entre o passado e o futuro o relato de uma experiência de estágio

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Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio supervisionado em psicologia num CAPS da cidade do Recife O presente trabalho se refere à discussão de nossa experiência de estágio supervisionado num Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da Região Metropolitana do Recife. Durante aproximadamente um ano de vivência nesta Unidade de Saúde, tivemos a oportunidade de acompanhar o cotidiano deste serviço de atenção à saúde mental e, através do suporte teórico- metodológico, construir um olhar crítico sobre o fazer psicológico dentro do contexto da Saúde Pública e do Sistema Único de Saúde. Esse relatório traz as reflexões que a vivência de estágio nos oportunizou e, mais do que a proximidade com a experiência da crise e do sofrimento psíquico, objetiva abordar a influência das relações/condições de trabalho na construção teórico-prática desse serviço e, conseqüentemente, nosso papel na promoção do cuidado em saúde mental nesses serviços ditos substitutivos. Palavras-chave: estágio; Centro de Atenção Psicossocial; Sistema Único de Saúde.

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Entre o passado e o futuro

O relato de uma experiência de estágio supervisionado em psicologia num CAPS da

cidade do Recife

O presente trabalho se refere à discussão de nossa experiência de estágio supervisionado num

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da Região Metropolitana do Recife. Durante

aproximadamente um ano de vivência nesta Unidade de Saúde, tivemos a oportunidade de

acompanhar o cotidiano deste serviço de atenção à saúde mental e, através do suporte teórico-

metodológico, construir um olhar crítico sobre o fazer psicológico dentro do contexto da

Saúde Pública e do Sistema Único de Saúde. Esse relatório traz as reflexões que a vivência de

estágio nos oportunizou e, mais do que a proximidade com a experiência da crise e do

sofrimento psíquico, objetiva abordar a influência das relações/condições de trabalho na

construção teórico-prática desse serviço e, conseqüentemente, nosso papel na promoção do

cuidado em saúde mental nesses serviços ditos substitutivos.

Palavras-chave: estágio; Centro de Atenção Psicossocial; Sistema Único de Saúde.

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Entre o passado e o futuro

O relato de uma experiência de estágio supervisionado em psicologia num CAPS da

cidade do Recife

Autora: Suzana Santos Libardi

Professor orientador: Benedito Medrado-Dantas.

(não há professores da banca examinadora, colegiado do curso é que avalia)

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1. INTRODUÇÃO:

A constituição da Psicologia como profissão é considerada, historicamente, um fato recente

no Brasil e se formalizou com a Lei 4.119 de 1962 que dispõe sobre os cursos de formação

em psicologia e regulamenta a profissão do Psicólogo. Na concepção da função e dos locais

de atuação desse profissional a Lei transparece, a meu ver, o momento sócio-histórico da

construção identitária dessa profissão no país: a utilização de instrumentos quantitativos de

mensuração relacionados aos campos clássicos de atuação do profissional de Psicologia (a

saber: escola, hospital, organizações e consultórios clínicos). Durante uma determinada fase

do percurso de construção do saber/fazer Psi, esses campos representaram os investimentos de

caráter acadêmico e profissional da Psicologia, mas avaliamos que, atualmente, essa divisão

esquemática não contempla todas as formas/lugares de inserção desse profissional. O trabalho

na elaboração de Políticas Públicas e a atuação nos diferentes equipamentos do Sistema Único

de Saúde (SUS), por exemplo, são campos de inserção que, como tantos outros, não são

contemplados quando se caracteriza a Psicologia exclusivamente pela instituição onde ela se

insere (Psicologia Escolar para o trabalho desse profissional em escolas, por exemplo).

No campo de minha experiência de estágio (a atenção à saúde mental no contexto do SUS)

por sua vez, a Psicologia Clínica da qual lancei mão esteve diretamente conectada à

Abordagem Psicossocial, mas, por essa perspectiva teórica e pelo contexto onde se insere, seu

fazer cotidiano teve de ser consonante com os princípios do SUS, com uma atuação

interdisciplinar e em rede, com a desinstitucionalização da Loucura e, entre outros fatores,

com a concepção de “Clínica Ampliada” – como será discutido mais adiante.

Diante desse contexto, me lancei o desafio e nesse relatório apresento a síntese dessa

experiência que foi sistematizada nesse documento de forma individual, mas que será, a partir

de agora, narrada na primeira pessoa do plural porque se refere às atividades desenvolvidas

em conjunto com profissionais e usuários da instituição e reflexões e discussões elaboradas

em parceria com colegas de formação. Esse relatório, portanto, se refere prioritariamente a um

recorte de minha trajetória de formação que tive, desde o primeiro momento, contribuições de

muitas outras pessoas que serão simbolicamente representadas pelo “nós” implícito a todo

momento.

Cabe-nos explicitar que nosso relatório objetiva organizar nossa experiência de estágio e, de

maneira específica, descrever as atividades desenvolvidas articulando-as com nossa

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Abordagem teórico-metodológica e problematizar a nossa aproximação com a experiência da

Loucura vivida pelos usuários, bem como, a partir das contingências de nosso campo de

estágio, analisar a influência das relações e condições de trabalho sobre a atenção oferecida no

serviço e, consequentemente, na implementação dessa Política Pública.

2. ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

Nosso relatório de estágio pretende trazer reflexões sobre nossa experiência do lidar com a

Loucura nos tempos atuais: a assistência oferecida pelos Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS), na cidade do Recife, como um dos serviços ditos substitutivos ao modelo de

Psiquiatria Clássica que foram propostos pelo movimento de Reforma da Psiquiatria no

Brasil. Diante desse momento histórico em que nos localizamos e que em muito nos

determina, avaliamos que uma breve retomada sobre a História da Loucura se apresenta

suficiente para localizar nosso campo de intervenção e, porque por vezes, termina por se

tornar um tanto repetitiva haja vista a grande quantidade de trabalhos que fazem esse mesmo

percurso. Acreditamos que nosso papel como atores sociais de nosso tempo é investir energia

na problematização dos discursos e práticas ditos antimanicomiais, não para desfazer

conquistas desse movimento, mas para sinalizar fraquezas, identificar desafios, contribuir

para seus avanços. Passemos primeiramente, portanto, à mencionada retomada histórica.

2.1. A Loucura na História

À época clássica, a Loucura não recebia atenção especializada e, juntamente com outras

´´mazelas sociais`` tinha na desrazão o único critério para justificar a clausura e o isolamento

(Amarante, 1995). Loucos, leprosos, prostitutas, ladrões, vagabundos, desordeiros - tudo que

àquela época era tido como “desprovido de racionalidade” - recebiam o mesmo ´´tratamento``

e as Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Gerais foram as instituições que materializaram

tal mecanismo de isolamento social. Segundo Amarante (op.cit.), nessa fase não podemos

falar ainda em patologias ou qualquer outro componente que represente hoje o tratamento ao

louco, nem mesmo os mais arcaicos, a saber: compreensão de doença mental, conceito de

Hospital Psiquiátrico, medicalização, etc.

A nosso ver, concordamos com o autor sobre a não existência propriamente dita da psiquiatria

e do “doente mental” nessa fase da História, mas, certamente, podemos falar da construção de

uma dinâmica social de natureza excludente que não tinha dificuldade para identificar aqueles

que eram tidos como loucos. Foucault, citando Boissier de Sauvages, diz que “as pessoas de

razão sadia têm tamanha facilidade em reconhecê-lo [referindo-se ao louco] que mesmo os

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pastores sabem quais de suas ovelhas foram atingidas por semelhantes doenças” (Boissier de

Sauvages, 1772, p.33 citado por Foucault, 2005, p.181) e clarifica a concepção que se tinha de

Loucura a essa fase da História quando diz que “(...) Na própria medida em que não sabemos

onde começa a loucura, sabemos, através de um saber quase incontestável, o que é o louco”

(Foucalt, 2005, p.181).

Foi com a ferramenta da internação, na segunda metade do século XVIII, que a Loucura

começou a ser identificada por características específicas e passava a se diferenciar de “outras

mazelas sociais”. É aí que a alienação, segundo aquele primeiro autor, passou a ser critério

considerado capaz de distingui-la e, portanto, dar os primeiros passos para a construção de

quem era o louco, de qual forma a sociedade iria lidar com ele e, obviamente, a qual

saber/poder caberia, em nome de todos nós, executar a tarefa da exclusão.

A Loucura passou a ser concebida como uma doença de origem moral, e as contribuições de

Pinel representavam uma justificativa para que fosse atribuído ao isolamento um sentido

´´terapêutico``. A partir daí, foi possível a observação dos comportamentos dentro do

internamento, a reprodução e multiplicação destes, sua sistematização, até a concepção do que

compreendemos hoje por Sintomas da doença. Observamos que, enquanto a experiência

humana da Loucura vai sendo “organizada” e sistematizada, a instituição hospitalar

psiquiátrica se concretiza como o “locus de manifestação da verdadeira doença” (Amarante,

1995 ,p.26) e de reclusão moral. Pinel salta do modelo de casas de reclusão para a medicação

nos/dos hospitais a partir de um referencial biologista do séc.XIX.

Os asilos pinelianos foram, apesar dos avanços que representavam para o saber/poder

psiquiátricos, muito criticados e as colônias de alienados apresentadas como modelo

alternativo para o reestabelecimento do mínimo de liberdade por que funcionava de maneira

semi-aberta. Mesmo assim, Amarante (1995) analisa que o modelo das Colônias vem para

atualizar o poder psiquiátrico e abafar as críticas que começam a eclodir - não mais se

diferenciando dos asilos a que vieram inicialmente reformar.

Ao longo da História, o modelo de atenção psiquiátrica vem, segundo Amarante (1995),

desenvolvendo-se cada vez mais a um estado de crise – tanto no que diz respeito às bases

teóricas desse campo do conhecimento, como também à eficácia prática de seu modelo de

intervenção. Segundo Arendt (1992), o estado de crise em relação a algum construto social

(no caso o modo de Psiquiatria Clássica) ocorre quando os Homens não obtém sucesso ou se

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negam a dar respostas e é, nesse lugar, que haverá ausência dessas respostas (nesse caso,

falamos da ineficácia dos métodos da Psiquiatria Clássica e da mudança do seu objetivo de

passar do tratamento da doença para a promoção de saúde mental). Dá-se então o

desmoronamento, a crise. É nesse estado que a crise possibilita que retomemos questões

mesmas e buscar, assim, respostas novas ou velhas. No caso da “crise da Psiquiatria

Clássica”, podemos dizer que o tratamento oferecido aos ditos loucos foi a questão retomada

e a proposta antimanicomial a resposta à crise que, naquele momento histórico, foi o novo –

visto que representava uma mudança radical na concepção e no lidar com a loucura.

Sobre o papel que as instituições psiquiátricas asilares desempenharam e a herança histórica

que nos deixaram, Amarante (1995) nos diz que “o que talvez sugira a confirmação de que

sua [referindo-se ao modelo clássico de psiquiatria] validação social está muito mais nos

efeitos de exclusão que opera, do que na possibilidade de atualizar-se como um modelo

pretensamente explicativo no campo da experimentação e tratamento das enfermidades

mentais” (op.cit., p.26). Dessa forma, podemos apreender que para além do tipo de tratamento

e do saber científico que legitimava(legitima) a prática médica clássica, ela estava(está) a

serviço, entre outras coisas, da exclusão social na medida em que se concretiza como um de

seus mecanismos.

A privação da liberdade a que os hospitais, asilos e colônias submetiam seus usuários, somado

aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que estavam em vigor, colaboraram para que

o período pós-guerra se constituísse como o momento sócio-histórico para a eclosão da

Reforma Psiquiátrica (Amarante, 1995). A crítica de que o confinamento desrespeita os

direitos dos sujeitos em situação de crise eclodiu reflexões que questionavam esse tipo de

modelo assistencial e a perspectiva psiquiátrica que a sustentava (sustenta). Temos, em

decorrência disso, o que se chama de ´´Psiquiatrias Reformadas`` que contribuíram de

diferentes maneiras para esse movimento de crítica ao poder/prática manicomiais; foram elas:

´´(...) a psicoterapia institucional e as comunidades terapêuticas, representando as reformas

restritas ao âmbito asilar; a psiquiatria de setor e a psiquiatria preventiva, representando um

nível de superação das reformas referidas ao espaço asilar(...)``(Amarante, 1995, p.27). Cada

uma dessas reformas problematizou até um dado alcance o tipo de tratamento, mas que, de

fato, só foram radicalmente criticados com a ruptura proposta pela Antipsiquiatria e as

experiências de Franco Basaglia na Itália, pois este não se restringiu apenas a humanizar as

relações dentro dos hospitais.

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O movimento da antipsiquiatria surgiu na Inglaterra da década de 60 e se concentrou muito

nas expressões da esquizofrenia porque é em torno desse transtorno que o tratamento

psiquiátrico clássico não dava respostas expressivas (Amarante, 1995). Dessa forma, a

Antipsiquiatria veio romper com aquilo que era (é) adotado como uma certeza: a loucura é um

estado de enfermidade mental de base biológica e que compõe o campo de

investigação/intervenção da medicina psiquiátrica. Esse movimento (curiosamente

desenvolvido, inicialmente, por um grupo de psiquiatras) desloca o foco da produção da

loucura dos cérebros dos indivíduos para a relação dos sujeitos sociais entre si e destes com as

instituições. A Loucura passou a ser concebida como uma produção social, um fato político

(op cit).

Fala-se aqui, portanto, de uma concepção diferenciada de ser humano, relações sociais e

institucionais que critica profundamente a forma como o discurso científico constituiu a

psiquiatria como campo de saber (delegando-a uma série de poderes) e justificou (justifica) as

violações cometidas contra os direitos das pessoas ditas loucas. Para o movimento da

Antipsiquiatria interessava desfazer o lugar que aquela ciência ocupava (ocupa) na explicação

do fenômeno da Loucura, sua transformação em doença e métodos de tratamento.

Dentro da esfera de aplicação prática desse novo paradigma, a experiência italiana liderada

por Basaglia é uma referência mundial e para a Reforma Psiquiátrica Brasileira também. A

principal e mais difundida experiência basagliana se concretizou no manicômio de Gorizia

nos anos 60 e depois na cidade de Trieste em 70 e serviu de base para não mais pensarmos

num hospital humanizado, mas para repensar a existência desse Hospital e das organizações

das relações de poder entre médico e paciente e, mais especificamente, de submissão desse

segundo em relação àquele primeiro.

A contribuição italiana foi de grande relevância para a Reforma Psiquiátrica brasileira que

teve suas primeiras experiências na cidade de Santos, São Paulo (VIEIRA FILHO, 1998). A

partir daí os serviços criados para a nova ordem em saúde mental no âmbito da saúde pública

são os considerados substitutivos porque foram criados como modelos para substituir o

tratamento até então vigente (sob o modelo asilar, hospitalocêntrico, fundamentalmente

medicamentoso, centrado no poder médico psiquiátrico) e contribuir para a

desinstitucionalização da Loucura. Por essa expressão compreende-se que (...)“o contexto da

desinstitucionalização não é unicamente entendido como descentralização e desospitalização

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do atendimento em saúde mental, Mas, essencialmente um experiência de desconstrução do

saber e poder tradicional do clínico” (VIEIRA FILHO, 1998, p.37).

Sobre a distinção entre desinstitucionalização e desospitalização, Amarante (1995) diz que “ (...) desinstitucionalizar não se restringe e nem muito menos se

confunde com desospitalizar, na medida em que desospitalizar

significa apenas identificar transformação com extinção de

organizações hospitalares/manicomiais. Enquanto desinstitucionalizar

significa entender instituição no sentido dinâmico e necessariamente

complexo das práticas e saberes que produzem determinadas formas

de perceber, entender e relacionar-se com os fenômenos sociais

históricos” (op.cit., p.49).

Dentro das relações de cuidado e atenção em saúde mental ‘desinstitucionalizantes‘ da

Loucura, os serviços substitutivos, entre eles os CAPS, se propõem a fazer uma clínica

Psicossocial e, portanto, a intervenção se dá não somente na esfera biológica - como

faziam/fazem os manicômios quando adotam exclusivamente a reclusão e o tratamento

medicamentoso como instrumentos terapêuticos.

2.2. A Clínica Psicossocial no CAPS

A partir da leitura crítica sobre a história da Loucura e adoção dos princípios e diretrizes da

Reforma Psiquiátrica, os CAPS se propõem a intervir no mecanismo social de produção da

Loucura. Segundo a cartilha elaborada pelo Ministério da Saúde intitulada “Clínica Ampliada,

Equipe de Referência e Projeto Terapêutico Singular” (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2007), “(...) não são poucas as situações em que o adoecimento é causado ou agravado por

situações de dominação e injustiça social” (op.cit., p.13).

A despeito do termo “adoecimento” usado na citação para a clínica em saúde mental, é

refletida a perspectiva de ruptura com os modelos asilares/manicomiais e representa a clínica

que o CAPS deve intervir. Cabe à intervenção dos CAPS, percebendo o usuário como aquele

cidadão que tem, entre outras coisas, direito à saúde (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE,

1990), “(...) não assumir como normal estas situações [referindo-se àquelas situações de

dominação e injustiça social], principalmente quando comprometem o tratamento” (BRASIL,

MINSTÉRIO DA SAÚDE, 2007, p.14).

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Inserido dentro do SUS, o papel dos CAPS é de, em articulação com outras Unidades de

Saúde (US) e/ou equipamentos de outras Secretarias, cumprir sua responsabilidade sanitária,

ou seja, promover o cuidado e ser referência em saúde mental para a população residente

numa determinada área da cidade, num dado território – que no caso de nosso estágio, como

será retomado mais adiante, corresponde ao Distrito Sanitário V (DS V).

Dentro de um modelo de ação interdisciplinar e antimanicomial, desenvolver ações

intersetoriais com a Atenção Básica (AB) em saúde dentro ou fora de suas dependências para

a promoção da saúde e da cidadania desses sujeitos, seriam iniciativas que se aproximam

daquilo que o Lancetti (2006) denomina por CAPS Turbinado e, para tanto, os profissionais

devem adotar perfil “(...) polivalente que deve levar em consideração a mobilidade dos papéis

que assume (...) e a interdisciplinaridade do saber co-construído com diferentes atores sociais”

(VIEIRA FILHO, 1998, p. 37).

Para dar conta de seus objetivos, o CAPS adota metodologias consonantes com o modelo de

atenção de uma Clínica dita Ampliada que valoriza as ações que ofertam cuidado aos usuários

em crise, e pretende inserí-los (em substituição à exclusão) numa rede de relações

comunitárias/familiares/sociais, produzindo fins terapêuticos - benefícios clínicos referentes à

remissão dos sintomas psiquiátricos, melhor convívio com o transtorno psíquico, retomada de

seu projeto de vida, reorganização das relações familiares e comunitárias.

Dessa forma, a Abordagem Psicossocial busca conhecer o sofrimento psíquico dos sujeitos

em relação fundamental com o meio em que ele se insere. A nosso ver, essa concepção se

refere aos lugares que esses usuários vêm ocupando na estrutura de nossa organização social

e, a partir daí, quais as relações que vêm ameaçando a garantia de seus direitos, excluindo-os

(BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004), e contribuindo para a construção de “sua

loucura” (AMARANTE, 1995; BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007; FOUCAULT,

2004).

De acordo com a Abordagem Psicossocial, esse caminho a fim de promover/assistir a saúde

mental pode ser percorrido através da utilização do instrumento de psicoterapia individual

(VIEIRA FILHO, 1998), mas, com o contexto do SUS e das limitações que os profissionais

de Psicologia lidam cotidianamente, ela não vem sendo institucionalmente adotada em todos

os CAPS na cidade do Recife. De acordo com a portaria n°336/2002 (BRASIL,

MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) - que assegura alguns direitos das pessoas portadoras de

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transtorno mental e institui os CAPS e seus diferentes tipos e níveis de assistência-, a

psicoterapia individual está incluída como uma das atividades a serem oferecidas. Essa

afirmação, portanto, nos diz que: assim como tantas outras atividades listadas na portaria, elas

representam para nós um conjunto dos instrumentos que, regulamentados por esse

documento, devem ser oferecidos nos CAPS, mas na prática nem sempre o são em sua

totalidade.

Cabe lembrar, por outro lado, que os CAPS são, pela “natureza” de sua concepção, US que

estão inseridas na rede de equipamentos do SUS e, a exemplo de algumas policlínicas e

hospitais gerais que oferecem esse serviço, são referenciadas para o usuário beneficiar-se do

acompanhamento psicoterápico individual.

Atualmente os CAPS trabalham fundamentalmente com atividades em grupo que objetivam

desenvolver diferentes aspectos/habilidades/capacidades dos usuários e são conduzidas por

diferentes profissionais de sua equipe técnica – como serão exemplificados no capítulo da

descrição das Atividades Desenvolvidas. É através da troca de vivências e construção coletiva

de sentidos sobre a experiência (de exclusão) da Loucura que esses sujeitos podem

resignificar esses processos e investir em si através do seu “tratamento” (ZIMERMAN &

OSÓRIO, 1997).

O caráter dialógico (VIEIRA FILHO, 1998) que a Abordagem Psicossocial preconiza para a

relação do profissional de saúde com o usuário é, inserido ou não num processo psicoterápico

individual, outro conceito fundamental porque “(...) o que se almeja é uma dialógica

permanente onde o saber do cliente não deve ser sufocado pelo do profissional e que uma

síntese dialética seja possível” (op.cit., p.41) para a construção de uma parceria entre usuário1-

serviços de saúde-família-comunidade na concepção e encaminhamento do Projeto

Terapêutico Singular (PTS)2 daquele primeiro ator social, o dito louco.

Compreendemos que o trabalho do profissional de Psicologia no CAPS se direciona ao

cuidado dos usuários enquanto sujeitos sociais (Barus-Michel, 2004) e, em mesma

1 Na Abordagem Psicossocial, a contratualidade (Saraceno, 1999) é um conceito fundamental para que se dê qualquer processo terapêutico: o usuário precisa estar disposto a investir na transformação de sua forma de estar no mundo/se organizar psiquicamente; e dessa forma, se valoriza a autonomia e estimula o exercício da cidadania do usuário. 2 Por PTS compreendemos “(...) um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessário. (...) No fundo é uma variação da discussão de ‘caso clínico’” (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007, p.40).

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importância, à transformação da cultura de institucionalização da Loucura. Por isso nos

dedicamos a observar e vivenciar em nosso estágio a Abordagem Psicossocial e o olhar

clínico sobre os processos institucionais de circulação do poder nas relações interpessoais

(Foucault, 1979) – pois acreditamos que na medida em que as relações de trabalho não forem

consonantes com a visão de mundo e os princípios antimanicomiais, o CAPS permanecerá, a

partir dessas relações, institucionalizando a loucura porque “(...) a resposta terapêutica é

influenciada pelo contexto institucional” (VIEIRA FILHO, 1998, p.41).

3. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

3.1. Apresentação do local e condições nas quais a atividade de estágio aconteceu

Antes de descrevermos as atividades desenvolvidas no estágio, faz-se necessário a

caracterização do CAPS e do “serviço” de Psicologia oferecido na instituição. Localizada

num determinado Distrito Sanitário3 da Cidade do Recife, essa US é, na média complexidade,

uma das referências em atenção e cuidado à saúde mental para 16 bairros e, aproximadamente

260 mil habitantes da região – o equivalente a pouco mais de 17% do total da população do

Recife (RECIFE, 2006).

Segundo o Projeto Terapêutico4 do CAPS, sua intervenção é dividida em três grandes eixos:

Assistência à pessoa com transtorno psíquico em momento de crise e/ou com necessidade e

suporte especializado; Ação Avançada em saúde mental junto às equipes de AB do Programa

de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde e o acompanhamento à

Residência Terapêutica5. Através dessas três esferas de intervenção é que o serviço poderá,

em articulação com outros equipamentos da rede de saúde e de apoio social do DS, elaborar

estratégias concretas de inserção social do cidadão em crise psíquica em sua comunidade.

Para que essa missão se concretize, a equipe de técnicos do CAPS é composta, atualmente,

por um total de seis profissionais de nível superior ligados diretamente à assistência – entre

psicólogas, terapeutas ocupacionais, enfermeiras, médicos psiquiatras6 e assistentes sociais -,

3 Para efeito de planejamento e gestão, a Cidade do Recife é dividida em seis Regiões Político-Administrativas (RPA´s). Na área da saúde, as RPA´s correspondem aos Distritos Sanitários (DS´s) – sendo que cada uma se subdivide em outras três micro-regiões – que concretizam, a nível municipal, o princípio e diretriz do SUS da descentralização das ações de atenção à saúde (BRASIL, 1990). 4 Documento elaborado em 2004 por toda a equipe de técnicos do serviço e sistematiza a proposta de intervenção desse CAPS e que, em nossa primeira parte do estágio, estava sendo rediscutido e reelaborado coletivamente. 5 Modalidade de cuidado às pessoas com longa história de internação psiquiátrica. 6 Vale à pena ressaltar a ausência do profissional de psiquiatria durante toda a primeira metade do estágio. Durante esse período as gerências do CAPS se articulavam provisoriamente com profissionais de outras

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cinco de nível médio e três de nível elementar. Esses dois últimos se dedicam ao cuidado da

infra-estrutura da unidade e de sua porção administrativa e toda essa equipe é coordenada por

três gerências – administrativa, clínica e geral. Cada um desses profissionais de nível superior

é responsável pela condução de algumas das atividades individuais (acolhimento/triagem,

atendimentos individuais, atendimentos à família) e coletivas (realização de diferentes tipos

de grupos, oficinas ou atividades lúdicas) desenvolvidas no serviço que objetivam fins

terapêuticos. Dessa forma, avaliamos que não podemos nos referir ao nosso estágio como

uma experiência dentro do “serviço de psicologia do CAPS”, mas sim dentro de uma

instituição de atenção à saúde mental do SUS que deve funcionar de maneira interdisciplinar.

Isso não significa dizer, entretanto, que o profissional de psicologia e, consequentemente o

nosso estágio, é de igual atuação à quaisquer outras especialidades técnicas da equipe. Essa,

na maioria das vezes, é, a nosso ver, uma forma equivocada de referir-se às práticas

interdisciplinares.

Para nós7, a interdisciplinaridade, mais do que uma metodologia de trabalho, representa uma

escolha política e ideológica que, em consonância com os valores da Reforma Psiquiátrica,

vem destituir a idéia de sobreposição de um saber sobre o outro, vem construir

cotidianamente os sentidos de uma práxis horizontal em substituição à vertical (SPINK,

2003). Trabalhar interdisciplinarmente, pelo menos no campo do ideal, significa estar aberto

às contribuições de outras áreas de saber (sistematizado ou não) para, através da troca entre

diversos campos, promover uma atenção integral aos sujeitos sociais em crise. Dessa forma,

portanto, o psicólogo dentro dessa instituição executa atividades que, por exemplo, são

também desenvolvidas pela terapeuta ocupacional ou enfermeira, mas o manejo, o fazer e a

escuta serão sempre “psicológicos” - já que o conhecimento que embasa tais ações e o olhar

do profissional são relacionados à Psicologia.

O cenário físico onde a experiência de estágio se desenvolveu foi uma casa alugada pela

Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) desde 2004 que garante, mesmo que de maneira

insatisfatória, a infra-estrutura mínima para o desenvolvimento de todas as atividades

oferecidas. Contamos com: um quarto de descanso com 4 camas, três banheiros para usuários,

um banheiro para os técnicos e estagiários, uma sala para a equipe técnica, uma sala das

gerências, uma sala de atendimento individual, três salas para realização de grupos, uma US para suprir tal demanda mas não pudemos deixar de registrar as conseqüências negativas que ocorreram em relação ao serviço como um todo e, principalmente, aos usuários. 7 Fortemente inspirados por Ana Elizabeth (psicóloga do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem - CPPL) em palestra promovida na primeira metade do estágio pelo Departamento de psicologia desta Universidade.

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recepção, dois terraços, uma piscina (que permaneceu todo o tempo desativada), uma

farmácia, uma serigrafia, um quintal grande com várias árvores, uma cozinha e uma sala de

estar com televisão. Apesar de ser uma casa grande, o fato de ser um ambiente bastante

escuro, com pouca iluminação natural e ventilação, termina por não conseguir se concretizar

como um espaço agradável de permanecer só um turno, por exemplo. Na tentativa de superar

essas dificuldades, é utilizado o espaço externo (que nos referimos como o quintal da casa)

que oferta um ambiente bem mais propício a quaisquer atividades, mas, por outro lado, não dá

conta de toda a demanda do serviço.

Toda essa estrutura é disponibilizada, atualmente, a um total de aproximadamente 70 usuários

que se distribuem de acordo com o perfil sintomatológico e sua situação existencial do

usuário em duas8 modalidades terapêuticas (ou tipos de cuidado):

- Intensiva: acolhe os usuários que se localizam num estado de sofrimento mais agudo e que,

por diversos fatores, apresentam comprometimento de sua vida pessoal, social e/ou familiar,

nível de autonomia, de auto-cuidado e crítica bastante diminuídos ou mesmo inexpressivos.

Esta modalidade de tratamento se subdivide em “Intensivo Dia” – e, nesse caso, os usuários

participam das atividades oferecidas pelo serviço ao longo dos dois turnos nos cinco dias úteis

da semana – e “Intensivo Manhã” ou “Intensivo Tarde” – quando freqüentam o CAPS cinco

vezes por semana no turno da manhã ou no turno da tarde.

- Semi-intensiva: os usuários que têm PTS nesta modalidade se apresentam em estado “menos

grave” do que o anterior porque, entre outros fatores, preservam vínculos

afetivos/familiares/sociais, parcial nível de autonomia, independência e capacidade de auto-

gestão. Podemos dizer também que há expressão menos intensa dos sintomas psiquiátricos ou,

em outros casos, a convivência com esses sintomas (alucinações, por exemplo) é alvo de

alguma crítica e de investimento do usuário. Essa modalidade se subdivide em “Semi Terça e

Sexta” e “Semi Segunda e Quinta”; nomenclatura que já indica os dois dias na semana de

participação das atividades do CAPS, sendo no turno da manhã ou no turno da tarde.

3.2. Descrição do trabalho: relatando o desenvolvimento das atividades junto aos

usuários

Seguindo a instrução de nosso Prof°Orientador, elaboramos semanalmente um Relatório das

atividades realizadas (cujo modelo está em anexo n°1) que nos auxiliaram na identificação

das suas características e, de acordo com esse perfil, foram aglutinadas em “tipos” diferentes

8 Havia uma terceira modalidade, a “Não-intensiva” que não esteve em funcionamento e, mesmo no contexto de rediscussão do serviço, não conseguiu ser reimplementada.

Page 14: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

141

para que pudessem ser esquematicamente descritas nesse Relatório, relacionadas com nossa

Fundamentação Teórico-Metodológica e nossos objetivos anteriormente organizados em

nosso Plano de Estágio. Temos, a seguir, descrição quantitativa organizada de maneira sucinta

no quadro abaixo (referente a todo o período do estágio). Segue agora a descrição qualitativa

das atividades desenvolvidas no estágio que se concentraram majoritariamente no cuidado ao

portador de sofrimento psíquico dentro das dependências do CAPS.

Perfil das Atividades Total9 Perfil das Atividades Total

Atividades junto aos usuários Atividades de supervisão e

estudo

Sessões de observação de grupo

(Grupo “Movimento”)

Sessões de Supervisão no CAPS

Nº de atividades 2 Nº de atividades 18

Nº de horas 3hs Nº de horas 18hs

Sessões de observação e co-

facilitação de grupo

(Grupo “Bom Dia”)

Sessões de Orientação na UFPE

e Seminários de Estágio

Nº de atividades 23 Nº de atividades 25

Nº de horas 11h30min Nº de horas 75hs

Sessões de co-facilitação de grupo

(Grupo “Situação”)

Reuniões de Equipe / Supervisão

Institucional

Nº de atividades 10 Nº de atividades 29

Nº de horas 15hs Nº de horas 145hs

Sessões de co-facilitação de grupo

(Reunião de Família)

Elaboração de Relatórios

Nº de atividades 12 Nº de atividades 16

Nº de horas 24hs Nº de horas 24hs

Sessões de co-atendimento

individual à família

Participação em eventos

(ex:palestras)

Nº de atividades 9 Nº de atividades 9

Nº de horas 6hs45min Nº de horas 28hs

9 A carga horária contabilizada aqui como “Total” se refere ao total de horas de estágio (660hs) sistematizada dentro dessas atividades, mas não contemplam, por exemplo, o tempo que investimos no contato/convívio com os profissionais e usuários do serviço.

Page 15: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

151

Sessões de atendimento individual

(conversAÇÃO / escuta)

Nº de atividades 105

Nº de horas 34hs40mi

n

Sessões de co-facilitação de

Oficina Terapêutica

Nº de atividades 16

Nº de horas 32hs

Sessões de co-facilitação de

Passeios Terapêuticos

Nº de atividades 7

Nº de horas 21hs

Elaboração de Laudos

Nº de atividades 4

Nº de horas 2hs

Turnos de co-Acolhimento /

Triagem

Nº de atividades 16

Nº de horas 48hs

Registro escrito das Atividades

em Grupo (Reunião Família,

“Situação”,“Oficina Terapêutica”

e “Passeio Terapêutico”)

N° de atividades 40

Nº de horas 20hs

Registro escrito da “Evolução”

dos usuários

N° de atividades 31

Nº de horas 31hs

Atividade-Extra: Visita

Domiciliar

N° de atividades 1

Nº de horas 3hs

Page 16: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

161

Atividade-Extra: Elaboração de

Projeto de Supervisão

N° de atividades 2

Nº de horas 8hs

3.2.1. Descrição do trabalho: Observação e co-facilitação de atividades grupais: A maior

parte das atividades oferecidas aos usuários do serviço são realizadas em grupo e buscam

oferecer um espaço de relaxamento, escuta e construção de discursos sobre o sofrimento

psíquico. Foram com essas atividades que mais nos envolvemos durante o período de estágio

(pontualmente: Grupo Movimento; de forma sistemática: Bom Dia, Reunião de Família,

Grupo Situação, Oficinas Terapêuticas e Passeio Terapêutico). Com objetivos diferentes,

cada um dos Grupos oferecidos por essa US adota metodologias diversas e, por isso, nossa

participação se deu como observadora, co-facilitadora – a depender das características do

Grupo em questão e do nosso avançar do estágio.

Um dos Grupos que é realizado nesse CAPS é chamado de “Bom Dia” e tem a tarefa de fazer

o acolhimento aos usuários que estão naquela manhã no CAPS, apresentar as atividades que

vão acontecer e abrir o espaço de fala para quaisquer pessoas colocarem na roda alguma

mensagem que avaliem ser inspiradora para si e para os outros. Nesse Grupo, participamos

inicialmente10 como observadora e depois como co-facilitadora e, mesmo sendo um grupo de

realização breve, acreditamos que ele pode ter destacado papel se relacionar-mos sua tarefa

com o princípio do SUS de acolhimento – prática de não só receber os usuários do serviço,

mas acolher sua demanda de sofrimento e, já nesse primeiro contato (que, no caso do Grupo

em questão é realizado diariamente), poder investir no vínculo usuário - CAPS e, a partir daí,

estabelecer o cuidado ao sujeito (GOMES & PINHEIRO, 2005).

Além disso, avaliamos que nossa participação nesse grupo nos possibilitou ter uma percepção

geral “das pessoas que estão na casa”, com qual grupo vamos trabalhar naquela manhã. Por

outro lado, não podemos deixar de registrar que a equipe do CAPS repensou durante algum

tempo a existência e metodologia dessa atividade porque, muitas vezes, ela não consegue

atingir esse objetivo, mas pouca ou nenhuma mudança se deu. Acreditamos que as sugestões

(por exemplo: participação não só dos usuários, mas de todas as pessoas que estão na “casa”)

10 Na ocasião da elaboração do plano de estágio, acordamos que, na primeira parte, acompanharíamos e co-facilitaríamos as atividades que nossa supervisora tivesse responsabilidade direta e, na segunda parte do estágio, circularíamos por outras atividades que ela não está diretamente envolvida; incluindo o acompanhamento a intervenções da Ação Avançada, por exemplo.

Page 17: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

171

que já foram apresentadas nas Reuniões de Equipe possam contribuir diretamente para a

potencialização dessa atividade e ela possa, de fato, acolher seus usuários e instigá-los à

participação.

Sempre como observadora, participamos duas vezes do Grupo “Movimento”; facilitado por

um educador físico do Programa da Academia da Cidade da PCR que vem uma/duas vezes

por semana ao CAPS exclusivamente para facilitar essa atividade. Tal Grupo tem o objetivo

de promover a melhoria da qualidade de vida através do exercício físico e interação entre os

usuários numa situação de jogos cooperativos/lúdicos/educativos. Nossa participação nessa

atividade se deu pontualmente quando estávamos no segundo mês de estágio e nos

possibilitou, pela primeira vez, interagir com os usuários através de uma outra linguagem que

não a falada, a linguagem do corpo. Nesse sentido, nossa co-facilitação das Oficinas

Terapêuticas foram também uma oportunidade para experenciarmos esse recurso do uso das

outras linguagens.

Realizadas a partir da segunda metade do estágio todas às quartas-feiras pela manhã, essa

atividade promovia a concentração da atenção e energias dos usuários em torno de uma tarefa

manual de confecção de algum objeto (chaveiro, cartazes, pintura em tecido, cestas de jornal).

Através da concretização da tarefa e da peça confeccionada trabalhamos o desenvolvimento

das capacidades dos participantes não só em torno daquela habilidade manual específica, mas

do aprendizado de que todos nós somos capazes de continuar produzindo e desenvolvendo

nossas aptidões – daí o caráter terapêutico dessa atividade. As Oficinas eram co-facilitadas

por nós em parceria com a artesã e auxiliar de enfermagem do CAPS e posteriormente com

uma enfermeira da instituição.

Foi diante da leveza e prazer que os participantes demonstravam durante o Grupo

“Movimento” e a Oficina Terapêutica que pudemos, nessa oportunidade, refletir também

sobre o quanto nosso estágio se concentrou nos discursos sobre o padecer psíquico, sobre a

doença. Habituada a participar de Grupos onde os discursos sobre a crise tomavam todo o

cenário (caso do Grupo Situação que será descrito mais adiante), avaliamos que o Grupo

“Movimento” e a Oficina, puderam nos atentar para a importância de estimularmos os

usuários a investirem energia (física e psíquica) em outras esferas da sua vida que lhe dão

prazer e os dão suporte, inclusive, para lidar com o sofrimento mental. Acreditamos que essa

atividade atingiu um dos objetivos específicos de nosso estágio de conhecer metodologias que

Page 18: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

181

contribuam para a diminuição do sofrimento psíquico e colaborem na promoção da saúde

integral (MATTOS, 2004) dos usuários do serviço.

Nossa supervisora direta também foi nossa parceira na facilitação de grupo com os usuários

ou seus familiares. Segundo o Projeto Terapêutico desse CAPS, o Grupo “Situação” tem o

objetivo de proporcionar um espaço para a avaliação individual e grupal do tratamento e

fortalecimento da responsabilidade desses sujeitos para consigo e com o outro em relação ao

tratamento. Para isso, segundo esse mesmo documento, seria adotada a metodologia de um

Grupo Operativo que se caracteriza como uma atividade que se processa em torno de uma

tarefa (a discussão de um determinado tema, por exemplo) e que objetiva, a partir dos

discursos individuais e grupal, elaborar um agir para ser operacionalizado (BLEGER, 1980).

A troca de experiências dos usuários dentro de um grupo com metodologia operativa tem o

objetivo de, necessariamente, encaminhar o facilitador para, junto com o grupo, elaborar

formas de concretizar o produto elaborado pelo grupo. Na primeira metade do estágio,

todavia, percebemos que os facilitadores desenvolveram o papel de propiciar um espaço em

grupo de fala livre sobre o “tratamento”, mas isso não foi realizado em torno de uma tarefa e

nem veio sendo encaminhado para um produto a ser concretizado e, dessa forma, não se deu

sob a metodologia Operativa – crítica que, a nosso ver, que foi compartilhada por toda a

equipe do CAPS; já que, em Reuniões de Equipe, foi discutida a implementação de grupos

com essa metodologia no serviço através da reformulação que fez com que no estágio II não

existisse mais os Grupos Situação, mas sim os Grupos Operativos no seu Quadro de

Atividades.

Independentemente da questão metodológica, entretanto, avaliamos que essa atividade

contribuiu para a nossa aproximação da experiência da loucura. Foi no Grupo “Situação” que

participamos de uma discussão entre os usuários sobre a discriminação que de muitos deles

são alvo em seus lares e/ou comunidades. Por outro lado, foi nesse grupo também que

escutamos relatos vibrantes de uma usuária sobre sua melhora e empenho para retomar “as

rédias de sua própria vida”. Nossa participação enquanto co-facilitadora nesta atividade

atendeu nosso objetivo de refletir sobre possibilidades de intervenção (e suas dificuldades

Page 19: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

191

metodológicas11) que fortaleçam o vínculo terapêutico e objetivem o desenvolvimento da

autonomia dos sujeitos.

Outra atividade que se realiza em grupo e que participamos como co-facilitadora foram as

“Reuniões de Família” do turno da manhã. De freqüência semanal, essa atividade tem o

intuito de reunir pelo menos um familiar de cada um dos usuários do CAPS do turno da

manhã para proporcionar-lhes um espaço de fala sobre a relação o usuário portador de

sofrimento psíquico e os aspectos da dinâmica familiar presentes no processo de inserção

desses sujeitos. São ofertados suporte e orientação através da troca de experiências entre os

participantes que busquem incentivar o fortalecimento de vínculos e inclusão desses no PTS

de cada usuário.

Cabe a nós, nesse momento, referir que a concepção de família que estamos lidamos no

estágio não se trata necessariamente de pessoas com quem o usuário tem laços

sanguíneos/hereditários. Fala-se aqui, por outro lado, e na abordagem/prática Sistêmica, num

conceito de família que se refere a todas as pessoas componentes do Campo Referencial

(MINUCHIN, COLAPINTO & MINUCHIN, 1999) dos usuários. São essas pessoas que

foram consideradas significativas no processo terapêutico dos sujeitos sociais em crise, e

participaram das Reuniões em nosso estágio.

Nessas atividades, entramos em contato com os familiares de alguns dos usuários com quem

tivemos vínculo direto e essa experiência nos aproximou um pouco da realidade familiar, mas

também de violência, pobreza e ausência de assistência social de boa parte de público que

usufrui dos serviços do CAPS. Foram essas Reuniões que nos mostraram alguns dos limites

da atuação dos profissionais (e também de nós, estagiários), já que, por mais que tenhamos

uma equipe comprometida com sua missão, muitas vezes o contexto familiar e as condições

de vida do usuário não nos imobilizaram, mas influenciaram negativamente o seu

acompanhamento. É por essa razão que percebemos a necessidade de, cada vez mais, haver o

incremento das ações/intervenções desenvolvidas intersetorialmente e em conjunto com

equipamentos de outras secretarias da PCR e do Governo do Estado – como indicamos em

nossa Fundamentação através de Lancetti com a perspectiva de CAPS “Turbinado” (2006).

11 Por exemplo: conduzir um grupo onde, algumas vezes, nem todos os participantes estavam entrando em contato com uma mesma realidade em decorrência da produção de alucinações/delírios, por exemplo, e, a partir daí, pudessem dialogar com o coletivo.

Page 20: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

202

O Passeio Terapêutico, finalmente, se referiram às atividades de lazer pela cidade que

realizamos duas vezes ao mês com os usuários do serviço. O passeio pela orla da praia, por

um centro comercial, pela praça mais perto ou mesmo distante de nosso DS foram momentos

onde pudemos proporcionar um mínimo de mobilidade e lazer aos participantes que, na

maioria das vezes, não conheciam os lugares visitados.

3.2.2. Descrição do trabalho: Realização de Atividades de intervenção individual: além

das atividades de intervenção grupal que participamos ao longo do estágio, houve também

aquelas de nível individual que representaram outra forma de experenciar o fazer psicológico

dentro dessa instituição já que, mesmo sendo a nível individual, nenhuma de nossas

intervenções poderam ser caracterizadas como psicoterapia. Explicamos: dentro da dinâmica

de funcionamento de uma US do SUS e da proposta que os CAPS desenvolvem, as atividades

objetivam, de maneira geral, a diminuição do estado de crise, reconstrução de vínculos

(familiares/sociais/comunitários) e construção de um projeto de inserção social para cada um

de seus usuários – contribuindo para a transformação das representações acerca da Loucura

em nossa sociedade. Durante o processo de atenção e admissão do usuário no serviço, devem

ser desenvolvidos aspectos de sua subjetividade e dinâmica de funcionamento psíquico, mas

esse trabalho não acontece numa psicoterapia (já que esta não é oferecida pelo serviço) e sim

nas atividades grupais e atendimentos individuais (conversAÇÃO/escuta), como vamos

discutir a seguir.

As atividades de intervenção individual que desenvolvemos no estágio são nomeadas pela

equipe de “Atendimentos Individuais”. Os Atendimentos Individuais aos usuários podem ser

realizados por qualquer um dos técnicos que compõem a equipe terapêutica do CAPS e se

caracterizam como momentos breves, que não exigem um lugar específico para dar-se, que

não têm freqüência nem tempo de duração estabelecidos, mas que representam um momento

de interação cuidador-usuário onde o primeiro pode, à luz da abordagem Psicossocial

(VIEIRA FILHO, 1998) se dedicar à escuta do segundo e, de maneira ativa, interagir com ele

no sentido de refletir sobre sua fala, relacioná-la ao tratamento em curso e, de maneira

indireta, fortalecer vínculos entre esses dois sujeitos/atores sociais envolvidos. Por isso, para

efeitos pedagógicos, vamos nos referir a esses Atendimentos Individuais como “Atendimentos

Individuais de ConverAÇÃO Terapêutica/Escuta” para dar ênfase às características que o

diferenciam de um processo psicoterápico individual.

Page 21: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

212

Dentro de nosso estágio, desenvolvemos alguns Atendimentos Individuais de ConverAÇÃO

Terapêutica/Escuta com alguns usuários do serviço que nos procuram para tal (“quero

conversar com você Suzana.. posso?”, disse Deusdete12 numa de nossas manhã de estágio no

CAPS) ou que nós procuramos (“Deusdete, posso conversar com você? Vamos lá pra o

terraço que tá mais tranqüilo....”, disse). Seja por parte do usuário (que traz, na maioria das

vezes, uma demanda específica) ou por nossa parte, as conversAÇÕES/escutas vêm sendo

uma atividade que têm nos solicitados especial atenção no seu manejo para não cairmos na

“armadilha” de dar aos usuários as respostas que procuram e que, por si mesmos, podem

alcançar - colaborando para a construção da autonomia e responsabilidade pelo seu

tratamento, trajetórias, vida.

Da mesma forma que realizamos com os usuários, há também no CAPS os “Atendimentos

Individuais à Família”. As diferenças entre esses e aqueles Atendimentos se concentram no

fato de que, como os familiares não estão no serviço cotidianamente, esses atendimentos

geralmente são marcados com dada antecedência e, por se tratar do familiar, as narrativas se

concentram não sob o sofrimento deste, mas sim sobre como a relação entre ambos pode ser

trabalhada para ser promotora de saúde para ambos os sujeitos. A sobrecarga do cuidado,

dinâmica familiar, administração da medicação são temáticas que conhecemos através dessa

atividade que realizamos em conjunto com nossa supervisora direta e na primeira metade do

estágio por isso nomeamos de “Co-atendimento individual à família”.

3.2.3. Descrição do trabalho: Co-Acolhimento / Triagem: para um usuário ser admitido no

serviço, há a realização do acolhimento e, se necessário, do procedimento de Triagem.

Encaminhados por outros equipamentos do SUS ou por demanda espontânea, a população

tem acesso ao CAPS e é acolhida durante todos os dias úteis da semana através de uma escala

de revezamento entre todos os técnicos da equipe terapêutica para garantirem essa “porta de

entrada” do serviço. No caso do nosso estágio, fomos responsáveis pela realização desse

procedimento em parceria com nossa supervisora – por isso falamos em sessões de “Co-

acolhimento/Triagem” – durante uma manhã na semana, todos os usuários que acessaram esse

CAPS naquele turno foi de nossa responsabilidade acolhê-los.

Essa atividade não tinha despertado muito o nosso interesse por se resumir, em alguns casos,

à aplicação de uma entrevista de anamnese psiquiátrica (ZUARDI & LOUREIRO, 1996).

12 Todos os nomes próprios associados aqui a usuários desse CAPS são fictícios.

Page 22: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

222

Houve algumas experiências que se destacaram das demais e nos indicaram a possibilidade de

usar esse momento para a construção do vínculo entre terapeuta e usuário (BRASIL, 2007).

Vale à pena trazer um exemplo desse aprendizado. Diego chegou ao serviço acompanhado de

seu avô e encaminhado pela psiquiatra de um Hospital Geral – no qual foi emergenciado em

crise há poucos dias. Queixava-se de uma tristeza e momentos de ansiedade profundos que o

impediam de exercer qualquer tipo de atividade “produtiva”. Realizamos a investigação de

quando se iniciaram a manifestação de determinados sinais e sintomas, registramos essas

informações nas devidas fichas do SUS, mas o aprendizado foi desenvolver o acolhimento e

saber conduzir a entrevista com o objetivo de estabelecer o que, para nós, foi o mais

importante: uma relação de confiança entre o usuário e as profissionais – fato que pudemos

observar quando ele teve a coragem de pedir que seu avô saísse da sala para expor mais

“motivos” que o faziam sentir desacreditado de si mesmo e dos outros. Ficamos muito felizes

com a forma como fomos aos poucos superando as dificuldades dele falar sobre seu

sofrimento e ficamos especialmente empenhadas na condução do Projeto Terapêutico de

Diego principalmente pelo fato de posteriormente termos nos tornado sua co-Técnica de

Referência (TR13).

3.2.4. Descrição do trabalho: Registros escritos: todos os conteúdos das atividades em

grupo que fomos co-facilitadora (Situação e Família no estágio I e Oficina Terapêutica e

Passeio Terapêutico no estágio 2) e das atividades individuais (Atendimento individual

escuta/conversAÇÃO e Co-atendimento individual à família) são registrados por nós em

forma de relatoria no Livro de atividades do CAPS (no casos dos grupos) e nos prontuários de

cada um dos usuários (no caso dos atendimentos). Além dessas formas de registro, há também

o revesamento de todos os técnicos (à semelhança do que acontece com o

Acolhimento/Triagem) para registrar a presença no CAPS e a participação dos usuários que

estiveram “na casa” naquele turno – essa atividade é curiosamente chamada de “Evolução” e

também fez parte de nossas atribuições enquanto estagiária. Avaliamos que a execução desses

registros foi constituir uma ferramenta para preservar a história e trajetória de cada sujeito que

13 O TR é o profissional que, após discussão na Reunião de Equipe, é indicado para ser a referência para um determinado usuário. Dessa forma, cada um dos profissionais da equipe técnica do CAPS tem o papel de estar mais próximo de um determinado grupo de usuários e assim poder acompanhar mais detalhadamente a caminhada desses usuários no serviço e de investimento em seu PTS (através, por exemplo, das Escutas/Atendimentos Individuais, Atendimentos à Família, observação detalhada da sua freqüência no serviço etc), bem como a coordenação desse Projeto junto à Equipe. Cabe-nos esclarecer uma distorção recorrente em relação à figura do TR: mesmo tendo a tarefa de prestar uma assistência mais próxima, ele não é o único profissional que cuidará desse ou daquele usuário – até porque os usuários são usuários do serviço como um todo e não desse ou daquele TR -, mas sim o que pode representar o vínculo mais direto do usuário com o serviço.

Page 23: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

232

usufrui diretamente do serviço e constituiu-se como uma fonte de informações atualizadas

para serem consultadas por todos os profissionais desse CAPS – por mais que muitas vezes as

Evoluções se restrinjam à escrita de quais atividades os usuários participaram e qual

comportamento apresentaram durante o turno em decorrência da grande quantidade de

usuários (cerca de 20 a 30 por turno). No nosso caso, nos momentos que julgamos necessário,

não realizamos a Evolução por julgar que não tivemos qualquer interação com o usuário X

naquela manhã e, portanto, não nos julgávamos habilitadas para realizar tal procedimento e

levamos essa queixa às Reuniões de Equipe.

Em nossa segunda metade do estágio passamos a fazer também outra forma de registro escrito

usada nessa US: os laudos técnicos. O laudo de cada usuário do CAPS é elaborado pelo seu

TR e, no nosso caso, coube, portanto, a elaboração periódica dos laudos das duas usuárias que

fomos TR. Cada laudo corresponde a um formulário onde são registrados os dados da US e a

atualização do quadro sintomatológico do sujeito social em crise – não há espaço para registro

de qualquer aspecto da dinâmica psíquica ou aspectos da singularidade identitária dessas

pessoas.

3.2.5. Descrição do trabalho: Acompanhamento da Ação Avançada em Saúde Mental:

com o objetivo de dar apoio matricial às equipes de Saúde da Família do Distrito Sanitário no

qual o CAPS está localizado, a PCR, em 2004 criou e constituiu as Equipes de Ação

Avançada em todos os DS da cidade. A composição inicial dessas equipes contava com

profissionais das áreas de medicina, psicologia e serviço social, que, solicitados pelo PSF,

realizavam atividades de intervenção clínica e de assessoria em saúde mental ao cuidador da

Atenção Básica, discussão de casos detectados através das ações no território e trazidos para

reflexão conjunta e construção de um projeto de atenção para a produção do cuidado que

desse conta dessa demanda que, na maioria das vezes, nem chegaria ao CAPS. As Equipes de

Ação Avançada, portanto, trabalham nessa intersecção entre o CAPS, Ambulatórios,

Hospitais, no território, em parceria com o PSF.

Atualmente, essas Equipes vêm por diversos fatores perdendo seus profissionais que pediram

transferência, por exemplo, no DSV resta hoje apenas a profissional de Psicologia com quem

tivemos a oportunidade de acompanhar algumas das atividades que foram desenvolvidas

durante uma semana de trabalho (divididas em 5 turnos, como havíamos planejado em nosso

Plano de estágio).

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242

Durante essa breve passagem, acompanhamos essa profissional em algumas visitas

domiciliares com parte da equipe de PSF de dado território sanitário, realizamos visitas às

USF para discussão de casos clínicos, reunião com equipe de Hospital Psiquiátrico sobre a

reinserção de uma dada usuária e realizamos reunião com o GOAS (Gerência Operacional de

Atenção à Saúde) do DSV. Após as 20hs de interação na Ação Avançada, acreditamos que foi

a porção de nosso estágio onde pudemos observar o sentido da clínica sendo tecido da

maneira mais dinâmica possível e, por outro lado, especialmente assertiva porque o

referencial em que se sustenta aqui é o de uma clínica ampliada, voltada para o protagonismo

do sujeito e de estabelecimento de vínculos que possam favorecer a produção do cuidado em

Rede de Atenção no Distrito. Lembrando Barus-Michel que diz que “a partir do momento que

se reconhece o sujeito, já se está na clínica” (2004, p.67).

A participação nas ações de cuidado em saúde mental só foi possível de concretizar-se graças

à relação estabelecida no cotidiano entre cuidador (no caso, as Agentes Comunitárias de

Saúde) e usuário; confirmando nosso referencial em clínica no âmbito comunitário que diz

que “a situação real e a demanda já supõem uma relação”. (Barus-Michel, 2004, p.69).

Nas abordagens realizadas em domicílio, observamos que o objetivo da Psicologia na Ação

Avançada era atender a demanda clínica para promover a elaboração do sentido frente a

experiência de sofrimento viabilizando possibilidade de nomeação e re-significação em

espaços terapêuticos na Rede de Saúde Mental das relações sociais do sujeito que se colocava,

na homotesia e na dessemelhança (Barus-Michel, 2004), em relação dialógica com o cuidador

da Atenção Básica. Foi também com o exercício prático do protagonismo do sujeito que

vimos, por exemplo, a fala de uma usuária colaborar na elucidação de sua alta de um Hospital

Psiquiátrico e lançar pistas à equipe para a reconstrução de seus vínculos familiares.

Mesmo com todas as condições adversas com que se realizam essas ações (“equipe de uma só

profissional”, falta rotineira de transporte), nossa vivência na Ação Avançada proporcionou

um diferencial em nosso estágio e nos deixou entusiasmadas pelo trabalho na atenção básica à

saúde.

3.2.6. Descrição do trabalho: Atividades-extras (Projeto de Supervisão e Visita

Domiciliar): devido ao contexto do serviço enquanto estávamos estagiando, realizamos,

mesmo nessa primeira experiência de estágio, duas atividades específicas que não estavam

Page 25: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

252

previstas em nosso cronograma inicial, mas que nem por isso foram menos importantes ou

não deve ser registradas.

Contribuindo para uma experiência que seja a mais completa e diversa possível, fomos

“convidadas” pela Gerência Geral do CAPS a elaborar, em conjunto com a psicóloga da

“Ação Avançada”, um Projeto de supervisão para esse CAPS (anexo n°1). Por ocasião do

lançamento de um edital do Ministério da Saúde para financiamento de supervisões nos

CAPS, nossa gerência acordou com a Coordenação de Saúde Mental que esse CAPS iria

inscrever projeto e a gerência do CAPS nos designou a execução dessa tarefa. Mesmo nos

sentindo um tanto desconfortável com a tarefa (pois estávamos elaborando um Projeto que

não tinha sido minimamente discutido com toda a equipe), realizamos a tarefa que nos

permitiu exercitar a escrita sobre o tema e a troca de idéias e experiência com outra

profissional da psicologia desse serviço.

Se a demanda do âmbito da gestão nos indicou uma tarefa-extra, a assistência não foi

diferente e tivemos a oportunidade de realizar nossa primeira Visita Domiciliar. Tratava-se de

um caso onde a usuária foi admitida, porém nunca compareceu ao serviço e como há grande

risco de tentativa de suicídio, a visita domiciliar foi uma indicação da última Reunião Técnica

para que retomássemos o contato com a usuária e encaminhasse para um outro serviço mais

próximo de sua casa na tentativa de adesão ao tratamento. Na busca pelo endereço correto

através de ligação telefônica à família, descobrimos que a usuária passou a morar com sua

família materna e, com isso, perdera a referência/cobertura desse serviço, mas também não

procurou acolhida em nenhum outro. Dessa forma, fomos ao bairro de Peixinhos no

município de Olinda e fizemos a visita que se procedeu de maneira bastante tranqüila, apesar

da pessoa diretamente responsável com a qual havíamos previamente combinado por telefone

não estar na residência para nos receber, um outro familiar o fez. Estabelecemos contato com

o CAPS responsável pela cobertura dessa área e apesar da equipe não terem realizado a visita

junto conosco, se comprometeram a acompanhar o caso a partir de então. Ficamos satisfeitas

com a articulação interinstitucional que realizamos e o diálogo com a família também nos

pareceu promissor para a atenção da usuária.

3.3. Relatando o desenvolvimento de atividades de estudo e formação

Além das atividades práticas que realizamos no estágio, ocorreram momentos de estudo e de

formação que nos proporcionaram discussões e reflexões sobre a prática institucional e as

dificuldades encontradas por toda a equipe.

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262

3.3.1. Supervisão no CAPS e Orientação na UFPE: Ao longo de nosso estágio, tivemos

dois momentos de reflexão sobre nossa prática como estagiária: a Supervisão no CAPS e as

Orientações na UFPE. O primeiro desses dois momentos se concretizou em reuniões de

duração aproximada de uma hora com Supervisora onde pudemos discutir casos e,

principalmente, a dinâmica do serviço: suas dificuldades, avanços, pontos polêmicos etc.

Foram nesses momentos que pude esclarecer algumas dúvidas e aprender em conjunto com

nossa Supervisora. Já aquelas, as Orientações na UFPE foram de freqüência semanal e

simbolizaram momentos coletivos de leitura dos relatórios semanais (que apresentavam

sistematicamente o relato de uma semana de atividades desenvolvidas no estágio) e treinos

para nossa apresentação do Seminário de Estágio onde a troca de experiência nos auxiliou a

compreender nosso estágio localizado numa rede de outros CAPS que compartilham muitas

das dificuldades do que realizamos estágio. Foi também nesses momentos que pudemos

participar dos Seminários de Estágio – apresentações da experiência parcial dos estagiários de

Psicologia desta Graduação.

Além de assistir as apresentações do estágio de nossos colegas, também nós mesmos tivemos

de expor nossa vivência. Inicialmente, a proposta era fazê-lo em conjunto com uma colega de

CAPS (Luisa Xavier), mas na Orientação na UFPE percebemos que seria mais interessante se

articulássemos esse nosso conteúdo com o de mais dois outros colegas (Vasco Gomes e Pedro

Santos) e por conta de nossas convergências ideológicas, éticas e políticas, foi completamente

possível. Nos reunimos mais algumas outras vezes e a apresentação foi muito bem avaliada

por nós e pelos participantes daquela ocasião.

3.3.2. Reuniões de Equipe & Supervisão Institucional: com o objetivo de reunir

semanalmente todos os técnicos do CAPS (da equipe terapêutica e da equipe administrativa)

em torno de uma única pauta, os CAPS dedicam um turno da semana para esse trabalho

interno. No caso de nosso estágio, esse momento se deu às quartas-feiras e eram intercaladas

com as reuniões de Supervisão Institucional que eram facilitadas por uma profissional de

psicologia contratada pela PCR exclusivamente para, nessas reuniões, promover a discussão

de casos específicos trazidos pela equipe e/ou questões referentes à instituição como um todo.

Foram nas Reuniões de Equipe que discutimos coletivamente todas as admissões advindas das

triagens, o acompanhamento dado a alguns casos e discussão de que medidas adotar em

relação a outros; além das pautas específicas que cada técnico tinha a liberdade de inscrever.

Page 27: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

272

Foram nessas reuniões que pudemos dialogar francamente sobre as dificuldades e os impasses

que a equipe como um todo enfrenta na missão de oferecer cuidado em saúde mental no DS e,

na primeira metade do estágio, por um contexto peculiar de rediscussão do Projeto

Terapêutico desse CAPS.

Pelo que pudemos compreender, o Projeto Terapêutico é um documento que se refere não

apenas à descrição das atividades que são propostas pela instituição, mas também, e

principalmente, quais fins terapêutico se objetiva alcançar com esse formato. Atualmente esse

Projeto é considerado por toda a equipe bastante desatualizado e um tanto incompatível com a

realidade do serviço – já que não conseguiu, até hoje, ser implementado em sua totalidade.

Além disso, as difíceis condições de trabalho e a inflexibilidade do Quadro de Atividades são

características que estão sendo repensadas por toda a equipe nessa ocasião. Naquele momento

de discussão, portanto, coube ao coletivo de técnicos e estagiários do CAPS traçarem metas,

discutirem como cada uma delas pode ser alcançada e qual será a pessoa responsável por tal

iniciativa de reformulação.

Participamos de Reuniões de Equipe onde começamos a repensar as assembléias, rever o

“Grupo Situação”, pensar na aplicação de Grupos Operativos, reimplementar a modalidade de

tratamento “não-intensiva”, elaborar estratégias de incursão no território na Atenção Básica e

iniciamos a reconstrução do Quadro de Atividades antigo e estávamos na finalização de uma

proposta que pretende dar conta e sanar algumas críticas feitas pela equipe (por exemplo: que

tipo de atenção oferecer aos usuários que passam muito tempo ociosos no CAPS porque não

está em condições / não quer participar das atividades em grupo). Através dessas

transformações a equipe pretende distanciar esse CAPS do modelo de CAPS “burocrático” e

aproximá-lo do modelo “turbinado” (LANCETTI, 2006).

Ocorre, entretanto, que o Projeto terapêutico do CAPS não foi de fato rediscutido. Posições

políticas, ideológicas e metodológicas das pessoas que fazem o serviço não chegaram a ser

(re)discutidas. Nossas Reuniões de Equipe e Supervisão Institucional permaneceram em torno

da remodelação do Quadro de Atividades e da problematização da oferta dessa ou daquela

atividade, como foi o caso da supressão do Grupo Situação e inclusão do Grupo Operativo;

mas por diversos fatores não alcançamos uma remodelação do que esse CAPS propõem, de

seu Projeto Terapêutico.

Page 28: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

282

Foram também nas Reuniões de Equipe que as relações e condições de trabalho ganharam voz

e vez para serem colocadas na roda, apreciadas, discutidas e encaminhadas coletivamente. A

ausência de um profissional da psiquiatria no CAPS durante toda a primeira metade do

estágio e a redução de quase 50% dos vales-transporte para os usuários e seus cuidadores são,

somados ao perceptível cansaço da equipe, percebidos por nós como indicadores negativos da

infra-estrutura do serviço e, consequentemente, das condições de trabalho em que

processamos nosso estágio.

No caso da ausência de um psiquiatra, as discussões giraram em torno da forma como

conduzimos, desprovidos desse profissional, conduzir a porção medicamentosa do tratamento

e do quanto a falta de monitoramento periódico dessa intervenção pode gerar reverberações

em toda uma caminhada desse usuário em relação ao seu sofrimento psíquico. Vale à pena

destacar, entretanto que as reivindicações pela necessidade de um psiquiatra, devem ser

sempre associadas ao cumprimento da Portaria 336/2002 no Ministério da Saúde (que institui,

entre outras coisas, uma equipe-mínima para o funcionamento dos CAPS) para não

reforçarmos, mesmo que indiretamente, a representação do poder/saber médico como superior

às outras especialidades. Acreditamos que esse foi um momento de muito investimento para

todos os membros da equipe e de muito amadurecimento para nós estagiárias que estávamos

ainda ingressando nesse ambiente e tivemos que, expondo nossas opiniões e críticas, lidar

com as resistências de alguns profissionais. Avaliamos que, mais do que o próprio serviço,

nós nos beneficiamos muito com o aprendizado desenvolvido naquele momento.

3.3.3. Elaboração de relatórios e participação em eventos: Para incremento de nossa

formação, participamos de quatro atividades que nos auxiliaram a articular teoria e prática na

experiência do estágio (a saber: encontro dos estagiários em saúde mental da PCR; I Encontro

de CAPS do Recife; as palestras da Exposição fotográfica do Programa de Volta para Casa;

participação pontual numa reunião do Fórum Distrital de Saúde Mental; palestra preparatória

para o Dia da Luta Antimanicomial; o Colóquio sobre interdisciplinaridade e psicologia e o

Colóquio sobre o Compromisso Social na atuação do psicólogo). Além disso, em relação à

produção escrita, ao longo dos meses de estágio, como já foi mencionado no início desse

capítulo, organizamos semanalmente nossas experiências em relatórios semanais que são

entregues ao nosso Orientador e esse exercício facilitou, inclusive, nossa escrita desse

documento.

Page 29: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

292

4. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Percorrido o caminho de descrição/discussão das atividades práticas e sua relação com as

teorias que adotamos como referencial, passamos ao momento de sintetizar algumas

considerações gerais – para as quais nos dedicaremos imediatamente a seguir –, avaliar o

estágio e a nós mesmos. Dessa forma, cabe-nos esclarecer que qualquer avaliação do estágio

ou consideração para fins de conclusão desse trabalho não deverão ser deslocados de um olhar

crítico e, consequentemente, avaliativo sobre a atenção oferecida pelo serviço – até porque

nossas atividades de orientação na UFPE também seguiram essa diretriz.

Em relação ao modelo de atenção que esse serviço oferece nesse momento ainda é, em grande

medida, direcionado pelo que vem sendo historicamente constituído como a prática

médica/modelo clássico de psiquiatria: a medicalização e a terapêutização (Amarante,1995) –

mais característicos de um processo de assistência à doença do que de promoção à saúde.

À primeira vista, entretanto, poder-se-ia referir incoerência ou contradição a essa nossa

percepção do serviço; visto que, especificamente esse CAPS não contou durante metade do

tempo de nosso estágio com nenhum profissional de medicina e, como se pôde observar pelo

Relato das Atividades e de nossa Fundamentação, o propósito fundador dos serviços

“substitutivos” é a proposta antimanicomial - que tem em sua bandeira de luta a

desconstrução de um aparato psiquiátrico que aprisionou física e psiquicamente a experiência

humana da Loucura.

Cabe-nos esclarecer, entretanto, que a “prática médica” de que estamos falando aqui tomou

forma nas instituições asilares e nas práticas de profissionais dessa especialidade; mas para

além desses fatores, a prática centrada na medicalização e na terapêutização se alimenta e

reproduz nas condutas individuais e institucionais, na condição de trabalho inadequada e no

montante insuficiente de investimentos políticos e financeiros para a implementação dos

serviços substitutivos e da Reforma na cidade do Recife – por mais que os serviços ditos

substitutivos tenham sido indicados no Plano Municipal de Saúde 2006-2009 como campo

prioritário de investimentos e esse CAPS tenha tido que fechar suas portas para novas

admissões por falta de equipe técnica suficiente para atender adequadamente a demanda que

já estava no serviço àquele momento.

Page 30: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

303

É nesse cenário que ainda observamos que, por mais que a equipe não se mostre indiferente a

essa problemática, o CAPS ainda concentra a expressiva maioria de suas ações no transtorno

mental em lugar do ‘sujeito-usuário’, na assistência em lugar da promoção, na doença em

lugar da saúde. Referindo-se ao modelo clássico de tratamento, Basaglia nos diz que “(...) a

psiquiatria sempre colocou o homem entre parênteses e se preocupou com a doença (...)”

(Basaglia, 1979, p.57 cited per Amarante, 1995, p.46), transparecendo-nos, portanto, que de lá

pra cá caminhamos pouco na mudança dessa perspectiva.

A reclusão e isolamento são hoje banidos das práticas atuais em saúde mental, as equipes

multi e interdisciplinares são amplamente adotadas, a relação com a família e a comunidade

são campos de intervenção para a promoção à saúde e, entre tantos outros fatores, há uma

crítica solidificada ao poder médico.

Contraditoriamente, nossos avanços parecem não ser plenamente implementados e em alguns

momentos parece-nos que os serviços substitutivos de maneira geral (e especialmente os da

RMR) não conseguiram ainda ultrapassar obstáculos primeiros com os quais se propuseram a

romper: a institucionalização da loucura e a compreensão de que a doença mental é

socialmente construída. Dizemos isso porque, aos nossos olhos, os serviços substitutivos não

representam a ruptura que se propuseram e têm como missão e compromisso político efetivar.

Parece-nos que, como distinguimos em nossa Abordagem Teórico-Metodológica

(AMARANTE, 1995; VIEIRA FILHO, 1998), paramos no processo de Desospitalização14 e a

Desinstitucionalização efetivamente não se concretizou. Mesmo que de maneira diferenciada

devido às modificações que conseguiram ser implementadas no trato com o usuário e sua

família, os CAPS passaram a ocupar papel em alguma porção semelhante aos Hospitais: o

lugar da institucionalização da loucura.

É no CAPS que permanecem concentrados todo o saber socialmente referenciado para tecer

sobre a loucura e todos os cuidados assistenciais que o Estado oferece ao usuário

(medicamento, alimentação, profissionais da saúde mental, atividades em grupo/individuais,

segurança). Além disso, o trabalho em rede com os outros equipamentos do SUS (VIEIRA

FILHO, 2005), a articulação com a Atenção Básica e o investimento em ações promotoras de

14 E mesmo esse processo na RMR não foi plenamente efetivado – ao passo que apenas os Hospitais Públicos vêm passando pelo processo de redução de leitos e os Hospitais Particulares (que, em sua maioria, são conveniados ao SUS) não vêm passando pelas mesmas medidas antimanicomiais.

Page 31: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

313

saúde ainda são muito deficitários, concentrando nessa instituição o lugar referencial para a

identificação (leia-se diagnóstico) e tratamento da Loucura.

Não queremos dizer aqui que o CAPS não vem de todo cumprindo sua missão. Na mesma

medida que destacamos os aspectos deficitários de sua atuação institucional, cabe-nos

destacar também os obstáculos e contingências históricas que em muito determinam a

implementação desse serviço.

Avaliamos que o desafio que esses serviços se propuseram a enfrentar são conectados não só

com a história da loucura e do poder médico, mas se referem à forma como nossa sociedade

trata as diferenças. O que observamos no caso da Loucura é que ela teve todo o saber e

discurso científico a seu dispor para, construído um argumento da valorização da

racionalidade em detrimento da forma de funcionamento das pessoas ditas loucas, tratar essas

diferenças enquanto desigualdade e a partir daí cometer a violação de vários direitos. Diante

dessa herança histórica, a Reforma Psiquiátrica brasileira veio romper com essa forma de

tratamento e seus princípios se remetem a uma perspectiva de sociedade e de ser humano que

podem ter fortes contribuições, mas não podem ser transformadas em profundidade

exclusivamente pela proposta antimanicomial.

Durante as reuniões de Equipe realizadas ao longo do nosso estágio, avaliamos que esse

CAPS hoje elementos dos conceitos de Lancetti (2006) de “CAPS Burocrático” e do “CAPS

Turbinado” ao mesmo tempo. Podemos falar que se concretiza um exemplo dos avanços

conquistados, da assistência muitas vezes cronificante e dos desafios a serem encarados como

prioridade por toda a equipe. Por esse quadro contraditório e ao final do estágio,

compreendemos o CAPS como um dos serviços substitutivos que está em processo de

implementação ainda em andamento e, dentro da trajetória da Loucura, se localiza, portanto,

“entre o passado e o futuro”15.

4.1. Avaliação do Estágio

Foi no contexto das inúmeras dificuldades que o serviço enfrenta que realizamos nosso

estágio. Destacamos que mesmo se tratando de um estágio considerado na área da Psicologia

Clínica, ao final dessa experiência sistematizada consideramos que nosso estágio foi realizado

sob o viés integral da instituição e, portanto, falamos aqui da avaliação de uma experiência de

estágio que não se restringiu ao olhar sobre o sofrimento/dinâmica psicossociais

15 Parafraseando o título do livro de Arendt (2005).

Page 32: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

323

individualizadas, mas também nos dedicamos às observações das relações e condições de

trabalho, a dinâmica institucional e a circulação das relações de poder – o que poderia ser

associado diretamente ao estágio considerado no campo da Psicologia do Trabalho.

Avaliaremos então o nosso estágio de Psicologia no CAPS e não exclusivamente em

Psicologia Clínica.

Acreditamos que dentro desse prisma, nosso estágio cumpriu seu objetivo de contribuir para a

nossa formação profissional – tanto pelo que diz respeito especificamente à atuação do

psicólogo quanto o que se refere ao ambiente de trabalho de maneira mais ampla. A

experiência dentro do SUS e de seu cotidiano nos permitiu vivenciar a rotina do serviço

público – e boa parte dos adjetivos negativos que vêm sendo historicamente associados a essa

esfera pelo senso comum – como também a distinção do que se aplica e do que não se aplica

nesse CAPS.

Cabe-nos destacar também os aspectos que influenciaram negativamente em nossa

experiência e acreditamos que o mais expressivo deles se remete à ausência de uma Política

de Estágio que oferte o mínimo suporte institucional a nossa formação. Percebemos

atualmente que o estágio ainda se concretiza baseado no voluntarismo de alguns profissionais

que se dispõem a tal, fazendo com que permaneça a impressão de que o estagiário é “do

profissional” e não “do serviço” como um todo. As ausências de incentivo aos profissionais

supervisores e bolsa de auxílio financeiro aos estudantes impedem os serviços de receberem

mais estagiários – o que representa, a nosso ver, um aspecto muito negativo em diversas

esferas: para os estudantes, que perdem oportunidades de ter esse aprendizado de base

antimanicomial que na maioria das vezes não é oferecido na academia; para os profissionais,

que poderiam se beneficiar das problematizações elaboradas por “quem está chegando e ainda

está de fora”; e para o serviço, que poderia contar com todas essas contribuições e, querendo

ou não, força de trabalho.

4.2. Auto-avaliação

Dentro do estágio, percebemos que colaboramos menos do que desejávamos com o processo

terapêutico de estabilização da situação de crise e inserção social do usuário. Durante a

primeira metade do estágio, nos dedicamos mais ao momento institucional e às

condições/relações de trabalho; o que pode ser percebido pela descrição quantitativa quando

tivemos mais horas de estágio dedicadas às Sessões de co-facilitação de grupo (Reunião de

Família) e aos Turnos de co-Acolhimento / Triagem do que às Sessões de co-facilitação de

Page 33: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

333

grupo (Grupo “Situação”) ou Sessões de atendimento individual (conversAÇÃO / escuta);

atividades que, a nosso ver, interagem e beneficiam mais diretamente o usuário. Acreditamos

que a condição temporária no serviço, a necessidade de um tempo de adaptação no serviço e o

período necessário para o entrosamento com a equipe/usuários fizeram com que, no estágio 1,

contribuíssemos mais com a esfera das relações de trabalho no serviço do que com a

assistência propriamente dita.

Na transição do estágio 1 para o estágio 2, tivemos algumas orientações na UFPE que nos

fizeram redirecionar o alvo de nosso maior investimento e a partir daí nos esforçarmos mais

para nos aproximar das histórias e experiências de vida dos usuários desse CAPS; mudança

que pode ser percebida pelo aumento expressivo do número de conversAÇÕES/Escutas que

foram realizadas nessa segunda metade do estágio.

O aspecto que acredito termos investido todos os dias do estágio foi na construção do que

chamamos de posicionamento ético-político do papel do profissional de psicologia dentro

desse ambiente de natureza interdisciplinar. Os limites de nossa condição de estagiária não

nos impediram de estabelecer uma relação de troca de saberes e complementaridade de ações

dentro do CAPS – a experiência de co-facilitação da Oficina Terapêutica foi um exemplo

disso. Nossa intervenção dentro da dinâmica de funcionamento do serviço sempre foi

problematizada tomando como referência aquilo que acreditamos caber a nível prático e

teórico ao profissional de Psicologia, mas sobre tudo, às necessidades do usuário.

Avaliamos que a ausência de articulação teoria-prática ao longo dos quatro anos de formação

em sala de aula na graduação foi determinante para a concretização do hiato entre o cotidiano

do estágio e as referências teóricas para embasar essa prática. Por outro lado, avaliamos

também que essa história contribuiu para que realizássemos poucas leituras ao longo desse

período e muitas delas se acumulassem por ocasião da elaboração desse relatório. Por outro

lado, mesmo na deficiência da consulta bibliográfica, cabe-nos ressaltar que nossos mais

expressivos aprendizados nesse estágio se remetem ao olhar clínico sobre o serviço, a

instituição, as pessoas e as relações que a compõem para, por exemplo, ter sensibilidade para

perceber o que o campo de estágio nos sinalizou (a influência das relações e condições de

trabalho sobre a construção teórico-prática desse serviço, uma leitura de Análise Institucional)

e dar voz a esses discursos.

Page 34: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

343

Dentro de nossas limitações nessa experiência primeira como profissional, avaliamos que seu

papel foi satisfatório e nos indica investimento de nossas energias, leituras e discussões na

maior qualificação dentro d o trabalho na Saúde Pública que se solidificou para nós como um

dos campos de investimento como profissional.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Page 37: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

373

6. ANEXO

6.1. Anexo n°1 – Projeto de Qualificação do Atendimento e Gestão do CAPS

PROJETO DE QUALIFICAÇÃO DO ATENDIMENTO E GESTÃO DOS CAPS

1. IDENTIFICAÇÃO:

Nome do Projeto: CAPS - Intervenção no Território Sanitário

Nome do CAPS: Professor Galdino Loreto

Endereço: Rua Emília Torreão, nº135, Bairro de Afogados. CEP: 50820-710 - Fone:

3232-2281.

Secretária Municipal de Saúde: Tereza de Jesus Campos Neta

Coordenadora de Saúde Mental: Higina Duarte

Coordenadora do CAPS: Blandina Perez

2. JUSTIFICATIVA

O CAPS Prof. Galdino Loreto está situado no Distrito Sanitário V(DSV) da cidade do

Recife. Sua área de abrangência é dividida em três micro regiões, situadas na região leste

da cidade. A rede de saúde desta área é (aproximadamente) formada por uma unidade

tradicional, um hospital infantil, uma maternidade, duas residências terapêuticas, uma

policlínica 27 Unidades de Saúde da Família - USF, conta ainda com 43 Agentes de saúde

Ambiental – ASA e com 109 Agentes de saúde comunitária – ACS

O Galdino Loreto, atualmente, atende em média trinta usuários na modalidade intensiva e

trinta e cinco pessoas na modalidade semi-intensiva, perfazendo um total de sessenta e

cinco usuários. Conta com onze técnicos de nível superior – entre psicólogas, terapeutas

ocupacionais, enfermeira, médico e assistente social – e cinco de nível médio e três de

nível elementar, gerenciados por três chefias – administrativa, clínica e gerencial.

O projeto CAPS – Intervençãoo no Território Sanitário vem atender antigas e cruciais

lacunas vivenciadas em procedimentos clínicos de atenção ao usuário da Rede de Saúde

Mental do DSV. Percebemos em nossas tarefas clínicas, junto ao portador de transtorno

mental, a necessidade de favorecer a promoção do cuidado através de uma clínica

ampliada em que haja uma interlocução com comunitários e cuidadores da Atenção

Básica que procuram viabilizar uma atenção primária em saúde mental na comunidade.

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383

Em nossas experiências, o modelo de assistência que vem norteando as nossas atividades

com o paciente, na unidade de saúde, mostra-se insuficiente para possibilitar a inclusão do

sujeito cidadão no contexto comunitário. Entendemos que é preciso transitar no âmbito da

intersetorialidade, junto a equipamentos sociais pertencentes à comunidade do usuário

para favorecê-lo como sujeito autônomo e empoderado na autodeterminação de seu

destino e trajetória de vida.

Em nossas avaliações atuais estamos dedicados à reflexão de nossa prática clínica

cotidiana, nessas discussões, percebemos a necessidade imperativa de revisar a oferta de

serviços oferecidos à população. Entendemos que essa transformação passa não somente

pelo redesenho de nosso quadro de atividades, mas também, pela construção coletiva e

participativa de uma atenção em saúde mental que possa transcender os limites

institucionais da unidade de saúde - podendo, assim, ampliar respostas às demandas

clínicas do território para o qual somos referência.

Nesse sentido, achamos oportuna a implantação de um projeto de supervisão que possa

nos auxiliar na compreensão e na intervenção junto às demandas clínicas que requerem

respostas articuladas intersetorialmente, em contexto comunitário. O benefício

vislumbrado diz respeito não apenas a qualificação da equipe, necessária nas realizações

de tarefas junto a Atenção Básica, mas também pelo impacto a ser gerado na comunidade

no tocante a formação de agentes de transformação em saúde mental. É preciso ressaltar

que os CAPSs, dentro da atual política de atenção à saúde mental do Ministério de Saúde,

são considerados dispositivos estratégicos para a organização da rede de atenção em saúde

mental em seus territórios; dessa feita, será importante e necessária uma articulação da

saúde mental com a atenção básica – iniciativa significativa, hoje refletida pelos técnicos

do CAPS Galdino Loreto frente a sua população usuária e que requer, sem dúvida alguma,

assessoria especializada para a efetivação não só dessa iniciativa, mas da concretização

das diretrizes da Reforma Psiquiátrica Brasileira e do Sistema Único de Saúde desse país.

3. OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL: Ampliar a promoção do cuidado em saúde mental no território

sanitário do Distrito V da Cidade do Recife.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Page 39: Entre o passado e o futuro O relato de uma experiência de estágio

393

- Constituir um espaço de capacitação contínua dos profissionais e gestores do

CAPS frente à temática da atenção em saúde mental na saúde pública e

coletiva junto a atores sociais em crise;

- Subsidiar teoricamente práticas de cuidado em saúde mental favorecidas no

CAPS e nas intervenções a serem realizadas em âmbitos comunitários;

- Potencializar a qualidade do serviço de promoção/atenção em saúde mental

oferecido no DSV da Cidade do Recife.

4. METAS / PRODUTOS / RESULTADOS ESPERADOS

Através das ações de supervisão solicitadas pelo Projeto CAPS – Intervenção no

Território, buscamos, em curto prazo, possibilitar uma ferramenta de suporte para as

incursões da equipe do Galdino Loreto na comunidade do distrito sanitário V, em Recife.

Dessa forma, poderemos contemplar, além de outras instâncias a: identificação de

demandas clínicas por cuidado, dialogia em saúde mental junto às Unidades de Saúde da

Família e rede comunitária, problematização do sofrimento psíquico visando estratégias

de atenção e de ação coletiva, versando a inclusão do portador de transtorno mental em

sua comunidade. Em longo prazo, nossa meta é oferecer um serviço amplo e qualificado

para atender demandas do âmbito da saúde pública, contribuindo, assim, para legitimar os

princípios e fundamentos do SUS.

O Projeto, em suas metas, têm um impacto direto na formação do agente promotor de

saúde mental através da capacitação permanente dos profissionais e gestores do serviço e,

de maneira indireta, vem a favorecer as equipes de Saúde da Família e comunitários com

quem estabeleceremos uma rede de cuidado. Diante da crítica de que nossas ações estão,

na maioria das vezes, restritas aos muros do CAPS, acreditamos que um dos produtos do

Projeto é a realização qualificada de incursão social no território ao qual esse CAPS é

referência. É através da discussão teórico-prática que teremos como resultado esperado do

projeto a apropriação pelos técnicos do serviço sobre: inclusão social, rede comunitária,

saúde coletiva e outras temáticas relevantes. No que concerne a dimensão quantitativa

pensamos em atingir, a priori, a cobertura do território sanitário da Micro Região 5.1 que

possui aproximadamente 94263 habitantes. A prioridade de atenção será dada aos

pacientes egressos de internamento psiquiátrico e os que chegaram ao serviço em sua

primeira crise. Por tratar-se de um projeto de supervisão que articula atenção básica com

procedimentos caps, o indicador quantitativo poderá ser a diminuição do número de

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admissões de usuários desta área no CAPS Galdino Loreto e, simultaneamente, o aumento

de procedimentos de cuidado junto ao portador de transtorno mental na atenção primária.

5. METODOLOGIA/ESTRATÉGIA DE AÇÃO

O caminho a ser percorrido para atingir o nosso objetivo, poderá ser dividido em três

etapas que se complementam e serão executadas na mesma frequência; a partir de

encontros/inserções na comunidade quinzenalmente com duração de quatro horas. As

etapas são a seguir:

1. Formação Teórica sobre a prática clínica em saúde mental na comunidade.

Etapa inicial que tem o objetivo de fornecer aos profissionais envolvidos um espaço

de aprendizagem, discussão e construção coletiva de uma práxis a ser realizada na

etapa subseqüente;

Tempo de duração dessa etapa: um terço do tempo total do Projeto.

2. Ação interventiva supervisionada

Reflexão e estudo da prática elaborada junto às demandas clínicas por cuidado. Nessa

etapa do Projeto, as ações desenvolvidas pelo CAPS na comunidade seriam

supervisionadas em lócus e em espaços discursivos, dessa forma, iniciaríamos as

atividades de expansão da atenção e de uma clínica ampliada.

Tempo de duração dessa etapa: um terço do tempo total do Projeto

3. Elaboração do Projeto de Atenção do CAPS Galdino Loreto na comunidade.

Delinear no quadro de suas atividades, práticas clínicas a serem realizadas junto aos

cuidadores da Atenção Básica e da rede comunitária frente à população usuária que

solicita o cuidado com a saúde mental.

No que concerne ao período programado para a supervisão que está sendo solicitada,

sugerimos o primeiro semestre de 2008 para o início das atividades. A forma de avaliação

deverá ser definida, coletivamente com o grupo de técnicos que após a experienciação das

atividades de cada etapa, construirá critérios e instrumentos de avaliação. Tempo de

duração dessa etapa: um terço do tempo total do Projeto.

6. PLANO DE APLICAÇÃO

De acordo com os repasses dos recursos financeiros por parte do Ministério, a gerência do

CAPS se responsabilizará pela administração a nível local. Isso significa dizer, portanto,

que as parcelas federais serão destinadas mensalmente aos honorários do supervisor a ser

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contratado, aquisições dos materiais necessários para a realização das atividades de

supervisão e inserção no território sanitário. Dessa feita, solicitamos o valor total de

R$10.00,00 (dez mil reais) podendo ser dividias em três parcelas – sendo a primeira delas

no valor de R$4.000,00 (quatro mil reais) e as duas últimas de R$3.00,00 (três mil reais).

7. PRAZO DE EXECUÇÃO

I - Etapa - Formação Teórica sobre a prática clínica em saúde mental na comunidade:

período: março de 2008 a maio do mesmo ano.

II - Etapa - Ação interventiva supervisionada: junho de 2008 a agosto do mesmo ano.

III - Etapa - Elaboração do Projeto de Atenção do CAPS Galdino Loreto na comunidade:

setembro a novembro de 2008.