entre poéticas e batuques

157
10 PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO/MESTRADO Marcos Valério Lima Reis Entre Poéticas e Batuques: Trajetórias de Bruno de Menezes Belém 2012

Upload: vantu

Post on 08-Jan-2017

249 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Entre poéticas e batuques

10

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO/MESTRADO

Marcos Valério Lima Reis

Entre Poéticas e Batuques:

Trajetórias de Bruno de Menezes

Belém

2012

Page 2: Entre poéticas e batuques

11

Marcos Valério Lima Reis

Entre Poéticas E Batuques:

Trajetórias de Bruno de Menezes

Dissertação apresentada a Universidadeda Amazônia, como requisito para obtenção do título de Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura. Orientadora: Profa. Dra. Neusa Gonzaga de Santana Pressler. Co-Orientador: Prof. Dr. Agenor Sarraf Pacheco

Belém 2012

Page 3: Entre poéticas e batuques

12

Page 4: Entre poéticas e batuques

13

Marcos Valério Lima Reis

Entre Poéticas e Batuques

Trajetórias de Bruno de Menezes

BANCA EXAMINADORA

Data de defesa: 02/maio/2012.

______________________________________________________________

PROF.DR.NEUSA G. DE SANTANA PRESSLER (UNAMA)

(Orientadora)

______________________________________________________________

PROF. DR. AGENOR SARRAF PACHECO (UFPA)

(Co-orientador)

______________________________________________________________

PROF.DR. IVÂNIA DOS SANTOS NEVES (UNAMA)

(Examinadora)

______________________________________________________________

PROF. DR. MÁRIO MÉDICI BARBOSA (IFPA)

(Examinador)

Page 5: Entre poéticas e batuques

14

À Beatriz, Hélcio, Mara, Bárbara e Laura

Page 6: Entre poéticas e batuques

15

AGRADECIMENTOS

A Deus, senhor de todas as coisas por ter concedido o privilégio de concluir este

mestrado;

À Minha família por ter suportado os mais diversos sentimentos, a ansiedade, a

pressa, minhas privações, ausências e limitações;

Aos amigos que compartilharam os bons momentos de discussões, debates,

reflexões e buscas pelo entendimento, especialmente os que conviveram nestes dois

anos de aprendizado no mestrado;

Aos professores do programa Amarílis, Paulo, Agenor, Ivânia, Ivone, Mariza,

Socorro, Analaura, Cenira e Erasmo, pelo caminho apontado e pelo incentivo ao

comprometimento com a pesquisa.

À banca de qualificação, professora Ivânia Neves, Wilma Baia, Gerson

Albuquerque, Agenor Sarraf e Neusa Pressler pela contribuição para a escrita desta

dissertação.

Especialmente ao professor e amigo Agenor Sarraf, que me fez deslumbrar o

mundo da pesquisa, pela orientação, condução e encaminhamento desta dissertação.

Agradeço a professora Isabel Cristina França Rodrigues pelo acompanhamento nos

primeiros passos deste mestrado e a mão estendida para que eu superasse a

inexperiência acadêmica;

Ao Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, amigo que me

incentivou a estudar e trilhar o caminho acadêmico;

Agradeço ao “príncipe dos poetas paraenses”, Alonso Rocha (in memoriam),

pelas conversas sobre o circuito literário paraense na década de 40, pelos ensinamentos e pela

oportunidade de permitir-me frequentar a biblioteca da Academia Paraense de Letras,

conhecendo mais detalhadamente a revista “Belém Nova” e os escritos de Bruno de Menezes;

À Nazareno Negrão, funcionário da biblioteca Dr. Acilino de Leão, vinculada a

Academia Paraense de Letras, que possibilitou o contato com os mais diversos

periódicos, livros e documentos;

À Família Menezes: Maria de Belém, Geraldo, José Haroldo, Lenora Brito, Stélio

Menezes, pelas lembranças da convivência com Bruno de Menezes e especialmente a

Ir. Marília Menezes pela disponibilidade em responder minhas indagações e expor seus

sentimentos de filha;

Page 7: Entre poéticas e batuques

16

E a todos os meus amigos e funcionários da Secretaria do Mestrado da Unama

que conviveram com minhas inquietações, angústias e alegrias.

Page 8: Entre poéticas e batuques

17

RESUMO

A presente dissertação objetiva analisar a trajetória de vida de Bruno de Menezes (1893-

1963), o processo de criação de sua produção artística, os intercâmbios políticos e

poéticos e “Batuque”, especialmente nos eixos saberes, religiosidades e identidades

amazônicas. Para tanto, intencionou recuperar o cotidiano do poeta, a vida familiar, o lugar

de sua esposa em sua formação, produção e atuação, as experiências populares no bairro do

Jurunas, os círculos políticos e literários com os quais interagiu e as expressões da

cultura africana em simbiose com a região amazônica. A investigação utiliza a análise

interpretativa dos Estudos Culturais, campo teórico-metodológico que, ao se ocupar das

conexões Literatura e História, apreende interdisciplinarmente experiências socioculturais

de diferentes agentes em negociações, aceitações, conflitos e resistências. Igualmente,

valoriza os sentidos das relações de força impostas pela classe dominante e como grupos

populares as experimentam, contaminam-se e as contestam. Nos resultados, a pesquisa

aponta que a análise da escrita literária de Bruno de Menezes, com atenção especial

ao conjunto de poemas contidos no livro Batuque, quando contextualizada em sua

historicidade e na relação criador e criação, torna-se importante instrumento de estudo

sobre saberes e religiosidades africanas na Amazônia.

Palavras-Chave: Trajetória; Bruno de Menezes; Batuque; Cultura Africana.

Page 9: Entre poéticas e batuques

18

ABSTRACT

This research aims to analyze the trajectory of Bruno Menezes' life (1893-1963), the

process of his artistic production, the political and poetic exchanges and the book

"Batuque", especially in Amazon knowledge, identity and religiousness. To this

intention, it was purposed to retrieve the poet's daily life, family life, his wife's

importance in his training, production and performance, the popular experiences in

Jurunas neighborhood, political and literary circles with which interacted and African

culture expressions in symbiosis with Amazon region. The research uses an

interpretative analysis of Cultural Studies, the theoretical and methodological, to take

care of Connections Literature and History, an interdisciplinary grasp socio-cultural

experiences of different actors in negotiations acceptances, conflict and resistance. Also

enhances the senses of force relations imposed by the ruling class and as groups

experience the popular defile themselves and challenge. The results of research show

that the analysis of Bruno Menezes' literary writing becomes important instrument of

study about African knowledge and religiousness in the Amazon, especially in Batuque

poems, when contextualized historically and in the relationship between creator and

creation.

Keywords: Trajectory, Bruno de Menezes; Batuque; African Culture

Page 10: Entre poéticas e batuques

19

Page 11: Entre poéticas e batuques

20

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Um trabalho de pesquisa reserva ao pesquisador uma variedade de emoções durante

todo o seu desenvolvimento. Com esse não foi diferente, a cada instrumento observado, lido e

o manuseio em sua interpretação, provocou as mais diversas sensações. É nesse exercício que

proponho no início de escrita dessa dissertação evidenciar o trajeto e o desenvolvimento deste

trabalho.

A pesquisa hoje mais sedimentada pelo aprendizado diante das reflexões, refutações

e trocas de conhecimentos ao longo do Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura,

fez-me repensar posições culturalmente instaladas, principalmente quando se fala em

homogeneização cultural, silenciamentos, o olhar do outro, negação de sujeitos, colonizado e

colonizador, práticas sociais, tensões culturais, diálogos, construção e desconstrução, além de

agentes históricos cujas representações ganharam ecos e ressonâncias em muitas instâncias

culturais.

Investigar é um trabalho difícil e prazeroso, pois exige do pesquisador uma mudança

de postura que move valores e aspirações. Todo ato de pesquisa aciona dimensões paradoxais,

especialmente neste século XXI, quando somos empurrados para os dilemas de paradigmas

que assolaram as Ciências Sociais. Boaventura de Sousa Santos (1987) deixa evidente esse

dilema ao refletir sobre a realidade contemporânea.

Vivemos num tempo que ao debruçar-se sobre si próprio descobre que os seus pés são cruzamentos de sombras, sombras que vem do passado que ora pensamos já não ser, ora pensamos não ter ainda deixado de ser; sombras que vem do futuro que ora pensamos já sermos, ora pensamos nunca vir a ser (SANTOS, 1987, p. 30).

Tudo o que parecia instituído perde conceituação e passa adquirir outros

significados. É diante desse processo de ressignificação que trilhei o caminho deste trabalho.

Esta dissertação envolve agentes sociais, que, sempre, ao olhar do outro, do

dominante, foram silenciados, marginalizados e estereotipados ao longo de todo um percurso

histórico. É pelo olhar avesso ao do colonizador e de grande parte da literatura existente a sua

época, que colocarei em evidencia o pensamento de Bento Bruno de Menezes Costa, um

intelectual negro, escritor, poeta, literato, morador do periférico bairro do Jurunas em Belém,

vivente no final do século XIX e início do XX, um período histórico, efervescente e

transformador da cultura e da vida paraense. Observando suas influências, diálogos,

frustrações e decepções, anseios e as praticas de sociabilidades compartilhadas com seus

Page 12: Entre poéticas e batuques

21

iguais e com circuitos intelectuais e políticos belemenses, pretendo reconstruir a trajetória1 de

vida do folclorista, cooperativista, anarquista e iniciador do modernismo no Pará.

Para sedimentar esta pesquisa trilho duas perspectivas de estudo, a de reconstruir a

trajetória de vida de Bruno de Menezes e explorar a sua obra Batuque tendo como eixos de

investigação os saberes, as identidades e a religiosidade dos amazônicos.

A minha relação pessoal com os sujeitos históricos que envolvem esse tema,

começou em 2004, data em que visitei a comunidade Quilombola de Abacatal2, no município

de Ananindeua, no Estado do Pará. A formação daquele grupo de negros, suas vivencias,

práticas sociais, saberes e, particularmente, a conversa com uma senhora a época com 99

anos, instigou-me a uma pesquisa mais densa a respeito desses agentes, suas histórias,

movenças e diálogos.

Nesse sentido, busquei na vida do poeta e escritor Bruno de Menezes, intelectual

paraense, de origem africana, de vivencia comprometida com sua gênesis, e em sua obra

Batuque, a expressão dos saberes e religiosidades amazônica.

Para chegar à formulação dessa temática, várias etapas foram pensadas, analisadas e

muitas dificuldades se apresentaram ao longo da construção desse projeto de pesquisa, como

por exemplo, a primeira ideia de pesquisar a obra Batuque, como expressão da autêntica

africanidade amazônica, proposta refutada e conduzida de forma diferente por meu orientador,

uma vez que seria improvável trabalhar tal autenticidade, haja vista os entrelaçamentos,

imbricações, trocas e influências vividas por populações negras ao cruzarem o Atlântico.

Nesse sentido a constituição de suas identidades foi urdida por diversas experiências,

tensões e sociabilidades com povos e culturas nativas e europeias. Diante de constantes trocas,

alinhavadas no espaço geográfico Amazônico, essas populações em mesclas culturais

formaram uma rede rizomática de saberes e fazeres. Neste sentido é válido recuperar

reflexões de Edouard Glissant quando nega a existência de um sentimento “absoluto

sacralizado de uma posse ontológica, mas a cumplicidade relacional” (GLISSANT, 1990, p.

161).

1 Neste trabalho, entendo a palavra trajetória como a categoria que explica os trânsitos históricos de Bruno de Menezes. Portanto, será utilizada para dar conta das análises de acervos de fotos, jornais, revistas, livros, produções poéticas, teses, dissertações, monografias, artigos sobre a formação cultural, religiosa, social, política e literária sobre Bruno de Menezes. 2 Situada a cerca de trinta minutos de Belém, próxima ao centro de Ananindeua, a comunidade de Abacatal mantém um modo de vida rural e fortes heranças culturais deixadas pelos seus antepassados, os escravos. O povoado tem origem na ocupação que trouxe escravos de origem africana para trabalhar na agricultura comercial de Belém, entre os séculos XVIII e XIX. Disponível em http://www.portal.ufpa.br/imprensa/noticia. Acesso em 21.11.11. Sobre essa comunidade; há diferentes pesquisas acadêmicas, entre elas é válido citar: (ACEVEDO MARIN, 2004).

Page 13: Entre poéticas e batuques

22

É nessa formação de teias, que Glissant (1990, p. 23) toma o conceito de rizoma,

como “raiz múltipla, estendida em redes, na terra ou no ar, sem que nenhum tronco intervenha

como predador irremediável” o que se opõem a raiz única e totalitária.

Para visibilizar a impossibilidade de afirmação de uma identidade autêntica,

Pacheco (2011, p. 47) dialogando com estudiosos da presença africana na Amazônia

reapresenta a procedência dos africanos escravizados em terras paraoras.

Na fase da Companhia de Comercio do Grão Pará, instituição responsável pelo trafico de africanos para a região, eram oriundos dos seguintes portos: Bissau e Cacheu, então Guiné Portuguesa e atual República da Guiné-Bissau; Luanda, Benguela e Cabinda, antigo Reino de Angola e atual república popular de Angola; Moçambique na Costa Oriental ou Contra Costa, atual República Popular de Moçambique.

Essa hibridação africana possibilitou a construção de identidades multidimensionais

em que as identidades possuem um caráter de variações de acordo com as dimensões do grupo

ao qual ele faz. Nesse sentido, sob a orientação de Denys Cuche (2002), a identidade é muito

difícil de definir em função de seu caráter múltiplo e dinâmico. Isso lhe confere

complexidade, mas também flexibilidade; experimenta variações, reformulações e

manipulações.

Muitos pesquisadores das identidades negras debateram conceitos como mesclas

religiosas, aculturação, olhares que vem sendo discutidos sob novas perspectivas quando

refletem cultura como forma dinâmica, construída em trocas e partilhas de experiências e

lutas. Em um olhar atento, Canclini (2003) indica que essas fusões constituem as culturas

híbridas. Trata-se de processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que

existem de forma separada, combinam-se para gerar novos objetos e práticas.

Neste sentido o convívio e as relações sociais se tornam determinantes para a

afirmação, negação ou reconstrução da identidade (HALL, 2001).

Nesta direção, fazendo um recorte amazônico diante desse processo de identidades,

Pacheco (2011, p. 47) evidencia os diálogos entre os negros escravizados, os indígenas e os

espaços amazônicos.

(...) dizer que desde a presença dos primeiros africanos nos Marajós no século XVII, intensificando-se com a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e Maranhão (1755-1778), ou mesmo após sua extinção, os mais de 53.000 africanos recrutados para a região não deixaram de criar intercâmbios com inúmeras populações indígenas e reinventar espaços de liberdade sob regime das águas dinâmicas das matas.

Page 14: Entre poéticas e batuques

23

Diante do exposto, a alegação de uma autêntica africanidade amazônica, seria

impraticável. Superada a dificuldade, o próximo passo para construir um aporte para

sedimentar a pesquisa, é a adoção de uma teoria interpretativa que possibilitasse dialogar com

as diversas formas de olhar o objeto de estudo. Escolhi a teoria interpretativa dos Estudos

Culturais Britânicos, cujos principais representantes são Raymond Williams (1979), Richard

Hoggart (1973), Stuart Hall (2003) e Homi Bhabha (2003).

A maneira como esses intelectuais confeccionam leituras da realidade social a partir

do diálogo com diferentes documentos (literários, visuais, manuscritos, orais) embasam a

perspectiva de análise da trajetória de vida política e literária de Bruno de Menezes. Nesta

perspectiva, faço um panorama do campo teórico que serviu de base para a confecção desta

dissertação.

Foi nos anos 1960, com o trabalho de Lévi-Strauss e Roland Barthes na França, e de

Raymond Williams e Richard Hoggart, no Reino Unido, que a “virada cultural” começou a ter

um impacto maior na vida intelectual e acadêmica, e um novo campo interdisciplinar de

estudo organizado em torno da cultura como o conceito central — os “Estudos Culturais”—

começaram a tomar forma, estimulado em parte pela fundação de um centro de pesquisas de

pós-graduação, o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de

Birmingham, em 1964. Essa corrente teórica ganhou espaço especialmente a partir de sua

internacionalização nos finais da década de 1980, nos meios acadêmicos e está presente em

áreas do conhecimento como a Antropologia, Sociologia, história, Geografia, possibilitando

as pesquisas uma diversidade de abordagens.

Desde aqueles primeiros tempos, tem havido uma enorme expansão do ensino e a

demanda dos Estudos Culturais por parte dos estudantes, não apenas no Reino Unido, mas

também em âmbito internacional. Igualmente significativa, talvez, tenha sido a forma como os

elementos dos Estudos Culturais têm sido incorporados pelas disciplinas mais tradicionais, e o

modo pelo qual a “virada cultural” tem influenciado e mesmo modificado as práticas

acadêmicas dominantes.

É imperioso colocar em destaque a influência dos Estudos Culturais para a tecitura

dessa dissertação, porque possibilitou interpretar questões de ordem social e econômica,

referentes ao contexto paraense, desconectadas de análise estruturalista, com isso permitiu

observar outras dimensões da vida humana de um literato negro, oriundo de família pobre,

colocando em relevo vozes de culturas “subalternas”. Desta forma, a virada epistemológica

representada pelos Estudos Culturais evidencia como cultura, consciência e experiência, são

dimensões amalgamadas no fazer cotidiano de qualquer agente histórico.

Page 15: Entre poéticas e batuques

24

A relação de Bruno de Menezes com o primeiro grupo de modernistas e os

articuladores da revista Belém Nova, seu idealismo à frente do cooperativismo, serviram de

fio condutor para uma aproximação com o texto A fração de Bloomsbury, de Raymond

Williams (1999). Neste artigo, o intelectual inglês analisa a experiência de um grupo cultural

britânico nos primeiros anos do século XX, bem como sua representabilidade para a

sociedade e cultura inglesa. Nele, Williams debruça-se sobre as relações pessoais e o prazer

estético. Assim, aproximo as relações de Bruno de Menezes com os Estudos Culturais

Britânicos, à frente da Belém Nova e de um grupo de intelectuais da paisagem amazônica,que

experimentaram a arte de arquitetar uma produção atravessada por idéias também presentes

no trabalho de Willians e seu círculo cultural.

Quanto à crítica velada dos Estudos Culturais no que se refere à superficialidade

analítica de algumas pesquisas em humanidades, fui ao encontro dos movimentos históricos

vivenciados por Bruno de Menezes em suas práticas públicas e domésticas. O objetivo era

desvencilhar-me da crítica da superficialidade analítica. Assim, ancorado pelos ensinamentos

de Martín-Barbero (2006), que critica essa fragilidade no conteúdo, compreendi que “há

conceitos tão carregados de opacidade e ambigüidade que só a sua historização pode permitir-

nos saber de que estamos falando mais além do que supomos estar dizendo”. Portanto,

historicizar as práticas sociais de Bruno de Menezes permitem-me superar a fragilidade de

análise que também preocupou Barbero.

Utilizei para isso a pesquisa documental de autores e obras, livros, artigos, teses,

dissertações e monografias sobre Bruno de Menezes e suas obras. Foi necessário captar de

modo empírico o circuito intelectual de Bruno de Menezes, em entrevistas com parentes, e

conversas com amigos. Assim, o recurso metodológico da História Oral foi muito mais do que

uma técnica de apreensão de informações, mas um campo teórico de interpretação das

experiências narradas. Somando a isto, avancei a investigação sobre a trajetória de Bruno de

Menezes em leituras de jornais, suplementos literários e das diferentes edições da obra, assim

como do acervo particular (cartas, fotografias, correspondências).

Analisando esse material fui ao encontro da trajetória de vida do autor, suas

influências, refutações, as simbologias utilizadas, as significações, crenças, identidades,

religiosidades e saberes vividos por ele.

Nesse sentido, ancorado pelos Estudos Culturais, aporte teórico que se constitui em

um campo de investigação interdisciplinar e ocupa-se em interpretar essas experiênciais

socioculturais de diferentes grupos em mediação e conflitos, voltando-se especialmente para a

sociedade contemporânea sem esquecer as práticas vividas no passado, pesquisei a trajetória

Page 16: Entre poéticas e batuques

25

de Bruno de Menezes a partir da obra Batuque e do aspecto contextual (histórico, político,

social, econômico) que a cerca. Assim, fiz um levantamento de livros relacionados à obra

elaborada, periódicos, informações disponíveis na Internet, biografias, fotos, artigos,

monografias, dissertações e teses que de alguma maneira discutissem a obra e a temática da

negritude, de identidades, religiosidades e saberes e suas relações com o contexto amazônico.

Diante do exposto desenvolvi o estudo da seguinte forma: a) Levantamento dos

aportes teóricos que discutam a questão da negritude; b) Relacionei a constituição dos poemas

contidos na obra Batuque e as experiências vivenciadas por Bruno de Menezes; c) Apresentei

as contribuições do engajamento e sensibilidade do autor Bruno de Menezes com as questões

(políticas, históricas, sociais, éticas, econômicas e culturais) que envolvessem identidades,

religiosidades e saberes dentro de um contexto mais local como é o caso da realidade

Amazônica.

Diante dos fatos históricos pesquisados, em entrevistas transcritas e interpretadas,

leituras e aspectos alegóricos que serão apresentados nesta dissertação, torna-se possível a

construção do que chamei de: Entre poéticas e Butuques: Trajetórias de Bruno de Menezes.

É preciso frisar que toda obra possui um valor histórico, literário, político e cultural.

Ciente disto optei para esta tecitura a obra Batuque, uma vez que é a mais conhecida no

circuito literário da Amazônia paraense, dentre o vasto repertório de poesias, romances,

crônicas e reportagens do autor.

A obra foi publicada em 1931 e caracteriza-se pelos poemas de motivos afro-

brasileiros. É um conjunto de poemas que narra os ritmos, as celebrações, a história, a

saudade e a transcendência da alma do negro. O poeta Dalcídio Jurandir comentou sobre a

obra. É um retrato de Belém, história do Umarizal, da Pedreira e da Cremação do cais e das velhas docas. O subúrbio e o terreiro, em suas páginas estão cantando e dançando. O livro, por isso , tem uma saborosa força nativa e o poeta nos transmite “a vida brasileira que ele viu, gozou e viveu” nesta Belém tão sua. Batuque e uma importância histórica e literária na poesia brasileira, sobretudo na poesia Amazônica. O poema atravessa a cidade como um igarapé de maré cheia (JURANDIR, Jornal folha do Norte de 24/10/1960).

Por influência de minha formação literária com Bruno de Menezes, ficou evidente

que esta escrita estaria eivada pela admiração nutrida. Percebendo que isto poderia ser um

problema da pesquisa, alarguei os horizontes investigativos com o recurso da História Oral.

Assim, recorri à memória de seus familiares. Com entrevistas junto a seus filhos e filhas,

analisei outros meandros da vida de Bruno de Menezes que a obra Batuque não dava conta.

Page 17: Entre poéticas e batuques

26

As narrativas foram de fundamental importância, uma vez que as compreendo como

patrimônio capaz de garantir continuidade do tempo e permitir resistir à alteridade, ao tempo

que muda as rupturas que são o destino de toda a vida humana (ROUSSO, 1998, p. 94-95).

Esse exercício de memória trará a presença do passado. Transitar entre historia e

memória possui um caráter complexo, pois a subjetividade, os fenômenos conscientes,

inconsciente, a interpretação e a distorção devem ser consideradas pelos pesquisadores.

Essa dissertação contempla o gênero biográfico, a investigação de como a realidade

molda os sujeitos, levando em conta os episódios participados, seus circuitos e sua criação.

Nesse sentido, o estudo entre história e narrativa é imprescindível por apropriar-se de

particularidades dessas duas áreas, é o instrumento em que os questionamentos e as técnicas

da literatura são transferidos à historiografia.

Diante do fato de ser a biografia, um campo do domínio também da História, o

questionamento entre os historiadores é o da possibilidade de construção dessa história de

vida, uma vez que os fatos não acontecem de maneira coerente, seguindo uma cronologia

linear, a partir de um ponto de vista histórico-evolutivo. Levi (2009, p. 167) ressalta que Nem sempre o protagonista – a pessoa biografada – poderá ter tomado decisões ou praticado ações movida apenas por certezas, agindo de forma linear. Ao contrário, um fato ocorrido na vida de alguém pode advir, muitas vezes de forma não linear de acontecimentos.

A intercessão entre História e Literatura proporciona um desafio para o

desenvolvimento desta pesquisa. Nesta escrita, assumindo a postura de investigador de Bruno

de Menezes, deparei-me com a necessidade de selecionar, recortar, explicitar fatos. A

biografia requer reconstrução e (re) interpretação de fatos. O pesquisador deve lançar mão de

ferramentas, como cartas, diários, portfólios e outras fontes passíveis de interpretações

(LENNEBERG, 1988).

Mesmo com os desafios presentes na investigação para moldar o gênero biográfico

essa prática vem fortalecendo-se entre os pesquisadores das mais diversas áreas das ciências

humanas. Estes, ao buscarem formas de escrever e compor biografias indicam práxis

diferentes dentro do gênero como, por exemplo, a observação de comportamentos

representativos dentro de um grupo social, a ilustração de um contexto social histórico, o

retrato de uma época, o estudo de padrões culturais e o estudo das margens da sociedade, é

neste sentido que a teoria dos Estudos Culturais Britânicos ganha evidência na pesquisa.

Para Peter Burke (2000), os historiadores ou pesquisadores interessam-se pela

“historia social do lembrar”, levando-se em consideração que a memória social, como a

Page 18: Entre poéticas e batuques

27

individual é seletiva, e que os grupos sociais determinam o que são memoráveis. Para isso não

se pode esquecer que “as memórias são maleáveis, e é necessário compreender como são

concretizadas, e por quem, assim como os limites dessa maleabilidade” (BURKE, 2000 p.

72).

Este trabalho segue uma relação entre Literatura e História, uma aproximação que

suscita inúmeros debates. Mendonça (2003, p. 2), sublinha a crise desses paradigmas:

As relações entre Literatura e História estão no centro do debate da atualidade e apresentam-se no bojo de uma série de constatações relativamente consensuais que caracterizam a nossa contemporaneidade na transição do século XX para o XXI: a crise dos paradigmas de análise da realidade, o fim da crença nas verdades absolutas legitimadoras da ordem social e a interdisciplinaridade.

É o entendimento da possibilidade da literatura registrar as ações do homem em sua

historicidade, sua cosmovisão que permite ao historiador adotá-la como área de pesquisa.

Mendonça (2003, p. 2), enfatiza a Literatura como alternativa constituinte da realidade.

Assim, mesmo que os literatos a tenham sempre produzido sem um compromisso com a verdade dos fatos, construindo um mundo singular que se contrapõe ao mundo real, é inegável que, através dos textos artísticos, a imaginação produz imagens, e o leitor, no momento em que, pelo ato de ler, recupera tais imagens, encontra outra forma de ler os acontecimentos constitutivos da realidade que motiva a arte literária.

Tomando como apoio para a discussão o entendimento de Paul Ricoer (1994, p. 15)

sobre o significado da narrativa e o mundo temporal exibido por uma obra ficcional, ele

afirma: “o tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo

narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da

experiência temporal”.

Neste sentido, a partir da análise do livro Batuque estabeleci uma evidência histórica,

situada em um conjunto de fatos vividos pelo poeta. Fui ao encontro da Literatura como

testemunho histórico, como afirma Chalhoub (1998, p. 07), “tomar a Literatura sem

reverências, sem reducionismos estéticos, dessacralizá-la, submetê-la ao interrogatório

sistemático que é uma obrigação do nosso ofício. Para historiadores, a Literatura é, enfim,

testemunho histórico”.

Interpretar o passado é apropriar-se de sua reminiscência, neste sentido procurei

através da memória da família Menezes, localizar no tempo, estabelecer temáticas e

interpretar essa coletividade de pensamentos e histórias de vida do autor de Batuque. Em

entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, ocorridas durante o mês de fevereiro de 2011, os

Page 19: Entre poéticas e batuques

28

filhos de Bruno de Menezes puderam expor suas relações, sentimentos, divergências e

harmonias com o patriarca. O desafio em operar com esses registros orais segue os conselhos

de no que se refere ao uso da memória para o bem coletivo da sociedade e nunca para

marginalizar seus sujeitos (LE GOFF, 1994).

O historiador norte-americano Michel Frisch sugere a aplicação do conceito de

autoridade compartilhada com a história oral e aos projetos que assumem seriamente a tarefa

de envolver pessoas no processo de analisar o que significa recordar, e o que fazer com as

memórias para torná-las vívidas e produtivas e não meros objetos para acervo e classificação

(FRISCH, 1990). Assim, as narrativas dos familiares assumem o importante papel de

construir possibilidades de maior entendimento do que foi a produção literária de Bruno de

Menezes.

Para dar maior suporte à metodologia de interpretação da oralidade, destaco

Alessandro Portelli, quando analisa o tempo na história oral. Segundo este, “contar uma

estória é tomar as armas contra a ameaça do tempo, resistir ao tempo ou controlar o tempo. O

contar uma estória preserva o narrador do esquecimento; a estória constrói a identidade do

narrador e o legado que ela ou ele deixa para o futuro” (PORTELLI, 1991, p. 59).

Nesta perspectiva, para que as memórias de Bruno de Menezes possam resistir ao

tempo e construa um legado para as gerações futuras, coloco em relevo esses campos públicos

e domésticos. Assim, a partir das narrativas, reconstruo sua trajetória para demonstrar como

as práticas cotidianas, seja com a esposa Francisca Menezes e filhos, seja junto aos circuitos

literários e amigos intelectuais, influenciaram sua obra.

O primeiro exercício de escuta realizei com uma das filhas de Bruno de Menezes. A

jornalista e religiosa da Congregação do Precioso Sangue de Cristo, irmã Marília Menezes.

Além da grata disposição em narrar sobre o pai, se prontificou em articular entrevistas com os

demais filhos.

Uma sucessão de contatos telefônicos e e-mails foram feitos para ajustarmos hora e

local das conversas. Assim, em uma tarde de terça-feira na casa de sua Congregação,

localizada no bairro da Cidade Velha, em Belém (PA), iniciei as audições.

O silêncio do local e a tranquilidade do ambiente proporcionaram uma conversa

longa, só interrompida por uma leve chuva. Em sua narrativa, Irmã Marília lembrou a

infância, seu apego ao pai e os últimos momentos de vida. Nos dias seguintes, as entrevistas

se sucederam com os demais filhos. Agora, todas realizadas na residência da família no

mesmo bairro da Cidade Velha.

Page 20: Entre poéticas e batuques

29

A casa bem conservada, arejada, com móveis e decoração que me remeteram a

década de 1930, ainda mantém traços da arquitetura do período. Foi inevitável perceber que

aquela sala um dia fora o espaço de convivência e trânsitos de ideias de Bruno de Menezes.

Tudo era latente para provocar sensações da presença do literato. Desde a disposição dos

móveis até a colocação das fotografias nas paredes e cômodas. Dentre as fotos uma chamou-

me atenção por já ser clássica e difundida entre os pesquisadores de Bruno de Menezes. É um

registro do grupo de intelectuais modernistas no Estado do Pará, publicada em 1924. Paulo

Oliveira, Bruno de Menezes, Edgard de Souza Franco, Farias da Gama, De Campos Ribeiro,

Abgar Soriano de Oliveira e Clovis de Gusmão, foram os literatos expostos na fotografia (ver

fig. 01).

O registro fotográfico faz emergir uma imagem coletiva resultado de uma

convivência capaz de atravessar campos pessoais. Inspirando-me na cena, lembro de Ecléa

Bosi (2004, p. 411), ao relatar “uma memória coletiva se desenvolve a partir de convivências

familiares, escolares, profissionais. Ela entretém a memória” uma leitura da imponência do

momento de transição que vivia a literatura paraense.

As outras entrevistas foram realizadas com a professora e pianista Maria Lenora

Brito, que possui uma pesquisa sobre a musicalidade de Batuque; com Maria de Belém

Menezes, guardiã da obra do pai, com o sacerdote emérito Geraldo Menezes e com o médico

José Haroldo, todos os filhos do poeta Bruno de Menezes.

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”.

Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um

perigo (BENJAMIN, 1994, p. 224). Nessa busca de fontes orais sobre a vida do “poeta da

negritude3” dois referenciais seriam importantíssimos para se entrevistar, pois a historia da

literatura modernista paraense, auferiu com eles um enorme debito: Alonso Rocha, O príncipe

dos poetas paraenses, e, então presidente da Academia Paraense de Letras, participante ativo e

frequentador da Turma da Central que junto a outros literatos seriam os protagonistas da

segunda geração de modernistas, e, Benedito Nunes, importante filósofo e critico literário que

participou da geração dos novos modernistas.

Neste sentido, dar visibilidade aos que conviveram com o poeta Bruno de Menezes,

como articularam, trocaram experiências e transitaram na sociedade nesse período

pesquisado, seria uma forma de construir um repertorio de informações de valor inestimável

para o conhecimento sobre a Amazônia.

3 Título atribuído a Bruno de Menezes pelo círculo literário em Belém.

Page 21: Entre poéticas e batuques

30

Com o objetivo de reconstruir essa narrativa histórica de uma geração literária e

aproximar cada vez mais o passado do presente, como afirma Chartier (1991), a história se

incube de buscar o conhecimento, que através de seus métodos de pesquisa, produz registro

histórico, mesmo que essa seja produzida de forma literária. Diferentemente do romancista

que cria os acontecimentos e as personagens, o historiador mesmo com sua dependência do

passado, busca especialmente em arquivos deixados pelo homem à construção da história.

Foi na busca destes vestígios que estive em contato com Alonso Rocha4, que entre

outras atividades literárias era o biografo de Bruno de Menezes, e se dispusera a contribuir

como fonte oral nesse processo de construção da trajetória de Bruno de Menezes. Sua

memória seria imprescindível, pois presenciou fatos, afirmou e refutou com a primeira

geração de modernistas, a qual estava incluso Bruno de Menezes.

Ensaiei diversas vezes o encontro para a entrevista, porém, o “Príncipe dos Poetas”,

título atribuído a ele pela Academia Paraense de Letras, faleceu no dia 26 de fevereiro de

2011, aos 83 anos, antes de realizar nossa planejada conversa. O mesmo fato aconteceu uma

semana depois com Benedito Nunes5. Registro a forte presença dessas duas personalidades

sedimentadoras na consolidação da literatura brasileira.

4 Raimundo Alonso Pinheiro Rocha, (1926-2011) nasceu no Pará, em 15 de dezembro de 1926, filho do poeta José Ladislau da Rocha Junior e Adalgiza Guimarães Pinheiro Rocha, foi um dos fundadores da Academia dos Novos. Ocupou a cadeira de N° 32, da Academia Paraense de Letras desde 22 de novembro de 1963. Como poeta conquistou diversos prêmios como: Vespasiano Ramos da Academia Paraense de Letras; O Santa Helena Magno, do governo do Estado do Pará; o primeiro lugar no concurso literário do Norte do Brasil, promovido pelo jornal Folha do Norte; Palma de Ouro e de bronze no concurso poema do mundo Lusíada, na Academia Poema de Massachusetts, USA. Foi eleito príncipe dos poetas paraenses pela Academia paraense de letras em 8 de outubro de 1987. 5 Filósofo e escritor brasileiro Benedito José Viana da Costa Nunes (1929-2011), mais conhecido como Benedito Nunes, nasceu no dia 21 de novembro de 1929, em Belém, capital do Pará, ingressou no universo da leitura aos quatro anos, cresceu sempre ao lado de seus melhores amigos, os livros. Realizou seus estudos secundários e, quando jovem a Faculdade de Direito. Sua vida foi incessantemente dedicada à Filosofia e à Literatura. Desde os anos 50 atuou como professor, lecionando na Universidade Federal do Pará, como professor titular de Filosofia, e em outras universidades brasileiras, francesas e norte-americanas, no campo da literatura. Foi um dos criadores da Faculdade de Filosofia do Pará, realizou seu mestrado na Sorbonne, em Paris. Sua carreira intelectual não impediu que ele se aventurasse também no campo do teatro, fundando, ao lado de sua esposa Maria Sylvia Nunes e da cunhada Angelita Silva, o Norte Teatro-Escola, depois assumido pela Universidade Federal do Pará. Quanto à literatura, Benedito escreveu desde a infância. Na fase adolescente ele escreveu para periódicos da escola, colaborando posteriormente com jornais da região, elaborando resenhas e críticas literárias, que depois se estenderam aos veículos de âmbito nacional. Sua obra é vasta, composta de livros, participações em criações coletivas e artigos inúmeros em edições especializadas. Sua primeira obra foi justamente uma análise do trabalho de Clarice Lispector – O mundo de Clarice Lispector, de 1966 -, sobre quem escreveria constantemente. Ele se especializou particularmente em discorrer sobre a ligação entre a literatura e a filosofia, unindo assim suas duas paixões. Alguns de seus livros mais conhecidos são: O Crivo de Papel; O drama da linguagem: uma leitura de Clarice Lispector; Oswald Canibal; O tempo na narrativa; No tempo do niilismo e outros ensaios; O dorso do tigre; entre outros. É especialista também em Guimarães Rosa, na esfera literária, e em Kant, Heidegger e Nietzsche, no campo filosófico. Suas produções mais recentes são Heidegger e Ser e Tempo, de 2002, e Crônica de duas cidades: Belém e Manaus, escrito em parceria com o escritor amazonense Milton Hatoum, de 2006.

Page 22: Entre poéticas e batuques

31

Embora sem a presença física de Alonso Rocha, parte do material produzido por ele

sobre Bruno de Menezes, como palestras, discursos e poemas, foi gentilmente cedido por seu

filho Geraldo Rocha com o consentimento da esposa e da família Rocha.

Outra grata alegria na composição do material para essa pesquisa foi ter gravado em

vídeo, o último pronunciamento público feito pelo poeta Alonso Rocha, por ocasião do

aniversário de 50 anos da obra Onze sonetos, poema de Bruno de Menezes, no mês de

Dezembro de 2010, dois meses antes de sua morte.

Outros fatos ficaram ligados num círculo entre Alonso Rocha, Bruno de Menezes e a

pesquisa em questão. Alonso era o substituto de Bruno de Menezes na cadeira 32 da

Academia Paraense de Letras (APL), amigo e biografo do poeta. Seu interesse pelo trabalho

incentivou-me a pesquisa documental na biblioteca da APL, com isso avancei na coletar de

informação e fotografei o material disponível nesse local.

A pesquisa documental foi outro elo na consolidação deste trabalho. Foi durante um

mês confinado nas bibliotecas da Academia Paraense de Letras, da Arthur Viana e do Arquivo

Público do Pará, que acompanhei a memória cultural, social, artística e literária, impregnada

nos textos de seus articulistas, período entre 1923 a 1945, tempo que circulou a Revista Belém

Nova (1923 a 1929), um dos marcos do modernismo na capital paraense, e, outros periódicos

como o Suplemento Literário da Folha do Norte, as revistas A Semana, Terra Imatura e

Amazônia. Tais acervos foram importantes para o entendimento dos meios de produção e as

práticas sociais nas primeiras décadas do século XX.

É preciso lembrar, a última década do século XIX, mais precisamente o ano de 1893,

um ano marco para este trabalho, pois além de importantes fatos sociais surgido no final deste

século, que tratarei no decorrer desta dissertação, nascia Bento Bruno de Menezes Costa,

menino paupérrimo do bairro do Jurunas em Belém, negro, filho de pedreiro com uma

lavadeira e com um intenso circulo de amizade.

Os últimos dez anos do século XIX foram de grandes transformações políticas,

sociais, culturais e artísticas, haja vista a efervescência que vivia a sociedade paraense e as

mudanças nas paisagens urbanas que eram implantadas em Belém pelo intendente Antonio

Lemos6. É nesse contexto de diálogo, trocas culturais e práticas sociais vividos pelo poeta

Bruno de Menezes, captados em vestígios deixados pela sua história de vida e as marcas e

heranças culturais, sociais, políticas e artísticas, além da familiar, que esquematizei este

trabalho em três capítulos.

6 Ver mais em SARGES (2000; 2002).

Page 23: Entre poéticas e batuques

32

No primeiro capitulo, apresento a memória de dois percursos históricos, a

efervescência literária do final do século XIX, através da revista Mina Literária, e as

transformações urbanas, políticas e sociais no inicio do século XX. Estes espaços temporais

foram necessários para localizar Bruno de Menezes e com isso entender sua trajetória. Minha

intenção foi de reconstruir através de suas práticas de sociabilidades, os circuitos literários

frequentados, sua cosmovisão e seus engajamentos políticos.

Ainda nesse capítulo sua historia de vida pessoal, sua infância na estância coletiva A

jaqueira, no bairro do Jurunas, a luta para o sustento da família, uma contradição diante do

período altivo da belle-époque7, e a relação com sua mãe Maria Balbina, uma mulher de

origem africana, lavadeira e cozinheira, inspiradora e influenciadora de muitas vozes do

poeta. Dentro desse panorama evidenciei histórias de pessoas que conviveram com o poeta,

para dar conta e entender seus movimentos.

Como fontes orais, entrevistei os filhos: Marília, José Haroldo, Geraldo, Maria de

Belém Menezes, Lenora Brito e uma das últimas pessoas da mesma geração familiar do poeta,

sua irmã Lourdes Cavalcante Menezes, que à época da entrevista estava com 96 anos. Pessoas

que através de suas memórias reconstruíram o passado de Bruno de Menezes. Um passado

histórico público e doméstico. Todos esses depoimentos perpassam a historia de vida pessoal

e o engajamento político de Bruno de Menezes, uma vez que o grau de proximidade e

afetividade com o poeta possibilitou um olhar mais particularizado para o entendimento do

que nesse capítulo entendo ser a sua vida pessoal.

Para detalhar sua vida doméstica apresentei a composição familiar e um tópico pouco

tratado nas pesquisas sobre sua vida. A influência da professora Francisca Menezes, sua

esposa, em sua visão literária. Para finalizar o primeiro capítulo coloquei em relevo, a vida

boemia e sua relação com a lua, inspiradora de muitos poemas.

No segundo capítulo examino a poética e a política em sua vida e em sua obra, o

engajamento político e a partir de sua vivência e diálogo, sua representação literária. Neste

capítulo, faz-se necessário, um olhar sobre suas resistências e seu lado anarquista. Sua

participação na articulação de pensamentos e formação de grupos de intelectuais modernos

especificamente na Revista Belém Nova, além dos periódicos e suplementos literários em que

articulou seus textos. Não é possível estudar a produção desses periódicos e suplementos sem

observar seus meios de produção, suas matrizes intelectuais e os fatos e acontecimentos que

7 Sobre esse período histórico, há uma diversidade de trabalhos, entre eles é valido citar: (SARGES, 2000; FIGUEIREDO, 2008).

Page 24: Entre poéticas e batuques

33

envolveram a época, local e mundial, pois a literatura produzida por esses intelectuais

estavam em consonância com as tendências literárias mundiais dentro desse envolto histórico.

Com esse arcabouço mostro o conjunto literário do poeta, mesmo que, de forma

sintética, identificando os meios de produção na tecitura literária e particularmente em sua

obra Batuque. Assim pelos poemas contidos na obra em questão, lanço mão a uma temática

silenciada e forjada ao longo da história mundial: a escravidão negra, que, nesta obra em

especial, vai de encontro ao que a literatura brasileira transmitia sobre esses agentes sociais

que foram estereotipados e mascarados.

No terceiro e último capitulo identifico as recepções de alguns intelectuais que

dentro de seus campos de conhecimentos analisaram a obra Batuque. Exploro eixos temáticos

como os saberes, as identidades, a religiosidades, a memória, a musicalidade, a sensualidade

negra dentro da obra. Em Batuque, Bruno de Menezes expõem essas identidades adquiridas

ao longo de sua trajetória de vida, lança mão das religiosidades assimiladas, ora manifestada

por sua origem africana, ora pela ressignificação religiosa exercida por sua mãe, ora mesclada

pela vivência no bairro de sua infância e no seu círculo social. Assim trago a maneira como

trabalhou, dialogou, interagiu e produziu arte.

I Trajetórias de Bruno de Menezes

1.1 Belém em tempo de efervescência cultural

É importante o olhar sobre um período histórico literário, que antecedeu o

nascimento do poeta Bruno de Menezes, pois esse espaço temporal traz um conteúdo a mais

para se entender quais as circunstâncias literárias, políticas e sociais que influenciaram os

intelectuais e poetas, que, mais tarde dialogariam com o poeta Menezes.

Desta forma ter-se-á um repertorio de informações para assim conhecer, interpretar e

reconstrui, suas tendências, anseios, tensões e o caminho percorrido por ele na construção de

sua literatura. É com essa intenção que proponho trilhar esse período.

As últimas décadas do século XIX foram antagônicas, de efervescência e

desfalecimento literário no Pará. O surgimento da revista Mina Literária veio aquecer as

letras depois de anos de marasmo cultural8. Neste período, posso grifar os anos de 1870-1885,

em que a primeira leva de literatos do norte ensaiava publicações de livros e artigos na revista

8 É válido examinar reflexões de REGO (1997)

Page 25: Entre poéticas e batuques

34

Amazônica. Nomes importantes da sociedade local destacavam-se na elaboração e produção

literária, como: Domingos S. Ferreira Pena, Domingos Rayol (Barão de Guajará), José da

Gama Abreu (Barão de Marajó), conselheiro Tito Franco de Almeida, os Drs. Clementino

José Lisboa, Geraldo Barbosa de Lima, José Joaquim de Assis, Corrêa de Freitas, José

Galdino, Júlio Cesar Severiano Bezerra de Albuquerque.

Neste contexto, as ideias abolicionistas circulavam de norte a sul do país, o ardor

patriótico e sentimentos altruísticos, em prol da extinção da escravatura inflamavam-se nos

diversos meios de produção. REGO (1997, p. 21), reconstroi esse ambiente efervescente.

No Pará, a mocidade das escolas, as associações maçônicas, poetas e jornalistas, batiam-se com a palavras e com a pena, pelos jornais e nas praças públicas, promovendo a quermesse e comícios populares, nos quais cada patriota era um orador fluente ou um poeta inspiradíssimo.

Durante esse período, as letras paraenses voltam-se para a publicação de poemetos;

contos foram idealizados e construíram romances, cuja centralidade girava em torno do anti-

escravismo. Essa cintilança cultural trouxe mais adeptos para a literatura nortista, outros

jovens uniram-se aos que já circulavam, nomes como Elias Viana, Alfredo Pinto, Paulo

Maranhão, Pádua Carvalho entre outros, traduziam a expectativa social, fonte de uma intensa

vida literária, convívio espiritual entre cafés e teatros, residências e bondes.

Segundo Rego (1997), depois da abolição da escravatura um período de letargia

literária tomou conta da vida cultural belemense, salvo por um ou outro conto literário que

surgia pelas gazetas.

Foi para acabar com esse desfalecimento literário que o poeta Natividade Lima,

escritor que mais tarde ocuparia a cadeira de número 32, da Academia Paraense de Letras, o

mesmo acento que anos depois, seria preenchido por Bruno de Menezes e por Alonso Rocha,

publicou nas Folhas Diárias um convite: Solicitamos aos que se interessarem pelo desenvolvimento literário d’Amazônia, o obsequio de comparecer às 9 horas da manhã de domingo, 2 de dezembro, na casa do Sr. Eustachio de Azevedo, à Rua da Trindade, canto do Alecrim, para uma reunião que decidirá do futuro de nossa coletividade literária (Pará 27 de novembro de 1894) (REGO apud AZEVEDO, 1997, p. 23).

O resultado desta reunião, segundo relato do escritor Eustaquio de Azevedo, contou

com a presença dos principais intelectuais locais, desta última década do século XIX: Drs.

Álvares da Costa, Paulino de Brito, Natividade Lima, Leopoldo Souza, Guilherme de

Page 26: Entre poéticas e batuques

35

Miranda, Ácrisio Mota, Alcides Bahia, Manuel Lobato, João de Deus do Rego, Theodoro

Rodrigues, Euclides Dias e Luiz Barreiros.

Estava assim criada a Mina Literária “associação de letras que constitui um dos

fortes elementos da literatura no norte do Brasil” (REGO apud AZEVEDO, 1997, p. 24), cuja

inauguração aconteceu no dia 1° de janeiro de 1894, ano em que o poeta Bruno de Menezes

completou seu primeiro ano de vida.

A mudança no ambiente literário foi mais intensa, pois a Mina Literária “despertou o

amor pelas letras no ânimo de nossos jovens patrícios e fez em prol de nossa literatura o que,

até então, nenhuma associação fez até hoje” (REGO apud AZEVEDO, 1997, p. 24).

A Mina Literária foi criticada por grupos antagônicos, como uma farsa, e seus

membros foram taxados de ridículos e tolos, porém como movimento literário cabe registrar a

contribuição desse periódico que durante os quatro anos de sua existência produziu varias

obras editadas no Pará: Brado d’Armas, soneto de Natividade Lima; Nevoeiro, versos de

Eustachio de Azevedo; Alma Nova fantasias de Euclides Dias; Paginas Avulsas, artigo e

crônicas de Álvares da Costa; Maria Luiza, romance naturalista de Ovídio Filho; A Viúva,

novela naturalista de Eustachio de Azevedo; Coisas Profanas, poesias, de Acrisio Mota;

Coelho Neto e Mina Literária, por vários membros da Mina; Palavras e Actos, de Lauro

Sodré. O Pará precisava “não apenas produzir borracha”, mas sim idéias. Assim, a Associação Mina Literária constituiu-se numa forte representação no quadro literário local, pelo “esforço dos seus membros, pelos trabalhos que publicou, e pela propaganda tenaz que fez das letras nortistas,”

além dela,

outras associações literárias existiram no Pará daquele momento, e foram capazes de construir uma sociedade belenense para além do câmbio e da borracha. Mesmo que, o crítico paraense José Veríssimo tenha se esquecido de citar algum desses escritores ou poetas em sua obra História da Literatura Brasileira: De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908), publicada em 1916, no Rio de Janeiro, pela Francisco Alves (COELHO apud EUSTÁQUIO, p. 35).

A intenção até aqui é reconstruir o circuito do movimento literário que surgiu

durante o ano de nascimento do poeta Bruno de Menezes, fato que contribuiu sobremaneira

para a construção dos ideários literários, político e social nos anos seguintes e sublinhar

alguns desses escritores, partícipes desse primeiro movimento, que viriam dialogar com

Menezes nas décadas posteriores.

Page 27: Entre poéticas e batuques

36

1.2 Artimanhas do popular na Belém do início do século XX

Depois do contexto literário faz-se necessário identificar os meios de produção que

envolveram os processos políticos e sociais vividos no início do século XX, por isso mostrar a

política, a economia, a educação e, particularmente, o povo vivente, aspectos que possibilitam

entendimento do ambiente que constituiu a infância do poeta Bruno de Menezes.

A Belém do final do século XIX e início do século XX viveu um período de

transformações espaciais e desenvolvimento econômico proporcionado pelo comércio

gomífero. Este ciclo econômico provocou inúmeras mudanças na capital do Pará. Povoados,

vilas e cidades formavam-se a partir da chegada de imigrantes, índios e homens de diversas

nacionalidades e etnias, sobretudo do nordeste brasileiro para trabalhar na extração da

borracha, “num círculo infernal de epidemias tropicais, acidentes nos locais de trabalho

algumas greves e revoltas” (HARDMAN, 1988, p. 129)

A riqueza belemense podia ser acompanhada pela mudança nos hábitos de sua

população que passava a copiar o estilo europeu de viver, a moda, a culinária, concertos,

espetáculos e a apreciação da musica erudita9. SARGES (2000, p. 58), informa sobre o

surgimento de famílias ricas a partir deste período.

O aparecimento da borracha determinou alterações acentuadas na estrutura social belemense e surge então uma classe de homens político e burocratas formados por nacionais; os comerciantes, basicamente portugueses, os profissionais liberais geralmente de famílias ricas e oriundas das universidades européias.

Os hábitos ostensivos dos habitantes da belle époque eram de demonstração de

caprichos, os familiares dos seringalistas mandavam encadernar livros em Paris, lavar roupas

em Londres e passavam constantemente temporadas e férias na Europa (COELHO, 2005). As

casas e os palacetes dos “barões da borracha” construídos em Belém tinham fachadas e

interiores decorados com objetos de arte e de consumo que chegavam da Europa pelos

transatlânticos. Neves (2009, p. 95) mostra o discurso europeu impregnado no pensamento

coletivo da cidade.

O título de Paris na América, no início do século XIX, tão aclamado pela sociedade da cidade mostrava como o discurso do colonizador havia se estabelecido na cidade. Era necessário chegar a um nível superior dentro da tradição ocidental e Portugal, no final do século XIX não representava mais o modelo de metrópole. Muitos anos depois da Independência, a cidade

9 Há uma vasta bibliografia sobre esse período. Entre os clássicos da nova historiografia, ver: MASCARENHAS (1988) e SARGES (2000).

Page 28: Entre poéticas e batuques

37

elege Paris como modelo de urbanidade, mais luzes e menos igrejas. (...) Ainda hoje, para a maioria dos intelectuais da cidade, quando se fala em patrimônio, não há dúvida de que se está falando da Belém portuguesa ou da Belém francesa.

A exploração da borracha trouxe desenvolvimento à capital paraense que reproduziu

o modelo de urbanismo europeu, mais particularmente o francês, entretanto a opção por uma

Belém afrancesada seguindo o discurso atualizado do colonizador, não apagou os diálogos da

cidade com tempos e saberes portugueses.

Os negócios advindos da goma elástica abasteceram os cofres públicos através de

impostos e do comércio do látex (SARGES, 2000). De um lado o progresso chegava com a

velocidade do comercio, de outro, um grave problema de abastecimento de alimentos surgia,

haja vista a falta de incentivo à agricultura e à pecuária local, fato registrado pelo poeta José

Veríssimo10 na Revista Nosso Pará na primeira edição. Vários fatores contribuíram para o fracasso da agricultura no final do século XIX. A qualidade dos solos a falta de investimentos na Estrada de ferro ligando Belém a Bragança também foi outro obstáculo difícil de ser superado (a conclusão da ferrovia somente se deu no ano de 1908, vinte e cinco anos depois de inaugurada) (VERÌSSIMO, 1996, p. 67).

Nessa época, Belém era administrada pelo intendente Antonio Lemos (1897-1910),

que estabeleceu inúmeros projetos de urbanização para a cidade. Em sua gestão foi construído

o primeiro crematório da America Latina, proporcionou iluminação elétrica, bondes ingleses e

mercados populares aos moldes europeus. Weinstein, (1993, p. 220), comenta sobre o

crescimento de Belém e sua relação com as demais cidades da América Latina. A arborização das ruas com as “famosas” mangueiras, calçamento de vias publicas com pedras portuguesas, construção de praças, boulevards, hospitais, mercados e a implantação do sistema de água e esgoto. No auge da expansão da borracha, Belém chegou a ser uma das mais notáveis cidades da América Latina.

Mesmo investindo em infraestrutura na capital paraense, o governo de Antonio

Lemos, segundo os críticos a época, passou despercebido em inúmeros problemas sociais

como a prostituição, mendicância e a disseminação de vendedores ambulantes, muitos sem

ocupação tiravam seus sustentos desse comércio. De Campos Ribeiro (1966, p. 122) mostra a

ativa prostituição nos arredores de Belém:

10 José Veríssimo nasceu em Belém, Estado do Pará, em 1857 e faleceu em 1918. Homem de letras e crítico conceituado foi diretor do Ginásio Nacional e da Escola Normal do Rio de Janeiro. Novelista, historiador, crítico literário e erudito escritor. Sobre a trajetória desse intelectual, ver Bezerra Neto (1998; 2002).

Page 29: Entre poéticas e batuques

38

Abundavam, então, entre o mulherio, adolescentes; importadas de Bragança, das praias do Maranhão; de Vizeu, de Urumajó... Perambulavam, rua acima, rua abaixo, por vezes até madrugada, a chave do quartinho de moradia; presa num barbante, rolando no indicador. Enfurnado no colo, por dentro da blusa, o lenço de que uma ponta, bem amarrada em nó, era o minguado mealheiro.

Essa contradição entre o crescimento econômico provocado pelo comércio da

borracha e o nascimento de uma cidade degradada diante de mazelas sociais, trouxe conflitos

políticos graves. O intendente Antonio Lemos sofreu pressões de diversas ordens, culminando

em 1910, com o seu abandono do cargo. Esse período de turbulência social não passou

despercebido pelo olhar de Bruno de Menezes. Na poesia Belém, cidade que teve um passado

Brunos retrata os problemas sociais, políticos e culturais da cidade.

Conversa comigo “Formosa Belém” das vaidades que se foram... Recorda os teus jardins, as tuas praças, a tua alegria irrefletida, A tua ingenuidade burguesa... (....) (...) Foste a cidade imprevidente que adquiriste personalidade socialista Dormiste sob a fama dos teus jardins florescentes, das tuas mangueiras Frondejantes e hospitaleiras, dos teus prédios hermafroditas, das tuas Ruas de antigamente... (...) (...) É isto “formosa Belém” dos álbuns feitos em Paris. Eu venho de te sentir na minha sensibilidade. ... É que estás sempre em mim, na saudade do que se foi, Na esmola que me dás da tua fraternidade, No pejo do que quiseras ter e que não tens mais, Naquilo que um dia falarão de nós dois, - no teu próprio ideal, minha cidade sofrida! (MENEZES, 1993, p.488).

Neste excerto o poeta é extremamente ufanista, uma característica desarticulada de

seu discurso. Em sua poética remete-nos ao desfalecimento do glamour da Belém da belle

époque. Menezes apaixonado pela Belém afrancesada expõe seu ufanismo e evidencia o

ambiente da capital, vivido no período da goma elástica.

Bruno de Menezes viveu o período da belle époque, e como literato e intelectual,

acompanhava a vida da capital paraense. Nesse poema Belém, cidade que teve um passado,

retrata a degradação de Belém, vista diante o declínio do período gomífero. A crítica social

feita à cidade mostra a ruína física, econômica e a pobreza que foi projetada sobre a

população. Sarges relata a degradação da cidade neste tempo.

A crise se manifestou nas falências de casas aviadoras, na queda de produção dos seringais, no caos das finanças públicas. No plano social ocorreu a pauperização da população e a deposição social de famílias instaladas com base no aviamento da borracha (SARGES, 2010, p. 133).

Page 30: Entre poéticas e batuques

39

Bruno de Menezes presenciou a transformação física, social e econômica da Belém.

Captado por sua poesia, trouxe o retrato degradante da capital paraense, uma metrópole que

desejou “luzes de candelabros, transportes modernos, conforto natural da civilização”

(MENEZES, 1993, p. 488). Entretanto, na percepção do poeta, Belém não teve um

planejamento durante esse período, levando com isso à falência social. Sarges (2010, p. 138),

acompanhando a compreensão de Luís Osíris da Silva sobre esse decadente período, confirma

esse caráter “puramente colonial, destinada ao comércio internacional”. A Amazônia, descapitalizada, manietada pela falta de poupanças locais, presa a uma estrutura econômica retrógrada, viu passar, desse modo, sua chamada fase áurea. E assim, embora tenha sido a pedra de toque da conquista do vale para o Brasil, a borracha ficaria reduzida apenas ao mais vibrante capítulo do homem planiciário para a constituição de sua economia (SARGES, 2010, p. 138).

A própria condição financeira do poeta refletia o estado lastimável deste período.

Bruno afirma o estado provinciano da capital paraense, quando relaciona os períodos de

ascensão e decadência desse tempo histórico. Mostra o pensamento da elite social que via esse

momento usufruindo da riqueza adquirida no comércio. Para a classe privilegiada esse

período seria eterno, “não passaria”. Menezes critica a ostentação, por isso “esbanjastes os

ouropeis da tua leviandade e não cuidaste de ti”. (MENEZES, 1993, p. 488).

Morador do bairro do Jurunas, Bruno teve sua infância marcada pela pobreza,

condição legitimadora do contraste social existente entre a prosperidade dos barões da

borracha e a mendicância que grande parte da população belemense vivia.

A inquietação de Bruno de Menezes frente à condição social e financeira de sua

família o fez lançar-se ao trabalho árduo como aprendiz de gráfico; conforme relata Rocha

(1998): Pobre, paupérrimo mesmo, trabalhou Bruno como aprendiz de gráfico na Livraria Moderna, de Sabino Silva, onde, como de praxe aquela época sofria vexatórios castigos impostos por Manoel da Costa. Semi-operário afeito as artes de oficina, passou-se para a livraria Gillet e já na qualidade de mestre prestou serviço na livraria Bittencourt. É uma das fases mais criticas de sua vida, espoliado e humilhado, Bruno revolta-se contra o desumano regime capitalista. E torna-se prosélito da doutrina anarquista (informação verbal)11.

11 Fragmento do pronunciamento feito em 1988, pelo príncipe dos poetas Alonso Rocha, na Academia Paraense de Letras em homenagem ao 95º aniversário de nascimento de Bruno de Menezes.

Page 31: Entre poéticas e batuques

40

Num sobressalto temporal para a década de 1940, por ser pertinente a crítica social

realizada pelo poeta, destaco o estado de pobreza que vivia Bruno de Menezes em sua fase

adulta, casado com a professora Francisquinha Menezes e com filhos. Este período, assim

como em sua infância, foi de desilusão e, ao mesmo tempo de inquietude familiar e social. O

estado miserável da família Menezes é recapitulado pelo olhar atento de sua filha, Irmã

Marília Menezes. A narrativa ilustra a solidariedade que Bruno recebeu de amigos para a

manutenção da família e para a aquisição da casa própria. As casas em que morávamos na Cidade Velha (só posso falar sobre essas) eram todas alugadas, com sacrifício, por meus pais, pois o aluguel era alto para dois funcionários públicos que ganhavam uma miséria. Muito pequenas para os 6 filhos (Geraldo vivia no Seminário de Belém)12 e os pais. Na casa da Rua Gurupá ainda tínhamos uma senhora que ajudou mamãe a nos criar durante 8 anos. Morreu quando eu tinha 6 anos e a chamávamos de mamãe Zizi. Na casa da Rua Santarém, 10, muito estreita, meus irmãos rapazes dormiam com a rede por cima da mesa, e as 4 moças no mesmo quarto pequeno. Havia uma fossa horrível na rua. Com muita oração, economia severa e ajuda de uma senhora amiga, foi possível comprar a atual casa da João Diogo, 26, que nos pareceu um palácio. Na João Diogo papai teve um quarto mais espaçoso para escrever e guardar livros e papelada, arrumada por ele e minhas irmãs. Entretanto, mamãe, com sua veia poética, sempre dizia que a casa da Rua Santarém onde passamos mais tempo, foi o casulo onde as borboletas (filhos) se formaram para a vida (informação verbal)13.

A vivência pobre de Bruno de Menezes projetou-lhe contra o sistema capitalista. Daí

sua imersão no cooperativismo e no sindicalismo como formas de resistências a dominação

econômica, fato que mais tarde iria torná-lo um defensor da humanidade e dos direitos

trabalhistas.

O soneto O Operário (1913), primeiro soneto de Bruno de Menezes publicado em

um periódico da época, chamado O Martelo, a crítica social por ele realizada mostra sua

preocupação com o desrespeito ao trabalhador:

Fatigado levanta-se o operário Por haver trabalhado o dia inteiro; E mesmo sem dirigir-se ao calvário Do seu agro labor – o grande obreiro... , se acaso não chega por primeiro Antecedendo da oficina o horário, Se quiser para o almoço ter dinheiro Tem de escutar de doestos um rosário... (MENEZES, 1993, p. 453)

12 Geraldo Menezes, hoje monsenhor, vivia no seminário de Belém, preparando-se para o sacerdócio. 13 Entrevista realizada em 19 de maio de 2011 via correspondência eletrônica.

Page 32: Entre poéticas e batuques

41

A crise econômica não diminuiu a exploração do trabalho a condição de

inferioridade dada ao trabalhador é colocada em relevo neste poema. Bruno critica a duração

da jornada de trabalho, o estado mental e físico a que era submetido o trabalhador e a baixa

remuneração.Sarges (2010, p. 103) comenta essa situação de completa submissão do

trabalhador. A força produtiva de trabalho, e, nesse período a do seringueiro, possuía uma

situação análoga a de servidão. O seringueiro era o último elo da cadeia econômica. Aparentemente, era livre, mas a estrutura econômica o colocava em situação de trabalho semelhante a servidão. Comprava os suprimentos necessários a preço altíssimo no armazém do seringalista, por isso sempre estava em debito (...) e endividado, não conseguindo mais escapar da exploração do patrão (SARGES, 2010, p. 103).

Vale citar que no inicio do século XX, as condições legais de trabalho inexistiam,

não havia leis que amparassem o trabalhador, as jornadas chegavam ate 15 horas diárias; com

remuneração miserável, locais de trabalho insalubres, sem direito as férias e descanso; os atos

de indisciplinas eram tratados com forte relação de poder que iam de multas a castigos ou até

tratados com força policial e prisão.

Neste sentido, rememorar as últimas décadas do século XVIII a meados do século

XIX, na Inglaterra, período da Revolução Industrial, sublinha as condições da classe operária.

Desta forma o crescimento das cidades e da população urbana, a construção de inúmeras

ferrovias, o aparecimento de fábricas e das classes sociais são características desse tempo

histórico. A burguesia dominava os meios de produção, enquanto o proletariado sofria a

exploração de sua força de trabalho.

A ideologia burguesa baseava-se na exploração total da classe trabalhadora, a fim de

garantir o lucro e manter a massa operária submissa, situação que não era diferente da vivida

nos seringais amazônicos. Se na Inglaterra a maioria, era oriunda dos campos, que, se

deslocavam da zona rural para as cidades em busca de empregos, principalmente nas minas de

carvão ou nas primeiras fábricas, sobretudo as têxteis, de alimentos, bebidas, cerâmicas e

outros demais produtos que visavam o nascente mercado consumidor urbano. Na Amazônia, o

trabalhador não fugia desse parâmetro: baixo salário, jornada intensa, desrespeito profissional,

submissão a condições impostas pelo patrão. O êxodo de nordestinos para Amazônia é um

fato concreto, que nos permite visibilizar esse período, principalmente ocasionado pela fuga

da seca, fato que os lançou em quantidade de milhares para a região em busca de trabalho.

O olhar do poeta sobre a classe trabalhadora remete a sua própria condição de

explorado nas oficinas gráficas, insultado e espoliado no exercício de seu oficio. Rocha (2006,

p. 12) descortina a resistência de Menezes à exploração operária e afirma a sua militância.

Page 33: Entre poéticas e batuques

42

Tendo sido o anarquismo o inspirador de ardorosos militantes do sindicalismo, Bruno abandona a profissão e, ligado a um grupo de proletários mais ou menos emancipados, dedica-se ao ensino das primeiras letras na Escola Francisco Ferrer fundada pela Federação das Classes Trabalhadoras. Daí a sua atividade constante e fervorosa na imprensa reivindicadora. ‘O Semeador’, ‘O Correio de Belém’, ‘O Combate’, ‘Jornal Pequeno’, ‘Voz do Trabalhador’, e ‘Jornal do Povo’ estampavam em suas edições, cadentes artigos sob a assinatura do moço idealista que realizava, também, conferências nos sindicatos sobre temas de educação e politização operária.

José Haroldo14, filho de Bruno de Menezes, relata a desilusão do pai com o sistema

capitalista e sua investida na organização da classe trabalhadora. O papai, devido ao fato de ter tido uma infância pobre, tinha o seu “que” de revolucionário, por isso que ele enveredou pelo cooperativismo, porque até hoje o cooperativismo é a única maneira de uma equipe de homens que não são capitalistas enfrentarem com sucesso o capitalismo selvagem, inspirado nos 28 tecelões de Rochdale, que foram os criadores do cooperativismo (informação verbal) 15.

Esse sistema, o cooperativismo16, adotado por Bruno de Menezes como meio de

diminuir a exploração dos trabalhadores, é uma forma de organização social surgida entre o

século XVIII e o século XIX, tempo em que o conflito entre capital e trabalho atingiu o seu

extremo. E as péssimas condições de vida da classe trabalhadora fizeram com que homes em

diferentes países, como Inglaterra, Alemanha, França e em outros países da Europa,

propusessem um ideal alternativo ao individualismo. É a partir desse pensamento que a classe

trabalhadora passa a se organizar e reivindicar melhores condições de trabalho e vida; ponto

de partida para que surjam as associações, os sindicatos, os partidos políticos da classe

trabalhadora, e, as cooperativas.

A experiência exitosa dos 28 tecelões de Rochdale foi o fato visto por Bruno como

exemplo a ser seguido. Uma forma de resistência à crise instalada. A cooperativa de consumo

do Pobros Pioneiros de Rochdale, constituída em 21 de dezembro de 1844, na cidade de

Rochdale. Esta cooperativa foi fruto da iniciativa de 28 operários do setor têxtil, que

buscavam melhorar suas vidas. Então, em 24 de outubro de 1844, foi fundada Rochdale

Society Equitable Pioneers Limited. Em 21 de dezembro do mesmo ano, funcionou como

armazém cooperativo. Iniciou com um capital suficiente apenas para comprar uma pequena

14 José Haroldo de Menezes, médico, filho de Bruno de Menezes. 15 José Haroldo Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011. 16 Sobre esse movimento ver Klaes (2005); Tesch (2000); Namorando (2005).

Page 34: Entre poéticas e batuques

43

quantidade de manteiga, farinha de trigo, aveia e vela. A sociedade cresceu rapidamente. Em

1845 eram 80 associados, e o capital atingia 180 libras. Em 1851 já contava com 630

associados. Em 1857 atingiu 1850 associados. Depois de dez anos atingiu um número

impressionante de 5.300 associados.

O êxito de Rochdale foi fonte de inspiração para diversos grupos cooperativista pelo

mundo. Os valores de solidariedade, igualdade, fraternidade, democracia, equidade,

responsabilidade social, transparência assim como os princípios de adesão livre e voluntária,

controle democrático pelos sócios e participação econômica dos sócios, autonomia e

independência, educação, treinamento, informação, ajuda entre cooperativas, preocupação

com a comunidade elaborada pelos “Probos Pioneiros” são, até hoje, com algumas pequenas

mudanças, adotados pelo movimento cooperativista.

Bruno de Menezes viveu a pressão do capital sobre o trabalhador e diante de sua

situação econômica, da preocupação com sua comunidade, aos moldes dos tecelões de

Rochdale, propunha a unidade entre os trabalhadores em sistemas de cooperativismo sob a

proteção dos sindicatos, o que segundo seu pensamento traria melhores condições de vida

para os operários, posição que permeou sua trajetória de vida e literária.

Para Rocha (2006), Bruno de Menezes despertara o povo para a união entre os

trabalhadores e a organização da classe operária:

Sua luta, avançada para a época, custou-lhe sacrifícios e amarguras, porém sua palavra ardente e oracular despertavam as massas assalariadas. Trechos de vários trabalhos, publicados nos jornais, documentam seu pensamento de lutador. ‘Trabalhadores, homens de mãos calosas (escrevia Bruno) componentes do proviléo e da plebe – a única arma para as vossas reivindicações é o sindicalismo. E, novo profeta, pregava a união das classes obreiras: a coesão, uma é indispensável nos espíritos das classes trabalhadores. É a melhor arma de combate contra as convenções sociais, as especulações burguesas, a ganância patronal’ (informação verbal)17.

Observador da realidade, Bruno de Menezes utiliza sua arte literária para consolidar

seu pensamento e suas inquietações pessoais. Seus sentimentos íntimos foram transportados

para a literatura. Assim, posso entender que uma das identidades construídas pelo poeta

possui um caráter de resistência frente a processos de homogeneização ou de subordinação

culturais impostos.

Neste sentido evidenciei a influência dos fatos vividos por Bruno de Menezes

durante as primeiras fases de sua vida na composição identitária de sua obra. Baseando-me na

17 Texto disponibilizado por Geraldo Rocha. Filho do príncipe dos poetas. Belém, abril de 2011.

Page 35: Entre poéticas e batuques

44

ideia de que a realidade molda o individuo, é preciso levar em conta cada circunstância que o

agente histórico participou e os meios de produção de sua obra. Por isso nas páginas

anteriores tracei um quadro sobre a ambientação literária, política, social e familiar de Bruno.

Tal quadro inicia no ano de 1875, atravessa a virada para o século XX e evidencia aspectos de

movimentos políticos e sociais protagonizados pelo velho intendente Antonio Lemos, seu

pensamento de urbanização para a metrópole de Belém e sua fragilidade no enfrentamento das

mazelas sociais. Viu-se também o movimento literário comandado por Eustaquio de Azevedo

e seu círculo de amigos na revista Mina Literária. Azevedo, literato, que mais tarde faria parte

do circuito intelectual e literário de Bruno de Menezes na Revista Belém Nova.

1.3 História e diversidade do Jurunas

Com a intenção de reconstruir a infância e parte de sua adolescência é imperativo

mostrar como era esse espaço geográfico e o ambiente social e cultural, que abrigou os pais e

irmãos do poeta Menezes nas primeiras décadas do século XX. Para dar conta de sua vivencia

é imprescindível entender o trânsito e as práticas sociais no Jurunas, o bairro de sua infância.

O Jurunas foi o espaço geográfico que lhe possibilitou o exercício de práticas sociais

durante as primeiras etapas de sua vida. Foi o local em que dialogou, interagiu, se relacionou

e fez cruzamentos e negociações simbólicas e afetivas. Esse caráter de proximidade, a

dimensão de familiaridade, a conexão estreita com o cotidiano, o interesse pelas

singularidades e a ênfase nas interações face a face, constituíram características na construção

das suas identidades.

O bairro torna-se o espaço de entrelaçamentos, de imbricações e de ideais coletivos e

individuais. Local que seus moradores buscam resolver seus problemas diários e melhorar

suas condições de vida. As práticas religiosas, culturais e de sociabilidades desenvolvidas,

mesmo que diversa, haja vista a corrente migratória que chegou ao local, são símbolos de

pertencimentos.

Neste sentido, torna-se necessário entender como aconteceu o aparecimento desse

espaço local, qual a sua constituição geográfica e as identidades que vieram a constituir o

bairro do Jurunas, local de composição, formação social, cultural e de resistência, na trajetória

de Bruno de Menezes.

O Jurunas surgiu a partir do aterramento do igarapé do Piry, um braço do rio Guamá

que desaguava na Baía do Guajará. “Com o aterramento, a estrada das Mongubeiras (hoje

Almirante Tamandaré) ligou o largo do Bajé, no Arsenal de Marinha, ao Largo da Pólvora e á

Page 36: Entre poéticas e batuques

45

estrada de Nazaré que dava acesso ao único caminho terrestre de saída da Cidade”

(RODRIGUES, 2006, p. 145).

As primeiras ruas foram abertas com a intenção de ligar o centro com as terras que

estavam sendo utilizadas para moradias ou atividades econômicas de baixo custo pela

população mais pobre da cidade como chácara, vacaria, cocheira e hortas.

Outro ponto fundamental para a constituição do bairro do Jurunas foi processo

migratório, inicialmente amazônico ocorrido ali. Rodrigues (2006, p. 145) visibiliza traço

dessa cartografia. Em sua maioria, a população do bairro é formada por migrantes ou filhos de migrantes, oriundos do baixo e médio Amazonas ou das áreas ribeirinhas próximas a Belém: do rio Guamá e seus afluentes, (Acará, Moju e Capim); do rio Tocantins e seu afluente Pará, (Abaetetuba, Barcarena, Baião, Cametá, Portel; da Ilha de Marajó, Soure, Breves, Afuá e Muaná); de ilhas localizadas às proximidades da foz do rio Amazonas (Caviana, Mexiana, Ilha da Preguiça, Ilha dos Macacos, Ilha dos Papagaios); assim como do médio Amazonas (Alenquer, Gurupá, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná e Santarém) (RODRIGUES, 2006, p.145).

Esse espaço “rizomático” com mesclas e práticas sociais, onde o local é global ao

mesmo tempo, lugar de passagem de migrantes e imigrantes para o interior da Amazônia é,

porém, lugar de reconstrução e reafirmação de muitas identidades. O bairro do Jurunas

tornou-se um espaço global para as diversas culturas que constituíram a identidade do próprio

bairro e suas próprias identidades. Falar do bairro é falar dos seus próprios moradores.

Neste sentido, o bairro do Jurunas agrega dentro das diversas formas de

manifestações culturais, “as festas populares, o carnaval, a festa junina, as festas em

homenagens aos santos padroeiros, consideradas expressões de uma identidade jurunense”

(RODRIGUES, 2006, p. 148). Essas práticas de sociabilidades tornam-se visíveis pelo

exercício da cultura, enraizadas no bairro. Para Chagas (2012, p. 34) o Jurunas caracteriza-se

pela liberdade de expressão identitária. Enquanto a elite belemense se esforçava para criar uma imagem identitária inspirada no modo de vida parisiense, em bairros como o jurunas a população estava livre para afirmar e criar suas próprias formas de festejar e expressar-se seja pelo viés carnavalesco ou pelo religioso do catolicismo popular sincretizado com os cultos afro-religiosos.

Assim é possível pensar que no espaço geográfico do Jurunas o diverso apresenta-se

como marca de identidades do bairro. Chagas (2012, p. 34) destaca, ainda, duas festas como

marca da comunidade e assinala a dualidade dos festejos. O profano e o sagrado.

Page 37: Entre poéticas e batuques

46

É interessante perceber que o período inicial o século XX, quando se intensificou a fixação de moradias no bairro em virtude do contexto social de então, foi marcado pelo surgimento de uma série de eventos festivos que ainda hoje de mantêm vivos, dentre eles o Rancho, fundado em 1934, e a festividade de São Benedito do Centro Comunitário, iniciada em 1932.

Esse local de interação dos moradores é ressaltado por Rodrigues (2006, p. 148),

pelas praticas sociais e estratégias identitárias.

A conquista da localidade garante aos migrantes um espaço próprio, um lugar de sentido e fonte de identidade, a partir do qual eles podem situar-se no cotidiano do bairro e na modernidade urbana. Os movimentos do sujeito migrante em direção à cidade, suas estratégias para se inserir, trabalhar, morar, casar e se estabelecer, (...), podem ser lidas como um conjunto de práticas para conquistar a cidade e assim garantir um lugar na modernidade, mesmo que de modo fragmentário e periférico.

No bairro do Jurunas, o contato entre culturas é evidenciado pelos processos

migratórios, esses moradores identificados como jurunenses, embora não tenham nascidos no

bairro, sentem-se participes na sua construção. Rodrigues (2006, p. 149) destaca o sentimento

de pertença dos habitantes.

Morar há muito tempo no bairro, mais do que ter nascido nele, garante aos moradores, por suas vivências e experiências do passado aos dias atuais, a legitimidade de falar de dentro, isto é, como alguém que veio para o bairro “quando nada existia” e participou das conquistas do lugar, lentas, difíceis, mas claramente reconhecíveis e identificadas nas falas dos moradores. Nesse conjunto heterogêneo de percepções, o Jurunas aparece, ao mesmo tempo, como um bairro diverso e único, com espaços diferenciados.

A identificação dos moradores com o bairro do jurunas, constituída pelas redes de

sociabilidades é vivenciada pelo literato. Bruno de Menezes bebe da intensa manifestação

social, cultural, política e migratória do bairro para compor seu repertorio literário.

Esses processos não passaram despercebidos ao olhar do poeta. O romance

Candunga, escrito em 1939 e lançado somente em 1954, é resultado de alguns fatores

pessoais que influenciaram na composição dessa obra. Entre esses fatores, sua origem

nordestina por parte de pai e as inúmeras visitas realizadas, como agente do Governo do

Estado do Pará, à estrada de ferro de Bragança. O romance destaca os processos migratórios,

particularmente, o êxodo nordestino para a Amazônia, as mazelas vividas por esses sujeitos,

que em fuga da seca, deslocam-se para região em busca do sustento da família. A obra mostra

também o povoamento ao longo da Estrada de Ferro de Bragança. Sobre Candunga é valido

recorrer a Wanzeller (2008, p. 3), quando relata sobre a chegada de migrantes ao Pará.

Page 38: Entre poéticas e batuques

47

Uma grande leva de nordestinos migrou à Amazônia para servir de mão-de-obra. A histórica seca de 1877, também, provocou uma grande debandada de pessoas oriundas do nordeste rumo ao solo amazônico. Fixando o foco na Zona Bragantina, um número considerável de migrantes veio como parte do projeto de colonização desta área devido à construção da estrada de ferro que uniria os municípios de Belém e Bragança. Outra parte veio a reboque do imaginário que, ainda hoje, perpassa sobre a região amazônica, lugar de fartura, progresso, solução para todo e qualquer problema vivido por aquele que a ela chega. No entanto, em Candunga o tom de mudança vem por meio do apito do trem, que se aproxima trazendo consigo a idéia de progresso e ao mesmo tempo mazelas pelas regiões por onde passa, transportando carga, gente humilde que, no geral, não vai acompanhar a velocidade do trem da modernidade e vai se manter, tradicionalmente, à margem desse pseudo- desenvolvimento proporcionado pelo avanço voraz do capitalismo, que enfraquece o nosso lado sensível e nos fomenta cada vez mais à competição, ao conflito, fato relevante no romance.

Desde a sua infância no bairro do Jurunas, Bruno de Menezes conviveu com intenso

trânsito cultural, quer pelas festas em homenagens aos santos e padroeiros católicos, alguns

ressignificados18 pelas religiões de matriz africana, ou pela forte ebulição da cultura popular

realizada pelas manifestações dos folguedos celebrados ou até mesmo pela proibição dessas

festas populares. Em todos esses ambientes, Menezes interagia com a pluralidade cultural,

com as tensões, resistências e participava ativamente dessas manifestações coletivas.

Em um texto escrito em 1993 e arquivado para ser divulgado em data posterior,

Alonso Rocha, também poeta, enviesa suas vivências sobre a poesia e obra de Bruno de

Menezes com suas próprias experiências poéticas. Ao saber deste trabalho, gentilmente o

cedeu para esta composição. Naquele momento da década de 90, Alonso Rocha chegou às

seguintes elucubrações a respeito de Bruno de Menezes. O texto abaixo são divagações sobre

o passado da infância de Bruno de Menezes transitando em diversos espaços de sociabilidades

no bairro de Jurunas: Na estância coletiva “a Jaqueira”, no bairro do jurunas, livre e solto, convivendo e admirando os seus valentes desordeiros, os capoeiras, os manejadores de navalha, os embarcadiços, as mulatas e trescalantes; acompanhando nos ombros largos de seu pai o círio de Nazaré, gola azul, gorro de marinheiro de fitas pretas e letras douradas, pisoteando, adolescente nas saídas festivas de Boi-Bumbá de seu padrinho Miguel Arcanjo, sob os olhares carinhosos de sua mãe Balbina e a proteção de João Golemada, maranhense, valente na defesa de seu bando, quando a policia ainda não

18 As celebrações religiosas dos negros possuíam um entendimento dual na visão do colonizador, a primeira interpretação seria que essas manifestações diminuíram as tensões sociais, a segunda era de que esses festejos culminassem com rebeliões, daí o esforço dos escravizados por sua manutenção e preservação como símbolo de resistência e afirmação. A religião teria sofrido não só a influencia dessas variações da estrutura social, mas, também, da pressão cultural do europeu branco, católico, e da dupla política seguida pelo Estado Português, representado por seus governadores, e da igreja Católica Romana, representada por seus monges (BASTIDE, 1985, p.11).

Page 39: Entre poéticas e batuques

48

havia proibido os “bois” saírem de seus currais para os tradicionais encontros.

Neste sentido dentre as diversas manifestações cultuadas no bairro, destaco a

brincadeira do boi bumbá, muito apreciado por Bruno. O auto popular possuía uma prática

latente no bairro. A brincadeira tem sua origem ligada ao comércio escravagista. Arrancadas

de sua pátria, famílias eram despedaçadas, seqüestradas, cujo patrão e toda a sua linhagem,

tudo faziam para conservá-las no cativeiro.

Sales (2004, p. 32) indica as identidades formadoras da brincadeira na região

amazônica, que possuía um caráter de resistência ao sistema escravista.

O boi-bumbá amazônico é indiscutivelmente um patrimônio cultural negro e foi elaborado tal como o bumba-meu-boi, no tempo da escravidão. Nele podem-se identificar remotas origens ibéricas(touradas, autos e/ou farsas medievais), algo talvez do totemismo egípcio e hindu, possivelmente uma reprodução burlesca do dragão chinês, de origem mais remota e obscura ainda, mas é indiscutivelmente criação do negro e primitivamente foi um protesto contra a escravidão: farsa popular antiescravista.

A personalidade altiva dos personagens pai Francisco, mãe Catirina, compadre

Cazumbá e mãe Guimá, personagens negros que não se dobram diante do chicote do amo,

respondendo as ameaças em sua língua, carregada de dialetos afros, fazendo gracejos,

desafiando a autoridade que lhe é outorgada pelo patrão fazendeiro. Outro traço desse

folguedo está na representação dos manejadores de navalhas. As atividades são atribuídas ao

amo do boi ou ao capoeira, figura polêmica na constituição desse folguedo, haja vista a

violência que cercava essa prática, uma vez que o capoeira era responsável pela segurança do

boi e de seus brincantes. A perseguição à brincadeira do Boi-bumbá tem um caráter

marginalizador, como confirma Coimbra (2009, p. 4).

As preocupações da intendência em disciplinar as áreas centrais através das ‘posturas municipais’ voltadas para ‘obras de saneamento, asseio e embelezamento’ apresentavam um objetivo claro de fazer da cidade um modelo de civilidade que não contemplava as práticas culturais de parte da população pobre, em sua maioria negra. A reorganização do espaço urbano visava a atender o bem estar das elites locais e, ao mesmo tempo, empreender uma política disciplinadora às culturas urbanas consideradas marginais. A derrubada de cortiços no centro da cidade e o conseqüente afastamento das ‘classes perigosas’ para as áreas mais distantes fizeram parte do processo de disciplinarização que incluiu a perseguição a capoeiras e Bumbás em Belém nas primeiras décadas do século XX.

O sentimento de pertencimento a classe dos desassistidos fez o poeta refutar

posicionamentos e assumir outras identidades. Assim as práticas sociais, religiosas e culturais

Page 40: Entre poéticas e batuques

49

vividas por Menezes, nesse período de sua vida, deixam ver a construção de suas identidades,

o que me leva a defender a ideia que elas influenciaram na tecitura de sua obra. O bairro do

Jurunas foi uma dessas fontes em que o escritor bebeu para traduzir a cultura do povo

amazônida, assim como as identidades negras presentes na constituição de sua família, estão

presentes nos caminhos percorridos na sua trajetória impregnada pelo trânsito e o

entrelaçamento de saberes, culturas e religiosidades.

Nunes (2006, p. 44) afirma que o desenvolvimento da literatura do poeta “cresce sob

influxos quer pessoais, quer históricos”. Assim o conjunto literário de Bruno de Menezes

absorveu seu estado mais intimo e pessoal sem se desligar do cotidiano. A História social,

econômica e cultural da cidade foram objetos de leituras e olhares por parte do poeta.

Sendo assim, considero que foi através do convívio social com as várias correntes

migratórias, o diálogo com as diversas culturas operantes no bairro e o conhecimento

profundo de seus anseios que oportunizaram a Bruno de Menezes experiências identitárias

multiterritoriais e multirraciais, construindo suas identidades através da reformulação de

sentidos e valores.

Para detalhar o convívio social e familiar do poeta, durante a entrevista com a Ir.

Marília Menezes tomei conhecimento da existência de uma Irmã de Bruno de Menezes, com

96 anos e ainda moradora do bairro do Jurunas. Interessado em conhecê-la desloquei-me para

a referida residência, na Rua Roberto Camelier.

No interior da casa, confinada em um bonito e confortável quarto, a irmã do poeta foi

conduzida à sala por uma de suas filhas. Nesse ambiente da residência realizei a entrevista

com Maria de Lourdes Menezes, a irmã caçula do poeta Bruno de Menezes. Uma senhora de

gestos lentos e de fala pausada. A entrevista foi dificultada pelo tom baixo de sua fala,

algumas vezes inaudíveis e pelos momentos de lembranças da convivência com o poeta.

Em seu relato foi colocado em relevo características pessoais do poeta como seu

espírito humano, a alegria e o amor à família, além de sua constante vontade de agregar os

amigos nas festas realizadas por Dona Balbina Menezes, mãe do poeta. As festas dos santos

católicos, as ladainhas e os aniversários familiares eram os motivos das reuniões com parentes

e amigos. Embora sem condições financeiras para realizar suas comemorações religiosas,

dona Balbina pedia ao filho Bruno para adquirir o material para a feitura das iguarias:

A casa enchia, enchia de amigos dele. Ele era muito festeiro, gostava dessas coisas assim, uma ladainha que tinha. A mamãe gostava da ladainha. A D. Balbina ainda foi do tempo da ladainha. Ah! Mais ela gostava, ela dizia: - Ah, meu filho, vai ter ladainha. Eu não tenho nada!

Page 41: Entre poéticas e batuques

50

- Não se incomode, mamãe, eu vou trazer tudo pra senhora”. Lembro que tinha mingau de milho e paçoca. Tudo ela fazia pros convidados dele.(...) (informação verbal)19.

O espírito festeiro e alegre de Bruno de Menezes em receber amigos em celebrações

profanas e religiosas possui um caráter de sociabilidade, essa prática comunitária de dar e

receber, é dinâmica e ainda persiste nos dias atuais. Ferreti (2007, p. 77) comentando sobre as

festas religiosas populares em terreiros de culto afros afirma

(...) tanto nas sociedades primitivas como na nossa, dar, receber e retribuir constituem três obrigações recíprocas. Os presentes retribuídos devem ser semelhantes aos presentes recebidos. As trocas, muitas vezes, ocorrem não só entre indivíduos, mas incluem coletividades, que trocam bens, riquezas, gentilezas, banquetes, ritos, serviços, constituindo sistemas de prestações totais. Nessa perspectiva, a troca produz a abundância, à obrigação de dar corresponde a obrigação de receber, considera-se que um presente feito aos homens é presente feito aos deuses.

O viver comunitário da família Menezes, pode ser entendido como reafirmação de

tradições, fato destacado pela sobrinha do poeta Izabel Menezes, a filha de Dona Maria de

Lourdes Menezes, que compara o Jurunas de antigamente com o de hoje: (...) A minha avó fazia todas as comidas que todos os amigos gostavam. Então era peixada, não era, mamãe? Feijão com bucho, mocotó...todas essas coisas que o tio Bruno gostava que a minha vó fazia. Tudo o que o tio Bruno e os amigos gostavam. Eles moravam aqui, na Roberto Camelier, 425. - A Sr.ª lembra, mamãe? Jurunas era horrível.!(...) (informação verbal)20.

A culinária e os hábitos alimentares são fortes constituintes de identidades. As

celebrações de festas religiosas ganhavam um espaço intenso nas relações sociais da família

Menezes. Nadalini (2009), em sua dissertação de mestrado sobre A comida de santo, na

cozinha de Homens, destaca os hábitos alimentares africanos e descreve a importância das

mulheres quituteiras.

O ganho das comidas – mingau, pirão de milho, carimã, inhame, uns com carne, outros doces e servidos para uma clientela de pardos, negros e brancos do populacho – sempre foi serviço de mulher; mulher que exibia nas suas roupas alguns distintivos próprios da sua condição de mercadora de alimentos (NADALINI, 2009, p.18).

19 Maria de Lourdes Menezes em entrevista realizada em 02.03.11. 20 Maria de Lourdes Menezes. Entrevista realizada em março de 2011.

Page 42: Entre poéticas e batuques

51

Uma mescla de celebrações religiosas católicas e africanas era realizada

constantemente na casa dos Menezes. José Haroldo relata essas celebrações religiosas

protagonizadas por D. Balbina Menezes, além de lhe conferir os dotes culinários pelos

quitutes preparados por ela para a comemoração do aniversário de sua filha, Dos Anjos. (...) É a quadra natalina, começa dias antes da gente, já vem vivenciando o Natal, né? Que culmina no dia 25, sobretudo noite de 24 para 25, a noite do nascimento do menino Jesus, né? E termina oficialmente dias de Reis, dia 6 de janeiro, mas a vovó Balbina levava a quadra natalina dela até o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, que era o dia do aniversário da caçula da família, a titia dos Anjos, nesse dia era feito uma ladainha lá,... Que começava com o mungunzá, que a vovó, exímia cozinheira, como já disse que era, preparava magistralmente. O papai teve sua meninice, toda ela, impregnada daquela vivencia natalina de bois bumbas, dos mastros do Divino, mastro de São Benedito, do Divino Espírito Santo, tempo de pentecoste. (...). (informação verbal) 21.

José Haroldo sublinha as festas religiosas celebradas pela família, evidenciando as

comemorações aos santos e divindades. A herança africana mesclada ao catolicismo aparece

em muitos folguedos tradicionais na Amazônia. Sales (2004, p. 28) destaca essa hibridação

que na família Menezes iniciava na época natalina, e, prolongava-se nos outros meses. Embora de exclusiva iniciativa popular a Ladainha de São Sebastião é solenidade eminentemente religiosa, de fundo católico, em sua manifestação exterior. Mas Sebastião também e vencedor de demandas e assim há convergências de elementos dos cultos afro-brasileiros. Do ponto de vista folclórico, o cerimonial esta ligado as folias. (...) As festas do santo organizadas pelas irmandades, bem como as festas de promessa, de iniciativa individual, ainda são o maior acontecimento anual em todas as comunidades do interior amazônico.

As festas do Mastro do Divino Espírito Santo e de São Benedito, destacada pelo filho

do poeta, remete ao estado de ancestralidade de Bruno de Menezes, são celebrações que

compõem a tecitura de Batuque em dois poemas: Mastro do Divino e Marujada.

Para Sales (2004, p. 27) a festa do Divino Espírito Santo foi promovida durante

muitos anos, pelo negro Martinho Tavares. Festa realizada no Umarizal, bairro belemense

habitado quase exclusivamente por negros. A festa de São Benedito, que além do poema

composto por Menezes, foi também tema de pesquisa, que originou a obra São Benedito da

Praia (1959).

21 José Haroldo Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011.

Page 43: Entre poéticas e batuques

52

As festas dedicadas aos santos possuíam a simbologia do dar e receber. Os alimentos

servidos indicam uma mistura da cozinha portuguesa, africana e indígena. Izabel Menezes,

sobrinha do poeta, descreve a alimentação preparada pela mãe do poeta e servida nas

comemorações “era peixada, não era, mamãe? Feijão com bucho, mocotó... todas essas coisas

que o tio Bruno gostava, que a minha vó fazia” (informação verbal)22.

O entrelaçamento entre a culinária portuguesa e a do negro pode ser percebida na

feitura da alimentação a base do milho. Nadalini (2009) reflete a respeito da presença desse

alimento. No Brasil pré-colonial esse alimento foi importante, um muito consumido, porém só se tornou indispensável com a chegada dos portugueses e escravos, os quais faziam bolos, pudins, angus, mungunzás. Porém, as populações do que viria a ser a América Espanhola após a colonização, tinham como principal alimento o milho (NADALINI, 2009, p. 38).

Maria de Belém Menezes, a quarta filha de Bruno, também coloca em destaque os

dons culinários de sua avó Balbina de Menezes e a sua importância na formação dos filhos do

poeta: “Nossa avó que foi uma pessoa muito forte na vida do papai e na nossa infância

também, porque ela era cozinheira de maneira que ela fazia maniçoba, fazia tacacá, fazia

caruru, grandes almoços nas festas” (informação verbal)23.

Mesmo com vaga lembrança, dona Maria de Lourdes conta sobre a participação de

Dona Balbina Menezes nas celebrações católicas principalmente no círio de Nazaré, que

influenciou a família a vivenciar esta festa religiosa paraense. Ela comenta e existência de

todo um ritual de preparação para o almoço do círio, o que ainda continua como um marco

cultural dessa festa religiosa. Da mamãe eu não lembro muito, mas ela muito católica, muito católica, a minha mãe. D. Balbina Menezes. Ela era negra bonita. Ela dizia:- Meus filhos, o círio é a festa da rainha Nossa Senhora de Nazaré, festa da rainha. Eu quero um almoço bem bonito. Ela exigia dele, do mano velho24. Ele levava tudo, tudo o que ela queria. Ela pedia, ele levava (informação verbal)25.

O reconhecimento da ancestralidade negra de pertencimento a religião afro, mesmo

professando a religião católica indica a resignificação da crença de sua família. A irmã caçula

22 Izabel Menezes. Entrevista realizada em março de 2011. 23 Maria de Belém Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011. 24 Mano Velho, era a forma familiar como dona Maria de Lourdes Menezes, referia-se ao poeta Bruno de Menezes. 25 Maria de Lourdes Menezes. Entrevista realizada em março de 2011.

Page 44: Entre poéticas e batuques

53

de Bruno de Menezes lamenta a falta de celebração das ladainhas nos dias de hoje e descreve

a relação amorosa de Bruno de Menezes e sua genitora. Falando com frases soltas durante a

entrevista foi possível entender o pensamento de dona Lourdes. “Nunca mais fizeram uma

ladainha nesta casa. Ela [Dona Balbina] fazia todos os gostos dele. Era o filho do coração

dela. Bruno de Menezes, nesse tempo, chamava Bento” (informação verbal)26.

A presença marcante da religiosidade católica de Dona Balbina Menezes é

evidenciada em sua participação na celebração da missa, o que não deixa ofuscar os traços da

religiosidade africana, imbricada pelo próprio exercício devocional a santos católicos e

africanos, nas celebrações em sua residência. Fato que influenciou Bruno, a demonstração de

fé católica e africana em sua literatura. Ele era muito amigo do Padre da Trindade. O padre da Trindade era preto. O meu marido era branco. E todo o domingo a gente ia à missa lá na Trindade, na Igreja da Trindade. Agora me esqueci do nome do padre de lá, muito bom! (informação verbal)27

Sem apresentar uma prática religiosa, o olhar de Bruno de Menezes, pode-se dizer

influenciado por sua mãe, voltado para a igreja católica é percebido por seu biógrafo Alonso

Rocha (1993). No aparente ecletismo religioso, Bruno escondia uma alma profundamente reverente ao cristianismo. Sua poesia, suas crônicas reminiscentes, está densamente impregnada de catolicismo. É Bruno quem confessa em artigo publicado na mocidade, sob o pseudônimo de Berilo Marques (ROCHA, 1993, p.15 ).

Ainda para evidenciar esse espírito marcado também pela fé católica, observei o

poema Rosa Mística, publicado em 1922, na Revista de Nossa Senhora de Nazaré e Louvor a

São Caetano da Divina Providência são dois exemplos marcantes de sua fé.

Parece que minha mãe, quando eu nasci, entregou o meu destino à proteção da Virgem Maria. Em maio, toda a vez que tenho que entrar num templo eu me transfiguro. Maio é o mês que eu deveria ter nascido. Não posso ouvir novenários sem me enternecer. Eu sinto que a partícula feminina de minha alma reza estes versos que eu amo. (MENEZES, 1993, p. 464)

26 Maria de Lourdes Menezes. Entrevista realizada em março de 2011. 27 Maria de Lourdes Menezes. Entrevista realizada em março de 2011.

Page 45: Entre poéticas e batuques

54

O poeta exterioriza o catolicismo exercido por sua mãe e a influência sobre sua

religiosidade, atribuindo também a dona Balbina Menezes a sua inspiração mariana. Neste

excerto Bruno de Menezes faz uma relação temporal entre maio como mês de Maria.

Tradicionalmente maio é o mês que acontecem celebrações dentro do catolicismo em

reverência a Mãe de Deus. Esta relação maio/Maria pode ser explicada como uma herança

européia. Neste continente maio é a estação da primavera, nela é celebrado em diversos países

o reflorescimento da natureza. No mundo pagão, por exemplo, acontecia a Florência, isto é,

grandes festas com danças, cantos etc., em honra da deusa da vegetação, a Flora Mater.

No mundo cristão, como tentativa de corrigir os excessos e abusos destas festas, a

partir do século XIII, a figura de Maria começa a ser associada ao mês de maio. O primeiro a

dar este importante passo foi Afonso X, rei de Castela e León, na Espanha. A partir de então,

começam a surgir práticas devocionais no sentido de homenagear a Virgem Santíssima. Aos

poucos, o mês vai tomando um aspecto mariano que se consolida no séc. XVIII, com a

publicação de obras como a do padre jesuíta A. Dionisi, que pode ser considerado o iniciador

do mês mariano no sentido moderno. Durante o mês de maio as paróquias da Arquidiocese de

Belém que reverenciam a Mãe de Deus, são realizadas cerimônias de coroação a Nossa

Senhora.

Maio foi sempre o mês dos luares lindos, Da Virgem Maria e alegres esponsais. Mês dos lírios seráficos – provindos Do vale da Alma, para as Catedrais (MENEZES, 1993, p. 464).

Bruno de Menezes possui uma relação passional com a lua, o excerto da poesia

indica esse mês como tempo de luar exuberante, remetendo a sua intensa relação de

admiração a esta estrela. Pudesse eu ir, ao luar, entre rosais Banhar meus olhos, - que são sois infindos Nas orações piedosas dos missais Ementários de luz, às mãos benvindos. Eu tenho qualquer coisa de anjo místico... No meu ser há um dualismo e ânsia cristã: Branco sonho de amor, doce e eucarístico Por isso, em maio, eu sinto-me em luz: Minha alma, filha de Maria – é irmã Do Coração Sagrado de Jesus (MENEZES, 1993, p. 464).

Mesmo sem fidelidade ao catolicismo Bruno de Menezes em sua poética transmite

conhecimento e apreciação à religião católica. Com as iniciais B.M tecendo considerações

sobre o Círio na revista O Arraial, escrevia Bruno: “Nada mais puro que a religião católica,

Page 46: Entre poéticas e batuques

55

onde a caridade, o amor e a justiça são o apanágio virtuoso aos que a professam (ROCHA,

2006, p.22)

Outra manifestação da fé professada está no registro do jornal O Nordeste de

Fortaleza, capital cearense. Neste jornal Bruno publicou um folheto intitulado Ligeiras notas

sobre a vida de São Bruno. Alonso Rocha estudou a publicação e a evidenciou: Estudando o emprego das palavras nas poesias de Bruno publicadas em livro, anotei o termo ‘cruz’ utilizado 22 vezes pelo poeta ‘Jesus’ 11 vezes, ‘Deus’ 8, ‘Crucifixo’ 6, ‘Cristo’ 5, ‘Hóstia’ 5, ‘Calvário’ 4, ‘Anjo’ 7 e ainda ‘Supremo Criador’, ‘Madeiro’, ‘Lenho’, ‘Arcanjo’, Sagrado Coração, Monge e Freira, o que denota profundas raízes de sua indelével religiosidade (ROCHA, 2006, p. 33).

Mesmo de gênesis africana, Dona Balbina Menezes pratica a religião católica, fato

percebido pela comemoração em sua residência, da festa do Natal de Jesus Cristo, seguido da

veneração aos Reis Magos. Essas celebrações atravessavam todo o mês de dezembro,

culminando na festa de São Sebastião, que, pelo calendário oficial católico, acontece no dia

20 de janeiro. Vale ressaltar que por mais que tenha havido uma tentativa de sobreposição

católica, a resistência negra e indígena a esse processo veio a consolidar o imbricamento entre

as religiões. Essas religiões não chegam ao Brasil sem as influências, são resultados de outras

ressignificações. É o próprio Bruno de Menezes, que, na dedicatória do livro Boi Bumbá –

Auto popular (1958), reconhece a influência de sua mãe na construção de suas identidades. A memória de minha Mãe Maria Balbina, que encheu a infância e a adolescência de seu filho, com pastorinhas e Bumbás, cordões de pretinhos, de pássaros juninos, de carimbos, de mastros votivos, de batuques e ladainhas, de sambas de terreiros (MENEZES, 1958, p. 3).

Na dedicatória ficam evidentes as manifestações culturais e religiosas impregnadas

na vivencia do poeta. Nesse sentido, Prandi (2004, p. 224) relata que constituição das

religiões africanas no Brasil, os cultos aos orixás primeiro incorporou-se aos cultos de santos

católicos para ser tornar brasileiro forjando assim uma mistura; como conseqüência eliminou

os elementos negros para se tornar universal e penetrar na sociedade. Assim nasce a umbanda.

Retoma as origens negras para transformar o candomblé em uma religião para todos, desta

forma começa um processo de africanização e dessincretização para conquistar espaço frente

ao catolicismo.

Neste sentido, verifico a formação da prática da religiosidade católica vivenciada

pela família Menezes, mesclada por diversas experiências de religiões afro-indígenas, haja

vista que uma variedade de africanos em constantes trocas e vivências espraiou-se no espaço

Page 47: Entre poéticas e batuques

56

geográfico para onde foram trazidos. Para Prandi (2004, p. 231) a importância cultural da

umbanda, do candomblé, do xangô, do tambor-de-mina, do batuque e outras denominações de

menor penetração no cenário cultural brasileiro têm sido sempre maiores que seu alcance

demográfico em termos da efetiva filiação de seguidores. Sua contribuição às mais diferente

áreas da cultura brasileira é riquíssima, como acontece também noutros países americanos em

que se constituíram religiões de origem negro-africana.

A percepção do poeta Bruno de Menezes sobre essa mescla religiosa é visível

também em seu livro Batuque (1931). Em sua escrita, ele observa a mistura de santos

católicos com os que servem também as religiões africanas. São Jorge é o grande Ogum,

sendo evocado como cavaleiro. O santo é venerado com cânticos, ladainhas e músicas de

atabaques. É o mártir guerreiro reverenciado por ser o vencedor do embate contra o demônio.

“O gênio do mal/ só tu dominaste/ porque meu São Jorge/ com crença lutaste” (MENEZES,

1933, p. 55).

Para entendermos o exercício da religião oficial do colonizador, reconstituo os meios

de produção desta ressignificação religiosa, que operou ao longo de anos de escravidão negra.

Neste sentido a forte relação de poder e a supremacia branca criaram pressões sociais sobre os

negros, que, por seu lado, resistiam com pressões sobre as autoridades coloniais, causando

temores com suas batucadas e candomblés. Daí muitas foram as revoltas escravas ao longo do

século XIX em todo o país. A esse respeito Reis (2002, p. 117) assevera que os brancos

baianos devido à periculosidade desses festejos temiam essas celebrações, pois tinham em

mente que os atabaques batiam para animar tanto a festa quanto a revolta dos negros.

Nesse constante campo de lutas e resistências, uma guerra simbólica constituía-se

naquele momento em que o medo do branco colonizador, não era fruto apenas da revolta

negra, porém também de afirmação de uma africanização dos costumes.

Outros fatores contribuíram para a repressão ao exercício da religião africana no

Brasil, além do medo, da revolta, da violência e de uma possível disseminação da tradição

africana, a prática religiosa do fetichismo, uma das mais conservadas no país, segundo Nina

Rodrigues (2008), foi preponderante para a proibição da prática das religiões africanas.

Para Souza (2007, p. 68) os negros eram sinônimos de maldade, seus cultos foram

confundidos com ações de feitiçaria.

O culto dos negros foi simples e puramente confundido com a feitiçaria e como esta era proibida em Portugal, as ordenações reais que contra ela eram dirigidas foram aplicadas no Brasil contra as reuniões de negros que tinham aos olhos dos cristãos, (...) algo de demoníaco.

Page 48: Entre poéticas e batuques

57

Nina Rodrigues (2008, p. 197) afirma que “não é fácil dizer quais foram as práticas

fetichistas e a religião dos africanos durante o trafico, e quais foram os povos negros, pois

freqüentemente recebíamos novas levas de africanos”.

As batucadas e festas africanas foram focos de perseguições e restrições de muitos

governantes, agentes políticos, pela polícia e demonizadas pelo discurso cristão, porém a

melhor maneira de mediar essas manifestações religiosas e culturais era conciliar repressão e

tolerância, os próprios senhores permitiam tais celebrações dentro de suas terras e respaldados

pelo seguimento de um calendário católico para o exercício do culto pelos africanos. Nesse

aspecto a religião católica era a matriz de unidade, coesão e permissão das autoridades para a

prática das manifestações28. Essa hibridação entre a igreja católica e religiões de matriz

africana possibilitou a construção de identidades multidimensionais como relata Denys Cuche

(2002). Segundo este autor, cada indivíduo tem consciência de ter uma identidade variável, de

acordo com as dimensões do grupo ao qual ele faz referência em tal situação relacional. Isso

lhe confere complexidade, mas também, flexibilidade; conhece variações-reformulações e

manipulação, reformula-se e reelabora-se como meio de atingir objetivos.

Diante disso, os descendentes de africanos nascidos no Brasil, construíram

estratégias mesclando suas crenças, para defender suas religiões. Para alguns estudiosos,

criaram com isso “aparente” imbricações religiosas entre os deuses e orixás africanos e os

santos católicos. Para Prandi (2004, p. 225), fortalece o sentido de hibridação, de

entrelaçamento Desde o início as religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas, estabelecendo paralelismos entre divindades africanas e santos católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo, valorizando a freqüência aos ritos e sacramentos da Igreja católica. Assim aconteceu com o candomblé da Bahia, o xangô de Pernambuco, o tambor-de-mina do Maranhão, o batuque do Rio Grande do Sul e outras denominações, todas elas arroladas pelo censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sob o nome único e mais conhecido: candomblé.

Este é o caráter dinâmico, vivo e movente em um contínuo processo de construção e

desconstrução que as religiões africanas passaram no Brasil. Outra observação desse processo

de hibridação relata o encontro de tradições no tempo em que acontecem os diálogos, o

dominador sobrepõem sua tradição e todo o processo de significado diante do subdominante

(ORTIZ, 1980).

28 Sobre expressões dessas relações e tensões, ver entre outros: Silva (1976; 2003); Figueiredo (2008); Maués e Vilacorta (2008).

Page 49: Entre poéticas e batuques

58

Muitos pesquisadores das identidades negras debateram conceitos como o

sincretismo, aculturação, olhares que vem sendo discutidos sob novas perspectivas quando

refletem cultura como forma dinâmica, movente, construída, ressignificada e com trocas e

partilha de experiências e lutas.

Nessa dinâmica, Canclini (2003), sugere o uso de hibridação, levando em conta que

o sincretismo, forma muito utilizada por estudiosos das religiões, é uma de suas formas

particulares. O autor conceitua hibridismo como processos socioculturais nos quais estruturas

ou práticas discretas, que existem de forma separada combinam-se para gerar novas

estruturas, objetos e práticas. Conforme o autor, a hibridação

(...) abrange diversas mesclas interculturais não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo “mestiçagem” – e porque permite incluir as formas modernas de hibridação melhor do que “sincretismo”, formula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais (CANCLINI, 2003, p. 19).

Todos esses processos de ressignificação religiosa e cultural se deram a partir dos

movimentos de diásporas Africanas. As experiências traumáticas do trafico, o sentimento de

isolamento ao deixarem de pertencer as suas comunidades quando arrancados de sua terra. As

origens dos diversos negros colocados em contatos, os reagrupamentos, as trocas culturais, as

relações de poder, as experiências vividas, as formas de lutas e resistências, todos esses meios

de produção foram imperativos na construção de suas novas identidades.

Estudos recentes sobre as diásporas realizados por Hall (2003), Bhabha (2003),

Gilroy (2001) entre outros intelectuais, apontam para esse trânsito como determinantes e

moldador de culturas diferentes ou heterogêneas, que, culminam por conviver em um mesmo

espaço. O sujeito diásporico está no “entre-lugar” e é determinado pelo não pertencimento.

Ao colocar em destaque a diáspora negra para as Américas, o diálogo com os outros

indivíduos pertencentes a esse deslocamento resultava em estranhamento, e a partir desse

primeiro contato com o outro, surgia então à consciência de cada indivíduo a existência de

outra possibilidade cultural além do conhecimento e da sua cultura individual. Foi a bordo dos

navios negreiros, que o contato do eu com o outro se materializou dando inicio à busca pelas

identidades. Desse contato entre culturas de povos e de etnias diversas, deu-se o início da

troca e do entrelaçamento de culturas. A experiência de uma vida diásporica legitimou Hall

(2003, p. 93), ao afirmar: Conheço intimamente os dois lugares, mas não pertenço a nenhum deles. E esta é a experiência diaspórica, longe o suficiente para experimentar o

Page 50: Entre poéticas e batuques

59

sentimento de exílio e perda, perto o suficiente para entender o enigma de uma 'chegada' sempre adiada.

Nessa dinâmica, sob a ótica da religiosidade, as manifestações dos cultos africanos,

deslocados, hibridizados e imbricados com os ritos católicos, possuem a dinâmica da

construção e desconstrução de uma comunidade viva, reelaborada e reinterpretada a partir de

seus anseios sociais e religiosos em um processo continuo de significações e em constante

mutação. Essa prática sedimentou o exercício da religião católica da família Menezes, sem

deixar de exercer as religiões de matrizes africanas.

A estância Jaqueira no bairro do Jurunas e a efervescência das práticas religiosas e

culturais vividas foram fontes onde Bruno bebeu para a confecção de sua obra. Neste sentido,

um dos marcos dessa intensidade cultural captada em sua vida foi a obra Boi-bumbá (1958),

tema de uma minuciosa pesquisa realizada pelo literato Menezes, que o tornou um dos mais

bem elaborados livros sobre esse folguedo.

‘Boi-Bumbá’ e ‘São Benedito da Praia’, ambas as publicações da editora H. Barra, anos de 1958 e 1959, são notáveis contribuições do pranteado vate para o levantamento do folclore nacional. ‘Boi-Bumbá’ é um documento vivo e fiel do auto: o movimento, comunicação emocional, riqueza e registro, pureza de informação. É modelar no plano da pesquisa; uma pesquisa direta e linda no meio do povo’ na opinião abalizada de Câmara Cascudo. É uma das melhores monografias sobre o assunto no Brasil’, escreve Téo Brandão (informação verbal)29.

Na leitura de Bruno de Menezes, a “brincadeira” do boi teve sua origem ligada ao

comércio escravagista. Arrancados de sua pátria, clãs destroçados, apanhados de surpresa,

cujos chefes com seus descendentes, mulheres e filhos e sua “corte” tudo faziam para

conservar no cativeiro, a sua anterior organização hereditária. Isso explicaria a postura altiva

dos personagens pai Francisco, mãe Catirina, compadre Cazumbá e mãe Guimá, negros que

não se curvam ao chicote do amo, respondendo as ameaças em sua língua, carregada de

dialetos afros, fazendo pilhérias, desafiando a autoridade que lhe é outorgada pelo patrão

fazendeiro.

Os folguedos e, especificamente o Boi Bumbá, possuem traços marcantes na cultura

popular do bairro da infância de Bruno de Menezes. Ele é parte da história oral do negro no

Brasil, cujo início aconteceu no século XVIII, e, ao mesmo tempo, uma é expressão de luta de

classes, onde aparece também a figura do índio. Horta (2000, p. 41) explica o início desse

folguedo e suas influências no Brasil. 29 Fragmento do pronunciamento feito em 1988, pelo príncipe dos poetas Alonso Rocha, na Academia Paraense de Letras em homenagem ao 95º aniversário de nascimento de Bruno de Menezes.

Page 51: Entre poéticas e batuques

60

No Brasil as festas de bois existem por todo o país, porém o boi bumbá entrou no Norte levado pelos nordestinos, onde sob o nome de bumba-meu-boi, é mantida por toda a parte. Levada para o norte no primeiro ciclo da borracha, ela se aclimatou, tropicalizou-se ganhando várias personagens típicos.

Portanto, à vida e à obra de Bruno de Menezes entrelaçam-se a religiosidade e

cultura popular, enraizadas nas manifestações do bairro do Jurunas, elementos que serviram

de fio condutor para a escritura poética de suas narrativas na trajetória de sua obra.

O bairro do Jurunas possibilita múltiplos olhares e funciona como um mosaico. Cada

ótica fomenta uma interpretação diferente e torna-se necessário saber lidar com a pluralidade,

sentir seus cheiros, seus gostos, as pessoas, discutir, interpretar e compreender seus diferentes

significados. Assim, a vivência coletiva dessas manifestações compõe o cenário das

representações culturais. É importante registrar que “a cultura popular não é, num sentido

‘puro’, nem as tradições de resistência a esses processos, nem as formas que as sobrepõe. É o

terreno sobre o qual as transformações são operadas” (HALL, 2009, p. 232).

Como relatado anteriormente, o Jurunas é um bairro constituído a partir de sujeitos

diaspóricos, as formas de enraizamento ou pertencimento desses sujeitos “são visíveis ao

realizarem as festas, as procissões, os arraiais, os folguedos, práticas culturais que foram

somadas e ampliadas ao cotidiano da população Amazônica” (LACERDA, 2010, p. 363).

Os estudos sobre cultura popular colocam em relevo essas práticas culturais. Bakhtin

(2008) relata as festas e ritos populares ligados ao carnaval como manifestações que

afloravam o “aspecto cômico, popular e público consagrado pela tradição” (BAKHTIN, 2008,

p. 114), como maneiras de evidenciar a “dualidade do mundo” através da apresentação de

“aspectos não oficiais” da sociedade medieval. As representações carnavalescas confundir-se-

iam com a realidade social, tornando-se, nesse sentido, uma segunda vida.

O sentimento de pertencimento ocorrido entre os diversos sujeitos ancorados no

bairro do Jurunas é resultado da negociação realizada entre culturas e identidades diversas

dinâmicas. Bauman (2005, p. 17) esclarece a flexibilidade dessas identificações. Tornam-nos conscientes de que o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’.

Nesse sentido, Bruno de Menezes era partícipe das práticas sociais, culturais e

religiosas, vivenciadas em seu bairro, “livre e solto”, circulava em diversos ambientes

Page 52: Entre poéticas e batuques

61

bebendo da sociabilidade e da intensa tradição do bairro. Rocha (1988), narra o trânsito de

Menezes nesses espaços. (...) acompanhando nos ombros largos de seu pai no círio de Nazaré, gola azul, gorro de marinheiro de fitas pretas e letras douradas, pisoteando, adolescente nas saídas festivas de Boi-Bumbá de seu padrinho Miguel Arcanjo, sob os olhares carinhosos de sua mãe Balbina e a proteção de João Golemada, maranhense, valente na defesa de seu bando, quando a policia ainda não havia proibido os “bois” saírem de seus currais para os tradicionais encontros. Levado pela mão de dona Binca, freqüentava a antiga igreja dos capuchinhos, onde aprendeu a rezar. Mão ardendo dos bolos da palmatória da professora Gregória Leão de Matos, cuja escola particular ficava vizinha a estância Jaqueira e posteriormente no Grupo escolar José Veríssimo, onde terminou o curso primário, Bruno de Menezes recebia o sinete que viria marcar a emotividade pintura de sua obra e a autenticidade de sua poesia musical comunicativa (informação verbal)30.

A iniciação à prática religiosa na Igreja católica, a participação nos festejos do Círio

de Nazaré, a participação ativa nas festas de boi-bumbá, a iniciação nos estudos primários são

indicadores do diverso nas identidades apresentadas pelo poeta. O circuito nos mais diferentes

meios de produção lhe credenciou a uma visão múltipla das manifestações realizadas no

bairro. Entre essas manifestações destaco sua participação nas festas de boi-bumbás e a

amizade com João Golemada, um balisa, um capoeira, figura que, na composição do

folguedo, era o sujeito que caminhava à frente dos cordões para garantir a segurança dos

integrantes. De Campos Ribeiro, explica a função dos capoeiras: Os “balisas” em tais grupos eram respeitados ases da capoeiragem. Um “encontro” entre eles seria empolgante contenda daqueles bailarinos da braveza se não resultasse, fatalmente, em cabeças quebradas, cortes de navalha, furadas de punhal, em que pesasse ao romântico figurino de suas roupagens, dando-lhes ares de pagens medievos, inclusive com as cacheadas cabeleiras louras por cima de caras bronzeadas e mesmo negras (RIBEIRO, 1965, p. 53).

Dentro do auto do Boi-Bumbá, e aqui se torna necessário evidenciar o “capoeira”,

figura polêmica dentro da brincadeira do boi-bumbá. A presença do balisa ou capoeira

tornava-se necessária quando a apresentação do boi acontecia fora de seu espaço territorial,

todos os integrantes seguiam fantasiados pelas ruas de Belém, porém quando dois grupos de

bumbas encontravam-se, normalmente de bairros diferentes, era inevitável o confronto entre

eles. Um ritual exercido durante o encontro dos bumbas exigia que o boi “invasor” pedisse

licença para passar, era comum a negação do pedido.

30 Fragmento do pronunciamento feito em 1988, pelo príncipe dos poetas Alonso Rocha, na Academia Paraense de Letras em homenagem ao 95º aniversário de nascimento de Bruno de Menezes.

Page 53: Entre poéticas e batuques

62

Após os cantos de desafio pertinentes a cada lado, um conflito físico intenso ocorria entre os integrantes de cada boi. Era comum, após estes encontros, que ficassem espalhados pela rua os paramentos das fantasias danificadas. Nos encontros de bumbás, os menos valentes e menos hábeis se davam mal. Por isso, o conhecimento da capoeiragem era imprescindível. A crônica sobre os confrontos de bois de bairros rivais revela a prática da capoeira ligada intimamente ao boi-bumbá (LEAL, 2005, p. 251).

O folguedo despertou o interesse de Bruno de Menezes, haja vista os imbricamentos

com o negro, o português, e a reminiscência africana na constituição da brincadeira do boi

com a cultura popular. Em sua pesquisa sobre esse folguedo, Menezes esclarece que o boi é

um animal presente no cotidiano dos povos africanos, a exemplo do bantus, “familiarizados

com o totemismo do boi, e por isso, dedicados ao paciente auxiliar, que lhes pouparia um

mais duro esforço”.

Dalcídio Jurandir31 dedicou um trecho de sua obra Chão de Lobos (1976) ao

folguedo do boi-bumbá e faz referência à presença dos capoeiras. O autor de Chove nos

campos de cachoeira faz uma referência ao espaço sacralizado pela brincadeira do boi. É o

próprio território do boi. Segundo Ribeiro (1965), os três maiores bairros de Belém daquela

época, Cidade Velha, Umarizal e Jurunas, possuíam bumbás famosos que, vez por outra, se

confrontavam. Daí a confirmação desse espaço territorial do bairro, sacralizado pelos

brincantes dos bumbás.

Na travessa Rui Barbosa, n’um ensaio de Bumbá, para festa de S. João, cantavam no sábado último, às 9 horas da noite, o seguinte: Quando eu vinha da cidade. Amor chovia! Na copa do meu chapéu. Amor chovia! Muito depois, não chovia nem quando eles iam para a cidade nem quando vinham, nem mais nas copas dos chapéus. Imagine o leitor o que e aonde chovia! Talvez não saiba o caro leitor! Pois chovia muito pau no lombo do Firmino, amo do tal Bumbá. A polícia não viu chover nem pau nem amor (Diário de Notícias, 23/05/1893, p. 2).

João Golemada era o capoeira amigo e protetor de Bruno de Menezes. Nascido no

Maranhão, Golemada teve os primeiros comentários à sua atuação como amo de boi, no ano

de 1897, dono do Boi Canário, do Umarizal. Possivelmente, pela posição que ocupava, era

31 Dalcidio Jurandir: (Ponta de Pedras, ilha de Marajó, 1909 – Rio de Janeiro, 1979) foi romancista, ensaísta, jornalista e funcionário público. Considerado um dos grandes romancistas da Amazônia, com uma obra marcada pelo realismo social e pela presença de diversos discursos atuantes na cultura e realidade amazônicas, em uma escritura que transita entre o fluxo de consciência e a narrativa oral. É autor de uma das maiores e mais representativas antologias sobre a região, o Ciclo do Extremo Norte, que se compõe de dez romances: Chove nos campos de Cachoeira (1941), Marajó (1947), Três casas e um rio (1958), Belém do Grão-Pará (1961), Passagem dos inocentes (1963), Primeira manhã (1968), Ponte do Galo (1971), Os habitantes (1976), Chão dos lobos (1976) e Ribanceira (1978). Em 1940 foi ganhador do concurso Dom Casmurro patrocinado pela Editora Vecchi. Disponível em: WWW.amigosdolivro.com.br – Acesso em 22.09.2011

Page 54: Entre poéticas e batuques

63

um exímio capoeira. Sua presença era certeza de grande público para as festas juninas. Seu

nome era confundido com o nome do boi: Boi Golemada.

A violência na pratica do boi bumbá, foi estudado por José Júnior (2009, p. 97), em

sua dissertação de mestrado, A cultura Popular no bairro do Guamá, afirma a unidade entre

capoeiras e bois e sua relação com a política local.

Motivados pelos ‘encontros’ violentos, os grupos de bumbá se utilizaram da figura do capoeira como elemento de defesa, uma vez que sua presença garantia a segurança dos brincantes. O capoeira satisfez a necessidade que os bumbás tinham de ter em seus plantéis homens bem preparados para participar das lutas corporais generalizadas que aconteciam durante os ‘encontros’, pois existia uma íntima relação entre capoeiras e bois bumbás, um casamento de força bastante característico nos folguedos belenenses. Havia também a relação entre os capoeiras que desfilavam nos bois com a capangagem política na Belém do início do século XX, prática bastante corrente nos primeiros anos de república no Pará.

Provavelmente em 1905 um confronto entre bois resultou na morte de João

Golemada, fato que fez com que a polícia proibisse a saída do folguedo às ruas. Uma década

após esse acontecimento, “povo e polícia esqueciam as restrições” (RIBEIRO, 1965, p. 100) e

os cordões e os bumbás retornam às ruas, em maior numero e mais organizados. Voltaram às

ruas mais eufóricos na apresentação e também mais dispostos aos encontros, com a

indefectível briga entre bairros, para provar a liderança do grupo local, o favorito, o maior...

Bruno de Menezes em excerto do poema Pai João, registra a atividade do capoeira

na execução do rabo de arraia, um golpe executado durante as brigas e a repressão policial.

“E rabo-de-arraia, cabeçada na policia,/ Xadrez, desordens, furdunço no cortiço” (MENEZES,

1966, p. 17).

Sales (2004, p. 132) confirma outro olhar sobre os capoeiras, destacando,

principalmente, o valor profissional destes personagens.

O capoeira não era necessariamente o vadio das ruas, das docas, do Ver-o-Peso e/ou do Reduto. Muitos tinham profissão definida: o Panta era encanador; Periquito, foguista; Trincheta, ferreiro; Benga, operário do Arsenal de Marinha, tantos outros. Estes os da “terra”, negros valentes; incontáveis seria a malta dos “marujos”, a maioria oriunda de outros Estados.

No excerto da poesia Pai João, Bruno de Menezes, reporta-se a ação praticada pelo

capoeira e critica a violência dos manejadores de navalha.

Juvená Juvená! Arrebate

Page 55: Entre poéticas e batuques

64

Esta faca Juvená! (MENEZES, 1966, p.17)

Vale realçar que Bruno de Menezes em 1951, realizou um trabalho de pesquisa sobre

essa brincadeira, A evolução do boi-bumbá, como forma de teatro popular. A pesquisa foi

publicada nos anais do primeiro congresso brasileiro de folclore.

O Jurunas foi o espaço geográfico de intensa prática social, que propiciou a Bruno os

primeiros contatos com a vida periférica e popular, das estivas, das baiúcas, dos terreiros de

umbandas, bumbás e de santos. Esses territórios de experiências sociais proporcionaram ao

poeta arquitetar uma produção literária, em que a cidade de Belém, mesmo em tempo de belle

époque, fosse visibilizada a partir de outras paisagens culturais. Ultrapassando vivências de

uma elite endinheirada. Menezes talhou um cenário de uma urbe popularmente polifônica em

que homens e mulheres de variadas camadas sociais, sejam de periferias ou ruas esquecidas,

foram recuperados na cena urbana apresentando saberes, fazeres e crenças de seus modos de

vida. Para Fernandes, (...) o que fica latente é que a experiência de vida do poeta nesse bairro e no trânsito a outros bairros foi a força motriz de sua produção e, diria, de sua opção intelectual, pois não só em Batuque o cenário periférico se torna crível, mas em seus ensaios antropológicos e folclóricos (FERNANDES, 2010, p. 223).

A vivência e o trânsito nos diversos espaços sociais foram fontes de conhecimento do

poeta, sua formação literária e intelectual está ligada diretamente a sua participação ativa nos

processos sociais, religiosos e culturais a que era partícipe diariamente.

1.4 Laços de família: o fazer-se do poeta

O tema da seca nordestina é bastante conhecido pela historiografia brasileira,

principalmente por tentar homogeneizar como “cearenses” dando-lhes adjetivos como

“flagelados” ao processo de vivência de homens, mulheres e crianças que na ultima década do

século XIX e na primeira do XX, migraram para a região Amazônica, fugindo da seca em que

passava seu Estado de origem.

Bruno de Menezes possui uma relação íntima com os nordestinos e especificamente

com os cearenses, tendo em vista que sua descendência paterna é originária desse estado

nordestino. Mais à frente veremos que sua esposa, Dona Francisca Menezes também é

herdeira de nordestinos migrantes que vieram para o norte do país.

Page 56: Entre poéticas e batuques

65

Por isso, é premente entendermos como se deu essa diáspora nordestina à Amazônia,

aqui mais particularmente os migrantes do Estado do Ceará. Fica latente que o casal Menezes

é resultado de um estado de diáspora. Sua família fugindo de um acidente natural como a seca

coloca-se em trânsito para outro lugar. Assim o entendimento de Walter Roland (2006, p. 5)

coloca o sujeito diásporico em um processo de saída de seu território e chegada em outro

compartilhando e experimentando as mais diversas tradições e costumes. A existência diaspórica, portanto, designa um entre - lugar caracterizado por desterritorializaçāo e reterritorializaçāo e a implícita tensão entre a vida aqui, e tanto a memória quanto o desejo por lá. Neste sentido, os que vivem na diáspora (migrantes, imigrantes, exilados, refugiados, Gastarbeiter, entre outros) compartilham uma dupla, senão múltipla consciência e perspectiva caracterizadas por um diálogo difícil entre vários costumes e maneiras de ver e agir.

Portanto a diáspora forçada dos Menezes consolida a formação de uma consciência

capaz de absorver a cultura do outro e reelaborar a dinâmica de suas identidades.

Minha intenção é perceber mesmo que de forma sintética, a constituição da família

Menezes, que tem nesse êxodo nordestino a genealogia do casal protagonista, que na segunda

década do século unem-se pelo matrimônio.

Conforme já assinalei anteriormente, o período entre 1890 a 1916 foi de grandes

modificações urbanas em Belém, o auge da belle époque, refletia na urbanização da cidade,

que se tornou um atrativo para o trabalho nos seringais e para o acolhimento de mão-de-obra

para esse tipo de atividade. Por outro lado, a região nordeste passava por grandes dificuldades

com seus habitantes, as transformações ambientais proporcionadas pela estiagem e pela seca

faziam com que o próprio governo incentivasse o êxodo do povo. A luta do sertanejo para cuidar da família, levar adiante a sua plantação, sua espera pela chuva demarcavam a gravidade da seca, até esta parecer inevitável. Assim por ocasião da seca de 1900, era na própria natureza do sertão que o governador Pedro Borges, caracterizar a sociedade da seca, dando conta de que, para o Estado, ela só se tornava evidente, e, portanto um problema dos poderes públicos, quando no sertão se esgotavam todas as possibilidades de harmonia entre o homem e a natureza (LACERDA, 2006, p. 76).

A seca proporcionava uma série de problemas que interferiam na ordem pública do

Estado, a “aglomeração dos retirantes” em direção a fortaleza, o estado sanitário da capital e o

desequilíbrio do sistema de saúde a época, fato comentado pela imprensa que já apontava para

casos suspeitos de peste bubônica. Lacerda (2006) relata notícia do jornal A Folha do Norte

Page 57: Entre poéticas e batuques

66

que já sinalizava para problemas desse gênero e mais ainda para a proliferação de ratos na

capital cearense que era vista como um verdadeiro caos urbano. Em setembro de 1900, as notícias que chegavam dos jornais do Ceará, embora não confirmassem de fato a peste bubônica, anunciavam ser o ‘pior possível e o estado sanitário de Fortaleza’. Na capital do Ceará, ás epidemias, juntavam-se as vitimas da seca, miseráveis, retirantes, esquálidos e andrajosos famintos e sem abrigo, sem higiene e sem pão (LACERDA, 2006, p. 129).

A facilidade em contrair doenças era eminente, haja vistas as condições sanitárias e

de saúde que a população cearense estava exposta. Os migrantes chegavam ao Pará e “essa

realidade social, entre 1888 e 1916, fazia com que os próprios migrantes, a população

paraense em geral e os poderes públicos se envolvessem nesse processo, buscando

alternativas de ajuda para os recém chegados” (LACERDA, 2006, p. 129).

No intuito de conseguir melhor condição de vida, o migrante viajava com toda a

família e até com agregados, fato que implicava em gastos: Deslocar-se do Ceará até Belém do Pará, entretanto não era uma tarefa das mais fáceis, considerando-se que a viagem teria que ser feita em navio e implicava em muitos custos que nem sempre eram viáveis para as pessoas que saiam do Ceará em situação de extrema miséria. Aqueles que, atingidos pela seca, resolviam migrar juntamente com toda a família, às vezes até co agregados, tinham que enfrentar grandes gastos (LACERDA, 2006, 133)

Foi nessa situação de extrema pobreza que Dionísio Cavalcante Menezes, pai do

poeta, foge da temida seca nordestina e chega à capital paraense. Com o mesmo objetivo, os

familiares de Francisca Sales dos Santos, a futura esposa do poeta Bruno de Menezes, sai de

Chaval, zona do Agreste do Ceará para Belém do Pará. No coração das famílias diaspóricas,

emergia o desejo de uma vida melhor. Para ilustrar esse período obscuro na vida do

nordestino, busquei em fragmentos da poesia Triste Partida, do cearense Patativa do Assaré32,

toda a imagem coletiva do retirante diante da fuga da seca.

Setembro passou Outubro e Novembro; Já temo em Dezembro; Meu Deus, que é de nós,

32 Antônio Gonçalves da Silva, Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. É o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956, Cantos de Patativa, em 1966. Patativa do Assaré foi unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil. Cresceu ouvindo histórias, os ponteios da viola e folhetos de cordel. Em pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou, estava consagrado: era o Patativa do Assaré. Nessa época os poetas populares vicejavam e muitos eram chamados de 'patativas' porque viviam cantando versos. Ele era apenas um deles. Para ser melhor identificado, adotou o nome de sua cidade (www.tanto.com.br/Patativa.htm). Acesso em 30/08/11.

Page 58: Entre poéticas e batuques

67

Meu Deus, Meu Deus; Assim fala o pobre; Do seco Nordeste; Com medo da peste; Da fome feroz; Sem chuva na terra; Descamba Janeiro, Depois Fevereiro; E o mesmo verão; Meu Deus, meu Deus; Entonce o nortista; Pensando consigo; Diz: "isso é castigo não chove mais não"; Em um caminhão; Ele joga a famia; Chegou o triste dia; Já vai viajar; Meu Deus, meu Deus; A seca terrível; Que tudo devora Lhe bota pra fora; Da terra natá (ASSARÉ, [2011])33.

Esse processo histórico protagonizado pelos patriarcas das famílias de Francisca e de

Bruno de Menezes refletirá na construção de sua vida literária. Inspirado na cidade natal de

seus pais e pela mesma urbe que acolheu seu primogênito Geraldo Menezes durante os

estudos para o sacerdócio, o poeta expõe em versos a beleza natural e os traços humanos da

capital Alencarina: Neste exultante depoimento heróico e viril Fortaleza; Direi que tens nervos e possues uma alma; És humana e poética, és cigarra e formiga...;Tuas árvores urbanas, aparadas á ventania; Nas sombreadas Rua e Praça e Avenidas; Invejam os coqueiros de palmas picotadas; Bracejando na paisagem ensolarada; Enquanto carnaubais e oiticicas transpiram; A cera industrial de tua economia (...) (MENEZES, 1993, p. 111)

A capital cearense e seus habitantes exercem forte influencia na vida do literato. No

excerto, o poeta reconstrói a paisagem de uma metrópole arborizada, marcada pelo progresso.

Essa relação com a cidade de José de Alencar e o processo migratório ao Pará, resulta na

década de 1930, na tecitura do romance Candunga, obra escrita pelo próprio Bruno de

Menezes, no qual ele retrata o drama de todo um coletivo de retirantes nordestinos

pressionados pela terrível seca na região nordeste do país. Fato que induz esses agentes

históricos a migrarem para o Estado do Pará, motivados pela imagem de uma Amazônia

próspera pelo comércio da goma elástica. A ambientação do romance tem como pano de

fundo a zona Bragantina e especificamente a construção da estrada de ferro Belém-Bragança.

1.5 Francisca Menezes, educadora e intelectual: “A regadora do jardim das

palavras”

33 (www.tanto.com.br/Patativa.htm). Acesso em 30/08/11)

Page 59: Entre poéticas e batuques

68

Em 1921, o poeta e boêmio Bruno de Menezes frequentador das rodas literárias

belemenses e lutador das causas operárias, sindicalistas e cooperativistas, casa-se com

Francisca Sales dos Santos, nascida em Chaval, zona do agreste do Ceará no dia 04 de

outubro de 1896. O primeiro encontro entre os dois aconteceu no ano anterior na “casa do

maçom Joaquim Maia, na Rua São Mateus, hoje, Padre Eutíquio. Aquela que viria a ser a

esposa de Bruno de Menezes foi à casa do maçom para declamar versos do poeta Olegário

Mariano (Rocha, 2006). Dona Francisquinha - apelido familiar - assim como Bruno, tiveram

uma infância pobre e, coincidentemente, traziam a herança de uma vida marcada pela seca

nordestina, especificamente a do Ceará. Seus pais – Francisco e Maria Santos, agricultores pobres, tiveram 3 filhos homens e uma mulher. Com a vida sofrida do sertão cearense, Francisco e Maria morreram cedo, e os tios de minha mãe vieram com a família para Belém, trazendo Francisca adolescente. Um irmão de minha mãe, Helvécio, funcionário público, morreu no Ceará. Os outros irmãos se chamavam Achiles (foi marinheiro) e Osvaldo, e a irmã se chamava Zeili. Na casa dos tios, Francisca foi criada, trabalhando arduamente como doméstica e estudando com a filha de seus tios (não sei o nome) na então Escola Normal do Pará, onde foi aluna aplicadíssima, sobretudo na língua portuguesa, diplomando-se com louvor (informação verbal)34.

Nesse depoimento de Ir. Marília Menezes fica latente a origem nordestina das duas

famílias, tanto de Bruno como de sua esposa Francisquinha. Vários aspectos comuns

entrelaçaram a vida do casal: ambos eram pobres, oriundos do Estado do Ceará e que

provavelmente chegaram a Belém fugindo da grande seca que marcou a região no inicio do

século XX. Essa identificação coletiva de famílias de imigrantes nordestinos pode ser refletida

na proposta de Bhabha (1998), na noção do “além”, a interface entre o passado e o presente,

interior e exterior, inclusão e exclusão e ainda o “afastamento” que torna o sujeito capaz de

circular nas várias divisões e limites das identidades convencionais, podendo posicionar-se

nos entre-lugares para configurar novas identidades individuais e coletivas.

Desta forma, percebo que Dona Francisquinha, professora normalista, formada

provavelmente na década de 1910, contribuiu enormemente na organização familiar

orientando, segundo sua convicção, o aprendizado religioso dos filhos e ajudando na

construção do pensamento do esposo e literato, como relata Ir. Marilia Menezes: Minha mãe teve um papel importantíssimo na vida de meu pai, dedicando-se a ele e aos sete filhos com todo amor. Incentivava e encorajava meu pai a

34 Ir. Marília Menezes. Entrevista em julho de 2011.

Page 60: Entre poéticas e batuques

69

publicar seus livros, com os poucos meios de que dispunha, ajudando-os nas pesquisas, e dando-lhe mais disciplina de vida. Teve muita longanimidade com aspectos da vida boemia de meu pai. Meu pai foi grato a minha mãe, e o 1º exemplar dos “Onze Sonetos”, ofereceu-o a ela. O mesmo se diga do livro CRUCIFIXO, oferecido a “F. S., com férvido e acendrado culto (informação verbal)35.

Para Rocha (2006, p. 49) a professora Francisquinha foi determinante para a

realização literária, intelectual e familiar do poeta Menezes: A essa sublime e heróica mulher, a sua amorosa ajuda, sua tolerante compreensão, deve o poeta boêmio, em grande parte, a realização de sua vida intelectual e, sobretudo, a suprema fortuna de ter legado à sociedade o exemplo de uma família moderadamente cristã e de inabalável conceito moral.

Francisca Menezes direcionava a educação familiar e orientava a atividade literária e

intelectual do esposo. Mesmo com todo o preconceito que recaía sobre a mulher no início do

século passado, ela [dona Francisquinha] desconstruía a família patriarcal e diferenciava-se

dos moldes femininos vigentes.

A vida religiosa, literária e intelectual de dona Francisca Menezes é colocada em

relevo, assim como Bruno, ela compunha, declamava e escrevia. Sua vocação para as letras

foi reconhecida pelas rodas culturais: Mamãe gostava de escrever poesia e prosa. Na prosa eram famosas as suas palestras, como se usava na época, com uma voz alta e forte, em tom oratório. A convite fez a palestra de inauguração do Centro Jurídico do Pará, com vibrante saudação a Rui Barbosa, e do Instituto Ophir Loyola. Formou as filhas mais velhas no amor à igreja de São João Batista, na Cidade Velha. Compunha peças teatrais para seus e outros alunos, a pedido da Diretora da escola e hinos religiosos, pois era muito apostólica, dedicando-se à igreja de São João em várias Associações (informação verbal)36.

A devoção de dona Francisca Menezes à família e ao esposo, a fez renunciar a

atividades laborais, porém vida intelectualizada adquirida pelos estudos como professora

normalista ofereceu a Bruno de Menezes a garantia de suporte para a sua construção poética.

Nesse sentido o papel da mulher e a postura de dona Francisquina, remetem a teoria

do patriarcado. A subordinação feminina foi construída a partir da necessidade do homem em

dominar a mulher. Diante disso, Borsa (2008, p. 4), evidencia a maternidade como ideário da

mulher.

35 Ir. Marília Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011. 36 Ir. Marília Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011.

Page 61: Entre poéticas e batuques

70

Historicamente o papel da maternidade sempre foi construído como ideal Maximo da mulher, caminho da plenitude e realização de feminilidade, associados a um sentido de renúncia e sacrifícios prazerosos. No final do século XVII e principalmente no XIX, a mulher aceitou o papel de boa mãe e dedicada aos filhos em tempo integral, responsável pelo espaço privado e privilegiadamente representada pela família.

Mesmo com toda a pressão social de sua época, dona Francisquinha utilizou seu

conhecimento, seus estudos para que o esposo conseguisse êxito em sua vida profissional e

literária. É indiscutível sua intensa contribuição na formação do literato Bruno de Menezes. Quando se diz: “Bruno foi autodidata” e realmente ele o foi, porém, teve ao lado dele uma figura maravilhosa que foi a minha mãe e que tinha uma intuição poética, ela própria era poetisa, mas com 9 filhos pra criar, 7, porque 2 morreram, ela teve que colocar meio de lado como realizadora, mas não como mentora, ela foi assim envolvente ao lado do papai na sua formação, dando-lhe bom gosto nas leituras, ela tinha sido aluna destacada do Paulo Maranhão, professor Paulo Maranhão, na escola normal e a mamãe aprendeu francês para ler no original os grandes poetas, Alfredo Mircela, Martinêz e tantos outros do começo do século XX. Aquele romantismo dos franceses, os sonetos, e isso eu tenho certeza que como que moldou o bom gosto do papai na leitura, na frase elegante (informação verbal)37

O papel da mulher na sociedade sempre foi alvo de preconceito, imaginar no início

do século passado, uma mulher pobre e de origem nordestina, coloca em evidencia vozes

silenciadas e marginalizadas, como até hoje acontece. Dona Francisquinha, fez opção pela

família, exerceu seu aprendizado dentro do lar. Poeta, professora, Francisca Menezes moldou

a família dentro de suas convicções. Um traço forte de sua personalidade era o exercício da

religião. Por isso a vida devotada á Igreja Católica era reconhecida pelos filhos, sua

participação nas missas e festividades dos santos católicos na igreja de São Joãozinho38, era

uma prática diária, com isso levando os filhos a terem a mesma conduta religiosa: A mamãe era uma mulher extremamente religiosa, ela todo santo dia ia à missa com ou sem a companhia, mas todo dia ela freqüentava a Igrejinha de São João, comungava e nos orientava a todos a terem uma vida religiosa, de modo que houve essa felicidade de haver um filho padre mais velho e a outra filha Marília Teresinha, religiosa das irmãs do Preciosíssimo Sangue e eu nunca tive muita afinidade realmente com meu pai (informação verbal)39.

37 Lenora Brito. Entrevista realizada em fevereiro de 2011. 38 Igreja de São Joãozinho: É uma pequena igreja, em forma octagonal, criada pelo arquiteto italiano Antônio Landi. A Igreja de São João Batista, também chamada de Igreja de São Joãozinho, está localizada na Praça do Líbano (Largo de São João), em Belém do Pará e foi erguida em 1777 . (www.revistamuseu.com.br.) acesso em 28.08.11. 39 Monsenhor Geraldo Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011.

Page 62: Entre poéticas e batuques

71

Mesmo sem se reconhecer católico praticante Bruno de Menezes recebeu influência

de sua mãe Balbina Menezes e de sua esposa Francisca Menezes. Em sua obra literária é

possível identificar marcas da simpatia que nutria pela igreja católica e pela religião africana.

Assim Monsenhor Geraldo Menezes sacerdote da Arquidiocese de Belém, primeiro filho do

poeta, observa a religiosidade e a orientação de sua mãe para o exercício do catolicismo.

Dona Francisca Menezes acompanhou a verve literária do esposo contribuindo na

construção do pensamento poético e da estruturação dos poemas, fato destacado por sua filha

Lenora Brito.

A Lua Sonâmbula ou o bailado lunar é um livro muito anterior ao Batuque, mas que de versos elegantes, versos bem feitos, sempre o papai burilou o verso e a mamãe gostava disso, o incentivava muito a procurar a palavra exata. Nós temos vários livros da mamãe, que ela lia e anotava ao lado, riscava, destacava, uma... uma...uma regadora do jardim das palavras, ela buscava a palavra elegante, a frase elegante. Aqui em casa, quando ela ralhava com a gente, ate colocação dos pronomes era perfeita e tudo, nem no meio da exaltação, da bronca, ela perdia aquela frase bem feita e isso tenho certeza (informação verbal)40.

Francisca Menezes exerceu um grande papel na construção e na formação literária e

intelectual do poeta. Seu exemplo de mulher, mãe e esposa, contribuía para a iniciação

religiosa familiar, exemplo concreto é a vocação sacerdotal de seu filho mais velho, Geraldo

Menezes e de sua filha Marília Menezes.

1.6 A vida familiar: o pesquisador, a lua e a boemia.

No bairro da cidade Velha em Belém a vida em família de Bruno de Menezes foi

marcada por ausências e por buscas de melhores condições de vida; a pobreza do poeta em

sua infância ainda persistiria por anos de sua juventude e após o matrimonio. Conforme

Rocha (1988) Árduos e difíceis continuavam os primeiros anos de sua vida de casado; trabalhava na revisão da ‘Folha do Norte’, aonde chegou a chefe de turma e na redação de ‘A Semana’, no tempo de Manoel Lobato e Alcides Santos. Para minorar as dificuldades financeiras, sua dedicada esposa – a paciente Francisquinha – costurava carinhosamente os livros que Bruno levava para paginar e encadernar em casa (informação verbal)41.

40 Lenora Brito. Entrevista realizada em fevereiro de 2011. 41 Fragmento do pronunciamento feito em 1988, pelo príncipe dos poetas Alonso Rocha, na Academia Paraense de Letras em homenagem ao 95º aniversário de nascimento de Bruno de Menezes

Page 63: Entre poéticas e batuques

72

José Haroldo, filho do poeta, relata a felicidade do apanhar mangas, encobrindo a

situação de pobreza vivida pela família Menezes: Nós tivemos uma infância muito pobre, então eu me lembro que quando caia uma chuvarada, eu pegava um paneiro, punha debaixo do braço, corria aqui pro largo do palácio42, nunca joguei pedra em mangueira na minha vida, mas eu apanhava as mangas que caiam e eu não dava vencimento, enchia o paneiro de manga e vinha comer em casa com farinha, chega fazia bigode. Matei muito a minha fome com essas mangas do largo do palácio, comidas com farinha, assim como com chibé, os meus filhos, os meus netos não sabem nem o que é chibé, no entanto matei muito a minha fome com chibé e o papai me levava, não era só a mim, era o Stélio, o meu outro irmão que é desembargador, hoje em dia, aposentado. Então Humberto de Campos, nas suas memórias, contando a sua infância de menino pobre, dizia: “Naquele tempo em que, sem que eu o suspeitasse, era feliz” e foi assim a nossa meninice, povoada de descontrações, não havia assaltos, não se receiava nada, que ninguém metesse a mão no bolso da gente para tirar alguma moeda que, nos assaltasse (informação verbal)43.

A união com dona Francisquinha Menezes gerou sete filhos: Geraldo Claudio dos

Santos Menezes (1921), Maria Ruth dos Santos Menezes (1923-2006), Maria de Belém dos

Santos Menezes (1925), Stélio Bruno dos Santos Menezes (1929), José Haroldo dos Santos

Menezes (1930), Marília Therezinha dos Santos Menezes (1932), Maria Lenora dos Santos

Menezes (1935).

A dedicação e o carinho de Bruno de Menezes dispensados a esposa e aos filhos

supriu o desgaste proporcionado pela vida boemia e a intensa vida profissional e literária

como relata em entrevista sua filha Maria de Belém Menezes. Papai tinha assim uma espécie de vida com o tempo todo muito tomado, fora, repartição a noite, saia para jornal, saia para passear, saia para ali para acolá, de maneira que não tínhamos assim, muito contacto, mas o contacto que nós tivemos com ele, graças a Deus nos deixou gratas recordações (informação verbal)44.

É a mesma Maria de Belém, filha do poeta, que dá ênfase ao lado boêmio do pai, ela

contou que em uma das madrugadas na década de 1920, a família acordou atônita com uma

espécie de cantoria a porta da casa, ao abrir a janela, estava Bruno de Menezes que ao lado de

42 Refere-se ao Palácio Antonio Lemos. 43 José Haroldo. Entrevista realizada em fevereiro de 2011. 44 Maria de Belém Menezes. Entrevista em fevereiro de 2011.

Page 64: Entre poéticas e batuques

73

Tó Teixera45 ao violão cantarolavam uma espécie de serenata. Esta cena descortinada pela

própria família remete-nos a intensa vida boemia do poeta, usufruída na latente Belém da

década de 1920 e 1930. Moraes (1931, p. 213) afirma essa característica boemia de Belém.

A capital paraense é a terra dos músicos boêmios, das famosas orquestras de pau e corda46 dos tocadores de flauta e violão, dos cantadores de modinhas, dos trovadores noturnos, que levantam em setembro e outubro, nas noites brancas de lua cheia, em lânguidas serenatas, quarteirões inteiros.

Vicente Salles (1980), em artigo para o jornal A Província do Pará comenta sobre a

participação do músico Tó Teixeira nos grupos boêmios e seresteiros das décadas de 1920 e

1930, e o próprio Teixeira legitima essa participação nos grupos seresteiros e boêmios em

entrevista aos Jornais A província do Pará e a Folha do Norte.

Na efervescência da boêmia, literária e cultural da década de 1920 até a década de

1940, sujeitos históricos experimentaram práticas notívagas. Eram músicos, intelectuais,

escritores e poetas que vivenciaram o universo noturno de Belém. Corrêa (2007, p. 4) relata a

intensa vida noturna belemense e destaca as relações entre os diversos artistas e literatos. Muitos desses intelectuais boêmios, nas suas andanças pelos bairros

suburbanos, entraram em contato com vários músicos com os quais passara a estabelecer laços de afetividade e sociabilidade. Músicos com Tó Teixera, Santa Cruz, Aluísio Santos, Artemiro Ponte e Sousa, conhecido como Bem-Bem, Pedro Matafome, Belém, Vicente Teixeira, Raymundo Canella, Raymundinho Pinheiro, Maçuinho, Passarinho, tornaram-se parceiros das noitadas boêmias. Noitadas em que o violão era o acompanhante inseparável e as serenatas apreciadas por todos.

Para Figueiredo (2001, p. 119) “parece mesmo terem sido freqüentes as escapadas de

vários integrantes do grupo do Grande Hotel em noitadas suburbanas, onde exercitavam

poesia, política e vida amorosa”. Em outro trecho de sua tese Figueiredo coloca em relevo os

encontros “não tão inocentes” no City Club, Bar Pilsen, Bar Paraense, Leão da América, Flor

de Maio ou no Barbinha. Outros locais serviram de ancoradouro para essa geração de

notívagos. Os ambientes proporcionados nessas noites enluaradas extasiavam seus

protagonistas que “somente ao despertar dos primeiros raios solares, quando os bondes já

circulavam pela urbe os boêmios retornavam para seus lares” (FIGUEIREDO, 2001, p. 119).

45 Seu nome verdadeiro era Antonio do Nascimento Teixeira Filho, nasceu em Belém em 1895 e faleceu em 1982.Violonista e compositor, participou de grupos boêmios seresteiros na década de 1920 e 1930. Musicou peças para o teatro de revista, participou de diversos grupos musicais. Além do violão, tocava também violino e trombone. 46 Os paus e cordas eram conjuntos musicais integrados por instrumentos de madeira (clarinetas, flautas) e cordas (violinos, violões, cavaquinhos etc.), instrumentos típicos do Norte e Nordeste Brasileiro (SALLES, 2007, p. 260).

Page 65: Entre poéticas e batuques

74

A boemia transcendia e conduzia o notívago a expressar seus mais íntimos

sentimentos. Corrêa (2007, p. 7) indica esse estado de êxtase. As serenatas serviam para que o boêmio pudesse expressar, através da música, sentimentos de amor, ódio, tristeza, alegria, felicidade. Mas também, levá-lo simbolicamente a se aproximar da mulher amada já que a mesma pelos padrões morais existentes deveria estar recolhida ao lar, ao quarto, ao leito virginal e, portanto, distante do olhar e do toque que poderia maculá-la, desvirtuá-la, desvirginá-la (grifo do autor).

O boêmio Bruno de Menezes participou intensamente das noitadas belemenses,

mediando e traduzindo o ambiente cultural, social, poético das noites de lua branca, estrela

que embalou sua poesia. Rocha (2006) catalogou a palavra “Lua” e suas derivadas “luar”,

“lunar”, “lunarina”, “enluarada” e “lua crescente”. Elas são utilizadas por Bruno de Menezes

1001 vezes, nos 39 poemas que compõem o livro, Lua Sonâmbula47.

Aficionado pela lua em suas mais diversas formas e um notívago freqüentador dos

bailes e comemorações belemenses, que tirava proveito das rodas de conversas, das serenatas,

das cantorias e dos encontros com amigos e literatos. Para muitos, era na mesa de bar “a

melhor parte de tudo o que se fizera nas artes da terra” 48·. A noite de lua cheia transformava-

se em um passaporte ao passado e às memórias de seus integrantes. E o “violão fazia-se ouvir

grave e saudosamente, como a relembrar-se de tempos felizes que não mais voltarão” 49. A

noite belemense trazia uma espécie de afago e amenização dos problemas diários, um antídoto

para extravasar. Belém nocturna! Belém de Sonho e Poesia! No City Club com o “jazz” do Oliveira da Paz, os hamorismos sadios dos Cantuarias, fazem com que nos esqueçamos do utilitarismo envolvente que nos acabrunha! E os bohemios, os felizes da vida, ao se reunirem neste cenáculo de prazeres que é o City, entre uma taça de “champagne” e um sorriso de mulher, louvam as noites de Salomão que lhes proporcionas e cantam teus olhos. Belém das flores mundanas e dos divinos prazeres (BELÉM NOVA n.55).

Os boêmios adquiriam dinâmicas que colocavam em destaque suas formas de pensar,

falar, agir, amar e consentir, porém também de transgredir, resistir e lutar (WILLIAMS, 1979,

p. 9). A vida boemia era também arena de tensões, sobrevivência, confrontos, essas

47 Lua Sonâmbula, livro publicado em 1953 pela gráfica Falangola editora. O livro segundo Alonso Rocha mistura poesia à moda clássica e modernista, revela o poeta e sua “neurose lunar”. 48 Jayme Calheiros, “Cantae, Bohemios”. AS. n 162. Belém, 14 de maio de 1921. 49 Serenata: Revista Pará Ilustrado, n. 31, 22/04/1939, p. 16.

Page 66: Entre poéticas e batuques

75

experiências noturnas eram consideradas pelos músicos, seresteiros, trovadores entre outros,

“como atividades complementares as atividades diurnas” 50.

Bruno de Menezes, o poeta da lua, tinha essa dimensão e deliciava-se com o encanto

e uma relação intima com essa estrela, ela a “lua cheia o hipnotizava” (informação verbal)51.

Sua “paixão por aquela que anda os claustros do céu” (MENEZES, 1993, p. 328), pode ser

percebida no poema Luar de agosto, aqui colocada em relevo:

Por que a Lua de agosto é sempre a Lua; Branca, saliente, eterna enamorada; Dos poetas, se no espaço ela flutua; Nos seus véus de noivado constelada?; Por que, toda a alma triste, apaixonada; Sente consigo essa emoção da rua; Ao planger um violão, à doce amada; Cantigas que a saudade lhe ensinua? ... O Luar de agosto, em seus mistérios, fala; De amores idos, de esperanças findas; Recordações do alguém que a gente cala... E a lua, no seu perfil de iluminura; Tem poemas de ilusões, diz coisas lindas; aos que amam sem ter sonhos de ventura... (MENEZES, 1993 p. 326).

Bruno de Menezes traduziu suas experiências notívagas e, como boêmio, captou,

reproduziu e explorou essas experiências sociais e incorporou à sua obra as memórias dos

moradores dos subúrbios da cidade de Belém.

II Na Poética e na Política

2.1 Luta e resistência: Bruno, o anarquista.

A amargura diante da condição financeira, a luta para garantir o sustento da família e

os vexatórios castigos impostos constantemente por Manoel da Costa52, seu chefe na oficina

de encadernação, fez com que o aprendiz de gráfico na Livraria Moderna de Sabino Silva,

Bento Bruno de Menezes Costa, idealista e trabalhador, se decepcionasse com o sistema

capitalista.

Neste sentido, Rocha (1994, p. 10) aponta o estado de “revolta” do poeta, que,

inspirado pela leitura anarquista, descobriu no sindicalismo e no cooperativismo o sistema

humanizado de viver:

50 Ver também Maria Izilda Matos: A Cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru/SP: EDUSC, 2007, p. 32. 51 Ir. Marília Menezes em entrevista no dia 08/08/2011, relata que o mês de agosto é o período do ano em que acontece, provavelmente, a 13 de agosto - que é o mês das luas mais nítidas e belas. 52 Proprietário da gráfica e Livraria em que Bruno de Menezes trabalhou.

Page 67: Entre poéticas e batuques

76

É uma das fases mais criticas de sua vida, espoliado e humilhado, Bruno revolta-se contra o desumano regime capitalista e torna-se prosélito da doutrina anarquista, influenciado por leituras de Blasco Ibanez53. Tendo sido o anarquismo o inspirador de ardorosos militantes do sindicalismo, Bruno abandona a profissão e, ligado a um grupo de proletários mais ou menos emancipados, dedica-se ao ensino das primeiras letras na Escola Francisco Ferrer fundada pela Federação das Classes Trabalhadoras.

A resistência ao capitalismo fez com que Bruno de Menezes deixasse o trabalho nas

gráficas e dedicasse seu tempo a favor de um sistema que, segundo seu entendimento,

conseguiria edificar um processo alternativo de geração de trabalho em que o ponto norteador

seria a distribuição equitativa da riqueza.

Cooperativista, sindicalista. O papai, devido ao fato de ter tido uma infância pobre, tinha o seu “que” de revolucionário, por isso que ele enveredou pelo cooperativismo, porque até hoje o cooperativismo é a única maneira de uma equipe de homens que não são capitalistas enfrentarem com sucesso o capitalismo selvagem, inspirado nos 28 tecelões de Rochdale, que foram os criadores do cooperativismo. O papai dava aula de cooperativismo. Daí muito embora ele não fosse um homem formado e, ser chamado professor Bruno, [Colégio] no Gentil, no Grupo Escolar Coronel Sarmento, em Icoaraci (informação verbal)54.

Para entender o modo como Bruno de Menezes optou pelo cooperativismo, como

meio de equiparação econômica das classes trabalhadoras, ressalto a origem desse processo

que inicia no século XIX, com a Revolução Industrial, época em que o proletariado urbano

procurava um meio para melhorar sua precária situação econômica, foi quando 28 tecelões de

Rochdale, pequena cidade inglesa, associaram-se com o propósito de, mediante a colaboração

de todos, tentarem melhorar sua condição de vida. Nesse período histórico, o cooperativismo

ganhou condições propícias para o seu desenvolvimento.

A verve política anarquista do poeta “custou-lhe sacrifícios e amarguras” (ROCHA,

2006. p. 46). Nesse sentido, em seu discurso na Academia Paraense de Letras, por ocasião do

53 Nasceu em Valência, 1867 e faleceu em Menton, 1928 Romancista espanhol. Licenciado em Direito, inicia a sua carreira literária escrevendo em catalão, mas depois passa a escrever em castelhano. Tem alguma actividade política, aderindo ao republicanismo federalista. Desenvolve uma intensa actividade como jornalista e orador, destacando-se na sua juventude como agitador democrático e anticlerical. Em 1891 funda o jornal El Pueblo, criando depois as editoras Prometeo e Sempere, a partir das quais leva a cabo um importante trabalho de divulgação cultural e política entre as classes populares. Em 1909 vai para a Argentina, criando ali duas colónias agrícolas que fracassam economicamente. Em 1914 estabelece-se em Paris e a partir de 1920 faz várias viagens aos Estados Unidos, onde é nomeado doutor honoris causa pela Universidade de Washington. Em desacordo com a política do ditador Primo de Rivera, sai de Espanha e fixa-se em Nice. A sua obra novelística, reflectindo as realidades de Espanha, utiliza recursos próprios do naturalismo de Zola. Os seus romances mais conhecidos são Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, A Catedral e Areias Sangrentas, ambos transpostos para o cinema.(http://www.vidaslusofonas.pt/vicente_blasco_ibanez.htm-acesso em 03.09.2011) 54 José Haroldo Fernandes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011

Page 68: Entre poéticas e batuques

77

centenário de nascimento de Bruno de Menezes em 1993, é o próprio Rocha que evidencia

trechos de vários trabalhos publicados nos jornais, documentando o pensamento de Menezes a

favor da união da classe trabalhadora em beneficio ao trabalho organizado e humanizado. Trabalhadores, homens de mãos calosas, componentes do proviléo e da pleble – a única arma para as vossas reivindicações é o sindicalismo’. E, novo profeta, pregava a união das classes obreiras: A coesão, uma é indispensável nos espíritos das classes trabalhadores. É a melhor arma de combate contra as convenções sociais, as especulações burguesas, a ganancia patronal’(...) (...) Necessário se torna que o homem trabalhador erga espécie, humanize o seu ser, levante o irmão que cai, torne-se invencível pela unidade da classe’(...) (...) A questão é estudar o problema que temos em nossa frente. Abdicamos os pequenos agrupamentos em favor da reunião forte e unida dos sindicatos, que é fazermos verdadeiras assembléias associativas’(...) Por que não oito horas? (ROCHA, 2006, p. 10)

No excerto o poeta reafirma a condição de luta pelos direitos trabalhistas e

argumenta com seu círculo sobre a unidade em forma de cooperativa para por fim a ganância

da burguesia. Bento Bruno assumiu o sindicalismo e o cooperativismo como condição de

vida, e, como resistência a um sistema, que, segundo seu olhar, era desigual e para tensionar e

provocar reflexão das classes operárias, envolveu a família, investiu tempo, trabalho e poesia. Eu trabalhei com ele durante 2 anos no Departamento de Assistência ao Cooperativismo da Secretaria do Estado de Produção do Governo Assunção.(1951-1955) O governo do Estado do Palácio ainda funcionava Aqui no Palácio do Governo antes de ser o tribunal e, durante esses dois anos, eu também tive ocasiões de fazer preleções sobre cooperativismo escolar. Foi a fase áurea do cooperativismo no Pará, sobretudo, em se tratando do cooperativismo escolas. Papai fundou clubes agrícolas nos grupos escolares. Ele foi o assessor da Cooperativa Agrícola do Estado em Tomé-Açu, que era uma potência naquele tempo da SOCIPE de outras cooperativas (informação verbal)55.

Seu trabalho nas oficinas gráficas foram pontes para conhecer literaturas do universo

socialista/comunista e anarquistas de Liv Tolstoi (1828-1910), Maksim Gorki (1860-1904),

Karl Max (1818-1883), Friedrich Engels (1820-1895).

Foi atuando como professor que Bruno de Menezes abandonou a profissão nas

gráficas e iniciou sua vida na militância sindicalista na Escola Francisco Ferrer,

estabelecimento de ensino, fundado pela Federação das Classes Trabalhadoras no Pará.

55 José Haroldo Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011.

Page 69: Entre poéticas e batuques

78

Aldrin Figueiredo (2006) relata o envolvimento do poeta com o movimento anarco-

comunista, na segunda década do século XX, e sua contribuição para a fundação de entidades

ligadas ao anarquismo. Entre 1916 e 1920, travou uma relação muito próxima com dois grupos muito importantes na organização do movimento operário no Pará: Os anarco-comunistas e os anarquistas sindicalistas. [...] Fundou em 1918, o partido Comunista do Pará, tendo frente o grupo político, Os semeadores. Em 1919, criaram o jornal o semeador, sub-intitulado, Orgão de Propaganda Sociológica, com o objetivo de divulgar o triunfo da revolução e derrotar toda a democracia falsa que dirigia as duas Américas (FIGUIREDO, 2006, p. 32).

Nesse sentido foram inúmeras as atividades reivindicando o equilíbrio econômico e

social, através de artigos em diversos periódicos como: O Semeador, O Correio de Belém, O

Combate, Jornal Pequeno, Voz do Trabalhador e Jornal do Povo, realizava, também,

conferências nos sindicatos sobre temas de educação e politização operária.

O poema O Operário, publicado em 1913, pelo jornal O Martello, marca a estreia do

poeta na vida literária concretizando seu pensamento visionário de cooperativista. Menezes

acreditava que o “sistema cooperativista, cujos ‘princípios da fraternidade, defesa social e

econômica, sem predomínio de elites, nem de raças, condizia com sua crença de que a família

humana há de ter o seu outro Éden” (ROCHA, 2006, p. 46).

Fatigado levanta-se o operário Por haver trabalhado o dia inteiro; E mesmo assim dirige-se ao calvário Do seu agro labor – o grande obreiro... E se acaso não chega por primeiro, Antecedendo da oficina o horário, Se quiser para o almoço ter dinheiro Tem de escutar de doestos um rosário... Mas, sendo artista que sua arte preza, Estanca no portal, dali não passa, Os seus minutos e patrão despreza. E, de orgulho cheio, eleva o seu olhar, Mostrando ter passado a nuvem baça Que lhe estava a razão sempre a ocultar! (MENEZES, 1993, p. 453)

Nos versos de O Operário, o engajamento a causa da justiça social é priorizado num

misto de lamento e resistência, o poema é um retrato de sua sensibilidade diante do que lhe

parecia injusto, com isso conscientizava seu círculo para aderir ao sindicalismo, tendo como

meta a unidade de intenções para atingir um pensamento de resistência coletiva. Assim Bruno

Page 70: Entre poéticas e batuques

79

articulava e congregava trabalhadores para se organizarem. Com esse pensamento surgiu a

Associação dos Estreantes, denominação que depois recebeu o nome de Associação dos

Novos. Nesta associação o poeta agregava principalmente gráficos, estudantes e assalariados,

todos com grande inclinação e entusiasmo para a literatura, a música e a pintura. Esses

intelectuais representavam a novíssima geração – Bruno de Menezes, Rocha Júnior, Ernani

Vieira, De Campos Ribeiro, Paulo de Oliveira, Mário Platilha, Farias Gomes, Clóvis de

Gusmão, Wladimir Emanuel, Wenceslau Costa, Sandoval Lage, Lindolfo Mesquita, Jacques

Flores, Gabriel Lage e tantos outros ali tiveram os seus dias de idealismo, sob o incentivo da

imprensa.

A produção cultural de Bruno de Menezes está inteiramente imbricada com sua

experiência política, inclusive com sua formação religiosa a exemplo do poema O Operário

(1913),quando relaciona crítica social e valores do catolicismo, como fundamento do seu

humanismo, isto é uma articulação de consciência de classe e valores religiosos. A alma

inquieta do cooperativista é traduzida pelas palavras do literato Bruno de Menezes. Além de

ser um marco em sua vida literária, a obra revela a idade latente do poeta que completava 20

anos. Comprometido com a humanização das leis trabalhistas, com a edificação espiritual do

homem, Menezes aponta sua inquietude não só com a questão social e econômica, volta-se

para o ser humano, como base para a formação de uma sociedade unida na partilha de valores

sociais e espirituais. O historiador Aldrin Figueiredo, em seu artigo, Bruno de Menezes

Anarquista (2006), afirma esse estado do poeta militante. Necessitava preservar o senso humanista, o lado poético da vida, a compaixão com o amigo próximo. Um sentimento de pertencimento de classes, de partilha de valores espirituais. Há um sentido religioso e revolucionário ao mesmo tempo: necessário se torna que o homem trabalhador erga a espécie, humanize o seu ser, levante o irmão que caí, torne-se invencível pela unidade de classe (FIGUEIREDO, 2006, p. 70).

Revolucionar através da literatura era a proposta de resistência do poeta Menezes.

Em sua investida como professor de cooperativismo palestrava em diferentes sindicatos e

associações, clubes beneficentes de trabalhadores. O discurso realizado em 1920, na sede da

União dos Operários Sapateiros, cujo tema central versava sobre a repressão política, a

violência policial, as perseguições enfrentadas pelo movimento operário no Brasil e no Pará,

indicava sua verve de resistência.

A luta operária é uma marca da trajetória anarquista de Bruno de Menezes, quer pela

busca de uma conscientização da unidade entre trabalhadores, quer pela estimulante

militância e doutrina política e literária ou mesmo pelo exercício estético da critica social que

Page 71: Entre poéticas e batuques

80

metamorfoseou sua experiência social na partilha de suas aflições e dificuldades para o bem

comum do proletariado, da saúde e progresso da humanidade.

Neste sentido o desenvolvimento da tecitura poética da obra de Bruno de Menezes,

está sedimentado nessa fase inicial anarquista de intensa atividade política, social. Fatos que

definiram “a contínua produção do literato em seu conjunto e não como etapa de um trabalho

imaturo e de rebeldia juvenil” (FIGUEIREDO, 2006, p. 69).

O filósofo Benedito Nunes (2006) ao analisar o conjunto da obra poética de

Menezes, relata que a mesma seguiu sob uma dupla confluência o que a tornou multicêntrica.

Neste sentido, segue uma ordem de desenvolvimento, ora cresce uniformemente, ou por

sucessivos acréscimos ou por linhas quebradas, atalhos e rumos imprevistos. Mostra também

os influxos, quer pessoal ou histórico. Assim sua vivência nos mais diversos circuitos,

possibilitou a construção de uma literatura baseada em experiências domésticas e públicas

sem uma sequência lógica ou linearidade. A visão absorvida no cotidiano condicionava os

influxos de sua obra.

2.2 Debates ao ar livre

O ambiente literário que envolveu o decênio 1920 a 1930, principalmente com a

realização da Semana de Arte Moderna, acendeu o sentimento dos literatos paraenses

incentivados pela ideia de rompimento com o tradicionalismo europeu na escrita poética.

Diálogos, refutações, trocas e tensões culminaram na transição entre o simbolismo e o

modernismo. Bruno de Menezes inserido nesse metier compõe poesias que trazem as marcas

desses movimentos literários.

Diante desse quadro, torna-se necessário conhecer de forma panorâmica o histórico

das revistas e os periódicos em que esses intelectuais utilizaram para disseminar suas ideias e

pensamentos.

Para José Eustáchio56(1990), o Pará é fecundo em revistas literárias, embora esses

periódicos tivessem duração efêmera. Podemos citar como marco desse período a primeira

56 José Eustachio de Azevedo nasceu em Belém, Estado do Pará, a 20 de setembro de 1867. Trabalhou como escrevente do Arsenal de Guerra do Pará, escriturário na agência do Lóide Brasileiro, empresa de navegação, e do Banco do Estado do Pará, do qual foi dispensado em 1900 devido à crise financeira que castigava o comércio paraense. Trabalhou como jornalista e colaborou em inúmeros jornais literários. Junto com alguns artistas e intelectuais, fundou a associação literária denominada Mina Literária. Morreu em Belém, aos 76 anos de idade, em 5 de outubro de 1943. Obras: Orchideas (poemas, 1894); Nevoeiros (poemas, 1895); A viúva (novela, 1896); Brasil (poemeto, 1900); Anthologia amazônica (poetas paraenses, 1904); Dedos de prosa (coletânea de contos, novelas e crônicas, 1908); Musa Eclética (poemas, 1909); Vidimas (artigos, contos, crônicas, 1913); A Irmã Celeste (drama, 1916); De capa e espada (contos, 1917); Belas artes (palestras literárias, 1919); Literatura paraense (história literária, 1922); Livro de Nugas (letras e farras, 1924); Duas musas (poemas, 1928).

Page 72: Entre poéticas e batuques

81

manifestação dessa prática literária: o surgimento do Correio Brasiliense, revista editada em

Londres.

A revista Efemeris, de 1916, lançada por um grupo de escritores paraenses sob a

direção de Artur Guimarães Bastos, deu os primeiros passos na renovação literária

antecedendo a Semana de Arte Moderna. O grupo era formado por Lúcidio Feitas, Djard de

Mendonça, Tito Franco, Alves de Souza, intelectuais que em 1900, fundaram a Academia

Paraense de Letras. O desejo de renovação literária era constante nas rodadas de intelectuais,

a busca por uma literatura com características próprias sem o glamour europeu pairava no

ambiente literário paraense.

Esses periódicos e revistas dos anos 1920 aparecem com caráter documental onde os

artistas exibem seus trabalhos com uma linguagem nova e sintonizada com as correntes do

movimento vanguardista europeu que tinha a característica de desconstruir os modelos e

regras passadistas. Foi com a intenção de seccionar esse tradicionalismo, que surgiram

revistas como: Klaxon, em São Paulo; Estética, no Rio de Janeiro; Festa, também no Rio de

Janeiro; Terra Roxa e outras terras, em São Paulo; Verde, em Cataguazes, nas Minas Gerais;

Revista de Antropologia, em São Paulo; e A revista, na capital mineira.

O Pará possui uma destacada trajetória de publicação de periódicos, que inicia na

segunda década do século XIX, com a compra da primeira maquina tipográfica. MOURÃO

(2006, p. 27) relata do surgimento desse meio de comunicação. A primeira tipografia paraense foi adquirida em Portugal, no ano de 1821, por Domingos Simone da Cunha e José Batista da Silva. Além da Nova tecnologia, trouxeram os tipógrafos Luiz José Laier (Francês) e João Alvarez ( Espanhol) para implantar a oficina e com eles o primeiro jornal impresso no Estado “ O Paraense” de março e 1822, tendo como redator chefe Felipe Alberto Patroni Maciel Parente. Esse Jornal circulou sobre tudo com fins políticos.

As revistas literárias paraenses foram importantes para a circulação de informação do

fazer literário em todo o país, desde o final do século XIX, até o inicio da década de 40,

período de fechamento da revista Terra Imatura. Para COELHO (2003, p. 33) as letras no

Pará viveram por iniciativas particulares e pela fomentação dos próprios literatos em discutir

esse ambiente em rodas de conversas.

56 Como eram chamados os integrantes da associação literária a Mina Literária (1895-1899) essa associação preparava conferências, promovia concursos literários, publicava livros, organizava saraus literários.

Page 73: Entre poéticas e batuques

82

A literatura local sobreviveu graças às iniciativas individuais, como o lançamento de Anjo dos abismos, primeiro livro de poesia de Ruy Guilherme Paranatinga Barata, então com 27 anos, publicado em 1943, pela editora José Olympio, do Rio de Janeiro, e encontros frequentes de bons amigos escritores, cultivando o debate literário nos cafés e nas residências particulares, em especial à casa de Machado Coelho, no antigo Largo da Pólvora, sempre aberta aos amigos das letras57 O “fazer literário” do Pará, em termos editoriais, encontrava-se por ora de “maré baixa”.

A participação efetiva do Pará nas transformações políticas, culturais e literárias, foi

referendada pelo surgimento da imprensa, fatos como a abolição da escravatura, a

proclamação da República, os ideais modernistas não passaram sem registro na imprensa

paraense, um exemplo desse processo é o chamado grupo dos mineiros, formados por jovens

intelectuais paraenses que se reuniam para falar de seus ideais literários, promover e fomentar

o desenvolvimento da literatura na região norte Eram mineiros por pertencimento e

colaboração a Mina literária, revista que circulou no Pará de 1894 a 1899.

Além das revistas e periódicos as livrarias e as casas impressoras constituíram-se em

meados do século XIX, em estabelecimentos que contribuíram para a divulgação de

pensamentos e ideologias dos intelectuais. As instalações modernas das tipografias e das casas

de comércios, com estrutura vinda da Inglaterra possibilitaram que fossem divulgadas

internacionalmente. A Livraria Universal do senhor Tavares Cardoso era um dos tradicionais

pontos de encontros da intelectualidade paraense da belle-époque. Sobre esta seara, Coelho

(2005, p. 173) relata esse ambiente de intensa efervescência cultural e as principais livrarias

existentes. J.B. dos Santos & Cia, Taveira e Serra, Pinto Barbosa & Cia, A. Loiola, Porto de Oliveira & Cia, Tavares Cardoso & Cia. E as livrarias Escolar, Carioca, Universal e Clássica. Essas empresas editorais facilitaram a publicação de livros de autores locais em diferentes áreas de estudo58. Além das livrarias, os literatos boêmios liam seus romances, poemas e contos em concorridos saraus no Teatro da Paz, nas praças públicas, ou na casa de amigos. Diversos grupos de escritores e poetas tiveram uma sistemática publicação de livros e revistas.

Essas casas de impressão e as livrarias proporcionavam um ambiente de trocas,

diálogos e disseminação dos ideais literários desses grupos de intelectuais. José Eustáchio de

Azevedo ressalta o ambiente literário vivido pelos grupos em suas práticas sociais, “havia

vida literária, convívio espiritual nos cafés e teatros, nas nossas residências e até nos bondes”

(AZEVEDO, 1990, p. 13). 57 Nunes (2001). 58 Ver Moreira (1979).

Page 74: Entre poéticas e batuques

83

As letras paraenses viveram intensas formas de convivências, tensões e práticas de

sociabilidade entre literatos. No intimo uma forte troca de anseios na busca do ideal coletivo

de legitimar a literatura do norte com suas particularidades, diante da sobreposição do

tradicionalismo europeu, tanto imbricado até então, na feitura poética brasileira.

2.3 Bruno e os novos modernos

Começo, a partir de agora, a apresentar uma geração de literatos e intelectuais que

articulados por Bruno de Menezes, movimentaram o ambiente literário paraense na segunda

década do século XX. Os meios de produção evidenciados por esse grupo tinham como

desfecho a quebra dos padrões estéticos e tradicionais europeus, a feitura de uma literatura

nortista, posicionando-se diante dos modernistas nacionais e buscando a adesão de expoentes

da cultura local. Sobre estes quadros, podemos citar Fran Pacheco, Augusto Meira, Manoel

Lobato, Severino Silva entre outros. Para De Campos Ribeiro (1973, p.16) a interação entre

novos e velhos literatos nortistas foi sendo harmonizada paulatinamente. Foi o próprio

Ribeiro que relatou esse ambiente da geração que surgia na congregação da Associação dos

Novos.

Minha geração, que começara os primeiros passos em 1921, congregava na “Associação dos Novos” os “ansiados”, como nos chamava o saudoso Ângelus, artista que participara no Rio do movimento de Graça Aranha (...). Começamos quase todos, na “Província do Pará”, em sua segunda fase, ali na Rua 13 de Maio. Uma seção denominada “Coluna dos Novos”, se não laboro em equívoco, acolhia nossos versos, nossas crônicas e contos, dava-nos estímulo, enfim. Em 1924, quando a maioria do grupo já conseguia atrair sobre sua personalidade e atenção dos maiorais das letras da terra, aqueles que a ironia de Raul Bopp, então conosco convivendo, chamava os “Jacarés Sagrados”, nossa intrepidez lançara ao mundo literário, não só do Pará, mas do país, a revista “Belém Nova”, que circulou de 1923 a 1929, com a interrupção de alguns meses, conseqüência das péssimas condições financeiras que tínhamos pela frente. Dirigia a revista Bruno de Menezes e depois Paulo de Oliveira.

Esse relato histórico rememora a construção de um grupo que Bruno de Menezes

autodenominou de “Vândalos do Apocalipse”. Um grupo engajado com a situação concreta de

sua realidade, sensível aos anseios sociais, políticos e literário e assim compromissados com

atos que sedimentasse ações que norteariam a concretização de seus pensamentos e

ideologias.

A interface entre o simbolismo e o modernismo alcançaria os primeiros indícios de

uma futura ruptura, com a criação por Bruno de Menezes da revista Belém Nova, era em torno

Page 75: Entre poéticas e batuques

84

desse periódico que “iria aglutinar-se a falange dos novos no Pará, em principio com algumas

concessões ao passadismo, depois com algum colorido agressivo” (INOJOSA, 1994, 116).

O movimento modernista foi conseqüência das transformações culturais, políticas e

sociais que se desenvolveram no Brasil e no mundo, desde a primeira metade do século XIX.

A utilização do termo modernista já havia sido usada pelo crítico José Veríssimo no campo

das ideias. Coelho (2005, p.53) analisa essa passagem na Literatura paraense. Com o Modernismo, a literatura brasileira modificou-se expressivamente, pois nele fundiu-se “a libertação do academismo, dos recalques históricos, do oficialismo literário”, anota Antonio Candido

acerca desse “movimento

das idéias”. Tal acontecimento se deve em boa parte às aceleradas transformações culturais, políticas e sociais que já vinham ocorrendo no Brasil e no mundo, desde a primeira metade do século XIX. O crítico José Veríssimo já usava o termo modernismo para conceituar tal empreendimento no campo das idéias em repercussão no país, nesse mesmo período, com base no livre-pensamento, na oposição à monarquia católica e nas mudanças operadas na Europa com o positivismo comtista e o transformismo de Taine e Renan.

A intenção não é comentar sobre o surgimento do movimento modernista, porém

corroborar com o sentimento dos literatos paraenses em promover a quebra do dogmatismo

intelectual que aprisionava os conceitos literários e conduzia a literatura nacional.

Nesse sentido, o literato pernambucano Inojosa (1994, p. 111) relembra os anseios de

renovação da associação dos novos, uma manifestação coletiva dos jovens intelectuais

paraenses que através da “arte nova” buscavam a transformação a feitura poética e literária no

norte do Brasil. Um sentimento parecia predominar nos espíritos dos jovens: o do nacionalismo. Vinte ou mais dentre eles, numa espécie de academia ao ar livre, era a quantos por vezes atingiam aquelas tertúlias. Delas participavam Abgar, De Campos Ribeiro, Bruno de Menezes, Raul Bopp, Clóvis de Gusmão, Santana Marques, Nunes Pereira, Paulo Oliveira, Severino Silva. Cenáculo de “fatos correntes, fofocas e anedotas”, comentaria Bopp, em que também se “agitavam opiniões, notadamente no campo literário”, mas de “intelectualismo sem direção” e de “efeitos estéreis”.

Esse grupo de intelectuais iniciava uma “corajosa e afoita tentativa provinciana de

renovação literária” (INOJOSA, 1994, p. 113). Nesse contexto Bruno de Menezes inseria-se

como um articulador, inquieto e revolucionário, que, não desejava a promoção pessoal diante

de sua arte poética, porém, com ela promover a “separação entre o novo e o antigo,

delimitando os campos futuristas e passadistas” (INOJOSA, 1994, p. 117).

O ambiente proporcionado por esses literatos possuía uma característica muito

peculiar, os encontros para discutir arte, literatura, política e mundanismo, aconteciam em

Page 76: Entre poéticas e batuques

85

dois espaços geográficos bem distintos, articulando dois grupos de intelectuais por volta de

1921, o primeiro foi apelidado de Academia ao ar livre, formado nas reuniões no Largo da

Pólvora. Figueiredo (2001, p. 114) destaca o depoimento de Raul Bopp sobre os encontros

dos acadêmicos ao ar livre: (...) a noite, no terraço do Grande Hotel, debaixo de copadas mangueiras, reuniam-se os grupos habituais. O círculo de conhecidos ia se alargando. Emendava-se, às vezes, com outras rodas. Vinham o Braguinha, o Proença, o Orlando, Clovis de Gusmão, o Abguar Bastos, às vezes Nunes Pereira. Discutia-se de tudo. Entravam-se em comentários os fatos correntes, fofocas e anedotas. Agitavam-se opiniões, notadamente no campo literário. Em geral, os modos de ver, nesses assuntos, arrematavam-se em blagues. Mas, dessas conversas de calor comunicativo, ficava sempre um resíduo de bom senso, que assinalava o pesado artificialismo em coisas que publicavam .

Outro grupo de literatos, mais boêmio, pela origem modesta, reunia-se nos botecos

do Ver-o-Peso, ao comando de Bruno de Menezes, crítico dos encontros literários sofisticados

à moda parisiense, encontrava-se na feira para comer peixe frito e degustar aguardente, como

esclarece Rocha. O Peixe-frito foi o seu símbolo. Pelos botecos do Ver-o-Peso, ‘abastecendo-se’ de postas de 200 réis, farinha d’água de 10 tostões o litro e cachaça de 500 réis a dose, o grupo boêmio e sonhador – Abguar Bastos, Paulo de Oliveira, De campos Ribeiro, Jacques Flores, Nuno Vieira, Muniz Barreto, Sandoval Lage, Clóvis de Gusmão, Orlando de Moraes, Lindolfo Mesquita, Ribeiro de Castro, Rodrigo Pinagé e Bruno – debatia literatura e equacionava revoluções, captando a simpatia do povo, nos bares e cafés, nas festanças no Umarizal e outros subúrbios onde se tornavam reis, como oradores e poetas (ROCHA, 2006, p. 27).

Avesso ao tradicionalismo europeu, Meneses legitima sua academia de intelectuais,

sem precisar de uma entidade legitimadora. Sua atitude em consonância com o modo de

pensar coletivo e de uma consciência social destaca sua preocupação com os injustiçados, os

oprimidos pelo sistema, os marginalizados e invisíveis, e exterioriza seu pensamento em criar

condições políticas, sociais e econômicas, para pessoas que como ele, viviam desassistidas.

Bruno de Menezes optou pelas reuniões em ambientes mais populares, quer nas festanças do

Umarizal ou nas rodadas suburbanas, em que, política, arte e literatura permeavam as

conversas, porém essa opção pelo popular não impedia a interação entre os dois grupos.

O embrião de uma arte nova estaria prestes a surgir, a união desses grupos fundaria a

Associação dos Novos e posteriormente a revista Belém Nova. Neste sentido o sentimento de

renovação literária; o desejo de construir uma nova feitura poética, inédita, sem copias; de

rever conceitos e formas literárias, de desconstruir todo o processo de amarras do fazer

Page 77: Entre poéticas e batuques

86

poético, vinham ao encontro dos objetivos idealizados por uma coletividade de intelectuais

que, Bruno de Menezes, em sua sensibilidade, captou e materializou na poesia arte nova: Arte Nova Eu quero um’Arte original... Daí esta insatisfação na minha Musa! Ânsias de ineditismos que eu não vi e o vulgo material inda não usa! E a Idéia é ignota... A Perfeição em si, tem segredos de morte e alma reclusa... Sendo a glória espinhosa, – eu me feri... justo e, pois, que este sonho arda e relusa!... Toda a volúpia estética do Poeta que eu sou, – para a Poesia que mim sinto, provém desse querer em linha reta! Gloriosa um’Arte que os Ideais renova! – Razão da causa por que eu me requinto na extravagância de uma imagem nova! (MENEZES, 1993, p. 454).

A concretização de ideais literários tinha na figura de Bruno de Menezes um

ancoradouro, sua personalidade como intelectual, literato e popular fazia convergir para si, o

meio de articulação dessa nova postura que a arte poética tomara. O “poeta da lua” e a

geração que surgia maestravam a nova forma da arte literária, mesmo que o novo movimento

das letras paraenses pudesse ser creditado a outros intelectuais. Bruno de Menezes esta

inserido a esses grupos de literatos, sua trajetória poética, social e literária e até mesmo

militante e de resistência está estruturada nas necessidades coletivas de seu círculo. Foi o

pertencimento ao grupo que Bruno viveu sua fase mais produtiva em revistas como a Belém

Nova. Bruno de Menezes foi porta-voz e ponte de transição entre o movimento simbolista,

que, diante do novo movimento literário que surgia, continuava vivo na estética do poeta.

2.4 Belém Nova. Um novo modo de revistar o moderno

Lembro que a intenção aqui não é versar sobre o surgimento do movimento

modernista no Norte, nem de detalhar sobre as características e o quadro de literatos

brasileiros que participaram dessa transição, porém quero mostrar os meios de produção, os

diálogos e refutações, bem como os colaboradores de Menezes nesse período de sua vida,

além dos acontecimentos que permearam a construção de sua formação intelectual e literária.

Nesse sentido, no inicio do século XX, os periódicos literários, as revistas e os

jornais foram espaços de discussões e disseminações de informações e uma forma de

Page 78: Entre poéticas e batuques

87

participação nas modificações políticas, culturais e literárias, especificamente deter-me-ei à

revista Belém Nova e seu movimento.

A trajetória desse novo modelo de comunicar através de revistas e suplementos

literários trouxe a disseminação de idéias e ideologias de grupos sociais que a partir de seus

pertencimentos buscavam dialogar com a sociedade. Nesse processo o círculo de Bruno de

Menezes criou a revista Belém Nova, magazine que passaremos a conhecer sua fundação e

principalmente para nossa pesquisa a participação de Bruno de Menezes nesse espaço de

praticas literárias. A memória do poeta Rocha (2006, p.17) indica os rumos que a nova revista

paraense daria a literatura no norte do país:

Belém- Nova revista lançada a 15 de setembro de 1923 e que marcou a época, apontando novos rumos à literatura planicitária, era de idealização de Bruno e, sob sua direção, fez eco em nossa terra do movimento literário de vanguarda que empolgava o Brasil; seus companheiros de redação eram Edgar Franco, Alfredo de Souza e Manuel Malhado.

Os meios de produção da imprensa paraense no final do século XIX e início do XX,

período histórico em que a Literatura Paraense apresentou inúmeras associações literárias,

revistas e os jornais circulantes, com pouco tempo de duração, em no máximo dois anos.

Esses meios de comunicação que circulavam em Belém e demais cidades paraenses tinham

como pano de fundo, motivos políticos. Mourão (2006, p.30) enumera os principais órgãos de

imprensa neste período.

O Verdadeiro Independente (1824-1827), dirigido por Dom Romualdo Antonio de Seixas, arcebispo da Bahia, O Amazonense (1832-1842), tendo como redatores os Cônegos Silvestre Pereira e João Batista Gonçalves Campos; O Sentinela, tendo como redator Vicente Ferreira Papagaio; Publicador Paraense(1841), fundado por Justino Henriques da Silva; Diário do Gram-Pará(1853), o primeiro exemplar foi diário e os outros exemplares semanais. (MOURÃO, 2006, p. 30).

Catalogadas por Manoel Barata, na obra Formação Histórica do Pará, 687 jornais,

revistas e outras publicações literárias, circularam entre os anos de 1822 a 1908. Durante o

período de publicação da revista Belém Nova (1923 a 1929), era nítida a atuação e o

fortalecimento da literatura dos jovens modernistas orientados por Bruno de Menezes com

características marcantes do novo movimento em que “a forte presença do índio, do caboclo e

do negro, além do destaque às mudanças da fisionomia da cidade” (COELHO, 2005, p. 83).

O “poeta da lua” articulava e congregava os pensadores e intelectuais na

disseminação de uma nova postura de fazer letras no norte do país, a revista Belém Nova foi

uma bússola para que os próprios literatos e escritores paraenses percebessem os meios de

Page 79: Entre poéticas e batuques

88

produção e o que concretamente acontecia no período histórico literário vivido. Esse

periódico de publicação quinzenal, contou com a participação da Associação dos Novos. Na

primeira publicação da revista, constavam vários nomes da literatura local, entre eles, Raul

Bopp, Apolinário Moreira, Pereira de Casto, Abguar Bastos, Peregrino Junior.

A revista teve a duração bastante longa para um periódico literário se comparada aos

existentes nesse período. De 15 de setembro de 1923 a 15 de abril de 1929, os leitores

acompanharam, crônicas, novelas, contos, reportagens e ensaios literários, anúncios

comerciais, coluna social, fotografias e ilustrações. Entre os anúncios comerciais, o café da

Paz, e o Grande Hotel, chamavam a atenção do leitor para suas instalações e serviços.

Coelho (2005, p. 77) afirma que a “revista recém-lançada imprimia às novas feições

da cidade, da cultura e da vida”. A Belém Nova, a partir de um olhar modernista, contribuía no

processo social dos primeiros anos da década de 20. Era um ponto de convergência dos

literatos que ambicionavam uma literatura que revelasse a identidade local e brasileira

(nacional), e ao mesmo tempo a tentativa de agregar as diferentes formas de pensamentos.

O Magazine ao longo do tempo tentava sobreviver no mercado editorial e ao mesmo

tempo disseminar ideias destoantes dos seus colaboradores. As refutações internas e os

diálogos nem sempre democráticos tornaram a Belém Nova um espaço comunicacional entre a

chegada ambicionada de um novo movimento literário em que os intelectuais à sua forma de

olhar evidenciavam suas particularidades diante da nova postura de entender o cotidiano e o

período histórico artístico, e a necessidade de mostrar um engajamento político, social e

cultural com a comunidade local, com suas tradições e memórias. Figueiredo (2001, p. 130)

informa o comprometimento da revista com a sociedade Belemense. Nos fins de 1924 e em todo o ano de 1925, a redação do magazine investe mais nos assuntos da política local e nas colunas sobre mundanismo e vida cotidiana da capital do Pará. A idéia era garantir certo ar mais “engajado” para as matérias que eram veiculadas, ao mesmo tempo em que surgia uma certa nostalgia do passado (...) agora era hora das recordações de um tempo da memória individual de cada literato, revirando momentos perdidos da infância, num reencontro com as tradições populares da terra.

A vida dos literatos, seus trânsitos e diálogos nos mais distintos tempos eram temas

de textos publicados na revista. A memória social e cultural, os hábitos e tradições eram

expostos em artigos como forma de mostrar a sociedade o seu engajamento e conhecimento

da realidade. Esse processo transformador indica que a literatura ultrapassa conceitos.

Figueiredo (2001, p.142) na esteira de Raymond Williams considera os aspectos de

transformações da literatura.

Page 80: Entre poéticas e batuques

89

(...) esse tipo de processo de transição no campo literário são, nesse sentido, fundamentais, pois como relata o critico inglês, as obras literárias refletem muito mais do que um simples vínculos a conceitos, escolas ou cânones(...) a melhor saída afirma Willians é entender “ os valores ativos da literatura(...) como elementos de uma pratica continuada e em transformação.

Nesse sentido Bruno de Menezes era o mentor, o articulador das ideias e o

moderador do tempo, por isso, Belém Nova agrega a convivência entre os velhos e os novos

intelectuais nas mais diferentes formas de pensamentos. Assim o magazine era produto de um

conjunto de literatos nos mais diversos estilos. Faziam parte dos escritores: e colaboradores:

Apolinario Moreno, Abguar Bastos, Carlos Nascimento, Chermont Brito, De campos Ribeiro,

Dejard de Mendonça, Eneida de Moraes, Elzeman de Freitas, Eustáchio de Azevedo, Ernani

Vieira, Farias Gama, Jacques Flores, Ignácio de Moura, Luiz Gomes, Livio Cezar, Olivio

Rayol, Paulo de Oliveira, Pereira e Castro, Severino Silva, Vicente Abranches. De outros

estados brasileiros colaboravam: Almacio Diniz, Adelino Magalhães, Assis Garrido, Antonio,

Carlos Garrido, Carlos Fernandes, Francisco Galvão, Jayme D’Altavilla, Martin Napoleão,

Raul Bopp, Peregrino Junior e Tasso da Silveira.

Belém Nova inovara na forma de comunicar, no momento histórico em que o

movimento modernista arrumava o ambiente para ser introduzido no Norte. A revista foi

facilitadora desse processo.

Bruno de Menezes dirigia a linha editorial do magazine, que participava da vida

cotidiana dos habitantes da capital paraense, promovia e incentivava a publicação de obras e

poesias de literatos locais e nacionais em um intercambio cultural dentro da própria revista.

Entre outras, duas obras bastante importante no arcabouço literário de Bruno de Menezes

foram publicadas na revista Belém Nova: Batuque e a novela Maria Dagmar.59 A primeira

obra citada, é instrumento de pesquisa deste trabalho e mostra a importância do pensamento

do autor e suas influências pois o tema das festas religiosas e profanas dos negros,

descendentes dos ex-escravos, aparece na literatura modernista paraense na obra de Batuque –

posteriormente título de livro do autor, lançado em 1931 – é um conjunto de poemas

enriquecido pela musicalidade e pelos recursos estilísticos. Nele Bruno de Menezes mostra

seu profundo conhecimento do negro, os aspecto psicológicos, a religiosidade, as festas, a

culinária, o misticismo e o sentimento que permeou a vida do africano. Batuque é um

entrelaçamento intimo entre o poeta e a negritude.

59 Ver Revista Belém Nova, n. 6, 10 e 11.

Page 81: Entre poéticas e batuques

90

2.5 Bruno de Menezes: O Ver-o-Peso, a cultura popular e o folclore.

2.5.1 Patrimônio cultural: O Ver-o-Peso O patrimônio é o lugar onde melhor sobrevive hoje a ideologia dos setores oligárquicos, quer dizer, o tradicionalismo substancialista. Foram esses grupos – hegemônicos na América Latina desde as independências nacionais até os anos 30 deste século, donos naturais da terra e da força de trabalho das outras classes – os que fixaram o alto valor de certos bens culturais: os centros históricos das grandes cidades, a música clássica, o saber humanístico (CANCLINI: 2003).

O pensamento de Canclini (2003) confronta com a representação que esse patrimônio

cultural possui para os habitantes de Belém e da Amazônia. A desconstrução desse conceito é

evidenciada pela circulação dos feirantes, barqueiros, mendigos que diariamente transitam no

local, assim como as pessoas que frequentam os mercados de peixe e carne e a feira.

O Ver-o-Peso é um dos principais patrimônios culturais de Belém e inegavelmente é

expressão identitária da cidade. Bruno de Menezes conhecia muito bem o patrimônio cultural

da cidade, sua raiz negra conduzia sua sensibilidade a pesquisar sobre esses espaços, como

palco de tensões, sociabilidades, religiosidades, comércio e luta pela vida. Os meios de

produção que compõem a feira preenchem o mosaico amazônico. Neves (2006, p. 96) reflete

sobre essa feira como espaço de diálogos, trânsitos e comércio. É um lugar em que há um escape da arquitetura colonial e cristã, trata-se da maior feira ao ar livre da região, o Ver-o-Peso. Lá já foi palco da Cabanagem, uma revolta popular contra o Império brasileiro. Vários governos já tentaram mudar sua dinâmica. Em muitos momentos as políticas públicas já deixaram a feira literalmente entregue aos ratos e às baratas. Já ergueram no meio do Ver-o-Peso o Mercado de Ferro, o Mercado de Carne, cujas singularidades arquitetônicas são inquestionáveis para um padrão estético ocidental. É uma longa história. Mas, é o movimento dos barquinhos, trazendo verduras, frutas, peixes e todo o colorido, pintando em suas barracas uma grande aquarela amazônica, que deixa ver a forte memória indígena viva no cotidiano de Belém. Lá também é o lugar em que se compram alguns artigos da culinária paraense incorporados da tradição indígena como a farinha, o tucupi, o jambu.

A memória familiar do “poeta da lua” relata práticas sociais, e a elaboração de uma

consciência voltada aos espaços culturais e de vivência na cidade de Belém. O Ver-o-Peso é

um local de intermediações culturais e foi o ambiente onde surgiu nos anos de 1920, o

movimento literário conhecido como “Vândalos do Apocalipse” ou mesmo “Academia ao Ar

Livre”, que na década de 1930, denominou-se “Academia do Peixe Frito”, reunidos nas

barraquinhas de vendas de comidas do Ver-o-Peso, os literatos participantes desse movimento

Page 82: Entre poéticas e batuques

91

discutiam literatura, degustando a iguaria que nomeou o grupo, enquanto eram servidas cuias

com cachaça de Abaetetuba, fato percebido pelo poeta Alonso Rocha (2006, p. 49). O peixe frito foi seu símbolo. Pelos botecos do Ver-o-Peso, “abastecendo-se” de postas de 200 reis, farinha d’água de 10 tostões, o litro e cachaça de 500 réis a dose, o grupo boêmio e sonhador – Abguar Bastos, Paulo de Oliveira, De Campos Ribeiro, Jacques Flores, Nuno Vieira, Muniz Barreto, Sandoval Lages, Clovis de Gusmão, Orlando de Moraes, Lindolfo Mesquita, Ribeiro de Castro, Rodrigues Pinagé e Bruno...

Bruno de Menezes tinha uma intensa relação com o ambiente da feira. A memória

familiar em suas andanças pela feira do Ver-o-Peso, sua captação dos festejos e diálogos entre

feirantes e visitantes, o cotidiano, a movimentação das mercadorias, as embarcações vindas

das mais diversas localidades amazônicas, a diversidade racial dos frequentadores da feira e a

forte devoção a São Benedito, foram fundamentos que mais tarde o incentivaria a escrever a

obra São Benedito da Praia.

O mercado do Ver-o-Peso era um ambiente familiar ao poeta Bruno de Menezes, o

cotidiano da maior feira aberta da América Latina chamava a atenção do poeta pela intensa

movimentação da cultura popular e religiosa, muito comum nas cidades ribeirinhas do Pará.

Foi nesse entre lugar de memória e cultura que realizou um trabalho de coleta de informações

em uma pesquisa no campo folclórico, esse olhar direcionado a desvendar as mais profundas

particularidades do povo frequentador do Ver-o-peso, vinha ao encontro do movimento

modernista como afirma Costa (2010, p. 14). Este olha interessado pelas particularidades do povo estava em concordância como o interesse dos literatos modernistas paraenses pelas manifestações festivas populares, quer religiosa, ou profana. Tal interesse estava pautado na idéia de tomar tais expressões culturais como fonte inspiradora de uma literatura verdadeiramente brasileira (a partir de sua versão Amazônica). Daí que relatos folclorísticos como São Benedito da Praia emergem como interpretações daqueles escritores do que entendam como criações folclóricas, isto é, populares (COSTA, 2010, p. 14)

É nesse espaço de práticas culturais, sociais e religiosas, que peixeiros, balanceiros,

vendedores de ervas, de frutas, compradores e feirantes, além de familiares e amigos, geram

acontecimentos captados e descritos por Bruno de Menezes, consolidado pelo alto grau

relacional do poeta com a feira e seus atores, que por sua vez é impregnado e influenciado por

sua vivencia familiar, descrita por um deu seus filhos, o médico José Haroldo. Eu me lembro do papai quando nós íamos ao Ver-o-Peso fazer compras. Naquele tempo se comprava banana em cacho, pupunha em cacho, aqueles paneirinhos com mangaba, bacuri era vendido em paneiro, hoje em dia os

Page 83: Entre poéticas e batuques

92

supermercados vendem tudo em quilo. Quando se encontra ainda! Lembro-me daqueles paneirinhos de mangava, uma fruta deliciosa, não sei se você conhece que gruda os lábios da gente, devido ao látex que ela contém, a exemplo do abil, são frutas que a meninice de hoje, a mocidade de hoje, já nem conhece a ginja, por exemplo, o cotite e tantas e tantas outras frutas, né? paneiro de farinha, nós tínhamos lá um conhecido do papai, chamado seu Inocêncio, que ele vendia potes de mel, então trazíamos potes de mel de lá, e o papai viajava muito para o interior e ele trazia de lá, além de mel, trazia açúcar mascavo que hoje em dia se chama açúcar integral em paneiro, açúcar mascavo que a gente comia vorazmente com farinha (informação verbal)60.

Essas interações da família Menezes e a feira do Ver-o-Peso remetem à compreensão

de que a relação ultrapassa a prática comercial. São espaços de convivências familiares e de

amigos, em que a sociabilidades dos grupos frequentadores pode ser associada à “síntese de

uma rica cultura cabocla e regional, acervo vivo de modos e hábitos de sobrevivência”

(CAMPELO, 2010, p. 45).

O discurso hegemônico sobre o Ver-o-Peso é desconstruído pelo olhar sobre as

atividades cotidianas desenvolvidas na feira. Ele [Ver-O-Peso] foge às regras e “desestrutura

um discurso patrimonialista” (NEVES, 2009, p. 96). O dia-a-dia, a condição estrutural e

humana as práticas sociais e culturais da feira implodem o pensamento antropológico de

cultura construída pela erudição ocidental. O discurso europeu é reelaborado pelo olhar sutil

de Bruno de Menezes. Foi com a visão avessa a hegemônica que ele reconfigurou, ou melhor,

traduziu o espaço de expressão da elite dominante, num símbolo de manifestação da cultura

popular.

O Ver-o-Peso constitui-se em uma arena de sociabilidades, um lugar de intensa

tradição religiosa e cultural é também o espaço consagrado ao místico e aos saberes locais. É

nele que santos católicos e africanos são referenciados com festas e comemorações. Menezes

percebeu e captou essa pluralidade resignificando e traduzindo a cultura patrimonialista

erudita em popular.

2.5.2 A cultura popular e a ciência do povo

O circuito literário em que participou o poeta Menezes contribuiu sobremaneira para

a efervescência social, literária e cultural de um período histórico cujo o envolvimento e

engajamento desse grupo, mudou a estética e a feitura poética.

Bruno de Menezes foi epicentro de articulações no campo trabalhista, cooperativista,

sindicalista, cultural e literário, sua legitimidade para abordar as temáticas que evidenciaram

60 José Haroldo Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011.

Page 84: Entre poéticas e batuques

93

sua vida e obra tinha como característica, uma profunda comunhão com os que viviam sob o

sistema de dominação e os partícipes da cultura popular.

Para se entender o campo de atuação da qual este literato consolidou sua história e

obra, deve-se entrelaçar, trajetória de vida e produção literária. Essas duas instâncias são

importantes, visto que é a partir da relação entre vida e obra que se instaura a feitura de sua

arte e engajamento social. Entre o escritor e sua obra existe um envolvimento recíproco que se

resolve na criação, sendo, portanto, a história de vida, suas influências, as práticas sociais e os

diversos diálogos realizados, o ponto de partida para o entendimento de sua trajetória literária.

Assim a vivência de Menezes nos mais diversos circuitos possibilitou um conjunto

de informações que teceram sua literatura. A cultura popular foi fonte de conhecimento do

intelectual na consolidação de sua obra.

Coimbra (2009), no artigo Bruno de Menezes: Reminiscências da cultura africana na

obra Boi Bumbá – auto popular, relata o conceito de cultura popular.

Pode-se considerar que as interpretações e os significados desse conceito e aqui o de cultura popular, ganharam novos aspectos ao chegarem aos espaços de sua realização, onde são compartilhados por “pessoas comuns” que não dominam o conhecimento acadêmico e erudito. No entanto, os “homens do povo” recebem e reelaboram os significados e os sentidos apregoados aos “conceitos eruditos”, a partir das múltiplas experiências compartilhadas no jogo de relações “interculturais”, principalmente, quando se trata da organização de seus eventos lúdicos nos quais são atribuídos sentidos específicos que possibilitam novas dimensões semânticas (COIMBRA, 2009, p.8).

Neste campo penso na interpretação de Stuart Hall61 sobre identidades, para

esclarecer e sedimentar a participação de Bruno de Menezes, no circuito em que viveu. Hall

(2009, p.232) afirma que a identidade é resultado da experiência do homem no chão cultural,

vivenciada na historicidade do cotidiano, dos ideais e representações construídas em campos

sociais complexos.

Essa luta é contínua e ocorre nas linhas complexas da resistência e da aceitação, da recusa e da capitulação, que transformam o campo da cultura em uma espécie de campo de batalha permanente, onde não se obtêm vitórias definitivas, mas onde há sempre posições estratégicas a serem conquistadas ou perdidas (HALL, 2009, p. 232).

61 HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do ‗popular‘. In: HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações. Tradução Adelaine La Guardia Resende... [et al.]. 1ª edição atualizada. Belo Horizonte: Editora UFMG.

Page 85: Entre poéticas e batuques

94

O Poeta interagiu com diversos agentes sociais, ora articulando resistências, ora

mediando. Nos diversos trânsitos sociais, Bruno de Menezes participou de “confrontações

sociais, relações de poder, estratégias de resistências e reafirmação de valores e identidades”

(BURKE, 1992, p.327).

Foi na resistência ao sistema capitalista que Bruno de Menezes consolidou as

instâncias das cooperativas e promoveu as redes de sindicatos para a organização dos

trabalhadores. Líder dos desfavorecidos, seu pensamento era resultado do anseio grupal e seu

engajamento na teia social era visceral, daí “o conceito de cultura passou a incluir o fazer

significativo presente em todo modo de vida e suas estruturas de sentimentos” (WILLIAMS,

1992, p. 29). A postura do poeta nos diálogos com seus pares ou mesmo dialogando com os

diversos sujeitos sociais, sua posição era por vezes de negociação de identidades o que

possibilitou seu transito nas mais distintas divisões e limites de identidades convencionais.

Em seu arcabouço literário Bruno de Menezes, dialogou com agentes, que, à margem

social, reproduziam costumes e tradições simbólicas ancestrais passadas de geração a geração,

ao mesmo tempo em que se atualizam diante da modernidade. O entendimento de Renato

Ortiz sobre o conceito de cultura popular suscita uma dicotomia em que a “polêmica oscila

em dois pólos” (ORTIZ, 1992. p. 5.). Um primeiro que compreende a cultura popular como

“cultura subalterna”, uma forma de interpretação classista, na qual a cultura seria separada por

um hiato entre o popular e o erudito; e outra forma de compreensão, “mais abrangente”, que

compreenderia a “cultura popular” a partir da acepção de “povo”. Assim vejo no engajamento

social do poeta e em seu pensamento anarquista, quer nos momentos que esteve à frente das

lutas de classes ou diante da resistência a ideologias dominantes, um porta-voz de grupos em

mediações.

Nesse sentido, o conjunto da obra de Bruno de Menezes e os meios de produção em

Batuque apresentam olhares perspectivos sobre tempo, lugar, política, identidades e

religiosidade, associados a sua experiência cotidiana. Esses fatos proporcionaram a

elaboração de seu pensamento intelectual e social o que resultou em um processo integrado

com as questões comunitárias; falas que provocaram a associação, a vinculação entre os

indivíduos, conscientes de sua condição sociopolítica, literária e cultural, e que, inspirados nas

lutas passadas puderam intervir no cenário presente.

Essa influência o motivou a produzir uma literatura engajada, preocupada com as

questões sociais e religiosas de seu tempo. O que fica latente é que a experiência de vida

desde a infância do poeta, nas relações de trocas, reelaboração, tradução e no trânsito com

diversos agentes sociais, foram a forças motrizes de sua produção, pois não só em Batuque

Page 86: Entre poéticas e batuques

95

(l931), também em seus ensaios antropológicos e folclóricos – Boi Bumbá (1958) e São

Benedito da Praia (1959) – e em sua ficção narrativa – Maria Dagmar (1950) e Candunga

(1954), sua vivência sedimentou a construção de suas identidades. Fernandes (2010, p. 224)

dimensiona a compreensão do período histórico para o entendimento da realidade vivida pelos

seus agentes.

Compreender o cenário histórico e social de produção da arte e da cultura, e das consequentes poéticas e teorias, é importante para compreendermos que existem correspondências entre intelectuais condicionados pelas mesmas realidades, a despeito de não terem uma imediata relação e influência.

Bruno de Menezes foi um intelectual com uma pluralidade de enfoque absorveu

informações em seu círculo no bairro do Jurunas de sua infância, nas igrejas e festas

religiosas, com os capoeiras nos folguedos de boi bumba, no Ver-o-Peso participando e

pesquisando a festa de são Benedito ou mesmo em sua inclinação anarquista. Esse

conhecimento adquirido e toda sua cosmovisão foram utilizados na composição de seu

repertorio literário. Neste sentido, o poeta possui uma produção literária ao longo de sua

trajetória de vida.

Poesia – Crucifixo (1920), Bailado Lunar (1924), poesia (1931), Batuque (1931),

Lua Sonâmbula (1953), Poema para Fortaleza (1957) E Onze Sonetos (poema que recebeu o

Prêmio Cidade de São Jorge dos Ilhéus – Bahia -1960).

Folclore – Boi Bumbá – Autor Popular (1958) e São Benedito da Praia – Folclore do

Ver-o-peso (1959).

Estudo Literário – À margem do Cuia Pitinga (1937)

Ficção: Maria Dagmar (Novela – 1950) e Candunga (romance – Prêmio Estado do

Pará).

Bruno de Menezes possui dezenas de poesias e numerosos trabalhos sobre o folclore

paraense, publicados em jornais e revistas. Assim, espraiou em suas obras, registros poéticos

e documentos sobre o folclore.

Câmara Cascudo (1955, p. 33), em sua definição, estreita a relação do fato folclórico

realizado por Bruno de Menezes (...) Um pouco confundido com a etnografia, o folclore ensina a conhecer o espírito, o trabalho, a tendência, o instinto, tudo quanto de habitual existe no homem. Ao lado da Literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas da memória e a imaginação popular.

Page 87: Entre poéticas e batuques

96

Bruno de Menezes experimentava o que de comum existe no homem, por isso,

visitava os terreiros de bumbas, participava de quadrilhas juninas, escrevia peças para esta

quadra, vivenciando assim o que ele mesmo chamava de Ciência do Povo.

No conjunto de sua obra, diversas peças para o teatro foram escritas por ele, essas

produções só se têm informações relatadas pela família, entre elas: Retumbão de Genoveva

(1945), Flor das Águas (1946), Ilha dos amores (1947), Na casa de Nha Maroca (1947),

Promessa de Natal (1953) e Paixão de Mara (sem informações sobre data de publicação).

III Batuque: identidade em construção

3.1 Batuque e suas recepções

A Obra Batuque (1931) foi objeto de diversos trabalhos acadêmicos, muitas

pesquisas estudam a obra sobre as mais variadas temáticas. Neste tópico tratarei da forma

como a obra Batuque foi recepcionada pelo circuito literário e pela intelectualidade.

Batuque é um conjunto de poemas com temáticas afro-brasileiros, as datas de

publicações da obra indicam para a década de 1930, entretanto um estudo realizado por

Nascimento de Morais62, com o titulo de Africanismo de Bruno de Menezes, publicado em

194063, dentro da terceira edição da própria obra, ilustra o processo de construção de Batuque.

Bruno de Menezes retirou do final do seu livro poesias, publicado em 1931, a parte final,

Batuque, coletânea de poemas afro-brasileiros.

É o próprio Morais em sua pesquisa um dos primeiros a estudar e comentar a obra do

poeta. Nesta resenha crítica, a métrica, as figuras de linguagem e a fonética de fragmentos de

poemas são analisadas e interpretadas.

O poeta entra com o “motivo”, e muda a métrica que continua adaptada ao descritivo, à emoção afro, enquanto as tônicas procuram fazer anomatopeias que plasmam a dança dos ventres.(...). O primeiro, o terceiro e o quarto verso de 12 sílabas, em alexandrinos. O segundo é um hexametro. O hexametro é o desconchavo (MORAIS, 1993, p. 278).

62 Jornalista e professor maranhense. 63 Há uma discordância na data da publicação deste estudo, segundo nota de rodapé do livro Bruno de Menezes, obras completas, na pagina 284, a menção da publicação do estudo e do ano de 1940, porém no mesmo livro na pagina 297, quando faz uma cronologia das obras publicadas, indica que a 3ª edição de Batuque foi publicada no ano de 1945. Neste trabalho optei pelo ano de 1940, um ano após a publicação da segunda edição da obra.

Page 88: Entre poéticas e batuques

97

Em outros excertos, de forma sintética, tece comentários sobre a colonização

portuguesa, a religião africana e a sensualidade da mulata. Sobre este último item, Morais

(1993), comenta.

A sensibilidade africana, estranha, e quase sempre intimativa, desorientou o português colonizador, e os primeiros brancos nativos. Muitos, alvorotados pelas recordações da costa da África, estavam curiosos de conhecer a negra como mulher. Bruno de Menezes faz a gente pensar em coisas que longe vão... (MORAIS, 1993, p. 279).

Assim como o jornalista Nascimento de Morais outros intelectuais analisaram os

poema contidos no livro Batuque. A também jornalista e professora Elanir Gomes da Silva

em seu livro, O africanismo em Batuque de Bruno de Menezes, do ano de 1984, interpreta a

obra de Bruno de Menezes sob a ótica da teoria estilística de Leo Spitzer64, como escreve na

introdução de seu livro.

No termo dessas teorias, há de se pensar, sobre tudo, no espírito do autor, uma espécie de “sistema solar”, em cuja orbita tudo o mais giraria, já que o espírito de um autor reflete, a se julgar assim, o espírito de sua nação (SILVA, 1984, p. 21).

Neste sentido o estudo proposto buscou a partir do conhecimento dos criadores e

através da analise e da interpretação da criação usando como instrumento material linguístico

que compõe a obra criada. Segundo o teórico, o estilo reflete a personalidade do autor. O

importante para essa analise é a originalidade do estilo. Nesse sentido a autora fundamenta o

entendimento psicológico como forma de analisar o africanismo na obra.

O exame lingüístico de uma obra como forma de compreensão do autor, na linha Spitzeriana, procura fundamentalmente, o entendimento de sua estrutura psicológica. No esforço de detectar o africanismo no livro de poemas de Bruno de Menezes, o estudo cultiva a investigação estilística proposta por Spitzer na medida em que isso pareça favorecer a realização pratica de uma melhor compreensão do texto poético (SILVA, 1984, p.22).

Para Silva (1984), seu estudo pode chegar à conclusão que a etimologia espiritual de

Bruno de Menezes é o africanismo do poeta. Neste sentido e segundo a teoria aplicada o

64 Filósofo alemão parece entender que a chave dos estudos literários ou estéticos estará na abordagem da forma lingüística. Segundo ele, esses estudos devem ser imanentes a obra em si (p.21).

Page 89: Entre poéticas e batuques

98

“homem não é o que é unicamente por si mesmo, mas também é fruto do clima espiritual em

que vive” (SILVA, 1984, p.22).

Em outro estudo sobre a obra de Bruno de Menezes, Fernandes (2010), na análise de

três poesias contidas no conjunto de poemas de Batuque, a saber, Mãe Preta, Pai João e Toiá

Verequête, ilustra em seus excertos, as características da negritude e da crioulização e

identifica a obra do poeta paraense Bruno de Menezes como antecipadora dos conceitos de

negritude e crioulização, impressos em Aimé Cesaire e Edouard Glissant, conceitos que

qualificam a modernidade do literato considerando-se o estilo e as condições sociais e

históricas de produção.

Neste sentido, Fernandes (2010) inclui o poeta em um circuito nacional de literatos

como Castro Alves, que assume o afro-brasileirismo, não apenas como a exaltação da raça,

mas com um profundo teor de materialismo histórico, subterfugiamente compondo o drama

do negro como o drama da raça humana, a partir do conflito de classes ou raças.

É a partir desse ponto que gostaria de inserir a obra do escritor brasileiro, paraense e amazônida Bruno de Menezes (1893-1963), como um porta-voz “inconsciente” do afro-brasileirismo, ou melhor, do afro-amazonismo, que, mediante seu autodidatismo, construiu, como sua vida, com ardor e sacrifícios, uma poética que antecipa, na continuidade castroalvina, a crioulização de Edouard Glissant (MARTINICA, 1928), passando, evidentemente, pelo sentido e sentimento da negritude de Aimé Cesaire (Martinica, 1913-2008), além de ser um inaugurador do modernismo na Amazônia, pois sua obra Batuque, aqui em exegese, data de 1931, onde podemos ver, com toda nitidez, temas e formas que serão avant garde e complementação ao movimento modernista brasileiro de 1922. Isso tudo composto em Belém do Pará, uma cidade, àquele momento, tão distante cultural e geograficamente dos centros irradiadores do cânone nacional. (FERNANDES, 2010, p. 221).

A diversidade de eixos temáticos proporcionados pela leitura do livro Batuque levou

pesquisadores e estudiosos a segmentarem suas análises para dar conta de seus objetos de

interpretação. Outra pesquisa sobre a obra indica o erotismo contido nos versos: Cantiga de

Batuque (Motivo), Alma e Ritmo da Raça e Oração da cabra preta, aqui, tratando do

erotismo, na perspectiva dos Estudos Culturais.

Neste sentido, Santos (2007) dialogando com os Estudos Culturais analisou o

erotismo contido na obra como forma de estudar as identidades negras, utilizando-se de

conceitos de erotismo relacionado ao corpo e ao sagrado. Para isso, o pensamento de

intelectuais como Bhabha (2003), dos antropólogos Renato Ortiz (1980), serviram de

condutor na análise.

Page 90: Entre poéticas e batuques

99

O livro Transmares: vozes em diálogos, ensaios sobre literatura portuguesa,

literatura africana de expressão portuguesa e outras interfaces, dos professores Paulo Nunes

e Josse Fares (2007), no ensaio Verbo e diálogos: Agostinho Neto e Bruno de Menezes

aproxima as obras dos escritores em destaque, como relata Fares e Nunes (2007, p. 63). Pretendo mais que tudo, fazer da literatura uma ponte que possa aproximar comparativamente um escritor brasileiro, amazônida, a um escritor africano de língua portuguesa.Ambos trazem a pele negra como emblema. Mas não somente isso: eles, de modos peculiares, em espaço e tempo específicos e diferenciados sintetizam as vozes de uma raça.

No ensaio Fares e Nunes (2007), utilizam a poesia Mãe Preta, contida no livro

Batuque, como forma de relacionar comparativamente a Sonho da Mãe negra. Neste sentido,

a poesia de Menezes, torna-se ponte a ligar a literatura amazônida à africana.

Batuque é uma obra de uma densidade em seus eixos temáticos que instigam

pesquisadores a buscar em diversas áreas do conhecimento instrumentos para sua

interpretação, foi o que fomentou Assis (2006) a compor um glossário com palavras utilizadas

por Bruno de Menezes em Batuque.

Assis (2006), através da linguística voltada ao estudo do léxico, analisa o movimento

dinâmico da língua, nesse glossário coloca em relevo o significante e o significado das

palavras utilizadas no poema de Menezes. Na orelha do livro a professora Célia Jacob destaca

a relevância da pesquisa.

Entre aliterações, onomatopeias, sinestesias, (...) um repertório de vocábulos selecionados que nos trazem, em meio a significados, cheiros vegetais, “gaforrinhas”, “pichains”. Termos afro-brasileiros que nos falam de canto, dança, entidades, formulas mágicas, adivinhações, toadas, sentimentos... Palavras em que “rufam as batidas do tambor e pulsa o sangue negro” (Assis, 2006, s/n).

Na relevância que a obra possui para a literatura brasileira, na densidade das

temáticas contidas nos poemas, intelectuais e pesquisadores debruçaram-se para interpretar e

analisar a obra de Menezes. Muitos foram os trabalhos que colocaram em evidência dentro de

sua área de conhecimento os eixos temáticos, ora segmentando temas, ora explorando

detalhes da obra.

Assim destaquei os trabalhos que de alguma forma contribuíram sobremaneira para

um entendimento da cosmovisão mostrada por Bruno de Menezes em seu conjunto de

poemas. Minha pesquisa aproxima-se de estudos já elaborados e distancia-se de outros. É

nessa busca de entendimento da história de vida e da formação social, política, literária e

Page 91: Entre poéticas e batuques

100

cultural do autor de Batuque, que proponho analisar, identidades, memórias, ritmos, danças e

as religiosidades presentes na obra. Acredito que desta forma trarei um olhar diferenciado nos

estudos sobre a obra Batuque.

3.2 Batuque: Um olhar sobre identidades, religiosidades, saberes,festas e

tradições.

A partir deste capítulo passarei a relatar meu olhar sobre as identidades, memórias,

ritmos, danças e as religiosidades presentes em fragmentos das poesias contidas no livro

Batuque. O conceito de identidade será utilizado como bússola para entender a percepção

captada por Bruno de Menezes, percebendo-a como movimento híbrido e dinâmico.

Para um melhor entendimento dos fragmentos aqui relacionados é importante saber

que a ordem dos poemas apresentados neste trabalho não segue a ordem especificada no livro

Batuque, os grifos foram realizados para compor a ordem de estudo.

A escrita de Batuque faz uma evocação à cultura do negro como reivindicação de

suas identidades. Por isso é importante o entendimento das diásporas negras para as Américas,

como forma de compreensão deste processo híbrido e multicultural que resultou na

construção das identidades negras na Amazônia, captadas pela literatura de Bruno de

Menezes.

Foram as Américas Central, Latina, do Norte e Caribenha em que as diásporas

proporcionaram transformações nas características das nações, Paul Gilroy e Homi Bhabha

entre outros, demonstram que esse fenômeno foi determinante para as culturas heterogêneas,

uma vez que a cisão causada por ela em seus povos originários, quer pela exploração, pelo

genocídio ou pela escravidão impostos pelo imperialismo colonial, trouxe a esses sujeitos, o

sentimento do não pertencimento. PROENÇA (2004, p. 103) relata que bordo dos navios

negreiros os sujeitos envolvidos nesse transporte, traziam mais que as marcas traumáticas de

uma ruptura.

(...) nos porões dos navios, além de músculos iam as ideias, os sentimentos, tradições, mentalidades, hábitos alimentares, ritmos, canções, palavras, crenças religiosas, formas de ver a vida, e o que é mais incrível: O Africano levava tudo isso dentro da sua alma, pois não lhes era permitido levar pertences.

O negro africano sequestrado de sua terra trazia toda a herança psicológica e cultural,

acentuada pelo distanciamento de seu povo e pelo apego a sua tradição religiosa. Assim, as

manifestações de seus costumes e crenças, amenizavam o sofrimento frente a sua escravidão.

Page 92: Entre poéticas e batuques

101

Bruno de Menezes destaca o estado íntimo do africano transplantado; a violência

aplicada pelo seu senhor; a lembrança de sua terra e a busca para amenizar sua angústia frente

a nova condição. Surrado vendido Mas tendo na alma Seu santo orixá. Sem nunca esqueceres a selva do congo, Os verdes coqueiros os teus bananais, Fizeste o açúcar o mel a cachaça Que esquenta teu sangue, Que te dá coragem (MENEZES, 1966, p. 43).

Para Gilroy (2001), o navio negreiro foi o principal meio de comunicação dos povos

africanos, daí sua importância histórica, pois era “um sistema vivo, microcultural,

micropolitico em movimento que coloca em circulação, idéias, ativistas, artefatos culturais e

políticos” (GILROY, 2001, p. 38). O escravo trazido da África, preso junto a outros sujeitos

em uma viagem sinistra e trágica pelo oceano atlântico, ou o Atlântico Negro como Gilroy

chamou essa viagem oceânica que pelas diásporas apreendiam não só a raça, mas as relações

políticas e culturais da vida que resultam da influência mútua, do contato e da realidade em

que elas se agrupam se modificam e transcendem.

É partir das trocas entre os sujeitos em estado de diásporas, que surgem outros

sujeitos compostos pelas informações recebidas. O sentimento de ausência e de não

pertencimento do novo agente é comentado por Hall (2003). Falando sobre sua vida

diaspórica relata que “esta é a experiência da diáspora, longe o suficiente para experimentar o

sentimento do exílio e perda, perto o suficiente para entender o enigma de uma chegada

sempre adiada” (HALL, 2003, p. 393). Nesse sentido, as Américas foram os lugares de

formação de povos-nação, híbridos, imbricados, modificados a partir do encontro de culturas

distintas e os diversos processos transitórios de uma cultura para outra.

Falar em diáspora remete-nos a memória, Bhabha (2007, p. 219), assinala que se

pode “vê o futuro no passado”, e que nas Américas, cada povo em formação, carregava na

memória coletiva os traços de outros lugares, e por consequência um sentimento de não

pertencimento.

Quando se pensa em identidades, lembramos que sua forma de construção é

resultados da composição de outras identidades em estado de transição, reelaboração,

mesclas, adaptações e estratégias. Esse processo de mutação que as identidades possuem, é

destacado por Bauman (2005).

Page 93: Entre poéticas e batuques

102

Tornam-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade” (BAUMAN, 2005, p. 17)

Batuque cria essa atmosfera do negro em constante negociação e mediação, suas

praticas culturais, sociais e religiosas estão sempre em relevo no conjunto da obra. O literato

em sua negritude vai ao intimo transcendente do negro e descreve com facilidade sua alma.

3.3 A Religiosidade em Batuque

O sociólogo Reginaldo Prandi (2008) afirma que é impossível pensar a formação do

Brasil sem Negros e Índios e indica suas contribuições nos diversos segmentos, sociais,

culturais e religiosos. Suas marcas estão na constituição física do brasileiro e também na sua cultura, sobressaindo-se a musica e a religião, mas incluindo dimensões como a língua, culinária, estética, valores sociais e estruturas mentais. Mas são nas religiões afro-brasileiras que estão registradas a presença decisiva e a diversidade da contribuição negra (PRANDI, 2008, p. 31).

A composição do povo brasileiro mais tarde se junta a outros povos do oriente

próximo, do extremo oriente e de outras partes do mundo. “Somos um povo mestiço, com

uma cultura mestiça” (PRANDI, 2008, p. 31).

O pensamento do sociólogo resume o conteúdo contido no livro Batuque. Bruno de

Menezes cunha em sua obra, essa diversidade negritudiana na composição e formação dos

hábitos, tradições e costumes brasileiros.

Na esteira das religiosidades duas principais míticas chegaram ao Brasil, introduzidas

pelo negro africano, e, pertencentes a dois povos: Sudaneses e Bantus. “Foram estes povos

que em maior numero forneceram escravos ao Brasil” (Ramos, 1954, p.11).

A religiosidade é uma das formas de o negro, transplantado de sua terra, minimizar

seu sofrimento diante da negação e silenciamento de sua identidade; da negação de sua

liberdade e dignidade.

O misticismo religioso, ainda incorporado ás manifestações dos cultos africanos é

apresentado em poemas de Batuque. Em Toiá Verequete, acompanho o momento em que o

sujeito em estado de transcendência incorpora o santo. Bruno de Menezes ambienta uma

sessão de umbanda, no terreiro de Mãe Ambrosina, descreve um ritual religioso da chegada

Page 94: Entre poéticas e batuques

103

do santo – a incorporação; quando “baixa” a entidade Toiá Verequete, o início da dança, o

pedido de bênção a São Benedito, a louvação aos guias. O santo baixado é São Bendito, o

santo negro, referenciado também como santo da Igreja Católica. A voz de Ambrosina em estado de ‘santo’ virou masculina. O corpo tomou jeitão de homem mesmo. Pediu charuto dos puros da Bahia Depois acendeu soprando fumaça”. (MENEZES, 1966, p.45)

Para Maués (2008), as religiões de transe são formas de cultos, nascidas no Brasil,

que podemos genericamente chamar de religião dos encantados ou religião cabocla. “As

entidades cultuadas se manifestam em transe no corpo do devoto, devidamente preparado para

isso, tal como ocorre nos cultos dos orixás, voduns e inquices” (MAUÉS, 2008, p. 38).

Esse estado de incorporação expressa pelo autor de Batuque possui laços longos com

a África, berço de uma religiosidade povoada por diferentes divindades e formas de adoração.

Os deuses mais reverenciados entre os negros que habitavam estas terras eram Ogum, o deus

da guerra; Xangô, da justiça; e Exu, divindade da vingança. Neste sentido, tais divindades

remetem a sentimentos de contestação e revolta. Entretanto contrariando estudos e

compreensões sociológicas abordadas por pesquisadores e contestadas por outros, os escravos

não estavam passivos frente à escravidão. A reação era cotidiana, burlando as imposições dos

senhores com estratégias sutis que freqüentavam inclusive a adoração aos deuses, disfarçadas

em imagens católicas.

Este é um ambiente heterogêneo, onde os espíritos estranhos aos colonizadores, e

venerados pelos escravos estavam soltos e atendiam aos desejos de seus servos, os católicos,

temerosos de serem atingidos pelos demônios dos africanos.

O negro especialmente o habitante da Amazônia subjugado pelo colonizador, recorre

a crenças que se originam na sua ancestralidade, na busca de deuses e santos que lhe garantem

saúde, prosperidade, felicidade e libertação; santos e deuses que habitam as florestas e os rios

da região Amazônica e as da África.

No poema Louvação do cavaleiro Jorge, fica evidente essa mistura de santos

católicos com os que servem também às religiões de origens africanas, como São Jorge que na

corrente dos xangôs é o grande Ogum, sendo invocado como cavaleiro. O santo é venerado

com cânticos ladainhas e músicas de atabaques. É o mártir guerreiro reverenciado por ser o

vencedor do embate contra o demônio. O gênio do mal só tu dominaste porque meu São Jorge

Page 95: Entre poéticas e batuques

104

com crença lutaste (MENEZES, 1966, p.50)

É nessa busca nostálgica do negro onde a saudade da terra natal, a África, é

amenizada pela exaltação de suas divindades e a celebração de seus cultos que carregados de

devoção, confiam na proteção dos santos, como a benção. Meu são Jorge milagroso Grande santo protetor Que lutaste com o tinhoso Pela graça do senhor (MENEZES, 1966, p.50).

O trânsito religioso afro-cristão é apresentado por Bruno de Menezes em outro

enxerto do poema Mastro do Divino. O poeta descreve uma festa tradicional em cidades

paraenses. A festa do Divino Espírito Santo é uma celebração católica imbricada com

elementos africanos. A festividade é realizada com cânticos de toada abençoada pelos

sacerdotes locais, com participação intensa da comunidade. As tiradeiras vêm tirar as ladainhas africanas Que o povo bastardo resmunga contrito: -Meu Divino Olhai por nos Meu Divino Meu sinhô. A dona do santo derruba o seu mastro Saltando foguetes cantando toadas Dos sambas do engenho (MENEZES, 1966, p. 29-30)

Outro poema com forte indício dessa imbricação religiosa é Marujada. Nele, o poeta

invoca a intervenção de Nossa Senhora dos Navegantes diante da situação de perigo que se

encontravam os marujos. A divindade ouve os apelos e atende seus pedidos. Os trovões, os relâmpagos, o vento O mar brabo e a invocação à Virgem dos Navegantes: “sinhora do Mar Rainha das ondas livrai-nos da morte nas ondas do mar” (...) Cessada a tempestade, A bandeira subia garbosa no mastro, Eles pensavam que era certo e davam vivas ao Brasil! (MENEZES, 1966, p. 26)

A mistura afro-cristão é visível no poema Oração da cabra preta, mestre Desiderio,

para conseguir o coração da mulata reza no “rastro da criatura”.

Minha Santa Catarina

Page 96: Entre poéticas e batuques

105

Vou embaixo daquele enforcado Vou tirar um pedado de corda Pra prender a cabra Preta Pra tirar três litros de leite Pra fazer três queijos Pra dividir em quatro pedaços - Um pedaço pra caifaz Um pedaço pra satanáz Um pedaço pra Ferrabraz Um pedaço pra sua infância”. (...) Com fé e “atuado” mestre Desiderio Chama por três vezes Ave Maria, Santa Bárbara, São Longuinho, São Cosme, São Damião (MENEZES, 1966, p. 53)

Uma manifestação religiosa e tradicional acontece em Belém durante as

comemorações da semana santa. Especificamente na sexta feira santa é possível perceber

pessoas que professam os cultos afros, realizarem a visitação das sete igrejas católicas, ou a

comemoração em honra a Nossa Senhora da Conceição.

O conhecimento da religião africana, especificamente a umbanda, faz o poeta

relacionar o santo africano e sua ligação com o santo católico. O próprio Bruno de Menezes se

reconhecia como “Pai de Santo”, desse seu pertencimento surgiu todo o seu sentimento afro-

cristão. Em Toiá Verequete, o terreiro de Mãe Ambrosina é cenário para a incorporação. O santo dos pretos, o São Benedito Tomou logo conta de Mãe Ambrosina Fez do corpo dela o que ele queria. (MENEZES, 1966, p. 39).

Esse fenômeno da incorporação ou possessão é característico da unidade estrutural e

de funcionamento das casas de celebrações de religiões afros no Brasil65. Figueiredo indica o

início das celebrações afro em região Amazônica. A análise antropológica de religiões na Amazônia com sobrevivências africanas, somente tem inicio com o estabelecimento de “áreas de culto”, constantes dos trabalhos de Bastide (1971:243) para qual esses cultos seriam resultante do sincretismo66 afro-ibero-indígena; e estariam enquadrados no que ele denominou “área de catimbó” (FIGUEIREDO, 1977, p. 112).

É o próprio Figueiredo (1977) quem mostra a procedência dessas divindades ou

santos que protegem os homens e suas comunidades. Porém a atuação de outras entidades

65 Ver Carneiro (1964:121-142),FIGUEIREDO(1977:115) 66 Néstor García Canclini (...) sugere o uso de hibridação, levando em conta que o sincretismo, prática muito utilizada por estudiosos das religiões, é uma de suas formas particulares.

Page 97: Entre poéticas e batuques

106

que habitam as florestas e o fundo dos rios é imprescindível para a garantia de

“prosperidade, saúde e felicidade” (FIGUEIREDO, 1977, p. 114). Esse mundo mitológico tem suas raízes nas crenças indígenas e a própria designação dessas entidades é expressa por palavras também de procedência indígena, que não guarda mais o modelo nem a função primitiva, pois foram reformuladas pela influência do catolicismo, dos cultos afro-brasileiros e outras oriundas do contacto dessas populações interioranas com as frentes de penetração nacional (FIGUEIREDO, 1977, p. 114).

Na Bahia, o caboclo é o índio que viveu um tempo mítico anterior a chegada do

homem branco, mas um índio que conheceu a igreja católica. Prandi (2001) mostra essa

afeição do índio aos santos católicos. Um índio que se afeiçoou a Jesus e Maria e a outros santos; um índio que viveu e morreu neste país – este é o personagem principal do candomblé de caboclo, que, com o tempo agregou outros tipos sociais, sobretudo os mestiços boiadeiros do sertão. A proximidade com religiões indígenas é atestada pela presença ritual do tabaco. (...) o charuto até hoje é um símbolo forte dos espíritos caboclos (PRANDI, 2001, p.38).

No excerto da poesia Liamba Bruno de Menezes afirma esse caráter indígena,

mesmo sem se referir ao charuto, mas o faz ao fumo do Pagé. Um cigarro da tua herva chama a linha do Pagé... ...teu fumo foi fuga do cativeiro, Trazendo atabaques rufando pras dansas, Na magia guerreira do reino de Eixú (MENEZES, 1966, p. 55).

Para Maués (2008, p. 35), os africanos especialmente os meridionais tinham uma

tradição no culto aos seus antepassados, pois “cada aldeia tinha seus próprios ancestrais como

parte integrante daquele território geográfico e que usualmente não se deslocavam para outros

lugares”. No Brasil eles tinham consciência de uma ancestralidade genuinamente brasileira, o

índio67.

Foi na segunda metade do século XIX que surgiu em várias cidades brasileiras

celebrações religiosas, que, reconstruíram não somente a religião africana, mas outros

aspectos de sua cultura na África. Nesta esteira nasce a religião afro-brasileira, o candomblé.

Duas nações de negros foram seus iniciadores: iorubás e nagôs.

A constituição desse panteão de divindades reverenciadas em terras brasileiras indica

a diversidade de povos africanos que pela força da demanda escravista, foram transplantados

67 Ver mais sobre este assunto: Santos (1995); Prandi, Vellado e Souza (2001).

Page 98: Entre poéticas e batuques

107

para o Brasil. Assim a predominância até o século XVIII, foi dos bantos, e, após esse período

os sudaneses.

Os bantos são povos da África meridional, alargando para o sul até o cabo da Boa

Esperança, suas terras vão do oceano Atlântico ao Índico. Os sudaneses são povos situados

nas áreas que hoje abrangem a Etiópia e o Chade e ao sul do Egito à Uganda.

Outras formas do exercício da religião afro-brasileira foram surgindo. Como

exemplo as de iniciativa de negros bantos conhecidas pelos nomes de Candomblé angola e

Candomblé congo.

Meu objetivo não é historicizar sobre a origem da religião afro-brasileira, e sim

mostrar um percurso conhecido por Bruno de Menezes e citado em sua obra. Em Batuque

alguns territórios geográficos africanos são referenciados, como no trecho: “sem nunca

esqueceres a selva do Congo” (MENEZES, 1966, p. 43). Bruno de Menezes faz referência

também ao “Congo Loanda, Angola Moçambique” (MENEZES, 1966, p. 14). Sua indicação

a esses países africanos pode trazer a identificação de sua origem.

Bruno de Menezes possuía consciência de sua genealogia, sua condição humana

legitimava seu profundo conhecimento dos sentimentos e o credenciava a compreender sua

negritude. Em Batuque, a elaboração dos poemas reflete o estado transcendente do poeta ao

descrever os relatos históricos, criticar a condição social, o sentimento de nostalgia, a

memória, o erotismo e o misticismo do negro.

No excerto do poema Mãe preta, Menezes descreve o íntimo da alma de seus

ancestrais, representado pela figura feminina.

No acalanto africano de tuas cantigas, Nos suspiros gementes das guitarras, Veiu o doce langor De nossa voz, A quentura carinhosa de nosso sangue. És mãe preta uma velha reminiscência Das cubata, das senzalas, Com ventres fecundos padreando escravos. Mãe do Brasil? Mãe dos nossos brancos? (MENEZES, 1966, p. 21).

Mãe preta exprime o sentimento do poeta transportado para a poesia, cria uma esfera

de valorização da negritude e de seus antecessores. A negritude do poeta é convertida em

constante estado de valorização do negro. Em Mãe Preta, o poeta Bruno de Menezes,

inspirado sentimentalmente, e, ao contrário de toda a sensualidade da mulher negra descrita

anteriormente, coloca em destaque a mãe de leite dos brancos, a babá negra que toma a

Page 99: Entre poéticas e batuques

108

função de mãe branca na casa grande. A referência volta-se às babás negras do tempo da

escravidão e traz a memória do passado histórico do povo brasileiro. És finalmente, a procreadora cor da noite que desde o nascimento do Brasil te fizeste Mãe de Leite (MENEZES, 1966, p. 23)

A “Mãe Preta” de Bruno induz o entendimento do processo histórico de formação da

sociedade brasileira, é ela, quem, com seus acalantos e seu leite é a “mãe” dos filhos do

Sinhô. É da seiva branca dessa mãe preta que se constroi a estrada de São Tiago.

Os poetas abolicionistas, Castro Alves, Gonçalves Dias e Cruz e Souza, são

sublinhados e alimentados pelo leite da Mãe Preta, como inspiradora das obras literárias que

resistiam ao escravismo. Foste tu que na Bahia alimentaste o gênio poético De Castro Alves? No Maranhão a gloria de Gonçalves Dias? Terias ungido a dor de Cruz e Souza? (MENEZES, 1966, p. 21).

O civismo, o valor das lutas e resistências, são características presentes na história de

vida e na personalidade do autor. Esses traços de resistência ao opressor, ao colonizador são

indicados pela representação da “velha reminiscência das cubatas, das senzalas”. Mãe preta

tem um papel importante na consolidação desse sujeito histórico, como formador do povo

brasileiro. A tua seiva maravilhosa sempre transfundiu o ardor cívico, o talento vivo, o arrojo máximo! (...) Tu que nas Gerais desforraste o servilismo, Tatuando-te com pedras preciosas, Que deste festas de esmagar! Tu que criaste os filhos dos senhores Quem mais teu leite amamentou, mãe preta? Luiz da Gama? Patrocínio? Marcilio Dias? (MENEZES, 1966, pp. 19-21) – grifos meus.

Personagens da história do Brasil são colocados em exposição como a do mestiço

Luiz Gama. Filho de um fidalgo português com africana da nação nagô, Luiz da Gama tem

sua história de vida ligada à ascensão do escravo doméstico que se torna advogado e jornalista

ligado à causa abolicionista e republicana. É a forma que Bruno encontrou de destacar a

história da negritude que sempre esteve discriminada por sua condição social, desta forma

equipara a condição do negro escravo com seu oponente.

Page 100: Entre poéticas e batuques

109

Em Batuque, Bruno de Menezes faz referência aos poetas e personagens históricos

que lutaram como ele com a força da palavra e tornaram-se vozes das classes desprestigiadas

no embate entre os grupos sociais tão díspares na narrativa histórica. Nos primeiros versos de

Batuque Bruno apresenta e invoca os abolicionistas. Ó princesa Isabel! Patrocínio! Nabuco! Visconde de Rio Branco! Eusébio de Queirós! E o batuque batendo e a cantiga cantando lembram a noite morna a tragédia da raça! (MENEZES, 1966, p. 11).

Com um fio invisível o autor de mãe preta envolve os poetas que lhes antecederam

no tema da negritude, unidos pelos laços maternos da personagem mãe preta. Foste tu que na Bahia alimentaste o gênio poético de Castro Alves? No Maranhão a gloria de Gonçalves Dias? Terias ungido a dor de Cruz e Souza? Foste e ainda és tudo no Brasil, Mãe Preta! (MENEZES, 1966, p. 23).

Bruno de Menezes apresenta sua mãe preta como mãe de todos, brancos, negros,

índios e participes da historia brasileira.

Tu, que criaste os filhos dos senhores Embalaste os que eram da Marquesa de Santos, Os bastardos do primeiro imperador e até os futuros inconfidentes. (MENEZES, 1966, p. 21)

“Mãe Preta” é a simbologia utilizada por Bruno de Menezes para destacar a

participação do negro na formação dos hábitos e tradições, nos processos políticos, culturais e

sociais de lutas e confrontos da historia brasileira.

3.4 A voz dos desassistidos

Bruno de Menezes possuía um olhar especial aos que viviam desassistidos e

injustiçados. Durante sua vida foi bandeira de contestação e anarquismo. Esse pensamento

voltado aos que viviam à margem social possuía um caráter de resistência. No excerto do

livro Batuque na poesia Gente da estiva, Bruno de Menezes evidencia o cotidiano do negro

trabalhador da estiva, que após a abolição, sem opção, teve que buscar em sub-emprego à

manutenção da família. No caís o serviço na sua bruteza

Page 101: Entre poéticas e batuques

110

É ver como em faina Qualquer formigueiro Com a gente da estiva empurrando carrinho (MENEZES, 1966, p. 59).

O negro estereotipado socialmente tem sua vida deformada pelo processo escravista.

Aos olhos do colonizador esse sujeito social era visto como mercadoria. O que interessava era

sua força produtiva. Vale lembrar que após a abolição da escravatura o negro foi colocado a

mercê das desigualdades sociais existentes no Brasil. O poeta torna-se porta voz dos

trabalhadores mostrando as condições impróprias de labuta desses operários, silenciados por

sua condição e pela inexistência de ascensão social. E a gente da estiva Ao voltar a casa, Faminta esfalfada Nem come daquilo Que lhe andou nas mãos Calejadas e humildes (MENEZES, 1966, p. 61).

Bruno de Menezes realça a atividade diária dos trabalhadores na estiva. No excerto, o

poeta descreve a rudeza do trabalho braçal e a ambientação de seu local de atividade.

Fazendo lingadas De sacos e fardos Trazendo caixotes barricas pranchões Que o braço de ferro Dos altos guindastes Arreia de cima aos fundos porões (MENEZES, 1966, p. 59)

O estado de pobreza do escravo liberto, mas oprimido pelo sistema era captado pela

poesia, que denunciava o desequilíbrio social e as formas degradante a que era submetido.

Menezes destaca essa condição.

(...) A gente da estiva Camisa suada Estômago murcho (MENEZES, 1966, p. 61)

Além da condição de pobreza dispensada ao negro, Bruno de Menezes percebe o

estado de invisibilidade desse agente social. A atividade laboral no caís é finalizada com o

abastecimento do navio, que pode seguir seu destino. Bruno de Menezes reconstrói o estado

serviçal do termino da tarefa e o inicio de outra. Utiliza a critica social para mostrar uma

intensa jornada a que era submetido e faz uma relação do trabalho forçado como outra

escravidão.

Page 102: Entre poéticas e batuques

111

Repleta o navio em seu bojo de carga. E vozes de adeus Sorrisos felizes Lembranças e beijos afagos e abraços. A campa retine A voz da sirene previne a partida. (...) como se fizesse trabalho forçado Recolhe o carrinho Pra outras lingadas Sem ter o direito até de fumar (MENEZES, 1966, p. 61).

Bastide (1973) destaca a impossibilidade de ascensão social do negro após a abolição

da escravidão, restando a esses agentes sociais trabalhos rudes, de natureza brutal e de função

humilde. Bruno de Menezes tem consciência do seu africanismo. Sua condição de afro-

descendente permite um olhar sensível e interno sobre o achatamento e o esmagamento social

a que era submetido o negro no seu cotidiano, mesmo depois de abolida a escravidão. O

africano mesmo livre, ainda era subjugado por outros senhores.

3.5 O corpo, o desejo e a sensualidade.

Antes de começar a abordar os meios que o poeta, em batuque, narrava a utilização

do corpo do negro, quer como forma de resistência, quer como instrumento de desejo e

sensualidade, enfatizo as relações de poder que o colonizador exercia sobre este mesmo corpo

do negro. Aqui trago, em fragmentos de textos literários brasileiros produzidos nos séculos

XIX e XX, meios de ilustrar como a literatura captou essa relação de poder.

Nesse sentido, o poderio senhorial exercido sobre o escravo e as estratégias de

colocá-lo em posição de inferioridade, sem a possibilidade de qualquer forma de defesa ou

resistência, foram as estratégias utilizadas para inibir qualquer produção de resistência do

escravo, entretanto durante os séculos de escravidão muitas foram as frentes de resistências,

daí a criação de quilombos e até assassinatos de senhores por seus escravos. Minha intenção é

caracterizar a produção do castigo sofrido por esses sujeitos em que a “violência foi imposta

pela sociedade escravista objetivando submeter e controlar as ações de negação dos cativos

contra as empresas de base escravista” (SANTOS, 2008, p.45 ).

Para sedimentar esse pensamento, tomo como aporte o pensamento de Michel

Foucault (1991)68. O filosofo francês analisa o sistema penal correcional baseado no suplício,

68 Filósofo e professor cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collége de France de 1970 a 1984. Todo o seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Seu trabalho também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação. Ver: www.bibliotecadigital.ufmg.br .acesso em 22/08/11

Page 103: Entre poéticas e batuques

112

mostra através de fatos a forma desumana que o infrator era punido com violência corpórea,

atitude que tinha a finalidade do restabelecimento da disciplina e da ordem em sua base de

sustentação, além de procedimentos que levaria a desestimular as condutas contrárias às

determinações do poder soberano. Assim discorre sobre esse meio de produção dizendo que:

o sistema punitivo seria um subsistema social garantidor do sistema de produção da vida

material, cujas práticas punitivas consubstanciam uma economia política do corpo para criar a

docilidade e extrair utilidade das forças corporais.

A violência e o poder senhorial sempre estiveram presentes para disciplinar a

conduta do negro, por isso, pode-se buscar esclarecimentos para essa violência praticada

contra o escravo, na forma como o sistema penal brasileiro a época do império facilitava essa

conduta as penalidades não eram proporcionais á natureza do crime, mas sim ao perigo iminente da sociedade. Apesar da existência de poucas leis voltadas para os escravos, eram muitas as leis que podiam, quando necessários, ser aplicadas a estes. Não houve no Brasil uma lesgilação criminal especial para os escravos, esta ausência estava ligada á certeza de que a barbárie dos escravos se estendia a outros setores da população (CAMPOS, 2003, p. 107).

Nesse sentido, as penalidades praticadas contra o escravo eram mais fortes e

violentas do que as praticadas contra as pessoas livres. Segundo Santos (2008), o escravo era

considerado um inimigo em potêncial da ordem pública. A severidade das penas aplicadas a

eles é justificada porque, com elas, mais do que punir, pretendia-se inibir as manifestações de

oposição aos interesses das classes dominantes.

O castigo proporcionado ao escravo infrator era a parte integrante do governo

econômico dos senhores, adicionados ao trabalho excessivo e a alimentação insuficiente,

elementos que tinham por finalidade a otimização de sua produção e a subtração de sua força

politica. Para Lara (1988,p.116) “É justamente o perigo da perda da funcionalidade do sistema

de dominação do senhor sobre o escravo que fez com que a punição senhorial fosse agente

politico, manifestando-se e se reativando na punição do escravo faltoso.” O cumprimento das

aspirações, desejos e pensamentos dos senhores era para o escravo tão forte que desarticulava

seus proprios anseios, como afirma Pena (2001), o escravo estava sujeito a vontade do senhor,

o que era uma lei tão poderosa que ela anulava todas as outras, da religião, da moral e as do

governo.

Condenar um escravo era mostrar ao demais o perigo da insubordinação, pensamento

assimilado pela justiça, porem sabia-se que com essa atitude dilapidava-se também a

Page 104: Entre poéticas e batuques

113

propriedade dos senhores que tinham consciência que o escravismo era uma das bases de

sustentação do Estado brasileiro.

Foucault (1991) relata que é a consciencia abstrata do condenado que deve sofrer,

pagar pelo crime cometido ou atribuído, fixando assim a certeza da justiça. Manter o escravo

obediente e temeroso, exigia por vezes, um processo de suplício, castigo e sofrimento, além

da utilização de formas e instrumentos para a materialização dessas penalidades, a fim de

consolidar não só o castigo corpóreo, como também a humilhação. Punir o escravo que houvesse cometido uma falta, não só era um direito , mas uma obrigação do senhor. Isso era reconhecido pelos prórios escravos, mas não quer dizer que os castigos eram aceitos, ou seja, por intermédio dos castigos, caberia a tarefa de educar seus cativos para o trabalho e para a sociedade (LARA, 1998, p. 60).

O corpo e o tempo do escravo pertencem ao senhor, por isso o castigo dispensado ao

infrator escravo era um prejuízo às finanças familiares, assim, os castigos impostos pelos

senhores aos negros escravizados não possuiam a única intenção de punir, eram também uma

forma de estabelecimento do poder senhorial. Com isso, prevenia-se possíveis rebeliões,

dissiminando terror a potenciais infratores, consolidando a condição de escravo e impondo um

estado de aceitação desse status sem nenhuma negação.

Historiadores relatam que, nas cidades, os castigos de açoites eram realizados

publicamente nos pelourinhos. O espetáculo era anunciado pelos rufos e tambores nas ruas a

fim de atrair espectadores. Uma multidão se reunia na praça do pelourinho, para assistir o

carrasco açoitar o corpo do escravo condenado que ali ficava exposto á excreção publica, o

povo excitava e aplaudia enquanto o chicote sangrava o dorso nú do negro escravo, para

servir de exemplo ao demais. Essa experiência coaduna-se com reflexões de Foucault quando

aborda as simblogis do castigo.

Como espetáculo, o castigo fazia parte de um ritual e era um elemento de liturgia punitiva que deixava a vitima infâme de si e ostentava a todos o triunfo do poder senhorial, visando simbolizar, no momento de sua execução, a lembrança da natureza do crime estabelecendo entre o suplício e o crime relações decifráveis Na certeza de anular o crime junto com o culpado (FOUCAULT, 1991, p. 31).

A justiça torna o suplício a forma de lembrar a qualquer um que é imprescindivel

refletir sobre as consequências da prática de uma ação criminosa, uma forma de estabelecer a

dominação e a repressão ao cativo. Entretanto, a ideia de posse do senhor sobre o escravo, de

colocá-lo na categoria de utencílio ou “coisa” é historicamente vista nesse período. O corpo é

Page 105: Entre poéticas e batuques

114

um dos maiores bens que um sujeito pode desejar adquirir dentro de uma sociedade patriarcal

e escravista, que se capitaliza no século XIX, e faz desse corpo a grande propriedade,

tornando-o um território de disputa, que deve ser física e ideologicamente posto sob

dominação.

Mesmo com toda a veemência na aplicação dessa relação de poder senhorial, o

cativo escravizado não se deixava “coisificar” diante da violência. Enquanto existiu a

escravidão, várias formas de resistência surgiram ao longo do período escravocrata.

Todos os meios de produção da escravidão inegavelmente estavam ligados à relação

de poder, quer através da força e do sequestro com que foram escravizados, quer pelas lutas

internas dentro das tribos africanas pelo domínio e controle do seu povo, ou quer pelo castigo

como forma de exploração da força produtiva.

Nesse sentido, a injustiça sofrida por esses sujeitos ou a busca pela igualdade diante

do “branco” serviram de fio condutor de muitos escritores que levantando a bandeira da

abolição da escravatura, tornaram-no personagem central de suas literaturas, ora tentando em

suas narrativas promover a justiça social, ora deformando sua imagem. Nessas descrições o

escravo apresentava-se em forma depreciativa, sem rosto, sem voz e sem herança cultural,

formas utilizadas para manter a superioridade entre a casa grande e a senzala. As

demonstrações de poder ultrapassavam o limite do corpo, alcançavam a alma. Não é mais o corpo o objeto a ser justiçado, mas a realidade incorpórea criada por esse complexo médico-jurídico-psiquiátrico-antropológico-educacional que busca cientificamente qualificar as predisposições criminosas dos indivíduos e penalizar a consciência do criminoso (FOUCAULT, 1991, p. 24).

Essa produção de castigo, sofrimento e humilhação é relatada em narrativas dentro

da literatura brasileira que descreviam os meios de produção desses episódios e as formas

desniveladas das relações entre senhores e escravos.

Nesse sentido, Visconde de Taunay69 em sua obra A mocidade de Trajano70, conta

que um escravo larga o ancinho e deita-se furtivamente à sombra de um cafezeiro para

acender um cachimbo. Por um minuto rouba o tempo do seu senhor.

69 Visconde de Taunay: Alfredo D'Escragnolle Taunay, nascido e falecido no Rio de Janeiro em 1843 e 1899, respectivamente. Formou-se em Ciências Sociais e Matemáticas na Escola Militar. Participando da Guerra do Paraguai, presenciou vários episódios importantes que foram relatados no livro A Retirada de Laguna (1871), além de ter tido contato com algumas regiões do interior do Brasil, principalmente o Mato Grosso, o que lhe serviu de experiência e inspiração para desenvolver seu mais conhecido romance: Inocência (1872)], que obteve enorme sucesso popular. Além da carreira militar e literária, foi senador e deputado pelo partido conservador em Santa Catarina.

Page 106: Entre poéticas e batuques

115

Cachorro!... Malandro, sem vergonha!”“, grita o feitor ao surpreender o ladrão. O escravo estremece, quer fugir, mas o chicote lhe alcança; é facilmente dominado. O feitor ordena a outros escravos que cortem varas... "e boas". [...] O escravo, amarrado solidamente a um pé de peroba, abarcava o tronco com os braços e pernas distendidos, ficando todo enleado por cordas de embiras e cipós. Chegaram os varapaus e as pauladas começaram a chover sobre o corpo do desgraçado que, ao princípio, procurou não gritar. Gemia surdamente e torcia dolorosamente o pescoço; mas depois, vencido pela dor, prorrompeu em exclamações [...] O surrado clamava em altos berros: – Chamem!... Chamem meu senhor moço... Nhonhô... Acuda o seu negro [...] A voz perdia-se exausta entre os cafezais. O suplício continuava... (TAUNAY, 1984, p. 163-164).

A violência empregada contra o infrator, nesse caso o negro escravo, tinha uma

direção lógica, o exercício do poder soberano do senhor e a confirmação da dominação.

Segundo Apolinário (2000), para a repreensão dos escravos considerados criminosos, havia

duas justiças paralelas: a oficial, representada pela maquina judiciária, que previa duras penas

como morte e degredo e a privada praticada pelos senhores. O cativo tinha a justiça do estado

controlando seus atos sociais e a do senhor, inibindo e prevenindo a insubordinação e as

rebeliões.

Outro fragmento literário extraído do romance A Escrava Isaura, de Bernardo

Guimarães (1873), o que chama a atenção na descrição são os instrumentos de suplício: Neste momento chega André, o pagem, trazendo o tronco e as algemas, que deposita sobre um banco, e retira-se imediatamente. Ao ver aqueles bárbaros e aviltantes instrumentos de suplício turvaram-se os olhos a Isaura, o coração se lhe enregelou de pavor, as pernas lhe desfaleceram, caiu de joelhos e debruçando-se sobre o tamborete, em que fiava, desatou uma torrente de lágrimas. – Alma de minha sinhá velha! – exclamou com voz entrecortada de soluços, – valei-me nestes apuros; valei-me lá do céu, onde estais, como me valíeis cá na Terra. – Isaura, – disse Leôncio com voz áspera apontando para os instrumentos de suplício, – eis ali o que te espera (...) (GUIMARÃES, 1973, p. 97-98).

Os instrumentos de suplício e castigo eram apresentados desde cedo aos cativos que

passavam a conhecer cada um dos objetos destinados a súplica, como também assimilar que

qualquer falta cometida seria castigada por tais instrumentos. “Como na sociedade punitiva

européia, o feitor, enquanto carrasco é o instrumento pelo qual o poder do soberano faz-se

exercer, agindo por meio dele, mas não se identificando com ele” (FOUCAULT, 1991, p. 48-

70 A mocidade de Trajano, primeiro romance de Visconde de Taunay, obra escrita sob o pseudônimo de Sílvio Dinarte. Publicada em 1871.

Page 107: Entre poéticas e batuques

116

49). O exercício do castigo cria a relação de inimizade necessária entre quem deve disciplinar

e quem deve obedecer, ao mesmo tempo reforça o paternalismo do senhorio.

O escravismo moderno consolidou o castigo físico como forma de dominação sobre

o corpo do outro, o exercício do poder senhorial tem na reafirmação da dominação a

reprodução de uma relação de exploração direta do trabalho. O corpo, o tempo e o

pensamento do cativo pertenciam ao seu senhor, mantê-lo neste estado de inferioridade,

castigá-lo, submetê-lo a duras condições de trabalho, longas jornadas, alimentação precária,

privação da liberdade, os maus tratos e as freqüentes torturas disciplinariam a trabalhar e

obedecer, reforçando sua condição. A sociedade branca esperava do escravo obediência e

humildade. A produção do sofrimento é quantitativa, varia conforme o valor moral ou econômico de cada ato considerado criminoso ou injurioso. A dor do suplício deve ser infinita enquanto dura a expiação da culpa ou da resistência. A morte pode livrar o sujeito do sofrimento, mas só chega depois do corpo ter sofrido tudo de atroz. (FOUCAULT, 1991, p. 34).

Michel Foucault (1991) aponta que a relação de produção do sofrimento tem a

dimensão moral e econômica, que o suplício culmina na morte do infrator, entretanto o corpo

só encontra esse fim, depois de ser penalizado. Para a sociedade escravocrata os castigos

impostos ao corpo do negro tinham base disciplinar.

Bruno de Menezes, conhecedor das mazelas sofridas pelos escravos, conhecia

também intimamente o espírito da negritude, seus mais profundos sentimentos, a alma

impregnada de sensualidade, leveza, que encantou o colonizador português, o corpo

transbordava sensualidade, que não passou despercebida em sua obra, como observamos na

poesia Alma e Ritmo da Raça: A luz morde e pele de sombra e os cabelos lustrosos quebrados da cor sem razão. E os seios pitingas, o ventre em rebojo, As ancas que vão num remanso rolando No tombo do banjo. (...) E o branco sentindo xodó pela preta, Agüentando mareta gemendo no fungo, Bem querer e não pode mas vai de teimoso Se acabar no rebolo da bamba africana (MENEZES, 1966, p.13).

A figura da mulher negra é apresentada em diversos trechos de Batuque, o olhar do

negro em direção a negra reluz o ambiente de sedução e sensualidade. No excerto “e os seios

pitingas” (MENEZES, 1966, p.13), faz uma relação com um fruto amazônico, de forma

arredondada, esférico e de casca dura, que cortada ao meio serve como uma espécie de

Page 108: Entre poéticas e batuques

117

recipiente. Na região amazônica, é conhecida como cuia. Para produzir uma imagem da cuia

pitinga é só lembrar o objeto em que é servido o tacacá, uma bebida tradicional do paraense,

servida com tucupi, goma, jambú e camarão. Em outros fragmentos de Batuque, é possível

perceber o corpo da negra relacionado metaforicamente com frutas da região.

A visão de Menezes quando o assunto é a figura feminina especificamente da mulher

negra os adjetivos são evidenciados com intensa sensualidade e desejo. Em fragmentos da

poesia Oração da Cabra Preta, esses predicados femininos são explicitamente fortes. Seu desejo é se embrulhar com a mulata indiferente que não sabe que ele tem caruãna e mocó (MENEZES, 1966, p.51).

Em outro excerto do mesmo poema as características físicas e o cheiro da mulata

passam a fazer parte do universo passional do poeta que, conhecedor da alma feminina no

plano físico e espiritual, descreve de modo racialmente situado:

A garupa carnuda o corpo talhado a trufa cheirosa da mulata orgulhosa que não gosta de ninguém (MENEZES, 1966, p.51)

A percepção da mulher negra não se limita a sua sensualidade, o poeta descreve em

detalhes seu cheiro e induz o leitor a buscar na obra o aroma da mulata cheirosa. Elementos

marcantes na cultura brasileira e particularmente no Estado do Pará, com suas ervas

aromáticas e banhos de cheiros muito utilizados em festas juninas. É a mistura de

sensualidade e cheiro que causa a inquietude dos homens.

Todinha canela em polvilho cheiroso, folha seca de fumo enrolado no sol, sua boca recende a acidez que amortece, seu corpo que é todo nem pau de Angola deve ser gostosura de morte pedida depois de dançar (MENEZES, 1966, p.24).

No excerto o corpo da negra aliada ao cheiro, acentua o ambiente de sensualidade, o

apelo do poeta aguça o olfato e inebria o sentido relacionando o negro a elementos naturais e

culturais da Amazônia. O diálogo de Bruno com ervas e cheiros da Amazônia pode ser

percebido quando se apropria em sua poesia de aromas, hoje conhecidos como “cheiros do

Pará”. Patichouli, cipó-catinga priprioca

Page 109: Entre poéticas e batuques

118

Baunilha, pau rosa, orisa, jasmim. Gaforinhas riscadas, abertas ao meio. Crioulas, mulatas, gente pixaim (MENEZES, 1966, p. 21).

O patichouli trazido para a região, provavelmente durante o comércio marítimo com

as Índias orientais, tem sua utilização com objetivos de sedução. Os outros aromas relatados

no excerto, a baunilha e a priprioca, também possui finalidades de sedução.

O sentido olfativo direcionado ao cheiro da mulata é percebido nos diversos

fragmentos de Batuque. Em tom de sensualidade e erotismo Bruno de Menezes incorpora o

cheiro ao desejo. A carne transpira... E o almíscar da raça / É o cheiro “malino” que sai da

mulata (MENEZES, 1966, p. 13). O cheiro ligado a cadencia sensual do negro é destacado

pelo poeta, harmonizado com o cheiro da floresta. ... Um cheiro forte de resinas

mandingueiras / Vem da floresta e entra nos corpos em requebros (MENEZES, 1966, p. 11).

As ervas e plantas extraídas da floresta são elementos identitários na Amazônia. Os

banhos com plantas aromáticas71 são comuns no cotidiano do homem amazônico. Sua

utilização possui objetivos de proteção e purificação do corpo, da casa e de objetos.

Figueiredo (1983), na esteira da tradição popular, relata a simbologia para o emprego

dos banhos e sua forma de preparo. No caso do banho de cheiro de uso popular, não há um receituário estabelecido: juntam-se as folhas, cascas, flores, raízes, essências e resinas que, segundo a tradição popular tem o poder de conservar a felicidade,destruir o caiporismo(azar), afastar os enguiços (obstáculos), readquirir os favores do jogo (cartas, “bichos”, loterias etc.) e proteger contra o mal olhado ou olho gordo (inveja) (FIGUEIREDO, 1983 p. 7).

Na incidência popular dois momentos marcam a utilização desses banhos: no período

das festas juninas, tão bem marcados pelo poeta, natalinas e no cerimonial religioso com

ocorrência nos rituais do Batuque, da umbanda e da Jurema.

Em excerto do poema São João do Folclore e Manjericos, Bruno de Menezes

ambienta durante o mês de junho a utilização dos banhos. São João das capelinhas, dos banhos felizes, Reacendendo a raízes raladas e trevos e priprioca, Dos cheiros cheirosos que se grudam a pele da gente E vão passando pra dentro. (MENEZES, 1966, p. 36)

Menezes indica, no trecho, o modo de preparo das raízes e trevos para o preparo dos

banhos. Figueiredo confirma essa forma de preparo evidenciado elo poeta.

71 Ver: (Carneiro, 1937); (Querino, 1938), (Cascudo,1962).

Page 110: Entre poéticas e batuques

119

Os trevos, ervas e cipós são pisados e as raízes e paus ralados dentro de uma bacia ou cuia pitinga, com água, e guardados até a hora do banho. Em seguida deita-se água limpa pelo corpo e esfrega-se com o sumo dos ingredientes, concluindo por despejar à cabeça o líquido perfumoso e vestir a roupa sem enxugar o corpo (FIGUEIREDO apud ORICO, 1937, p. 35).

Todo um ritual é realizado para a produção do banho afim de que sua utilização

atinja os objetivos desejados. Figueiredo (1983) evidencia que um dos mais famosos

perfumistas de Belém elaborou uma fórmula para a composição dos banhos com ervas

aromáticas especificamente para o Banho Cheiroso de São João. O banho é composto das

ervas trevo-cumaru, japana-branca, pataqueira, catinga de mulata, chama, bergamota,

manjerona, vindicá, oriza, cipó-catinga, canela, cumaru e arataciú. Estes banhos são

facilmente encontrados em diversas feiras e mercados de bairros em Belém.

Ver-o-Peso, Batista Campos, Duque de Caxias, (bairro da matinha), Porto da Palha (bairro da Condor), Jenipapo e Bacurau (bairro do Telegrafo),bem como nas feiras dos bairros da Pedreira, Sacramenta, Souza, Marambaia, Entroncamento, Jurunas,Tavares Bastos (FIGUEIREDO, 1983, p. 8).

Nos rituais religiosos os banhos de cheiros são encontrados em casas que vendem

artigos de Umbanda. No rótulo do produto, o nome do banho remete ao seu objetivo. “Banho

da sorte”, “Banho de Cheiro”, “ Banho da Felicidade”, “ Chega-te a mim”, etc. Estes banhos

são utilizados para trazer felicidade, sorte, emprego, amor e proteção. Figueiredo (1983).

Bruno de Menezes pesquisou a utilização das plantas aromáticas na preparação do

banho de cheiro. Daí seu conhecimento desta prática popular amazônica.

Pataqueira, cipó-catinga, corimbo, chama, casca-preciosa, priprioca, manjerona, oriza-arataiaçu, catinga de mulata, japana, coré, vai-e-volta,buiuçu,umiri, cipó-uira,bergamota,fava de baunilha,serragem de pau de angola. (1983, p. 8).

Desta forma o poeta traz o aromático amazônico ao centro de sua poesia. Essa

tendência de apresentar o popular regional está ligada ao próprio pensamento etnográfico e

folclórico de Bruno de Menezes, e de intelectuais paraenses em apresentar em suas literaturas

as “coisas da terra”, essa postura está ligada a um fenômeno cultural chamado de

primitivismo72, que esteve presente no pensamento social e artístico ocidental desde o século

XVIII, que, grosso modo, pode ser definido como a forma de “valorização” das virtudes

72 Ver mais sobre primitivismo em TRAVASSOS, Elizabete. Os mandarins milagrosos. Rio de Janeiro:Funarte.Jorge zahar.Editor, 1997

Page 111: Entre poéticas e batuques

120

presentes em grupos como expressão da alma, personalidade. Neste sentido, a obra de Bruno

de Menezes segue um esforço coletivo local em construir em suas narrativas aspectos

históricos, artísticos, sociais, folclóricos e culturais. 3.6 A memória Bento Bruno de Menezes Costa era conhecedor da alma do negro e do seu martírio

em deixar sua terra natal para servir como escravo. A nostalgia trazida pela escravidão é

apresentada por Bruno de Menezes como uma forma de amenizar todo o sofrimento que

reside pelo fato de esta longe de sua terra de origem. Nesse sentido, Thomson (1997),

compreende que as recordações do tempo pretérito nos ajudam a “expressar e lidar com suas

lembranças dolorosas até mesmo dar um novo sentido às velhas histórias” (THOMSON,

1997, p. 63), como no excerto abaixo extraído do poema Cachaça. Surrado vendido mas tendo na alma seu santo orixá. Sem nunca esqueceres a selva do Congo, Os verdes coqueiros os teus bananais... (MENEZES, 1966, p. 43).

A memória de Bruno de Menezes demonstra o modo como o escravo africano posto

em diáspora forçada através do atlântico aqui representado pelo grupo de negros africanos,

que, apresentado dentro desse contexto histórico e social, destaca os traumas advindos do

êxodo forçado e sua relação com a memória cultural e ficcional.

Segundo Faria (2010, p. 14) a memória estabelece uma ligação entre o passado

individual e o passado coletivo, nossas origens, heranças e historias. O passado está sempre conosco, e ele define o nosso presente, ele ressoa em nossas vozes, paira sobre nossos silêncios, e explica como nos tornamos nós mesmos e habitamos o que chamamos “nossa casa”. Assim o que chamamos de passado apenas uma função e produção de um presente continuo e seus discursos.

O poeta apresenta em alguns trechos, uma atmosfera rica de saudades e lembranças.

É possível perceber a nostalgia do autor em recordações próprias, um sentimento de busca ao

passado cheio de encantamento. Ah! São João dos meus quinze anos da jaqueira, / Quando

fui chefe de maloca e as mulatas me viciavam (MENEZES, 1966, p. 39).

Esse ambiente de lembranças e memórias pode ser definido como forma de

reconstituição de um processo histórico, por destacar a presença e a participação de seus

Page 112: Entre poéticas e batuques

121

ancestrais na constituição do povo brasileiro. No excerto do poema Pai João, fica latente esse

posicionamento. Pai João sonolento e bambo na pachorra da idade Cisma no tempo de ontem De olhos vendo o passado recorda o veterano A vida brasileira que ele viu e gosou e vieu! (MENEZES, 1966, p. 17)

Seus antecessores são lembrados e destacados. A escravidão foi o referencial para a

tecitura de Batuque. “Mãe Maria contou que o pai dele era escravo” (MENEZES, 1966, p.

17). Os segredos da saudade, apresentados em Batuque, remetem a alma do autor e de sua

sensibilidade ao detalhar os mais profundos anseios de sua ancestralidade, desde a escravidão,

passando pela não aceitação de sua nova condição. Bruno de Menezes usa seu espírito

nostálgico para falar de sua negritude, para mostrar todo o processo que colocou o negro em

um ambiente estranho, oponente que descaracterizou seu meio comunitário e familiar. Esse

afastamento de seu espaço natural foi determinante para incentivar o sentimento de

africanidade.

3.7 Festas e comidas

Uma passagem da vida do autor de Batuque, recontada por sua filha Maria de Belém

Menezes, projeta sobre o poeta a intensidade de sua imersão nas festas e tradições culturais Num Mês de junho, o sociólogo, escritor, folclorista baiano Edison Carneiro, hospedou-se em sua casa, sendo convidado par dar umas voltas para conhecer a cidade, ficou surpreso quando Bruno vestiu a camisa estampada da quadrilha: Mas você vai sair com essa blusa? - perguntou. E Bruno não só saiu como dançou a quadrilha sob a graça pitoresca das “marcações”, jocosamente afrancesadas. Era o próprio folclore (informação verbal)73.

As festas juninas são comemoradas nos subúrbios belemense, hoje um pouco menos

que antes. A organização dessas atividades juninas pelas instituições públicas, transformando-

as em concurso, esvaziou de certa forma, as diversas iniciativas de comemorações e

brincadeiras na quadra durante o mês de junho, haja vista a centralização dos eventos.

O mês de junho torna-se sinônimo de festas de alegrias, de foguetinhos, fogueiras de

são Pedro, João, Antonio e Marçal. Bruno de Menezes recorda as festas populares: Junho! Mês joanino do santo Antonio de Lisboa do João Batista precursor,

73 Maria de Belém Menezes. Entrevista realizada em fevereiro de 2011.

Page 113: Entre poéticas e batuques

122

do velho São Pedro chaveiro do céu (MENEZES, 1966, p.35).

Essas comemorações profanas e também com caráter religioso realizadas durante o

mês de junho são colocadas em destaques nos diversos bairros da capital paraense, assim

sendo, Durkheim (1989) evidencia a importância dos elementos recreativos e estéticos para a

religião, relacionando-os a representações dramáticas e mostrando que, às vezes, é

imperceptível, os limites entre religioso e divertimento público. (...) a própria idéia de cerimônia religiosa de alguma importância, desperta naturalmente a idéia de festa. Inversamente, toda festa... apresenta determinadas características de cerimônia religiosa, pois em todos os casos, tem como efeito aproximar os indivíduos, colocar em movimento as massas e suscitar assim um estado de efervescência, às vezes até de delírio que não deixa de ter parentesco com o estado religioso. O homem é transportado para fora de si mesmo, distraído de suas ocupações e de suas preocupações ordinárias. Assim, de ambas as partes observam-se as mesmas manifestações: gritos, cantos, música, movimentos violentos, danças, procura de excitantes que restaurem o nível vital, etc. Observou-se muitas vezes que as festas populares levam a excessos, fazem perder de vista o limite que separa o lícito do ilícito, o mesmo se dá com as cerimônias religiosas que determinam uma necessidade de violar as regras normalmente mais respeitadas (DURKHEIM, 1989, p. 456).

Durkheim (1989) mostra uma linha tênue entre o rito profano e o sacralizado pela

religião, é o mesmo estado transcendente de espírito do negro, que busca, nas festas e nas

manifestações religiosas, formas de amenizar seu sofrimento proveniente do estado de

escravidão que se encontrava, é nesse limiar, que o poeta captou a alma inquieta do negro.

Amaral (1998) destaca as festas como forma de mediações e que as sociabilidades

humanas estão intimamente ligadas aos festejos em que essa disposição para os festejos

constitui traço marcante da identidade nacional. Por isso “pode-se dizer que a festa é uma das

vias privilegiadas no estabelecimento de mediações da humanidade” (AMARAL, 1998, p.

52).

Bakhtin (1987), teórico russo da literatura moderna, em sua obra sobre Cultura

Popular na Idade Média, afirma que as festividades são demonstrações da visão do mundo.

As festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial, marcante, da civilização humana. Não é preciso considerá-las nem explicá-las como um produto das condições e finalidades práticas do trabalho coletivo nem, interpretação mais vulgar ainda, da necessidade biológica (fisiológica) de descanso periódico. As festividades tiveram sempre um conteúdo essencial, um sentido profundo, exprimem sempre uma concepção do mundo (BAKHTIN, 1987, p. 7-8).

Page 114: Entre poéticas e batuques

123

Bruno de Menezes captou com olhar sensível às manifestações culturais e religiosas

além das práticas de vivência dos sujeitos postos em trânsito através das festas populares. O

Ver-o-Peso, por exemplo, foi instrumento de observação e pesquisa do autor de Batuque, a

circulação de trabalhadores, a população ribeirinha e a ocorrência de festejos populares, em

destaque a festa de São Benedito, no mercado às margens da Baia do Guajará, estudo que deu

origem ao livro do próprio Bruno, São Benedito da Praia, outros mercados de Belém fizeram

parte da pesquisa em que apresentam as festas de padroeiros das feiras e mercados de Belém.

Para Costa (2010) o destaque para o popular e especificamente a particularidade

Amazônica, vinha ao encontro do interesse dos literatos locais.

De todo modo, este olhar interessado pelas peculiaridades do povo estava em concordância com o interesse dos literatos modernistas paraenses pelas manifestações festivas populares, quer religiosas ou profanas. Tal interesse estava pautado na idéia de tomar tais expressões culturais como fonte inspiradora de uma literatura “verdadeiramente brasileira” (a partir de sua versão amazônica). Daí que relatos folclorísticos como o “São Benedito da Praia” emergem como interpretações daqueles escritores do que entendiam como criações folclóricas, isto é, populares (COSTA, 2010, p. 18).

Silva (2010), citando em sua dissertação74 a produção acadêmica de Franciane Gama

Lacerda75 menciona que as festas, procissões e arraiais foram práticas culturais somadas e

ampliadas ao cotidiano da população Amazônica.

Mario de Andrade (1935, p. 38) relata algumas manifestações do folclore negro entre

o campo e a cidade, como a coroação dos reis do Congo que sobrevive nos reinados do

interior do Brasil. Menezes refere-se a essa cultura religiosa e imbricada de devoção

negro/branco: Os trovões os relâmpagos o vento O mar brabo e a invocação À Virgem mãe dos Navegantes (MENEZES, 1966, p. 27).

Em Batuque os festejos juninos dos casamentos, as adivinhações as manifestações

populares da quadra, foram registradas no poema São João do folclore e manjericos. A figura

do compadre, do primo e a prazerosa benção de são João:

74 SILVA. Jerônimo da Silva e. “No Ar, na Água e na Terra”: Uma Cartografia das Identidades nas Encantarias da “Amazônia Bragantina”. Dissertação de mestrado (Capanema-PA). UNAMA, 2010. 75 Mesclando-se, assim, a um mundo de violências e de árduo trabalho, numa luta constante para produzir e fixar-se na terra como lavrador, existia também um mundo de festas e atividades lúdicas, que foram igualmente fundamentais na construção desses espaços dos núcleos coloniais. É “possível encontrarmos indícios disso nos primeiros anos de chegada dos cearenses à zona Bragantina”. Cf. LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearense no Pará: Faces da Sobrevivência (1889-1916). Belém: Ed. Açaí, 2010, p. 363.

Page 115: Entre poéticas e batuques

124

- São João disse. - São Pedro confirmou... - ... meu compadre boa noite... - ... olhe lá meu primo... - ... minha madrinha bença... (MENEZES, 1966, p.36).

Em um poema de Batuque é perceptível o estado dessa composição junina. Entre as

comemorações dos santos populares católicos, São João, São Pedro, Santo Antônio, São

Marçal, celebrados durante o mês de junho, Bruno de Menezes dispõe na tecitura do poema

São João do folclore e manjericos, a origem dos festejos, posicionando o imbricamento das

festas nos terreiros. Mostra o circuito de bumbás remetendo a sua origem totêmica. Junho! Mês joanino do Santo Antonio de Lisboa, Do João Batista precursor, Do velho São Pedro chaveiro do céu. (...) Teus cordões de bumbas, De bichos folieiros com caçadores, com caçadores e pajés De compadresco e afilhadismos Vem dos terreiros da Casa Grande, Quando o escravo deixava o eito E aparecia a divertir os senhores lusitanos (MENEZES, 1966, p.33)

Bruno de Menezes expõe seu entendimento individual deste processo cultural. É

ainda no poema São João do folclore e manjericos, que relembra as brincadeiras, as

adivinhações, os saberes locais para a cura das doenças, práticas vividas nos festejos joaninos. Ah! Como o folclore revive na tua quadra As nossas ingênuas crenças avoengas! - Os patacões de cobre que dormiam no braseiro Para os “cortes” de izipla e suspensão de espinhela; Os cortinados de cama e igrejas de clara de ovo Nos copos serenados das esperanças de noivado; A lâmina da faca virgem Cravada na inocente bananeira sem culpa; O espelho de água dormida na bacia dos destinos (MENEZES, 1966, p. 33)

Neste excerto Bruno de Menezes mostra uma prática muito comum nos circuitos

africanos: A adivinhação. Freire (2008, p.288) relata os modos e objetivos desta prática.

Para realizá-la bastavam a crença, o material e o dom. Serviam para muitos fins: encontrar objetos perdidos, conhecer o futuro, desvendar casos amorosos, desenterrar botijas. Além dela, a cura que, apesar de proibida era freqüente, principalmente na figura das velhas rezadeiras, mestras no procedimento do curar. Aqui, a terapêutica popular se aliava às artes obscuras das rezas que despediam dores de cabeça, dores de dente, espinhela caída, sol na cabeça, feitiços, tosses, tudo através do saber daqueles que rezavam e das orações que deviam acompanhar o processo, algumas invocando o Deus cristão, outras mencionando diretamente o nome do diabo.

Page 116: Entre poéticas e batuques

125

Além disso, havia as benzeduras, destinadas principalmente a animais adoentados ou para fazer-lhes mal.

O poeta reafirma sua crença não só nas adivinhações, mas na figura das rezadeiras

que, segundo Silva (2011), são mulheres que realizam benzeduras com o objetivo de

reestabelecer equilíbrio físico, material ou espiritual, e para isso acionam elementos do

catolicismo popular. Para a composição dessas benzeduras utilizam orações, gestos e ramos

verdes entre outros elementos e símbolos culturais, tudo para que a pessoa que deseje ser

ajudada possua confiança no ritual.

Para Bruno de Menezes os festejos e as brincadeiras eram instrumentos que

equiparavam as classes sociais. São João dos moleques vadios e também dos meninos ricos – já nascidos bacharéis – tudo correndo na rua atrás das “bichas” dos “espanta coióis” (MENEZES, 1966, p. 36).

Em outro excerto da mesma poesia, narra o ambiente festivo das festas de São João,

os cheiros e banhos característicos desta época. Em seu espaço de memória, relembra com

ideias que hoje não são mais admitidas. Assim, é latente o saudosismo com relação à

brincadeira do boi na estância Jaqueira, os balizas, Pé de Bola e João Golemada. Além disso,

faz uma crítica aos festejos de então. São João das capelinhas, dos banhos felizes, Rescendendo a raízes raladas e trevos e priprioca Dos cheiros cheirosos que se grudam na pele da gente e vão passando pra dentro da gente. São João dos terreiros suburbanos, Com mafuás nos currais enfeitados de palhas de assai. São João do tempo do “Pé de Bola” do maranhense Golemada, Do meu padrinho Miguel Arcanjo. Ah! São João dos meus quinze anos da Jaqueira, Quando fui chefe da maloca e as mulatas me viciavam. ... Por que não és mais o meu São João do passado? (MENEZES, 1966, p. 36).

Bruno de Menezes por toda a sua vivência nas andanças por Belém, ou pelas viagens

a outras cidades do Estado do Pará, tornou-se fonte de cultura popular, um homem ligado as

tradições folclóricas, fatos que lhe serviram de inspiração para a composição de sua obra e na

produção de dezenas de artigos sobre danças folclóricas, origens dos pássaros, os cheiros, as

quadrilhas e o pequeno ensaio sobre alimentação. Este último também registrado na poesia

São João do folclore e manjericos, cujo relato nos remete a culinária africana. Gilberto Freyre

Page 117: Entre poéticas e batuques

126

(1977, p. 453) constata a composição negra na formação cultural do povo brasileiro que se

processa na introdução do modo de ser africano na vida doméstica da colônia, definida pelo

acréscimo de sabores novos à culinária da sociedade lusa, acontecimento registrado pelo

sentimento africano de Bruno: Os mungunzás, as canjicas bolinhos os mingaus bem do norte com leite de côco castanha e fubá (MENEZES, 1966, p. 37).

A culinária dá o tom de africanidade aos versos que de forma regionalizada,

expressam os valores e os sentimentos presentes na alimentação afro-brasileira:“assai,

mungunzá caruru tacacá” (p.33).

Silva (1984) relata a influência africana na composição da culinária portuguesa ao

ser transplantada para a América.

A cozinha portuguesa, transplantada para terras da América, foi sendo, aos poucos, alterada pela técnica de preparo culinário ou pela condimentação nos pratos. De ordinário cabia as negras escravas a especialização nos serviços domésticos das Casas Grandes e elas se mostravam inexcedíveis na confecção de quitutes e doces (SILVA, 1984, p. 60).

Bruno de Menezes recebeu de sua mãe a herança culinária de seus ancestrais e entre

sua literatura destacam-se informações sobre a culinária do Pará, estudo realizado a pedido do

escritor Luís da Câmara Cascudo. No excerto da poesia Fartura, o próprio Bruno quem realça

o valor da culinária africana: Tanta fartura madura tanta fruta pelo chão Tanta terra plantada Pejada De fruto que ainda esta pra nascer... Tanta fartura de fruta cheirosa que o preto plantou boa de comer. (MENEZES, 1966, p. 75).

Em outro excerto de São João do folclore e manjericos a dimensão dessa culinária

avança em tom regionalizado. Tuas bebidas meio-índio africanas: - o aluá a tiborna a gengibirra, A “caninha imaculada” com o rosário do engenho espumando... Os mungunzás, as canjicas bolindo, Os mingaus bem do norte, Com leite de coco, castanha e fubá (MENEZES, 1966, p. 35).

Page 118: Entre poéticas e batuques

127

Bruno de Menezes assume essa hibridação na culinária Amazônica e definiu como

elemento compósito76, o índio, o negro e o português. O aborígene possuía uma característica

própria de lidar com a alimentação. Antes da colonização viviam dos bens naturais, da

floresta, dos animais e das águas. A revista eletrônica Alimentação e Cultura (2005) evidencia

as atividades exercidas pelo índio na busca pela alimentação.

A caça e a pesca eram importantes atividades de subsistência. Os antigos tupis eram considerados exímios caçadores e pescadores e possuíam significativo equipamento para tais atividades, principalmente o arco e flecha (ALIMENTAÇÃO E CULTURA, 2005).

O índio influenciou sobremaneira a composição da culinária brasileira, neste sentido

é importante conhecer algumas de suas principais receitas e as formas de utilização. O uso da polpa do buriti no preparo de refrescos e outros alimentos. O uso da mandioca na produção dos mais variados alimentos: tapioca, farinhas, cauim (vinho indígena). Refresco de guaraná. Os aborígenes costumavam tomar essa bebida para ter disposição para caçar. Acreditavam também que o guaraná curava febres, dores de cabeça e cãibras. O seu efeito diurético já era conhecido. A paçoca, alimento preparado com carne assada e farinha de mandioca esmagados numa espécie de pilão. Tornou-se o farnel dos bandeirantes por ser próprio para as viagens pelo sertão. O hábito de comer camarão, lagosta e caranguejo com molho seco de pimenta. Tal costume foi herdado tanto dos índios quanto dos africanos.A moqueca. Para os índios referia-se unicamente ao modo de preparo dos peixes, feitos então no moquém (utensílio para cozinhar peixe). Hoje em dia, tem grande variedade de ingredientes, seja no tipo de molho, tempero ou carne utilizada. O caruru, um prato à base de vegetais como o quiabo, mostarda ou taioba, que acompanha os mais diferentes tipos de carne, como peixe, cozidos, charque, galinha, siri etc. Mingau, pirão, beiju, pimenta (amarela e vermelha), chimarrão. (ALIMENTAÇÃO E CULTURA, 2005).

A herança africana na culinária foi vital para a composição da cozinha brasileira. Os

modos de preparos e a condimentação dos alimentos elaboraram outras formas de degustar a

cozinha colonial e indígena aqui existente.

Os negros faziam farinha, já conhecida pelos tupis brasileiros. Comiam o milho sempre cozido, em forma de papa, angu ou fervido com leite de vaca, em preparo semelhante ao atual mungunzá. A banana foi herança africana no século XVI e tornou-se inseparável das plantações brasileiras, cercando as casas dos povoados e as ocas das malocas indígenas, e decorando a paisagem

76Interpretação utilizada por PACHECO (2009): O termo compósito, expressa fluências e entrelaçamentos no encontro de culturas, mesmo em posições diferentes e, às vezes, desiguais, o diálogo ocorre em campos horizontais em contínuas táticas de ganhos, capitulações e perdas. Nessa esteira, ver: BERND, Zilá e LOPES, Cícero Galeno (org.). Identidade e estéticas compósitas. Canoas: Universitário La Salle/ Porto Alegre: PPP – Letras UFRGS, 1999 e HALL, Stuart. Op. Cit.

Page 119: Entre poéticas e batuques

128

com o lento agitar de suas folhas. Nenhuma fruta teve popularidade tão fulminante e decisiva, juntamente com o amendoim. A banana foi a maior contribuição africana para a alimentação do Brasil, em quantidade, distribuição e consumo. Da África vieram ainda a manga, a jaca, o arroz, a cana de açúcar. Em troca, os africanos levaram mandioca, caju, abacaxis, mamão, abacate, batatas, cajá, goiaba e araçá. O coqueiro e o leite de coco, aparentemente tão brasileiros, também vieram do continente africano, bem como o azeite de dendê (ALIMENTAÇÃO E CULTURA, 2005).

No embricamento entre o índio e o negro na alimentação resultou em alguns pratos

brasileiros. Abará ou abalá: bolo de feijão fradinho cozido com sal, pimenta, azeite de dendê e camarão seco. É enrolado em folhas de bananeira e cozido no vapor. Aberém: massa de milho cozida em banho-maria, sem levar tempero. Acompanha vatapá, caruru. Acarajé: massa de feijão fradinho, com condimentos. Forma uma espécie de bolinho e é frito no azeite de dendê. Serve-se com camarão, pimenta etc. Bobó: massa que pode ser de feijão mulatinho, inhame, aipim etc. É cozida e temperada com azeite de dendê, camarão e condimentos. Come-se puro ou com carne ou pescado. Cuscuz: massa de milho pilada, cozida e umedecida com leite de coco (o original africano era feito com arroz e com outros condimentos ao invés do leite de coco). Cuxá: diz-se no Maranhão do arroz cozido, temperado com folhas de vinagreira, quiabo, gergelim torrado e farinha de mandioca. Mungunzá: milho cozido com leite de vaca ou de coco. Quibebe: sopa de abóbora com leite de vaca ou coco. Há variações com carne seca, toucinho, quiabo, maxixe etc. Vatapá: um tipo de caldo grosso feito de pão dormido, farinha de trigo e camarões, servido com peixe, bacalhau ou galinha, acrescido de pimenta, azeite de dendê, leite de coco e condimentos (ALIMENTAÇÃO E CULTURA, 2005).

A culinária brasileira expressa na poesia de Bruno de Menezes é intencional. A

opção por mostrar a comida e a bebida africana revela a contribuição negra na constituição da

cozinha Amazônica.

3.8 O Transe

Arrancado de sua terra posto em um ambiente desconhecido o negro escravo,

hostilizado pelo colonizador, busca refugiar-se em rituais religiosos e festas para amenizar a

saudade da mãe áfrica, terra que lhe deu vida, amigos, comunidade e toda uma herança

cultural. O autor de Batuque consegue ilustrar os sentimentos escondidos por trás das danças e

dos rituais, onde metaforicamente são expostos nas poesias de Batuque.

Esses sentimentos ora de saudade, ora de cansaço pela carga de trabalho, ora de

tristeza pela violência do chicote e do tronco, são transformados em alegrias pelo rufar dos

Page 120: Entre poéticas e batuques

129

tambores, pelas danças que junto com a cachaça e a liamba deixavam o escravizado em um

estado de transe uma espécie de evasão de sua alma. Liamba! teu fumo foi fuga do cativeiro, trazendo atabaques rufando pras danças, na magia guerreira do reino de Exu (MENEZES, 1966, p. 57).

O poeta reservou uma poesia que falasse justamente desse momento de evasão, onde

o negro compartilha da euforia causada pelo cigarro e a sonolência que refaz seu corpo da

labuta diária. Nos versos de Liamba, ressalta toda a mística resultante do fumo. Lamba! Na tontura gostosa na quebreira vadia Que sentem os teus “defumados” Estariam toda a “força” dos Santos Pretores Que vieram da outra banda do mar? Liamba! Liamba Dá sempre o teu sonho bom, Embriaga o teu homem pobre, Porque quando ele te fuma É com vontade de sonhar (MENEZES, 1966, p. 57).

O saber de Menezes sobre os efeitos proporcionados pelo fumo é destacado no

excerto que descreve o estado físico do negro ao utilizar a Liamba.

Amoleces o corpo cansado Do negro que deitou moído E te fuma e sonha longe Beiço mole babando... (MENEZES, 1966, p. 55).

Em outra poesia mostra os efeitos, agora da cachaça, tão conhecida em nossa região,

nos rituais e festas africanas. A aguardente de mel, que o africano também cultivava nos

canaviais. O efeito dessa bebida revigora a alma e dá ânimo ao trabalho. Cachaça é tua vida tua festa teu mundo saúde remédio até valentia.” (...)(MENEZES, 1966, p. 43). (...) Cachaça nascida do olho da cana, Que faz com que o negro nem pense em morrer, Que põe nas mãos dele cuícas e surdos Na hora dos ranchos dos sambas e choros (...). (MENEZES, 1966, p. 45) (...) Que fazes os braços ficarem mais ágeis Na estiva rôdo empurrando carrinho, Dando pão de fogo pra boca das fornalhas. (...) (MENEZES, 1966, p. 46).

Page 121: Entre poéticas e batuques

130

O poeta conhecia intimamente os efeitos desses produtos no corpo e na mente do

negro, escrevia seus versos descortinando os diferentes estágios de transe e os sentimentos

liberados durante sua utilização. Era como uma espécie de bálsamo para amenizar as marcas

da escravidão e o literato entendia e aprovava seu uso.

3.9 A Dança e a Musicalidade Os versos de Batuque são marcados pela cadência rítmica, ora lenta pela tristeza do

tronco e da saudade ora pela alegria dos amores. A intenção é mostrar a musicalidade e a

sonoridade próprias da obra em questão, fato inerente ao negro africano acostumado com a

cadência dos tambores e atabaques. Batuque possui uma cadência rítmica desde a abertura do

conjunto das poesias apresentadas. Bruno de Menezes narra o rufar cadenciado do samba.

“Rufa o batuque na cadência alucinante / Do jongo do samba na onda que banza”.

(MENEZES, 1966, p. 9).

A musicalidade está presente na vida do negro, quer pelos rituais e festas regados a

sons e danças ou pela própria história cujos nativos e os europeus acordavam cantando, nos

louvores a cristo e a nossa senhora (FREYRE, 1980, p. 151). Essa contribuição cultural dos

negros foi imprescindível em diversos segmentos e especialmente na música.

A musicalidade especialmente entre os povos sudaneses da Costa dos escravos, e os

Bantus, especialmente os Angola-congueses, tem um caráter de complemento obrigatório em

todos os atos da vida do grupo. Ramos (1954) enumera as atividades cotidianas e a influência

da música no fazer das atividades como o exercício da “Religião, ritos mágicos, cerimônias de

guerra, caça, pesca, atos da vida diária, na dor e na alegria, no trabalho e nas diversos públicas

e privadas” (RAMOS, 1954, p. 138).

A música tem um valor de vivência e garante a harmonia social, espiritual e lhe

permite a cosmovisão de sua própria condição. Neste sentido Antonacci (2009, p 23)

relaciona a música como elemento de autoconhecimento do negro. A música, entre culturas africanas, também está “integralmente relacionada com a visão de mundo de sociedades africanas”, constituindo-se como “um símbolo de sobrevivência, permeando todos os aspectos da vida.” Sondando a existência dos éwé, de Gana, Amoaku sustenta “que o mundo invisível do espírito, o mundo do homem, e o mundo visível, o mundo da natureza, formam uma unidade”, audível pela música tradicional em seus traços psicológicos e simbólicos. “Simbólica por ser potente fonte vital do mundo natural e psicológica, por estar intrinsecamente ligada à psique, com padrões relacionados, no mais íntimo, com uma forma de ver o mundo e as experiências de vida que a sociedade considera como um todo homogêneo.

Page 122: Entre poéticas e batuques

131

Bruno de Menezes registra o valor mágico religioso da música em versos. Mostra a

dança, a música e o ritmo, elementos característicos da africanidade. E o banjo endoidece tinindo nas cordas Tantans retezados. O corpo viscoso se estorce nas pontas Dos pés maxixeiros (MENEZES, 1966, p. 16).

Nos diversos cerimoniais a dança e a música norteavam as atividades cotidianas e as

celebrações. Vale destacar a influência dos povos bantos, sudaneses e iorubas durante todos

esses anos de permanências na cultura brasileira. Para exemplificar a intimidade do negro

com o ritmo, a música e a dança. Ramos (1954, p. 124), descreve o batuque, manifestação que

pode ter originado o samba. O batuque consiste também num círculo formado pelos dançadores, indo para o meio um preto ou preta, que, depois de executar vários passos, vai dar uma embigada, a que chamam de semba, na pessoa que escolhe, a qual vai para o meio do círculo substituindo-a.

A utilização da dança e da música para o negro possui enormes combinações, quer

nos festejos e rituais, nas celebrações religiosas e no labor diário, tinha também o efeito

relaxante. Menezes capta toda a alegria vinda deste momento. “Que faz com que o nego nem

pense em morrer,/ Que põe nas mãos dele cuícas e surdos / Na hora dos ranchos dos sambas e

choros” (MENEZES, 1966, p. 45).

A cuíca e o surdo são instrumentos musicais geralmente envolvidos na composição

musical do samba. Bruno de Menezes valoriza a sonoridade rítmica produzida pelos

instrumentos musicais. “E o banjo endoidece tinindo nas cordas/ Tantans retezados”

(MENEZES, 1966, p. 16).

Ao longo das poesias de Batuque Menezes destaca outros instrumentos musicais

como forma de legitimação da negritude. As noites de luar e de festas são evidenciadas tendo

o negro como músico e tocador dos instrumentos

O silêncio parou para ouvir o chorinho Que os crioulos tocavam Amando as estrelas falando com a lua Ao som do violão da flauta e cavaquinho Horas inteiras aquele chorinho (MENEZES, 1966, p. 37).

Sales (2004, p. 137), informa a contribuição negra na confecção dos tambores. Esse

instrumental não se limitou a confecção de instrumentos percussivos como berimbau,

Page 123: Entre poéticas e batuques

132

urucungo ou marimba. A confecção desse instrumental desenvolveu-se também na arquitetura

de tambores dos mais variados tamanhos e modelos

O ritmo executado pelo instrumento permite ao africano a lembrança de seus

ancestrais. ... E o banjo nos lembra Dos filhos do engenho, da escrava, da Izaura Tão dungo e dengo Que é dom desta raça couba no samba (MENEZES, 1966, p. 16).

Bruno de Menezes registra em Batuque o momento de esquecimento dos horrores da

escravidão, do acalento pelo sofrimento causado pelo branco, e invoca a falar da vida através

da sonoridade e musicalidade de seus instrumentos. “e rola e ronda e ginga e tomba e funga e

samba” (MENEZES, 1966, p. 11). Bruno de Menezes tinha a dimensão da musicalidade no

cotidiano do negro. Em Batuque, marca a evolução de um ritual afro, pelo ritmo forte e

vibrante marcados pela cadência das palavras. “Desnalgamentos bamboleios sapateios,

cirandeios/ Cabindas cantando lundus das cubatas” (MENEZES, 1966, p. 9).

Bruno de Menezes alia música, ritmo e dança, mistura identitária na composição

imagética do negro. O poeta em excertos dos poemas mostra o gingado do africano. Em

Batuque o jogo das palavras parece compor o movimento da dança. “E rola e ronda e ginga/ E

tomba e funga o samba” (MENEZES, 1966, p. 11).

A dança no cotidiano dos negros possuía um caráter mítico, que alia o social e o

religioso. Ramos (1935) afirma que no Brasil os escravos resignificaram a dança que sofreu

restrições do branco colonizador. Neste sentido as cerimônias totêmicas, as danças guerreiras,

dança de caça, ritos sexuais podem ser encontradas disfarçadas nos autos dos reisados,

maracatus, blocos carnavalescos, ranchos e cucumbis, congos etc. Sudorancias bundus mesclam-se intoxicante No fartum dos suarentos corpos lisos lustrosos Ventres empinam-se no arrojo da umbigada As palmas batem o compasso da toada (MENEZES, 1966, p. 9).

Bruno de Menezes vai além e apresenta a coreografia do requebro da negra e

identifica a sensualidade da dança. As mãos vão palpando o balanço dos quartos, Subindo pra nuca com os dedos fremindo, Rolando o compasso no fim da cadência ...rolando ela faz o melêxo de tudo No tal peneirado das carnes macias (MENEZES, 1966, p. 14).

Page 124: Entre poéticas e batuques

133

Em Batuque, o poeta refere-se a uma dança sensual. O lundum, que, segundo Sales

(2004, p. 200),“é a mais antiga expressão da lúdica negra documentada na Amazônia”, está

presente. “Cabindas cantando lundus das cubatas” (MENEZES, 1966, p.9).

A sensualidade dos movimentos do lundum é o que diferencia seus compassos vivos

e faceiros. Sales (2004, apud Ramos, 1935, p.21), afirma a origem da dança e seus aspectos

coreográficos. O lundu é o resultado da influência dos negros bantos (provavelmente Angolas, Congos, ou Cabindas, Benguelas ou Minas) irradiados do Maranhão para o litoral paraense. (...) é uma espécie de samba de roda, dança e canto comum em todo o Brasil desde o século XVIII.Pode-se afirmar que, entre as danças brasileiras de origem africana, é o lundu a de maior penetração no vale amazônico.

Outra dança muito evidenciada no Pará é referenciada por Bruno de Menezes. O

carimbó tem a memória do negro Juvená, no excerto de Pai João, ligada a um terreiro da

dança. “O ronco e o retumbo do zonzo/ Som molengo do carimbo” (MENEZES, 1966, p. 17).

Sales (2004, p. 86) identifica o inicio da dança do carimbó, atribuindo ao negro sua

disseminação. O carimbó no Pará e no Maranhão, por onde se espalhou principalmente na faixa litorânea, mostra ter origem comum: o batuque dos negros abrigados a tambor. Tambores que irmanaram o povo mina-nagô e o povo mina-jeje com o povo banto-sudanês. (...) esse mesmo batuque derramou-se nas danças rituais, quando foi possível restaurar as tradições religiosas africanas.

Bruno de Menezes conhecia a alma rítmica do povo amazônida, ilustrou em sua

poesia o rufar dos batuques nas diversas celebrações e festividades, ora profana, ora religiosa,

percebia que a musicalidade impregnada na alma do negro transcendia seu estado físico,

proporcionava segurança e bem-estar. Era também ponte mística entre santos e homens.

Por isso evidenciou a dança, a musicalidade, o transe, a sensualidade, a religiosidade como

instrumentos de ligação entre sua poesia e o ambiente cadenciado dos terreiros. Uma forma de

exaltação da negritude amazônica.

3.10 Glossário em Batuque

Com a transplantação da língua portuguesa para o Brasil, o africano exerceu também

grande influência, principalmente o quimbundo, do grupo banto, o mais expressivo e

Page 125: Entre poéticas e batuques

134

importante linguisticamente (MELO, 1975). Sua presença foi registrada em vários estados das

regiões Norte e Nordeste.

Neste sentido podemos assinalar outro grupo de grande espraiamento na constituição

do vocabulário regional, o nagô ou iorubá. Bruno de Menezes mostra a incorporação deste

vocabulário africano utilizado em Batuque para designar seitas e entidades religiosas,

territórios geográficos, bebidas, danças, comidas, iguarias, habitação, instrumentos musicais.

Assim, da influência africana na língua portuguesa é importante destacar as palavras

africanas utilizadas por Bruno de Menezes e sua significação.

As Iguarias e as bebidas

Muitas palavras africanas utilizadas por Bruno de Menezes para designar as comidas,

iguarias e bebidas, ainda fazem parte do cardápio do povo paraense: canjica: palavra de

origem do quimbundo “kangika”, papa de consistência cremosa, feita com milho verde ralado,

a que se acrescenta coco, açúcar e polvilho de canela (Mendonça 1973, p. 127). No excerto do

poema São do folclore e manjericos:

Os mungunzás, as canjicas bolindo, Os mingaus bem do norte, Com leite de côco castanha e fubá (MENEZES, 1966, p. 35)

Fubá: do quimbundo “fubá” farinha de milho ou de arroz (Mendonça 1973, p. 104).

Assis (2006, p. 41) relata que é um alimento típico da culinária afro-brasileira feita

de milho ou de arroz. No excerto do poema São do folclore e manjericos: Os mungunzás, as canjicas bolindo, Os mingaus bem do norte, Com leite de côco castanha e fubá (MENEZES, 1966, p. 35)

Maxixe: do quimbundo “ma’ mais o plural “xixe”, plural de rexixe, maxixe. Existe

também o derivado, maxixeiro. O termo conservou-se integralmente no português. Na região

norte, se faz “maxixada” ou doce de maxixe tenro em calda de açúcar queimado (Mendonça

1938, p. 115).

Assis (2006) refere-se ao maxixe como antiga dança brasileira, de par unido, e ao

maxixeiro, dançador do maxixe. Bruno de Menezes na poesia Alma e Ritmo da Raça faz

referência à dança e ao dançador. “O banjo faz solo no fim do banzeiro:/ Lundus choradinhos

batuques maxixes” (MENEZES, 1966, p.13).

Page 126: Entre poéticas e batuques

135

Mungunzá: Termo africano, do quimbundo “mu’kunza”, feito com milho branco

cozido em caldo açucarado misturado com leite de coco e canela. (NINA RODRIGUES,

1932, p. 181-182). No excerto do poema São João do folclore a Manjericos, Bruno de

Menezes destaca o pertencimento dessa iguaria. Os mungunzás, as canjicas bolindo, Os mingaus bem do norte, Com leite de côco castanha e fubá (MENEZES, 1966, p.35).

Quitute: do quimbundo “Kitútu” possui um apurado sabor e se repetido

imprudentemente produz indigestão (MENDONÇA, 1938, p. 132).

Assis (2006, p. 70) associa aos petiscos. Bruno de Menezes no poema Mãe Preta aos

quitutes preparados pela negra Maria Tereza. Agora, como ontem, és festeira do Divino A Maria Tereza dos quitutes com pimenta e com dendê. (MENEZES, 1966, p. 23)

Tacacá: Uma espécie de mingau feito de goma de tapioca fervida, tucupi, camarão

seco, jambú, pimenta e sal. É serviido quente e em cuia (Assis, 2006, p. 79). No poema

Mastro do Divino, Bruno de Menezes destaca as iguarias dos arraiais juninos. Mas alegra o arraial, que tem palmas verdes, Açaí mungunzá caruru tacacá. Tem sortes brinquedos comidas leilões (MENEZES, 1966, p. 30).

As danças, os ritmos e os instrumentos musicais

Segundo Assis (2006, p. 19), o termo batuque faz referência a certas danças

africanas e brasileiras, acompanhadas de cantigas e de instrumentos de percussão. Para

Mendonça (1938, p. 87) o termo tem origem africana do latim batchuque, tambor, baile. Neste

sentido, o termo é designado tanto para a dança como para o instrumento de percussão que

ritmiza a dança. Outra interpretação é dada por Ramos (1954, p. 124), o batuque consiste

também num círculo formado pelos dançadores, indo par o meio um preto ou preta, que,

depois de executar vários passos, vai dar uma embigada, a que chamam de semba, na pessoa

que escolhe, a qual vai para o meio do círculo substituindo-a.

Rufa o batuque na cadência alucinante Do jongo do samba na onda que banza. Desnalgamentos bamboleios sapateios, cirandeios, Cabindas cantando lundus das cubatas (MENEZES, 1966, p.9).

Page 127: Entre poéticas e batuques

136

Carimbó: Segundo Nina Ribeiro (1932, p. 45) a dança possivelmente tem sua origem

nos povos africanos. Outros autores atribuem a origem do carimbó aos índios Tupinambá.

Assis (2006, p. 26) identifica a dança como de roda, com movimentos, por vezes repetitivos e

sensuais. No excerto do poema Alma Ritmo da Raça, Bruno de Menezes diferencia o carimbó

de danças religiosas. Não é candomblé não é “Santa Bárbara”, Nem banzo banzado bom carimbó bolinoso; Bailado benguela de gente sem nome Que a gora machucas as “sinhoras” e os “sinhô” (MENEZES, 1966, p. 14).

Lundu: Para Sales (2004, p. 200), o lundu é o resultado da influência dos negros

bantos (provavelmente Angolas, Congos ou Cabindas, Benguelas ou Minas) irradiados do

Maranhão para o litoral paraense. Assis (2006) destaca a dança como do antigo gênero afro-

brasileiro. Em Batuque, Bruno de Menezes certifica a origem da dança: “Desnalgamentos

bamboleios sapateios, cirandeios, / Cabindas cantando lundus das cubatas” (MENEZES,

1966, p. 9).

Samba: segundo Mendonça (1938, p. 133), o termo samba pode ter sua origem

africana. Hoje é utilizado para designar também, o sentido da composição musical. A palavra

é de origem quimbundo “semba”.

E rola e ronda e ginga E tomba e funga o samba A onda que afunda na cadência sensual O batuque rebate rufando braseiros, As carnes retremem na dança sensual. (p.11)

Atabaques: Mendonça (1938, p. 83) informa que foi introduzido no Brasil pelos

escravos africanos, uma vez que era bastante utilizado por eles, sua etimologia “tablak” esta

ligada aos persas. Assis (2006, p. 15) afirma que é uma espécie de tambor africano, de

formato afunilado, com couro em um só lado, pode ser tocado com as mãos ou com baquetas.

No candomblé baiano há três espécies, cuja denominação especifica é em função de seu

tamanho: Lê – pequeno; Rumpi – médio; Rum – Grande.

Bruno de Menezes refere-se em excertos de dois poemas aos atabaques: Liamba e

Toiá Verequête.

Liamba! Teu fumo Foi fuga do cativeiro, Trazendo atabaques, rufando pras danças Na maga guerreira do reino de Eixu (MENEZES, 1966, p. 55).

Page 128: Entre poéticas e batuques

137

(...) E mãe Ambrosina Enquanto os forçudos mulatos suados Malhavam no “lê” no “rum” e no “rumpi” Foi se retirando num passo de imagem, Até que sumiu no fim do pegi. (MENEZES, 1966, p. 39).

Banjo: É um instrumento musical de corda, procedente da África. (ASSIS, 2006).

Jongo: é um termo de origem banto (MENDONÇA, 1938, p. 109). Assis (2006, p.

47) explica a coreografia do Jongo. “Uma dança de roda, tipo samba, na qual as pessoas se

movimentam em sentido anti-horário, acompanhada por tambores, por ditados comuns ao

ritmo desta dança como, por exemplo: o codongueiro”.

Tantans: “É um instrumento primitivo de origem africana feito com pele de animal

esticada em um tronco oco de madeira”, (MENDONÇA, 1973, p. 173). Na poesia Alma Ritmo

da Raça, Bruno de Menezes coloca em destaque a utilização do instrumento na dinâmica das

comemorações e festas. E o banjo endoidece tinindo nas cordas Tantans retezados. O corpo viscoso se estorce nas pontas Dos pés maxixeiros. (MENEZES, 1966, p. 16)

Urucungo: A palavra é de origem do quimbundo rikuga. É um instrumento composto

de um arco, internamente adapta-se uma cuia que funciona como ressoador (MENDONÇA,

1973, p. 173). Assis (2006) relaciona com o conhecido berimbau. Tocaste urucungo nos brigues corsários, Dançaste de tanga batuques e jongos A forca da pêia Fingindo alegria (MENEZES, 1966, p. 43).

As construções, as moradias e os aldeamentos

Banzo: Mendonça (1938) indica que a etimologia da palavra vem do quimbundo

“mbanza” que possui um significado semântico de “aldeia”. Interpretação que levou

Mendonça a fazer uma relação com a saudade do negro de sua aldeia. Assis (2006) confirma

este estado de melancolia que envolvia a alma dos negros africanos. Na poesia Alma Ritmo da

Raça, Menezes aponta para este estado da alma. “Não é candomblé não é “Santa Barbara”/

Nem banzo banzado carimbó bolinoso” (MENEZES, 1966, p. 14).

Cubata: “Do quimbundo kubata com significação de casa, choupana”

(MENDONÇA, 1938, p. 99). “É a moradia ou habitação humilde de certos povos africanos,

Page 129: Entre poéticas e batuques

138

formadas por folhas” (Assis, 2006, p. 31). “És mãe preta uma velha reminiscência/ Das

cubatas, das senzalas,/ Com ventres fecundos padreando escravos” (MENEZES, 1966, p. 21).

Mocambo: Mendonça (1938) indica que o mocambo era o esconderijo, o refugio dos

escravos fugidos. Do quimbundo mukambu esconderijo. Assis (2006, p. 55) denomina como

um conjunto de moradias populares. “É o coco brabo no terreiro poeirento/ Malhado bolindo

mexendo mocambo” (MENEZES, 1966, p. 30).

Quilombo: “É uma povoação fortificada dos negros fugidos dos cativeiros”

(MENDONÇA, 1938, p. 130). Confirmada por Assis (2006, p. 69) é uma aldeia de escravos

fugidos. “Correndo o frasco na macumba,/ Quando chega Ogum no seu cavalo de vento/

Varando pelos quilombos” (MENEZES, 1966, p. 23).

Senzala: Do quimbundo sanzala, alojamento dos negros nas fazendas

(MENDONÇA, 1938, p. 134). No excerto da poesia Liamba, Bruno de Menezes destaca o

alojamento para o descanso do escravo. “Na maloca na senzala/ Na trabalheira do eito/ Como

agora nos guindastes nos porões nas usinas” (MENEZES, 1966, p.55).

A religião e as entidades africanas

As religiões e os cultos africanos surgem em várias cidades brasileiras na segunda

metade do século XIX, eles reconstruíram não somente a religião, mas outros aspectos de sua

cultura na África. Assim nasce à religião afro-brasileira. Duas nações de negros foram seus

iniciadores: iorubas e nagôs. Bruno de Menezes evidencia em Batuque, as religiões, as

entidades e divindades mágico-religiosas que estão incorporadas as tradições do folclore

brasileiro. Neste sentido coloco em relevo um levantamento das praticas religiosas e entidades

contidas em Batuque.

Candomblé: Religião introduzida no Brasil com os escravos, por extensão, nome

genérico dado aos mais diversos cultos e religiões derivados do candomblé. (Assis, 2006, p.

24). Em excerto do poema Alma Ritmo da Raça. Bruno de Menezes reverencia esta prática

religiosa.

Não é candomblé não é “Santa Bárbara”, Nem banzo banzado bom carimbó bolinoso; Bailado benguela de gente sem nome Que a gora machucas as“sinhoras”e os “sinhô” (MENEZES, 1966, p. 14).

Macumba: Mendonça (1938, p. 111) afirma que é um termo africano, do quimbundo

makumba, relacionado com a feitiçaria. Indica também a macumba como instrumento musical

Page 130: Entre poéticas e batuques

139

dos negros, derivado do candomblé, com elementos de diversas religiões africanas e indígenas

brasileiras e do cristianismo. Assis (2006, p. 51) descreve-a como “designação dada aos

cultos sincréticos afro-brasileiros, derivados de práticas e divindades de povos bantos, são

influenciados pelo candomblé e misturam elementos ameríndios, do catolicismo, do

espiritismo e do ocultismo”. Na poesia de Batuque, Mãe Preta, Menezes destaca esta prática

religiosa afro-brasileira. “Cantando e sapateando no batuque,/ Correndo o frasco na

Macumba,/ Quando chega Ogum, no seu cavalo de vento. (MENEZES, 1966, p. 23).

Exú: Termo africano designa o diabo, o espírito maligno na macumba

(MENDONÇA, 1938, p. 104). Assis (2006, p. 37), relata que é um orixá iorubano conhecido

como “mensageiro” por ter poder de trafegar tanto pelo mundo material (ayê), onde habitam

os seres humanos e todas as figuras vivas que conhecemos, como pela religião do sobrenatural

(orum), onde trafegam orixás, entidades afins e as almas dos mortos (eguns). Tem poder para

punir ou de proteger aqueles que ofendem os orixás. Em Liamba Bruno de Menezes indica a

magia do orixá. “Trazendo atabaques rufando pras danças/ Na magia guerreira do reino de

Exù (MENEZES, 1966, p.55).

Oxóssi: É um termo iorubano, corresponde como santo de caça entre os negros. É

representado na macumba por um arco atravessado de flexa (MENDONÇA, 1938, p. 127).

“Ogum Omulú ochossi Oxum/ Toda tua crença de alma sofrida” (MENEZES, 1966, p. 45).

Orixá: Assis (2006, p. 62) afirma que é uma entidade sobrenatural do candomblé e,

por extensão, de várias tradições afro-brasileiras. Mendonça (1938, p. 125), informa

divindade da feitiçaria. “Surrado e vendido/ Mas tendo na alma/ Seu santo orixá”

(MENEZES, 1966, p. 43).

Ogum: É um orixá iorubano que preside as lutas e as guerras, deus nagô da guerra.

(MENDONÇA, 1938, p. 124). No Brasil, é resignificado com Santo Antônio e São Jorge. Em

Mãe preta orixá é colocado em destaque. “Quando chega Ogum, no seu cavalo de vento/

Varando pelos quilombos (MENEZES, 1966, p. 23).

Oxum: Divindade feminina do culto gêge-iorubano (MENDONÇA, 1938, p. 126).

Segundo levantamento feito por Assis (2006, p. 62) é o nome de um rio em oxogbo, uma

região na Nigéria, também considerado mora mística do orixá feminino homônimo. Seu poder

está ligado às águas doces, à beleza, ao amor e a fortuna. No Brasil é resignificado com várias

inovações de Nossa Senhora e, na Amazônia, com Nossa Senhora de Nazaré. “Ogum Omulú

ochossi Oxum/ Toda tua crença de alma sofrida” (MENEZES, 1966, p. 45).

Omolu: Pertence aos orixás gêge-iorubanos, o mesmo que abalauê é o “Filho do

Senhor”, “Rei dono da Terra”. É ligado simbolicamente ao mundo dos mortos. É a

Page 131: Entre poéticas e batuques

140

representação do Orixá mais velho. No Brasil corresponde a São Benedito, São Sebastião e

São Lázaro (ASSIS, 2006, p. 61). “Ogum Omulú ochossi Oxum/ Toda tua crença de alma

sofrida”. (MENEZES, 1966, p. 45).

Peji: É um termo africano que refere-se ao santuário do Candomblé instalado dentro

da Casa. (MENDONÇA, 1938, p. 128). “Foi se retirando num passo de imagem/ Até que

sumiu no fim do ‘peji’” (MENEZES, 1966, p. 41).

Zumbi: Assis (2006, p. 87) chefe dos quilombos dos Palmares. Segundo a crença

popular, é um fantasma afro-brasileiro, que vaga pelas noites desertas.

E o Congo Loanda Angola Moçambique É o sangue Zumbi Tentação do português (MENEZES, 1966, p. 14)

Espaços Geográficos Na escrita de batuque Bruno de Menezes identifica determinadas regiões

africanas.Esses territórios geográficos podem identificar a inclinação do poeta e o

conhecimento das tradições religiosas e culturais de seus ancestrais.

Angola: É um país da costa ocidental da África, seu território principal é limitado ao

norte e nordeste pelo Congo. No poema Alma Ritmo da Raça, Bruno de Menezes destaca

estes espaços geográficos. “E o Congo Loanda/ Angola Moçambique/ É o sangue Zumbi”.

(MENEZES, 1966, p. 14).

Cabinda: Povo negro banto da região da Cabinda, Angola. No excerto de Batuque

Bruno de Menezes refere-se a este povo.

Rufa o batuque na cadência alucinante Do jongo do samba na onda que banza. Desnalgamentos bamboleios sapateios, cirandeios, Cabindas cantando lundus das cubatas. (MENEZES, 1966, p. 9)

Congo: Região africana de onde vieram escravos para o Brasil (ASSIS, 2006, p.30).

Sem nunca esqueceres a selva do Congo Os verdes coqueiros e seus bananais. (p, 43)

Loanda: Variante de Luanda, capital da República popular do Congo (Assis, 2006, p.

50). Em Mãe Preta, a capital angolana é assinalada na pureza da virgem de Loanda.

Page 132: Entre poéticas e batuques

141

“Continuas a ser a mesma virem de Loanda/ Cantando e sapateando no batuque/ Correndo o

frasco na macumba”. (MENEZES, 1966, p. 23).

Mina: Segundo Mendonça (1973, p. 150), é uma casta de negros pertencente ao

grupo sudanês ou a língua que esse povo fala. “Era obrigação de Mãe Ambrosina/ Falando

quimbundo na língua de Mina” (MENEZES, 1966, p. 39).

Outras Palavras de Origens Africanas Dendê: Para Mendonça (1938, p. 100), é o nome africano de uma palmeira do Congo

e da Guiné, introduzida no Brasil desde o século XVI, abundante na Bahia e região do São

Francisco. Do quimbundo mdendê, dela se extrai o azeite para temperar comidas, muito

comum na culinária brasileira. No excerto de Mãe Preta Bruno de Menezes indica a

preparação dos quitutes com o azeite da palma. “Agora, como ontem, és a festeira do Divino/

A Maria Tereza dos quitutes com pimenta e com dendê./ És finalmente a procriadora cor da

noite” (MENEZES, 1966, p. 23).

Maribondo: Do quimbundo ma rimbondo, significa inseto vespa (MENDONÇA,

1938, p. 114), variante de marimbondo, caba que aferroa (ASSIS, 2006, p. 53).

Nega qui tu tem? Maribondo sinhá! Nega qui tu tem? Maribondo sinhá! Eu tava na minha roça Maribondo me mordeu (MENEZES, 1966, p.9)

Mucama: Escrava doméstica, criada (ASSIS, 2006, p. 55). Escrava predileta que

servia à senhora. A etimologia da palavra, segundo Mendonça (1938), é muito confusa, haja

visto as diversas probabilidades, inclusive do tupi mocambuara.

Mandingueira: Quem te mandinga, feitiço (ASSIS, 2006, p. 52). Para Mendonça

(1938), é o feitiço, talismã para fechar o corpo. Provém do nome geográfico mandinga, na

guiné, lugar onde havia insignes feiticeiros. Com a extensão do sentido o termo passou de

“terra do feitiço” (MENDONÇA, 1938, p. 113) ao próprio feiticeiro.

Mutamba: Árvore portadora de óleo de odor forte, muito usado pelo povo interiorano

como cosmético para tornar os cabelos macios (ASSIS, 2006, p. 57). Do quimbundo um

tamba, o nome foi dado pelos negros em razão a analogia com a de seu país. “Então

Verequête lhe pôs a mão santa / Sobre a carapinha cheirando a mutamba” (MENEZES, 1966,

p.41).

Page 133: Entre poéticas e batuques

142

Obi: Pequeno fruto originário da África e presente em todas as cerimônias feiticistas

(MENDONÇA, 1938, p. 123). No excerto de Oração da cabra preta, Bruno de Menezes

evidencia a mastigação do fruto como parte de um cerimonial.

No silêncio fatigado da rua de arrebalde, Três sextas feiras seguidas do mês, a sombra mastigando obi à hora da meia noite continua a cruzar o rastro da mulher no meio do caminho por onde ela passa (MENEZES, 1966, p. 54).

Tanga: Do quimbundo ntanga, quer dizer uma espécie capa. Pano que encobre as

partes genitais (MENDONÇA, 1938). “Dançaste de tanga batuques e jongos/ À força da peia/

Fingindo alegria” (MENEZES, 1966, p. 43).

Considerações Finais Finalizo esta dissertação com o sentimento de que ainda falta aprofundamento em

seu estudo, pois a obra de Bruno de Menezes é de uma riqueza temática e eixos que podem

ser explorados com intensidade de detalhes, deixando em aberto possibilidades de uma futura

pesquisa com mais particularidades e riqueza de conteúdo sobre Batuque.

Trazer ao debate temas tão caros à sociedade mundial e local e discutir as questões

de identidades com ferramentas modernas capazes de provocar uma leitura interdisciplinar,

para dar conta dos novos pensamentos sobre cultura popular e a partir dessa reflexão pensar

em pluralidade em constantes movimentos de hibridação e resistências como os percebidos

nos poemas apresentados em Batuque, foi sem duvida o que me moveu a construção dessa

narrativa.

Esse imbricamento de elementos afro-luso-indígena levou-me a perceber a dinâmica

das identidades colocadas em trânsitos e diálogos na formação de outras identidades. Operar

com os Estudos Culturais para entender as práticas sociais do poeta mostrou-me que a obra

literária ultrapassa o próprio Estudo Literário, esse fato permitiu-me ver o quanto Bruno de

Menezes viveu seu presente, percebendo as vozes de seus pares e com o olhar atento ao

futuro.

Ficou evidente que esta escrita está eivada pela admiração nutrida ao literato, porém

aproximação de fatos, documentos e as análises das entrevistas permitiu-me a reconstrução de

sua história de vida amenizando a influência deste sentimento.

Page 134: Entre poéticas e batuques

143

Uma das grandes preocupações na constituição deste trabalho foi produzir uma

narrativa capitaneada pelos Estudos Culturais adotando o respeito e o zelo pelas fontes

documentais e orais, para que dentro de minha perspectiva e de meu orientador, o rigor

metodológico fosse embasado de verossimilhança.

As entrevistas realizadas foram carregadas de sentimentos, lembranças e percepções

familiares que, no seu desenvolvimento, trouxeram à tona marcas de um momento histórico

vivido não só pela família, porém por um circuito de movimentos e trânsitos que constituíram

a história literária, social e cultural de Belém. Por isso a utilização da História Oral foi

importante para perceber meandros da vida de Bruno de Menezes que a obra Batuque não

dava conta.

Na busca das identidades, Bruno de Menezes estrategicamente negociou, mediou e

utilizou todo o seu arcabouço constituído ao longo de suas práticas sociais na intenção de

revertê-la como forma de conceder o direito de escutar as vozes dos desfavorecidos e

subjulgados pelo poder econômico e/ou social.

Em sua inquietude tornou-se fonte inesgotável fonte de conhecimento, saberes locais

e um profundo entendimento da sua ancestralidade e a partir desse aspecto produziu uma arte

voltada para a sua gente. Em Batuque Bruno de Menezes não só falou de sua gente, falou de

seu pertencimento, de sua gênesis, de sua história e com isso pode transbordar de legitimidade

e autoridade.

Na tecitura da obra estudada o poeta escreveu a historiografia da alma negra, quer

quando fala do tráfico, da saudade, do transe, da musicalidade, da sensualidade, da relação de

poder e das festas. Bruno de Menezes assumiu um posicionamento moderno de ouvir a

perspectiva dos marginalizados e silenciados, haja vista que em fragmentos de sua literatura é

constante a resistência aos preconceitos sociais e por esse posicionamento assumido a sua

obra torna-se fonte de sua legitimação.

Neste Sentido, o entendimento de Bourdieu (2004) na compreensão de produção

cultural e aqui se refere à literatura, ciência etc., está no fato de que não basta referir-se ao

conteúdo textual da produção, nem somente ao contexto social ou apenas fazer uma relação

entre texto e contexto. Dentre esses espaços existem um universo intermediário a que este

autor define como campo literário, artístico, jurídico, ou cientifico, ou seja, o espaço onde

estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem e difundem a arte, a

literatura ou a ciência.

Nesta perspectiva os estudos e reflexões propostos, pretendem de alguma forma

contribuir para um entendimento mais próximo do olhar do intelectual e literato Bruno de

Page 135: Entre poéticas e batuques

144

Menezes sobre as identidades, as religiosidades, os cheiros, os ritmos e danças, as saudades,

as tristezas do negro e a sensualidade da mulata que com seu rebolado encantou o

colonizador. Evidenciei alma do autor de Batuque, e o que a percepção pode filtrar do seu

espírito solidário, de sua ânsia em prol dos injustiçados, sua vivência com o proletariado

paraense e seu senso de justiça. Traços de sua personalidade que canalizam e convergem para

sua obra. Um idealista que na inquietude de sua alma mostrou sem preconceito a herança

cultural de seus pares e o legado de conhecimentos nas diversas áreas. Um visionário que nas

entrelinhas percebia o significado de ser negro. E por sua percepção, sentimentos como o

amor, a liberdade e o respeito à dignidade humana, serviram de condutores em sua obra e em

uma tecitura poética que só a sensibilidade do artista pode captar.

A obra estudada possui conhecimentos de fatos históricos e está impregnada de

sentimentos e saberes locais passados de geração em geração, assimilados e compartilhados

pelo poeta e inseridos na cartografia amazônica.

Ao analisar a trajetória do poeta, percebi a latente disposição em construir uma

literatura que ultrapassasse os limites da região sem perder suas características. Dalcídio

Jurandir refere-se à obra como “uma saborosa força nativa e o poeta nos transmite a vida

brasileira que ele viu, gozou e viveu nesta Belém tão sua”. Batuque tem uma importância

histórica e literária na poesia brasileira, sobretudo na poesia Amazônica. O poema atravessa a

cidade como um igarapé de maré cheia. Assim, Jurandir outorga a Bruno de Menezes a

legitimação de uma obra que é sedimentada pela trajetória construída ao longo dos seus 70

anos de vida.

Outra descoberta foi a figura de sua esposa Francisca Menezes como mentora

intelectual de suas escritas. Uma mulher na vanguarda de seu tempo, que como filha de

nordestino, mulher e pobre, identidades que possuíam fortes preconceitos sociais, soube

acompanhar e influenciar a vida do esposo como intelectual professor e literato. Fatos ainda

não registrados em outros trabalhos.

O resultado indica que a análise da escrita literária de Bruno de Menezes, com

atenção especial ao conjunto de poemas contidos no livro Batuque, quando contextualizada

em sua historicidade e na relação criador e criação, torna-se importante instrumento de estudo

sobre memória, identidades, religiosidades e saberes africanos na Amazônia.

Para finalizar reintero que pelo seu caráter inovador na região Amazônica a obra

exige maior atenção pelos que estudam a negritude na literatura.

Descrição das Fontes

Page 136: Entre poéticas e batuques

145

Depoimentos Orais: BRITO, Lenora. Lenora Brito. Entrevista [fev. 2011]. Entrevistador: Marcos Valério Lima Reis. Belém, 2011. Fita DV-CAM (50 minutos). Entrevista concedida para elaboração de dissertação de mestrado do entrevistador. MENEZES, Geraldo. Geraldo Menezes: entrevista [fev. 2011]. Entrevistador: Marcos Valério Lima Reis. Belém, 2011. Fita DV-CAM (28 minutos). Entrevista concedida para elaboração de dissertação de mestrado do entrevistador. MENEZES, Ir. Marília. Ir. Marília Menezes: entrevista [fev. 2011]. Entrevistador: Marcos Valério Lima Reis. Belém, 2011. Fita DV-CAM (120 minutos). Entrevista concedida para elaboração de dissertação de mestrado do entrevistador.

MENEZES, José Haroldo. José Haroldo Menezes: entrevista [fev. 2011]. Entrevistador: Marcos Valério Lima Reis. Belém, 2011. Fita DV-CAM (70 minutos). Entrevista concedida para elaboração de dissertação de mestrado do entrevistador. MENEZES, Maria de Belém. Maria de Belém Menezes: entrevista [fev. 2011]. Entrevistador: Marcos Valério Lima Reis. Belém, 2011. Fita DV-CAM (20 minutos). Entrevista concedida para elaboração de dissertação de mestrado do entrevistador.

MENEZES, Maria de Lourdes. Maria de Lourdes Menezes: entrevista [fev. 2011]. Entrevistador: Marcos Valério Lima Reis. Belém, 2011. Fita DV-CAM (20 minutos). Entrevista concedida para elaboração de dissertação de mestrado do entrevistador. Documentos Escritos

MENEZES, Bruno. O operário. O Martelo. Belém, 1 de maio de 1913. BARBOSA, Joaquim. Epistola. Belém Nova. n. 44. Belém. 1924 BASTOS, Abguar. À geração que surge. Belém Nova. n. 5. 10 de novembro de 1923. BASTOS, Abguar. A poesia na terra das Amazonas. Belém Nova. n. 2. Belém, 30 de setembro de 1923. BELÉM, João de. A feira da elegância e do chiquismo. Belém Nova. n. 24. Belém, 25 de outubro de 1924. BELÉM, João de. A hora em que João Alfredo é a kermese da graça. Belém Nova. n. 55. Belém, 27 de março de 1926. BELÉM, João de. Ao tunir de uma taça no compasso dos foxs. Belém Nova. n. 32. Belém, 28 de março de 1925. BELÉM, João de. Da arpa de Salomão. Belém Nova. n. 40. Belém, 18 de julho de 1925.

Page 137: Entre poéticas e batuques

146

BELÉM, João de. Dança dos bibelots de alma de pluma. Belém Nova. n.33. Belém, 11 de abril de 1925. BELÉM, João de. Depois de um filme sob o luar e anti a beleza. Belém Nova. n. 31. Belém, 14 de março de 1925. BELÉM, João de. Quadra nazarena. Belém Nova. n. 46. Belém, 24 de outubro de 1925. BELÉM, João de. Quando o sport é o jardim de inverno Beleza. Belém Nova. n. 45. Belém 10 outubro 1925. COSTA, Austro. Minha gioconda trist. Belém Nova. n.27. Belém, 3 de janeiro de 1925. COSTA, Austro. Muito longe. Belém Nova. n. 35. Belém, 9 de maio de 1925. GALVÃO, Francisco. Manifesto da belleza. Belém Nova. n. 2. Belém, 30 de setembro de 1923. GALVÃO, Francisco. “Massivas intelectuais”. Belém Nova. n. 21. Belém, 23 de agosto de 1924. GOMES, Luiz. Bailado lunar. Belém Nova. n. 13. Belém, 3 de maio de 1925. MARQUES, Birilo. A vida belo sorriso delas. Belém Nova. n. 60. Belém, 4 de setembro de 1926. MATOS, Abelardo de. Aniversario de Belém Nova. Belém Nova. n. 22. Belém, 20 de setembro de 1924. MENEZES, Bruno. A noite dos reis. Belém Nova. n. 8. Belém, 1 de janeiro de 1924. MENEZES, Bruno. Carnaval! Baccho! dyonisos na pantomima de pierrot e colombina. Belém Nova. n. 29. Belém, 14 de fevereiro de 1925. MENEZES, Bruno. Contribuição dos estudos folclóricos. Belém Nova. n. 23. Belém, 4 de outubro de 1924. MENEZES, Bruno. Da vida de nossos dias. Belém Nova. n. 1. Belém, 19 de setembro de 1923. MENEZES, Bruno. Pra frente! Belém Nova. n. 4. Belém, 31 de outubro de 1923. MENEZES, Bruno. Uma reação necessária. Belém Nova. n. 5. Belém, 10 de novembro de 1923. MORAES, Eneida de. Canto novo para o Brasil. Belém Nova. n. 76. Belém, 30 de outubro de 1927. OLIVEIRA, Paulo de. Flami-n’-assú. Belém Nova. n. 75. Belém, 30 de setembro de 1927. PONTES, Ribeiro. Bruno- vibrante criado de Maria Dagma. Belém Nova. n. 31. Belém, 14 de março de 1925.

Page 138: Entre poéticas e batuques

147

SILVA, Álvares da. Um prosador e um poeta. Belém Nova. n. 19. Belém, 26 de julho e 1924. TEIXEIRA, Monteiro. Bailado das três raças. Belém Nova n. 76. Belém, 30 de outubro de 1927. Referências ACEVEDO MARIN, Rosa e CASTRO, Edna. No caminho de pedras de Abacatal: experiência social de grupos negros no Pará. 2ª ed. Belém: NAEZ/UFPA, 2004. ALIMENTAÇÃO E CULTURA. Brasília. Ministério da Saúde, 2005. Disponível em <www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/alimentacao_cultura> Acesso em 16 de fev. de 2012. APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. A escravidão negra no Tocantins colonial: vivencias escravistas em arraias (1739-1800). Goiânia: Ed.Kelps, 2000. ASSIS.ROSA. Batuque,de Bruno de Menezes: um glossário.Belém: FCV,2006 AZEVEDO, J. Eustaquio de. Literatura Paraense: J. Estaquio De Azevedo. 3. ed. Belém: Fundação Cultural do Para Tancredo Neves, SECULT. 1990. BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: O Contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2008. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil: contribuição a uma Sociologia das Interpenetrações de Civilizações. 3. ed. Livraria Pioneira Editora. São Paulo, 1989. BAUMAN, Zigmund. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. BEZERRA NETO, José Maria. Os males de nossa origem: O passado Colonial através de José Veríssimo. In: BEZERRA NETO, Jose Maria; GUZMÁN, Décio de Alencar (orgs). Terra Matura. Historiografia e Hitória Social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002, p. 39-65. BEZERRA NETO, José Maria. O Homem que veio de óbidos: pensamento social e etnografia em José Veríssimo (1877-1915). In: Anais do arquivo publico do Estado do Pará. Belém: Secult/Arquivo Publico do Estado do Pará, 1998, v.3, t2, p. 239-262 BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. BORSA, Juliane Callegaro; FEIL, Cristiane. O papel da mulher no contexto familiar: uma breve reflexão. Disponível em <www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo.php?>, Acesso em: 04 de dez. 2011. BOSI, Eclea. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 11. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Page 139: Entre poéticas e batuques

148

BOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1976. BURKE, Peter. Historia como memória social. In: Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2000. ________. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da UNESP 1992.

CAMPELO, Marilú. Conflito e Espacialidades de um Mercado Paraense. In: LEITÃO, Wilma Marques (org). Ver-o-Peso: estudos antropológicos no Mercado de Belém. Belém: NAEA, 2010. (p. 41-68). CAMPOS, Adriana Pereira. Nas barras dos Tribunais: Direito e escravidão no Espírito Santo do século XIX. Tese (Doutorado em Historia) - UFRJ- Janeiro 2003. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2003. CARNEIRO, Suely. Uma guereira contra o racismo. Ed.Caros Amigos. São Paulo, ano III, n. 35. CASCUDO.Luís da Câmara.Contos tradicionais do Brasil.Rio de Janeiro.Livraria Progresso,1955. CHALHOUB, Sidnney; PEREIRA, Leonardo Affonso de M. (orgs). A história Contada: Capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. COELHO, Marinilce Oliveira. Memórias literárias de Belém do Pará: o Grupo dos Novos, 1946-1952/ Marinilce Oliveira Coelho. - Campinas, SP: [ s.n. ], 2005. COIMBRA, Adriana Modesto. Bruno de Menezes: reminiscências da cultura africana na obra Boi-Bumbá – auto-popular. Belém: UFPA, 2009. CORRÊA. Ângela Tereza de Oliveira. A vida noturna em Belém: a boêmia poética 1920/1940.Universidade Federal do Pará/Núcleo Pedagógico Integrado -2007 COSTA, Antonio Mauricio Dias da. Feiras e festas de Belém: Estudo preliminar de experiências etnográficas. In: Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia Da Região Norte, 2., 2010, Belém, Anais, Belém, 2010. CRUZ, Ernesto. A Estrada de Ferro de Bragança: Visão política, econômica e social. Belém. Falangola, 1955. CUCHE, Denis. A noção de cultura nas ciências Sociais. 2ª Edição. Trad. Viviane Ribeiro. Bauru: Edusc, 2002.

Page 140: Entre poéticas e batuques

149

DIAS JUNIOR, José do Espírito Santo. Cultura Popular no Guamá: Um estudo sobre o boi bumbá e outras práticas culturais em um bairro de periferia de Belém. Dissertação de Mestrado Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia – BELÉM-UFPA-2009 FARES, Josse; NUNES, Paulo. Transmares: vozes em diálogos.Ensaios sobre literatura portuguesa, literatura africana de expressão portuguesa e outras interfaces. Belém: Unama, 2007. FERRETI. Luis Sergio. Festas religiosas populares em terreiros de cultos afros. UFAM, 2006. Publicado In: BRAGA, S I G. Cultura Popular, Patrimônio Imaterial e Cidades. Manaus, EDUA/ FAPEAM, 2007. FERNANDES, Florestan. O Negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia do livro, 1972. FERNANDES. José Guilherme dos Santos. Negritude e crioulização em Bruno de Menezes.Novos cadernos NAEA. v 13 p.219-233. UFPA.2010. FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados. Pajelança, feitiçaria e religiões afro-brasileiras na Amazônia - 1870-1950. Belém: EDUFPA, 2008. ______. Eternos modernos: uma história social da arte e da literatura na Amazônia, 1908-1929. Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Tese de doutorado. Unicamp, 2001. FIGUEIREDO, Napoleão. Amazônia: tempo e gente. Belém: Prefeitura Municipal de Belém/Secretaria de Educação e Cultura, 1977 ____________.Banhos de Cheiros,Ariachés e Amacis.Cadernos de Folclore 33.Rio de Janeiro.Funarte 1983 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Ligia M. Ponde Vassallo. 9 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1991. FREIRE. Glaucea Souza. ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais. FREYRE, Gilberto. Casa-grande Senzala. 20ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1980. FRISCH, Michael.A. Shared authority: essays on the craft and meaning of oral and public history. Albany. Universidade Estadual de Nova York. 1990. GABBAY. Marcelo. A literatura como registro histórico da cultura marajoara: um requisito para a leitura crítica dos meios de comunicação. In: Encontro dos Estudos Multidisciplinares em Cultura, 5., 2009, Salvador, Anais, Salvador, 2009. GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora, Minas Gerais: EDUFJF, 2005.

Page 141: Entre poéticas e batuques

150

______. Por uma poética da relação. In: FIGUEIREDO, Eurídice. Construção de identidades pós coloniais na literatura antiliana. Niterói, Rio de Janeiro: Eduff, 1998. GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da historia: Introdução ao estudo da filosofia e do materialismo histórico. 9. ed. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1978. GUIMARÃES, Bernardo. A escava Isaura. São Paulo: Três, 1973. HALL, Stuart. Minimal selves. In: GRAY, Ann; McGUIGAN (orgs.), Studies Culture. An Inducion Reader. London/New York: Arnold, 1993 (1987), 134-138. ______. New ethnicities. In: MOLEY, David; CHEN, Kuan-Hsing (orgs.). Stuart Hall. Critical Dialogues in cultural Studies. London/New York: Routledge, 1996 (1986),411-440. ______. A identidade cultural na pós-modernidade. 5ª ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2001. ______. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução Adelaine La Guardiã Resende... [et. al]. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003. ______. Raça, cultura e comunicações: olhando para trás e para frente dos Estudos Culturais. In: Projeto História 31. PUC-SP: Educ, dez. de 2005, p. 15-24. HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: A modernidade na Selva. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. HORTA, Carlos Felipe de Melo Marques (Org.). O grande Livro do Folclore. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000. HOGGART, Richard. As utilizações da cultura: aspectos da vida cultural da classe trabalhadora. Vol. 1 e 2. Lisboa: Ed. Presença, 1973. JÄGER, Wilhelm. As Cooperativas Brasileiras sob o Enfoque da Moderna Teoria da Cooperação. Brasília: Coopermídia, 1995, p. 9. LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Belém: Ed. Açai, 2010. LARA, Silvia Hunold. O castigo Exemplar em campos da violência. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas. Ed UNICAMP, 1994. LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta M.; AMADO, Janaína (Orgs). Usos e abusos da história oral. 7. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 167-174. LENNEBERG, Hns. Witnesses and Schoolars: Studies in Musica Biography. Gordon and Breach Science Publishers. 1988. p. 4-5. MALUF, Marina. Ruídos da memória. São Paulo: Siciliano. 1995

Page 142: Entre poéticas e batuques

151

MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos Meios às Mediações: Cultura e hegemonia. 4. ed. Rio de Janeiro: editora UFRJ 2006. MATTELART, Armand e NEVEU, Érik. Introdução aos Estudos Culturais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto 2007. MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: Experiências Boêmias em Copacabana nos anos 50. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005 MAUES, Heraldo; VILLACORTA, Gisela. Pajelança e religiões africanas na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2008. MENDONÇA. Carlos Vinícius Costa de. Os desafios teóricos da História e a Literatura. São Paulo, N 2, 2003. ISSN 1806.3993 MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil.Rio de Janeiro: Editora Sauer, 1933. MENEZES, Bruno. Boi Bumbá – auto popular. Belém: Editora H. Barra, 1958. ______. Batuque. Edição especial. Belém:Editora Falangola,1966. ______ Obras completas : Bruno de Menezes Belém: Secult,v1,1993 ______ Obras completas : Bruno de Menezes Belém: Secult,v2,1993. ______ Obras completas : Bruno de Menezes Belém: Secult,v3,1993. MORAES, Raymundo. Paiz das pedras verdes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira Editora. 1931. MOURÃO, Silvia Carvalho. A Semana. Periódico Literário. Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Pará. Belém. 2006. NADALINE. Ana Paula. Comida De Santo Na Cozinha Dos Homens: Um Estudo Da Ponte Entre Alimentação E Religião. Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2009. NEVES, Ivânia. A invenção do índio e as narrativas orais Tupi. Campinas, SP: [s.n.], 2009. NINA RODRIGUES, Raymundo. Os africanos no Brasil. São Paulo: Madras, 2008. PACHECO, Agenor Sarraf. En el Corazón de la Amazonía: identidades, saberes e religiosidades no regime das águas marajoaras. Tese de Doutorado em História Social. PUC-SP, 2009. ______. Astúcia da Memória: identidades Afroindígenas no corredor da Amazônia. Tucunduba. Arte e Cultura em Revista, Belém, v.01, p. 40-51.

Page 143: Entre poéticas e batuques

152

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial. Jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Unicamp, 2001. PORTELLI, Alessandro .The time of my life: functions of time in oral history. In: The death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral history. Nova York: state University of New York. 1991. PROENÇA.Domicio. O negro na literatura brasileira. Boletim bibliográfico Biblioteca Mario de Andrade. São Paulo, 1988. ORTIZ, Renato. Do Sincretismo à Síntese. In: ______ A Consciência Fragmentada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 91-108, 1980. PINHO, Diva Benevides. A doutrina cooperativa nos regimes capitalista e socialista. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1966.·. ________. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. 18 ed. São Paulo: CNPq, 1982. PRANDI, Reginaldo. O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso. Revista de Estudos Avançados. Vol. 18, n. 52, São Paulo, set/dez, 2004. RAMOS, Arthur. O folclore Negro do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Casa do estudante do Brasil. 2 ed. 1954. REGO, Clovís Moraes. A Mina na Literatura Nortista de Eustachio de Azevedo e n’ o Pará Literário de Theodoro Rodrigues. Belém: EDUFPA, 1997. REINHARDT, Juliana Cristina. Dize-me o que comes e te direi quem és: alemães, comida e identidade. Tese (Doutorado em História) Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2007. p. 187-188. REIS, João José. Tambores e temores: a festa negra na Bahia na primeira metade do século. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira (org). Carnavais e outras f(r)estas. Campinas, São Paulo: Editora Unicamp, 2002. RIBEIRO, José Sampaio de Campos. Gostosa Belém de Outrora. Belém: Editora Universitária, 1965. ______. Graça Aranha e o Modernismo no Pará. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1973. ROCHA, Alonso. Bruno de Menezes: Traços biográficos. In: ______ et. al. Bruno de Menezes ou a sutileza da transição: ensaios. Belém: Cejup/UFPA, 1994. RODRIGUES, Carmen Izabel. Vem do Bairro do Jurunas: sociabilidades e construção de identidades entre ribeirinhos em Belém-Pa. Tese (Doutorado em antropologia) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

Page 144: Entre poéticas e batuques

153

ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta (orgs.) Usos e abusos de historia oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p 93-101. ROLAND, Walter. Transferências Interculturais: Notas sobre TransCultura, Multi Cultura, Diásporas e encruzilhadas. Revista Sociopoética, vol.1, Art. 5. 2006. Disponível: http://www.uepb.pb.gov.br/eduep/sociopoetica/publicacoes/v1n1/v1n1_artigo05.html. Acesso em: 16.01.2012. SANTOS, Lidia. Justiça, controle social e escravidão em meados do século XIX. Revista Documentação e Memória/TJPE, Recife, PE, v. 1, n. 1, p. 94-115, jul./dez. 2008. SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a belle-époque (1870-1912) Belém. Paka-Tatu, 2000. SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do Velho Intendente (1869-1973). Belém: Paka-Tatu, 2002. SARLO, Beatriz. Raymond Williams: uma releitura. In: SARLO, Beatriz. Paisagens Imaginárias: intelectuais, arte e meio de comunicação. Tradução Rubia Prates e Sérgio Molina. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 85-95. SOUSA SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as ciências: Versão de Oração de Sapiência proferida na abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra no ano lectivo de 1985/86, 12. Ed. Porto: Edições Afrontamento, 2001. SILVA, Elanir Gomes da. O africanismo em batuque de Bruno de Menezes. Belém. Secult, 1984. SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. TAUNAY, Visconde de. A mocidade de Trajano. 2. ed. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1984. THOMSON, Alistair; PERELMUTTER, Daisy; ANTONACCI, Maria Antonieta. Ética e historia oral. São Paulo: Educ, 1997. VERÌSSIMO, José. Um sonho Francês tropical. Nosso Pará, Belém, n1, p.67, 1996. VERGOLINA E SILVA, Anaíza. Os cultos afros do Pará. In: FONTES, Edilza (org.) Coleção contando a historia do Pará. Diálogos entre história e antropologia. v. l III. Belém: E.motion, 2003, p. 03-34. ______. O tambor das flores: analise da federação umbandista do Pará,1965/1975.Dissertação de mestrado em antropologia social. SÃO Paulo: Unicamp. 1976. WANZELER, Rodrigo de Souza. Heterogeneidade amazônica: cultura(s) e identidade(s) em Candunga, de Bruno de Menezes. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA (ABRALIC), 11, 2008, São Paulo, Anais, São Paulo, 2008.

Page 145: Entre poéticas e batuques

154

WEINSTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec; Edusp, 1993. WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. ______. Política do Modernismo: contra os novos modernistas. Tradução André Glaser. São Paulo: Unesp, 2011.

Page 146: Entre poéticas e batuques

155

ANEXOS

Page 147: Entre poéticas e batuques

156

Anexo1

Artigo da Revista Belém Nova: Pórtico. Publicado em agosto de 1923.

Page 148: Entre poéticas e batuques

157

Anexo 02

Artigo da Revista Belém Nova: “O manifesto da belleza”.

Page 149: Entre poéticas e batuques

158

Anexo 03

Artigo da Revista Belém Nova: “Para a frente”. Publicado em dezembro de 1923.

Page 150: Entre poéticas e batuques

159

Anexo 04 Uma reacção necessaria

Page 151: Entre poéticas e batuques

160

Anexo 05 A geração que surge

Page 152: Entre poéticas e batuques

161

Anexo 06 Carta de doação da Revista Belém Nova à Academia Paraense de Letras

Page 153: Entre poéticas e batuques

162

Anexo 07

Bruno de Menezes .

Page 154: Entre poéticas e batuques

163

Anexo 8

Modernistas. Grupo de intelectuais “modernistas” no Estado do Pará – 14 de junho de 1924 – Belém do para: de pé, da esquerda para a direita: Paulo de Oliveira, Bruno de Menezes, Edgard de Souza Franco e Farias Gama. Sentados, na mesma ordem: De Campos Ribeiro, Abgar Soriano de Oliveira (pernambucano) e Clóvis de Gusmão.

Page 155: Entre poéticas e batuques

164

Anexo 09

Grupo Escolar José Veríssimo – Belém

Page 156: Entre poéticas e batuques

165

Anexo 10

Bruno de Menezes recebendo a medalha da APL das mãos de sua esposa Francisca Menezes.

Page 157: Entre poéticas e batuques

166

Anexo 11

Família Menezes: - em pé – Ir. Marília, Bruno, Monsenhor Geraldo, o médico José Haroldo, Professora Francisca Menezes e o magistrado Stélio. - sentadas – Lenora, Maria de Belém e Maria Ruth