esp direito publico - reserva do possivel x minimo existencial
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NOME DO ALUNO: ALEXANDRE CAPUTO CAÇAPIETRA
CURSO: ESPECIALIZAÇÃO DIREITO PÚBLICO TURNO: NOITE
TÍTULO: Direitos Sociais: Mínimo Existencial e Reserva do Possível
TIPO DE TRABALHO
(X) Monografia de Final de Curso
Professor Orientador: ANDRE VIEIRA
( ) Paper de Disciplina/Módulo Disciplina/Módulo: DIREITO CONSTITUCIONAL
( ) Projeto de Pesquisa
2
Sumário INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................... 3
1. DIREITOS SOCIAIS ..................................................................................................................................... 4
1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ............................................................................................... 4
1.2. DIREITOS SOCIAIS: CONCEITO E APLICABILIDADE IMEDIATA ............................................ 8
2. MÍNIMO EXISTÊNCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ......................................................... 10
2.1. O QUE É MÍNIMO EXISTENCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................... 10
2.2. ORÇAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS ..................................................................................... 14
2.2.1. Direito à saúde: ........................................................................................................................... 19
2.2.2. Direito à educação ...................................................................................................................... 23
2.2.3. Direito à Assistência Social ..................................................................................................... 29
2.3. ANÁLISE DOS PRINCIPAIS GASTOS COM PROGRAMAS SOCIAIS NO .................................. 33
3. RESERVA DO POSSÍVEL ........................................................................................................................ 45
4. RESERVA DO FINANCEIRAMENTE POSSÍVEL X MÍNIMO EXISTENCIAL .................................. 48
4.1 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ...................................................................................................... 48
4.2 CONSEQUENCIAS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE ............................................................... 55
CONCLUSÃO ...................................................................................................................................................... 66
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................... 70
ANEXO A ............................................................................................................................................................. 75
ANEXO B ............................................................................................................................................................. 76
ANEXO C ............................................................................................................................................................. 78
ANEXO D ............................................................................................................................................................. 80 ANEXO E ..............................................................................................................................................................81
3
INTRODUÇÃO
É sabido que, em geral, os direitos sociais necessitam de uma prestação
positiva do Estado. Porém, para que essa prestação seja satisfatória, são
imprescindíveis grandes investimentos para garantir à população os direitos sociais
elencados no artigo 6º da Constitucional Federal1. Aliado a isso, percebe-se que os
anseios da sociedade são infinitos em comparação com a limitação dos recursos
financeiros disponíveis pelo estado.
A deficiência na gestão pública e os investimentos desproporcionais em
relação ao aumento da população fazem com que a sociedade tenha que ingressar
judicialmente contra o Estado para garantir o mínimo de condições para uma vida
digna. Em decorrência disso, discute-se na doutrina e jurisprudência nacional se o
judiciário deve intervir quando o Estado não cumpre o seu dever constitucional.
Assim, com relação a essa discussão, a denominada Clausula da
Reserva do Possível tem sido invocada repetidamente pelo Estado como justificativa
perante a falta de recursos e a não previsão orçamentária para suprir as carências
sociais em diversas áreas, tais como saúde, moradia, alimentação, entre outras.
Com isso, primeiramente será analisado a evolução histórica dos direitos
sociais; Em seguida, no segundo capítulo será apresentado o conceito de mínimo
existencial e a sua relação com a dignidade da pessoa humana, além de ser
analisada de forma sucinta, a legislação orçamentária e políticas públicas referentes
ao direito à saúde, educação e assistência social. No terceiro capítulo será feito um
breve apanhado sobre o conceito de reserva do possível como introdução para o
último capítulo no qual serão feitas duas análises: Jurisprudência de algumas
decisões importantes referentes ao mínimo existencial frente à reserva do possível;
e por fim, as consequências da “Judicialização do Direito à Saúde” na manutenção
de políticas públicas.
PALAVRAS-CHAVE: Reserva do Possível, Mínimo Existencial, Dignidade
da Pessoa Humana, Direitos Sociais.
1 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
4
1. DIREITOS SOCIAIS
Sob o símbolo da igualdade, os direitos sociais surgiram em decorrência
da grande disparidade de condições de vida e de trabalho impostas aos operários ao
longo do século XVIII e XIX. Somaram-se a isso, o impacto causado pelo processo
de industrialização e os problemas sociais daí decorrentes, além do surgimento de
doutrinas socialistas e a percepção de que os direitos alcançados ainda eram
insuficientes para a realização da justiça social. Nesse contexto, surge a
necessidade de o estado assegurar de forma positiva, as garantias mínimas para
uma vida digna.2
1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
A revolução industrial do século XVIII contribuiu para o problema da
questão social. Com o crescimento do proletariado, surgiram diferentes formas de
utilização da mão de obra, através de péssimas condições de trabalho, exploração
de mulheres e crianças, baixos salários, locais sem as mínimas condições de
higiene e segurança, etc. Acrescentou-se a isso, a inércia do Estado e a ausência de
leis que protegessem o trabalhador.
A revolução francesa de 1789 e a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, apesar de buscarem direitos iminentemente individuais, contribuíram
para o processo de intensas reivindicações sociais que iriam surgir no século
seguinte.
Na primeira metade do século XIX, através da influência das doutrinas
socialistas, as reivindicações sociais mudaram de foco tendo em vista que durante o
liberalismo clássico priorizava-se a busca pela liberdade e o fim do Estado
Absolutista. Já os movimentos socialistas lutavam por condições de vida mais
dignas e por igualdade para todas as classes sociais.
2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pg. 56.
5
A respeito do processo de mudanças que culminou com o surgimento do Estado Social no Século XX, APPIO3 afirma que:
O ainda incipiente processo de industrialização no continente europeu, que demandava a reformulação das relações entre capital e trabalho, revelou a insuficiência do modelo adotado pelo Estado liberal no que diz respeito aos direitos fundamentais, impondo a adoção de um novo modelo de Estado que, já no século XX, passa a assumir a missão de superar os problemas gerados pelo capitalismo. O Estado social nasce ancorado na necessidade de uma reformulação do capitalismo, a partir do esgotamento do modelo liberal. Os direitos de liberdade, considerados como direitos naturais e correlatos à própria condição humana, revelaram-se incapazes de conter conflitos crescentes no âmbito social, sendo necessário que o Estado passasse a positivar direitos de índole "artificial", os direitos econômicos e sociais.
Pode-se afirmar que a plena afirmação dos direitos sociais surgiu no
século XX, através da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar
de 1919, nas quais os direitos econômicos e sociais foram inicialmente positivados.
A respeito da Constituição Mexicana, LIMA JUNIOR4 constata que:
O texto constitucional mexicano de 1917 destacou-se não só pela primazia em estabelecer uma declaração ideológica dos direitos fundamentais de segunda dimensão, como também por buscar a instituição de uma sociedade baseada no direito ao trabalho, sendo forjada dentro de um acirrado embate entre a visão socializante do Estado e a liberal clássica, disputa esta que já prenunciava o cisma que se estabeleceria, em termos internacionais, apartando os direitos civis e políticos dos econômicos e sociais.
Apesar de haver divergência doutrinária com relação a real importância da
Constituição Mexicana, é inegável que ela antecipa alguns desdobramentos típicos
do direito social. Entretanto não possui sequer proximidade com a versão atual dos
direitos fundamentais5.
Assim, a Constituição Mexicana e a Constituição de Weimar foram o
marco inicial da positivação dos direitos fundamentais de segunda dimensão. Essas
constituições inspiraram os documentos adotados pela Assembleia Geral das
3 APPIO, Eduardo. Teoria geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá, 2005, pg. 56. 4 LIMA JÚNIOR, Jaime Benvenuto. Os direitos humanos, econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 23. 5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2006.
6
Nações Unidas tais como, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).6
No Brasil, a Constituição de 1824, inspirada na Revolução Francesa de
1789, já apresentava alguns esboços superficiais de direitos sociais. Porém,
apenas a partir da constituição de 1934 é que o legislador incluiu princípios sobre a
ordem econômica e social e, principalmente, os direitos destinados ao trabalhador
e sua família.
Utilizando os ideais da Constituição de Weimar, a constituição de 1934
trouxe grandes avanços, reconhecendo vários direitos sociais e trabalhistas que
não estavam presentes na Lei brasileira. Nesse sentido, afirma ALVES7:
“A Constituição de 1934 reconheceu a maioria dos direitos sociais mais difundidos, principalmente no tocante ao trabalho, entre eles: a isonomia salarial, o salário mínimo, a jornada de trabalho de 8 horas; a proibição do trabalho de menores, o repouso semanal, as férias remuneradas, a indenização por dispensa sem justa causa, a assistência médica ao trabalhador e à gestante, bem como reconheceu a existência dos sindicatos e associações profissionais, entre outras medidas”
A partir da edição do Decreto n. 5452 de 1943, criou-se a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). A CLT trouxe mais democracia e novos avanços para
os trabalhadores, tais como o repouso remunerado, direito de greve, estabilidade,
entre outros.
A Constituição de 1988 ao elevar a dignidade da pessoa humana e o
valor social do trabalho à categoria dos princípios fundamentais demonstrou, já no
artigo primeiro, a preocupação com a importância dos Direitos Fundamentais e
Sociais que deveriam reger o Estado brasileiro. Dessa forma, os direitos sociais
receberam no capítulo segundo, o amparo estatal para atender situações subjetivas
do individuo e da sociedade através de abstenções e prestações positivas
proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente.
6 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2007. 7 ALVES, Fernando de Brito. Cidadania e direitos sociais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 877, 27 nov. 2005 .
7
Sobre a constituição de 1988, BONAVIDES8 afirma que:
A Constituição de 1988, ao revés do que dizem os seus inimigos, foi a melhor das Constituições brasileiras de todas as nossas épocas constitucionais. Onde ela mais avança é onde o Governo mais intenta retrogradá-la. Como constituição dos direitos fundamentais e da proteção jurídica da Sociedade, combinando assim defesa do corpo social e tutela dos direitos subjetivos, ela fez nesse prisma judicial do regime significativo avanço.
A partir da constituição de 88, a dignidade da pessoa humana passa a ser
um dos núcleos centrais da nova ordem jurídica brasileira, tendo em vista a primazia
da valorização do ser humano como princípio fundamental da organização do
Estado e do Direito. Nesse sentido, impõe-se ao Estado um dever de realizar
condutas positivas a fim de efetivar as necessidades básicas da pessoa humana.
Através do capítulo segundo do título segundo da Constituição, o
legislador impôs ao estado o dever de proporcionar as condições mínimas
necessárias para o exercício das igualdades sociais. Nesse sentido, a questão a ser
enfrentada é a diminuição das desigualdades materiais com o objetivo de alcançar a
justiça social.
Complementando o exposto acima, SILVA9 conceitua os direitos sociais:
(...) como dimensão de direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
Em que pese parte da doutrina conceitue os direitos sociais através da
necessidade de uma prestação positiva do Estado, percebe-se através do texto
constitucional que esses direitos também podem incluir a possibilidade de abstenção
de prestações diretas. Ou seja, no artigo nono10, dentro do capítulo dos direitos
sociais, está elencado o direito de greve, no qual o Estado exerce uma prestação
8 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos Avançados.Instituto de Estudos Avançados de São Paulo. 2000, vol.14, n.40, pp. 155-176. 9 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª edição.São Paulo: Editora Malheiros, 2007. 10 Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
8
indireta ao assegurar para o trabalhador o direito de reivindicar melhores condições
de trabalho.11
Nesse sentido, a doutrina também utiliza a expressão “liberdades sociais”
para denominar os direitos sociais que não possuem um cunho positivo. Assim, nas
palavras de SARLET12:
“Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho (...)”
Dessa forma, os direitos de segunda geração representam um avanço
significativo na busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Porém, vinte e
quatro anos após a promulgação da Constituição Federal, o grande desafio continua
o mesmo: como garantir os direitos sociais com eficácia e efetividade diante das
limitações do estado em atender a crescente demanda da população por prestações
sociais.
1.2. DIREITOS SOCIAIS: CONCEITO E APLICABILIDADE IMEDIATA
Em que pese haja divergência, a doutrina majoritária considera ser de
aplicabilidade imediata todos os direitos e garantias fundamentais descritos na
Constituição Federal, independentemente de estarem relacionados no artigo 5º.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o Art. 5, §1º, ao determinar que as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata,
11ALMEIDA, Ângela; AUGUSTIN, Sérgio. O mínimo existencial e a eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações entre particulares. Caxias do Sul, RS, 2009. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2009. 12SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 51.
9
tutela não apenas as liberdades individuais, mas também os direitos e liberdades
sociais.
Assim, SARLET13 complementa a afirmação anterior e refuta a tese de
que os direitos sociais são normas de eficácia contida:
Em que pese à circunstância de que a situação topográfica do dispositivo poderia sugerir uma aplicação da norma contida no art.5º, §1º, da CF apenas aos direitos individuais e coletivos (a exemplo do que ocorre com o §2º do mesmo artigo), o fato é que este argumento não corresponde à expressão literal do dispositivo, que utiliza a formulação genérica “direitos e garantias fundamentais”, tal como consignada na epígrafe do Título II de nossa Lex Suprema, revelando que, mesmo em se procedendo a uma interpretação meramente literal, não há como se sustentar uma redução de aplicação da norma a qualquer das categorias específicas de direitos fundamentais consagradas em nossa Constituição, nem mesmo aos – como já visto equivocadamente designados – direitos individuais e coletivos do art.5º.
Dessa análise, prevalece a tese majoritária de que no sistema de direito
constitucional positivo nacional todos os direitos sociais são fundamentais, estando
positivados de forma expressa ou implícita, incluindo-se as garantias distribuídas no
título II e os dispersos no restante do texto constitucional, e também, os localizados
em tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
Com isso, o art.5º §1º apresenta duas características: 1) trata-se de
norma de natureza principiológica, a qual deve ser entendida como “mandado de
otimização”, ou seja, determinam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; 2) tem como efeito a
presunção de aplicabilidade imediata e plena eficácia e efetividade das normas de
direitos fundamentais, pois quando o poder público tentar reduzir os seus efeitos em
face, por exemplo, da aplicação da reserva do possível, essa redução deverá ser
necessariamente fundamentada.14
13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 220. 14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 214.
10
2. MÍNIMO EXISTÊNCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Neste capítulo será analisado o conceito de Mínimo Existencial e sua relação
direta com a Dignidade da Pessoa Humana. O Mínimo Existencial seria um conjunto
de direitos básicos formados pela seleção dos direitos sociais, econômicos e
culturais considerados mais relevantes, integrantes do núcleo da dignidade da
pessoa humana. Ainda neste capítulo, será apresentada a legislação referente aos
mínimos que devem ser aplicados no direito à saúde, à educação e à assistência
social. Por fim, será feito uma análise geral sobre os gastos efetuados através das
principais políticas públicas dos direitos sociais citados.
2.1. O QUE É MÍNIMO EXISTENCIAL E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade humana é a qualidade inerente e distintiva de cada ser
humano, que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da
Sociedade. Isso implica direitos de defesa (negativos), visando à proteção da sua
dignidade contra violações, como também direitos a prestações positivas, que
possibilitem os meios para uma vida com saúde, além de propiciar e promover sua
participação ativa e integrada com os destinos da própria existência e da sociedade.
Parte da doutrina atribui à dignidade da pessoa humana o papel de
protagonista na ordem constitucional, sendo: 1) unidade de sentido, por operar como
elemento de integração e critério interpretativo, na medida em que serve de
parâmetro para aplicação e hermenêutica não apenas dos direitos fundamentais e
das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico; e 2)
legitimidade, sendo a razão de ser de o próprio poder estatal.
11
Dessa forma, MIRANDA15 relaciona sistema de direitos fundamentais e a
dignidade da pessoa humana ao afirmar que:
“A constituição, a despeito de seu caráter compromissório, confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa na dignidade da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.”
A noção de mínimo existencial relaciona-se diretamente ao princípio da
dignidade da pessoa humana, previsto como um dos fundamentos da Constituição
(art. 1º, III) e também como uma das finalidades da ordem econômica (art. 170,
caput), na medida em que representa o mínimo necessário para as pessoas terem
uma vida digna.16
A partir do exposto, é pacífico perceber que os direitos sociais estão
intimamente ligados à dignidade da pessoa humana, pois os direitos expressos no
artigo 6º, tais como o direito à saúde, à assistência social, à moradia, à educação, à
previdência social, têm por objetivo conferir aos cidadãos as mínimas condições
para exercerem o direito a uma existência digna.
Ainda sobre a relação entre Mínimo existencial e dignidade da pessoa
humana, BARCELLOS17 explana que:
Uma primeira resposta que se pode apresentar desde logo, insatisfatória por sua generalidade, porém útil, é que o mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física – a sobrevivência e a manutenção do corpo – mas também espiritual e intelectual, aspectos fundamentais em um Estado que se pretende, de um lado, democrático, demandando a participação dos indivíduos nas deliberações públicas, e, de outro, liberal, deixando a cargo de cada um seu próprio desenvolvimento.
De acordo com a autora, analisa-se a importância de não se confundir o
mínimo existencial com o chamado mínimo vital ou mínimo de sobrevivência,
levando-se em consideração que este se refere à garantia da vida humana, sem
necessariamente abranger as condições para uma sobrevivência física em
condições apropriadas. Já o mínimo existencial relaciona-se ao conjunto de 15 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Coimbra: 1993, v. 4. p. 166 16 MORAES, Daniela Pinto Holtz. Efetividade dos direitos sociais: Reserva do possível, mínimo existencial e ativismo judicial. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 76, maio 2010. 17 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, página 252.
12
prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida
condigna, no sentido de uma vida saudável e com qualidade.18
A esse respeito, SARLET e FIGUEIREDO19 complementam a afirmação
anterior:
“Não deixar alguém sucumbir à fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia de um mínimo existencial, mas não é o suficiente. Tal interpretação é a que tem prevalecido não apenas na Alemanha, mas também na doutrina e jurisprudência constitucional comparada como a recente contribuição do Tribunal Constitucional Português na matéria, ao reconhecer tanto um direito negativo quanto um direito positivo a um mínimo de sobrevivência condigna, como algo que o Estado não apenas não pode subtrair ao indivíduo, mas também como algo que o Estado deve positivamente assegurar, mediante prestações de natureza material.”
Assim, nota-se que apesar de a garantia ao mínimo existencial não estar
expressamente prevista na Constituição, o seu reconhecimento consagrado como
um direito mínimo geral está presente tanto nos objetivos da ordem constitucional
econômica, quanto nos próprios direitos sociais específicos do artigo 6º. Porém,
esses direitos não se limitam simplesmente a concretização e garantia de uma vida
mínima, tendo em vista a dificuldade de se estabelecer com clareza qual é o mínimo
que cada pessoa necessita para ter uma vida digna. Por essa razão, conclui-se que
a composição do mínimo para uma existência digna tem uma interpretação variável
de acordo com as exigências concretas da pessoa beneficiada.
Alguns autores consideram que a noção de mínimo existencial
compreende o núcleo irredutível do principio da dignidade humana, no qual se inclui
um mínimo de quatro elementos, três materiais e um instrumental: a educação
fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à
justiça20.
18 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, página 254. 19 SARLET, Wolfgang Sarlet; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista: Direitos fundamentais e Justiça. N. 1, Out/dez de 2007, Porto Alegre, página 11. 20 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, página 258.
13
Dentre esses autores, BARCELLOS21 reitera que o mínimo existencial
constitui o conteúdo mais essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, e
por isso deve ser aplicado como uma regra, sem margem à ponderação, conforme
explica:
“... uma fração do princípio da dignidade da pessoa humana, seu conteúdo mais essencial, está contida naquela esfera do consenso mínimo assegurada pela Constituição e transformada em matéria jurídica. É precisamente aqui que reside a eficácia jurídica positiva ou simétrica e o caráter de regra do princípio constitucional. Ou seja: a não realização dos efeitos compreendidos nesse mínimo constitui uma violação ao princípio constitucional, no tradicional esquema do “tudo ou nada”, podendo-se exigir judicialmente a prestação equivalente. Não é possível ponderar um princípio, especialmente o da dignidade da pessoa humana, de forma irrestrita, ao ponto de não sobrar coisa alguma que lhe confira substância; também a ponderação tem limites”
Nesse sentido, concluí-se que as principais controvérsias verificadas
sobre o tema estão na delimitação do conceito e conteúdo do mínimo existencial, da
sua relação com a subjetividade dos direitos sociais e da amplitude de sua proteção
em caso de colisão, principalmente com a chamada, clausula da reserva do
possível.
Assim, com relação à concretização do mínimo existencial, uma das
principais dificuldades em garantir os direitos sociais está na dimensão financeira
desses direitos, que apesar de serem comum a todos os direitos fundamentais,
assume maior relevância quando se analisa a efetivação das prestações sociais,
tendo em vista que dependem sempre da disponibilidade econômica e da
capacidade jurídica de quem tem o dever de assegurá-las. Dessa, é recorrente o
Poder Público negar determinada prestação afirmando não ter condições financeiras
para prestá-la. Essa situação, designada de “Reserva do Possível”, relaciona-se
diretamente com as políticas públicas exercidas pelo Poder Público, com as
competências constitucionais, o principio da separação dos poderes, a reserva de lei
orçamentária, o principio federativo, entre outros e será análise posteriormente no
terceiro capítulo.
21 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, página 252.
14
2.2. ORÇAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Com o surgimento do Estado Social e o advento de novas formas de atuação
na conformação da ordem econômica e social, o orçamento público deixa de ter um
caráter anteriormente neutro e torna-se instrumento da administração pública, de
forma a atuar juntamente com o Estado nas várias etapas do processo
administrativo: programação, execução e controle.22
No Estado Social e Democrático de Direito, o orçamento instrumentaliza as
políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais
constantes do texto constitucional. Dessa forma, a concretização dos direitos
fundamentais depende da efetividade com que essas políticas serão praticadas pela
administração pública.
A Constituição brasileira traz uma série de normas de cunho financeiro e
tributário, especificando uma série de diretrizes, programas e fins, de caráter
dirigente, objetivando orientar a atuação estatal no sentido de se delimitar as
competências orçamentárias dos entes públicos, especificando as respectivas
receitas e despesas. Essa sistemática encontra-se interligada com os demais
valores e princípios constitucionais como um todo indissociável necessário para a
realização dos princípios humanistas e democráticos, elencados na Lei Maior, e por
outros princípios próprios da atividade financeira estatal.23
Com isso, a noção moderna de orçamento surge no exato momento em que os
objetivos, metas e programas – agora incluídos na constituição – passam a ter sua
implementação condicionada à adoção de políticas públicas que os concretizem.
Afinal, a consolidação do Estado social surge por meio de políticas públicas – e do
22 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007. 23 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pg. 195.
15
orçamento – na intervenção positiva do Poder Público na ordem econômica e na
ordem social.24
Nesse cenário, a Constituição de 1988 elencou uma série de preceitos
relacionados à destinação de recursos e sua distribuição aos diversos entes
federativos elevando o orçamento público a instrumento essencial do governo, tanto
para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento político e social.
Para isso, editou três leis interligadas que se sucedem e se complementam: a Lei do
Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei
Orçamentária Anual (LOA). Nesse sistema, todos os planos e programas
governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO deverá
estar sintonia com o PPA.25
De acordo com as disposições constitucionais, a política pública deve estar
baseada nas diretrizes, nos objetivos e nos programas de governo, com suas
respectivas metas, constantes do Plano Plurianual, bem como viabilizada por
intermédio das ações constantes da Lei Orçamentária Anual, conforme disposto no
art. 165 da CF/886.26
24 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007. 25 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007. 26 Constituição Federal Brasileira, Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. § 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. § 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. § 3º - O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária. § 4º - Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. § 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
16
A partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 101, de quatro de maio de
2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), a Lei de Diretrizes Orçamentárias
passou a determinar metas de resultado fiscal, informando, entre outros parâmetros,
a base contingenciável, as despesas obrigatórias e as ressalvadas de
contingenciamento.
O Anexo (Anexo E) de Despesas Obrigatórias da LDO estabelece as despesas
que não serão objeto de limitação de empenho, nos termos do art. 9º, § 2º, da LRF,
que dispõe entre outras coisas que não serão objeto de limitação às despesas que
constituam obrigações constitucionais.27
Assim, a Lei Orçamentária estabelece os limites de dotação que cada órgão
possui para o atendimento de seus programas e ações orçamentárias dentro do ano
civil, com a adequação dos recursos disponíveis às demandas sociais. O orçamento
em regra é autorizativo, significando que o gestor dispõe de discricionariedade
quanto à efetiva distribuição e aplicação dos recursos orçamentários, que podem
sofrer contingenciamentos, exceto para as chamadas despesas obrigatórias. Nesses
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. § 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. § 7º - Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. § 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. § 9º - Cabe à lei complementar: I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. 27 Lei de Responsabilidade Fiscal, n. 101. Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. § 2o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.
17
casos, há obrigatoriedade de execução e não se pode falar em restrição de recursos
orçamentários financeiros e nem serem objeto de lide, salvo ineficiência estatal.28
As ações orçamentárias que não constam como obrigatórias, são classificadas
pelo Poder Executivo como discricionárias e passíveis de contingenciamentos (tais
como, limitação de empenho e pagamento) e, assim, submetem-se à reserva do
possível na ótica desse Poder. Dessa forma, toda a despesa discricionária pode ser
sujeita a limitações de recursos e adiamentos, tendo em vista que não há
obrigatoriedade em sua efetivação.
A partir de uma análise entre as alocações do Poder Público e das decisões do
Poder Judiciário, observa-se que o ponto de colisão entre esses Poderes encontra-
se, principalmente, nas despesas discricionárias. Isso porque, no âmbito dessas
despesas pode haver a não execução de uma política que para o Executivo é
passível de contingenciamento, mas o Judiciário pode entender que essa política
deve necessariamente ser executada.29
Depreende-se do exame dessas despesas que algumas delas não geram
serviços que beneficiem diretamente os cidadãos e podem ser adiadas em função
da disponibilidade de recursos, sem incorrer em graves prejuízos à população. Por
isso, sujeitam-se à disponibilidade orçamentária e financeira do Estado, aqui
compreendida como reserva do possível sem, contudo, a sociedade entender que
estão sendo lesados os seus direitos sociais fundamentais.
Não obstante, algumas ações orçamentárias que são consideradas pelo
Poder Executivo como discricionárias encontram-se na fronteira dos conceitos de
mínimo existencial e da reserva do possível. Infere-se que as despesas
discricionárias essenciais à dignidade da pessoa humana que ainda não são
28VOLPE, Karina Rocha Martins. Efetivação dos direitos sociais na ótica do mínimo existencial. Revista brasileira de orçamento e planejamento. Vol 2, numero, 1, 2012. Disponível em: http://www.assecor.org.br/index.php/rbpo/vol-2-numero-1-2012/efetivacao-dos-direitos-sociais-na-otica-do-minimo-existenci/. Acesso em abril 2013. 29 VOLPE, Karina Rocha Martins. Efetivação dos direitos sociais na ótica do mínimo existencial. Revista brasileira de orçamento e planejamento. Vol 2, numero, 1, 2012. Disponível em: http://www.assecor.org.br/index.php/rbpo/vol-2-numero-1-2012/efetivacao-dos-direitos-sociais-na-otica-do-minimo-existenci/. Acesso em abril 2013.
18
plenamente garantidas pela Administração Pública constituem o espaço de evolução
conceitual do mínimo existencial.30
Ao analisar-se o caráter de essencialidade de algumas ações governamentais,
discute-se se isso vincularia o gestor público a efetivar essas políticas, afastando a
sujeição à reserva do possível ou mesmo, como se tem observado em decisões do
STF, de o Poder Judiciário determinar à Administração Pública a efetivação das
ações públicas relacionadas aos direitos sociais constitucionais.
Assim, parte das despesas discricionárias pode ser entendida como sendo
essencial pela sociedade, mesmo quando consta como despesas ressalvadas de
contingenciamento pelo poder público ou quando o Judiciário é provocado e se
manifesta no sentido de sua obrigatoriedade.
Com base no exposto anteriormente, percebe-se que as políticas públicas
estão diretamente relacionadas às diretrizes orçamentárias ditadas pela
Constituição. Por isso, são atividades eminentemente administrativas que se
resumem em programas de atuação do governo necessárias para definir as áreas
sociais que devem ser atendidas com prioridade, planejar os objetivos a ser
alcançados, analisar os meios disponíveis e o melhor momento de realização, bem
como direcionar os recursos públicos necessários para que a finalidade seja
alcançada, devendo-se considerar as expectativas e interesses da comunidade.31
O Estado, através da realização de políticas públicas, atende a diversos
interesses dos múltiplos setores da sociedade. Entretanto, toda e qualquer política
estatal depende de elevados recursos públicos, seja na forma de dinheiro, seja no
tempo gasto pelos funcionários do Estado para implementá-la.
30 Ibidem, pág. 15. 31DRUMMOND, Letícia Barbosa. O controle judicial das políticas públicas e o princípio da reserva do Possível. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2008/Discentes/Controle%20Judicial.pdf>. Acesso em 06 maio 2013.
19
Sobre o conceito de políticas públicas, SOUZA32 afirma que:
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.
Uma vez definido a relevância do orçamento na atuação de políticas públicas,
analisar-se-ão de forma sucinta as principais diretrizes legislativas definidas para
garantir a efetividade do direito à saúde, à educação e à assistência social através
de ações afirmativas do Estado:
2.2.1. Direito à saúde:
Antes da Constituição Federal de 1988, o direito à saúde não era reconhecido
como um direito fundamental e, por isso, era prestado pelo Estado sob a forma de
socorro público. Apenas após a promulgação da Constituição, adotou-se um
conceito de saúde não meramente curativo, mas também preventivo e de promoção
de bem-estar, de acordo com o conceito de saúde consagrado no preâmbulo da
Organização Mundial de Saúde.33
Com a redemocratização, intensificou-se o debate nacional sobre a
universalização dos serviços públicos de saúde. O momento chave do “movimento
sanitarista” foi com a criação do Sistema Único de Saúde. A Constituição Federal
estabelece, no art. 196, que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”, além de
instituir o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.
32 SOUZA, Celina. Políticas Públicas: Uma revisão da Literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-45. 33 CONSTITUIÇÃO ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Preâmbulo, julho, 1946: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social.” <disponível em: http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd47/EN/constitution-en.pdf>. Acesso em 03 maio 2013.
20
Sobre a mudança trazida com a constituição de 1988, MASSAFRA34 afirma que:
A saúde passou a ser entendida como um completo bem-estar associado à qualidade de vida, cuja efetividade depende de inúmeras circunstâncias relacionadas aos demais direitos de cidadania e ao desenvolvimento do país como um todo.
Com relação à competência, a Constituição autorizou concorrentemente a
União, os Estados e os Munícipios a legislarem sobre proteção e defesa da saúde
(CF/88, art. 24, XII, e 30, II). À União cabe o estabelecimento de normas gerais (art.
24, § 1º); aos Estados, suplementar a legislação federal (art. 24, § 2º); e aos
Municípios, legislar sobre os assuntos de interesse local, podendo igualmente
suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (art. 30, I e II). Já no
que tange ao aspecto administrativo, a Constituição atribuiu competência comum à
União, aos Estados e aos Municípios (art. 23, II). Os três entes podem formular e
executar políticas públicas de saúde.
Em setembro de 1990, foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº
8.080/90). Essa lei foi responsável por estruturar o modelo operacional do SUS,
propondo a sua forma de organização e de funcionamento. Dessa forma, o SUS é
concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e
indireta e complementarmente pela iniciativa privada. Entre as principais atribuições
do SUS, está a “formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua
produção” (art. 6º, VI).
A Lei nº 8.080/90 também dispõe sobre os princípios orientadores da atuação
do Sistema Único de saúde, dentre os principais destaca-se:35
• Universalidade – garantia a todas as pessoas do acesso às ações e
serviços de saúde disponíveis.
34 MASSAFRA, Cristiane Quadrado. DIREITO À SAÚDE E DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO: uma Questão de Cidadania. Revista Direito em Debate. Ano XII º 22, Unijuí. jul. /dez. 2004. 35 CAMPOS, Francisco Eduardo de, TONON, Lidia Maria, OLIVEIRA JUNIOR, Mozart de. Cadernos de Saúde. Planejamento e Gestão em Saúde. Belo Horizonte: COOPMED, 1998. Cap. 2, p. 11-26.
21
• Integralidade – o modelo de atenção integral é formado pelo conjunto de
ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, assistência
e recuperação. Isso significa praticar ações que promovam um atendimento
com mais qualidade a grupos populacionais definidos e ações específicas
de vigilância ambiental, sanitária e epidemiológica dirigidas ao controle de
riscos e danos, incluindo ações de assistência e recuperação de indivíduos
enfermos, além da detecção precoce de doenças, com ações de
diagnóstico, tratamento e reabilitação.36
• Equidade – significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais
onde há maior carência e necessidade de atendimento. Para isso, a rede
de serviços deve estar voltada às necessidades reais da população a ser
atendida. A equidade é um princípio de justiça social.
• Participação da comunidade – Criação de mecanismos de participação
popular. Por exemplo, os Conselhos e as Conferências de Saúde, que têm
como função precípua formular estratégias, controlar e avaliar a execução
da política de saúde. Os Conselhos de Saúde devem existir nos três níveis
de governo, são órgãos deliberativos de caráter permanente, compostos
com a representação de diferentes setores da sociedade. Já as
Conferências de Saúde são fóruns formados por vários segmentos sociais
que se reúnem para propor diretrizes, avaliar a situação da saúde e ajudar
na definição da política de saúde.
• Descentralização e municipalização – através da descentralização politico-
administrativa, possui direção única em cada esfera de governo. Possui
ênfase na atribuição prioritária da responsabilidade aos Municípios na
execução das políticas de saúde em geral, e de distribuição de
medicamentos em particular.
36 CAMPOS, Francisco Eduardo de, TONON, Lidia Maria, OLIVEIRA JUNIOR, Mozart de. Cadernos de Saúde. Planejamento e Gestão em Saúde. Belo Horizonte: COOPMED, 1998. Cap. 2, p. 11-26.
22
Ainda sobre o Sistema Único de Saúde, BARROSO37 afirma que:
O Sistema Único de Saúde é instituído no artigo 198 da Constituição: “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único”. Tal sistema deve ser “descentralizado” e deve prover “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. O texto constitucional demonstra claro compromisso com o Estado de bem-estar social, individualizando-se no cenário do constitucionalismo internacional por positivar o direito à saúde, bem como o sistema incumbido de sua garantia, em termos mais abrangentes.
Partindo-se para a análise das diretrizes orçamentárias relacionadas ao
direito à saúde, verifica-se que a constituição determina no artigo 198, em seu
paragrafo 1º que o sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195,
com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Além disso, no paragrafo segundo
determina-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios apliquem
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, recursos mínimos derivados da
aplicação de percentuais calculados. No caso da União, na forma definida nos
termos de lei complementar; no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam
os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem
transferidas aos respectivos Municípios; no caso dos Municípios e do Distrito
Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos
recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
A lei complementar 141 de 2012 estabelece que a União aplicará,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao
valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei
Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação
nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei
orçamentária anual. Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em
ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam
o art. 157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da 37 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro, fevereiro, 2008. Disponível na internet: <http://direitoadministrativoemdebateartigos.blogspot.com> Acesso em: 15, agosto de 2012.
23
Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios. Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e
serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam o art. 158 e
a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal.
Em geral, pesquisas apontam que os municípios aplicam em média 20% do
seu orçamento em saúde. Em 2009 os municípios estavam colocando 21,9% de sua
receita própria em saúde, totalizando R$ 11,5 bilhões a mais que os mínimos legais,
corrigidos pelo IGPM em dezembro de 2010. Em 2011, o valor médio aplicado pelos
municípios caiu para 20,5% da receita própria, significando R$ 13,1 bilhões a mais
do que o percentual mínimo. Ainda assim, ainda em 2011, os municípios declararam
ter aplicado o total de R$ 46 bilhões de reais em saúde. 38
Já entre os estados percebe-se que muitos não cumprem o mínimo legal de
12% de aplicação da receita em saúde. Entre 2000 e 2009 os Estados que não
cumpriram o mínimo ficaram devendo R$31,8 bilhões para a saúde, corrigidos pelo
IGPM para dezembro de 2010. Segundo dados de 2008 e 2009 já compilados pelo
Ministério da Saúde, 13 dos 27 estados gastaram menos de 12% de suas receitas
líquidas com as ações e serviços públicos de Saúde previstos na legislação. São
eles: Santa Catarina (11,74% da receita), Mato Grosso (11,28%), Paraíba (11,25%),
Alagoas (10,77%), Rio de Janeiro (10,75%), Espírito Santo (10,39%), Maranhão
(9,86%), Ceará (9,84%), Paraná (9,84%), Goiás (9,51%), Piauí (9,01%), Minas
Gerais (8,85%) e Rio Grande do Sul (4,37%).39
2.2.2. Direito à educação
Com relação à educação, o legislador constituinte determinou claramente os
percentuais mínimos a serem destinados para fomentar o pleno desenvolvimento da
população para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.
38 CARVALHO, Gilson. GASTO PÚBLICO MUNICIPAL EM SAÚDE 2011. Instituto de Direito Sanitário Aplicado. 2012. Disponível em: <http://www.idisa.org.br/site/documento_7730_0__2012---27---631---domingueira---financiamento-212.html>. Acesso em 17 maio 2013. 39Revista Veja Online. Dos 27 estados brasileiros, 13 não aplicam em saúde o mínimo previsto em lei. Publicada em 07/09/2011. Disponível em < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/dos-27-estados-brasileiros-13-nao-aplicam-em-saude-o-minimo-previsto-em-lei/>. Acesso em 16 maio 2013.
24
A União através de sua competência coordenadora em matéria de política
nacional de educação é reforçada, na legislação infraconstitucional, pelo art. 8º da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 1996),
visando a articular os diferentes níveis (básico e superior) e sistemas de ensino. Em
razão de a Constituição Federal não ter indicado nenhum nível de ensino para a
atuação prioritária da União, reforça-se a sua ação supletiva e redistributiva em
todos os níveis.40
A Constituição Federal, em seu no artigo 212, determinação que a União
aplique, anualmente, nunca menos de 18% por cento; e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, pelo menos 25% da receita resultante de impostos, na
manutenção e desenvolvimento do ensino. 41
Através da Emenda Constitucional 14/1996 determinou-se que a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios destinem parte dos recursos provenientes de
impostos para a manutenção e desenvolvimento da educação básica e remuneração
condigna dos educadores. Para isso, criou-se o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) (Artigo 60, I, ADCT), o qual
determina a destinação de pelo menos 15% dos recursos advindos de impostos
próprios e de transferências de impostos na manutenção e desenvolvimento do
ensino fundamental, dispondo que tais recursos deveriam, em cada ente federativo,
ser distribuídos proporcionalmente ao número de alunos nas respectivas redes de
ensino fundamental (§ 2º do artigo 5º da Emenda Constitucional 14/1996, que deu
nova redação ao artigo 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).42
Além disso, a mencionada emenda também dispôs que, nos dez primeiros
anos da sua promulgação, pelo menos 60% dos recursos fossem destinados ao
desenvolvimento do ensino fundamental, visando a assegurar a universalização de
seu atendimento e a qualificação da remuneração do magistério (artigo 5º, da
40OLIVEIRA, Mário Ângelo; MELLO, Giovanna Cunha; ISSA, Tiago Santos. O direito fundamental à educação em face das ações afirmativas. Revista Espaço Jurídico. v. 13, n. 2 (2012). 41 Art. 212, Constituição Federal. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. 42 MEDINA, Leila Regina Diogo Gonçalves. O direito fundamental social à educação em Contraponto à reserva do possível. Dissertação. Universidade Estadual Do Norte Do Paraná – UENP. Jacarezinho, 2010, pg. 192.
25
Emenda Constitucional 14/1996). Estabeleceu-se também a obrigação da União em
aplicar, na erradicação do analfabetismo, pelo menos trinta por cento dos recursos
previstos no artigo 212 (§ 6º do artigo 5º da Emenda Constitucional 14/2006).43
A Emenda Constitucional 53/2006, alterou o fundo criado pelo § 1º do artigo
5º da Emenda Constitucional 14/1996 (FUNDEF) para Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB – alterando a redação do § 1º do
artigo 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –, revogou os §§ 6º e
7º do referido artigo 60, inseridos pela Emenda 14/1996.
Comparando-se as mudanças perpetradas por ambas as ementas, percebe-
se nas palavras de SIFUENTES44 uma significativa:
[...] preocupação normativa em relação ao detalhamento dos mecanismos eminentemente operacionais, com o intuito de restringir o campo discricionário da Administração Pública em relação aos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à condigna remuneração dos trabalhadores da educação.
Tanto o FUNDEF quanto o FUNDEB utilizam o número total de matrículas de
alunos para definir quanto cada município ou estado vai receber, ou seja, a lógica de
financiamento do FUNDEB permanece a mesma do fundo anterior. O valor que cada
município e estado vai receber depende, portanto, da arrecadação e do número de
matrículas da rede, sendo que ao final de cada ano, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é responsável pela administração do
FUNDEB, divulga as previsões de recursos para o próximo período.45
As principais mudanças entre o FUNDEB e o FUNDEF é que o primeiro cobre
todas as matrículas da Educação Básica - desde a creche até o ensino médio e não
é uma conta única, mas 27 fundos - um para cada estado e o Distrito Federal e
compõe-se de nove impostos e transferências, sendo que cada ente federado é
obrigado a depositar 20% dessa arrecadação em uma conta específica para o fundo.
43 MEDINA, Leila Regina Diogo Gonçalves. O direito fundamental social à educação em contraponto à reserva do possível. Dissertação. Universidade Estadual Do Norte Do Paraná – UENP. Jacarezinho, 2010, pg. 192-193. 44 SIFUETES, Mônica. Direito fundamental à educação: aplicabilidade dos dispositivos constitucionais. 2. ed. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009, pg. 270. 45 RAMOS, Géssica Priscila. Fundef versus Fundeb: uma análise introdutória sobre as continuidades e as descontinuidades da política de valorização docente. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação. v. 4, n. 1, 2009. Disponível em <http://seer.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/2696>. Acesso em 05 maio 2013.
26
A União complementa o depósito quando esse repasse não atinge o valor mínimo
estabelecido para cada aluno ao ano. Outra mudança refere-se ao prazo de
funcionamento, tendo em vista que o FUNDEF foi criado para atuar durante 10 anos
(1997 a 2006) e o FUNDEB, em 14 anos (2006 a 2020).46
Os dois fundos preveem que 60% de seus recursos devem ser repassados pelos
estados e municípios para o salário dos professores em efetivo exercício e no
máximo 40% para outras ações de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
(MDE)
O FUNDEF foi criado com o objetivo de concorrer para a universalização da
educação básica (Ed.infantil ao ensino médio); promover a equidade; melhorar a
qualidade do ensino; valorizar os profissionais da educação (Criação do Piso Salarial
Nacional). Já o FUNDEB, objetivava garantir a aplicação de recursos públicos na
educação, principalmente no ensino fundamental (1ª à 8ª série), ao mesmo tempo
em que buscava corrigir a má distribuição dos recursos entre as diversas regiões do
país.47
A Constituição brasileira ainda priorizou o ensino fundamental (§ 3º do artigo
212), ao dispor que a distribuição dos recursos públicos visaria ao atendimento das
necessidades do ensino obrigatório, o que foi novamente reforçado com a Emenda
Constitucional 53/2006, que também determinou que os recursos destinados
deveriam ser distribuídos de forma proporcional ao número de alunos das diversas
etapas e modalidades da educação básica.
A Constituição brasileira separou a atuação dos municípios e dos estados. Os
primeiros deveriam atuar de forma prioritária no ensino fundamental e na educação
infantil, e os Estados e o Distrito Federal priorizariam esforços no ensino
fundamental e médio (respectivamente §§ 2º e 3º, do artigo 211).
46 RAMOS, Géssica Priscila. Fundef versus Fundeb: uma análise introdutória sobre as continuidades e as descontinuidades da política de valorização docente. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação. v. 4, n. 1, 2009. Disponível em <http://seer.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/2696>. Acesso em 05 maio 2013. 47SILVA, Leonardo Soares Quirino da. Fundeb x Fundef: qual a diferença? Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, Governo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/jornal/materias/0298.html>. Acesso em 10 maios 2013.
27
Além de tudo isso, a Constituição visou à desvinculação dos recursos
decorrentes do FUNDEB dos programas suplementares de alimentação e
assistência à saúde, os quais serão financiados com contribuições provenientes de
outros recursos orçamentários (artigo 212, § 4º), visando, com isso, maior
disponibilização dos recursos para serem aplicados no ensino, propriamente dito e
em sua melhoria.48
Analisando a prestação da educação, percebe-se que a Constituição
brasileira garante um padrão de qualidade (artigo 206) buscando materializar esse
preceito na determinação de que até 10% da complementação da União, prevista no
inciso V, do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, poderá
ser distribuída para programas destinados para a melhoria da qualidade da
educação, observadas as garantias do artigo 208 da Constituição (inciso VI, artigo
60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Há também a preocupação
da definição do padrão de qualidade no ensino através da norma do § 1º do artigo
60 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual estabelece que a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios é que deverão assegurar, no
financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade de ensino, de forma a
garantir padrão mínimo de qualidade.49
Portanto, a partir do exposto, conclui-se que a destinação orçamentária
constitucional relacionada à educação encontra-se plenamente traçada, incumbindo
aos entes federais e respectivos administradores o cumprimento do repasse dos
48 Constituição Federal, Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. 49 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 60 - Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: VI - até 10% (dez por cento) da complementação da União prevista no inciso V do caput deste artigo poderá ser distribuída para os Fundos por meio de programas direcionados para a melhoria da qualidade da educação, na forma da lei a que se refere o inciso III do caput deste artigo; § 1º - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade de ensino, de forma a garantir padrão mínimo definido nacionalmente.
28
percentuais corretos, sob pena de responsabilização administrativa, civil e criminal
pela sonegação ou desvio dos recursos.
No entanto, essas disposições não eximem de controvérsias a relação
cidadão/sociedade e Estado, pois, em que pese todo esse aparato legal sobre os
recursos públicos, distribuição e vinculação, muitos problemas ainda persistem; seja
pela não destinação correta de recursos, seja pela destinação insuficiente dos
recursos em face dos problemas enfrentados; seja pela não implementação eficiente
de políticas públicas na área educacional, a não distribuição adequada, ou mesmo o
não cumprimento dos comandos constitucionais relativos à implementação das
garantias de universalidade, qualidade e da progressiva expansão do ensino
obrigatório, de modo a abranger todas as etapas.50
Apesar de todos os problemas, percebe-se nas últimas décadas, do ponto de
vista quantitativo, uma evolução considerável no ensino brasileiro. A taxa de
analfabetismo da população com idade superior a 15 anos, que já foi próximo de
40% na década de setenta, reduziu para 10,1% (aproximadamente 14 milhões de
pessoas) em 2007. Entretanto, é um fato notório que a maior preocupação diz
respeito à taxa de analfabetismo funcional, que ainda em 2007 era de 21,7%, sendo
mais acentuada no meio rural (42,9%) em comparação com a taxa de 17% na área
urbana.51
Os problemas de déficit educacional do cidadão brasileiro se refletem em
dificuldades ligadas à qualidade do ensino superior no País. Em 2007, entre os
jovens de idade entre 18 e 24 anos que estavam frequentando instituições de
ensino, apenas 43% cursavam ensino superior, incluindo cursos de mestrado e
doutorado, sendo que 77,4% em instituições privadas e apenas 22,6% em
universidades públicas. Trata-se de outro obstáculo na busca da qualidade
educacional, tendo em vista a superioridade da qualidade do ensino superior público
50 MEDINA, Leila Regina Diogo Gonçalves. O direito fundamental social à educação em Contraponto à reserva do possível. Dissertação. Universidade Estadual Do Norte Do Paraná – UENP. Jacarezinho, 2010, pg. 194. 51 CRUZ, Aline Cristina da; TEIXEIRA, Erly Cardoso; BRAGA, Marcelo José. Os efeitos dos gastos públicos em infraestrutura e em capital humano no crescimento econômico e na redução da pobreza no Brasil. REVISTA ECONOMIA, ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia. Edição Selecta, 2010.
29
em relação ao privado, em razão do processo de seleção mais criterioso, entre
outros fatores.
2.2.3. Direito à Assistência Social
A partir da CF de 1988, a assistência social passou a englobar o sistema de
seguridade social conjuntamente com as políticas de saúde e previdência social. É
reconhecida como direito social aos desamparados (art. 6º da CF), e a “assistência
social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social” (art. 203 da CF).
MARTINS52 conceitua Seguridade Social:
O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
De acordo com art. 203, da Constituição Federal, a assistência social tem por
objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Esses dispositivos foram regulados somente em 1993, com a aprovação da Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS) que dispõe sobre a organização da
Assistência Social e dá outras providências.
Dessa forma, de acordo com o artigo primeiro da LOAS, a assistência social,
direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
52 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social, 30ª edição, São Paulo, Atlas, 2010.
30
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento
às necessidades básicas.53
Em 1994, através da Lei 8.842, institui-se a política nacional do idoso e
criação do Conselho Nacional do Idoso. A política nacional do idoso tem por objetivo
assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua
autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.54
Em 2012, através do Decreto 7.788, regulamentou-se o Fundo Nacional de
Assistência Social - FNAS, fundo público de gestão orçamentária, financeira e
contábil, instituído pela Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, com o objetivo de
proporcionar recursos para cofinanciar gestão, serviços, programas, projetos e
benefícios de assistência social. Dessa forma, caberá ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome gerir o FNAS, sob orientação e
acompanhamento do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS.
De acordo com o art. 195 da Constituição Federal, a seguridade social será
financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e de contribuições sociais.
Os recursos de cada ente federado para a execução da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) são alocados em seus orçamentos, pelos quais se efetiva
a gestão financeira da política. Os recursos federais do cofinanciamento da
assistência social são alocados no Fundo Nacionais de Assistência Social (FNAS).
Por sua vez, os recursos dos estados e municípios são alocados nos Fundos
Estaduais e Municipais de Assistência Social respectivamente, sendo que no Distrito
federal aloca-se no Fundo de Assistência Social do Distrito Federal (FAZ/DF). Para
apoiar a execução dos serviços socioassistenciais de caráter continuado da PNAS
no Distrito Federal, nos estados e nos municípios, os recursos do FNAS são
transferidos regular e automaticamente aos fundos regionais e locais.55
53 BRASIL. Lei 8.742, 7 de dezembro de 1993. 54 BRASIL. Lei 8.842, 4 de janeiro de 1994. 55 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO E COMBATE À FOME. Financiamento da Assistência Social. Disponível em <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/financiamento>. Acesso em 17 maio 2013.
31
A organização e a gestão da execução da PNAS acontecem por meio do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que, por meio da sua Norma
Operacional Básica (NOB/SUAS), define as condições gerais, os mecanismos e os
critérios de divisão para a transferência de recursos federais para o Distrito Federal
e os estados e municípios.56
As ações governamentais na área da assistência social são realizadas com
recursos do orçamento da seguridade social, previstos no artigo 195 da CF, além de
outras fontes (art. 204). Ao longo dos últimos anos, a assistência social vem
aumentando sua participação no orçamento da seguridade social crescendo de
3,76% (2000) para 9,27% (2010). Os recursos aplicados no orçamento da
assistência social podem ser agrupados em duas grandes categorias:
• Serviços, programas e projetos socioassistenciais;
• Benefícios de transferência de renda.
Esses recursos são executados em duas Unidades Orçamentárias (UO):
Ministério de Desenvolvimento Social - MDS e Fundo Nacional de Assistência Social
- FNAS. Em 2010, do montante de R$ 39,1 bilhões liquidados na função Assistência
Social do orçamento, 39% estiveram sob a responsabilidade da Unidade
Orçamentária MDS, sendo que 92% dos recursos foram destinados ao Programa
Bolsa Família (PBF). Já na Unidade Orçamentária FNAS, responsável por 61% dos
recursos da assistência social, 96% do orçamento foram liquidados no programa
“Proteção Social Básica”, responsável pelo pagamento do Benefício de Prestação
Continuada e da Renda Mensal Vitalícia.57
O orçamento do FNAS deve contar com as Políticas e Programas Anuais e
Plurianuais do governo, sendo submetido à análise e aprovação do Conselho
Nacional Assistência Social (§ 1º, art. 2º, Decreto nº 1.605/1995), com receitas
constituídas por dotações orçamentárias da União, doações e outras contribuições
de pessoas físicas e jurídicas, aplicações financeiras dos recursos do fundo e
56 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO E COMBATE À FOME. Financiamento da Assistência Social. Disponível em < http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/financiamento>. Acesso em 17 maio 2013. 57 SALVADOR, Evilásio. Orçamento da assistência social entre benefícios e serviços. In: VAZ, Flávio Tonelli; MARTINS, Floriano José (Org.). Orçamento e políticas públicas: condicionantes e externalidades. Brasília: ANFIP, 2011. p. 199-222.
32
alienação de bens móveis da União, no âmbito da assistência social. Além da
contribuição social dos empregadores, incidentes sobre o faturamento e o lucro, e
dos recursos provenientes dos concursos de prognósticos, sorteios e loterias, no
âmbito do governo federal, em consonância com o art. 195 da CF. Os recursos do
Fundo Nacional de Assistência Social são aplicados (art. 5º, Decreto nº 1.605/1995)
no pagamento do benefício de prestação continuada, no apoio técnico e financeiro
aos serviços e programas de assistência social aprovados pelo CNAS, obedecidas
as prioridades estabelecidas na LOAS.58
Ao analisar a participação de cada uma das fontes que repassam recursos
para a assistência social, observa-se a elevada concentração da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (COFINS), responsável por mais de 77,12% no
período da execução orçamentária de 2001 a 2011. Esse tributo visa atender
programas sociais do governo e tem sua incidência sobre a receita e o faturamento
das empresas, sendo passível de ser transferido para os preços de bens e serviços,
ou seja, a política de assistência social é financiada pelos próprios beneficiários
desta, conferindo um caráter regressivo a este tributo. 59
Por fim, Apesar das orientações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
de cofinanciamento com estados e municípios, na prática percebe-se que a União
permanece respondendo por mais de ¾ do financiamento da política de assistência
social no país. Dessa forma, é imprescindível que haja o estabelecimento de
percentuais mínimos a serem aplicados pelos Estados e Municípios em políticas
voltadas para a Assistência Social em seus diversos ramos de atuação.
58 SALVADOR, Evilásio. Orçamento da assistência social entre benefícios e serviços. In: VAZ, Flávio Tonelli; MARTINS, Floriano José (Org.). Orçamento e políticas públicas: condicionantes e externalidades. Brasília: ANFIP, 2011. p. 199-222. 59 SALVADOR, Evilásio. Orçamento da assistência social entre benefícios e serviços. In: VAZ, Flávio Tonelli; MARTINS, Floriano José (Org.). Orçamento e políticas públicas: condicionantes e externalidades. Brasília: ANFIP, 2011. p. 199-222.
33
2.3. ANÁLISE DOS PRINCIPAIS GASTOS COM PROGRAMAS SOCIAIS NO
BRASIL
Após analisar de forma sucinta a legislação aplicada à Saúde, à Educação e à
Assistência Social, faz-se mister analisar os principais gastos com políticas públicas
no Brasil. O Objetivo dessa análise é ter-se uma ideia do impacto causado no
orçamento pelas políticas governamentais aplicadas aos direitos sociais nos últimos
anos.
Em 2013, o montante distribuído entre o regime geral de previdência, o amparo
ao trabalhador e assistência chegou a R$ 405,2 bilhões. Esse valor já representa
9,2% do Produto Interno Bruto, ou seja, de todos os valores recebidos pela
população e pelas empresas instaladas no país.60
De acordo com VELOSO, MENDES e CAETANO61:
O crescimento dos gastos correntes, em parte, foi determinado pela Constituição Federal de 1988, que impõe o resgate de parcela da “dívida social” implicando na ampliação das despesas primárias do governo central, com a previdência, assistência social (especialmente para idosos), universalização do atendimento médico gratuito, e mais recursos para educação.
Com relação à saúde, dados relativos aos gastos das três esferas de
governo – União, estados e municípios – com Ações e Serviços Primários de Saúde
(ASPS) do SUS nos anos 2000 mostram que houve um rearranjo no pacto federativo
com relação à responsabilidade financeira: enquanto os gastos federais traduzem-se
em R$ 35,36 bilhões em 2000 e R$ 48,68 bilhões em 2008 (valores corrigidos a
2012), indicando um crescimento real de 38%, os gastos dos Estados apresentaram
um crescimento de 137% (de R$ 10,91 bi para R$ 25,88 bi, respectivamente; sendo
60 PATU, Gustavo. Metade dos gastos de Dilma vai para programas sociais. Folha online, fev. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1224987-metade-dos-gastos-de-dilma-vai-para-programas-sociais.shtml>. Acesso em 05 maio 2013. 61 VELLOSO, Raul W. dos Reis, MENDES, Marcos José e CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. “Redirecionar os gastos para investir e crescer mais”, XXII Fórum Nacional (Estudos e Pesquisas nº 345), 17 a 20 de maio de 2010.
34
que os gastos municipais passaram de R$ 12,74 bilhões em 2000 para R$ 31,44
bilhões em 2008, com um crescimento real de 147%).62
Esses dados apontam claramente que a esfera municipal é aquela que arca
com maior pressão para aumento de recursos nessa função, uma vez que a
demanda está diretamente dirigida a ela. Mas demonstra também que, dada a
disparidade da base de recursos, esse quadro compromete a capacidade
redistributiva do Estado na provisão de serviços de saúde e, portanto, a equidade,
um dos princípios pétreos do SUS.
Dentre as políticas públicas em vigor no país, é interessante analisar as
voltadas para o fornecimento de medicamentos. Nesse sentido, a seguir serão
apresentados três projetos voltados para esse tema: Farmácia Popular, Saúde não
tem preço e o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional.
No ano de 2004, o Governo federal lançou o Programa Farmácia Popular do
Brasil. O Programa surgiu como estratégia de ampliação do acesso a assistência
farmacêutica de medicamentos essenciais, para tratamento das doenças mais
prevalentes no país.
As farmácias populares disponibilizam para venda subsidiada pelo Ministério
da Saúde mais de cento e sete medicamentos, incluindo aqueles voltados às
doenças cardiovasculares, infecciosas, do sistema endócrino, além de
anticoncepcionais orais. A venda é feita diretamente às pessoas com receita médica,
e o usuário paga 10% do valor de referência e o Governo Federal arca com 90%. O
programa Farmácia Popular, na prática, introduziu o copagamento Estado-usuário
na aquisição de medicamentos no sistema de saúde brasileiro.63
A criação do Programa teve como objetivo principal atingir a faixa
populacional com orçamento familiar entre 4 e 10 salários mínimos que utiliza o
sistema de saúde privado. Entretanto, não estabelece barreiras de acesso à
62 SALVADOR, Evilásio. Orçamento da assistência social entre benefícios e serviços. In: VAZ, Flávio Tonelli; MARTINS, Floriano José (Org.). Orçamento e políticas públicas: condicionantes e externalidades. Brasília: ANFIP, 2011. p. 199-222. 63 SANTOS-PINTO, Cláudia Du Bocage; COSTA, Nilson do Rosário; OSORIO-DE-CASTRO, Claudia Garcia Serpa. Quem acessa o Programa Farmácia Popular do Brasil? Aspectos do fornecimento público de medicamentos. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 6, Junho 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1413-8123201100060003. Acesso em 18 Maio 2013.
35
população seja ela da rede pública ou privada. Outro aspecto interessante é o fato
de a estratégia inicial ser a abertura de farmácias estatais, geridas diretamente pela
Fundação Oswaldo Cruz ou por meio de parceria federal com estados e municípios
(a maioria), cujo número em meados de 2008 ultrapassava 450 unidades no país.
Porém, a partir de 2006, cresce uma segunda vertente do programa, representada
pelo credenciamento de farmácias privadas da rede do comércio varejista em todo o
país, cuja expansão se dá de forma bem mais acelerada nos anos subsequentes,
alcançando mais de 6 mil estabelecimentos em 2008.64
Atualmente, existem mais de 3.368 municípios no país com farmácias
populares. Em 2006, no inicio do programa, apenas 52% dos remédios fornecidos
eram genéricos e 40% eram similares. Em 2012, esse número passou,
respectivamente, para 75% e 18%. Os medicamentos referência permaneceram
estáveis em 7% ao longo desse período.65
Segundo auditoria do Tribunal de Contas, o Programa Farmácia Popular vem
recebendo crescente dotação orçamentária. Dentro dessa iniciativa, destaca-se que
o volume de recursos triplicou de 2006 para 2009, superando R$ 560 milhões. A
despesa liquidada era de 29,83 milhões em 2005 e, em 2006, após a estratégia de
expansão do programa com a inclusão da rede privada de farmácias, o valor
aumentou para 144,25 milhões.66
Sobre a efetividade do programa, o relatório de auditoria do TRIBUNAL DE
CONTAS67 conclui que:
Foi apontada a necessidade de estudos, por parte do Ministério da Saúde,
sobre o custo-efetividade do programa. Constatou-se que os medicamentos
com maior participação nos gastos (Captopril 25mg e Maleato de Enalapril
64MACHADO, Cristiani Vieira; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria; NOGUEIRA, Carolina de Oliveira. Políticas de saúde no Brasil nos anos 2000: a agenda federal de prioridades. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, mar. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n3/12.pdf>. Acesso em 18 maio 2013. 65 JUNIOR, José M. do Nascimento. Programa Farmácia Popular. Departamento de Assistência Farmaceutica, Ministério da Saúde. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cssf/audiencias-publicas/audiencia-6.10/apresentacao-3>. Acesso em 18 maio 2013. 66 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Relatório de auditoria operacional: farmácia popular. Brasilia, 2011, pag 12. 67 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Relatório de auditoria operacional: farmácia popular. Brasilia, 2011, pag 55.
36
10mg) são subsidiados por preços bem mais elevados (2.500% e 1.900%,
respectivamente) do que os alcançados por outro programa público com a
mesma finalidade, como é o caso do Programa Farmácia Básica, que
adquire medicamentos de forma direta via licitação.
Conforme o exposto, apesar de o programa ter dotação orçamentária cada
vez maior, é necessário analisar-se porque alguns medicamentos são adquiridos
com preços mais elevados do que os comprados por programa federal similar,
percebendo-se que não possuem a mesma efetividade.
O programa Saúde não tem preço, lançado pelo governo federal em 2011,
distribui medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma nas farmácias
privadas credenciadas do programa ‘Farmácia Popular’ para população de baixa
renda. O Programa visa atender 33 milhões de brasileiros com hipertensão e mais
de 7,5 milhões de diabéticos. Em dois anos de funcionamento, já foram atendidos
mais de 14 milhões de pessoas.
Dentro do escopo da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, o
Ministério da Saúde aprovou o Componente de Medicamentos de Dispensação
Excepcional em 2006, através da Portaria GM/MS nº 2.577.68
Pelo conceito, o Componente de Medicamento de Dispensação Excepcional é
uma estratégia da Política de Assistência Farmacêutica, que tem por objetivo
disponibilizar medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde para tratamento
de doenças através dos seguintes critérios:
a) doença rara ou de baixa prevalência, com indicação de uso de
medicamento de alto valor unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado,
seja um tratamento de custo elevado; e
b) doença prevalente, com uso de medicamento de alto custo unitário ou que,
em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado desde
que: b.1) haja tratamento previsto para o agravo no nível da atenção básica, ao qual
68 LIMA-DELLAMORA, Elisangela da Costa; CAETANO, Rosangela; OSORIO-DE-CASTRO, Claudia Garcia Serpa. Dispensação de medicamentos do componente especializado em polos no Estado do Rio de Janeiro. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 9, set. 2012. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232012000900019&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 19 maio 2013.
37
o paciente apresentou necessariamente intolerância, refratariedade ou evolução
para quadro clínico de maior gravidade, ou b.2) o diagnóstico ou estabelecimento de
conduta terapêutica para o agravo estejam inseridos na atenção especializada.69
Com o objetivo de deixar o conceito de “medicamentos excepcionais ou de
alto custo” mais preciso, foi publicada a Portaria GM/MS nº 2.981, de 26 de
novembro de 2009 que, a partir de 1º de março de 2010, aprovou o Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica, em substituição ao antigo Componente
de Medicamentos de Dispensação Excepcional.70
A criação do Programa apoiou-se primordialmente no cumprimento do
princípio da integralidade na atenção à saúde da população, ou seja, busca prover
condições de assistência integral à saúde dos indivíduos pelo Sistema Único de
Saúde através do fornecimento de medicamentos com alto custo unitário para
pacientes com patologias específicas. A ação funciona como um suporte importante
no tratamento de doenças crônicas e\ou de uso contínuo, de alta e média
complexidade.71
Entre 2002 e 2009, período que compreende a criação do Programa de
Medicamentos Excepcionais e a sua evolução até o Componente de Medicamentos
de Dispensação Excepcional, houve um crescimento exponencial dos recursos
financeiros empregados pelos estados e, principalmente, pela União. Em 2008, os
estados financiaram aproximadamente 9% do Componente e, em 2009, 12%.
Em 2003, os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos atingiram
pouco menos de dois bilhões de reais, então correspondentes a 5,8% do orçamento
total do Ministério da Saúde. Em 2010, o valor chegou a cerca de R$ 6,5 bilhões,
correspondentes a 12,5% do orçamento.72
Nesse sentido, ao consolidar esses dados, os medicamentos do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica foram divididos em três Grupos distintos
69Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010. Pag. 40. 70Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010. Pag. 43. 71 Ibidem, 46. 72 Ibidem, 55.
38
e com características diferentes, procurando manter um equilíbrio financeiro na
ordem de 87% para a União, 12% para os estados e 1% para os municípios:
O Grupo 1 é aquele cujo financiamento está sob a responsabilidade exclusiva
da União e é constituído por medicamentos que representam elevado impacto
financeiro para o Componente; por aqueles indicados para doenças mais
complexas; para os casos de refratariedade ou intolerância a primeira e/ou a
segunda linha de tratamento; e que se incluem em ações de desenvolvimento
produtivo no complexo industrial da saúde.
O Grupo 2 é constituído por medicamentos, cuja responsabilidade pelo
financiamento é das Secretarias Estaduais da Saúde, para tratamento ambulatorial
de doenças menos complexas em relação àquelas elencadas no Grupo 1 e/ou para
tratamento da refratariedade ou intolerância à primeira linha de tratamento.
O Grupo 3 é constituído por medicamentos, cuja responsabilidade pelo
financiamento é tripartite, sendo a dispensação de responsabilidade dos municípios
sob regulamentação da Portaria GM nº 2.982/2009. Os fármacos desse Grupo estão
presentes na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) vigente e
são indicados pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, publicados pelo
Ministério da Saúde como a primeira linha de cuidado para o tratamento das
doenças contempladas no Componente Especializado de Assistência Farmacêutica.
Assim, percebe-se que esse modelo busca o equilíbrio financeiro entre as
diferentes esferas de gestão responsáveis pelo financiamento dos medicamentos na
forma de Grupos, conforme apresentado nos parágrafos anteriores.
A seguir serão apresentados dados referentes aos gastos públicos em 2008
com o sistema anterior, o Componente de Medicamentos de Dispensação
Excepcional – CMDE.
O Sistema Único de Saúde investiu R$1.875.462.317,17 somente com os
medicamentos cofinanciados (120 medicamentos) do CMDE em 2008; portanto, não
computados os recursos empregados pelo Ministério da Saúde para a aquisição
39
centralizada dos medicamentos financiados por esta modalidade. Desse total,
R$1.672.962.610,78 (89%) foram recursos empregados pelo Ministério da Saúde e
R$202.499.706,36 (11%) pelos estados. Apenas o Estado de São Paulo recebeu
45,85% de todo o recurso investido pelo Ministério da Saúde e em contra partida,
investiu R$ 62.733.038,68 através de sua secretaria de saúde, referente a 31% do
valor total aplicado pelos estados.73
Outro dado interessante, é que do total de recursos investidos pelos estados
em 2008 (aproximadamente R$ 202 milhões), 90% (R$ 182.249.735,72) foram
aplicados por apenas 14 estados (São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Santa Catarina,
Rio de Janeiro, Distrito Federal, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Mato
Grosso, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Sergipe e Espírito Santo). Nesse mesmo
ano, o Rio Grande do Sul investiu apenas R$ 1.12.942,92. Isso pode ser reflexo do
volume de demandas nesses estados e também do valor praticado na aquisição dos
medicamentos.74
Além da transferência de recursos aos estados através do Fundo Nacional de
Saúde, o Ministério da Saúde também faz a aquisição centralizada de
medicamentos do Componente com o intuito de otimizar os recursos financeiros
disponíveis e/ou de fortalecer o complexo industrial brasileiro, tendo em vista que
promove ações de incentivo para a produção de medicamentos em território
nacional. Esses medicamentos são adquiridos com recursos exclusivos da União,
sendo que os estados não participam do seu financiamento.
Dessa forma, no período de janeiro a dezembro de 2008, o Ministério da
Saúde investiu R$2.291.800.340,45 para financiamento do Componente de
Medicamentos de Dispensação Excepcional, sendo R$1.672.962.610,78 investidos
para cofinanciamento através de aquisição descentralizada pelos estados e
R$618.837.729,67 para aquisição centralizada dos medicamentos.75
Outro dado importante é que apesar do CMDE possuir, em 2008, 107
fármacos em 231 apresentações, apenas 20 fármacos representaram 79% do 73Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010. Pag. 145. 74 Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010. Pag. 147. 75 Ibidem, pag. 149.
40
orçamento do Componente, totalizando R$2.015.763.535,52. Por outro lado, 49
fármacos não representaram 1% do total.
Com o novo sistema, a partir de 2009, houve a divisão do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica em três Grupos de medicamentos com
definição das responsabilidades para cada ente federado, ampliando o número de
medicamentos de aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde e formalizando a
importância da responsabilidade do município na linha de cuidado para aquelas
doenças que requerem uma abordagem terapêutica inicial na atenção básica. O
orçamento do SUS necessário para financiar o Componente, em 2009, sem as
incorporações previstas, foi de R$2.648.136.348,83; uma redução de
R$183.460.638,92 quando comparada com a tendência de 2009 usando o
Componente anterior. Desse total, 89,48% foi financiado pelo Ministério da Saúde,
9,56% pelos estados e 0,96% financiamento tripartite por meio do Componente
Básico da Assistência Farmacêutica.
Por fim, conclui-se que após a construção e consolidação do Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica, pode-se afirmar que a otimização de
recursos orçamentários, um dos principais pilares de seu aprimoramento, foi alçada
a um nível superior ao inicialmente, fechando 2009 com uma economia total entre os
três grupos de R$ 220.942.811,85 na aquisição de medicamentos.
Com relação à educação o Governo Federal criou em janeiro de 2005, o
Programa Universidade para Todos (ProUni) com o propósito de ampliar o acesso
ao Ensino Superior através da Lei nº. 11.096. O Programa tem como finalidade a
concessão de bolsas de estudos integrais e parciais (50% e 25%) a estudantes de
baixa renda, em cursos de graduação de formação específica, em instituições
privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns
tributos àquelas instituições que aderirem ao Programa.76
As instituições que aderirem recebem isenção dos seguintes impostos:
Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,
76 AMARAL, Daniela Patti do and OLIVEIRA, Fátima Bayma de. O Prouni e a conclusão do ensino superior: novas trajetórias pessoais e profissionais dos egressos. Ensaio: aval.pol.públ.Educ. 2011, vol.19, n.73, pp. 861-890. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v19n73/08.pdf>. Acesso em 12 maio 2013.
41
Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e Contribuição para o
Programa de Integração Social.
Ao implantar esse programa, o Governo Federal criou uma forma de abrir
novas vagas de ensino superior sem ter que investir nas Instituições públicas de
ensino. Segundo estatísticas, em 2006, a renúncia fiscal foi de R$ 50 milhões, muito
inferiores ao montante para gerar o mesmo número de vagas em IES públicas,
estimado em R$ 350 milhões.77
Para concorrer à bolsa de estudos integral ou parcial é necessário não ser
portadores de diploma de curso superior, ter renda familiar mensal per capita não
excedente ao valor de até um salário-mínimo e meio ou até três salários mínimos, ter
cursado o ensino médio em escolas da rede publica de ensino, e se tiver cursado
em escolas particulares, deve ter sido bolsista integral; fazer a prova do Exame
Nacional do Ensino Médio – Enem e obter nota media igual ou superior a 450
pontos.78
No seu primeiro processo seletivo, o ProUni ofereceu 112 mil bolsas em 1.142
instituições de Ensino Superior de todo o país. Desde sua criação até o processo
seletivo do primeiro semestre de 2011, mais de um milhão e duzentas mil bolsas
foram oferecidas, sendo que 70% dos candidatos foram contemplados com bolsas
integrais. Dentre as bolsas ofertadas, foram matriculados 748.754 estudantes.79 Em
2012, foram ofertadas o total de 284.622 novas bolsas, sendo que desse montante,
150.870 foram bolsas integrais.80
77 ALMEIDA, S. C. de. O avanço da privatização na educação brasileira: o ProUni como uma nova estratégia para a transferência de recursos públicos para o setor privado. 2006. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006. 78ProUni – Programa Universidade para todos. Requisitos de inscrição. Disponível em: <http://www.prouni2013.com/prouni-2013-inscricao-e-requisitos.php>. Acesso em 13 maio 2013. 79 AMARAL, Daniela Patti do and OLIVEIRA, Fátima Bayma de. O Prouni e a conclusão do ensino superior: novas trajetórias pessoais e profissionais dos egressos. Ensaio: aval.pol.públ.Educ. 2011, vol.19, n.73, pp. 861-890. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v19n73/08.pdf>. Acesso em 12 maio 2013. 80 Ministério da Educação. Quadros informativos número de bolsas disponibilizadas no ProUni. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=137:quadros-informativos&catid=26:dados-e-estaticas&Itemid=147>. Acesso em 13 maio 2013.
42
Com relação à renúncia fiscal, caso mantenha o atual desempenho, estima-se
que chegará na casa do bilhão de reais no ano que vem. Os valores que a União
deixa de arrecadar do sistema privado de educação superior em troca da concessão
de bolsas de estudo para jovens de baixa renda e vindos de escolas públicas têm
crescido a uma taxa média anual de 35% desde 2005, considerando valores
correntes. No mesmo período, a taxa média de concessão de bolsas do Prouni
cresceu num ritmo bem inferior, de 11% ao ano. Em 2012 a Receita Federal abriu
mão de R$ 733,9 milhões referentes ao não recolhimento de quatro impostos e
contribuições federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins). O valor representa alta de 44%
sobre a renúncia fiscal verificada no em 2011. Desde seu lançamento, a isenção
tributária proporcionada pelo Prouni totaliza mais de R$ 3 bilhões. A partir de junho
2011 houve uma alteração legislativa que determinou regras de escalonamento para
benefício da renúncia fiscal. Antes, bastava a instituição de ensino oferecer as bolas
e recebia isenção total, mesmo que nem todas as vagas fossem preenchidas. Agora,
o tamanho da isenção depende do efetivo número de bolsas realmente utilizadas.81
Com relação à assistência social, a sua efetivação pressupõe a transferência
de um bem ou serviço ou, ainda, um recurso financiado pelo orçamento público sem
a contribuição prévia. A assistência social como política pública é função
governamental, que passa a exigir a delimitação de um espaço público, com
responsabilidades de todos os poderes, assim como a fixação de metas,
orçamentos, programas continuados e serviços de impactos sociais.82
Em 2000, os recursos destinados à política de assistência social
representavam 3,76% do montante dos gastos da seguridade social. Ao longo da
último década vem aumentando sua participação até chegar a 9,27%, em 2010,
alcançando o montante de R$ 40,7 bilhões. Os gastos orçamentários com a
assistência social cresceram 307,52%, no período de 2000 a 2010, enquanto as
81 MAXIMO, Luciano. Com Prouni, faculdades particulares deixarão de pagar R$ 1 bi em impostos. Jornal Valor Econômico. Sessão Macroeconomia. Edição 9 de abr. 2012. 82 SALVADOR, Evilásio. Orçamento da assistência social entre benefícios e serviços. In: VAZ, Flávio Tonelli; MARTINS, Floriano José (Org.). Orçamento e políticas públicas: condicionantes e externalidades. Brasília: ANFIP, 2011. p. 199-222.
43
despesas liquidadas, na seguridade social, aumentaram 65,38%, em valores
deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI).83
Um dos maiores projetos sociais colocados pelo Governo Federal na última
década é o Programa Bolsa Família, criado em outubro de 2003 com a unificação de
programas não-constitucionais de transferência de renda até então vigentes: Bolsa-
Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e Cartão-Alimentação. Os gastos com o
Programa Bolsa Família sobem de R$ 9,7 bilhões (2004) para R$ 14,2 bilhões, em
2010.84
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com
condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema
pobreza. A iniciativa no âmbito da política do “Fome Zero”, criado no governo Lula,
que tem como objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada,
promovendo a segurança alimentar e nutricional. O valor do benefício transferido
depende da renda familiar da pessoa (limitada a R$ 140), do número e da idade dos
filhos. Assim, o valor do benefício recebido pela família pode variar entre R$ 32 a R$
242 (valores referentes a 2011/2012). Esses valores são o resultado do reajuste
anunciado em 1º de março e vigoraram a partir dos benefícios pagos em abril de
2011.85
Percebe-se que esse programa tornou-se a principal política pública dos
últimos governos em detrimento de outras ações previstas na LOAS. Os dados da
execução orçamentária de 2010 indicam que 35% do orçamento da assistência
social ficaram comprometidos com o Bolsa Família, representando 92% das
despesas do Ministério de Desenvolvimento Social e combate à fome.86
83 SALVADOR, Evilásio. Orçamento da assistência social entre benefícios e serviços. In: VAZ, Flávio Tonelli; MARTINS, Floriano José (Org.). Orçamento e políticas públicas: condicionantes e externalidades. Brasília: ANFIP, 2011. p. 199-222. 84ESPÍNDOLA, Claudio Francisco de. Evolução física e financeira do Benefício de Prestação Continuada e do Programa Bolsa Família. Monografia (especialização) -- Curso em Orçamento Público, Câmara dos Deputados, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor). 2007. 85 AGUIAR, Mariana Pinheiro Pessoa de Andrade. O significado do benefício de prestação continuada da política de assistência social na vida das pessoas com deficiência. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2012. 86Prioridade para as Famílias e Indivíduos em Situação de Vulnerabilidade e Risco Social. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2004. Disponível em:
44
Assim do exposto no capítulo, conclui-se que os gestores públicos estão
destinando cada vez mais recursos do orçamento para amenizar os programas
sociais. É perceptível o avanço no social no Brasil, especialmente nesta última
década, porém ainda se vê ineficiência e desperdício de verbas públicas na
aplicação desses recursos.
Entende-se que o financiamento de direitos sociais, tais como a Política de
Assistência Social, ainda precisam superar muitos desafios como, por exemplo,
garantir um percentual mínimo definido nas três esferas de governo para os recursos
orçamentários voltados à assistência social; determinar que os recursos da
Seguridade Social sejam aplicados exclusivamente na saúde, previdência e
assistência social; melhorar o acesso aos programas de saúde, criando mecanismos
que efetivamente sejam direcionados para as pessoas com baixa renda; revisar o
leque de doenças atendidas pela Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
com mais frequência, entre outros.
<http://www.cgu.gov.br/publicacoes/bgu/2004/Volume1/C%20-%20023.pdf>. Acesso em 19 maio 2013.
45
3. RESERVA DO POSSÍVEL
Através da análise sobre a relação entre os direitos sociais e o mínimo
existencial, percebe-se que os recursos públicos são insuficientes para atender a
todas as necessidades sociais. Dessa forma, o Estado não consegue prestar de
forma satisfatória as demandas da sociedade, tendo que decidir onde Investir
recursos em determinado setor implicando deixar de investi-los em outro.
3.1 RESERVA DO POSSÍVEL: ORIGEM HISTÓRICA E CONCEITO
A construção teórica da Reserva do Possível surgiu na jurisprudência
alemã, na década de 70, através de ações movidas por estudantes que pleiteavam o
direito de acesso ao curso de medicina em universidades alemãs. A procura por
cursos superiores havia dobrado nos últimos quinze anos sem que o Estado alemão
dispusesse de recursos financeiros suficientes para suprir a crescente demanda por
vagas. Com isso, as universidades recorreram a regras locais, numerus clausus,
para justificar a limitação do número de vagas e negar a matrícula de alunos que
excedesse a capacidade estipulada. Os estudantes, por sua vez, buscaram o
posicionamento da Corte Constitucional Alemã a respeito do conflito entre aquelas
regras e o artigo 12 da Lei Fundamental, segundo a qual “todos os alemães têm
direito a escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu centro de
formação” 87.
Conforme julgamento da época, o Tribunal Constitucional alemão
reconheceu que a educação é um direito fundamental e que todos devem ter acesso
a ele. Além disso, reconheceu também que é obrigação do Estado criar políticas
públicas para satisfazer essa prerrogativa. Porém, não reconheceu a exigência de o
Estado, mesmo dispondo de recursos, destinar verbas para atender a um grupo
específico de pessoas, tendo em vista que a prestação reclamada deveria
corresponder ao que os indivíduos poderiam exigir da sociedade.
87 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007.
46
Nesse sentido, SARLET e FIGUEIREDO88 explicam que:
Com efeito, mesmo dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para o seu sustento.
Percebe-se que a decisão não se baseou na falta de recursos estatais,
mas sim, na questão da razoabilidade da destinação de verbas não previstas no
orçamento para atender a uma solicitação específica em detrimento do bem comum
da maioria da sociedade, ou seja, não pode ser exigível que o governo deixe de
atender outras áreas sociais, que também necessitam do cuidado estatal, para
atender a solicitação de acesso ilimitado ao ensino superior.
A partir do exposto, entende-se que a Alemanha não construiu a sua base
teórica analisando unicamente à existência de recursos materiais suficientes para
atender às necessidades da população. Mas, principalmente, considerando a
razoabilidade da pretensão em relação àquilo que o individuo pode, de maneira
racional, exigir da sociedade89.
No Brasil, a transposição dessa teoria foi adaptada à realidade brasileira,
incluindo-se uma visão precipuamente financeira.
Nesse sentido, MÂNICA90 contextualiza que:
A interpretação e a transposição que se fez de tal teoria, especialmente em solo pátrio, fez dela uma teoria da reserva do financeiramente possível, na medida em que considerou como limite absoluto à efetivação de direitos fundamentais sociais (I) a suficiência de recursos públicos e (II) a previsão orçamentária da respectiva despesa.
Baseando-se no exposto acima, pode-se afirmar que a doutrina nacional,
ao agregar ao conceito inicial a questão da disponibilidade financeira e da previsão
orçamentária, distorceu significativamente o conceito alemão, transformando a
88 SARLET, Wolfgang Sarlet; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista: Direitos fundamentais e Justiça. N. 1, Out/dez de 2007, Porto Alegre. 89 KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os descaminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. 90 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007.
47
reserva do possível em uma “poderosa arma” do estado para justificar a
incapacidade em prestar de forma satisfatória os direitos sociais.91
OLIVEIRA e CALIL92 reiteram que:
A decisão alemã refere-se à impossibilidade de atendimento geral sob o sacrifício de outros serviços públicos. No Brasil, conforme o entendimento doutrinário, a reserva do possível alargou seu âmbito de influência, arrastando outros conceitos diversos, na tentativa de blindar erário público da interferência do Poder Judiciário em relação à efetivação de direitos prestacionais.
Em decorrência dessa distorção, o conceito doutrinário da Reserva do
possível confunde-se, na maioria das vezes, com a teoria da reserva do
“financeiramente” possível. Essa visão já consolidada, também foi utilizada pelo
Supremo Tribunal Federal, em julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental número 45-9 (ADPF 45-9), na qual o Ministro Celso de Mello
afirmou que a reserva do possível traduz-se em um binômio que compreende a
razoabilidade da pretensão individual/social requerida em face do poder público e a
existência da disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações
positivas dele reclamadas.93
Dessa forma, a Reserva do Possível pode ser conceituada como a
restrição fática aos direitos fundamentais que necessitem de recursos estatais,
levando-se em consideração a finitude dos recursos orçamentários, resalvadas a
intangibilidade do mínimo existencial e o princípio da dignidade humana.
91 OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CALIL, Mário Lúcio Garcez. Reserva do Possível, Natureza Jurídica e Mínimo Essencial: Paradigmas para uma Definição. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, Brasília, novembro de 2008. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/11_369.pdf. Acesso em 16 de jul. de 2012. 92 Ibidem, p.3. 93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental n. 45-9, Brasília, DF, 29 de abr. de 2004.
48
4. RESERVA DO FINANCEIRAMENTE POSSÍVEL X MÍNIMO EXISTENCIAL
A necessidade de previsão orçamentária é um dos problemas apontados
pelo Estado como um limite a sua atuação, na medida em que restringe a sua
capacidade de efetivar os direitos sociais.
Diante disso, vive-se um dilema: de um lado, a exigência de o Estado
garantir o mínimo existencial e, de outro, a finidade dos recursos disponíveis pelo
Poder Público para assegurar esse mínimo.
A seguir serão analisadas quatro decisões que demonstram as
divergências entre Poder Público e Poder Judiciário quanto à prestação de direitos
sociais.
Após, será feito um breve apanhado sobre as consequências da
Judicialização do Direito à saúde e sua influência na prestação de políticas públicas
pelos governantes.
4.1 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Cada vez mais, a Reserva do Possível é invocada pela administração
pública para justificar o não cumprimento de políticas públicas de forma satisfatória.
Em vários acórdãos, o Estado utiliza como defesa a invocação ao artigo 16794,
incisos I, II e VI da Constituição Federal, para o qual, ao administrador público é
imposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leis
orçamentárias sob pena de crime de responsabilidade. De outro lado, o Judiciário
também utiliza a própria Constituição como parâmetro para obrigar o Estado a
garantir prestações em diversas áreas, tais como saúde e educação.
Com relação a essa dicotomia (políticas públicas versus poder judiciário),
percebe-se que o processo orçamentário possui limites constitucionais tanto no
âmbito da receita quando no âmbito da despesa. Por um lado, as receitas
encontram-se atreladas, sobretudo, aos princípios constitucionais tributários, como o 94 Art. 167. São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;
49
princípio da legalidade tributária, da anterioridade e da capacidade contributiva. Já
os limites constitucionais à despesa podem ser subdivididos em limites formais e
materiais.95
Os limites constitucionais formais no âmbito da despesa pública encontram-se
expressos, por exemplo, nos seguintes dispositivos constitucionais: (I) art. 212, que
determina a obrigatoriedade da União, Estados, DF e Municípios aplicar
determinada porcentagem na manutenção e desenvolvimento do ensino; (II) art.
198, § 2º, o qual determina o percentual para aplicação em ações e serviços de
saúde pela União, Estados, DF e Municípios; (III) art. 60, § 1º, 71, 72, 79 e 80 do
ADCT, que tratam de fundos destinados ao atendimento de determinados valores
constitucionais; (IV) art. 100, que trata do pagamento de precatórios decorrentes de
débitos judiciais contra o Estado transitados em julgado.96
Já os limites constitucionais materiais são representados pelos valores,
objetivos e programas trazidos pelo texto constitucional e condensados, sobretudo,
no artigo 3º da Constituição de 1988, onde constam descritos os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil.97
Conforme, SCAFF98:
“(...) não há total e completa Liberdade (de conformação) do Legislador para incluir neste sistema de planejamento o que bem entender. O legislador e muito menos o administrador não possuem discricionariedade ampla para dispor dos recursos como bem entenderem”.
Nesse sentido, se de um lado não há dúvidas acerca da possibilidade de
controle judicial dos limites formais previstos pela Constituição à elaboração e
execução do orçamento público, as controvérsias são maiores quando se trata de
95 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Interesse público. v. 7, nr. 32, jul./ ago 2005, p. 220-221. 96 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Interesse público. v. 7, nr. 32, jul./ ago 2005, p. 220-221. 97 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 98 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Interesse público. v. 7, nr. 32, jul./ ago 2005, p. 220.
50
limites materiais. A isso, a doutrina tem chamado de Justiciabilidade das políticas
públicas, que envolve duas indagações principais: (I) possibilidade de busca de
provimento jurisdicional, por cidadãos ou pelo Ministério Público, com o objetivo de
obrigar o Estado à execução concreta de políticas públicas; e (II) mecanismo através
do qual o Judiciário pode provocar a execução de tais políticas.
Em relação a isso, destaca-se a importante decisão do Min. Celso de
Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Pet. 1.246-SC, vejamos:
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria constituição da república (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético jurídicas impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana. Portanto, como ficou demonstrado, “o simples argumento de limitação orçamentária, ainda que relevante e de observância indispensável para a análise da questão, não basta para limitar o acesso dos cidadãos ao direito à saúde garantida pela Constituição Federal”.
Em que pese haja divergência doutrinária e jurisprudencial, os tribunais
têm utilizado a razoabilidade e a proporcionalidade para decidir na maioria das
vezes. Nesse sentido, em vários julgados prevalece a garantia ao mínimo existencial
como teoria para refutar a Cláusula da reserva do possível.
Nessa linha de pensamento, destaca-se o acórdão do Superior Tribunal
de Justiça, em Anexo A99, no qual, o Ministro Herman Benjamin afirma que a vida,
saúde e integridade físico-psíquica das pessoas são valores ético-jurídicos
supremos, sobressaindo-se a todos os outros. Além disso, explicita que a reserva do
possível não deve ser usada como “carta de alforria” para o administrador já que é
impensável legitimar ou justificar a omissão estatal, capaz de matar o cidadão de
fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. Finaliza asseverando que a
realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante e nem resultado
de um juízo discricionário tendo em vista que os direitos ligados à dignidade humana
99 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Recurso especial nº 1.068.731 - rs (2008/0137930-3). Relator: Ministro Herman Benjamin. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Estado do Rio Grande Do Sul. Brasilia, 17 de novembro de 2011.
51
não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do
administrador.
Ainda com relação a esse tema, destaca-se outro acórdão do Superior
Tribunal de Justiça, em anexo B100, no qual o Ministro Humberto Martins, da
Segunda Turma, afirma que o mínimo existencial não se resume ao mínimo vital.
Assim, o mínimo existencial também abrange as condições socioculturais que
asseguram ao individuo um mínimo de inserção social. Nesse sentido, a Reserva do
Possível não deve ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais a não ser que
o Estado consiga provar que mesmo com a alocação dos recursos no atendimento
ao mínimo existencial persista a carência orçamentária para atender a todas as
demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não
prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Assim, não há como o Poder
Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois estes, dentro do que é
possível, estão de acordo com a Constituição, não havendo omissão injustificável.
Nas ações em que o objeto é a solicitação de remédios para tratamento
que não estejam na lista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de
Atendimento, a discussão torna-se mais complexa conforme acórdão do Superior
Tribunal de Justiça, em anexo C101, no qual o recorrente solicita que o Estado
forneça o remédio Enbrel que não é fornecido pelo SUS. O Tribunal considerou que
a substância ativa do medicamento era de alto custo, relativamente nova e ainda
não testada satisfatoriamente em pessoas portadores de psoríase. Além disso, o
relator considerou que os direitos sociais devem ser analisados à luz do princípio da
reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser
logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições
financeiras para o cumprimento de obrigação.
Esse tema ainda possui grande controvérsia, tendo em vista que existem
decisões contrárias envoltas na mesma situação. Em marco 2010, o STF julgou
100 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Recurso especial nº 1.185.474 - SC (2010/0048628-4). Relator: Ministro Humberto Martins. Recorrente: Município De Criciúma. Recorrido: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Brasilia, 29 de abril de 2010. 101 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Recurso em Mandado De Segurança Nº 28.962 - MG (2009/0037261-9). Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Recorrente: Marcos Vinícius Ramos. Recorrido: Estado De Minas Gerais. Brasília, 25 Agosto 2009.
52
improcedente Agravo Regimental de Suspensão de tutela antecipada (Anexo D)102
interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não
vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de
suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido
pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª
Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que
fornecessem a uma jovem portadora de uma patologia neurodegenerativa
denominada Niemann-Pick tipo C o medicamento Zavesca, não fornecido pelo SUS,
cujo custo mensal era em torno de R$ 52 mil. Esse valor inviabilizava a aquisição
pela família da paciente e o remédio possibilitaria aumento de sobrevida e melhora
da qualidade de vida.
Essa decisão é paradigmática, porque no voto o Ministro Relator Gilmar
Mendes expôs as experiências obtidas na Audiência Pública – Saúde realizada pelo
STF em abril e maio de 2009. No Agravo Regimental acima relatado, o Ministro
expõe suas conclusões da referida audiência e aborda o tema da Judicialização do
Direito à saúde através da seguinte análise:
O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como
(1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais
e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5)
regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para
a sua promoção, proteção e recuperação”.103
102 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Agravo Regimental de Suspenção de Tutela Antecipada n. 175. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União. Agravado: Estado do Ceará, Ministério Público Federal, Município de Fortaleza e Clarice Abreu de Castro Neves. Brasília, 17 Março 2010. 103 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Agravo Regimental de Suspenção de Tutela Antecipada n. 175. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União. Agravado: Estado do Ceará, Ministério Público Federal, Município de Fortaleza e Clarice Abreu de Castro Neves. Brasília, 17 Março 2010, pg. 21-25.
53
A respeito da necessidade de se redimensionar a questão da judicialização, o
MINISTRO GILMAR MENDES104 atesta que:
(...) ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.
A partir dessa afirmação, o Ministro tece alguns comentários na tentativa de
construir critérios ou parâmetros para as decisões judiciais relativas ao direito à
saúde. Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública,
afirmou que o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política
estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Segundo o Ministro,
ao deferir-se uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e
econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está
criando política pública, mas apenas determinando a sua efetividade. Nesses casos,
a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde
parece ser evidente.
Ainda analisando as afirmações do MINISTRO GILMAR MENDES105, este
reitera que:
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.
Por fim, o Ministro conclui que não se deve buscar no Poder Judiciário a
condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
104 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Agravo Regimental de Suspenção de Tutela Antecipada n. 175. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União. Agravado: Estado do Ceará, Ministério Público Federal, Município de Fortaleza e Clarice Abreu de Castro Neves. Brasília, 17 Março 2010, pg. 21-25. 105 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Direito à saúde. Agravo Regimental de Suspenção de Tutela Antecipada n. 175. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: União. Agravado: Estado do Ceará, Ministério Público Federal, Município de Fortaleza e Clarice Abreu de Castro Neves. Brasília, 17 Março 2010, pg. 21-25.
54
Com relação à discussão sobre a intervenção do Judiciário na prestação de
medicamentos, faz-se interessante apresentar a visão de BARROSO106:
As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. Inclusive, a exclusão destes se aprofundaria pela circunstância de o Governo transferir os recursos que lhes dispensaria, em programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua grande maioria, em benefício da classe média.
Nesse sentido, Barroso, apesar de ser crítico com relação à atuação do
Judiciário, também complementa as afirmações feitas pelo Ministro ao defender que
nas discussões em ações coletivas ou abstratas o Judiciário só deve determinar que
o Estado forneça medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os em fase
experimental e os alternativos. Ademais, dever-se-ia optar por substâncias
disponíveis no Brasil e por fornecedores situados no território nacional. Por fim, entre
os medicamentos de eficácia comprovada, devem-se privilegiar aqueles de menor
custo, como os genéricos. 107
A intervenção do Poder Judiciário, impondo o dever de prestar ao Estado,
acaba criando alguns paradoxos. Por exemplo, em 2007 o Estado do Rio de Janeiro
gastou mais de R$ 240.621.568,00 em programas de assistência farmacêutica.
Porém, no mesmo período, foram gastos menos da metade desse valor em
investimentos em saneamento básico, totalizando R$ 102.960.276,00. Tal opção
não se justifica, porque se sabe que esta política é consideravelmente mais efetiva
que aquela no tocante a melhoria da saúde. Nota-se que a jurisprudência brasileira
sobre concessão de medicamentos, se apoia em uma abordagem individualista dos
problemas sociais, quando uma gestão eficiente dos escassos recursos públicos
106 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro, fevereiro, 2008. Disponível em: <http://direitoadministrativoemdebateartigos.blogspot.com> Acesso em: 15 ago. de 2012. 107 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro, fevereiro, 2008. Disponível na internet: <http://direitoadministrativoemdebateartigos.blogspot.com> Acesso em: 15, agosto de 2012.
55
deveria ser concebida como política social, orientada pela avaliação de custos e
benefícios. 108
A partir do exposto, faz-se necessário analisar as consequências da
judicialização da prestação de direitos sociais, através da comparação de pesquisas
efetuadas nos últimos anos sobre esse tema.
4.2 CONSEQUENCIAS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Conforme analisado no capítulo anterior, a decisão de Agravo Regimental de
Suspensão de tutela antecipada n. 175, julgado pelo STF em 2010, em que o
Ministro Gilmar Mendes tece importantes comentários a respeito de parâmetros que
poderiam ser utilizados pelo Judiciário antes de decidir sobre a Judicialização dos
Direitos Sociais, criou um novo paradigma. Porém, infelizmente, o que se vê na
prática é uma intervenção cada vez maior do Judiciário na destinação de recursos
do orçamento para prestar os mais variados tipos de demandas judiciais no campo
dos direitos sociais.
A seguir serão apresentados dados coletados nos últimos anos, antes e depois
da publicação do Agravo citado, referente a diferentes demandas judiciais nas quais
o Poder Judiciário analisou a concessão de alguns direitos sociais. O intuito é o de
verificar as consequências financeiras dessa intervenção para se chegar à
conclusão de que forma essa tendência de Judicialização dos direitos sociais
influencia nas políticas públicas no Brasil.
Se, por um lado, a crescente demanda judicial acerca do acesso a
medicamentos, produtos para a saúde, cirurgias, leitos de UTI, dentre outras
prestações positivas de saúde pelo Estado, representa um avanço em relação ao
exercício efetivo da cidadania por parte da população brasileira, por outro, significa
um ponto de divergência perante os gestores de políticas públicas no Brasil, tendo
em vista que passam a atender um número cada vez maior de ordens judiciais,
garantindo as mais diversas prestações pelo Estado. Com isso, essas prestações
108 Ferreira, Elaine Cristina Xiol. A judicialização das políticas públicas de saúde fornecimento de medicamentos. UniCeub, 2010. Disponível em: <http://www.repositorio.uniceub.br/handle/123456789/784>. Acesso em 15 ago. 2012.
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representam gastos públicos cada vez mais relevantes para o orçamento público e
ocasionam impactos significativos na gestão pública da saúde no país.
Por conviver com o confronto e a individualização de interesses variados e
concorrentes, a definição das políticas públicas e a previsão e execução
orçamentária materializam, por meio da avaliação da conveniência e da
oportunidade, escolhas a serem tomadas pelo administrador público. Afinal, trata-se
da alocação de recursos escassos ante as diversas necessidades públicas e
possibilidades políticas. Nesse ponto reside a argumentação da discricionariedade
como limite à intervenção do Poder Judiciário no orçamento.109
Nesse contexto, destaca-se inicialmente a crítica do autor SCAFF110 que afirma:
“O papel do Poder Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, não é o de transformar ‘discricionariedade legislativa’ em ‘discricionariedade judicial’, mas o de dirimir conflitos nos termos da lei. Proferir sentenças aditivas sob o impacto da pressão dos fatos, mesmo que dos fatos sociais mais tristes, como a possibilidade da perda de uma vida ou de falta de recursos para a compra de remédios, não é papel do Judiciário. Este não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo – é o ‘Limite do Orçamento’ de que falam os economistas, ou a ‘Reserva do Possível’ dos juristas. Ocorre que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como o sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para se gastar de um lado precisa-se retirar dinheiro do outro. E aí será feito aquilo que no ditado popular se diz como ‘descobrir um santo para cobrir outro’”.
Essa discussão a respeito da intervenção do judiciário está longe de ter um
desfecho unanime. APPIO111, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no
Brasil enaltece que:
“Existe, portanto, um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão, o qual busca através do Poder Judiciário, a sua sobrevivência, e o direito à vida de outros cidadãos, os quais dependem do orçamento público para sobreviver. A decisão acerca das prioridades a serem conferidas pelo Estado nesta área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge do âmbito do controle judicial, motivo pelo qual as ações individuais em face do Estado não podem implicar a ‘substituição da atividade administrativa”.
109 Ferreira, Elaine Cristina Xiol. A judicialização das políticas públicas de saúde fornecimento de medicamentos. UniCeub, 2010. Disponível em: <http://www.repositorio.uniceub.br/handle/123456789/784>. Acesso em 15 ago. 2012. 110SCAFF, Fernando Facury. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos HumanosinDireito e Justiça – Reflexões Jurídicas. Temas de Direito Econômico e Tributário. (Org. Astrid Heringer etall). Ed. Uri, Ano 5, nº 8, junho/2006, p. 152. 111APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2009, pag. 140.
57
Com efeito, a crise da efetividade dos direitos fundamentais (não somente dos
direitos sociais) está diretamente relacionada com a maior ou menor carência de
recursos disponíveis para o atendimento das demandas em termos de políticas
sociais e às escolhas realizadas pelos poderes públicos decorrentes de sua
competência administrativa ou legislativa (como ocorre com o Poder Legislativo).112
Nesse contexto, após a aprovação da Constituição Federal Brasileira de 1988
tornou-se cada vez mais frequente a interferência do poder judiciário em questões
que, primariamente, são da competência dos poderes executivos ou legislativos. A
este novo papel exercido pelo Judiciário na garantia de direitos individuais tem sido
atribuído a noção de Judicialização.
De acordo com PESSOA113, as demandas judiciais solicitando medicamentos
possuem alguns traços em comum:
Esta demanda, iniciada na década de noventa, com pedidos de medicamentos antirretrovirais para o HIV/Aids, tem tido importante papel como via alternativa do cidadão ao acesso a medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS). Algumas características comuns são identificadas nos estudos realizados em diferentes regiões do país. A maioria dos pedidos é individual e tem sido deferida tendo como praticamente única base a prescrição medicamentosa apresentada pelo reivindicante. A segunda característica é o fato de a prescrição conter tanto medicamentos incorporados como não incorporados pela assistência farmacêutica do SUS, alguns sem registro no país ou em indicação terapêutica não constante do registro sanitário. A terceira característica é o crescimento exponencial das demandas judiciais e dos gastos com medicamentos
Analisando-se especificamente o campo da política de saúde, a Judicialização
tem se traduzido como a garantia de acesso a bens e serviços por intermédio do
recurso a ações judiciais. Com o aumento exponencial das ações e a
impossibilidade de previsão orçamentária dos gastos por elas acarretados, os
112SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html>. Acesso em: 19 maio 2013. 113PESSOA, Nívea Tavares. Perfil das solicitações administrativas e judiciais de medicamentos impetradas contra a Secretaria de Saúde do estado do Ceará [dissertação mestrado]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará; 2007. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br:8080/ri/bitstream/123456789/4241/1/2007_dis_ntpessoa.pdf. Acesso em 12 maio 2013.
58
gestores do sistema de saúde, nos âmbitos municipal, estadual e federal, tentam
encontrar uma maneira de resolver os impasses criados. Um dos aspectos da
assistência médica que mais tem sido alvo das ações judiciais é a assistência
farmacêutica, ou seja, a garantia do acesso a medicamentos não disponíveis nos
serviços públicos, em razão de diferentes motivos, tais como preços abusivos
praticados pelos fabricantes ou de falta de estoque, padronização do uso, registro no
país ou comprovação científica de eficácia; e também alguns não estarem na lista de
medicamentos oferecidos pelo SUS.114
Na criação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi previsto o direito do cidadão à
assistência farmacêutica, mas esse direito demorou dez anos para ser
regulamentado com a publicação da Política Nacional de Medicamentos (PNM).
Esta, além de fortalecer os princípios e as diretrizes do SUS, também objetiva a
garantia da eficácia e segurança no uso racional de medicamentos e o acesso da
população aos medicamentos essenciais. De maneira geral, os juízes, ao deferirem
as ordens para o fornecimento de medicamentos como forma de garantir os direitos
dos indivíduos, não observam a política de assistência farmacêutica do SUS. Essas
ações têm consequências orçamentárias importantes, uma vez que os recursos são
finitos e sua administração deve ser planejada e balizada pelas políticas de saúde.
Com isso, percebem-se duas situações causadas pelas demandas judiciais: o
prejuízo da alocação racional dos recursos públicos e a interferência no
planejamento das ações de saúde.115
Muitas vezes, ao se fornecerem medicamentos por ordem judicial, não está
sendo avaliado se aquele tratamento realmente é o melhor em termos de relação
custo/benefício, se o indivíduo realmente necessita do medicamento pleiteado e este
não pode ser substituído por outro disponível nos programas de assistência
farmacêutica do SUS, se o paciente tem condições financeiras de pagar o
tratamento ou, até mesmo, o advogado e, ainda, se não estão sendo infringidos
114CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e eqüidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, Aug. 2009 . Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000800020&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Maio 2013. 115CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e eqüidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, Aug. 2009 . Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000800020&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Maio 2013.
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alguma lei ou algum princípio fundamental do sistema de saúde. Apenas se cumpre
a ordem determinada pelo juiz.116
A respeito da judicialização do direito a saúde, CHIEFFI e BARATA117 afirmam
que:
A maioria das ações analisadas foi ajuizada por advogados particulares. A justiça gratuita contribuiu tão-somente com ¼ das ações. O fato de essas ações geralmente serem ajuizadas por advogados particulares mostra que os pacientes arcaram com os custos dessa representação e em princípio poderiam adquirir os medicamentos solicitados.
Partindo-se para a análise de números relativos a decisões judiciais, verifica-se
que das decisões de solicitações de medicamento para tratamento de hepatite C,
junto à Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
proferidas entre 1998 a 2005, 98% se referiam a processos individuais e somente
2% a ações coletivas. A maioria dos pacientes dessas ações utilizou a justiça
particular para solicitar tais medicamentos. Assim, pessoas que possuem melhores
condições socioeconômicas e com acesso à informação foram as mais beneficiadas
pela intervenção do Poder Judiciário.118
Segundo pesquisa realizada, com base de dados de 2006, por TERRAZAS119,
a diferença gasta por pessoa em programas de medicamentos estaduais é
consideravelmente menor do que os valores gastos por pessoa através de
demandas judiciais:
Desse modo, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo gastou, no ano de 2006, apenas com o cumprimento das decisões judiciais da comarca da capital de São Paulo (das pessoas que são atendidas no Fornecimento para Ação Judicial), R$ 65 milhões para atender cerca de 3.600 pessoas.
116 CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e eqüidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, Aug. 2009 . Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000800020&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Maio 2013 117 CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e eqüidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, Aug. 2009 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 311X2009000800020&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 12 Maio 2013. 118 TERRAZAS, Fernanda Vargas. O poder judiciário como voz institucional dos pobres: o caso das demandas judiciais por medicamentos [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo; 2008. 119TERRAZAS, Fernanda Vargas. O poder judiciário como voz institucional dos pobres: o caso das demandas judiciais por medicamentos [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo; 2008.
60
Em comparação, no mesmo ano, com o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional (cuja execução é de responsabilidade estadual), a Secretaria de Saúde gastou R$ 838 milhões para atender 380 mil pessoas. Isso significa que no Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional foram gastos, em média, R$ 2.205,00/ano por usuário, enquanto com o cumprimento das determinações judiciais foram gastos, em média, R$ 18.000,00/ano por beneficiado.
Os números apresentados impressionam, tendo em vista que os gastos com
cumprimento de demandas judiciais por pessoa foi mais de oito vezes maior do que
os gastos por pessoa com a política pública de distribuição de medicamentos. Isso
significa que o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional poderia ter
atendido mais 29.478 pessoas durante um ano se os R$ 65 milhões não tivessem
sido gastos em determinações judiciais.
Ainda com relação a números pesquisados em diversos estados brasileiros,
verifica-se que em São Paulo, analisando-se as ações referentes ao acesso a
medicamentos no ano de 2005, 62% dos itens solicitados faziam parte de listas de
medicamentos do SUS, e, dentre eles, 15% pertenciam ao Programa de
Medicamentos Excepcionais. Já no Estado do Rio de Janeiro, 30% dos
medicamentos foram solicitados por ação judicial sem pertencer a programas
definidos pelo SUS. Dos itens com financiamento, cerca de 1/3 fazia parte do
Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Em 2006, em Brasília,
metade dos itens solicitados era padronizado, e ¼ se referia a Medicamentos
Excepcionais. O Estado de Minas Gerais gastou de 2006 a 2008, respectivamente,
R$ 8,5 milhões, R$ 22,8 milhões e R$ 42,5 milhões com o cumprimento de
processos judiciais na área da saúde. 120
Em 2005, Ministério da Saúde gastou R$ 2.441.041,95 na aquisição de
medicamentos, equipamentos e insumos concedidos em decisões Judiciais. Em
2011, esse valor chegou a R$ 243.954.000,00; e de janeiro a novembro de 2012, o
120 VIEIRA, Fabiola Sulpino, ZUCCHI, Paola. As distorções causadas palas ações judiciais à política de medicamentos no Brasil. Rev Saúde Pública 2007. Disponível em: <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/judicializacao-da-saude/wp-content/uploads/2011/11/Distorcoes.pdf>. Acesso em 11 maio 2013.
61
valor já estava em R$ 287.844.968,16. Esses dados servem para se ter uma ideia
da absurda evolução dos gastos públicos com prestações judiciais. 121
Os números apresentados acima apontam não apenas uma gravidade
limitada ao gasto irracional que promove, mas também, e principalmente, refere-se
aos prejuízos à própria lógica do Sistema, o que induz novos gastos e a criação de
um atendimento ao cidadão absolutamente diverso do estabelecido pelas Políticas
traçadas pelo Sistema Único de Saúde.
Com relação às consequências do crescimento exponencial de demandas
judiciais pode-se afirmar que tais decisões violam alguns princípios estruturantes do
SUS, tais como a desconsideração dos princípios da descentralização,
universalidade e da integridade122 conforme análise abaixo:
Com relação ao PRINCÍPIO DA DESCENTRALIZAÇÃO, percebe-se que
recorrentemente as decisões judiciais determinam o fornecimento de medicamentos
ou tratamento médico pela União e devido ao volume cada vez maior de decisões
desfavoráveis, o Ministério da Saúde teve que promover a estruturação de uma área
de compra voltada exclusivamente para o atendimento dessas ações, que é hoje
responsável pela aquisição de medicamentos para 8.549 ações ativas123; Além
disso, a entrega da medicação é feita na residência do paciente, em quantidade
suficiente para o atendimento de, pelo menos, 06 meses de tratamento, sem
controle de prescrição médica e do efetivo uso do fármaco, o que contribui, inclusive,
para o surgimento de fraudes; através de pesquisa, descobriu-se que há constante
devolução de medicamentos ao Ministério da Saúde por mudança de endereço da
121 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Ações judiciais comprometem política de saúde. Brasília; 2008. Disponível em:<http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&id_area=1450&CO_NOTICIA=9633>. Acesso em 03 maio 2013. 122 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Intervenção Judicial na saúde pública: Panorama no âmbito da Justiça Federal e Apontamentos na seara das Justiças Estaduais. Abril, 2013. Disponivel em <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Abr/26/Panoramadajudicializacao2013.pdf>. Acesso em 13 maio 2013. 123 Nota explicativa: A expressão “ações ativas” é usada, no sistema eletrônico de ações judiciais do Ministério da Saúde, para designar o número de demandas judiciais que possuem compra em curso ou que tenham a possibilidade de gerá-las. Ou seja, abrange todas as ações (em curso ou já transitadas em julgado) que possuem em seu bojo decisão favorável à parte autora, contra a União. Esse número é diferente do relativo às compras efetivamente realizadas, tendo em vista que parte das decisões contrárias à União são suspensas por outra decisão judicial, mas permanecem “ativas” no sistema, ante a possibilidade de serem as decisões modificadas em outras instâncias do Poder Judiciário.
62
parte autora ou de seu falecimento (que não são comunicados) levando à perda dos
produtos comprados em virtude de decisões judiciais; também se percebe a retração
dos Estados e Municípios no cumprimento de suas obrigações no Sistema e, como
decorrência direta, o custeio dúplice pela União de medicamentos (a União, além de
repassar fundo a fundo valores para a Assistência Farmacêutica, ainda é condenada
via ação judicial ao fornecimento de medicamentos já disponíveis no SUS); Muitas
vezes há fornecimento de medicação em duplicidade ou mesmo triplicidade pelos
entes federativos envolvidos na ação judicial, em casos de condenação solidária.124
Com relação ao PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE, as ações judiciais
asseguram apenas o atendimento dos seus autores, ou seja, são ações individuais,
afrontando, de modo direto e inequívoco, o princípio da universalidade e, ainda, o da
equidade, vez que, frequentemente, os tratamentos médicos ou medicamentosos
pleiteados não poderiam ser assegurados a todos os usuários do Sistema, tendo em
vista as limitações orçamentárias de que dispõe o Ministério da Saúde.125
Por fim, a respeito da violação ao PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE, O
atendimento ao paciente, pela União, dá-se sem o seu devido acompanhamento,
resumindo-se à entrega do fármaco pleiteado. Além disso, a aquisição de
medicamentos é prescrita por profissionais de serviços privados, sem observância
de aspectos técnicos envolvidos no âmbito da saúde pública, informadores do
conceito de integralidade, nem mesmo as políticas já instituídas pela
Administração.126
Mais do que ir contra princípios basilares do SUS, é possível apontar outros
fatores contrários ao fenômeno de reivindicação de medicamentos via sistema
judiciário:
124 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Intervenção Judicial na saúde pública: Panorama no âmbito da Justiça Federal e Apontamentos na seara das Justiças Estaduais. Abril, 2013. Pg 20. Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Abr/26/Panoramadajudicializacao2013.pdf>. Acesso em 13 maio 2013 125 Ibidem, pg 20. 126 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Intervenção Judicial na saúde pública: Panorama no âmbito da Justiça Federal e Apontamentos na seara das Justiças Estaduais. Abril, 2013. Pg 21. Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Abr/26/Panoramadajudicializacao2013.pdf>. Acesso em 13 maio 2013.
63
• Sujeição a monopólios de distribuição dos medicamentos: Um volume
considerável de demandas judiciais é para solicitar remédios para tratar de doenças
complexas. Esses medicamentos, em geral, possuem alto custo e são fabricados
por apenas um laboratório no qual monopoliza a distribuição, e com isso tendem a
ser mais custosos do que os praticados em mercados concorrenciais. Um comprador
de grande porte, como o Estado, tem alguma flexibilidade para negociar preços com
monopólios quando a aquisição de medicamentos é feita dentro de seu
planejamento orçamentário, entretanto com a determinação de aquisição obrigatória
e imediata de determinadas quantidades dos medicamentos, sem licitação, torna
impossível qualquer planejamento e negociação. A sujeição a monopólios de
distribuição, portanto, tende a implicar custos totais mais altos para as políticas de
saúde.127
• Perda da capacidade de administrar compras: As aquisições planejadas
conferem ao sistema de saúde poder de monopsônio, permitindo contrapor os
preços praticados por laboratórios monopolistas. No entanto, quando o Estado não
pode definir diretamente os termos de aquisição de medicamentos, o sistema de
saúde perde seu poder de monopsônio e, consequentemente, parte de sua
capacidade de administrar compras. A consequência imediata da perda de
capacidade de administração é uma elevação dos custos acima dos valores
mínimos possíveis. Além da elevação dos custos de compra, o sistema de saúde
fica sujeito a flutuações que, sob outras circunstâncias, dificilmente ocorreriam na
mesma magnitude. Assim, o governo comprador se sujeita a grande variação de
preços médios. Essa variação ocorre em todos os medicamentos e, segundo
pesquisa, verificou-se que a mais de 70% dos preços médios por paciente
corresponde há pelo menos o dobro do preço-base, chegando a 820% deste preço.
Esse não é um efeito decorrente de um preço isolado muito baixo e nem se refere a
um único medicamento. Essas flutuações expressivas são observadas mesmo
quando se utiliza uma base mais alta, a média dos dez menores preços médios
obtidos por paciente.128
127DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SCHWARTZ, Ida Vanessa D.. Consequências da judicialização das políticas de saúde: custos de medicamentos para as mucopolissacaridoses. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, Mar. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000300008&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 14 Maio 2013. 128 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SCHWARTZ, Ida Vanessa D.. Consequências da judicialização das políticas de saúde: custos de medicamentos para as mucopolissacaridoses. Cad.
64
• Ineficiência em relação à escala: Operando sem grande poder de
administrar compras e dentro de um mercado monopolizado, o SUS não alcança
economias de escala que seriam esperáveis sob outras circunstâncias. Em um
sistema de aquisições centralizado é de se esperar que a compra de um maior
volume de um medicamento esteja relacionada a um maior poder de barganha e a
uma série de economias que, em conjunto, reduzem preços finais. Mesmo na
impossibilidade de ganhos expressivos, a compra em maior quantidade assegura,
ao menos, a capacidade de manter estável e em níveis mais baixos a relação entre
quantidades e preços. Conforme estudo, conclui-se que sob judicialização, as
aquisições pelo SUS de medicamentos de alto custo para algumas doenças graves
são feitas, aparentemente, por preços instáveis, muito superiores aos mínimos
possíveis e sem qualquer redução expressiva à proporção que aumentam as
quantidades negociadas.129
• Dificuldade de controle das quantidades consumidas e estocadas: O
SUS possui uma série de mecanismos para regular o uso de medicamentos, sendo
ao mesmo tempo eficazes para os tratamentos e eficientes para o sistema como um
todo. Esses mecanismos objetivam ter eficácia médica e eficiência logística. Isso
pode ser feito porque há elevada integração entre a indicação dos tipos e das
quantidades de medicamentos, o seu consumo efetivo (postos de saúde e hospitais)
e sua provisão (dispensários).
Quando o sistema tem controle sobre as quantidades adquiridas, utilizadas e
estocadas, uma prescrição mais eficiente de medicamento de alto custo - por
exemplo, doses menores eficazes - ou a interrupção da prescrição (por abandono do
tratamento ou óbito) permite a realocação de medicamentos para outros indivíduos
do sistema ou sua estocagem adequada para uso futuro. No caso da determinação
judicial de compra, isso não é possível ou depende de arranjos externos à
organização do sistema.
Entretanto, as quantidades acumuladas de medicamento adquiridas podem variar
muito entre indivíduos. Há diversos fatores por trás dessas variações, como há
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, pág 485. Mar. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000300008&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 14 Maio 2013. 129 Ibidem, pag. 486.
65
quanto tempo o paciente recebe o medicamento e as diferenças de peso, que
determinam as doses recomendadas. Independentemente desses fatores, pesquisas
mostram que pelo menos 60% das quantidades compradas são no mínimo cinco
vezes maior que o menor volume necessário para um tratamento. No caso do
remédio Galsulfase, 30% das aquisições são dez vezes maiores do que a
quantidade mínima necessária, com esta relação chegando a mais de 25 vezes no
extremo da distribuição. Além disso, a conclusão mais grave demonstrada é que os
medicamentos com maior desigualdade nas quantidades adquiridas são justamente
aqueles com maior peso financeiro total. Isso indica que, além de elevadas
desigualdades nos preços, há desigualdades substantivas nas frações distribuídas
para cada indivíduo, sendo perceptível que não há efetivo controle na quantidade
determinada pelo judiciário.130
Para finalizar, ressaltam-se as dificuldades que estas demandas judiciais criam
para a gestão do SUS. O direito do cidadão de exigir a garantia de acesso a
medicamentos via sistema judiciário é fundamental para fazer cumprir os direitos
sociais e evitar a negligência do Estado. Todavia, percebe-se ser um equívoco partir
do pressuposto de que qualquer reivindicação de medicamento deve ser atendida
em um mercado farmacêutico com mais de 15 mil especialidades farmacêuticas. A
garantia ao direito à saúde deve ser pautada por políticas públicas definidas e que
abranjam o maior número de pessoas e não apenas com ações judiciais que muitas
vezes desconsideram as diretrizes do Programa Nacional de Medicamentos em
franca contraposição à tendência internacional de racionalizar o uso de tecnologias
na área da saúde. O sistema judiciário e o executivo precisam encontrar uma
solução conjunta para que o direito à assistência terapêutica integral seja garantido,
com medicamentos seguros, eficazes e com relação custo-efetividade mais
favoráveis de acordo com a melhor e mais forte evidência científica disponível, sem
causar as distorções observadas neste trabalho.131
130 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SCHWARTZ, Ida Vanessa D.. Consequências da judicialização das políticas de saúde: custos de medicamentos para as mucopolissacaridoses. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, pág. 487. Mar. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000300008&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 14 Maio 2013. 131 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SCHWARTZ, Ida Vanessa D.. Consequências da judicialização das políticas de saúde: custos de medicamentos para as mucopolissacaridoses. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, Mar. 2012, pág. 487. Disponível em:
66
CONCLUSÃO
Conforme analisado, o mínimo existencial é o conjunto de bens e
utilidades básicas imprescindíveis para uma vida com dignidade, tais como a saúde,
a moradia e a educação fundamental. Dessa forma, apesar de haver sérias
restrições econômicas, as políticas públicas devem estabelecer metas prioritárias
para atender os direitos sociais. Entende-se violado o mínimo existencial quando se
verificar a omissão na concretização de direitos fundamentais, inerentes à dignidade
da pessoa humana, prevista no artigo 1º da CF.
Com a Judicialização dos direitos sociais, o julgador possui papel relevante na
hora de analisar se o Poder Público deve ou não ser obrigado a realizar determinada
prestação. Dessa forma, apesar de os direitos fundamentais terem aplicação
imediata, percebe-se que o Estado, mesmo aplicando valores cada vez maiores em
diversas políticas públicas, possui sérias restrições orçamentárias e não consegue
atender a demanda cada vez maior da Sociedade.
Apesar de todas as dificuldades de gerenciar a escassez de recursos frente à
demanda crescente que os sistemas de saúde universais enfrentam, o SUS não
está se omitindo em atender aos pacientes com diferentes doenças. A organização
da rede para o atendimento de diversas doenças já existe, conforme analisado no
capítulo segundo, bem como o fornecimento de medicamentos subsidiados ou
gratuitos. A questão é a exigência de se tratar uma doença específica com o uso do
medicamento A ou B, que muitas vezes não têm evidências fortes de sua eficácia e
segurança, o que revela preferências e sugere influência pesada de mecanismos de
mercado. Ainda, por imposição de ações judiciais, muitas vezes o SUS acaba
adquirindo medicamentos sem registro na ANVISA.
Justamente por isso, é importante que alguns parâmetros sejam analisados
no caso concreto, sob pena de se inviabilizar a consecução de outras áreas sociais
também de inquestionável relevância, tendo sido propostos critérios como a prova
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000300008&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 14 Maio 2013.
67
de eficácia do medicamento, a sua imprescindibilidade no tratamento do paciente e
a prévia aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Especificamente com relação aos medicamentos de alto custo, é fundamental
haver critérios mais rígidos para a sua concessão via judicial. Tais critérios são
sugeridos a seguir:
• Pedido inserido em uma política pública já formulada – análise das listas de
medicamentos divulgadas pelo SUS, tais como a Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (RENAME);
• Opção por tratamento ou medicação de eficácia técnica comprovada, com
preferência aos medicamentos genéricos e os já incluídos em lista do SUS;
• A condição econômica do solicitante, segundo o grupo familiar, com
parâmetros para aferição de renda e distribuição dos medicamentos.
Nesse sentido, o Judiciário deveria negar o fornecimento de medicamentos
quando não estão na lista do SUS, quando não possuem registro na ANVISA e,
principalmente, quando não possuem eficácia comprovada. De qualquer forma, em
todas as situações é mister que haja uma ponderação de acordo com o caso
concreto entre o “mínimo existencial” e a “reserva do possível” para não ferir a
razoabilidade e o senso de justiça.
Com base no que foi apresentado no presente trabalho, conclui-se que as
políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades
econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de implementar
políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por
conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo
judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de
medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. Inclusive, com o
aumento exponencial do número de ações judiciais, a exclusão destes se
aprofundaria em decorrência de o Governo transferir os recursos que lhes
dispensaria, em programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões
judiciais, proferidas, em sua grande maioria, em benefício da classe média.
68
Da mesma forma, também é inegável que esse aumento de despesas não
previstas acaba por desorganizar as políticas públicas de saúde, na medida em que
recursos destinados ao sistema como um todo passam a ser direcionados para o
atendimento de situações individuais, com prejuízo para a universalidade do
atendimento.
Dentre as propostas apresentadas pelo Ministro da Saúde durante audiência no
STF, com o objetivo de dirimir o contencioso entre a Justiça e a Saúde, destacam-
se: a maior celeridade na atualização e elaboração de novos protocolos do SUS; a
ampliação da Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde
(CITEC/MS), de forma a conferir maior agilidade às suas recomendações; o
aperfeiçoamento da organização da pesquisa clínica em rede de centros de
referência para que os resultados sejam estabelecidos nacionalmente; a criação de
Centros Estaduais de Referência para a prescrição de medicamentos,
especialmente os de alto custo, e o adequado manejo dos pacientes; e, a criação de
mecanismos que viabilizem a existência de uma assessoria técnica para subsidiar o
Judiciário em suas decisões relacionadas à saúde.
A partir do exposto, mesmo que essas políticas sejam colocadas em prática pelo
Ministério da Saúde com o objetivo de melhorar a eficiência do serviço prestado,
também se espera que haja uma mudança no posicionamento dos Tribunais
Superiores, no sentido de agirem baseados no princípio da proporcionalidade. De
acordo com esse princípio, o judiciário só deveria agir se a prestação solicitada for
realmente necessária, adequada e razoável. Porém, o que se percebe atualmente é
uma banalização cada vez maior das demandas judiciais, no qual o judiciário deixou
de ser a ultima ratio para tornar-se o primeiro passo na solicitação de
medicamentos.
Como dito anteriormente, esse ativismo judicial causa grandes impactos
econômicos, tendo em vista a explosão do número de ações na última década, e faz
com que as políticas públicas tenham seus orçamentos prejudicados, pois o
Governo tem que dispor cada vez mais recursos para pagar as determinações
judiciais não previstas inicialmente.
69
Assim, fica a seguinte pergunta para reflexão: Como esperar que o acesso às
políticas públicas seja cada vez mais universal, incluindo principalmente a população
de baixa renda, se o crescente número de ações judiciais faz com o acesso a essas
políticas seja cada vez mais individual?
É notório que o acesso aos direitos sociais ainda não atinge grande parcela da
população realmente necessitada, e mais notório ainda é que isso ocorre em
decorrência da omissão estatal e do mau gerenciamento de recursos. Todavia,
apesar de anualmente haver aumento dos recursos financeiros gastos com
programas sociais, se permanecer a tendência de o judiciário intervir ativamente nas
políticas governamentais sem a devida análise técnica sobre a real necessidade da
prestação, será cada vez maior a dificuldade do governo em implementar políticas
públicas realmente efetivas e garantidoras de um mínimo de condições para uma
vida digna da população da forma como preceitua a Constituição Federal.
70
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ANEXO A
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política”. "Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012)
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ANEXO B
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS - DIREITO SUBJETIVO - RESERVA DO POSSÍVEL - TEORIZAÇÃO E CABIMENTO - IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA - ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA - PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL - ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO - PRECEDENTES DO STF E STJ. 1. A tese da reserva do possível assenta-se em ideia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia. 2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo. 3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade. 4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia. 5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial. 6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social. 7. Sendo assim, não fica difícil perceber que dentre os direitos considerados prioritários encontra-se o direito à educação. O que distingue o homem dos demais seres vivos não é a sua condição de animal social, mas sim de ser um animal
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político. É a sua capacidade de relacionar-se com os demais e, através da ação e do discurso, programar a vida em sociedade. 8. A consciência de que é da essência do ser humano, inclusive sendo o seu traço característico, o relacionamento com os demais em um espaço público - onde todos são, in abstrato, iguais, e cuja diferenciação se dá mais em razão da capacidade para a ação e o discurso do que em virtude de atributos biológicos - é que torna a educação um valor ímpar. No espaço público - onde se travam as relações comerciais, profissionais, trabalhistas, bem como onde se exerce a cidadania - a ausência de educação, de conhecimento, em regra, relega o indivíduo a posições subalternas, o torna dependente das forças físicas para continuar a sobreviver e, ainda assim, em condições precárias. 9. Eis a razão pela qual o art. 227 da CF e o art. 4º da Lei n. 8.069/90 dispõem que a educação deve ser tratada pelo Estado com absoluta prioridade. No mesmo sentido, o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve que é dever do Estado assegurar às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento em creche e pré-escola. Portanto, o pleito do Ministério Público encontra respaldo legal e jurisprudencial. Precedentes: REsp 511.645/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.8.2009; RE 410.715 AgR / SP - Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2005, DJ 3.2.2006, p. 76. 10. Porém é preciso fazer uma ressalva no sentido de que mesmo com a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial persista a carência orçamentária para atender a todas as demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Em situações limítrofes como essa, não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois estes, dentro do que é possível, estão de acordo com a Constituição, não havendo omissão injustificável. 11. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social. No caso dos autos, não houve essa demonstração. Precedente: REsp 764.085/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, DJe 10.12.2009. Recurso especial improvido.
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ANEXO C PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDANDO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA E CONSEQUENTEMENTE DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. 1. "A concessão da ordem, em sede de Mandado de Segurança, reclama a demonstração inequívoca, mediante prova pré-constituída, do direito líquido e certo invocado" (RMS 24.988/PI, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 18 de fevereiro de 2009). 2. No caso em foco, o compulsar dos autos denota que não há prova pré-constituída a embasar o pleito deduzido neste writ of madamus. Deveras, a prescrição medicamentosa do remédio Enbrel por médico conveniado ao Sistema Único de Saúde (fl. 15) não é suficiente para comprovar que a resposta do paciente ao tratamento será melhor do que aquela obtida com os medicamentos oferecidos pelo SUS (acitretina e ciclosporina) (fl. 18). 3. A produção da prova subjacente à assertiva de que o tratamento do paciente com a droga Enbrel surtirá mais efeito é de grande complexidade e, à toda evidência, demanda a realização de perícia técnica, cuja dilação probatória é incompatível com rito célere do mandado de segurança. 4. Ainda sob esse ângulo, o documento indicativo de que o tratamento deve ser realizado com o fármaco Enbrel (receita à fl. 15) foi produzido unilateralmente, sem o crivo do contraditório. Ademais, a contraprova produzida pelo impetrado, consistente na Nota Técnica NAT/AF n. 0321/2007 (fls. 74-76), milita em sentido oposto à pretensão do impetrante, pois consignou que: (a) o etanercepte, substancia ativa do Enbrel, é de alto custo, relativamente nova e ainda não testada satisfatoriamente em pessoas portadores de psoríase; (b) o relatório médico de fl. 28 informa que o paciente foi tratado com acitretina, corticoterapia sistêmica e tópica e hidratantes, mas não se refere aos medicamentos oferecidos pelo Ministério da Saúde para o tratamento de psoríase (ciclosporina e acitretina); e (c) a droga em comento foi recentemente incluída, pelo Ministério da Saúde, no rol de medicamentos com dispensação em caráter excepcional, através da Portaria MS/GM n. 2577/2006, e a sua utilização foi tão somente autorizada por aquele órgão para o tratamento de artrite reumatóide. Logo, a questão gravitante em torno da eficácia superior do Enbrel para o tratamento de psoríase e da menor manifestação de efeitos colaterais advindos da sua utilização deve ser analisada à luz do processo cognitivo (Precedentes: RMS 22.115/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ de 22 de junho de 2007 e RMS 17.873/MG, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 22 de novembro de 2004). 5. Apenas a título de argumento obter dictum, as ações ajuizadas contra os entes públicos com escopo de obrigar-lhes indiscriminadamente ao fornecimento de medicamento de alto custo devem ser analisadas com muita prudência. 6. O entendimento de que o Poder Público ostenta a condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é utópico; pois o aparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis necessidades de todos os cidadãos. 7. Esse cenário, como já era de se esperar, gera inúmeros conflitos de interesse que vão parar no Poder Judiciário, a fim de que decida se, nesse ou naquele caso, o
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ente público deve ser compelido a satisfazer a pretensão do cidadão. E o Poder Judiciário, certo de que atua no cumprimento da lei, ao imiscuir-se na esfera de alçada da Administração Pública, cria problemas de toda ordem, como desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento de serviços públicos, dentre outros. 8. O art. 6º da Constituição Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos. 9. Recurso ordinário não provido.
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ANEXO D
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ANEXO E
Lei de Responsabilidade Fiscal ANEXO V DESPESAS QUE NÃO SERÃO OBJETO DE LIMITAÇÃO DE EMPENHO, NOS TERMOS DO ART. 9º, § 2o, DA LRF, POR CONSTITUIREM OBRIGAÇÕES CONSTITUCIONAIS OU LEGAIS DA UNIÃO 1. Alimentação Escolar (Lei no 11.947, de 16/06/2009); 2. Atenção à Saúde da População para Procedimentos em Média e Alta Complexidade (Lei 8.142, de 28/12/1990); 3. Piso de Atenção Básica Fixo (Lei 8.142, de 28/12/1990); 4. Atendimento à População com Medicamentos para Tratamento dos Portadores de HIV/AIDS e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (Lei 9.313, de 13/11/1996); 5. Benefícios do Regime Geral de Previdência Social; 6. Bolsa de Qualificação Profissional para Trabalhador (Medida Provisória 2.164-41, de 24/08/2001); 7. Contribuição à Previdência Privada; 8. Cota-Parte dos Estados e DF Exportadores na Arrecadação do IPI (Lei Complementar 61, de 26/12/1989); 9. Dinheiro Direto na Escola (Lei11.947, de 16/06/2009); 10. Equalização de Preços e Taxas no Âmbito das Operações Oficiais de Crédito e Encargos Financeiros da União; 11. Financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico a Cargo do BNDES (Art. 239, § 1º, da Constituição); 12. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB (Emenda Constitucional n. 53, de 19/12/2006); 13. Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos - Fundo Partidário (Lei n. 9.096, de 19/09/1995); 14. Complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB (Emenda Constitucional n. 53, de 19/12/2006); 15. Piso de Atenção Básica Variável - Saúde da Família (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 16. Promoção da Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos na Atenção Básica em Saúde (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 17. Incentivo Financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para Execução de Ações de Vigilância Sanitária (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 18. Incentivo Financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios Certificados para a Vigilância em Saúde (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 19. Indenizações e Restituições relativas ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - Proagro, incidentes a partir da vigência da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991; 20. Pagamento do Benefício Abono Salarial (Lei n. 7.998, de 11/01/1990); 21. Pagamento de Benefício de Prestação Continuada à Pessoa Idosa - LOAS (Lei n. 8.742, de 07/12/1993); 22. Pagamento de Benefício de Prestação Continuada à Pessoa Portadora de Deficiência - LOAS (Lei n. 8.742, de 07/12/1993); 23. Pagamento do Seguro-Desemprego (Lei n. 7.998, de 11/01/1990);
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24. Pagamento do Seguro-Desemprego ao Pescador Artesanal (Lei n. 10.779, de 25/11/2003); 25. Pagamento do Seguro-Desemprego ao Trabalhador Doméstico (Lei n. 10.208, de 23/03/2001); 26. Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condições de Pobreza e Extrema Pobreza (Lei n. 10.836, de 09/01/2004); 27. Pessoal e Encargos Sociais; 28. Sentenças judiciais, inclusive as consideradas de pequeno valor e débitos periódicos vincendos; 29. Serviço da dívida; 30. Transferências a Estados e ao Distrito Federal da Cota-Parte do Salário-Educação (art. 212, § 5º, da Constituição); 31. Transferências constitucionais ou legais por repartição de receita; 32. Transferências da receita de concursos de prognósticos (Lei n 9.615, de 24/03/1998 - Lei Pelé e Lei n. 11.345, de 14/09/2006); 33. Auxílio-Alimentação (art. 22 da Lei n. 8.460, de 17/09/1992) e alimentação do pessoal militar das Forças Armadas (art. 50, inciso IV, alínea “g”, da Lei n. 6.880, de 09/12/1980); 34. Auxílio-Transporte (Medida Provisória n. 2.165-36, de 23/08/2001); 35. Subvenção econômica aos consumidores finais do sistema elétrico nacional interligado (Lei n. 10.604, de 17/12/2002); 36. Subsídio ao gás natural utilizado para geração de energia termelétrica (Lei n. 10.604, de 17/12/2002); 37. Contribuição ao Fundo Garantia-Safra (Lei n. 10.700, de 09/07/2003); 38. Complemento da atualização monetária dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS (Lei Complementar n. 110, de 29/06/2001); 39. Manutenção da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como assistência financeira a esse ente para execução de serviços públicos de saúde e educação (Lei n. 10.633, de 27/12/2002); 40. Expansão e Consolidação da Estratégia de Saúde da Família - PROESF (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 41. Incentivo Financeiro a Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para Ações de Prevenção e Qualificação da Atenção em HIV/AIDS e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 42. Pagamento de Renda Mensal Vitalícia por Idade (Lei n. 6.179, de 11/12/1974); 43. Pagamento de Renda Mensal Vitalícia por Invalidez (Lei n. 6.179, de 11/12/1974); 44. Pagamento do Seguro-Desemprego ao Trabalhador Resgatado de Condição Análoga à de Escravo (Lei n. 10.608, de 20/12/2002); 45. Auxílio-Reabilitação Psicossocial aos Egressos de Longas Internações Psiquiátricas no Sistema Único de Saúde (de volta pra casa) (Lei n. 10.708, de 31/07/2003); 46. Apoio para Aquisição e Distribuição de Medicamentos Excepcionais (Lei n. 8.142, de 28/12/1990); 47. Bolsa-Educação Especial paga aos dependentes diretos dos trabalhadores vítimas do acidente ocorrido na Base de Alcântara (Lei n. 10.821, de 18/12/2003); 48. Pagamento de Benefícios de Legislação Especial; 49. Apoio ao Transporte Escolar (Lei n. 10.880, de 09/06/2004); 50. Apoio e Bolsa para atendimento à Educação de Jovens e Adultos (Lei n. 10.880, de 09/06/2004);
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51. Despesas relativas à aplicação das receitas da cobrança pelo uso de recursos hídricos, à que se referem os incisos I, III, IV e V do art. 12 da Lei n. 9.433, de 08/01/1997 (Lei n. 10.881, de 09/06/2004, e Decreto n. 7.402, de 22/12/2010); 52. Auxílio-Alimentação ao Pessoal Ativo Militar dos Extintos Territórios (Lei no 10.486, de 04/07/2002); 53. Transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios para Compensação das Exportações (art. 91 do ADCT); 54. Indenização a Anistiados Políticos (Lei n. 10.559, de 13/11/2002); 55. Ressarcimento às Empresas Brasileiras de Navegação (Leis n. 9.432, de 08/01/1997, 10.893, de 13/07/2004, e 11.482, de 31/05/2007); 56. Assistência Pré-Escolar (Lei n.8.069, de 13/07/1990, e Decreto n. 977, de 10/09/1993); 57. Assistência médica e odontológica, inclusive exames periódicos quando for o caso, a excombatentes, militares, servidores civis, compreendendo ativos e inativos, e pensionistas, e respectivos dependentes (inciso IV do art. 53 do ADCT, Lei no 6.880, de 09/12/1980, Lei n. 8.112, de 11/12/1990, e Decreto n. 6.856, de 25/05/2009); 58. Financiamentos no âmbito dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte - FNO, do Nordeste - FNE e do Centro-Oeste - FCO (Lei no 7.827, de 27/09/1989); 59. Assistência jurídica integral e gratuita ao cidadão carente (art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição); 60. Ressarcimento a Estados, Distrito Federal e Municípios para Compensação da perda de receita decorrente da arrecadação de ICMS sobre combustíveis fósseis utilizados para geração de energia elétrica (Lei n. 12.111, de 09/12/2009); 61. Imunobiológicos para Prevenção e Controle de Doenças (Lei no 6.259, de 30/10/1975, e Lei n. 8.080, de 19/09/1990); 62. Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família - IGD (Lei no 12.058, de 13/10/2009); 63. Concessão de Bolsa Educação Especial aos Dependentes dos Militares das Forças Armadas, Falecidos no Haiti (Lei n. 12.257, de 15/06/2010); 64. Remissão de Dívidas Decorrentes de Operações de Crédito Rural (Lei n. 12.249, de 11/06/2010); 65. Compensação ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social - FRGPS (Lei n. 12.546, de 14/12/2011); e 66. Fardamento dos Militares das Forças Armadas (alínea “h” do inciso IV do art. 50 da Lei n. 6.880, de 9/12/1980, art. 2º da Medida Provisória no 2.215-10, de 31/08/2001, e arts. 61 a 64 do Decreto n. 4.307, de 18/07/2002)