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ENTENDIMENTO COMPARTILHADO ENTRE CLIENTES E DESENVOLVEDORES: O PROCESSO DE AFASTAMENTO DA AMBIGUIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO Aline Vieira Malanovicz (UFRGS) [email protected] Angela Freitag Brodbeck (UFRGS) [email protected] Este ensaio teórico objetiva investigar a contribuição do modelo de organização como processo de Karl Weick como lente teórica para a compreensão do estabelecimento de um entendimento compartilhado entre usuários e desenvolvedores de sistemmas de informação e as suas dificuldades. O estudo justifica-se pela relevância do estabelecimento de uma consistente fundamentação teórica para os trabalhos acadêmicos, tanto em artigos científicos, como em teses e dissertações, para o desenvolvimento e a aplicação de pesquisas em Engenharia de Produção e a maturidade dos estudos da área. Para essa fundamentação teórica, são apresentadas as suas bases conceituais: a teoria geral de sistemas, o modelo de organização como processo de Weick, o processo de desenvolvimento de sistemas e seus problemas, e então um argumento quanto à possível aplicação do modelo teórico à dinâmica do processo em questão, concluindo com uma discussão de sua contribuição e aplicabilidade. É possível concluir que o modelo de organização como processos de criação-seleção-retenção de ambiguidade nas informações trocadas nas organizações contribui para a compreensão do processo de entendimento compartilhado e de suas dificuldades, oferecendo uma nova perspectiva para o seu estudo, e considerando o grau de ambiguidade e a maneira de usar as informações trocadas entre clientes e desenvolvedores. Além da indicação para estudos práticos confirmatórios, o estudo suscita algumas direções de pesquisas futuras, como o efeito da cultura e da comunicação organizacional e outros fatores críticos para o entendimento compartilhado. Uma contribuição gerencial é a recomendação da prática da retroconsulta para a redução de ambiguidade das informações transmitidas entre clientes e desenvolvedores. Palavras-chaves: desenvolvimento de sistemas, entendimento compartilhado, usuários e desenvolvedores, modelo de organização de Karl Weick XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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ENTENDIMENTO COMPARTILHADO

ENTRE CLIENTES E

DESENVOLVEDORES: O PROCESSO DE

AFASTAMENTO DA AMBIGUIDADE

PARA O DESENVOLVIMENTO DE

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Aline Vieira Malanovicz (UFRGS)

[email protected]

Angela Freitag Brodbeck (UFRGS)

[email protected]

Este ensaio teórico objetiva investigar a contribuição do modelo de

organização como processo de Karl Weick como lente teórica para a

compreensão do estabelecimento de um entendimento compartilhado

entre usuários e desenvolvedores de sistemmas de informação e as suas

dificuldades. O estudo justifica-se pela relevância do estabelecimento

de uma consistente fundamentação teórica para os trabalhos

acadêmicos, tanto em artigos científicos, como em teses e dissertações,

para o desenvolvimento e a aplicação de pesquisas em Engenharia de

Produção e a maturidade dos estudos da área. Para essa

fundamentação teórica, são apresentadas as suas bases conceituais: a

teoria geral de sistemas, o modelo de organização como processo de

Weick, o processo de desenvolvimento de sistemas e seus problemas, e

então um argumento quanto à possível aplicação do modelo teórico à

dinâmica do processo em questão, concluindo com uma discussão de

sua contribuição e aplicabilidade. É possível concluir que o modelo de

organização como processos de criação-seleção-retenção de

ambiguidade nas informações trocadas nas organizações contribui

para a compreensão do processo de entendimento compartilhado e de

suas dificuldades, oferecendo uma nova perspectiva para o seu estudo,

e considerando o grau de ambiguidade e a maneira de usar as

informações trocadas entre clientes e desenvolvedores. Além da

indicação para estudos práticos confirmatórios, o estudo suscita

algumas direções de pesquisas futuras, como o efeito da cultura e da

comunicação organizacional e outros fatores críticos para o

entendimento compartilhado. Uma contribuição gerencial é a

recomendação da prática da retroconsulta para a redução de

ambiguidade das informações transmitidas entre clientes e

desenvolvedores.

Palavras-chaves: desenvolvimento de sistemas, entendimento

compartilhado, usuários e desenvolvedores, modelo de organização de

Karl Weick

XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.

São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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1. Introdução

Para o desenvolvimento e a aplicação de pesquisas em Engenharia de Produção e a

maturidade dos estudos da área, um tema de investigação que vem alcançando relevância é a

metodologia de pesquisa (CAUCHICK MIGUEL, 2007; OLIVEIRA e DALCOL, 2009), com

o desafio de estabelecer uma consistente fundamentação teórica para os trabalhos acadêmicos,

tanto em artigos científicos, como em teses e dissertações. Também se destaca a importância

do tema sistemas de informação (SANTOS e CONTADOR, 2002; SOARES et al., 2008;

COSTA e BASTOS, 2009; CARVALHO, 2009), aqui abordado em busca da compreensão da

dinâmica do desenvolvimento de sistemas, e do entendimento entre usuários e programadores.

O tema da pesquisa emerge da prática cotidiana que a pesquisadora realiza como profissional.

O desenvolvimento de sistemas de informação inicia com a análise de requisitos, etapa em

que o analista de sistemas tenta entender as necessidades dos usuários para um sistema

(PRESSMAN, 2006), e esse processo depende imensamente da interação e da criação de

entendimento compartilhado entre usuários e desenvolvedores (SCHEGLOFF, 1991; TAN,

1994; STANDISH, 1994; SOUZA, 2008). Mas ainda há muitos problemas associados à falta

de entendimento entre usuários e analistas (ACKOFF, 1967; STANDISH, 1994; GUINAN et

al., 1998; ALVES et al., 2007; PORTELLA, 2009), o que a Figura 1 ilustra com bom humor.

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Figura 1 – Etapas do desenvolvimento de sistemas de informação (Fonte: adaptado de QUALIDADE BR, 2008)

Sob o prisma gerencial, uma questão prática sobre “como fazer os gerentes-usuários e os

analistas-desenvolvedores se entenderem?” se destaca, mas carece de uma resposta científica,

pois “a teoria é indispensável para dar significado aos fatos investigados que, sem ela, não

teriam sentido algum; ela explica os aspectos da realidade em estudo, e permite interpretar os

fatos, o que oferece abertura de perspectivas para futuras pesquisas” (BELTH, 1971).

A Teoria Geral de Sistemas, proposta por Bertalanffy (1975) oferece um conjunto abrangente

de conceitos e proposições teóricas que permitiu a outros pesquisadores o desenvolvimento de

modelos sistêmicos explicativos para diferentes áreas da ciência. Um exemplo disso é o

trabalho de Karl Weick, um dos mais influentes teóricos de organizações, originário da

Psicologia. Seu modelo clássico de organização como processo (WEICK, 1973) enfatiza as

relações subjetivas interpessoais no processo de organização, oferecendo uma perspectiva

diferente, processual, para abordar aspectos da dinâmica das organizações.

O modelo suplanta as tradicionais propostas estruturalistas, que “deixam de lado aspectos

fundamentais dos complexos sistemas organizacionais, como interações dinâmicas que neles

se estabelecem, e dimensões mutáveis, dinâmicas, ambíguas, ou inexatas” (DAFT e WEICK,

2005). Weick concebe a dinâmica das organizações com base em características processuais,

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o que parece ser adequado para o estudo de sistemas produtivos e do seu desenvolvimento.

Assim, um objetivo de pesquisa relevante, que é o foco deste ensaio teórico, é investigar qual

a contribuição do modelo de organização de Weick como lente teórica para a compreensão do

processo de estabelecimento de um entendimento compartilhado entre usuários e

desenvolvedores de sistemas de informação e as suas dificuldades.

Nas seções seguintes, são apresentados sucintamente a teoria geral de sistemas, o modelo de

organização como processo de Weick (dela derivado), o processo de desenvolvimento de

sistemas e seus problemas, e um esboço da possível aplicação do modelo teórico à dinâmica

do processo em questão, concluindo com uma discussão de sua contribuição e aplicabilidade.

2. Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig von Bertalanffy

A teoria geral dos sistemas surgiu e foi popularizada a partir dos trabalhos do biólogo Ludwig

von Bertalanffy, publicados entre 1950 e 1968, que adotam o organismo vivo como modelo.

A teoria geral dos sistemas tem por fim identificar as propriedades, princípios e leis

característicos dos sistemas em geral, independentemente do tipo de cada um, da natureza de

seus elementos componentes e das relações ou forças entre eles. “Trata-se de uma

transformação nas categorias básicas de pensamento” (BERTALANFFY, 1975, p.19).

Um sistema se define como um complexo de elementos em uma interação de natureza

ordenada (BERTALANFFY, 1975). Dessa interação dinâmica, chamada de sinergia, resulta

que “o todo é maior que a soma das partes”. A sinergia gera a ordem, a invariabilidade da

organização de processos via relações. Já a entropia é a desordem ou ausência de sinergia.

A teoria geral dos sistemas é interdisciplinar e potencialmente unificadora da ciência,

podendo ser usada em fenômenos investigados nos diversos ramos da pesquisa científica, e se

aplica a qualquer todo constituído de componentes em interação. Os sistemas vivos e os

sistemas sociais (indivíduos ou organizações), são sistemas abertos, ou seja, interagem com o

ambiente onde estão inseridos, via importação (input) e exportação (output). Eminentemente

adaptativos, devem, para sobreviver, reajustar-se constantemente as condições do meio.

Dessa forma, a interação gera ciclos de realimentações (feedback) que podem ser positivas ou

negativas, criando assim um equilíbrio, uma auto-regulação (homeostase) regenerativa, que

por sua vez cria novas propriedades que podem ser benéficas ou maléficas para o todo. Os

sistemas em que as alterações benéficas são absorvidas e aproveitadas sobrevivem, e os

sistemas onde as qualidades maléficas ao todo resultam em dificuldade de sobrevivência,

tendem a desaparecer caso não haja outra alteração de contrabalanço que neutralize a primeira

mutação. Assim a evolução dos sistemas prossegue enquanto os sistemas se auto-regulam.

Bertalanffy propôs a aplicação da concepção dos sistemas às ciências sociais, chamadas por

ele de ciências dos sistemas sociais, que incorpora igualmente a manutenção e a mudança, a

preservação do sistema e os conflitos internos, no universo simbólico das culturas humanas.

Bertalanffy também propôs a incorporação da abordagem geral de sistemas às teorias

psicológicas, sugerindo ligações com conceitos como processos estáticos e dinâmicos,

homogeneidade e diferenciação, e os mecanismos de feedback.

Aplicações à teoria da informação produzem a noção de que a informação possa ser usada

como medida de organização de um sistema social. E a especialização da teoria geral dos

sistemas para a teoria cibernética aplica-se aos sistemas de controle, baseada na comunicação

(transferência de informação) entre o sistema e o meio, e dentro do próprio sistema, e do

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controle (retroação) da função dos sistemas para o ambiente (BERTALANFFY, 1975).

3. Modelo sistêmico de organização como processo, de Karl Weick

Para contextualizar a importância do modelo teórico em foco neste trabalho, vale registrar que

Ramos-Rodriguez e Ruiz-Navarro (2004) e a influente revista Organization Studies (2006)

apontam o livro que apresenta o modelo, “The Social Psychology of Organizing” (duas

edições, em 1969 e 1979, e tradução em língua portuguesa em 1973), como uma das obras

mais citadas em artigos do Strategic Management Journal entre 1980 e 2000.

Sobre o modelo, pode-se dizer que a concepção sistêmica da organização (BERTALANFFY,

1975) se concilia com a ideia de Weick da organização como processo: “uma organização

pode ser definida por seus processos de formação: os comportamentos interligados e

relacionados que formam um sistema” (WEICK, 1973, p.90).

Sobre o modelo de organização, Weick diz que “embora seja apresentado em nível abstrato,

cria uma forma específica de pensar quando é aplicado a distinções e conceitos concretos”

(p.105). O modelo propõe que, para compreender mais a respeito de uma organização, uma

possibilidade seria procurar “comportamentos entrelaçados que estão imersos em processos

condicionalmente relacionados”. Essas são as relações intersubjetivas que aqui se intenta

explorar quanto ao desenvolvimento de sistemas de informação.

Para Weick (1973), o processo de obtenção de coerência entre os membros caracteriza o ato

de organizar e permite a uma organização fazer interpretações como sistema.

O processo de formação da organização consiste na solução da ambiguidade num

ambiente criado através de comportamentos interligados e incluídos em processos

condicionalmente relacionados. [...] A formação da organização procura processar a

informação e reduzir a ambiguidade de informações recebidas (WEICK,1973, p.91).

Pode-se dizer que esses ciclos de comportamentos interligados são os elementos básicos dos

processos que constituem qualquer organização. Para Weick (1973, p.91): São formados por comportamentos repetitivos, recíprocos e contingentes, que se

desenvolvem e são mantidos entre dois ou mais atores. [...] Supõe-se que a redução

da ambiguidade seja uma atividade coletiva que conecta diferentes comportamentos.

Para reduzir a ambiguidade, é preciso, como é definido na Tabela 1 e mostrado na Figura 2:

que a ambiguidade seja antes registrada e depois afastada. [...] As regras usadas

para compor o processo de criação-seleção-retenção registram a ambiguidade; e os

ciclos do processo de criação-seleção-retenção aplicados à informação recebida

afastam a ambiguidade. [...] Esses ciclos comportamentais interligados se incluem

em processos inter-relacionados que constituem um sistema (WEICK, 1973, p.91).

Conceito Indícios para uma Definição do Conceito Referência

Mudança

ecológica

Mudança que provoca ambiguidade na informação de fora do sistema,

(...) que é repentina, inesperada, inédita, e é recebida e enfrentada.

(Weick, 1973,

p.79;95)

Registro da

Ambiguidade

Um item de informação contém várias possibilidades/suposições. É

mais ou menos ambíguo, e sujeito a diferentes interpretações. [...]

é registrada por aumento ou redução nas regras que são “ativadas”

(Weick, 1973,

p.29; 87)

Regras de

reunião

Regras de reunião são procedimentos ou guias usadas a fim de

processar dados para uma interpretação coletiva, [...] meios pelos

quais o grau de ambiguidade é registrado em qualquer processo

(Weick, 1973,

p.91; 72)

Escolha de

ciclos

Descoberta e a realização de um ou vários comportamentos recíprocos

[...] Uma pessoa realiza uma ação, aceita ou modificada por outra

(Weick, 1973,

p.45; 74)

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pessoa, após o que a primeira responde ao que a segunda fez.

Afastamento de

ambiguidade

As várias possibilidades/suposições de um item de informação sujeito

a várias interpretações são reduzidas e as propriedades duvidosas

da mensagem ficam mais unívocas. [...] É uma atividade coletiva.

(Weick, 1973,

p.29; 91)

Processo de

Criação

É a reflexão que escolhe e define mais precisamente certas partes da

experiência passada [...] e gera a informação a que o sistema se

adapta, e assim afasta uma pequena parte de ambiguidade.

(Weick, 1973,

p.69; 92)

Processo de

Seleção

O processo de seleção, via critérios estabelecidos pela experiência,

separa a diversidade da informação ambígua, admite as partes que

satisfazem os critérios e assim ordena a informação ambígua.

(Weick, 1973,

p.92)

Processo de

Retenção

Processo de armazenamento [...] conserva rigidamente as variações

escolhidas [...] integra itens novos com itens já registrados e, via

reorganização, afasta ambiguidade criada por contradições.

(Weick, 1973,

55;59;92)

Tabela 1 – Conceitos do modelo de organização de Karl Weick

Figura 2 – O modelo de formação da organização (Fonte: WEICK, 1973, p.93)

Ao propor seu modelo de organização, Weick explica que:

As ações estão associadas à criação, e as escolhas estão associadas à seleção; ambas

estão nos ciclos escolhidos, que são formados por comportamentos inter-

estruturados. No caso de criação, os ciclos adequados para esse processo referem-se

a fazer, agir e realizar. No caso de seleção, referem-se a escolhas das ações

anteriores que devem ser repetidas, reconhecidas e consideradas como experiência

benéfica. [...] O processo de retenção também reduz parte da ambiguidade, pois

integra itens novos em itens anteriormente conservados (WEICK, 1973, p.95).

Weick também define como é (criado) o ambiente de informação:

O ambiente de informação em que os processos de organização atuam é criado com

base em interpretações retrospectivas de ações já completadas feitas pelos

participantes de organizações. Os atores separam partes de um contínuo de

experiência em experiências discretas, o que produz a matéria-prima da formação da

organização, e gera excesso de ambiguidade. [...] Cada ciclo comportamental

interligado tem potencial para afastar certa ambiguidade, mas só quando vários

ciclos diferentes são aplicados à informação que um grau suficiente de certeza é

conseguido para que seja possível ação não ambígua. (WEICK, 1973, p.91)

As relações entre os processos (ilustradas como setas na Figura 2), representam como os

processos são determinados pelo estado das informações recebidas (WEICK, 1973, p.92).

Quando se obtém informação a respeito do grau de ambiguidade em alguma

informação importante recebida, pode-se saber regras que serão ativadas, ciclos que

serão selecionados, a quantidade de ambiguidade que será afastada, a natureza da

informação transmitida a processos posteriores, e o destino dessa informação

conforme for processada pelos processos subseqüentes. [...] Quando se obtém

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informação a respeito da maneira de usar (enviar de volta ou enviar adiante) o

conteúdo conservado, pode-se especificar a natureza das relações causais do envio

da retenção para criação (WEICK, 1973, p.95).

Além disso, “o grau de ambiguidade no ponto de partida da seta determina o grau de

ambiguidade que existirá, como informação ao processo, no ponto de chegada da seta. [...] De

modo geral, tais relações são ligações causais diretas”. Isso significa que no processo será

criado o mesmo grau de ambiguidade existente na informação recebida.

Quando há muita ambiguidade, haverá menos regras para composição do processo; Quando

existe pouca ambiguidade, aumenta o número de regras; e as regras, por sua vez, determinam

o número de ciclos comportamentais de criação-seleção-retenção interligados que serão

reunidos para o afastamento efetivo de ambigüidade – quanto menos ciclos de criação-

seleção-retenção, mais ciclos escolhidos.

Nos casos de retenção para seleção e retenção para criação, essas relações podem ser de

influência direta (+) ou inversa (–). “Isso depende das decisões dos atores no sistema.”

(WEICK, 1973, p.94). Weick (1973) utiliza a notação sistêmica para relações de influência

entre os processos interligados: direta (+) (aumento de uma causa aumento na outra; idem

quanto a redução); e inversa (–) (aumento de uma causa redução na outra, e vice-versa).

Por exemplo, voltando à Figura 2: quanto mais mudanças ecológicas, mais ambiguidade

(relação direta); e quanto mais ambiguidade, menos regras de reunião (relação inversa). Essas

relações existentes entre os processos são os controles do sistema: “um circuito que contém

um número ímpar de sinais negativos corrige quaisquer desvios que possam surgir” (p.82),

mantendo-se em equilíbrio. Mas “em um circuito que contém um número par de sinais

negativos, seus desvios serão ampliados sem correção” (p.82), tendendo à falta de equilíbrio.

4. O Processo de Desenvolvimento de Sistemas de Informação e seus Problemas

Um breve resgate conceitual sobre o assunto-foco deste trabalho relembra que sistemas

consistem num conjunto de partes que estão constantemente interagindo; e sistemas de

informação, especificamente, têm insumos e resultados consistindo de informações, mediante

processos organizados de transformação, para atingir objetivos (BERTALANFFY, 1975).

O processo de desenvolvimento de sistemas e informação é um método de trabalho

estruturado em etapas que objetiva produzir sistemas para uma aplicação em geral

(PRESSMAN, 2006; SOMMERVILLE, 2007), que podem contribuir para a solução de

determinados problemas empresariais (LAUDON; LAUDON, 2007). E o levantamento de

requisitos é a fase do desenvolvimento em que o analista de sistemas tenta entender as

necessidades dos usuários e da organização para um sistema particular (PRESSMAN, 2006).

Existem muitos problemas associados ao desenvolvimento de SI (FREEMAN, 2004). O

levantamento de requisitos é a fase do desenvolvimento em que o analista de sistemas tenta

entender o conceito do usuário para um sistema particular. Os problemas encontrados e não

resolvidos a partir da fase de levantamento de requisitos podem piorar durante o restante do

projeto de desenvolvimento. No coração do processo está a necessidade de criar um

entendimento compartilhado entre o usuário e o analista.

O desenvolvimento bem-sucedido de sistemas de informação depende imensamente da

interação entre usuários e analistas de sistemas (GREEN, 1989). Entretanto, devido a mal-

entendidos e a mudanças nas necessidades do usuário, os sistemas estão constantemente sendo

sujeitos a reprojetos custosos (KARA, 1997; SCOTT, 1988) o que causa mal-estar entre

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usuários e analistas de sistemas. A habilidade de aprimorar esse processo pode significar

ganhos monetários, ao construir o sistema corretamente já da primeira vez (KARA, 1997).

Durante o levantamento de requisitos, o analista tenta entender as necessidades dos usuários e

a organização. Essa é uma fase extremamente difícil do desenvolvimento de sistemas, e é

também uma das fases com menos suporte (JEFFREY; PUTMAN, 1994; KIM; MARCH,

1995). É durante essa fase, e não mais tarde, que o analista deve entender completamente as

expectativas do usuário e as metas do sistema (HOLTZBLATT; BEYER, 1995). Com os

requisitos apropriados, o restante do processo de desenvolvimento pode seguir e levar ao

sistema final. Entretanto, uma fase de levantamento de requisitos incompleta pode impedir a

conclusão bem-sucedida do restante do processo de desenvolvimento.

Especificamente, uma comunicação pobre ou propensa a erros entre o usuário e o analista

ainda é um dos principais problemas (BYRD et al., 1992; MARAKAS; ELAM, 1998; TAN,

1994), mesmo depois de várias décadas de pesquisa sobre melhoria do levantamento de

requisitos (ACKOFF, 1967; GUINAN et al., 1998). Teichroew (1972) apresentou a chamada

original para melhorar a comunicação entre o usuário e o analista, e essa necessidade

permaneceu forte dentro da pesquisa em desenvolvimento de sistemas (BYRD et al., 1992;

MARAKAS e ELAM, 1998), e especificamente no que diz respeito à criação de um

entendimento compartilhado entre o usuário e o analista (BUTTERFIELD, 1998; TAN,

1994). O entendimento compartilhado acontece quando os indivíduos se comunicam sobre um

assunto e então têm o mesmo entendimento daquele assunto (TAN, 1994).

As falhas para atingir um entendimento compartilhado podem ser devidas a: interpretação

errada da comunicação verbal (TAN, 1994); interpretação errada da comunicação não-verbal

(FOA et al., 1981); falta de comunicação, principalmente. Essas interpretações erradas ou

comunicações erradas precisam ser consertadas durante a comunicação para se atingir um

entendimento compartilhado (SCHEGLOFF, 1991).

5. Desenvolvimento de sistemas segundo o modelo de organização de Karl Weick

Uma contribuição do modelo de organização como processo de Weick pode ser elaborada no

sentido de sua aplicação como explicação teórica para a compreensão da dinâmica e das

dificuldades da comunicação de demandas para desenvolvimento de sistemas de informação.

Em um esboço dessa possível aplicação do modelo, pode-se considerar que o processo de

desenvolvimento de sistemas se desenvolve de maneira sistêmica segundo processos

intersubjetivos de organização entre as pessoas (usuários e desenvolvedores), para eliminar

ambiguidade na definição dos requisitos do sistema, para que ela faça sentido para todos.

A demonstração a seguir intercala a exposição do modelo elaborada por Weick (1973) e o

percurso da informação em uma situação hipotética de demanda de produção de um sistema.

Todas as citações literais referem-se ao capítulo 8 de “A Psicologia Social da Organização”.

Sugere-se consultar a Figura 2 anterior ao acompanhar a dinâmica do processo aqui descrito:

Suponha-se que há grande ambiguidade, provocada por repentina mudança ecológica, e que

essa ambiguidade seja a principal informação que chega ao processo de criação.

Então, uma mudança ou tendência de mudança (não muito bem definida) na configuração do

ambiente organizacional, como o mercado, clientes, fornecedores, concorrentes, seria uma

situação em que uma mudança ecológica cria grande ambiguidade no ambiente.

A grande ambiguidade na informação leva à ativação de pequeno número de regras

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de reunião, grande número de ciclos, afastamento de quantidade relativamente

grande de ambiguidade e, portanto, menor quantidade de ambiguidade quando a

informação atinge o processo de seleção.

Um ou mais usuários percebe ou elabora (criação) uma demanda para desenvolvimento de

sistemas; cada usuário formula (criação) seu entendimento individual sobre a definição dos

requisitos; cada um também seleciona (seleção) as opções de definição conforme critérios,

regras e valores próprios; verbaliza ou escreve (retenção) aos desenvolvedores.

Se o enunciado sobre a demanda não é formal (inequívoco) o suficiente para não permitir

dúvidas para os receptores da mensagem (no caso, os desenvolvedores), há ambiguidade.

Essa informação nova que vem do ambiente é capaz de “afetar” os critérios de seleção

individuais, pois pode haver consequências das mudanças e mais de um modo de

compreender essas mudanças e suas consequências.

Isso exige que se retome o processo de criação para identificar possibilidades que permitam à

organização adaptar-se ao novo ambiente, revendo critérios, se necessário (consulta aos pares

entre os usuários-clientes).

Quando a informação chega ao processo de seleção, ainda tem muita ambiguidade,

de forma que poucas regras de reunião serão ativadas, muitos ciclos escolhidos e

mais afastamento de ambiguidade, o que deixa menos ambiguidade na informação.

Um ou mais desenvolvedores cria (criação) o seu entendimento individual a partir das

informações comunicadas; seleciona (seleção) as opções de entendimento conforme seus

critérios, regras e valores individuais; e descreve seu entendimento verbalmente ou em um

relatório de especificação técnica (retenção); os desenvolvedores seguem essa informação

expressa e formalizada, e fixam (retenção) as opções em um protótipo.

Exemplos de regras de reunião seriam critérios que regem com quem serão debatidos os

aspectos de esclarecimento das demandas; quais critérios serão usados, e como os objetivos

serão transmitidos ou informados para os demais atores envolvidos no processo.

Quando os desenvolvedores procuram traduzir as demandas em especificações técnicas,

produzem o sentido de sua tradução de maneira não-consciente selecionando, retendo e

criando aspectos conforme o seu próprio entendimento. Nessa fase da tradução existe

potencial para uma transmissão de objetivos com perda – ou alteração – de informação.

O entendimento mútuo fica prejudicado se a ambiguidade for “solucionada” por uma escolha

de suposições (resultantes do processo individual de criação) que definem o sentido das

diretrizes originais para o desenvolvedor. Essas suposições partem da experiência e da

compreensão da demanda por parte somente do receptor, quando não há a “retroconsulta” ou

novo ciclo coletivo.

Assim, pode ocorrer um processo não consciente de ambiguação, entre o cliente solicitante e

o desenvolvedor do sistema de informação. Essa perda de informação na comunicação pode

provocar uma discordância entre a demanda proposta pelo solicitante e a programação

efetivamente implementada (O popular processo do "telefone-sem-fio").

Em um novo ciclo de processos, agora realizado coletivamente entre os atores, os usuários e

os desenvolvedores avaliam (seleção) juntos (processo coletivo) o protótipo elaborado

(criação); assim é realizado um processo coletivo de avaliação (seleção) das opções de

implementação válidas (conforme o entendimento elaborado (criação) pelos usuários).

Um processo de seleção pode ser exemplificado por uma reunião entre os clientes-usuários

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solicitantes do sistema e os desenvolvedores, com debate e apresentação da nova demanda,

com a oportunidade de todos explicitarem a ambiguidade que encontraram no cenário da

informação que vem do ambiente.

Os critérios de seleção são assim expostos pelos clientes, e a seleção de ações a tomar e

objetivos a buscar é realizada em conjunto, em ciclos de debate, com exposição do modo

como cada um produziu o sentido da informação vinda do ambiente, e com registro das

razões, regras e critérios que levaram à decisão.

Se supomos que a maior parte da ambiguidade da informação foi afastada nessa fase

(principalmente no processo de seleção), quando a informação vai ao processo de

retenção há ativação de várias regras e seleção de poucos ciclos, com o afastamento

de pouca ambiguidade.

Um processo de retenção da informação na organização pode ser exemplificado pelo registro

das decisões dos clientes para fins de especificação do sistema. Neste processo de registro, o

afastamento da ambiguidade depende da clareza na descrição das decisões.

Conserva-se a maior parte da pequena quantidade de ambiguidade que o item

originalmente tinha quando atingiu o processo de retenção. [...] Uma vez que a

informação esteja no processo de retenção, é enviada de volta, sob alguma forma,

para os processos de seleção e criação.

Supõe-se que a informação retida pelos clientes chega aos desenvolvedores genérica demais

para o seu entendimento, com tanta ambiguidade (até mesmo por razões de desconhecimento

de detalhes técnicos por parte dos clientes, o que é comum), que não permite aos

desenvolvedores tomarem decisões bem fundamentadas para as ações.

Sempre que um ator pergunta o que é que deve fazer a partir daquilo que sabe, na

realidade está procurando saber se deve continuar a ser orientado pelo estado da

informação na retenção, ou se deve contrabalançar esse estado.

[...] Faz isso quando decide retroenviar o fluxo do processo à criação e à seleção do

nível anterior se há muita ambiguidade na informação no processo de retenção;

porém, se considera que a informação está não-ambígua, decide enviar o fluxo do

processo adiante.

No caso, se não há preocupação com a clareza da descrição para esclarecimento de demandas

e efetiva compreensão dos desenvolvedores, há pouca redução de ambiguidade. O receptor da

informação (o desenvolvedor) fica dispondo somente da informação ambígua, sem saber

exatamente como implementar a demanda, porque parece haver mais de uma forma possível

de fazer isso. Convém retroconsultar o cliente para resolver.

Suponhamos que o ator encaminhe a informação diretamente [ao próximo nível].

Isso significa que trata o item não ambíguo retido como se fosse não ambíguo para

novas escolhas; ativa muitas regras, reúne poucos ciclos, afasta pouca ambiguidade.

Se o desenvolvedor não realiza a retroconsulta e o consequente retorno do processo à criação

e seleção realizadas junto aos clientes, ele não refaz o ciclo, e assim não melhora o

entendimento da informação recebida, e só ativa suas regras de tratamento da informação.

Assim, o conteúdo é criado, selecionado e retido de acordo com suas crenças, seus critérios e

seu próprio entendimento quanto à informação retida pelos clientes. A informação é então

encaminhada para implementação, mas contém ainda muita ambiguidade.

Suponhamos que o ator decida reenviar a informação de volta para o sistema como

uma informação ambígua. Isso significa que trata o item não ambíguo conservado

como se fosse ambíguo para ações futuras; ou seja, interpreta-o de maneira diversa.

Ativa poucas regras de reunião para lidar com o item; muitos ciclos são escolhidos e

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aplicados ao item; finalmente, afasta-se grande parte da ambiguidade do item.

Idealmente, a existência de ambiguidade na informação inicial sobre a demanda exige

retroconsultas (novos ciclos) aos formuladores originais do anúncio para o esclarecimento do

sentido dos aspectos que ficaram ambíguos.

Os desenvolvedores percebem que é possível interpretar de maneiras diversas a informação

recebida; então podem retroconsultar os clientes para um melhor esclarecimento das

demandas.

Em outras palavras, em vez de ativar regras de tratamento da informação (e já sair fazendo

escolhas e definições), o desenvolvedor pode escolher realizar um novo ciclo de tratamento da

informação, retornando aos processos de criação, seleção e retenção junto dos clientes.

Assim, afasta ambiguidade suficiente para compreender melhor as demandas em seu ciclo.

Cada ciclo comportamental interligado pode afastar certa ambiguidade, mas só

quando vários ciclos diferentes são aplicados à informação é que um grau suficiente

de certeza é conseguido para que seja possível ação não ambígua.

Esse breve esboço de ensaio de argumentação teórica encoraja a compreensão da dinâmica do

processo de desenvolvimento de sistemas segundo o modelo de Weick. Também permite

supor que o processo de consultas interativas é uma atitude que tem potencial para contribuir

para a produção de sentido compartilhado entre um emissor e um receptor.

Com um novo ciclo, é possível perceber redução ou aumento da ambiguidade, conforme o

uso que cada ator do processo fez da informação recebida; se há mais ambiguidade, menos

regras de desambiguação podem ser aplicadas, e mais ciclos de debate são necessários.

Em cada novo ciclo, ocorre uma nova concepção (criação) coletiva dos requisitos; que é

debatida coletivamente, compartilhando-se critérios de avaliação das alternativas (seleção);

que permitem nova fixação (retenção) em um novo protótipo; E são repetidos estes ciclos.

Vale reforçar a constatação de que a retroconsulta (novo ciclo) ao formulador original, sobre a

demanda, para o esclarecimento de aspectos que ficaram ambíguos, pode ser considerada uma

“boa prática” com potencial para resolver a ambiguidade, e evitar/minorar a discordância.

Em outras palavras, o ideal é que ocorra o entendimento mútuo, a produção de sentido

compartilhado: o cliente produz o seu sentido ao solicitar a demanda, e o desenvolvedor

produz o seu ao programar; e o sentido produzido pelo desenvolvedor ao instruir o sistema de

informação se identifica com o sentido produzido pelo cliente solicitante ao definir a demanda

do sistema de informação, de modo que o entendimento da demanda faz sentido para todos.

6. Conclusões

Este ensaio teórico teve como objetivo investigar a contribuição do modelo de organização de

Weick como lente teórica para a compreensão do processo de entendimento compartilhado

entre usuários e desenvolvedores de sistemas de informação e as suas dificuldades.

Para tanto, foram apresentados sucintamente a teoria geral de sistemas, o modelo de

organização como processo de Weick, o processo de desenvolvimento de sistemas e seus

problemas, e um esboço da possível aplicação do modelo teórico à dinâmica do processo em

questão, concluindo com uma discussão de sua contribuição e aplicabilidade.

Foi possível concluir que o modelo contribui para a compreensão do processo de

entendimento compartilhado e de suas dificuldades, pois considera o grau de ambiguidade e a

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maneira de usar as informações trocadas entre clientes e desenvolvedores.

Também se conclui que as organizações podem ser entendidas como sistemas sociais abertos

que processam informações, sujeitas à incerteza para basear a sua tomada de decisão, interna

e externamente, podendo ser interpretadas como produtos da interação social.

Uma linha de pesquisas futuras suscitadas pelo estudo diz respeito ao efeito da disseminação

da cultura organizacional no compartilhamento de sentidos nas comunicações. Outra linha de

pesquisa a ser aprofundada teria foco nas interações sociais e na produção de sentido dos

atores sobre decisões quanto a manter ou afastar a ambiguidade dos objetivos. E uma terceira

linha de pesquisa é representada pela investigação de quais os fatores críticos que facilitam o

processo. Com isso, podem ser esboçadas questões e proposições para trabalhos posteriores:

“Como os gerentes-usuários e os analistas-desenvolvedores se entendem?” Por que os gerentes-usuários e os analistas-desenvolvedores não se entendem?” -usuários e analistas-desenvolvedores organizam entre si a

comunicação de informações referentes a um projeto de desenvolvimento de S.I.?” (ou representar) o processo de tradução de informações entre

gerentes-usuários e analistas-desenvolvedores no decurso de um projeto de S.I.?” “Como se pode explicar o fenômeno do compartilhamento e do não-compartilhamento

de sentidos na tradução de demandas/objetivos no desenvolvimento de S.I.?”

O registro da ambiguidade da informação recebida pelos desenvolvedores auxilia o

processo de seleção de ações a serem tomadas.

Ambiguidades geradas pela percepção de mudanças ambientais são tratadas de maneira

diversa das ambiguidades geradas pela comunicação de objetivos entre os atores.

O processo coletivo interativo de seleção das informações que vão compor os objetivos

(com a prática de reuniões para debater os critérios para tal seleção) pode afastar mais

ambiguidade do que o processo de seleção de informações realizado individualmente.

O registro de critérios de seleção de ações a serem tomadas (por exemplo, a ata de cada

reunião de um projeto) reduz a ambiguidade nas informações comunicadas.

As retroconsultas em relação aos clientes auxilia o compartilhamento de sentido.

Habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal entre os desenvolvedores e

os clientes (comunicação vertical), e dos atores entre si (comunicação horizontal) têm

influência no compartilhamento de sentidos dos objetivos.

O processo de retenção tem potencial para afastar mais ambiguidade quando efetivado

com uso de técnicas gerenciais de representação de processos e regras de negócio,

como recursos de mapeamento de processos de apoio à troca de informações.

Uma contribuição gerencial deste estudo pode ser a recomendação da prática da retroconsulta

para o esclarecimento e desambiguação das informações transmitidas entre as pessoas. O

questionamento quanto a como fazer os clientes-usuários e os desenvolvedores se entenderem

permanece, agora com um direcionamento para uma fundamentação teórica consistente. É

essencial a realização de estudos práticos, com a participação dos atores envolvidos, no caso

clientes-usuários e analistas-desenvolvedores, para a confirmação da tese aqui desenvolvida.

Espera-se que o estudo possa contribuir para uma melhor compreensão do processo de

estabelecimento de um entendimento compartilhado entre os atores, auxiliando na redução da

lacuna de conhecimento existente e no desafio da consistente fundamentação teórica das

pesquisas em Engenharia de Produção.

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