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O Acompanhamento Terapêutico no Serviço Residencial Terapêutico do CAPS Clarice Lispector Bruna Romano [1] Rita Cássia Ferreira Silverio [2] Este escrito surgiu da necessidade das acompanhantes terapêuticas e da coordenadora [3] do Serviço Residencial Terapêutico do CAPS Clarice Lispector (Rio de Janeiro RJ AP. 3.2)) em conferir alguma sustentação teórica àquilo que veem sendo desenvolvido neste serviço, e também de compartilhar com outros profissionais e equipes o modo como tem se constituido a direção clínica de trabalho neste dispositivo. O que resultou em um artigo, que encontra-se em vias de publicação, intitulado: “O entrelaçar da Teia de Cuidados tecida por um Serviço Residencial Terapêutico de Base Territorial”. Foi a partir desta construção escrita que elaboramos a presente apresentação. Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT´s) são dispositivos que junto aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), constituem a rede substitutiva à internação psiquiátrica de longa duração no âmbito do SUS. Configuram-se como casas ou apartamentos inseridos na comunidade, destinadas aos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares que viabilizem sua inserção social. Desta maneira se pretende que a cada transferência de paciente do Hospital Especializado para o Serviço de Residência Terapêutica, seja reduzido ou descredenciado do SUS, igual n.º de leitos no hospital psiquiátrico, realocando o recurso da autorização de internação hospitalar (AIH) correspondente para os tetos orçamentários do estado ou município que se responsabilizará pela assistência ao paciente e pela rede substitutiva de cuidados em saúde mental, através de autorização para procedimento ambulatorial (APAC). (Portaria 106 de 11/02/2000) [4] . O CAPS Clarice Lispector caracteriza-se por ser o primeiro serviço desta modalidade, no município do Rio de Janeiro, a gerenciar desde 2008, um SRT, serviço este anteriormente vinculado ao Instituto Municipal de Assistência a Saúde Nise da Silveira (IMAS Nise da Silveira). Atualmente novos SRT ligados a outros CAPS do município tem sido criados. No futuro próximo, segundo as leis e portarias em saúde mental, todos estes serviços ainda ligados aos institutos possivelmente farão sua transição para os CAPS do território. Em nosso SRT, contamos com cinco Residências Terapêuticas (RT´s), todas localizadas nas imediações do CAPS e com quatro Moradias Assistidas. Entendendo-se como diferencial entre estas duas modalidades, o fato de que na primeira (RT´s), os moradores necessitam de cuidados diários de um cuidador, enquanto que na segunda (Moradias Assistidas), estes possuem, supostamente, mais autonomia, estando o cuidador para o atendimento das demandas que se fizerem necessárias. Cabe ressaltar, que estas não precisam ser as últimas estâncias da vida, e que outras paragens podem ser pensadas, seja pela equipe, seja pelos próprios moradores. Exemplo, retorno familiar, de moradia assistida para residência terapêutica, de residência terapêutica para moradia assistida, e outras que pudermos inventar. Em nossas residências terapêuticas temos hoje moradores, três a quatro em cada uma delas. E um morador em cada uma das moradias assistidas. Sendo duas delas de pacientes oriundos de longa permanência institucional e duas de pacientes de longa vulnerabilidade, e deste modo risco de institucionalização, e que embora residam com a família, necessitam de suporte.. Contamos hoje, com a perspectiva de expansão, o que já vem sendo trabalhada junto a alguns dos moradores do Instituto Municipal de Assistência a Saúde Nise da Silveira, que se tratam no CAPS. Para a realização deste trabalho contamos com uma equipe, chamada de segmento do CAPS. Segmento e não seguimento, por uma escolha metodológica, que considera a distância necessária aos serviços substitutivos (CAPS e SRT) no que tange às questões do tratar e do morar, ainda que haja um intercruzamento entre elas. Portanto, segmento por tratar-se de uma parte do trabalho que é realizado pelo CAPS, mas fora dele, na comunidade, cidade, território,

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trabalho de desinstitucionalização e de residência terapêuticas no rio de janeiro

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Page 1: Equipe Seg. Clarice

O Acompanhamento Terapêutico no Serviço Residencial

Terapêutico do CAPS Clarice Lispector

Bruna Romano[1]

Rita Cássia Ferreira Silverio[2]

Este escrito surgiu da necessidade das acompanhantes terapêuticas e da

coordenadora[3]do Serviço Residencial Terapêutico do CAPS Clarice Lispector (Rio de Janeiro –

RJ – AP. 3.2)) em conferir alguma sustentação teórica àquilo que veem sendo desenvolvido

neste serviço, e também de compartilhar com outros profissionais e equipes o modo como tem

se constituido a direção clínica de trabalho neste dispositivo. O que resultou em um artigo, que

encontra-se em vias de publicação, intitulado: “O entrelaçar da Teia de Cuidados tecida por um

Serviço Residencial Terapêutico de Base Territorial”. Foi a partir desta construção escrita que

elaboramos a presente apresentação.

Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT´s) são dispositivos que junto aos Centros

de Atenção Psicossocial (CAPS), constituem a rede substitutiva à internação psiquiátrica de

longa duração no âmbito do SUS. Configuram-se como casas ou apartamentos inseridos na

comunidade, destinadas aos portadores de transtornos mentais, egressos de internações

psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares que

viabilizem sua inserção social. Desta maneira se pretende que a cada transferência de paciente

do Hospital Especializado para o Serviço de Residência Terapêutica, seja reduzido ou

descredenciado do SUS, igual n.º de leitos no hospital psiquiátrico, realocando o recurso da

autorização de internação hospitalar (AIH) correspondente para os tetos orçamentários do

estado ou município que se responsabilizará pela assistência ao paciente e pela rede substitutiva

de cuidados em saúde mental, através de autorização para procedimento ambulatorial (APAC).

(Portaria 106 de 11/02/2000)[4].

O CAPS Clarice Lispector caracteriza-se por ser o primeiro serviço desta modalidade, no

município do Rio de Janeiro, a gerenciar desde 2008, um SRT, serviço este anteriormente

vinculado ao Instituto Municipal de Assistência a Saúde Nise da Silveira (IMAS Nise da Silveira).

Atualmente novos SRT ligados a outros CAPS do município tem sido criados. No futuro próximo,

segundo as leis e portarias em saúde mental, todos estes serviços ainda ligados aos institutos

possivelmente farão sua transição para os CAPS do território.

Em nosso SRT, contamos com cinco Residências Terapêuticas (RT´s), todas localizadas nas

imediações do CAPS e com quatro Moradias Assistidas. Entendendo-se como diferencial entre

estas duas modalidades, o fato de que na primeira (RT´s), os moradores necessitam de cuidados

diários de um cuidador, enquanto que na segunda (Moradias Assistidas), estes possuem,

supostamente, mais autonomia, estando o cuidador para o atendimento das demandas que se

fizerem necessárias. Cabe ressaltar, que estas não precisam ser as últimas estâncias da vida, e

que outras paragens podem ser pensadas, seja pela equipe, seja pelos próprios moradores.

Exemplo, retorno familiar, de moradia assistida para residência terapêutica, de residência

terapêutica para moradia assistida, e outras que pudermos inventar.

Em nossas residências terapêuticas temos hoje moradores, três a quatro em cada uma delas.

E um morador em cada uma das moradias assistidas. Sendo duas delas de pacientes oriundos

de longa permanência institucional e duas de pacientes de longa vulnerabilidade, e deste modo

risco de institucionalização, e que embora residam com a família, necessitam de suporte..

Contamos hoje, com a perspectiva de expansão, o que já vem sendo trabalhada junto a alguns

dos moradores do Instituto Municipal de Assistência a Saúde Nise da Silveira, que se tratam no

CAPS.

Para a realização deste trabalho contamos com uma equipe, chamada de segmento do CAPS.

Segmento e não seguimento, por uma escolha metodológica, que considera a distância

necessária aos serviços substitutivos (CAPS e SRT) no que tange às questões do tratar e do

morar, ainda que haja um intercruzamento entre elas. Portanto, segmento por tratar-se de uma

parte do trabalho que é realizado pelo CAPS, mas fora dele, na comunidade, cidade, território,

Page 2: Equipe Seg. Clarice

na privacidade de uma casa. E não como seguimento, no sentido de continuação,

prosseguimento, acompanhamento do tratar, embora vinculado a ele. Pois, embora a vida

comporte também o tratamento, esta é muito mais que simples seguimento deste.

Nossa Equipe de Segmento é composta de duas acompanhantes terapêuticas (AT´s) de

nível superior, no momento, uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional. E onze cuidadoras,

divididas da seguinte maneira: cinco cuidadoras de referência em cada uma das cinco

residências terapêuticas; três volantes diurnas, que atendem as solicitações extras de todo o

programa e três volantes noturnas que também funcionam como as diurnas, mas estão em um

horário diferenciado. Temos ainda, no que se refere, ao regime do trabalho, diaristas e

plantonistas.

Acerca da clínica do acompanhamento, podemos dizer de duas modalidades: as AT´s e

as cuidadoras. Ou seja, destacamos uma função clínica do acompanhamento que transversaliza

estes dois cargos. Porém nos indagamos acerca das diferenças existentes entre o trabalho

realizado pelas AT´s de nível superior e as cuidadoras.

Cuidadora leiga segundo a Portaria 106, ou seja, profissionais que não vinculadas a um

técnico especifico, como por exemplo, da enfermagem para o exercício do cuidado, o que temos

considerado necessário a garantia da casa como um espaço de moradia e não como insituição

de saúde. E a cidadania como construção cotidiana junto ao sujeito na vida e deste modo não

restrita aos saberes da enfermagem. Neste âmbito o munício do Rio tem caminhado bastante

com a criação da ACIERJ – Associação dos Cuidadores da pessoa idosa, da saúde mental e do

deficiente do Estado do Rio de Janeiro.

E qual a função transversalizada por estes dois campos de saber?

A acompanhante terapêutica (AT) não assume papel de atendimento clínico dentro da

casa, pois a casa não é o espaço terapêutico de tratamento. No entanto, é importante que esta

profissional detenha uma visada clínica, estando atenta à dinâmica de cada morador e as suas

relações na casa. Atua ainda como interlocutora do cuidado junto a diferentes atores: CAPS,

médicos de diferentes especialidades, justiça, instituições sociais e financeiras, entre outras.

Entendemos, portanto, o PAPEL do Acompanhante Terapêutico como responsável pela

condução do trabalho cotidiano, seja nas diversas parcerias possíveis de serem estabelecidas

dentro e fora de cada casa, seja na interlocução com o território visando à possibilidade de

aumento da autonomia e protagonismo dos moradores em relação à própria vida.

Dizemos que as acompanhantes terapêuticas têm Dupla Função de Supervisão:

1. Supervisiona a logística / organização do trabalho efetuada pelas cuidadoras.

2. Procura estar junto das cuidadoras acolhendo suas angústias e contribuindo na resolução dos

problemas.

e

Acompanha os moradores, estando próximas em suas tarefas diárias, nos enfrentamentos

impostos pela inserção social, e também nos momentos mais difíceis, como os de

desestabilização do quadro psiquiátrico, intercorrências clínicas.

II) Quanto as Cuidadoras:

1. Assumem o cuidado cotidiano tendo seu olhar direcionado para a inclusão na vida comunitária.

Estão presentes em ações diversas dependendo da demanda de cada casa e de cada morador.

2. A ênfase deste acompanhamento é fazer com eles e não fazer por eles, de forma tutelar.

Auxiliar naquilo que for necessário, de acordo com suas possibilidades.

O papel do cuidador se destaca então como peça fundamental nos processos de

desinstitucionalização e inclusão comunitária. Se o acompanhante terapêutico é responsável

pela condução do trabalho, podemos afirmar que o cuidador é a garantia para a realização deste.

No que tange a Direção Clínica do Trabalho, destacamos alguns eixos, seja:

Disponibilidade no tempo cronológico dedicado ao projeto e também na disposição,

vontade, desejo e investimento nestas pessoas e nas suas inúmeras possibilidades de estar na

vida, ainda que de modos e formas diferentes das nossas. Aposta, não só nas suas capacidades

Page 3: Equipe Seg. Clarice

de reinventar a própria vida, como também na nossa, enquanto profissionais, de nos

reinventarmos a cada dia, dificuldades, impasses...

Presença nas casas, junto aos moradores e às cuidadoras, contribuindo na reflexão acerca

do trabalho, assim como oferecendo suporte. Presença cuidadosa e respeitosa no que se refere

à singularidade das pessoas e das casas. E que objetiva promover a ampliação das

possibilidades de existência.

Parceria entre a equipe de segmento e o Caps; entre a equipe de segmento e a comunidade;

entre a equipe de segmento e outros setores e serviços da saúde e outros campos de saber. O

norteador do trabalho da equipe de segmento é a responsabilidade com o cuidado no território e

esse cuidado se articula em equipe, através da troca de experiências, compartilhamento de

saberes, dúvidas, incertezas, dificuldades, impasses, etc. “(...) a presença ganha força na

parceria...”

Cuidar de quem Cuida - Trabalho que tem como foco os moradores, mas que deve também

incluir o cuidado àquele que cuida. Alguns dispositivos criados: a supervisão clinico-institucional

e as conversas-acolhimento individuais com as cuidadoras. Espaço de encontro com às AT´s,

demarcado pela supervisão, e onde procuramos promover à discussão de textos, artigos, livros,

cine-debate, apresentação de casos, objetivando à qualificação.

Quanto aos impasses e desafios, delimitados pela equipe de segmento em diversos fóruns

de discussão, temos:

1. No espaço público e social, emprestar contratualidade a fim de que estes sujeitos-

moradores com suas peculiaridades não sucumbam à estigmatização e a exclusão,

e possam, quem sabe, encontrar seu lugar no mundo.

2. Constituir, ocupar este lugar e lidar com os efeitos destes deslocamentos, é um

processo de permanente construção.

3. Lidar com outras modalidades de exclusão, algumas mais sutis, como por exemplo, a

impossibilidade de permanência de uma pessoa com seqüelas clínicas, por ausência

de recursos, em um dispositivo residencial.

4. Considerar o envelhecimento da clientela e a necessidade de recursos específicos à

sua demanda.

5. Estar todo o tempo pensando sobre o trabalho, sobre aquilo que precisa ser realizado.

O que se coloca ao mesmo tempo como possibilidade e também desafio, em

virtude de uma “tendência totalizante” que devemos evitar.

6. Romper a lógica de reprodução da prática manicomial totalizante, que suprime toda e

qualquer possibilidade de encontro, eliminando todo e qualsquer riscos, e deste

modo, a possibilidade de inventar-se /recriar-se e à própria vida.

7. Lidar com os próprios sentimentos aflorados nas relações com os moradores, diante

de suas ”pirraças” e desconfianças, muitas vezes advindas das suas “paranóias”.

8. Manejar as “desavenças e picuinhas” entre a equipe e os próprios limites.

9. Trabalhar diante da fragilidade das condições trabalhistas, o que parece determinar

um “prazo de validade” à equipe, principalmente as acompanhantes terapêuticas.

10. Trabalhar sem o devido reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, que passa ao

largo dos vínculos, sejam eles CLT ou público de qualquer espécie.

No que se refere as possibilidades:

1. Promover uma política de salários condizentes com as funções realizadas e a carga

horária trabalhada, com garantia de pagamento em dia, especialmente no início do ano

e com maior otimização na assinatura dos convênios. O que depende de políticas de

macro.

2. Valorizar o cuidador em Saúde Mental, através do reconhecimento desta profissão, de sua

aproximação com a gestão, e da escuta às suas reivindicações.

A título de inconclusão, podemos dizer que, a especificidade do trabalho nos SRT´s convoca

os profissionais da equipe de segmento a refletir diariamente suas práticas e criar estratégias de

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enfrentamento frente aos impasses e desafios que permeiam seu campo de atuação. Diante

desses obstáculos, muitas vezes da ordem do imprevisível, senão do improvável, a condução do

trabalho procura não perder de vista o manejo singularizado e contextualizado, a flexibilidade e

co-responsabilização.

De outro modo, o viés clínico-político deve ser a bússola orientadora das ações e

intervenções, e o compartilhamento a ferramenta e força motriz a impulsionar o projeto,

assegurando a ele sua qualidade e seu caráter de inventividade.

[1]

[2] Rita de Cássia Ferreira Silverio – Coordenadora de Desinstitucionalização (e dos Serviços Residenciais

Terapêuticos) do CAPS Clarice Lispector.

[3] Em parceria com a Direção deste Caps: Karine Mira e Mônica Cadei. AT´s que participaram deste

escrito: Enara Carvalho, Joana Cury, Patricia Lobalo.

[4] Que será substituída pela RASS.