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Eixo: Educação e Movimentos sociais populares ESCOLA NOVA CULTURA: A HISTÓRIA DE UM POEMA PEDAGÓGICO BRASILEIRO Regiani Zornetta (UNESP - Araraquara) 1 Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo demonstrar o que foi e como se construiu a experiência da Escola Nova Cultura, organização social criada na década de 1970, mais precisamente em 1972, no Bairro do Belenzinho, Zona Leste de São Paulo, com o intuito de promover a alfabetização de jovens e adultos, homens e mulheres que compunham uma parte do operariado paulistano nos anos de 1970-1980. Tal experiência pautava-se numa concepção pedagógica que buscava construir um espaço educativo no qual os alunos pudessem aprender muito mais do que regras de pensamento científico, um local onde, assim como as colônias educativas de Makarenko, os indivíduos pudessem aprender a se auto-gestionarem e a retomar o controle da produção do humano. O intuito era construir um trabalho educativo onde o aluno fosse protagonista do processo não só do saber, mas também o fazer. Tal movimento social caracterizou-se pela implementação de uma Escola regular cuja proposta se baseava na construção de uma experiência pedagógica centrada na formação política e cultural do numeroso operariado do bairro do Belém, onde se concentravam inúmeras indústrias tradicionais da cidade. A Escola Nova Cultura nada mais era do que uma escola mantida por educadores, estudantes universitários, com vínculos em diversas organizações clandestinas da esquerda brasileira e que optaram por resistir à ditadura militar pela difusão didático-cultural de valores que uma década e meia depois se transformariam nos esteios da redemocratização do Brasil. Esta Escola organizadas por militantes buscava desenvolver uma ação pedagógica alicerçada nas diretrizes básicas de um projeto educativo e cultural no qual se objetivava construir uma nova forma de organização da vida dos homens, centrado na busca da formação integral do 1 Regiani Zornetta, UNESP campus Araraquara, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]

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Page 1: ESCOLA NOVA CULTURA: A HISTÓRIA DE UM POEMA … · Movimento de Educação de Base: o ponto de partida para um poema pedagógico Como demonstrado, o trabalho educativo na Escola

Eixo: Educação e Movimentos sociais populares

ESCOLA NOVA CULTURA: A HISTÓRIA DE UM POEMA

PEDAGÓGICO BRASILEIRO

Regiani Zornetta (UNESP - Araraquara)1

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo demonstrar o que foi e como se construiu a

experiência da Escola Nova Cultura, organização social criada na década de 1970, mais

precisamente em 1972, no Bairro do Belenzinho, Zona Leste de São Paulo, com o

intuito de promover a alfabetização de jovens e adultos, homens e mulheres que

compunham uma parte do operariado paulistano nos anos de 1970-1980. Tal

experiência pautava-se numa concepção pedagógica que buscava construir um espaço

educativo no qual os alunos pudessem aprender muito mais do que regras de

pensamento científico, um local onde, assim como as colônias educativas de

Makarenko, os indivíduos pudessem aprender a se auto-gestionarem e a retomar o

controle da produção do humano. O intuito era construir um trabalho educativo onde o

aluno fosse protagonista do processo não só do saber, mas também o fazer. Tal

movimento social caracterizou-se pela implementação de uma Escola regular cuja

proposta se baseava na construção de uma experiência pedagógica centrada na formação

política e cultural do numeroso operariado do bairro do Belém, onde se concentravam

inúmeras indústrias tradicionais da cidade. A Escola Nova Cultura nada mais era do que

uma escola mantida por educadores, estudantes universitários, com vínculos em

diversas organizações clandestinas da esquerda brasileira e que optaram por resistir à

ditadura militar pela difusão didático-cultural de valores que uma década e meia depois

se transformariam nos esteios da redemocratização do Brasil. Esta Escola organizadas

por militantes buscava desenvolver uma ação pedagógica alicerçada nas diretrizes

básicas de um projeto educativo e cultural no qual se objetivava construir uma nova

forma de organização da vida dos homens, centrado na busca da formação integral do

1 Regiani Zornetta, UNESP – campus Araraquara, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected]

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ser social. Tal projeto de organização possuía inegavelmente, profundos vínculos

ideológicos com a concepção marxiana de formação humana, mas encontrava ainda

orientação ideológica nas teorias de alguns marxistas fundamentais para a formação de

uma pedagogia emancipadora, a saber: Lev Semionovich Vigotsky e Anton

Semiónovitch Makarenko. Por meio de uma ampla pesquisa de campo, entrevistas e da

análise de materiais e documentos fornecidos por ex-alunos e ex-professores do projeto

Escola Nova Cultura, este projeto busca reconstruir, então, a história deste movimento

social.

Palavras-chave: Educação; Alfabetização de Jovens e Adultos; Movimento

Operário; Ditadura brasileira.

Introdução

A Escola Nova Cultura, criada na década de 1970, mais precisamente em 1972,

no Bairro do Belenzinho, Zona Leste de São Paulo, caracterizou-se por ser uma escola

cuja proposta se baseava na construção de uma experiência pedagógica centrada na

formação política e cultural do numeroso operariado do bairro do Belém, onde se

concentravam inúmeras indústrias tradicionais da cidade. A Nova Cultura nada mais

era do que uma escola mantida por educadores que optaram por resistir à ditadura

militar pela difusão didático-cultural de valores que uma década e meia depois vieram a

se transformar nos esteios da redemocratização do Brasil.

Esta Escola buscava desenvolver uma ação pedagógica alicerçada nas diretrizes

básicas de um projeto educativo e cultural no qual se objetivava construir uma nova

forma de organização da vida dos homens, centrado na ideia de formação integral do ser

social.

Tal projeto de organização possuía inegavelmente profundos vínculos

ideológicos com a concepção marxiana de formação humana, mas encontrava ainda

orientação ideológica nas teorias de alguns marxistas fundamentais para a formação de

uma pedagogia emancipadora, a saber: Lev Semionovich Vigotsky e Anton

Semiónovitch Makarenko.

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O pedagogo russo Makarenko é talvez a expressão mais emblemática da

educação emancipadora. Homem dedicado à escola e à reflexão pedagógica

acompanhou política e teoricamente as reformas educacionais de Lênin após a

Revolução Russa e vivenciou também a primeira parte do desfecho da ditadura

comunista de Stalin.

Makarenko foi um pedagogo defensor da escola enquanto coletividade

educadora e compreendeu rigorosamente que o termo socialista era antônimo de

individualista. Portanto, para ele, coletividade era a antítese de individualidade. Seu

entusiasmo pelo coletivo o fez polemizar até mesmo com os teóricos do comunismo na

época da construção da República Socialista Soviética. Segundo Makarenko, a

formação de um novo tipo de homem — mesmo no momento da construção de uma

sociedade comunista, como na Rússia pós-revolucionária — só seria possível se fosse

levado em conta o entendimento dos indivíduos tais quais eles são. Para tanto, seria

necessário trabalhar a partir de homens concretos e não a partir de abstrações idealista.

Para Makarenko, os princípios de autoridade, disciplina e autogestão ocupavam

lugar central na prática e na teoria pedagógicas. Nas palavras do autor:

A ativação dos princípios sociais da coletividade escolar e a

combinação das medidas educacionais com o sistema de sanções

exigem o fortalecimento imprescindível do centro educacional na

escola. Somente o diretor pode ser esse centro, pois é o maior

responsável na instituição, dirigente nomeado pelo Estado. [...] Todos

os demais trabalhadores escolares devem atuar sob sua direção

imediata e cumprir suas indicações diretas. [...] O tratamento

individual da criança consiste precisamente em fazer dela um membro

fiel e digno da coletividade e um cidadão do Estado soviético em

consonância com suas peculiaridades pessoais. [...] Somente a criação

de uma coletividade escolar única pode despertar na consciência

infantil a poderosa força da opinião pública como fator educativo,

regulador e disciplinador. [...] A assembléia geral de todos os

educandos de uma instituição infantil é o órgão principal de

autogestão. (MAKARENKO, 1989: p. 182-4).

Textos como esses são inúmeros nos escritos pedagógicos de Makarenko que,

nos anos vinte, dirigia em Poltava, uma pequena cidade no interior da Rússia, uma

colônia de reeducação de pequenos infratores, a qual ele conseguiu transformar numa

pequena sociedade autogestada e que mais tarde ficara conhecida como Colônia Gorki.

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Assim como Marx, Makarenko via o trabalho (entendido como atividade prática)

como o grande princípio educativo e, segundo ele, de todas as formas estava convencido

de que “[...] o trabalho que não tem como finalidade direta a produção de valores

materiais [para a coletividade] não é um elemento educacional positivo” (Idem: p. 167).

Neste sentido, podemos afirmar que termos como coletividade, trabalho produtivo,

disciplina, autoridade, antiespontaneísmo etc., pontuam todo o pensamento e a prática

pedagógica de Makarenko.

Não se deve, entretanto, esquecer as circunstâncias históricas em que viveu,

pensou e trabalhou o pedagogo citado. Ao redor dele fervilhavam a guerra e a

revolução: vários mundos estavam em choque. As crianças e os menores que chegavam

à colônia de reeducação dirigida por ele traziam, na carne e no espírito, as marcas de

tantas contradições, carências e violências que apenas um trabalho educativo

emancipador poderia salvar a destruição iminente do humano.

Os princípios do trabalho educativo de Makarenko estavam, então, mais do que

presentes na concepção educacional da Escola Nova Cultura. A proposta da escola

estava baseada, sobretudo, na ideia de que um trabalho educativo, para ser eficaz, não

poderia ser exercido apenas com palavras; tal trabalho deveria ser desenvolvido através

formação de um novo coletivo e de uma nova forma de sociabilidade, que só seria

alcançada através da revolução socialista.

Em essência, a estratégia política adotada pelo grupo fundador da Escola Nova

Cultura, apoiava-se na convicção de que somente a ação possibilitava o conhecimento

das formas do mundo e, neste sentido, buscavam construir na escola um espaço de vida

através do movimento real dos trabalhadores. A ideia do grupo era despertar, através da

construção de um novo tipo de sociabilidade a consciência da opressão do capitalismo

que proporciona dias sem história, restando aos trabalhadores apenas mínimos sopros de

vida.

Mesmo que o alvo mais elevado fosse o controle do processo de trabalho

(objetivo daqueles que lutavam por uma revolução social como Marx e Makarenko) no

grupo que fundou a Escola Nova Cultura, fomentavam também, ideias de uma

revolução social através da transformação do pensamento do homem, seus saberes, suas

vontades, sua cultura.

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Assim, é possível perceber que, dentre tantos pontos, a cultura – ou a formação

de uma nova cultura através do trabalho educativo – era apontada como central para um

projeto de mudança radical na sociedade. Entendia-se que seria por meio das práticas

alternativas que se construiria uma luta contra as instituições que se exerciam a

hegemonia. Vê-se então, que os educadores da Escola Nova Cultura tinham na prática

de sua militância a visão marxiana de que seria necessário romper com a ideia de

cultura como assunto de irrelevante importância, sendo expressão meramente

secundária da criatividade e das realizações humanas. Este grupo de educadores, assim

como Marx, tinha o interesse pela cultura como campo de luta social e revolucionária.

Para os educadores da Escola Nova Cultura, inicialmente, a escola deveria ser

um lugar muito bem definido para o trabalho educativo dos operários. A escola em

formação deveria se distinguir da instituição escolar, tal como se estruturava na

sociedade capitalista, e realizar uma atividade que tentasse despertar a consciência de

classe no proletariado. Apoiados nos escritos de Marx sobre educação burguesa, os

militantes da Escola viam na instituição escolar capitalista uma instituição burguesa, no

sentido de ser ela filha da sociedade do capital, na medida em que tomava parte na

dinâmica desta sociedade.

No entendimento desses professores, a instituição escolar fazia parte da

dinâmica da sociedade produtora de mercadorias, desse modo, tal como ocorre em todas

as microestruturas desta sociedade, a escola também era permeada por contradições

sem, contudo, negar a dinâmica da qual era parte integrante.

Com efeito, na visão dos fundadores desse projeto, a importância da educação

para a caminhada emancipatória do proletariado não estava anulada. Esta importância

residia justamente no fato de que, para Marx, a escola poderia se transformar num local

privilegiado onde as camadas sociais exploradas poderiam se apropriar de um

determinado tipo de saber acumulado historicamente. Para tanto, seria necessário

desenvolver-se um trabalho educativo que rompesse com as estruturas de ensino-

aprendizagem já consagradas.

Foi nesta direção que os fundadores da Escola Nova Cultura buscaram

desenvolver nos alunos não só o interesse pelo conhecimento do saber humano

acumulado, mas também, criar um trabalho educativo no sentido de estimular a

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formação dos chamados conselhos de fábrica. O trabalho educativo da Escola Nova

Cultura não se restringia às paredes da “sala de aula”. Ele seguia a orientação do

pensamento marxiano e ia para o entorno da Escola, estendendo-se até a fábrica, ou

seja, reencontrava-se com o trabalho. Portanto, buscava-se desencadear um trabalho

pedagógico novo, no qual se criticava e se rompia com a forma escolar tradicional e

consagrada na sociedade burguesa. Um trabalho onde a própria estrutura educacional

brasileira que buscava formar mão-de-obra adequada as formas da nossa

industrialização era questionada.

Movimento de Educação de Base: o ponto de partida para um poema pedagógico

Como demonstrado, o trabalho educativo na Escola Nova Cultura teve início a

partir da união de alguns jovens que apontaram para a ausência de um programa político

da esquerda brasileira que unisse e direcionasse a ação revolucionária no sentido da

construção de um trabalho de educação de base que contribuísse para a formação

humana dos trabalhadores.

Segundo os idealizadores da Escola Nova Cultura seria necessário construir um

trabalho educativo que rompesse com as estruturas estabelecidas pela instituição escolar

burguesa, mas, além disso, seria fundamental reafirmar a necessidade da construção de

um levante operário e da constituição de um poder proletário, de forma a destruir a

opressão e a exploração da burguesia. Para tanto, fazia-se urgente a construção um novo

poder proletário, baseado na tomada revolucionária do poder e na construção de uma

sociedade socialista.

Faremos agora, uma breve discussão sobre o que significava o Poder Proletário

para estes idealizadores. Desta convicção de poder, embasavam-se os ideais do grupo

para a formação de uma nova educação de base e humana.

***

Para os idealizadores do projeto da Escola Nova Cultura o “Poder Proletário”

se constituía em uma organização política de Conselhos Proletários, sendo cada local de

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trabalho (fábrica, fazenda etc) um centro organizado com um Conselho Regional. Para

substituir o poder burguês seria necessário, na visão dos militantes da Escola, a criação

de um conjunto de Conselhos Regionais responsáveis pela eleição e desenvolvimento de

um Conselho Nacional. Os elementos que fizessem parte destes Conselhos teriam o

mesmo salário que o operário, podendo ser removidos a qualquer momento, sendo

continuamente substituídos de modo que grande parte dos trabalhadores pudesse ocupar

diretamente um cargo no Poder Proletário.

Foi essa visão sobre a destruição do poder capitalista que fomentou nos jovens

militantes do centro acadêmico a ideia de que seria fundamental desencadear um

movimento de educação de base no qual se pudesse transmitir aos indivíduos a ideia de

que o principal objetivo da luta dos trabalhadores era destruir o Estado burguês e

construir o Poder Operário. A luta pela supressão da condição de exploração tinha que

ser entendida como sendo uma luta política e, para tanto, seria necessário incentivar a

criação dos chamados Comitês de Empresa (CE) no qual o operário construiria uma luta

dentro da fábrica contra o capital e suas instituições de poder. Na visão dos fundadores

da Escola, ao se criar os CEs, os operários-alunos estariam ao mesmo tempo

construindo o Poder Proletário e lutando politicamente.

Porém, se o CE apenas buscasse levar os trabalhadores para lutas por aumento

salariais, por melhores condições de trabalho, ele não representaria um órgão do poder

operário – estaria lutando economicamente. A luta econômica era entendida por eles

como aquela em que os operários não lutavam contra a dominação política, e sim para

melhorarem suas condições de vida. Continuariam sendo explorados e dominados, mas

a ilusão de uma melhoria salarial faria com que esquecessem que os patrões, depois de

um aumento, teriam uma série de meios para piorar a vida dos trabalhadores. Na visão

dos fundadores da Escola, a luta econômica não destruía as causas do sofrimento

proletário – apenas a diminuía momentaneamente. No entanto, se bem conduzida pela

vanguarda operária, abriria caminho para a luta armada.

Em contrapartida, a luta política visava destruir o Estado burguês, destruir as

causas da exploração para, uma vez livre da dominação burguesa, o proletariado

pudesse construir uma sociedade sem classe. Na visão dos militantes da Escola, a luta

política seria possível quando os operários se mobilizassem contra todas as formas de

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opressão burguesa. Seria através destas lutas que os operários se educariam

politicamente, compreenderiam quem eram seus “amigos” e seus “inimigos”, como se

daria a luta de classes e quais eram as classes em luta. Desta forma, na visão do grupo, o

CE só se transformaria em Poder Operário, quando se movimentasse na luta política,

pois enquanto estivesse na luta econômica seria sempre dominado pela burguesia.

Portanto, a luta política era a principal via para a libertação proletária.

Mas, esta luta deveria se vincular a uma boa formação teórica dada através de

uma educação política. Foi na busca pela construção dessa educação que a comissão

organizadora da Escola Nova Cultura propôs a formulação de uma política relativa ao

trabalho de educação de base.

Por Educação de base e trabalho de cultura popular entendia-se a implantação e

dinamização de um conjunto de núcleos educacionais e culturais nas regiões operárias.

Foi este entendimento que levou a própria criação da Escola Nova Cultura que era

vista como um local onde se pudesse disseminar um conjunto de atividades educativas

revolucionárias, na linha sugerida por Makarenko. Este conjunto de atividades culturais

(e educacionais) foi denominado como Movimento de Educação de Base. Este

movimento se caracterizou como uma das principais formas de trabalho político

operário em geral e como principal instrumento no trabalho de propaganda e de

formação de quadros proletários.

Este trabalho de Educação de Base ia de encontro com aquilo que o grupo

considerava uma atuação populista junto ao movimento operário. Eles criticavam os

demais partidos de esquerda, em especial o PCB, afirmando que a marca do reformismo

e da colaboração de classes esteve presente desde o início do movimento de educação

de base, no período pré-64. Segundo os militantes da Escola, a criação do Centro

Popular de Cultura da UNE (CPC-UNE) fixou esta origem. O CPC-UNE corporificou a

síntese dos quatro elementos que caracterizaram o movimento de educação de base nos

anos de 1960. Os militantes da escola criticavam:

1) A política da aliança de classes proposta pelo PCB: a estratégia da revolução

por etapas que decretou o caráter da revolução brasileira era democrático-nacional, ou

seja, burguesa. Estabeleceu uma política de aliança do proletariado com os setores

burgueses e pequenos burgueses. Esta política foi o alimento teórico para a ação prática

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daqueles que conduziram o trabalho de educação de base, ao mesmo tempo, este

trabalho passou a ser um instrumento para a realização da “União do Povo”, nome que

foi dado à aliança com setores burgueses e pequenos burgueses. Desta forma o

movimento de educação de base perdeu o seu caráter propagandístico proletário e se

transformou numa ponte de ligação onde grupos pseudos-revolucionários lançavam-se

para se alinharem com a Igreja, (enquanto instituição burguesa) e outras representações

burguesas e pequeno-burguesas.

2) A utilização de aparelho da Igreja nos bairros: sempre que a política aliancista

se lançava ao trabalho de base, o fez através do aparelho da Igreja. Foi por isso que o

terreno do movimento de educação de base foi a paróquia da periferia; sua realização

era mais voltada para a construção da aliança com os setores progressistas da Igreja, do

que para a elaboração de uma organização e de uma militância operária. Na periferia, a

mobilização era voltada para o “povo”, amálgama classista de subempregados,

desempregados, lumpens, pequenos proprietários e, ocasionalmente, operários. Assim, o

movimento de educação de base se organizou para a aliança, ou seja, para a dinâmica

burguesa e se desorganizou para o movimento operário. O santo remédio da Santa Igreja

se transformou, no campo santo (cemitério) da organização operária.

3) A atuação da “intelectualidade pequeno-burguesa” e estudantil junto ao

“povo”: o principal suporte para a dinamização do trabalho de educação de base era a

camada intelectual e estudantil, recrutada no meio universitário e pequeno burguês.

Eram companheiros que se não fossem militantes diretos se transformavam em massa

de manobra da política populista. Suas atividades imediatas de aula ou de trabalho

cultural eram controladas e limitadas diretamente pela Igreja ou pela vigilância

onipresente dos populistas e sua iniciativa era reduzida ao campo agitativo/informativo,

sendo que o trabalho orgânico direto era terminantemente proibido.

4) A realização de uma educação política burguesa: o movimento de educação

de base foi se constituindo num instrumento de educação política burguesa junto ao

movimento operário. A sua principal conseqüência era a preparação de uma área de

manobra dentro das camadas popular e principalmente proletária para a efetivação de

uma política burguesa para o movimento de massas. Buscando a aliança com setores

burgueses e pequeno-burgueses, as organizações populistas pseudo-revolucionárias,

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transformavam a Educação de Base num movimento de cima para baixo. A organização

operária que poderia ser engendrada por uma política revolucionaria para este trabalho

de Educação de Base, era negada e substituída por organizações atreladas a Igreja e de

cúpula. O que era importante e exclusivo era a organização que corporificasse e

consolidasse a aliança com a burguesia. A organização que vinha da base operária era

esmagada pelas organizações que vinham de cima, pela dinâmica burguesa de

organização.

Por muitas vezes foi colocado que o populismo era a negação da organização,

porém, na visão dos militantes da Escola, o problema ia mais além. O populismo era a

forma de organização burguesa para o movimento operário.

Por isso, seria necessário, segundo os militantes da Escola, desencadear-se uma

luta revolucionária que resgatasse o trabalho de educação de base das determinações do

movimento reformista proposto pela esquerda populista. Seria importante criar um

movimento que atuasse contra um setor fundamental da dominação ideológica e política

burguesa sobre o movimento operário: a dominação burguesa ao nível da educação

científica e cultural.

Afirmavam que todas as dificuldades materiais que impediam o acesso do

proletário à cultura e ao conhecimento científico não eram ocasionais, elas faziam parte

da política e da ideologia burguesa que visava entorpecer e destruir a formação da

consciência de classe revolucionária. O conhecimento científico e histórico, bem como

a cultura produzida pela humanidade ao longo de sua história, eram apropriados pela

burguesia que os tornavam inacessíveis ao proletariado e o rompimento desta

dominação, na visão dos militantes, só seria possível pela pressão do movimento

operário. Porém ao mesmo tempo, o crescimento do movimento dependia do grau de

consciência e de educação política da classe operária e este, por sua vez, estava ligado a

capacidade do movimento em romper esta dominação burguesa no sentido da aquisição

de elementos de ciências e de cultura que serviriam de fundamentos para o

conhecimento político consciente e revolucionário.

Estabelecia-se então, um círculo vicioso, no qual o crescimento do movimento

condicionava-se ao rompimento da dominação burguesa e esta só seria rompida se o

movimento crescesse. Este círculo seria desfeito quando os operários tivessem acesso à

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cultura e à ciência, já que a recusa da burguesia em fornecer conhecimento à classe

operária não significava o embrutecimento do seu espírito que em suas manifestações

espontâneas e culturais teciam a sua cultura e aprendizagem dos rudimentos do

conhecimento. Por isso, era importante criar uma escola operária, na qual fosse possível

superar as formas de estranhamento não só da consciência dos operários, mas, também,

da sua ação.

Na ação de educação e de cultura da esquerda brasileira (considerada populista)

demonstrou-se uma incapacidade de levar adiante o processo de educação de base da

classe, pois sua pedagogia era baseada no falso humanismo que se mantinha ao nível da

cultura e da ideologia produzida pelo proletariado dominado e foi em nome de um

pseudo-respeito à cultura popular que os movimentos vinculados à esquerda tradicional

recusaram os elementos novos que pudessem romper a dominação estabelecida. Na

visão dos militantes da Escola, a ação educadora da esquerda tradicional se dirigia na

abstração e na formalização dos conceitos fugindo do mundo concreto da vida operária

e acompanhava a política oca das lutas pelos direitos humanos; em nome do respeito ao

ser social negava-se a organizar os trabalhadores e combatia quem os organizassem.

Segundo os militantes, esta inconsequência da esquerda brasileira no trabalho de

educação de base explicava sua sobrevivência legal e ampla, mesmo nos períodos mais

negros de repressão ao movimento operário. Sua ação incorporou a dominação burguesa

de forma ativa, desempenhando um papel importante na política burguesa de contenção

do movimento operário brasileiro nos anos 70/80.

Para esses militantes, o impulso que partia da própria base operária na busca

pela cultura, permitiria a construção da luta revolucionária e do movimento de educação

de base. A ação revolucionária de propaganda, organização e mobilização se

constituiriam num processo único e permanente substituindo o conceito da revolução

por etapas apregoado pela esquerda tradicional. A ação orgânica da educação de base

era necessária, na visão dos militantes, para a construção de um Poder Operário no qual

os trabalhadores ficariam encarregados de organizar os meios de produção e eliminar

todas as classes sociais, no sentido de liquidação da propriedade privada e todas as

formas de exploração do trabalho humano, destruir a dominação política burguesa e

exterminar as diferenças de classes, ou melhor, as próprias classes. Para eles, a

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concepção da revolução permanente ligava diretamente suas ações práticas imediatas

com a luta pela construção do Poder Operário.

Para os militantes, a educação de base era um trabalho de formação que deveria

ter como objetivo permanente à tomada da produção, tanto ao nível orgânico quanto ao

nível reivindicatório. Ao nível reivindicatório, deveria propiciar condições para

discussões constantes dos operários sobre seus problemas dentro da fábrica e, ao mesmo

tempo, deveria permitir uma constante avaliação da atuação dos companheiros na

produção, descobrindo os delatores, que fora da fábrica se disfarçavam de

revolucionários. Esta avaliação constante cujo centro era a prática na produção,

permitiria a orientação sistemática do trabalho no sentido de concentrar os esforços nos

mais destacados companheiros e também, ao mesmo tempo, deveria unir-se através de

todos os possíveis fios com a produção, desde o nível mais simples como a organização

de atividades pedagógicas, esportivas e culturais, até o nível mais profundo e vinculado

ao objetivo do movimento – os Comitês de Empresas.

Diante das condições de lutas e fraquezas do movimento operário, o trabalho

regional se colocava como a primeira generalização dos combates operários e o ponto

de partida para estas generalizações seria o trabalho específico nas fábricas, pois na

medida em que a propaganda aparecia como a principal forma de luta, a escola que seria

criada pelos militantes poderia se transformar no principal instrumento de realização

deste trabalho específico nas fábricas. Mas o movimento não deveria ficar restrito à

fábrica e nem tão pouco à escola; ele deveria se expandir para aquilo que os militantes

consideravam como o entorno do local onde os explorados pelo capital estivessem. Ele

deveria ir para os bairros, mais além dos muros da fábrica e da escola e procurar

construir, através da atividade de propaganda, aquilo que Antonio Gramsci chamava de

um novo bloco histórico para lutar contra a hegemonia do capital2.

Para tanto, seria necessário construir uma atividade pedagógica muito mais

ampla do que aquela realizada pela esquerda tradicional; seria necessário construir um

trabalho pedagógico buscando a construção de um novo tipo de saber humano, ou

2 Para melhor detalhamento sobre os conceitos de bloco histórico e hegemonia desenvolvidos por Gramsci ver: GLUCKSMANN, Christianne Buci. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª ed. 1990.

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melhor, seria necessário desenvolver um trabalho educativo visando construir o

humano.

Passemos, então a tratar daquilo que os militantes da Escola consideravam um

trabalho educativo capaz de construir este humano.

A construção de uma proposta pedagógica nova: o poema e suas formas

Tendo como objetivo a busca pela transformação da realidade, os idealizadores

da Escola Nova Cultura iniciaram seu trabalho junto à classe operária do Bairro do

Belém, a partir de uma proposta de ação que envolvia não só ações política efetivas,

como demonstramos acima, mas também, uma prática pedagógica nova entendida como

vital para a formação de uma consciência mais ampla.

Essa proposta não surgiu num “passe de mágica”, ao contrário, ela se

desenvolveu através do entendimento político daqueles que fizeram parte deste

movimento que a transformação social só poderia se dar por meio de uma nova forma

de ação que superasse os equívocos de atuação da esquerda partidária da época e

buscasse construir um novo sujeito histórico capaz de retomar o controle do seu

trabalho. A ideia era construir um trabalho educativo que rompesse com a separação

entre o saber e o fazer existente no processo de ensino oficial e ajudasse na elaboração

de uma nova prática social na qual os indivíduos assumissem o controle do metabolismo

social até então submetido à lógica do capital.

O trabalho que os fundadores da Escola Nova Cultura tentavam desenvolver

partia do pressuposto de que as instituições formais de educação certamente atuavam

como parte importante do sistema de internalização dos valores típicos da sociedade

capitalista e, quer os indivíduos participassem dela ou não – por mais ou menos tempo,

mas sempre em um número de anos bastante limitado –, eles deveriam ser induzidos a

uma aceitação dos princípios reprodutivos desta sociedade.

Tendo em mente a necessária construção deste projeto coletivo, os fundadores

da Escola romperam com o conceito de formação de base proposto pela esquerda do

período e buscaram sistematizar um plano de trabalho que guiasse a ação dos militantes

e contribuísse para a formação de uma ação coletiva.

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Estava fundada, assim, a Escola Nova Cultura, e a mesma tinha, para todos os

efeitos, uma metodologia que seguia o currículo oficial obedecendo ao MEC3. Seriam

ministradas cinco matérias básicas: História, Matemática, Ciências, Língua Portuguesa

e Geografia. No entanto, na prática, as normas oficiais não eram consideradas e a Escola

iniciava os cursos de ginásio com as cinco matérias dispostas de forma diferenciada

desenvolvendo uma prática dinâmica que visava construir conteúdos integrais para se

alcançar uma nova prática pedagógica.

A elaboração do plano de trabalho foi feita levando-se em conta formas novas de

formação onde o aluno construiria o conhecimento (conceito), a consciência crítica do

mundo e as formas da coletividade. Essa “construção” não era entendida como algo

individual e espontâneo, contrariando as teorias construtivistas contemporâneas, mas era

pensada a partir do pressuposto de que o conhecimento humano é algo processual e

histórico devendo ser sempre entendido como síntese de situações e necessidades

concretas que se alteram ao longo do tempo. Deste modo, o conhecimento do mundo

através da criação de conceitos poderia ser feito por qualquer indivíduo, desde que esse

“fazer” estivesse submetido a uma discussão coletiva e a uma prática social.

Esse foi o princípio que norteou todo o trabalho do grupo, incluindo a prática

pedagógica em sala de aula e a organização do trabalho em termos gerais.

Visando atingir os objetivos acima indicados, uma estrutura educacional

diferenciada foi criada. Nessa nova estrutura os professores se organizavam em vários

níveis autodenominados turnos, séries, áreas, comissões e acompanhamentos. Para o

melhor funcionamento da proposta de trabalho e visando-se a elaboração do

planejamento anual eram realizados vários debates nas reuniões de níveis (séries) e de

áreas (disciplinas). A coordenação formada por professores estava à frente de todas as

tarefas da Coletividade Escolar, mas havia uma política de incentivo a participação de

todos na divisão de trabalhos, principalmente no que se referia à parte de infraestrutura.

3 MEC - Criado em 1930, no governo Getúlio Vargas, por meio do Decreto nº 19.402, de 14 de novembro. Órgão federal responsável pela política nacional de Educação Infantil; Fundamental, Média e Profissional; Superior; de Jovens e Adultos; Especial; e a Distância. O MEC tem nove secretarias: Executiva; de Assuntos Administrativos, de Planejamento e Orçamento; de Controle Interno; de Educação Fundamental; de Educação Média e Tecnológica; de Educação Superior; de Educação Especial; de Educação a Distância; e de Projetos Educacionais Especiais.

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Respeitando-se a ideia de que o conhecimento só pode ser adquirido através de

um processo, o planejamento da Escola determinava que as classes fossem montadas

com separação dos alunos de acordo com os níveis de aprendizagem. O aluno era

avaliado no ato da matrícula, através de testes simples de Português e Matemática, além

da entrevista. Assim, as classes eram montadas, considerando-se os resultados destas

avaliações.

O trabalho em sala de aula era feito partindo dos elementos mais concretos

possíveis e que possuíssem maior identificação com o dia-a-dia do trabalhador. Desta

forma, seguindo as concepções marxianas de educação, partia-se do ensino de Língua

Portuguesa e Matemática, profundamente identificados com as necessidades rotineiras

do operário (fazer contas e problemas, ler e escrever, se exprimir com facilidade), tendo

como primeiro objetivo preparar uma base de trabalho para a inserção das outras

matérias. Eram três aulas de Língua Portuguesa e duas de Matemática trabalhadas

semanalmente, totalizando 15 aulas de Português e 10 de Matemática por mês nas quais

se perseguiam os seguintes objetivos:

Caracterização das dificuldades fundamentais dos alunos ligadas à leitura e à

escrita, além do trabalho com as operações fundamentais;

Desenvolvimento da interpretação de textos ligados à vida dos trabalhadores

através de crônicas, poemas, peças de teatro e canções no sentido do aluno

identificar a situação geral da classe explorada e oprimida;

Desenvolvimento das categorias gramaticais que mais auxiliavam na leitura

(construção de frases);

Desenvolvimento da capacidade de expressão escrita do aluno no sentido dele

manifestar livremente suas preocupações, anseios e ilusões através de redações;

Desenvolvimento do conceito de número natural e das operações fundamentais e

suas propriedades caracterizando sua operacionalidade, suas origens históricas, e

suas relações sociais, enfatizando igualmente o seu caráter experimental.

Este último trabalho preparava o aluno para o curso de Ciências que era

desenvolvido no 2º mês do curso. Exatamente por estar muito vinculado com a prática e

por ter como característica a formação do conhecimento a partir da experiência e das

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relações sociais, este trabalho com o conteúdo de Matemática permitia retirar o caráter

abstrato da aprendizagem deste saber e também preparava o raciocínio experimental das

Ciências.

Os trabalhos com os textos de Língua Portuguesa iam para além da simples

interpretação gramatical e domínio correto da norma culta. Tinham por objetivo

fornecer os meios corretos de expressão e possibilitar aos alunos a exposição de suas

idéias de forma adequada. Os textos utilizados tinham o objetivo explorar sempre o

aspecto político visando discutir as relações entre as classes no Brasil em suas

manifestações mais concretas possíveis, ao nível cultural, artístico, regional, econômico

e político. Desta forma, o aluno teria sua sensibilidade desenvolvida cultural e

artisticamente e seria possível, ainda, o desenvolvimento da capacidade de identificação

e caracterização das manifestações e relações entre as classes sociais.

Também era objetivo do grupo de professores, tornar visível ao aluno as relações

entre cultura, relações econômicas e as relações políticas, identificando como as

relações de exploração e de dominação determinavam a produção cultural das classes.

Buscava-se despertar no aluno a capacidade de identificação das próprias relações de

exploração e de dominação num quadro de luta de classes.

Para trabalhar os conceitos de cultura e cultura regional eram utilizadas as

próprias experiências dos alunos, em sua maioria migrantes de outras regiões e/ou

cidades brasileiras, desenvolvendo, desta forma, a sua participação na elaboração e

desenvolvimento dos conteúdos.

Ao longo do trabalho, os professores verificavam as maiores dificuldades dos

alunos e de acordo com o apurado estes remanejavam os mesmos (desde que houvesse

concordância) ou iniciava-se um programa de recuperação paralela e básica, com

monitoria e orientação em aulas extras, com objetivo de evitar o aumento da distância

entre os alunos com um maior grau de dificuldade e o conjunto da classe.

Como dissemos anteriormente havia um trabalho relativo à capacidade de

expressão que buscava sistematicamente ensinar o aluno a escrever o que pensava. Era

estimulada a expressão em todas as suas formas, sem rigor formal na correção, de

maneira que o aluno pudesse se colocar e a partir daí, receber orientação para a

formulação de suas ideias. Incentivava-se não só o hábito da leitura nos alunos-

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operários, criando-se na Escola uma biblioteca coletiva, mas também, o exercício da

escrita onde os mesmos poderiam expressar suas angústias, alegrias e expectativas. A

ideia era levar os alunos a escreverem poemas, composições musicais etc, onde estes

retratassem as suas condições e de sua classe.

Em relação ao curso de Ciências, este era basicamente experimental e

apresentava-se nos três ramos (Química, Física e Biologia) da forma mais concreta

possível buscando levar o aluno a entender o desenvolvimento dos conceitos químico-

físico através da processualidade histórica.

No 3º mês era introduzido o curso de Geografia Humana que dava ênfase às

regiões continentais e buscava determinar as relações políticas e econômicas destas

regiões. Em seguida, eram introduzidas as disciplinas de Geografia Geral e História.

No que diz respeito às reuniões pedagógicas, os professores as programavam de

acordo com os níveis e áreas, em horários comuns aos elementos constitutivos,

respeitando-se às três horas semanais estabelecidas para o grupo todo. As reuniões eram

desenvolvidas com o intuito de reforçar o trabalho de sala de aula.

O temário de discussões era dividido em unidades. Cada uma das unidades

constava de uma primeira parte de pesquisa de subsídios onde todos os professores

podiam elaborar ou indicar textos para o grupo ler a partir do tema correspondente. A

coordenação encaminhava estes subsídios para os grupos e os mesmos ficavam

encarregados de trabalharem nos temas. A segunda parte da unidade constituía-se de

discussões acerca do tema e a terceira parte era a elaboração de conclusões sobre o que

havia sido lido e discutido. Estas conclusões eram reunidas pela coordenação e passava

a constar no programa da Escola Operária. Os possíveis pontos de divergência eram

lançados novamente para discussão nos grupos, buscando-se uma posição da maioria. A

forma final era rediscutida nos grupos e, finalmente, concluía-se o programa.

A duração da discussão de uma dada unidade dependeria, portanto, da sua

complexidade e do ritmo com que o grupo dos professores concluíam o seu trabalho. O

trabalho da coordenação era avaliar e fornecer os subsídios, as conclusões dos grupos e

a conclusão final. O planejamento para o trabalho dos professores era realizado

permanentemente em função da dinâmica das discussões coletivas e das produções

teóricas conseguidas no decorrer do ano.

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Como o objetivo geral do trabalho era despertar criticamente a consciência dos

alunos e construir uma nova forma do ser, todas as disciplinas estavam pautadas por

essa orientação maior e procuravam estruturar suas discussões levando em conta esse

trabalho coletivo. Deste modo, a elaboração do currículo e a divisão das disciplinas nos

bimestres envolviam uma dinâmica pensada com base na ideia da formação ampla do

homem e por isso, tratava-se de um projeto pedagógico que visava atingir uma forma

diferenciada de formação humana.

Deste modo, a proposta geral de emancipação e formação humana guiava os

conteúdos bimestrais que eram definidos previamente. Esta proposta geral envolvia,

além do conteúdo disciplinar básico, inúmeras outras atividades, trabalhos de formação

e complementação teórica, sempre visando formar o aluno na perspectiva da

emancipação humana. Os objetivos gerais eram selecionados e desenvolvidos de forma

a propiciar na Escola e nas salas de aula a construção e aprimoramento da coletividade

geral. Estes objetivos norteavam o trabalho nas classes. Cada área devia encaminhar à

“coordenação pedagógica” sugestões de debates e aprofundamentos de temas

pedagógicos e políticos vinculados à rotina da sala-de-aula, por exemplo, classificação e

perfil dos alunos, propostas de monitorias, propostas de acompanhamentos e indicações

para estudos e/ou comissões, relacionamentos de sala-de-aula, relacionamentos para e

durante os trabalhos e atividades de gestão, entre outros.

Inicialmente o trabalho de sala priorizava romper com a “alienação” encontrada,

pois os professores registravam ser intensa a anulação da personalidade individual dos

alunos. Era nítida a visão mística que os mesmos possuíam em relação à educação;

havia uma valorização do ensino quantitativo e rápido e a expectativa dos alunos

ingressantes não fugia ao ideal de ascensão e inserção social por meio do diploma

existente na sociedade capitalista como um todo. Era trabalhada também, a questão da

auto-estima dos alunos, principalmente no que dizia respeito à forma de tratamento

mútuo, pois muitos alunos traziam internalizados sentimentos depreciativos.

Brincadeiras que ridicularizavam os outros eram comuns. Era hábito se depreciarem, já

que estavam acostumados ao tratamento desumano dos patrões. Inconscientemente

tornavam-se instrumentos da opressão classista humilhando e utilizando apelidos que

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ofendiam os outros pelo preconceito quanto à raça e cor, regionalismo, hierarquia no

trabalho etc.

Assim como o que havia acontecido com Makarenko em sua experiência nas

colônias educativas na Rússia, os professores se deparavam com homens reais, com

alunos que sofriam os efeitos da desumanização e fragmentação típicas da sociedade

capitalista e da “má-escola”; da escola que não possibilitava o desenvolvimento do

raciocínio lógico, que não permitia uma interpretação dialética do mundo. Desta forma,

no início das aulas, fazia-se necessário adotar uma linha de trabalho clara para que o

professor pudesse expor ao aluno “desconfiado” ou “competitivo” o método de trabalho

da Escola. O professor deveria ser capaz de trabalhar com aulas expositivas de forma a

não “chocar” os alunos acostumados ao ensino tradicional; tomava-se muito cuidado

quanto ao relacionamento professor-aluno e procurava-se sempre identificar o perfil da

classe de forma a adequar o método de trabalho utilizado.

Embora se utilizassem livros didáticos, os professores desenvolviam

coletivamente apostilas especialmente para as turmas da Escola, além de outros

materiais preparados constantemente. O acompanhamento dos alunos pelos professores

era feito sistematicamente; o assunto de cada aula era exposto inicialmente com

abordagens gerais e no final era feito o fechamento conclusivo. O trabalho era

desenvolvido de forma gradual, trabalhando-se primeiramente com duplas e

posteriormente passando aos grupos.

No 2º Bimestre, o aprofundamento do trabalho de sala de aula exigia mais do

aluno através de exercícios complementares e solicitação maior de empenho fora das

aulas, com pesquisas, entrevistas, apreciação de determinados programas culturais no

rádio, tv, cinema etc.

Assim como o trabalho interno deveria respeitar os ritmos de aprendizagem dos

alunos, a organização dos horários das turmas e das aulas acompanhava os diversos

turnos das fábricas. O trabalho educativo na Escola Nova Cultura era realizado

levando-se em conta à necessidade de oferecer opções de horários compatíveis aos

trabalhadores para que os mesmos pudessem freqüentar a Escola. Assim, os alunos

participavam em diferentes turnos de aulas e os professores sempre promoviam o

entrosamento dos grupos através de seminários de interesses comuns, visitas aos

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museus, planetário, zoológico, feiras folclóricas além de atividades de lazer, como

jogos, passeios, festas, gincanas e almoços.

Além disso, as atividades propostas eram elaboradas para valorizar as

contribuições dos alunos antigos que possuíam maior capacidade de socialização entre

os grupos de alunos em geral e eram realizadas sob orientação da coordenação dos

professores. Desenvolvia-se, também, uma atividade para identificação dos alunos com

maior abertura para os objetivos políticos.

Seguindo a proposta pedagógica de Marx e Makarenko, no 3º Bimestre a ênfase

dos professores era para que a Escola fosse vista como um novo local de sociabilidade e

os alunos identificassem a mesma como uma coletividade nova. Neste momento,

trabalhava-se a noção de coletividade paralelamente ao aprimoramento do trabalho em

sala de aula. Os professores também analisavam o estágio de desenvolvimento da

consciência de classe dos alunos e a partir daí esses alunos se envolviam num trabalho

mais profundamente político.

O principal fundamento do 3º Bimestre era, então, um aprofundamento do

trabalho de “conscientização” dos alunos mais engajados. Nesta fase, tinham início os

acompanhamentos mais diretos, os convites com mais afinco para a participação em

maior número de atividades extra-classe, de lazer e cultura ou, ainda, da participação

destes alunos nas semanas culturais, semana da mulher, na semana do nordeste e,

sobretudo, na luta sindical e nos CEs. Como explicitamos anteriormente, o trabalho

desenvolvido na Escola não tinha como objetivo apenas aprimorar os conhecimentos

científicos dos alunos, mas também, desencadear uma ação educativa que pudesse

funcionar como motor da luta de classes. Seria exatamente essa ação educativa que

possibilitaria a formação integral do homem na visão de Marx, Makarenko e Vigotsky.

No 4º Bimestre, com os alunos já organizados em coletividade, o trabalho

continuava de forma a aprofundar o relacionamento dentro de sala de aula, bem como o

comprometimento dos alunos diante da nova conscientização. Durante este período

concluíam-se todos os temas estudados e, paralelamente ao conteúdo apreendido,

desenvolvia-se uma nova postura crítica por parte dos alunos. Era avaliado o processo

de conhecimento dos mesmos e aprofundava-se o sentido de “Nova Escola - Nova

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Cultura”, onde o aluno transformava-se no agente e não no objeto do processo de

construção de sua vida.

Neste sentido, o aluno se transformava em parte integrante e construtora da

coletividade escolar. Estes atuavam tendo condições de reconhecer e legitimar os níveis

de organização e desenvolvimento da Escola. Mesmo aqueles que não tinham interesse

em participar diretamente podiam fazê-lo escolhendo seus representantes. Assim como

na Colônia Gorki de Makarenko, os alunos transformavam-se em produtores da vida.

No encerramento do ano letivo, para saldar o espírito de coletividade criado, os

professores e alunos da Escola Nova Cultura realizavam uma festa de final de ano,

coordenada pelos professores, mas organizada pelos alunos em comissões, com caráter

de comemoração vitoriosa pelo ano findado. Ao contrário do que ocorre na instituição

escolar oficial, os idealizadores da Escola Nova Cultura analisavam constantemente a

metodologia e a aplicabilidade efetiva da proposta para o ano letivo. A discussão sobre

a sala de aula organizada era o primeiro ponto discutido ressaltando-se sempre, como

acreditava Vigotsky, a importância do professor como elemento fundamental para o

desenvolvimento do processo de aprendizagem. Nesta direção, haviam normas

estabelecidas pela coordenação, dentre as quais podemos destacar a ideia de que:

O professor deveria ser paciente e detalhista em suas explicações;

O professor não deveria ser arbitrário, mas também não deveria deixar a classe

livre para ações quaisquer;

O professor deveria estar atento durante todo o tempo;

O material para a aula deveria ser sempre preparado com antecedência e de

forma adequada ao grupo; este material deveria ser de interesse da classe;

Em sala, o professor deveria ser o coordenador do trabalho, acompanhando e

intervindo quando necessário;

O trabalho em grupo deveria ser utilizado sempre que possível, dada a eficiência

na organização da sala, auxilio de participação e cooperação entre os alunos, que

deveriam estar nivelados em grupos com grau similar de dificuldade;

O grupo deveria sempre trabalhar de forma coletiva, sendo o professor o

mediador quando necessário;

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O professor deveria integrar-se às atividades dos alunos, de forma a participar

também das atividades culturais e recreativos, inclusive nos jogos de cartas e

coletivos, como vôlei, futebol, etc.

Aos professores, além da atividade didático-pedagógica, cabia a tarefa de

observar as manifestações de caráter psicológico, diante da diversidade dos alunos.

Durante o trabalho educativo em sala, os professores deveriam colocar em prática, como

frisamos anteriormente, uma ação para construir uma nova forma de consciência e um

novo tipo de coletividade entre os alunos.

Seguindo os caminhos trilhados por Makarenko, os professores-militantes da

Escola Nova Cultura acreditavam que seria de fundamental importância tomar

posições diferenciadas perante os alunos em sua convivência. Na sala de aula, os

professores deveriam assumir uma postura única, atendendo a todos igualmente, com

exceção feita a possíveis momentos de crise. Já fora da sala de aula, deveriam procurar

aprofundar relacionamento com aqueles que apresentassem maior grau de entendimento

das questões políticas. Esse contato mais profundo poderia ser obtido por meio do

trabalho paralelo das comissões, atividades culturais, grupos de estudo, jogos, etc.

Os grupos de estudos eram de fundamental importância para o aprofundamento

do trabalho político caracterizado anteriormente. Para os militantes da Escola, o

verdadeiro estudo devia ser mais científico e completo; os alunos mais politizados

deveriam desenvolver um estudo sistematizado sobre as teorias revolucionária e,

particularmente, sobre o marxismo e o leninismo. Neste sentido, o enfoque do trabalho

educativo estava na formação marxista dos alunos.

Para auxiliar neste trabalho de formação política, além do trabalho pedagógico já

citado neste estudo, a Escola desenvolvia as seguintes disciplinas (ou áreas) “extra-

curriculares”, que funcionavam como grupos para aprofundamentos de certos estudos:

Comunicação e Expressão – disciplina que trabalhava a questão da escrita

independente de artigos, crônicas, contos etc, possibilitando aos alunos a

capacidade de expressão escrita;

História II – disciplina que complementava o estudo da História geral e do Brasil

utilizando-se os princípios do marxismo necessários para o aprofundamento da

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análise e conhecimento da realidade;

Filosofia e Materialismo – disciplina que trabalhava a metafísica e o estudo das

leis da dialética e da formação da ideologia e pensamentos marxistas;

Atualidades e Conjuntura – disciplina que abordava as principais relações

sociais do capitalismo e do socialismo trabalhando as tendências da luta

proletária do momento de cada país da América Latina, do Bloco Socialista etc;

Economia Política – disciplina que estudava as leis regentes do capitalismo, as

crises cíclicas e estruturais do sistema e seus mecanismos.

Nestas atividades “extra-curriculares”, ou de grupos de estudos, os professores

ficavam atentos às classes, de forma que o nível de participação de alunos novos fosse

“controlado”. Isto era necessário em virtude do período ditatorial, de intensa repressão,

como já abordamos no primeiro capítulo deste trabalho. Neste sentido, seria prudente

que os militantes da Escola Nova Cultura estivessem atentos, identificando possíveis

agentes do regime militar que buscavam infiltrar-se em todos os locais. A tensão e o

medo faziam parte do cotidiano escolar.

Para a realização destas aulas “extra-curriculares” seria necessário que os

professores de Português, Geografia e História fizessem um trabalho paralelo no mesmo

horário e na mesma sala, para os alunos não envolvidos. Durante as aulas de Economia

Política e Materialismo, os alunos não envolvidos eram atendidos em outras salas por

outros professores e recebiam destes, explicações convincentes para a separação das

classes.

Desta forma, era possível perceber dentro da Escola vários níveis de ações

coletivas, desde as mais simples, até as mais complexas e orgânicas. A esses vários

níveis de engajamento dava-se o nome de intercoletividade.

O trabalho para integrar as intercoletividades era intenso. Algumas das ações

possíveis nessa direção eram os trabalhos na área recreativa como os esportivos, as

festas e danças nos quais coletividades diferentes entravam em interação. Os resultados

eram quase sempre positivos. O aspecto orgânico e sistemático da ação das

coletividades mais atuantes sobre as menos engajadas permitia a estas últimas a

visualização de uma referência mais estruturada. Com isto, os mais atuantes sentiam-se

mais fortificados e estimulados.

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As coletividades tinham a estrutura orgânica formada por 06 (seis) elementos:

1. A participação de massa: em suas atividades, que por sua própria realização

atraíam as massas que dela participavam, inicialmente sem compromisso

definido;

2. As comissões de atividade: isto é, o primeiro nível de compromisso que o

indivíduo estabelecia com a coletividade, qual fosse o da construção e

planejamento da atividade específica – comissão recreativa, comissão de música,

comissão de teatro etc;

3. Comissões de base: eram os núcleos de aprofundamento onde os elementos

oriundos do trabalho de coletividade tomavam o primeiro contato com o

programa político e passavam a compreender a coletividade como órgão do

poder operário;

4. Acompanhamentos políticos: resultado do processo de seleção dos

companheiros mais destacados cujo desenvolvimento se dava no ritmo mais

intenso que os outros e que, por isto, eram organizados num estudo mais

profundo do programa. Os acompanhamentos se davam primeiro para as

chamadas Frentes e depois para as Frações;

5. As Frentes: organização da militância ao nível do COL4, cuja participação se

dava a partir de dois critérios fundamentais – compreensão do programa COL e

da sua centralização e participação ativa na construção da coletividade;

6. As Frações: organização da militância da coletividade ao nível revolucionário,

cuja participação se dava em cima dos seis critérios de militância definidos

anteriormente: disponibilidade, disciplina, aplicação da linha política,

criatividade, combatividade e confiança. As Frações podiam ser divididas em

dois tipos: aquelas formadas no próprio trabalho de coletividade e aquelas

formadas a partir de outra coletividade. Existia apenas uma Fração formada pela

própria coletividade.

4 Em linhas gerais, esta era a sigla definida para o programa revolucionário de luta pelo socialismo, criado pelos idealizadores da Escola Nova Cultura. C.O.L - “União Operária para um futuro melhor” C: Coletividade; O: Operária; L: Libertação.

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Quanto as diferentes atividades, os elementos das coletividades eram divididos

em trabalho esportivo, trabalho educacional, trabalho de imprensa (mural, jornal, áudio-

visual), trabalho musical (cultural instrumental), trabalho de teatro (cultural lírico) e

trabalho literário (biblioteca, elaboração de contos, poesias e histórias, etc.). As tarefas

de cada atividade, bem como o planejamento concreto de cada período, a distribuição de

tarefas e responsabilidades, o detalhamento de cada período e a definição do modo

como se dariam estes encontros, ficavam sob a responsabilidade de um coordenador de

atividade. Posto isto, podemos afirmar que enquanto existiu, a Escola Nova Cultura

sempre buscou construir uma coletividade auto-gestionada. A auto-gestão era uma

forma de direção no qual todos os membros participavam ativamente executando

tarefas, planejando e decidindo coletivamente o que fazer. Era a união entre o trabalho

manual e intelectual, a execução e a elaboração. Neste sentido, seguindo os princípios

marxianos, os idealizadores da Escola afirmavam que determinadas condições seriam

fundamentais para que a autogestão pudesse ser desenvolvida: a construção da

propriedade coletiva (não era possível existir donos e empregados), a socialização do

conhecimento (não era possível uns controlarem as informações e outros não terem

acesso a ela), a busca de relações igualitárias (não era possível uns se considerarem

melhores ou superiores aos demais), o espírito participativo (não era possível se não

houvesse o interesse e motivação para atitudes coletivas) e a democracia socialista (não

era possível se uns mandavam e outros obedeciam). A construção de uma nova

sociedade, de um novo homem, de um novo tipo de conhecimento foram os pilares da

Escola Nova Cultura. Se estes eram os fins da proposta pedagógica da escola, os meios

para alcançá-los foram além da simples alfabetização, como expulsemos neste trabalho.

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