconstróiumsistemaparafalarsobrealíngua.
Assim,afimdelevarosalunosaumasistematizaçãodosconhecimentosconstru-
ídos,podemoselaborarexercíciosdecarátermaisestruturaisquefixemautilização
doselementoslinguísticosrelevantesparaessesmovimentosnarrativosdacrônicain-
fantil,como,porexemplo,afunçãodosorganizadorestextuaisparaoencadeamento
dasaçõesnarradas.
Nessemomento,oprofessortemapossibilidadedeplanejarumaaulacujoconteú-
dosejaexatamentesobreafunçãodeorganizadorestextuaisparaoencadeamentode
107
açõesnogêneroemquestão.Paraessafinalidade,osexercíciospodemseoriginarde
outrosexemplaresdetextospertencentesaomesmogênero,enocaso,serdamesma
autora,jáqueogêneropertenceàesferaliterária.Sãoexemplosdessesexercícios:
1)Leiaasfrasesabaixo,prestandoatençãonasexpressõesemdestaque,quepo-
demserchamadasdeorganizadorestextuais.
a) “(...)Por causa disso,umaguerrafoideclarada.”
b) “(...)Foi aí queelesperceberamquenãotinhamlevadoabandeirabrancapara
pedirtréguaoupaz,tantofaz!”.
c) “E naquele dia,alémdozero,eleganhouumacusparadacerteirabemardida
natraseira”.
a)Umapodeserusadanolugardaoutra?Explique.
b) Indique para cada uma das alternativas o tipo de relação que as expressões
estabelecem entre as ações narradas no texto: é de tempo/momento; é de
consequência?
c)Então,qualdasalternativasabaixolhepareceamaiscorreta:
1)osorganizadores textuais sãoexpressõesoupalavrasque relacionamuma
partedotextocomaoutra,seminterferirnosentidoglobaldotexto;
2)osorganizadores textuais sãoexpressõesoupalavrasque relacionamuma
partedotextocomaoutraetêmumpapelimportantenadefiniçãodosen-
tidogeraldotexto.
4)Vamosconhecermaisumadascrônicasdolivro“Históriasparaacordar”?Mas,
antes,vocêtemumatarefaacumprir:indiquequaisorganizadorestextuais
abaixosãomaisadequadosparacadalacunadotexto:
umdia/foiassimque/onde/desdeentão/quando/maisprecisamente
NINHO DE CUCO
O cuco é o mais mafioso dos pássaros. Não gosta de trabalhar e adora ocupar o ninho dos outros. ____________________, _____________ um pardal muito bondoso, emprestou o seu ninho para o cuco e pediu que, em troca, ele ficasse por algumas horas tomando conta da ninha-da toda. Saiu. _______________voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçando seus ovinhos: “Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça?” Ao que o cuco res-pondeu: “Eu estou retribuindo a sua hospitalidade. Nós, cucos, somos assim mesmo: só posso ser como sou.” O pardal, cheio de raiva, deu uma bicada no cuco, que, ofendido, disse : “Mas o que é isso, amigo?”E o pardal respondeu:“Essa bicada é tudo o que eu lhe posso dar, no momento. Sinto muito, mas nós, pardais, somos organizados, e você e seu ovinho vão ter que cair fora do meu ninho”.E o cuco, bagunceiro, foi baixar noutro terreiro: ______________________no buraco vazio de um relógio, ____________, ________________dá duro para sobreviver trabalhando em turnos de meia hora.
Cuco-cuco-cuco!
(FRATE, Diléa. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996. p. 64).
análise linguística no ensino fundamental
108
Escrita E Ensino Alémdafunçãodosorganizadorestextuais,oprofessorpodetambémpromover
asistematizaçãodeoutrosaspectoslinguísticospertinentesparaaampliaçãoeapro-
priação,porpartedeseusalunos,dascaracterísticaslinguístico-discursivasdogêne-
roestudado.Nocaso,emrazãodousofeitopelaautoradodiscursodiretomarcado
pelasaspas,estepodeseconstituiremoutroconteúdometalinguístico.Exemplos:
1) Jápercebemosquenascrônicaslidasasfalasdospersonagensaparecemen-
treaspas.Issonãoéumusomuitocomumdesserecursográfico.Comaajuda
deseuprofessor,pesquisaemumagramáticasobrequaissãoaspossibilida-
desdeusodasaspas.Registre-asemseucaderno.
2) Em uma narrativa, as falas e os pensamentos dos personagens podem ser
apresentadosdediferentesmaneiras.Nessemomento,vamosconcentrarnos-
saatençãoemumadessasmaneiras,queéodiscursodireto,poisessafoia
maneirautilizadanascrônicasdeDiléaFrate.Então,penseeresponda:
a)Comoestãoregistradasasfalasdaspersonagensdascrônicaslidas:comas
própriaspalavrasdaspersonagensoucomaspalavrasdonarrador?
b)Apartirdessaobservação,podemosconcluirqueodiscursodiretoéaque-
le que reproduz exatamente a fala das personagens. No caso das crônicas
lidas, a pontuaçãoutilizada foramos dois pontos e as aspas.Mas também
podemosutilizardoispontosetravessão.Vamostreinaressaoutraformade
marcar as falas de personagens? Reescreva a crônica “Dia D”, utilizando o
discursodiretocomtravessão.
1) Nodiscursodireto,geralmenteasfalasdospersonagenssãointroduzidaspor
meio de verbos chamados de verbos de elocução. Eles ajudam a indicar o
modocomoospersonagensestãoseexpressando.Observe:“Quandoosda
rua de baixo ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima gritavam:“Alto
lá!”.Reparequeoverbo realçado indica amaneira comoapersonagemse
manifestou.
2) Agora,penseemverbosdeelocuçãopossíveisdeseremutilizadosnasseguin-
tessituações.Reescrevaasfrasesaseguir,fazendoasalteraçõesnecessárias:
a)“Alguémteve a ideia:“Vamosverquemtemabundamaisbranca,equem
tivermostra”.
b)quando voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçan-
do seus ovinhos:“Querdizerqueeulheemprestooninhoevocêfazessa
bagunça?”.
3) Destaqueosverbosdosquadrosabaixoquepodemserutilizadoscomover-
bosdeelocução:
109
Voltar
Esclarecer
ordenar
Murmurar
Responder
Dizer
Falar
Comentar
Ironizar
Bradar
Questionar
Gritar
Urrar
Interrogar
Pedalar
Comparecer
Chamar
Sair
Entendemostambémqueessasatividadesreferentesaoestudodacrônica“DiaD”
podemseroiníciododesenvolvimentodeummódulodeleituradolivro“Histórias
paraacordar”seoquesequerécriaroportunidadesparaqueoalunodesenvolvasua
competência discursiva pela apropriação das características típicas da crônica. Esse
trabalho pode ser organizado didaticamente a partir da seleção de outras crônicas
quecontemplemsuasdiversidadestemáticasemfabulísticas,fantásticas,etiológicas,
observandoquaiscaracterísticasdogênerosãoregularesequaisnãosãoe,nessecaso,
observarporquehámudanças.
Naelaboraçãodessapropostapedagógicadeanáliselinguística,tivemosocuidadode
nãoutilizartermosteóricoscomplexosnemumametalinguagemsofisticada,jáqueoaluno
doEnsinoFundamentalnãoprecisaserum“gramáticodetexto”,massimumleitorcrítico.
considEraÇÕEs Finais
Acreditamosquepormeiodeatividadesdeanáliselinguísticaqueprivilegiamoes-
tudodascaracterísticasdassituaçõesdeenunciaçãorelacionadasàsmarcaslinguístico-
enunciativasdostextos,asaulasdelínguamaternanoEnsinoFundamentalpodemser
muitomaisdoquemomentosdecópiaderegraseexceçõesgramaticaisisoladasou
aindadeexercíciosde“copiaçãotextual”.
Dessa forma, no processo de recepção de textos, em sala de aula, o trabalho de
análise linguística é essencial, visto ser pormeio da seleção do gênero discursivo,
econsequentementedaseleçãodaestruturacomposicional,doléxico,dasescolhas
morfossintáticas,enfim,dosrecursoslinguístico-enunciativosveiculadosquesepro-
duzemouco-produzemefeitosdesentido.Pelasescolhaslinguísticasdolocutor/autor,
podemosvisualizartantoosaspectosdasituaçãoenunciativaquantotambémaspectos
dasubjetividadedesselocutor/autor,queserevelaesemostracomosujeito.Portanto,
aanáliselinguísticatorna-seumimportanteexercícioparaqueoaluno-leitorseinsti-
tuacomoco-produtordotexto(DELL’ISOLA,1996).
análise linguística no ensino fundamental
110
Escrita E Ensino
ANTUNES,I.muito além da gramática:porumensinodelínguassempedrasno
caminho.SãoPaulo:Parábola,2007.
BAKHTIN,M.Estética da criação verbal.4.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,2003.p.
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BRASIL,SecretariadeEducaçãoFundamental.Parâmetros Curriculares nacionais:
terceiroequartociclosdoensinofundamental:línguaportuguesa.Brasília,DF:MEC/
SEF,1998.
DELL’ISOLA,R.L.P.Ainteraçãosujeito-linguagememleitura.In:MAGALHÃES,I.
(Org.).As múltiplas faces da linguagem.Brasília,DF:UNB,1996.p.69-75.
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LAJOLO,Marisa.A narrativa na Literatura para crianças e jovens.[S.l.:s.n.],2005.
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LOPES-ROSSI,MariaAparecidaGarcia.Gênerosdiscursivosnoensinodeleiturae
produçãodetextos.In:KARWOSKI,AcirMário;GAYDECZKA,Beatriz;BRITO,Karim
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Fernanda;BENTES,AnaChristina(Org.).introdução à Lingüística:domíniose
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formação do professor.2.ed.SãoPaulo:Parábola,2006.p.199-226.
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de Educação básica do Estado do Paraná:LínguaPortuguesa.Cutitiba:SEED,
2006.
PERFEITO,A.M.Análiselingüísticaeconstruçãodesentidos.In:LIMOLI,L.;
MENDONÇA,A.P.F.nas fronteiras da linguagem: leituraeproduçãodesentidos.
Londrina:Mídia,2006.p.7-16.
site consultado
http://www.sarespedunet.sp.gov.br/2003/e_f/3a/index.htm
sugestões de sites para leitura extra sobre o tema estudado:
www.escrita.uem.br–GrupodePesquisa“INTERAÇÃOEESCRITA”(UEM/CNPq)
www.cce.ufsc.br/~clafpl–anaison-linedoICongressoLatino-Americanosobre
FormaçãodeProfessoresdeLínguas
www.iel.unicamp.br–publicaçõesdoInstitutodeEstudosdaLinguagem(UNICAMP)
Proposta de Atividades
1)Leiaacrônicaabaixo“CacoMeleca”.Ancorando-senascaracterísticasdessegêneroelenca-dasnocapítulo,elabore,nomínimo,duasatividadesdeanáliselinguísticaeleituraparaestacrônica.
CACOMELECA
2).Cacoeraummeninoquietinho,masgostavadecomermeleca.Eletinhaatéumatáticaparatiraramelecasemninguémperceber:botavaamãonafrentedabocae,devagarinho,punhaopolegardentrodonariz,quesaíajácomamelequinhaenroladinha,eaenfiavana
112
Escrita E Ensino boca.Quenojo!(Masquemuitosmeninosfazemisso,fazem).Umdia,duranteumaprova,aprofessoraviuessamanobraeperguntou:“Caco,paraquemvocêestádandocola?Oquevocêestáfazendocomessamãonafrentedorosto?”.“Euestoumeioenjoado.”Aprofesso-raseaproximoudele.Elefoificandonervosocomaquelamelecanamão.Eagora?Eseelavisseaquilo?Foiaíqueelegrudouamelecaembaixodacarteira.Aprofessoraviuedisse:“Oqueéisso?Sevocênãoestivesseenjoadoeufariavocêcomerisso,seuporco!”.Cacorespondeu:“Nãosejaporisso,professora,éprájá”.Nhoct!,erespiroualiviado.
(FRATE, Diléa. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996. p. 56).
Anotações