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PRISCILLA BOLFER MOURA
ESPERANÇA E EXPECTATIVA DOS
DESEMPREGADOS: A SUPREMACIA DO SENTIDO
SOBRE O SIGNIFICADO
BANCA AVALIADORA
Profª Drª Inara Barbosa Leão (Orientadora)
Profª Drª Alexandra Ayache Anache
Profª Drª Élcia Esnarriaga de Arruda
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CURSO DE PSICOLOGIA
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PARECER
Eu, professora doutora Inara Barbosa Leão, sou de parecer favorável à
apresentação para inscrição no Prêmio Silvia Lane, promovido pela
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP, do Trabalho de
Conclusão de Curso da, então, acadêmica: Priscilla Bolfer Moura, intitulado:
“Esperança e Expectativa: a supremacia do sentido sobre o significado.”;
elaborado sob minha orientação durante a 5ª série no período letivo de 2005-
2006 e apresentado à Banca de Avaliação constituída pelo Curso de Psicologia –
Formação de Psicólogo, do Centro de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul em 21.06.2006.
Minha opinião favorável se deve a temática escolhida, ao esforço desprendido
na pesquisa e ao tratamento dado aos dados e ao fato da Banca ter avaliado o
trabalho com nota 10,0.
Campo Grande, 28 de fevereiro de 2007.
InaraBLeão Profa. Dra. Inara B. Leão.
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Curso de Psicologia
Campo Grande, 28 de março de 2007.
PARECER O Curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/Campus de Campo Grande, tem a honra de inscrever trabalhos dos seus ex-alunos, para o Premio Silvia Lane, promovido pela Associação Brasileira para o Ensino de Psicologia – ABEP. Esta Universidade, mesmo diante de tantas adversidades, tem tentado incentivar o aluno a pesquisar, produzir textos e a apresentar esta produção em eventos regionais, nacionais e internacionais. Acreditamos que é necessário dar mais ênfase na criação e não sermos apenas reprodutores de conteúdos acadêmicos. A Universidade precisa resgatar o seu papel de produtora de conhecimento, incentivando na vida acadêmica a construção de novos pesquisadores. A Universidade que presa pelo ensino de qualidade está diretamente determinada pela pesquisa. E isto não deve ser apenas retórica. Sendo assim, o Curso de Psicologia indica para concorrer a este importante prêmio de incentivo à produção acadêmica os trabalhos abaixo listados, informando que estes foram selecionados dentro da instituição por apresentarem: coerência do texto em relação ao que foi proposto; boa articulação entre estudo teórico-prático e clareza na conexão das idéias. Desta forma apresento os trabalhos que foram selecionados: Para a categoria Relatório de Estágio:
1) Análises dos processos psicológicos grupais na atividade do trabalho na Seção de Nutrição do Hospital Universitário. Período: 2005-2006. – Projeto: Trabalho e subjetivação em uma instituição hospitalar. Relatório de estágio, sob a orientação da Profª.Drª. Inara Barbosa Leão.
Para a categoria Trabalho de Conclusão de Curso:
2) Esperança e expectativa dos desempregados: a supremacia do sentido sobre o significado. Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação da Profª.Drª. Inara Barbosa Leão;
3) O sentido subjetivo do trabalho para a profissional do sexo. Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação da Profª.Drª. Alexandra Ayach Anache.
O Curso de Psicologia parabeniza os trabalhos acima e deseja aos participantes
boa sorte!
Profª. Rosilene Caramalac. Coordenadora do Curso de Psicologia
UFMS/CCHS – Campo Grande
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ESPERANÇA E EXPECTATIVA DOS DESEMPREGADOS: A
SUPREMACIA DO SENTIDO SOBRE O SIGNIFICADO RESUMO O presente trabalho analisa graficamente os processos de consciência de vinte e sete trabalhadores desempregados que estão à procura de emprego, buscando apreender como as emoções expectativa e esperança são entendidas e sentidas por estes sujeitos. Tomamos como base a Teoria Psicológica Sócio-Histórica, na qual o trabalho é o elemento de constituição do sujeito e da sua consciência, é uma atividade humana institucionalizada, que aparece como forma de satisfação das necessidades individuais. Utilizamos também a Teoria Filosófica de Tomas Hobbes, o qual fala sobre a esperança, e a Teoria das Expectativas de Victor Vroom. Achamos necessário fazer uma contextualização do desemprego para entendermos como foi o processo de diminuição do emprego e as conseqüências para os trabalhadores. Usamos como método de coleta de dados a entrevista, por acharmos que ela respondia aos objetivos propostos pelo trabalho. As análises dos discursos destacaram que as emoções esperança e expectativa são diferenciadas pelos sujeitos, implicando de maneira diferente nas consciências de cada um. Constatou-se que a expectativa está relacionada à “conseguir” algo, já a esperança está muito mais relacionada à fé, ao “acreditar”.
Palavras-chave: desemprego, esperança, expectativa.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA....................................................................................6 PROBLEMA E OBJETIVOS ..............................................................................................11 PROCEDIMENTOS .............................................................................................................12 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................20
1. Indivíduo, Sociedade e Desemprego ................................................................................20 1.1. Educação e Trabalho ................................................................................................38
2. Indivíduo e Subjetividade.................................................................................................50 2.1. Atividade....................................................................................................................51 2.2. Significado e Sentido .................................................................................................54 2.3. Linguagem e Pensamento..........................................................................................57
3. Indivíduo e Afetividade ....................................................................................................66 3.1. Esperança ..................................................................................................................78 3.2. Expectativa ................................................................................................................81
RESULTADOS E DISCUSSÃO ..........................................................................................86 1. Análise dos Dados Quantitativos......................................................................................86
5.1. Identificação do Entrevistado....................................................................................86 5.2. Situação de Desempregado .......................................................................................90
2. Análise das Questões Sobre Expectativa e Esperança......................................................93 6.1. Análise sobre a Expectativa ......................................................................................96 6.2. Análise sobre a Esperança ......................................................................................100
CONCLUSÃO......................................................................................................................102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................104 ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO ...............................................................107 ANEXO II – ENTREVISTA...............................................................................................108 ANEXO III – DESCRIÇÃO DAS RESPOSTAS..............................................................110
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INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
A partir de uma revisão bibliográfica de livros e artigos, deparamo-nos com a falta de
categorização dos temas expectativa e esperança em psicologia. Este último ainda pôde ser
encontrado em obras de filósofos como Juan Luis Vives (1492-1540) e Baruch Spinoza
(1632-1677): o primeiro, no seu estudo sobre as paixões, descreveu essa emoção subordinada
à classificação geral de ‘repulsão’ e ‘atração’ e, o segundo, a classificou como emoção
secundária, pois se originaria da associação das emoções primárias (alegria, tristeza, prazer e
dor).
Embora pouco discutidas em Psicologia, essas emoções permeiam, através da fé ou
possibilidade de conseguir algo que se quer/necessita, a vida das pessoas. Um estudo
psicológico sobre esses aspectos é o objetivo desta pesquisa, tentando categorizá-los a partir
da Teoria Sócio-Histórica e, contribuindo com a ampliação dos conceitos por ela utilizados.
A Psicologia Sócio-Histórica explica o homem como um ser ativo, social e histórico e,
baseada no Materialismo-Histórico propõe que o psiquismo pode ser abordado através das
suas categorias fundamentais: a emoção, a atividade, a consciência e a identidade. Ela tem
como fundamento que a formação da consciência individual depende da atividade do sujeito,
a qual tem no trabalho produtivo sua maior expressão. Toma o trabalho como um dos
constituintes das Funções Psicológicas Superiores e dos sentidos e significados que integram
a consciência e orientam os aspectos emocionais e racionais da atividade psíquica, bem como
dos comportamentos dos sujeitos. Portanto, o trabalho é o elemento de constituição do sujeito
humano que aparece como forma de atendimento das necessidades individuais e, por isso, se
modifica juntamente com as mudanças históricas.
A consciência se forma a partir da interação do homem com as condições sócio-
históricas, orientadas pela cultura do seu grupo social. É um processo em constante
construção, redundando na forma de sentir, pensar e agir. Ela permite ao sujeito entender e
controlar a realidade onde está inserido.
Sendo assim, a consciência é constituída pelas sensações, imagens de percepção,
representações e da relação entre o sentido pessoal e o significado social dessas
representações, que são criadas a partir da atividade. Pois é nesta que a relação entre sentido e
significado se estabelece, porque o sujeito apreende estas relações como suas, particulares, e
as torna conscientes.
A atividade refere-se à ação do homem sobre a realidade e é definida pelo lugar que o
indivíduo ocupa (socialmente) na sociedade conforme esta se organiza para o trabalho. É um
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processo que se inicia a partir de uma necessidade individual com origem na realidade
material desencadeando ações do sujeito.
A linguagem, a emoção e o pensamento são elementos de mediação das atividades e
meios de interação entre os homens. São os mediadores que permitem ao indivíduo o
planejamento e o controle das atividades por esquemas lógico-abstratos. Podemos dizer,
então, “que a mediação é o processo que no homem tornou todo o comportamento organizado
intelectualmente” (Leão, 1999, p. 23).
À linguagem é atribuído papel fundamental na constituição da consciência e de seus
processos superiores. A sua função essencial se deve ao fato de só poder ser adquirida na
relação com outros homens e, portanto, ser recebida da sociedade. Progressivamente ela se
interioriza, tornando-se independente da comunicação, e se converte em instrumento do
pensamento.
Portanto, os principais fundamentos que sustentam a teoria Sócio-Histórica são: a
influência das condições sócio-culturais no desenvolvimento dos processos psíquicos
superiores, a atividade mediada por instrumentos, a interação social como origem da
linguagem e de toda conduta mediada, a constituição da conduta intencional e voluntária, bem
como a afetividade que permeia a atividade para determinar os processos psíquicos da
consciência.
O homem, essencialmente social, encontra no trabalho a forma de sobrevivência e
produção de riqueza, tendo o grupo como norteador de seu modo de agir e pensar. O grupo de
trabalho é, portanto, de fundamental importância na vida do trabalhador que, ao relacionar-se
com seus afins, torna-se parte dinâmica do grupo sendo mudado por ele e também o mudando.
O trabalhador tem seu trabalho como meio de sobrevivência, e isto no sentido mais amplo do
termo, pois a partir dele constituirá suas relações sociais e reestruturará sua consciência.
As bases metodológicas desta pesquisa estão erigidas na concepção marxiana de que
o homem é um ser histórico e social e que no processo de sua relação com a natureza
transforma-a, satisfazendo e criando necessidades materiais, fator que provoca uma mudança
em si próprio e na realidade que o rodeia.
Assim, as ações humanas são tidas como relações humanas com o mundo que
constroem o próprio homem. Em outras palavras, nega-se a concepção de uma natureza
humana e daquilo que ele cria com suas ações, como sendo pronta e imutável, resultado de
forças exteriores e independentes do próprio homem e supõe a necessidade de um homem
ativo e envolvido no processo contínuo da construção de si mesmo. Consideramos então, o
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objeto de estudo como resultante do processo das relações materiais e condicionado pelas
características do momento histórico em que se dão.
O Materialismo Histórico Dialético nasce do trabalho realizado por Marx e Engels na
primeira metade do século XIX, momento histórico em que acontece o estabelecimento e a
consolidação do capitalismo e a formação social burguesa.
Para Marx (1987, apud Alves, 2003), a divisão social do trabalho determina as
relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do
trabalho. E não é só isto. Reconhece-se o grau de desenvolvimento atingido pelas forças
produtivas de uma nação a partir do desenvolvimento atingido na sua divisão do trabalho.
Originalmente, esta divisão era feita apenas pela idade e sexo, depois passou a ser
caracterizada pelas disposições impostas pela estrutura física para, enfim, atingir a divisão
entre o trabalho material e o intelectual.
Esta última divisão se acentuou com a separação entre a cidade e o campo, entre a
produção e o comércio, possibilitando a criação das manufaturas, que deram início ao
processo de fragmentação do trabalho e do trabalhador. Neste momento as relações entre o
trabalhador e o empregador passaram a ser determinadas pelo monetário e não mais pelas
relações patriarcais típicas das corporações. Isto significa que o operário passa a vender seu
trabalho, o que lhe garante os meios de subsistência.
A manufatura transforma e mutila o operário, a divisão do trabalho manufatureiro
transforma o trabalhador num autômato cujas potencialidades de trabalho vivo são sugadas
pela divisão de tarefas. Esta situação de parcialização da força de trabalho favorece o capital,
uma vez que uma maior produtividade decorre da combinação dos trabalhos dos diferentes
indivíduos.
Este processo de fragmentação e mutilação do trabalhador desenvolve-se na
manufatura e completa-se na indústria moderna, na qual a divisão do trabalho tem suas bases
ainda mais intensificadas e o trabalhador se torna, de forma mais eficiente, um simples
acessório consciente de uma estrutura formada por máquinas e operações parciais.
Neste momento as mulheres e crianças entram no mercado de trabalho e se
submetem a trabalhos de características altamente rotineiras e cansativas por dias inteiros,
sem nenhuma perspectiva de qualificação ou incentivo à educação. Na maquinaria, o
trabalhador é condenado a exploração, a submissão e à venda de sua força para conseguir
apenas e tão somente subsistir.
Jornadas de trabalho excessivas, baixos salários, operações rotineiras e cansativas,
além da falta de perspectivas de crescimento profissional fazem com que as crianças e os
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adolescentes acabem por aumentar as fileiras do crime, da violência, do desemprego e,
podemos dizer, do subemprego. Uma vez despedidos das fábricas, não possuem condições de
empregar-se novamente diante dos obstáculos postos pela sua ignorância, brutalização e
degradação física e moral.
O trabalho é uma característica da atividade humana, é um processo mediado por
instrumentos e pela sociedade, e supre necessidades que vão além das biológicas: as
necessidades sociais. Através das mediações o homem realiza um trabalho sobre a natureza e
promover o tônus emocional que será investido em cada uma das atividades para que seja
feita a eleição de prioridades.
Desta forma, desemprego afeta diretamente não só aspectos sociais, mas também
psicológicos daqueles que não tem mais o trabalho como atividade principal. Se o homem
constitui-se como tal a partir de seu trabalho e, sendo este o promotor do grande processo
técnico, torna-se contraditório psicologicamente que a própria humanidade retire do homem
seu trabalho e, conseqüentemente, sua humanidade.
A Psicologia passou os últimos anos vendo o trabalho como um problema e hoje, ele é
a solução. O desemprego em massa tornou os princípios psicológicos que se orientavam por
estes pressupostos superados a partir da segunda metade do século XX. O trabalho era um
aspecto consagrado, pois cabia à Psicologia entender, explicar e intervir na reorganização
física e psíquica das pessoas para que se adaptassem ao trabalho e ao ritmo das máquinas, o
que contribuía para a alienação do trabalhador, ou seja, a menor consciência dos resultados da
aplicação do seu trabalho individual na fabricação de produtos, elaboração de idéias e
construção da realidade social, além de impedir a organização das atividades de forma a obter
melhores resultados à sobrevivência.
Como já foi dito anteriormente, a presente pesquisa tem como objetivos categorizar as
emoções esperança e expectativa a partir da Teoria Psicológica Sócio-Histórica; conhecer à
quais funções, processos e comportamentos psicológicos correspondem tais emoções;
discriminar os elementos de cada uma das emoções, bem como compreender a importância da
expectativa para as atividades vitais do desempregado.
Com o desemprego crescente e a precarização do trabalho formal, temos indicações
empíricas de que há sujeitos que estariam se orientando apenas pela expectativa/esperança de
ter como atividade principal o trabalho, sem que saibamos como organizam o sentido de tal
situação e suas implicações para a estruturação das suas consciências.
Encontramos algumas dificuldades para localizar estudos sobre a esperança e a
expectativa na psicologia, nos deparamos com a falta de bibliografia referente a esses
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assuntos. Com relação à expectativa utilizamos um estudo baseado na Teoria das Expectativas
de Victor Vroom e à esperança, Tomas Hobbes.
Para apresentar a pesquisa, este trabalho foi organizado de forma a permitir que todos
os aspectos relacionados ao tema fossem abordados e pudessem ser inter-relacionados,
proporcionando maior entendimento dos processos psicológicos e sociais que envolvem a
questão estudada.
Apresentamos, primeiramente, a história do trabalho, seu desenvolvimento e
característica, bem como as suas conseqüências para o trabalhador. Retomamos esta história
para entender como esse o modo de produção capitalista começou e as transformações por
que passou, afetando diretamente o mercado de trabalho, tendo como característica principal o
desemprego. A discussão vai além da sociedade capitalista, discutindo um pouco a sociedade
pós-capitalismo ou a sociedade do conhecimento, a partir de Peter Drucker (2002).
Falamos também sobre o discurso atual, neoliberal, e sua influência na vida dos
trabalhadores, passando pela educação, que é percebida hoje como a principal forma de
garantir o emprego.
Retomamos a Teoria Psicológica e discorremos sobre a consciência e como é
constituída, abordando cada um dos seus aspectos principais: atividade, sentido e significado,
linguagem e pensamento.
Tratamos da emoção na Teoria Sócio-Histórica, bem como das teorias relacionadas à
Esperança e Expectativa. Este capítulo é o principal para a análise dos dados coletados por se
tratar do nosso tema principal.
Posteriormente, abordamos a metodologia do trabalho, tanto de coleta dos dados como
da análise dos mesmos, que estão apresentadas nos capítulos seguintes, cinco e seis. O
Capítulo cinco contém a análise da primeira parte da entrevista realizada – qualitativa, tendo a
apresentação e uma breve discussão de gráficos referentes à cada aspecto analisado. E no
capítulo seis fazemos a análise das questões sobre esperança e expectativa, baseadas na
análise gráfica do discurso.
Para finalizar, retomamos as questões discutidas durante todo o trabalho e
apresentando algumas considerações sobre os resultados obtidos.
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PROBLEMA E OBJETIVOS
Problema: A psicologia científica ainda não tem definido qual(is) é(são) a(s) característica(s)
psicológica(s) diferencial(is) referente(s) às categorias emocionais: esperança e expectativa.
Podemos esboçar essa categorização a partir de experiências relatadas por desempregados.
Objetivo Geral
- Categorizar as emoções esperança e expectativa a partir do pressuposto materialista-
histórico e dialético da Teoria Psicológica Sócio-Histórica e base empírica oferecida pelos
trabalhadores desempregados.
Objetivos Específicos
- Conhecer à quais funções, processos e comportamentos psicológicas correspondem a
expectativa.
- Conhecer à quais funções, processos e comportamentos psicológicas correspondem a
esperança.
- Discriminar os elementos que diferenciam os dois conceitos: expectativa e esperança, com
vistas entender as suas implicações para as atividades vitais dos trabalhadores desempregados.
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PROCEDIMENTOS
A Psicologia foi reconhecida como ciência em 1875, com a fundação do Laboratório
de Psicologia Experimental por Wilhelm Wundt, em Leipzig, na Alemanha.
As discussões sobre a cientificidade da Psicologia são muito antigas e remetem às
questões pertinentes ao surgimento de um novo campo de saber científico. Esta questão foi
muito determinada pelo momento histórico característico do final do século XIX, quando a
crise da Filosofia parece não ter permitido abertura suficiente para a Psicologia assumir seu
caráter cientifico, pois muitas de suas discussões iniciais eram diretamente influenciadas e
controladas por modelos filosóficos.
Posteriormente, o desenvolvimento das demais ciências colocaram a Psicologia em
uma nova situação, muitas vezes até se contrapondo ao conhecimento filosófico. A ciência se
estabelece como um conjunto de informações sobre a realidade acumuladas, sistematizadas e
devidamente validadas pelo Método Científico, obtendo assim, resultados confiáveis e
aceitos. A Ciência também possui métodos, técnicas e instrumentos para pesquisar, bem como
um objeto de investigação, todos interligados a uma determinada área do conhecimento.
Segundo Campos (2000, p. 36), “a ciência se diferencia das demais formas de conhecimento
(empírico e religioso) justamente por possuir um método, ou seja, um conjunto de princípios
que norteiam a conduta do cientista não longo da produção do conhecimento”.
Contudo, é relevante saber que o método científico orientará uma pesquisa, que obterá
um resultado em um determinado tempo, resultado este que poderá ser revisto, contestado e
alterado, ou seja, não tem o valor de “verdade inquestionável”. Em Ciência algo só é
verdadeiro até que provem o contrário, ou seja, nunca algo é (ou será) totalmente verdadeiro.
Os métodos têm sustentado as ciências, têm executado o seu papel de direcionamento,
de orientação ao pesquisador. Porém, os métodos não estão isentos de falhas e, essas
implicações ao mau uso de qualquer um, bem como de suas incorreções podem comprometer
o caminho das ciências, cujo conhecimento e a observação do pesquisador deve ser relevante
para a aplicabilidade do método.
O método é a parte principal de uma pesquisa, é ele que vai proporcionar ao
pesquisador as etapas que devem ser seguidas e cumpridas em todo o desenvolvimento da da
mesma. Desta forma, o método científico visa facilitar o planejamento do pesquisador, bem
como formular hipóteses, interpretar e/ou analisar seus resultados. É através dele que se
garante a validade do conhecimento descoberto.
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A pesquisa “Esperança e expectativa dos desempregados: a supremacia do sentido
sobre o significado” é uma pesquisa de campo, ou seja, utiliza a realidade social como local
de coleta de dados, e tem como objetivo geral apreender as emoções esperança e expectativa a
partir do pressuposto materialista-histórico e dialético da Teoria Psicológica Sócio-Histórica e
base empírica oferecida pelos trabalhadores desempregados.
A Teoria Sócio-Histórica nos deu a base para o entendimento das emoções, porém,
como dito anteriormente, utilizaremos outros pressupostos específicos para a análise da
esperança e expectativa: a Esperança em Tomas Hobbes e a Teoria das Expectativas de Victor
Vroom.
Ela é parte de um projeto maior intitulado “Implicações psicossociais do desemprego
para a consciência individual: manifestações no pensamento e emoção”, que teve início em
2003 e tem como participantes alunos do curso de Psicologia da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. Sendo assim, o grupo escolhido para a pesquisa é o de trabalhadores
desempregados.
Utilizamos inicialmente, a técnica de entrevista estruturada para a coleta dos dados
com os desempregados e na mesma oportunidade, levantamos dados demográficos e sociais
dos participantes, que nos permitiram traçar um breve perfil da população desempregada da
Cidade de Campo Grande e, num segundo momento, optamos por entrevistas semi-
estruturadas, com questões abertas específicas sobre os temas esperança e expectativa.
Em todos estes momentos, tomamos a entrevista como a técnica de coleta de
informações baseada no discurso, muito abrangente e cujas especificações, limites e
possibilidades dependem dos objetivos e da abordagem teórica na qual está fundamentada. É
concebida como uma conversação dirigida a um propósito definido, portanto, enquanto em
uma conversação o único objetivo é a conversa em si, na entrevista os objetivos são colher
informações para um fim previamente determinado.
Durante a entrevista, estabelece-se uma relação entre duas ou mais pessoas, e essa
relação caracteriza-se pelo fato de um dos integrantes (investigador) buscar determinadas
informações, e utilizar técnicas que facilitem ao outro dispor essas informações (investigado).
Ela possibilita uma flexibilidade na obtenção de informações, uma vez que há a liberdade para
repetir as perguntas, apresentando-as de formas diferentes ao entrevistado, e assim confirmar
ou conhecer outros aspectos acerca da questão levantada, ou ainda formular questões que
esclareçam uma resposta anterior. É a técnica mais adequada para revelar informações acerca
de assuntos complexos, emocionalmente carregados ou para verificar os sentimentos
subjacentes a determinadas informações coletadas. Se feita pessoalmente ainda possibilita
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uma observação do comportamento emitido durante as repostas, que podem ser fontes de
importantes informações. Além disso, é através do discurso do entrevistado que se tem a
possibilidade de definir como ele se insere no mundo, como são estabelecidas as relações
entre ele e as outras pessoas.
A entrevista estruturada ou fechada privilegia a objetividade, as perguntas são quase
sempre delimitadas por opções previamente determinadas e buscam respostas específicas à
questões especificas. As perguntas já estão previstas e o autor da entrevista não poderá alterar
a ordem ou a maneira de formulá-las, costumam ser de múltipla escolha (fechadas), embora
possa haver questões que possibilitam um pequeno discurso do entrevistado.
A entrevista semi-estruturada é caracterizada pela clareza que o entrevistador tem de
seus objetivos, de quais informações são necessárias para atingi-los, de como obter estas
informações (perguntas sugeridas ou padronizadas), quando ou em que seqüência, em que
condições devem ser investigadas e como devem ser consideradas. Além de estabelecer um
procedimento que garante a obtenção da informação necessária de modo padronizado, ela
aumenta a confiabilidade ou fidedignidade da informação obtida e permite a criação de um
registro permanente e de um banco de dados úteis aos objetivos da entrevista.
Esta técnica possibilitará a apreensão dos conteúdos e processos psíquicos que
ordenam a consciência e permitem o pensamento e, portanto atende às nossas necessidades.
Foram entrevistados 27 (vinte e sete) sujeitos que buscavam emprego Agência de
Intermediação de Mão-de-obra da Fundação Social do Trabalho (FUNSAT), em Campo
Grande. Estes responderam questões relacionadas às emoções, expectativa e esperança para
que pudéssemos, a partir da análise dos seus discursos, entendermos a participação dos
processos e funções descritos sob estes nomes na organização psicológica dos
desempregados.
A análise dos dados coletados foi realizada a partir da Análise Gráfica do Discurso,
técnica que se baseia no fato da atividade intelectual, enquanto linguagem interiorizada, se
identificar com o pensamento discursivo que tem como matriz a sociedade. Isto porque o
pensamento discursivo é a base das relações e representações sociais, e opera com as
representações da realidade e as relações que são possibilitadas pelas designações em palavras
e, ao fazer isso, promove e sofre ação da voluntariedade, estabelecendo assim motivos
particulares, sentidos pessoais e uma afetividade específica, permeada pelos determinantes
sociais e experiências individuais. Ao nos apropriarmos deste nos discursos, podemos
entender os processos psíquicos dos desempregados e os aspectos psicológicos que têm sido
alterados.
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Entendemos que as emoções se dão como um sistema diferenciado do cognitivo,
interatuando com ele, que se definem como sistemas de preparação para a ação. Se
apresentam nos comportamentos como um produto sintetizado da atuação das estruturas
cognitivas, das motivacionais e das afetivas. Assim, pressupomos que a emoção age
funcionalmente como mediador que influencia no estabelecimento do “motivo”, ou seja, ela
seria o elemento que valora os interesses dos indivíduos em cada atividade. Nestes termos, ela
estará diretamente relacionada com o “sentido” da atividade e, submetida à influência dos
fatores sociais estruturadores da realidade onde se está inserido. Aqui cabe relembrar que os
significados e sentidos se estabelecem mediante seu uso social, é a partir da linguagem
socialmente dada que se constrói a subjetividade.
Para a Escola Sócio-Histórica o conhecimento é ativo, não é um reflexo ou modelação
mental do mundo, mas um processo ativo realizado com materiais e ferramentas socialmente
dadas, um processo de coordenação de interações e de uso de instrumentos simbólicos de
origem social, como as palavras. O pensamento não só se desenvolve por contemplação (por
observação e reprodução), mas também mediante a atividade de trabalho e a comunicacional.
Sendo assim, deve-se articular ambas as perspectivas biológica e histórica e para fazer a
análise da relação entre indivíduo e sociedade.
Mas, deve-se observar que nem todas as propriedades dos indivíduos, ainda que
tenham origens sociais, são propriedades estruturais de um coletivo. Além do mais, Vigotsky
nunca negou a existência do pensamento independente da linguagem.
“(...) se considera a análise da linguagem ou mais especificamente, dos discursos, uma forma de abordagem das construções interacionais entre o sujeito e a sociedade. Mas, devemos lembrar que as comunicações entre os sujeitos não se referem a um significado já dado intrapessoalmente ou a um significado dado a priori e que a linguagem transmite. Ao contrário da concepção cartesiana, a concepção vigotskiana implica que o discurso lingüístico: - seria o desdobramento, desenvolvimento coletivo e público da interação simbólica que daria forma ao pensamento”. (Leão, 1999, p. 131).
Pensamento e linguagem constituem um conjunto imbricado, conformando um
processo que emerge da condição humana e a caracteriza. Daí a linguagem ganhar seu
significado de produção coletiva. Dado que os processos de linguagem estão internalizados,
sua influência se estende ao âmbito geral do comportamento, pelo que aparecem atividades
complexas não existentes nas formas inferiores de vida.
As técnicas de pesquisa e análise devem contemplar o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores dos homens, possibilitando a localização das suas gêneses e a
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reconstrução dos processos de elaboração e transformações estruturais suscitadas pelas
atividades práticas e pelas aprendizagens.
Para a consecução dos objetivos dessa pesquisa apoiamo-nos na Análise Gráfica do
Discurso, elaborada por Lane (1991, apud Leão, 1999) e também na Análise de Conteúdo,
para explicar os elementos explicitados na Análise Gráfica, permitindo “relatar os processos”
e “ler os conteúdos” que têm lugar nas suas consciências.
Na Análise Gráfica, parte-se das representações comunicadas pela linguagem para o
desvelamento dos conteúdos e processos da consciência. Isto porque as comunicações da
linguagem verbal são também processos cognitivos onde estão envolvidos as imagens dos
significantes sociais, seus respectivos conteúdos ideológicos, as experiências vividas e outros
elementos que desempenham funções de direcionamento para as ações individuais.
Já a Análise de Conteúdo, atualmente se apresenta como um conjunto de técnicas
múltiplas, e permite que a inferência se baseie tanto no rigor da objetividade como na
fecundidade da subjetividade. Esse tipo de análise utiliza métodos que têm por objetivo a
normalização da descrição desses dados de conteúdo semânticos. Essa normalização é
necessária para permitir a generalização a partir dos dados individuais, usando-se indicadores
comparáveis entre um indivíduo e outro e permitindo assim a enumeração, o estudo dos elos
entre os elementos destacados pela análise, as comparações entre populações ou entre textos e
o relacionamento com variáveis externas.
A Análise do Discurso trabalha com unidades lingüísticas superiores à frase: os
enunciados. Mas, algumas vezes, com o objetivo puramente lingüístico de formular as regras
de encadeamento das frases, ou seja, descrever as unidades (enunciados) e as suas
distribuições.
Análise Gráfica do Discurso é uma técnica que tem se mostrado eficiente para a
investigação da consciência, a partir desta análise podemos reconstituir o objeto psicossocial
pela investigação das atitudes expressas nas opiniões, nas escolhas ou nas preferências; das
representações manifestadas nas opiniões, informações, experiências e comportamentos e das
redes de comunicações a partir das relações interindividuais. Para tanto, partindo dos dados
empíricos efetuamos operações de relacionamento: relações de equivalência, como
classificações e relações de implicação.
Entretanto, como a natureza dos objetos visados são as mediações entre o individual e
o social, as análises devem favorecer as relações de interação e a busca de estruturas como
modelos latentes de organização dos elementos de um sistema.
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Bardin (1997, p. 149-50) baseada em Pecheux (1967), alerta que a Análise do
Discurso procura definir suas regras de funcionamento e estabelecer as condições
psicossociológicas de sua produção referindo-as às formações sociais onde elas ocorrem. A
análise refere todo o discurso ao sistema semiológico que esteja apto a elaborá-la, sendo o
sistema semiológico concebido “como um idioma parcial, que serve de referencia cultural
implícita aos discursos suscetíveis de ocorrerem neste ou naquele ponto da formação social”.
O interesse desse tipo de análise é reduzir a oposição entre a individualidade do locutor e o
caráter social do idioma, já não sendo o discurso considerado como o único produto do
indivíduo, mas como o produto de uma formação social, interiorizado e modulado pelo
sujeito.
Por isso, com a Análise Gráfica dos discursos podemos apreender os elementos que
nos permitem a consecução dos seguintes objetivos: a) localizar, através dos discursos, os
núcleos de consciência que foram construídos e/ou desenvolvidos pelos sujeitos durante as
atividades específicas de seu trabalho; b) acompanhar e analisar a influência do aspecto
emocional; c) analisar como, especificamente, os sentidos emocionais influenciam na
organização da mediação entre as atividades necessárias à consecução do trabalho e as
atividades que promovem especificamente o atendimento das necessidades e desejos
individuais; d) demonstrar o movimento de alteração dos conceitos espontâneos e científicos;
e) apreender se e como todas estas atividades da consciência influenciaram nos
comportamentos.
Porém, como é própria das entrevistas ao serem escritas perdem as características
comunicativas dadas pelas entonações e pela mímica. Assim, aspectos emocionais ficam
subsumidos nas palavras e seus conceitos, e na estruturação das frases que transmitem as
variações dos sentidos referentes aos elementos enfocados ao longo dos diálogos.
Segundo Leão (1999, p. 145-46) a Análise Gráfica consiste, após escrever todas as
entrevistas, na:
“identificação e enumeração das unidades de significação; estas se apresentam enquanto frases na seqüência do relato. Em seguida são assinaladas as palavras que se repetem ou seus sinônimos, com as quais é elaborado um gráfico. Neste, as palavras são ligadas por setas numeradas, através das quais se mantém os ordenamentos das suas emissões e, também se explicita os seus movimentos no pensamento pelo retorno que as setas fazem às palavras iguais ou aos seus sinônimos. Assim, o gráfico expressa os diferentes sentidos atribuídos à palavra, o que permite visualizar o movimento do pensamento, pois conserva-se suas relações com o restante do discurso. A partir desta identificação, nos discursos dos entrevistados, obtém-se o primeiro entendimento do que é exposto pelos gráficos buscando quais foram os conteúdos que se manifestaram a cada momento do processo de interação”.
18
Posteriormente compara-se os gráficos de cada discurso localizando os principais
núcleos de representação e acompanhando as alterações dos sentidos atribuídos às situações
significativas. Analisam-se as representações e as mudanças que elas sofrem ao longo do
discurso e tenta-se encontrar as relações entre o discurso e as alterações das características dos
sujeitos, do seu grupo social e das suas atividades.
Partimos das explicitações oferecidas pela organização da Análise Gráfica e
buscamos, então, colocar em evidência as avaliações (opiniões, julgamentos, tomadas de
posição conscientes ou não) e as associações subjacentes dos sujeitos, a partir de seus
enunciados. Estes fatos permitem as deduções lógicas a partir dos núcleos e outros índices
fornecidos e selecionados na fase anterior, que são de natureza muito diversa.
Cabe destacar que a leitura da Análise Gráfica pode ser facilitada quando nos
mantemos atentos a algumas especificações teóricas, dentre elas são fundamentais as
determinadas por Vigotsky para o entendimento das funções das palavras. São elas que
constituem os núcleos de pensamento e ao serem localizadas e destacadas na Análise Gráfica
orientam o entendimento dos processos da consciência.
Quando consideramos nas análises a função comunicativa e representacional da
linguagem, enfatizamos as mediações que se estabelecem entre o indivíduo, o outro e a
sociedade. As mediações são objetos psicossociais por excelência, mas também meios que
levam a linguagem a ser considerada mais ou menos normalizada.
O fundamental é o reconhecimento do significado sócio-cultural de toda a
comunicação, aquilo que constitui sua coerência geral. Daí busca-se seu sentido interno, o que
dá à comunicação coerência interna (subtexto).
Outra condição indispensável para a compreensão da comunicação verbal é o
conhecimento das estruturas semânticas básicas ou sintáticas profundas do idioma, as quais
organizam cada componente da alocução e expressam determinados sistemas emocionais ou
lógicos de relações.
A partir da posição teórica que nós adotamos, a consideração dos vários aspectos
integrantes das palavras e das frases como estruturas de realização e concretização da
atividade cognitiva e afetiva conduz à apreensão dos movimentos da consciência. Sobre os
elementos assim apreendidos podemos reconstruir os imbricamentos das funções, dos
sistemas e dos processos que utilizados para determinar a forma de constituição da identidade
de cada um dos sujeitos, as formas como a inserção institucional e a especificidade de seus
trabalhos condicionam as relações entre os processos das consciências.
19
Portanto, buscamos na exploração dos diálogos a explicitação do processo em que se
baseiam certas afirmativas acerca da relação entre pensamento e emoção. Entendemos, como
Vigotsky, que não há uma dicotomia entre o pensamento, a emoção e o comportamento.
20
REFERENCIAL TEÓRICO
1. Indivíduo, Sociedade e Desemprego
O padrão atual de acumulação do capital na era das tecnologias da informação vem
transformando o conceito de ocupação. Está se formando um novo modelo de emprego – mais
flexível, precário e desprovido das garantias de estabilidade associadas ao padrão
convencional. Em sociedades como a nossa, na qual o emprego desempenha um papel central,
não somente no que se refere à obtenção de renda como na integração social do indivíduo e na
própria formação de sua identidade pessoal, a mudança desse padrão tem causado
perplexidade.
A evolução história do capitalismo produziu uma desigualdade na divisão do trabalho
pelo mundo, uma vez que a capacidade de absorver maior ou menor quantidade de
trabalhadores não depende exclusivamente do grau de expansão de cada país, mas do padrão
de desenvolvimento nacional e de sua forma de inserção na economia mundial. Da mesma
forma, a qualidade dos postos de trabalho tende a estar associada tanto ao desenvolvimento
tecnológico e à organização do trabalho quanto às condições impostas pela regulação no
mercado nacional de trabalho.
Portanto, os desajustes causados pela exclusão de parte crescente da população
mundial dos benefícios da economia global e a progressiva concentração de renda constituem
o grande problema das sociedades atuais.
Se há algum tempo a grande preocupação era as condições de exploração nas quais a
inserção dos trabalhadores se dava, agora é a dificuldade de encontrar formas de inserção,
quaisquer que sejam elas.
O desemprego é um fenômeno estrutural resultante do modo de produção da sociedade
capitalista, e é uma das principais preocupações dos trabalhadores, já que nos últimos séculos
estes vinham tendo no emprego a única forma de renda e de sobrevivência.
No capitalismo é criado um excedente de mão-de-obra (exército de reserva), ociosa,
que é utilizada como meio de controle dos trabalhadores empregados e dos próprios
desempregados. Com essa reserva os empregadores podem oferecer piores condições de
trabalho e baixos salários, pois sabendo que há uma grande quantidade de pessoas que podem
ocupar a sua função, o trabalhador empregado aceita tais condições para que não perca o
emprego.
Sobre isso Leão (et alii, 2003, s/n) afirma que:
21
“(....) a explicação radical destas condições remete-se à separação dos meios de produção da força de trabalho, resultante da configuração classista das relações sociais estabelecidas pelo capitalismo e, que teve como conseqüência a força de trabalho ter que se transformar em mercadoria, portanto, sujeita as leis de mercado. Deste modo, os donos dos meios de produção aumentam seu poder de barganha, o que possibilita que estes exerçam maior controle tanto sobre seus empregados quanto sobre os que estão desempregados”.
Segundo Castel (1998), a partir dos séculos XII e XIII, começaram a emergir duas
categorias de população: a dos pobres envergonhados e a dos mendigos válidos, o que indica
que tais sociedades já conheciam fenômenos de desclassificação social (mobilidade
descendente) e de subemprego (trabalhadores válidos entregues à mendicância). Porém, na
metade do século XIV ocorre uma transformação, a questão subjacente à existência da
mendicância válida ganha então, com a vagabundagem, uma nova dimensão. Sendo assim,
uma nova leitura da questão social é feita.
Diante disso, os principais elementos de uma nova problemática do trabalho no
começo da modernidade são:
“- a lembrança do imperativo categórico de trabalho para todos os que não têm outro recurso para viver senão a força de seus braços; - a obrigação de que o serviço se adapte o mais estritamente possível às formas de divisão das tarefas fixadas pela tradição e pelo costume. Quem já trabalha, que permaneça em seu emprego (salvo se convier ao empregador dispensá-lo), e quem está em busca de emprego, que aceite a primeira injunção que lhe for feita nos limites territoriais, marcando o sistema de dependências de uma sociedade ainda dominada pelas estruturas feudais. Esse direito de preempção do senhor vale tanto para os homens livres quanto para os servos; - o bloqueio da retribuição pelo trabalho, que não pode ser objeto de negociações ou de ajustes, nem mesmo de flutuações espontâneas, mas que se acha imperativamente fixada de uma vez por todas; - a interdição de iludir esse imperativo do trabalho, recorrendo a ajudas do tipo assistencial (interdição aos carentes de mendigar e, correlativamente, aos possuidores, de alimentar, através da esmola, a assistência a indivíduos aptos para o trabalho)”. (Idem, p. 98-99).
Essas disposições representam um código geral do trabalho para todos os que estão
submetidos à obrigação de ganhar a vida trabalhando e traça uma divisão entre dois tipos de
trabalhadores: para os que estão inscritos no sistema instituído dos ofícios de artesão, que
servem a um senhor ou que são ligados a uma terra de onde retiram sua subsistência sob a
dependência de um proprietário, o decreto se dirige em caráter preventivo para que
permaneçam fixos em seu local de trabalho e que se contentem com sua condição e com a
retribuição a ela vinculada. Condena os indivíduos que se libertam das regulações
22
tradicionais, os que estão sem emprego e os que se situam em posição de mobilidade de
emprego. Considera que as populações não encontradas nas estruturas da divisão do trabalho
são um problema.
Em 1349, na Península Ibérica, é fixado valor máximo dos salários, proibidos os
deslocamentos em busca de emprego e à repressão à vagabundagem. Simultaneamente, em
alguns países como Inglaterra, França e Portugal, nos quais começa a se firmar um poder
central, toma-se um conjunto de medidas convergentes para impor um rígido código do
trabalho e reprimir a indigência ociosa e a mobilidade de mão-de-obra. Mas é também a
política de inúmeras cidades no conjunto da Europa “civilizada” da época que poderes
centralizados e municipais conspirem em sua vontade de enclausurar o trabalho em suas
configurações tradicionais, limitando ao máximo a mobilidade profissional e geográfica dos
empregados braçais.
A partir deste momento, a dificuldade é a organização do trabalho com a submissão de
um novo perfil dos indivíduos às formas tradicionais desta organização. As populações
concernidas representam o chamado proletariado: os que dispõem do aluguel da força de seus
braços para sobreviver.
Com a derrocada do sistema feudal e a Peste Negra (final do século XIV) que mata
cerca de um terço da população européia, os miseráveis sobreviventes “aproveitaram” a
situação, por serem mais procurados já que eram menos numerosos, e aplicaram a lei da oferta
e procura de mão-de-obra em seu proveito. Durante os vinte anos seguintes, os salários
aumentaram, freqüentemente, mais que o dobro. O que durou até o início do século XVI,
quando houve uma nítida retomada demográfica.
Até este século, o vagabundo era aquele que não tinha trabalho, isto é, a ociosidade
associada à falta de recursos, e eram considerados “sem fé nem lei”, ou seja, sem
pertencimento comunitário. Entretanto, na França, o Decreto Real de 1764, acrescenta uma
precisão interessante à categorização do desempregado. À cláusula “todos aqueles que não
têm profissão num ofício”, o decreto acrescenta “há mais de seis meses”. Trata-se de se
distinguir um “perfeito” vagabundo, adepto inveterado de uma vida ociosa, situação a que
hoje chamaríamos de desemprego voluntário, daquela busca de trabalho, entre duas
ocupações.
Os então considerados vagabundos seriam aqueles que romperam o pacto social de
manutenção do trabalho, família, moralidade, religião e são inimigos da ordem pública. A
vagabundagem aparece como o limite de um processo de desfiliação, alimentado na origem
pela precariedade da relação com o trabalho e pela fragilidade das redes de sociedade.
23
Porém, o que se constata, no fim do Antigo Regime francês, com relação aos
moradores dos albergues (vagabundos e mendigos inválidos) é que eles podem ser divididos
em dois grandes grupos: “trabalhadores braçais” e “trabalhadores rurais sem recursos”. Sendo
assim, a maioria dos albergados é composta por representantes de um subproletariado urbano
e rural. O mais provável é que a maior parte deles represente o que hoje chamaríamos de
desempregados subqualificados e em busca, de modo mais ou menos convincente, de um
emprego.
Para falar de desemprego stricto sensu, é preciso que estejam reunidas as condições
constitutivas da relação salarial moderna1, no início do século XX. O fato é que, desde antes,
existem situações de não-ocupação resultantes de uma organização do sistema produtivo
baseada na divisão do trabalho e não na liberdade do trabalho.
Para Castel (1998), as três formas cristalizantes das relações de trabalho na sociedade
industrial e também três modalidades das relações que o mundo do trabalho mantém com a
sociedade global são: condição proletária, condição operária e condição salarial.
A condição proletária representa uma “situação de quase-exclusão do corpo social”. O
proletário é um elo essencial no processo de industrialização, mas está condenado a trabalhar
para se reproduzir. A relação da condição operária com a sociedade considerada como um
todo é complexa. Constitui-se uma nova relação salarial e, através dela, o salário deixa de ser
a retribuição pontual de uma tarefa para também assegurar direitos, dar acesso à subvenções
extratrabalho e permitir uma participação ampliada na vida social através do consumo, da
habitação, da instrução e do lazer.
“Se todo mundo, ou quase, é assalariado, é a partir da posição ocupada na condição de assalariado que se define a identidade social. Cada um se compara a todos, mas também se distingue de todos; a escala social comporta uma graduação crescente em que os assalariados dependuram sua identidade, sublinham a diferença em relação ao escalão inferior e aspirando ao extrato superior”. (Castel, 1998, p. 417).
A condição de assalariado existiu primeiro e fragmentadamente na sociedade pré-
industrial sendo que, com a Revolução Industrial, começa a desenvolver-se um novo perfil de
operários das manufaturas e das fábricas, o qual antecipa a relação salarial moderna sem ainda
manifestá-la em sua coerência.
1 As condições constitutivas da relação salarial moderna são: “a possibilidade de circunscrever o conjunto da população ativa; uma enumeração rigorosa dos diferentes tipos de emprego e a classificação de categorias ambíguas de emprego, como o trabalho a domicílio ou os trabalhos agrícolas; uma delimitação firme dos tempos de atividades opostos aos períodos de inatividade; a contagem exata do tempo do trabalho, etc”. (Castel, 1998, p. 145).
24
Os principais elementos dessa relação – fordista – moderna são: remuneração próxima
de uma renda mínima que assegura apenas a reprodução do trabalhador e de sua família e que
não permite investir no consumo; ausência de garantias legais na situação de trabalho regida
pelo contrato de aluguel; e mobilidade da relação dos trabalhadores com a empresa.
Formalizando essas características, poderá se dizer que uma relação salarial comporta um
modo de remuneração da força de trabalho, o salário; uma forma da disciplina do trabalho que
regulamenta o ritmo da produção e o quadro legal que estrutura a relação de trabalho, isto é, o
contrato de trabalho e as disposições que o cercam.
Ainda segundo Castel (Idem) cinco condições foram necessárias para que se passasse
da relação salarial que prevalecia no começo da industrialização a esta relação salarial
“fordista”:
A primeira condição é “uma nítida separação entre os que trabalham efetiva e
regularmente e os inativos ou os semi-ativos que devem ser ou excluídos do mercado de
trabalho ou integrados sob formas regulamentadas” (Ibidem, p. 420). A definição moderna da
condição de assalariado supõe a identificação precisa do que os estatísticos chamam de
população ativa. Somente em 1896, na França, e em 1901, na Inglaterra, a noção de
população ativa é definida sem ambigüidade, permitindo o estabelecimento de estatísticas
confiáveis e, assim, a situação de assalariado torna-se claramente identificável, mas também a
de desempregado involuntário, distinta de todos aqueles que mantêm uma relação irregular
com o trabalho.
Porém, uma coisa é poder localizar e contabilizar os trabalhadores, outra melhor é
poder regular este mercado de trabalho, controlando seus fluxos. Para isto foi criada a agência
de empregos para efetuar uma divisão do trabalho, ou seja, dividir “os verdadeiros
empregados em tempo integral e os que serão completamente excluídos do mundo do
trabalho” (Ibidem, p. 421). Desta forma, os poderes públicos terão apenas um papel muito
modesto na organização do mercado de trabalho e na luta contra o desemprego.
A segunda condição é “a fixação do trabalhador em seu ponto de trabalho e a
racionalização do processo de trabalho no quadro de uma ‘gestão de tipo exata, recortada,
regulamentada’” (Ibidem, p. 425). As coerções técnicas do trabalho2 para regular a conduta
operária vão expandir-se com o taylorismo e são implantados, além dos locais industriais, nos
escritórios, grandes lojas e no setor terciário. Mais do que falar em taylorismo, é falar da
implantação progressiva de uma nova relação salarial, caracterizada pela racionalização
2 A máquina impõe coerções objetivas com as quais não se discute, segue-se ou não o ritmo que a organização técnica do trabalho impõe.
25
máxima do processo de trabalho, o encadeamento sincronizado das tarefas, uma separação
entre tempo de trabalho e de não-trabalho e a produção de massa.
A terceira condição refere-se ao “acesso por intermédio do salário a ‘novos consumos
operários’, através do que o próprio operário se torna usuário da produção em massa”
(Ibidem, p. 429). Até esse momento o trabalhador era essencialmente concebido como um
produtor máximo e consumidor mínimo, porém com o aumento do salário moderno, ele tem a
possibilidade de ter acesso ao consumo dos produtos da sociedade industrial.
Ford foi o primeiro a pôr em prática a articulação da produção e do consumo em
massa, é a partir daqui que se afirma uma concepção da relação salarial segundo a qual “o
modo de consumo é integrado nas condições de produção” (Aglietta apud Castel, 1998, p.
432). Isto é suficiente para que grande parte dos trabalhadores saia da situação de extrema
miséria e de insegurança permanente na qual permaneceram durante séculos.
A quarta condição é “o acesso à propriedade social e aos serviços públicos – o
trabalhador é também um sujeito social suscetível de participar do estoque de bens comuns3,
não comerciais, disponíveis na sociedade” (Ibidem, p. 432). E a quinta condição é “a
inscrição em um direto do trabalho que reconhece o trabalhador como membro de um coletivo
dotado de um estatuto social além da dimensão puramente individual do contrato de trabalho”
(Ibidem, p. 434).
Em 1936, há uma cristalização e, ao mesmo tempo, uma virada dessa relação salarial
moderna acima descrita. De um lado, esse ano marca uma etapa decisiva do reconhecimento
da condição do operário assalariado como força social determinante, a extensão de seus
direitos e uma tomada de consciência de seu poder, que pode fazê-lo sonhar em se tornar um
dia o futuro do mundo. De outro, sanciona o particularismo operário, sua destinação para
ocupar um lugar subordinado na divisão do trabalho social e na sociedade global.
A partir da metade da década de 1950 emerge um novo discurso sobre “os homens dos
tempos que virão”, espécie de puros assalariados que conquistaram suas credenciais de
burguês. Assiste-se a uma quase mitologização de um perfil de homem eficaz e dinâmico,
liberado dos arcaísmos, ao mesmo tempo descontraído e performante, grande trabalhador e
grande consumidor de bens de prestígio, com “férias inteligentes”, nas quais fazem viagens ao
exterior para ampliar seus conhecimentos. Um homem liberto da ética puritana e
entesouradora, do culto do patrimônio e do respeito das hierarquias consagradas que
caracterizam a burguesia tradicional.
3 Tais como: saúde, higiene, moradia e instrução.
26
Esta promoção da condição de assalariado atropela a oposição secular entre trabalho e
patrimônio já que bons salários, posição de poder e prestígio, liderança em matéria de modos
de vida e de modos culturais, segurança contra os acasos da existência não estão mais
necessariamente ligados à posse de um grande patrimônio.
A onipresença, durante anos, do tema do consumo expressa o que Castel (1998)
chama de “princípio de diferenciação generalizada”. O consumo comanda um sistema de
relações entre as categorias sociais, segundo o qual os objetos possuídos são marcadores das
posições sociais e compreende-se, a partir disso, que seu valor seja sobredeterminado: o que
os sujeitos põem em jogo aí não é a sua aparência, mas sua identidade, ou seja, manifestam,
através do que consomem, seu lugar no conjunto social. O consumo de objetos significa o
valor intrínseco de um indivíduo em função do lugar que ocupa na divisão do trabalho, é o
modo através do qual os sujeitos sociais se comunicam.
A condição de assalariado ao mesmo tempo reúne, separa e fundamenta os membros
da sociedade, que assim, encontram sua identidade social. Como diz Aglietta e Bender (apud
Castel, 1998, p. 478) “em uma sociedade salarial, tudo circula, todo mundo se mede e se
compara”.
Porém essa sociedade também é um modo de gestão política que associou a sociedade
privada e a propriedade social, o desenvolvimento econômico e a conquista dos direitos
sociais, o mercado e o Estado.
O assalariado acampou durante muito tempo às margens da sociedade; depois aí se
instalou, permanecendo subordinado; enfim, se difundiu até envolver a sociedade
completamente para impor sua marca por toda parte. Mas é exatamente no momento em que
os atributos vinculados ao trabalho para caracterizar o status, que situa e classifica um
indivíduo na sociedade, pareciam ter-se imposto definitivamente, em detrimento dos outros
suportes da identidade, como o pertencimento familiar ou a inscrição numa comunidade
concreta, que essa centralidade do trabalho é brutalmente recolocada em questão.
Para categorias cada vez mais numerosas da população ativa, inclusive para as que
estão colocadas em situação de inatividade forçada, a identidade pelo trabalho está perdida.
Durante parte do século XIX, a presença de um elevado excedente de mão-de-obra nas
economias européias era, segundo a visão dominante, uma superpopulação de trabalhadores
ociosos e deveria ser combatida com a manutenção de salários de subsistência, o que levaria a
uma redução da oferta de mão-de-obra. Em contraposição a esse pensamento dominante,
havia denúncias e teses a respeito da relação intrínseca entre o processo de acumulação de
capital e a geração do desemprego e da desigualdade de remuneração. Dessa forma, o
27
excedente seria identificado menos com a oferta de força de trabalho e mais com a natureza
do próprio desenvolvimento capitalista.
Somente com a Grande Depressão de 1929 o desemprego começou a ser mais bem
entendido como produto do desenvolvimento insuficiente das forças produtivas e não mais
como decorrente do desajuste da concorrência no interior do mercado de trabalho. Até então,
era considerado apenas como voluntariedade do trabalhador, que se negava a ocupar as vagas
existentes, ainda que sustentadas por salários reduzidos.
Num primeiro momento, o desemprego estaria associado ao combate à inflação.
Posteriormente, ganhou força a interpretação que ligava a manutenção do desemprego à
existência de diversos mecanismos de proteção social e de garantia de renda do trabalhador,
tornando-o desmotivado para a procura de emprego e, mais do que isso, desinteressado em
ocupar as vagas com rendimento inferior ao seguro-desemprego.
A partir do segundo pós-guerra até praticamente o final da década de 1960, o combate
ao desemprego esteve associado ao comportamento mais geral das economias nacionais.
Somente com a crise econômica de 1970, com o reaparecimento do desemprego em larga
escala, é que algumas visões conservadoras de que o excedente de mão-de-obra estaria
relacionado ao comportamento exclusivo do mercado de trabalho foram modificadas.
Quaisquer que possam ser as causas, o abalo que afeta a sociedade no início da década
de 1970, manifesta-se de fato através da transformação da problemática do emprego, sendo o
desemprego, por exemplo, apenas a manifestação visível dessa transformação e a precarização
do trabalho constitui-lhe uma outra característica.
O contrato de trabalho por tempo indeterminado passa a perder, cada dia mais, sua
hegemonia. As formas particulares de emprego que se desenvolvem recobrem uma infinidade
de situações heterogêneas: contratos de trabalho por tempo determinado, interinidade,
trabalho de tempo parcial e diferentes formas de empregos ajudados, isto é, mantidos pelos
poderes públicos no quadro da luta pelo desemprego. A diversidade e a descontinuidade das
formas de emprego estão em via de suplantar o paradigma do emprego homogêneo e estável.
A precarização do emprego e o desemprego se inseriram na dinâmica atual da
modernização. São as conseqüências necessárias dos novos modos de estruturação do
emprego, a sombra lançada pelas reestruturações industriais e pela luta em favor da
competitividade.
O aumento do desemprego nos países centrais durante as décadas de 1970 e 1980, teve
forte inter-relação com a crise econômica mundial. O ambiente recessivo gerou impacto sobre
a demanda e as margens de lucro, reforçando e acelerando intensas reestruturações e
28
racionalizações de suas estruturas produtivas. Isso quase sempre envolveu a introdução de
novas tecnologias, em geral poupadoras de trabalho humano, prejudicando principalmente os
empregos dos trabalhadores menos qualificados. Com base nessas novas tecnologias, a
diversidade do mercado de trabalho acaba se convertendo em base para a superioridade do
capital.
Nesse período de crise, outro recurso foi a flexibilização do trabalho que, segundo
Castel, “não se reduz à necessidade de se ajustar mecanicamente a uma tarefa pontual. Mas
exige que o operador esteja imediatamente disponível para adaptar-se às flutuações da
demanda” (1998, p. 517). A instabilidade desta demanda e as incertezas do cenário
econômico serviram de motivação para tentar tornar totalmente variáveis todos os custos de
mão-de-obra através de contratações em tempo parcial. Além disso, intensificou-se a busca
por mão-de-obra de menos valor.
É a partir dos anos de 1980 que o Neoliberalismo é adotado nos países ocidentais, este
modelo tem como principal característica primordial o distanciamento do Estado em relação à
gestão de diversos setores da economia. As políticas neoliberais têm como objetivo atacar o
desemprego aberto em massa apenas com medidas direcionadas ao interior do mercado de
trabalho, omitindo-se a responsabilidade das políticas macroeconômicas pela geração do
excedente de mão-de-obra.
Diante deste cenário, o mundo do trabalho sofreu mudanças marcadas pela maior
insegurança no emprego e por elevada concorrência no interior da população ativa.
Nesse mesmo período difundiu-se um novo paradigma técnico-produtivo devido à
crise do modelo taylorista-fordista, o que acirrou a competição intercapitalista nas economias
avançadas. Assim, as tradicionais normas de produção e concorrência romperam-se,
constituindo uma nova composição de emprego, com maior destaque para as ocupações
profissionais superiores. Esse momento é um, dentro os vários do capitalismo, em que se pode
observar o desemprego em massa.
O movimento do mundo do trabalho, impulsionado pelas mudanças tecnológicas e
pelas novas formas de organização e gestão, passa a exigir um novo perfil de trabalhador,
acarretando também uma série de exigências de atributos pessoais. Isso tem se constituído
como uma condição para que os trabalhadores se ajustem à nova estrutura organizacional.
Novos conhecimentos científicos e tecnológicos estão associados às exigências
empresariais de contratação de empregados com prevalência multifuncional, maior
capacidade, motivação e habilidades laborais. Sendo assim, esses novos requisitos seriam
possíveis somente por meio de um maior nível educacional e treinamento dos trabalhadores, o
29
que se transformou a educação em uma das poucas alternativas do Estado para conter o
avanço do desemprego e da precarização do trabalho.
As ocupações oferecidas têm exigido um trabalhador mais condizente com as
alterações nas condições de produção, para que não haja inadequação entre a demanda de
trabalho e a pouca preparação dos trabalhadores. Desta maneira, tornam-se crescentes os
requisitos de maior qualificação profissional e a elevação das habilidades para o exercício
laboral.
No Brasil, no início da década de 1980 houve uma grande difusão das novas
tecnologias de base microeletrônica. Porém, durante a segunda metade desta mesma década
percebeu-se o quanto as possibilidades de modernização estavam distantes da realidade
nacional. Essa frustração estendeu-se para a década de 1990, que foi marcada pelo crescente
desemprego, pela contínua concentração da renda, pelo endividamento interno e externo e
pela ausência de crescimento sustentado.
Foi neste período também em que se pode perceber a elevação do grau de
escolaridade. Segundo Pochmann (2001, p. 63) esse fato
“(...) aponta, possivelmente, para a demanda insuficiente de trabalho por parte das empresas. Com o maior desemprego, os empresários terminam por privilegiar a contratação sobretudo dos trabalhadores mais escolarizados, independentemente de haver mudanças no conteúdo do posto de trabalho”.
No país, desde a década de 1990, tem-se ampliado o desemprego. A constatação
acerca da forte desaceleração dos postos de trabalho assalariados formais permite identificar
uma profunda modificação na qualidade da ocupação gerada no país. Ao se reconhecer que o
emprego assalariado formal representa o que de melhor o capitalismo brasileiro tem
constituído para a sua classe trabalhadora, pois vem acompanhado de um conjunto de normas
de proteção social e trabalhista, conclui-se que a sua redução absoluta e relativa nos anos de
1990 vem acompanhada do crescente número de vagas assalariadas sem registro e de
ocupações não assalariadas, implicando aumento considerável da precarização das condições
e relações de trabalho.
A característica mais perturbadora da situação atual é, sem dúvida, o aparecimento de
um perfil de trabalhadores sem trabalho. A quantidade de pessoas sem emprego e à procura
por um posto de trabalho ganhou forte relevância. Houve também uma drástica mudança na
composição do desemprego, ele mudou de perfil, deixou de ser um fenômeno que atingia
30
segmentos específicos da sociedade para se generalizar por quase toda a população ativa,
sendo assim, não há mais estratos sociais imunes ao desemprego.
Apesar do desemprego estrutural crescente, o capitalismo atual garante sua dinâmica
também porque a queda do preço dos produtos globais incorpora continuamente mercados
que estavam à margem do consumo por falta de renda.
A atual fase do capitalismo baseia-se na automação flexível, que permite às empresas
focalizar a produção, adaptando-a às crescentes variações de mercado, e terceirizar atividades
ligadas aos serviços de apoio como alimentação, segurança, limpeza, entre outros. Isto resulta
em uma empresa mais enxuta e competitiva, com maior flexibilidade produtiva e inovadores
processos produtivos, aspectos que influenciam a organização do trabalho.
Neste contexto ainda podemos encontrar a expansão do pensamento liberal, que
reproduz o entendimento de que o fenômeno do desemprego seria essencialmente voluntário e
individual, decorrente da falta de qualificação (habilidades e competências) e da ausência de
“empenho” do trabalhador.
A partir da segunda metade do século XX, o neoliberalismo começou a sair da
dimensão teórica, passando a orientar as práticas governamentais no plano político,
econômico, jurídico, cultural e educacional.
Atualmente é exigido tanto novos tipos de conhecimentos laborais como de
qualificação adicional de parte dos trabalhadores especializados, mas não desapareceram
plenamente todas as formas tradicionais e degradantes do trabalho, muitas vezes constituindo-
se justamente como fonte de maiores ocupações. Podemos afirmar que o capitalismo
tenderia a produzir ocupações precárias em profusão, em detrimento da geração de empregos
com melhores condições.
Porém, o que mais encontramos não é nem o trabalho precário, nem empregos com
melhores condições, mas sim o desemprego, que está aumentando cada vez mais, afetando
grande parte da população.
O desemprego é caracterizado quando um segmento da população economicamente
ativa, pessoas que tenham entre 18 e 60 anos e que apresentam todas as características
necessárias e legais para exercer uma atividade remunerada, mas que não exercem tal
atividade, isto é, não estão empregadas. Porém o desempregado, segundo a PED (Pesquisa de
Emprego e Desemprego), está numa situação involuntária de não-trabalho.
Muitas transformações estão ocorrendo nos meios de produção e, conseqüentemente,
no mercado de trabalho, devido à necessidade de garantir a reprodução do capital, o que tem
31
permitido a dispensa de mão-de-obra, diminuindo o emprego e aumentando o número de
desempregados.
Como já dito anteriormente, novas e sofisticadas tecnologias estão sendo incorporadas
de uma forma acelerada às mais diversas situações de trabalho, máquinas inteligentes estão
gradativamente substituindo os seres humanos, o que afeta diretamente a classe trabalhadora
menos qualificada gerando o crescimento do desemprego estrutural, ou seja, o desemprego
referente à nova estrutura globalizada e baseada nestas tecnologias que proporcionam a
possibilidade de deslocar a produção para qualquer lugar do mundo que permita maior
rendimento.
De acordo com a PED, o desemprego pode ser classificado em:
- Desemprego aberto: diz respeito às pessoas que procuraram trabalho de maneira
efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerçam nenhum trabalho nos sete
últimos dias;
- Desemprego oculto pelo trabalho precário: refere-se às pessoas que realizam
trabalhos precários, ou seja, alguma atividade sem vínculo empregatício, conseguida através
de amigos, parentes, vizinhos, sendo pago pelo serviço (“bico” – subemprego), ou pessoas
que realizam trabalho não remunerado para ajudar negócios de parentes e que procuraram
mudar de trabalho nos trinta dias anteriores ao da entrevista ou que o fizeram, sem êxito, até
doze meses atrás;
- Desemprego oculto por desalento: referente às pessoas que não possuem trabalho e
nem procuraram nos últimos trinta dias anteriores ao da entrevista por desestímulos do
mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de
trabalho nos últimos doze meses.
Atualmente, a difusão de políticas de flexibilização do mercado de trabalho, por meio
dos contratos parciais e atípicos, tem colaborado para a maior complexidade na identificação
de situações de atividade e inatividade.
A gravidade do desemprego no Brasil não se deve apenas ao problema da insuficiente
geração de postos de trabalho, mas também à existência de elevada carência de renda para
amplos segmentos da população, responsável pela adição de uma parcela social no mercado
de trabalho que deveria estar fora dele como é o caso das crianças, aposentados e pensionistas.
Observa-se também que aqueles que já possuem um emprego tendem a se interessar,
cada vez mais, em ocupar um outro para complementar a renda, por vezes insuficiente.
Com o aumento do desemprego, a mobilidade social também se tornou mais difícil.
Há sinais de uma fase de imobilidade e até de mobilidade decrescente, associada à dificuldade
32
crescente de o filho reproduzir, em melhor condição, a situação ocupacional e de vida dos
pais.
Sendo assim, na ausência de perspectivas econômicas melhores, torna-se muito mais
difícil a superação das dificuldades sociais estruturais dos brasileiros, como a desigualdade
social.
Diante deste contexto, as empresas estão adquirindo uma centralidade crescente no
debate político sobre a competitividade e a criação de emprego. Há mudanças profundas na
organização do trabalho (do trabalhador com tarefas rotineiras e fragmentadas para o
polivalente e o interdependente), com ênfase colocada na produção integrada, de qualidade,
voltada a demandas específicas e não mais à produção em massa.
O drama do emprego em países de periferia, como o Brasil, tende a se agravar com a
baixa qualificação e a enorme oscilação da demanda, gerando problemas crônicos de
subemprego e informalização.
O contínuo avanço da economia global não parece garantir que as sociedades futuras
possam – unicamente por mecanismo de mercado – gerar postos de trabalho, mesmo os
flexíveis, compatíveis em qualidade e renda com as necessidades mínimas dos cidadãos.
A lógica da globalização e do fracionamento das cadeias produtivas, muito oportuna
para a vitalidade do capitalismo contemporâneo, incorpora os bolsões de trabalho barato
mundiais sem necessariamente elevar-lhe a renda. Os postos formais crescem menos
rapidamente que os investimentos diretos e, se surgem oportunidades bem-remuneradas no
trabalho flexível, o setor informal também acumula o trabalho precário e a miséria.
O capitalismo tem o desemprego intrínseco à sua estrutura, os trabalhadores são cada
vez mais exigidos educacionalmente, bem como devem apresentar vários requisitos
(habilidades e competências) para que consigam emprego. E, além disso, ainda têm que se
submeter à baixos salários ou à informalidade, vivendo no limite da miséria.
Drucker (2002) vai além do capitalismo e apresenta uma visão da sociedade pós-
capitalista, a sociedade do conhecimento. Segundo o autor, os países desenvolvidos já estão
abandonando o que pode ser chamado de “capitalismo”, sua estrutura, sua dinâmica social e
econômica, suas classes sociais e seus problemas sociais são diferentes. Sendo assim, Drucker
afirma que sua visão de sociedade não é uma previsão, mas que esta mudança já está
ocorrendo, ou seja, é uma “descrição do presente”.
O autor explica que a mudança para a sociedade pós-capitalista teve início depois da
Segunda Guerra Mundial. Entretanto, foi somente com o colapso do marxismo como
ideologia e do comunismo como sistema, nos anos de 1989 e 1990, que ficou completamente
33
claro o fato de já termos entrado em uma sociedade nova e diferente. Nesta, o recurso
econômico não é mais o capital, nem os recursos naturais, nem a mão-de-obra, mas o
conhecimento, sendo os trabalhadores divididos em duas classes (distintas das do
capitalismo): trabalhadores do conhecimento e os trabalhadores em serviço.
Os trabalhadores do conhecimento são os executivos que sabem como alocar
conhecimentos para usos produtivos, são profissionais e empregados do conhecimento.
Praticamente todos eles trabalham em organizações e possuem tanto os “meios de produção”
como as “ferramentas de produção”, isto porque estes trabalhadores possuem seu próprio
conhecimento e podem levá-lo consigo a qualquer parte. Já os trabalhadores em serviços
constituem a maioria e são aqueles que carecem de educação necessária para serem
trabalhadores do conhecimento.
O significado de conhecimento passou por uma mudança radical: antes era
considerado aplicável a ser e passou a ser aplicado a fazer, transformando-se em um recurso e
uma utilidade.
Durante cerca de 100 anos, o conhecimento foi aplicado a ferramentas, processos e
produtos, criando a Revolução Industrial, a “alienação”, novas classes e luta de classes e o
Comunismo. Posteriormente, por volta de 1880 e culminando com o fim da Segunda Guerra
Mundial, o conhecimento passou a ser aplicado ao trabalho, resultando na revolução da
produtividade, que converteu o proletariado na classe média burguesa e assim venceu a luta
de classes e o Comunismo. A última fase começou depois da Segunda Guerra Mundial e
perdura até hoje, nesta o conhecimento está sendo aplicado ao próprio conhecimento, é a
Revolução Gerencial. O conhecimento está rapidamente se transformando no único fator de
produção, deixando de lado capital e mão-de-obra.
Porém a mudança mais radical pela qual passou o significado do conhecimento
ocorreu por volta de 1700 na Europa. Até este período não se falava em habilidades, mas em
“mistérios”. Pouco depois, a tecnologia foi inventada, porém nenhuma das escolas desse
século visava a produção de novo conhecimento, ninguém falava da aplicação da ciência a
ferramentas, processos e produtos, isto é, à tecnologia. Contudo, as primeiras escolas técnicas
e a Encyclopédie4 “converteram experiência em conhecimento, aprendizado em livro texto,
segredo em metodologia. Estes são os fatores essenciais daquilo que chamamos ‘Revolução
4 Um dos livros mais importantes da história, que tentava reunir, de forma organizada e sistemática, o conhecimento de todas as profissões artesanais, de maneira tal que um não aprendiz pudesse aprender como ser um “tecnólogo”.
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Industrial’ – a transformação pela tecnologia, da sociedade e da civilização do mundo inteiro”
(Drucker, 2002, p. 11).
Foi esta mudança no significado que tornou o capitalismo inevitável e dominante, a
velocidade das mudanças técnicas criou uma demanda por capital muito acima do que
qualquer artesão poderia conseguir, a concentração da produção em fábricas e energia em
grande escala.
Passou-se muito rapidamente do artesanato para a tecnologia, tanto que em 1830 os
empreendimentos capitalistas privados dominavam o ocidente.
A velocidade com a qual a sociedade se transformou criou tensões e conflitos sociais.
Alguns defendiam a – falsa – idéia de que os operários das fábricas, no início do século
dezenove, eram tratados de forma pior do que os trabalhadores sem terra nas zonas rurais
antes da industrialização. É certo que eles estavam mal, mas afluíram para as fábricas
precisamente porque nelas estavam melhores do que no fundo de uma sociedade rural que
subjugava pela fome.
Embora a industrialização significasse ganhos materiais, a velocidade das mudanças
era tão grandiosa que chegava a ser traumática, a nova classe, os proletários, tornaram-se
“alienados”, o que tornou inevitável a sua exploração, pois seu sustento ficou totalmente
dependente do acesso aos meios de produção, que eram controlados pelos capitalistas. Isto
contribuiu para concentrar cada vez mais a propriedade nas mãos da burguesia e para o maior
empobrecimento do proletariado.
Segundo Drucker (2002), um dos expoentes do neoliberalismo, o que superou as
contradições do capitalismo (a alienação e a pobreza da classe trabalhadora) foi a Revolução
da Produtividade, promovida quando Taylor aplicou, em 1881, pela primeira vez, o
conhecimento ao estudo do trabalho, à sua análise e à sua engenharia.
O autor defende que o que levou Taylor a iniciar seus estudos sobre as condições do
trabalho foi o ódio entre os capitalistas e os trabalhadores no final do século dezenove. Ele
entendia que esse conflito era desnecessário e, para eliminá-lo, tratou de tornar os
trabalhadores mais produtivos para que tivessem salários decentes. Sua principal motivação
seria a criação de uma sociedade na qual proprietários e proletários, capitalistas e
trabalhadores, pudessem ter interesse comum pela produtividade.
A aplicação do conhecimento científico ao trabalho elevou a produtividade de forma
extraordinária. Sendo que a produtividade adicional teria permitido aos trabalhadores maior
poder de compra, mais horas de lazer, cuidados com a saúde e ensino. Sem mencionar que
ampliou a mais valia e a exploração pelos proprietários dos meios de produção.
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Em 1930, a “Gerência Científica” de Taylor tinha se estendido a todo o mundo
desenvolvido e, em conseqüência disso, Drucker (2002) entende que os proletários teriam se
tornado burgueses, passaram a pertencer à classe média, se tornaram produtivos. Porém a
Revolução da Produtividade terminou nos anos de 1950, quando começou a diminuir o
número de pessoas empenhadas em produzir ou movimentar objetos, o mais importante
passou a ser a produtividade dos trabalhadores não-manuais, o que requer a aplicação do
conhecimento ao conhecimento.
Até este período, o caminho mais rápido para uma renda de classe média não passava
pelo ensino superior, mas era começar a trabalhar aos dezesseis anos em uma indústria que
produzisse em massa e “subir na carreira”. Hoje em dia essas oportunidades praticamente
desapareceram, não existe uma renda de classe média sem um diploma formal, que certifique
a aquisição do conhecimento que só pode ser obtido de forma sistemática e em uma escola.
O conhecimento formal é visto, ao mesmo tempo, como recurso pessoal e econômico,
mas significa um conhecimento como uma coisa útil, como meio para a obtenção de
resultados sociais e econômicos.
Para Drucker (Idem, p. 21):
“Este é o terceiro e talvez definitivo passo na transformação do conhecimento. Fornecer conhecimento para descobrir como o conhecimento existente pode ser melhor aplicado para produzir resultados é, na verdade, aquilo que entendemos por gerência. Mas o conhecimento está hoje sendo aplicado, de forma sistemática e determinada, para definir que Novo conhecimento é necessário, se ele é viável e o que precisa ser feito para torná-lo eficaz”.
O autor denomina esta terceira mudança de “Revolução Gerencial”. A gerência é uma
função genérica de todas as organizações e existe há muito tempo, porém a gerência como um
tipo específico de trabalho surgiu somente após a Primeira Guerra Mundial, e a gerência como
disciplina apenas depois da Segunda Guerra Mundial.
No início dos anos de 1950, a definição de gerente era de alguém que “é responsável
pelo desempenho das pessoas”. Essa definição, atualmente, seria considerada muito restrita,
sendo mais correto considerar o gerente como alguém que “é responsável pra aplicação e pelo
desempenho do conhecimento”. Essa mudança significa que hoje vemos o conhecimento
como recurso essencial e é o fato do conhecimento ter passado a ser o recurso ao invés de um
recurso é que torna nossa sociedade “pós-capitalista”.
O conhecimento tradicional era genérico, o que consideramos hoje conhecimento é
altamente especializado, ele se prova em ação, é preciso saber fazer.
36
Portanto, na sociedade pós-capitalista, as pessoas “empregadas” seriam aquelas cuja
capacidade para fazer uma contribuição dependeria delas terem acesso a uma organização, por
este motivo entende que poderíamos dizer que esta é uma sociedade de organizações. O fato
de serem pagas ou não é secundário. Se essas pessoas são “auto-empregadas”, elas operam
porque prestam serviços a organizações, ou através das mesmas. Elas podem não receber um
“salário”, recebem um “honorário”. Mas sua capacidade para operar depende tanto do se
acesso à organização quanto se elas estivessem em sua folha de pagamento.
No que diz respeito aos empregados que trabalham em serviços subalternos e
domésticos, suas posições não seriam muito diferentes da dos “assalariados”, dos
trabalhadores de “ontem”. E, portanto, as suas posições, produtividade e dignidade seriam
problemas sociais básicos da sociedade pós-capitalista.
Já a posição dos trabalhadores do conhecimento seria bem diferente. Esses
trabalhadores só podem trabalhar porque existem as organizações nas quais eles trabalhem.
Eles possuem os “meios de produção” – conhecimento – mas ainda necessitam das
ferramentas. O investimento de capital em suas ferramentas pode ser mais alto que aquele nas
ferramentas do trabalhador em manufatura jamais foi. Mas este investimento de capital será
improdutivo a menos que o trabalhador do conhecimento concentre nele o conhecimento que
possui e não lhe pode ser tirado.
Os operadores das máquinas de fábrica faziam aquilo que elas lhe mandavam. Já o
trabalhador do conhecimento pode até precisar de uma máquina, porém esta não poderá lhe
dizer, comandar, controlar o que e como fazer, pois sem o conhecimento, que é a propriedade
do empregado, a máquina é improdutiva. Estes trabalhadores também não podem ser
supervisionados já que devem saber mais sobre seu trabalho do que qualquer outra pessoa na
organização.
Na sociedade do conhecimento, nem mesmo os trabalhadores menos qualificados
seriam proletários. Em seu conjunto, os empregados possuiríam os “meios de produção”,
porém individualmente, poucos seriam abastados ou ricos. As pessoas que exercem poder
sobre os empregados também são empregadas, portanto, na sociedade pós-capitalista, os
próprios capitalistas tornam-se empregados. Eles são remunerados como empregados, pensam
como empregados, vêem a si mesmos como empregados, mas agem como capitalistas.
Sendo assim, Drucker (2002, p. 42) afirma que “a implicação é que hoje o capital
serve ao empregado, quando sob o Capitalismo o empregado servia ao capital”.
Por este viés de análise, entende que a maior necessidade das próximas décadas será
de “técnicos”, que precisam não só de um alto nível de aptidão, mas também de um alto grau
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de conhecimento formal e, acima de tudo, de uma alta capacidade para aprender e adquirir
conhecimento adicional. Eles não são os sucessores dos operários, mas sim dos trabalhadores
altamente qualificados, ou melhor, eles são trabalhadores altamente qualificados que também
possuem grande conhecimento e educação formal e a capacidade de aprender continuamente.
Segundo o autor, a economia continuará sendo a economia de mercado, mas terá como
base o conhecimento, ou seja, o maior investimento de um país será na formação do seu
conhecimento. Deste modo, a posição social e o papel da escola sofrerão mudanças drásticas.
Se anteriormente ela se preocupava com os jovens, que ainda não eram cidadãos, nem
responsáveis, nem participavam da força de trabalho; agora passará a ser também a instituição
dos adultos, em especial dos altamente instruídos. Acima de tudo, na sociedade do
conhecimento a escola passa a ser responsável pelo desempenho e pelos resultados.
A tecnologia, apesar da sua importância e visibilidade, não será a característica mais
importante da transformação do ensino, mas sim repensar o papel e a função da educação
escolar. As escolas deverão, cada vez mais, trabalhar com os empregadores e suas
organizações já que o ensino precisa permear toda a sociedade e não ser um monopólio das
escolas.
Assim, o ensino universal de alto nível tornar-se-ia a primeira prioridade, ela passaria
a ser a base. Equipar os estudantes com os meios para que eles realizem, contribuam e sejam
empregáveis seria o primeiro dever de qualquer sistema educacional.
Segundo Drucker (2002, p. 155):
“A educação universal significa um compromisso claro com a prioridade do ensino escolar. Ela requer que a escola – especialmente aquelas das crianças – subordine tudo o mais à aquisição de aptidões básicas. A menos que a escola comunique com sucesso essas aptidões ao jovem aprendiz, ela fracassará em sua obrigação crucial: dar aos iniciantes autoconfiança e competência e capacitá-los para que, em futuro próximo, possam ter êxito na sociedade pós-capitalista, a sociedade do conhecimento”.
A sociedade pós-capitalista trata com o meio no qual os seres humanos vivem,
trabalham e aprendem. Ela não trata a pessoa. Mas na sociedade do conhecimento na qual
estão se movimentando, os indivíduos são fundamentais. O conhecimento está sempre
incorporado a uma pessoa, é transportado, criado, ampliado ou aperfeiçoado por uma pessoa.
Portanto, a pessoa é o centro e a pessoa instruída o representante desta sociedade.
Com esta transformação do conhecimento em recurso chave, a pessoa instruída
enfrenta novas demandas, novos desafios, novas responsabilidades. Ela precisará ter acesso à
herança do passado – elemento essencial –, teria que ser capaz de apreciar outras culturas e
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tradições que não a ocidental, concentrar seu conhecimento no presente e na moldagem do
futuro. Também deverá ser menos exclusivamente “livresca”, ela necessitará tanto de
percepção quanto de análise.
A pessoa instruída de amanhã terá que estar preparada para viver em um mundo
global, se tornar uma “cidadã do mundo” – em visão, horizonte e informação; bem como estar
preparada para viver e trabalhar simultaneamente em duas culturas – a do “intelectual”, que
focaliza palavras e idéias, e a do “gerente”, que focaliza pessoas e trabalho. É provável que
sejam pessoas cada vez mais especializadas, mas necessitarão da capacidade para
compreender os vários conhecimentos – e isso irá definir a pessoa instruída na sociedade do
conhecimento.
1.1. Educação e Trabalho
Os esforços feitos no sentido de educar e qualificar profissionalmente os trabalhadores
estão inseridos dentro de uma política educacional que tem suas raízes fincadas no movimento
liberal burguês, a partir do século XIV.
Ao longo dos séculos, a educação tem sido definida e vivenciada de diferentes
maneiras. Na sociedade primitiva, a educação fortalecia e mantinha a tradição, repassando de
geração para geração os costumes e os conhecimentos. Isto conservava a sociedade.
A civilização hebraica enfatizava o propósito religioso da educação. Este
conhecimento era fundamental para a sobrevivência e para o crescimento do povo hebreu. Os
sacerdotes e os profetas eram os responsáveis por transmitir os ensinamentos, baseados na
obediência e na prática das leis divinas.
Em Atenas, a educação estava voltada tanto para o esclarecimento racional, quanto
para a formação do cidadão, a religião estava subordinada à filosofia. Na cidade de Esparta,
no entanto, o militarismo era o objetivo da educação e a preparação para a guerra, condição
obrigatória na qual todos os jovens deveriam ser inseridos.
Na Idade Média, as qualidades espirituais eram fundamentais. A educação apoiava o
ascetismo de vida, a restrição às paixões, aos prazeres e a luta contra o pecado. A teologia
deveria conduzir o homem para as bem-aventuranças celestes.
Porém na Idade Moderna a concepção de educação ganha novos contornos. Os
primeiros movimentos são dados a partir do período Renascentista, no qual a arte tornou-se o
principal veículo de interpretação da realidade e do universo, sendo o homem o centro desse
universo.
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A partir desse período, alguns autores se destacam no campo da educação e são bases
fundamentais para a construção de um sistema educacional burguês, ou seja, a educação
liberal.
O primeiro pensador é Erasmo de Roterdã (1466-1536), um dos mais renomados
representantes do pensamento Renascentista. Para ele, a educação deve conduzir à autonomia.
Toma por objeto a educação no seu sentido mais geral, tudo aquilo que permite instituir o
homem na criança, isto é, o que pode conduzí-lo à liberdade e à maioridade. A educação
aparece como o instrumento que vai conduzir o homem à perfeição arrancando de dentro dele
a sua natureza não-social para imprimir-lhe a verdadeira natureza que é a social, a única
realmente humana. Ao mesmo tempo modelo e escultor de si próprio, o homem é o autor de
seu próprio destino. Por estes motivos, Erasmo acredita que a educação deva ocupar o
primeiro plano na reconstrução do homem.
Na continuidade histórica do desenvolvimento do pensamento educacional burguês,
está João Amós Coménio (1592-1670), para o qual a educação é a “esperança da
humanidade” e deve ser administrada na escola a fim de que os estudantes possam ser
ensinados em grupos. Uma organização e horários rigorosos devem guiar a vida escolar. Para
transformar a educação em algo produtivo, acredita ser necessário que cada escola tenha um
só professor, cada matéria um só autor, o oferecimento do mesmo trabalho para todos
(trabalho em grupo), um único método de ensino e que haja integração entre os conteúdos
ensinados de modo a que o que se aprendeu hoje seja relacionado com o que foi aprendido
ontem e com o que será aprendido amanhã.
A intenção é que todos recebam as mesmas instruções e que todos se mantenham
ocupados. O ensino deve privilegiar uma correlação de fatores, sendo que o ideal é
possibilitar ao aluno a capacidade de ler e escrever, aprender e ensinar, falar e registrar,
definir e demonstrar. Coménio enfatizava que o conhecimento não é inato, mas derivado de
experiências.
Já as aspirações de Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marques de Condorcet (1743-
1794), pensador francês, são no sentido de que todos os indivíduos da espécie humana
recebam, por intermédio da instrução, os meios de prover suas necessidades, de assegurar seu
bem-estar, de conhecer e exercer seus direitos e de entender e executar seus deveres. A
educação tem que levar os homens a se tornarem capazes de bem desempenhar as funções
necessárias à sociedade e que o progresso e as luzes advindas da instrução abram inúmeras
oportunidades e recursos para suprir as necessidades humanas.
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Sugere também que a educação deve se estender a todos os cidadãos e repartida com
toda a igualdade possível. Mas acredita também que o ensino deva ter necessariamente uma
divisão, uma vez que é impossível que todos aprendam tudo e tudo seja ensinado a todos.
Aqui temos uma clara referência à diferença entre o tipo de ensino oferecido às massas e
outro, mais elevado, aos dirigentes desta massa.
Condorcet vê na educação a oportunidade de libertação do homem da teologia e das
concepções de ensino típicas da Idade Média. Para o autor, depois de ser beneficiado pelo
ensino, o gênero humano não permanecerá mais dividido em duas classes: a dos homens que
pensam e a dos homens que crêem, isto é, que se deixam guiar pelos ensinamentos religiosos,
pelas tradições, pelos pré-julgamentos e pelos hábitos de infância.
Defende que a instrução pública esclareça a geração atual e ofereça condições de
desenvolver um ensino fundamentado nas luzes, isto é, num plano de racionalidade superior,
do qual os progressos necessários do gênero humano serão exigidos e alcançados pelas futuras
gerações.
No contexto do Iluminismo, o ensino deveria separar da moral os princípios de toda
religião particular e não admitir na instrução pública o ensino de qualquer culto religioso,
cada crença e concepção de fé deveriam ser ensinadas nos templos pelos seus respectivos
ministros.
Por fim, Condorcet acreditava que o ensino que de fato iria libertar a sociedade seria
aquele voltado para as ciências e as artes e que acolhesse, encorajasse e difundisse as
descobertas úteis ao progresso de todos.
O principal ideal burguês de educação é o de que a escola não deve estar a serviço de
nenhuma classe, a nenhum privilégio de herança ou dinheiro, a nenhum credo religioso ou
político, mas deve estar a serviço da libertação do homem para conduzí-lo ao pleno domínio
de si mesmo e do mundo que o cerca. A escola é responsável por desenvolver no indivíduo
valores e cidadania. Por intermédio dela o indivíduo encontrará seu lugar na estrutura social
de acordo com suas próprias aptidões, o que lhe possibilitará contribuir para a construção do
progresso real em benefício social.
O que existe de comum entre estes pensadores é a urgência de se superar o modo de
produção feudal para assumir de vez uma nova forma de organização social: o capitalismo
burguês.
Nos ideais de Erasmo de Roterdã, representante do Humanismo, vemos as primeiras
tentativas de fazer avançar esta transição. O homem, especificamente para este pensador, é o
fim da educação, ou seja, a tarefa desta é essencialmente humanizante. O Humanismo é o
41
primeiro grande movimento ideológico burguês em direção à implantação das idéias
educacionais liberais. O empenho dos humanistas era de libertar o homem dos preconceitos
religiosos que o impediam de ser e de estar em contínua transformação de si próprio, para
lançá-lo diretamente aos novos tempos que já estavam se manifestando.
A produção de João Amós Coménio, também responde às exigências do modo de
produção vigente naquele período, a sua obra maior, Didáctica Magna (1657), atende às
necessidades geradas pela nova forma de produção da vida e se constitui em uma primeira
proposta pedagógica burguesa mais profunda. É constante o apelo do autor no sentido de que
a escola seja concebida de forma a se erigir ao nível das artes, como era chamada a
manufatura na época, termo herdado do artesanato. O curso das lições, dentro do
estabelecimento de ensino, deveria moldar-se à formação dos trabalhadores. Metas precisas
deveriam ser estabelecidas e cumpridas pelos mestres, assim como o tempo mínimo e
necessário para cada uma das fases do processo educativo.
Sob esta perspectiva, a proposta educacional de Coménio está indiscutivelmente
voltada para os novos projetos burgueses. Para obter sucesso, o processo ensino-
aprendizagem deve ser inspirado no funcionamento mecânico e exato de uma máquina de
tecer roupas.
A radicalidade das idéias educacionais burguesas, no entanto, só vai aflorar com a
emergência do Iluminismo. Condorcet defende uma instrução que seja igual para todos, de
forma a excluir a relação de dependência entre os homens. Seu discurso explicita o papel que
a educação deve ter no sentido de regenerar a humanidade, expressando com todo o vigor o
ideal de cidadão cultivado pelo Iluminismo e pela burguesia.
O que percebe-se nesses autores é o desejo de implantar uma educação que liberte o
homem de seus vínculos feudais e religiosos, que o conduza para os braços da liberdade e da
emancipação pessoal. No entanto, o que se vê a partir da Revolução Industrial é a adulteração
deste propósito por parte da burguesia e a conseqüente degeneração da função do ensino,
particularmente para o proletariado. A burguesia industrial transformou a escola num
instrumento seu para obter mais lucro do trabalho do operariado, ignorante e mal pago.
A proposta burguesa de uma escola universal e gratuita ganha força quando a
tecnologia desenvolvida para a época incorpora-se à produção e revela-se excludente, ou seja,
dispensa mão-de-obra. Frente ao desemprego juvenil a escola coloca-se como alternativa para
ocupar o tempo do trabalhador desempregado. É neste sentido que, quando recebe a classe
trabalhadora, a escola torna-se universal, pois deixa de ser freqüentada exclusivamente pelos
filhos da burguesia, pelos gerentes de seus negócios e pelos funcionários do Estado.
42
Os fundamentos desta escola universal foram estritamente humanistas e científicos,
uma vez que, com a objetivação e simplificação crescentes do trabalho, a produção capitalista
passa a depender apenas da força de trabalho, condição assegurada pela reprodução biológica.
Em outras palavras, a simplificação do modo de produção exclui a formação profissional mais
aprofundada, especializada. Cabe à escola, portanto, promover a instrução em direção aos
conhecimentos que envolvem as ciências naturais, os direitos e deveres dos cidadãos com o
propósito de se alcançar o domínio sobre as leis da natureza e social de maneira a tornar mais
fácil o trabalho de transformá-las cada vez mais profundas e extensas.
No entanto, quando esta nova escola burguesa chega aos trabalhadores, seu conteúdo
está de tal forma subvertido que o processo de desvitalização do ensino é inevitável. Assim
ficou inviabilizada a possibilidade de os trabalhadores entenderem a sociedade em que viviam
e o caráter histórico das relações de trabalho a que estavam submetidos.
A escola passa, então, a representar uma farsa nas mãos dos capitalistas, que só
permitirão algum tipo de instrução mais qualificada no momento que o aparelho de produção
assim o exigir. Com isso, os operários recebem noções educacionais não mais do que
elementares. Para o empresariado, no entanto, isso já é suficiente, uma vez que a finalidade,
em primeiro lugar, é fazê-los trabalhar objetivando o maior lucro das empresas.
Outro problema que acelerou a degradação da escola oferecida às crianças operárias
tem a ver com a participação das igrejas no controle das aulas. Após a conquista do poder pela
burguesia, o ensino laico dirigido à classe operária evolui cada vez mais para o compromisso
com o clericalismo. Era preciso segurar o povo por meios morais e uma das formas mais
eficientes para se atingir o controle das massas é a religião.
Uma das primeiras tarefas da burguesia ao assumir o poder foi a de implantar a
chamada democracia burguesa, erigida sobre o ideário da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade. Para tanto, era necessário eliminar a ignorância, transformando os
súditos em cidadãos livres e esclarecidos, iluminados e ilustrados pelo ensino. À escola é
atribuído o papel de responsável pela tarefa de atingir a todos e de alcançar o fim da
ignorância. Sua função seria a de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade.
Por meio desta organização, o papel que o professor desempenharia ganha contornos de
primeira grandeza, a ele caberia a responsabilidade de transmitir e coordenar todo o saber.
Esta organização, centrada no professor como o ponto principal de transmissão do
conhecimento, é denominada Pedagogia Tradicional. Porém esta estrutura de ensino acabou
por não realizar seu intuito de universalizar e erradicar a ignorância.
43
As críticas à Pedagogia Tradicional cresceram e, aos poucos, no início do século XX,
foi nascendo uma outra teoria da educação. Manteve-se, porém, a crença no poder da escola
em regenerar os males sociais. Agora, no entanto, de uma outra forma.
Os primeiros passos deste movimento, conhecido como “Escolanovismo”, foram no
sentido de rejeitar a estrutura chamada de escola tradicional. Segundo Saviani (1985, p.11
apud Alves, 2003, p. 39), a Pedagogia Nova teve como “grande descoberta” as diferenças
individuais: os homens são essencialmente diferentes, cada indivíduo é único. Sendo assim, a
educação promoverá uma sociedade melhor na medida em que conseguir ajustar e adaptar os
indivíduos a esta mesma sociedade. Mas apesar da proposta “moderna” a Escola Nova
também não conseguiu dar conta dos desafios que a permeiam, tais como o do ensino
universal com qualidade. Ao contrário, a situação se agravou.
Com os limites do Escolanovismo, ganha força a idéia de reordenar o processo
educativo em direção à objetividade e à operacionalidade. A Pedagogia Tecnicista buscou
eficiência e produtividade no ensino, dotando a educação de uma organização racional capaz
de atingir tais fins. O elemento principal do processo ensino-aprendizagem passa a ser a
organização racional dos meios que vão possibilitar o ensino, isto é, o processo.
Desta forma, a educação sustentada pela Pedagogia Tecnicista iria contribuir para a
diminuição dos problemas sociais capacitando os alunos para o mercado de trabalho,
tornando-os eficientes e, assim, capazes de darem sua parcela para o aumento da
produtividade da sociedade. Do ponto de vista pedagógico, enquanto a escola tradicional
privilegia o aprender e a escola nova o aprender a aprender, o tecnicismo focaliza o aprender a
fazer.
Na década de 1950 começaram a se desenvolver as idéias que compõem a Teoria do
Capital Humano (TCH) que tinha como seu grande desafio inicial descobrir quais fatores
influenciam na produtividade. A principal idéia dessa Teoria é que capital humano é produtor
de capacidade de trabalho, potencializador da renda, um fator de desenvolvimento econômico
e social, sendo assim, um investimento como qualquer outro.
Os seres humanos, em nível nacional, de empresa ou dos próprios indivíduos, podem
ser considerados um capital, um patrimônio e, como conseqüência, serem tratados dessa
forma. A concepção econômica de educação veiculada pela Teoria do Capital Humano é a de
um produto histórico determinado, decorrente da evolução das relações sociais de produção
capitalista.
Partindo da lógica de que investimentos em educação e treinamento são criadores da
capacidade de trabalho e de maior produtividade, conclui-se que produzindo mais, o indivíduo
44
ganha mais. Dessa forma, a definição da renda é uma decisão individual. Se passa
necessidades, a decisão é do indivíduo; se fica rico, também. A educação é vista como fator
básico de mobilidade social e de aumento de renda individual. A escolarização é posta como
determinante da renda, de ganhos futuros, de mobilidade e de equalização social. Assim, o
conteúdo presente nesta lógica serve para mascarar e justificar as desigualdades estruturais do
modo de produção capitalista.
A década de 1970 foi totalmente influenciada pela Teoria do Capital Humano e suas
conseqüências. Porém, na década de 1990, tomaram corpo conceitos como formação flexível-
polivalente e empregabilidade, denotando uma nova forma de conceituação dessa teoria.
“Educação e qualificação para os capitalistas teriam a capacidade de resolver uma série de problemas que afligem grande parte dos trabalhadores neste momento, ao mesmo tempo que atenderiam às necessidades das empresas. O caráter que atribuem à educação a tornava responsável pela diminuição do desemprego, pelo acesso à cidadania, pela introdução de tecnologias e novas formas de gestão e organização do trabalho(criando condições para uma maior competitividade das empresas), pela formação de cidadãos conscientes de seus deveres e de suas obrigações, ou seja, pela possibilidade de um maior desenvolvimento econômico e melhoria das condições gerais dos trabalhadores (Carvalho, 1999, p. 118)”. (in Lindquist, 2002, p. 43).
Esta concepção se traduz no fato de que, durante as últimas décadas, a formação e o
constante aperfeiçoamento dos recursos humanos de uma empresa passaram a ter um papel
destacado, como um dos bens de maior valor empresarial.
No âmbito individual, a Teoria do Capital Humano justifica as desigualdades sociais,
os antagonismos de classes, a mobilidade social, etc., pela idéia da meritocracia, na qual a
pessoa pode mais ou pode menos dependendo de seu grau de formação. A partir deste
nivelamento, passa a ser responsabilidade do trabalhador assalariado, e não das forças de
produção capitalista, a sorte de seu destino e de sua própria condição. O sucesso ou o fracasso
pessoal dependem de seus próprios esforços, particularmente do acúmulo de seu capital
humano por meio da escolarização.
Ao colocar na educação a explicação para a maior ou menor capacidade de trabalho, a
Teoria do Capital Humano mascara as relações capitalistas de produção e exploração. O
trabalhador não é só proprietário da força de trabalho, mas também do seu capital humano,
elemento que vai justificar o seu salário. Isto quer dizer que não existe, por exemplo, a
exploração do capital sobre o trabalhador. Tudo tem uma lógica e uma justificativa no
montante de capital humano que cada pessoa tem acumulado para oferecer. Dependendo desta
“poupança” de recursos pessoais, ela poderá mais ou menos.
45
Assim, como no mundo da produção todos os homens são “livres” para escolher o seu
patrão, livres para escolher ou não a tão sonhada mobilidade social, com as pregações da
Teoria do Capital Humano, esta ascensão passa a depender única e exclusivamente das
capacidades individuais, isentando a infra-estrutura econômica e a superestrutura ideológica
de quaisquer responsabilidades por fracassos, crises, desemprego, classes sociais e outros
males típicos de uma sociedade capitalista.
Desta forma, o processo escolar é reduzido à função de produzir um conjunto de
habilidades intelectuais, desenvolver determinadas atitudes e transmitir um conjunto
específico de conhecimentos que possibilite ao estudante-trabalhador mais condições de
superar a si mesmo, aperfeiçoando-se para melhor se posicionar no mercado de trabalho e, ao
mesmo tempo, contribuir com a geração de capacidade de trabalho e, conseqüentemente, de
produção.
Atualmente, as políticas e propostas educacionais do país têm se fundamentado no
lema “Aprender a aprender”, integrado à “Pedagogia das Competências”.
O lema “aprender a aprender”, para Duarte (2001, apud Lindquist, 2002) sintetiza uma
concepção educacional voltada para a formação da capacidade adaptativa do indivíduo, na
qual é mais importante adquirir o método científico do que o conhecimento já existente e deve
preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança. O
indivíduo que não aprender a se atualizar estará condenado ao eterno anacronismo, à eterna
defasagem do conhecimento.
Integrada à esta idéia, compondo a corrente educacional contemporânea, está a
“Pedagogia das Competências”. Esta corrente educacional tem sido apresentada como
emblema do que é mais progressista e inovador na educação do século XXI.
O termo “competências” aparece no cenário nacional ocupando uma centralidade nas
discussões, envolvendo esferas estruturais da sociedade, interferindo nas questões ligadas
diretamente ao trabalhador, políticas de gestão, relações de trabalho e de formação.
Para Araújo (1999, apud Lindquist, 2002) há um consenso em torno de três dimensões
que se articulam e constituem a noção de competência: saberes de diversas ordens, como
saber-fazer, saber técnico, saber de perícia, etc; experiência, envolvendo habilidades e saber
tácito; e saber ser, envolvendo qualidades pessoais. As competências são então definidas a
partir dos três saberes: “saber-fazer”, “saber-ser”, “saberes”, entendidos como os
conhecimentos profissionais de base explicitamente transmissível.
A origem da noção de competência tem uma historicidade social bastante complexa.
Lindquist, (2002, p. 29) afirma que:
46
“Para Machado (2000), competência não é simplesmente uma soma de itens que integram uma lista de conhecimentos e habilidades. Ela faz parte da historicidade do sujeito, do seu papel como protagonista da prática social. Sua construção é um processo continuamente recomeçado. Ela traz uma dinâmica de aprendizagem, porém não se trata de aprendizagem como um simples processo funcionalista de adaptação ao meio, de ajustamento dos indivíduos a um posto de trabalho, cujo conteúdo já está definido e prescrito. Trata-se de um espaço de transformações e de recomposição de saberes; trata-se da aprendizagem como estruturação da identidade, processo que conjuga a construção do sujeito e da situação social”.
Esta noção de competências está presente em documentos oficiais da educação que
definem objetivos e estratégias educacionais, nas reformas educacionais, no estabelecimento
de parâmetros curriculares (Ensino Fundamental, Médio e Superior), nos Sistemas Nacionais
de Avaliação e em planos de graduação.
Porém é importante ressaltar que o termo competência foi transferido do meio
empresarial para o campo pedagógico. O mundo do trabalho apropriou-se da noção de
competência e a escola seguiu seus passos sob o pretexto de modernizar-se e de inserir-se na
corrente dos valores da economia de mercado, como gestão dos recursos humanos, busca da
Qualidade Total, valorização da excelência, exigência de uma maior mobilidade dos
trabalhadores e da organização do trabalho.
Nesta perspectiva de formação, o indivíduo deve ser preparado para estar sempre
aprendendo, condição sine qua non de adaptação ao novo modelo de economia, no qual
“competências” passam a ser uma exigência para a prática desse profissional.
A abordagem por competências é apresentada como instrumento norteador tanto da
prática profissional e da proposta pedagógica, quanto da organização institucional e da gestão
da escola de formação.
Uma das críticas mais significativas a ser feita com relação à apropriação da noção de
competência pelo sistema educacional é a de que, pelo fato do termo ter se originado no meio
empresarial, os propósitos estão voltados para aprimorar cada vez mais a relação entre sistema
educativo e sistema produtivo, de modo que as políticas de educação e formação têm sido
respostas dos sistemas de educação e de formação profissional às necessidades do sistema
produtivo, preparando os indivíduos não enquanto sujeitos sociais, mas como indivíduos
aptos para adaptar-se aos valores do mercado: individualismo, ambição, espírito de
competição.
Para Lindquist (2002, p. 33-34)
47
“A manifestação da noção de competência como base de propostas educacionais precisa ser vista com um olhar crítico, pois ela traz consigo uma concepção de homem, e de educação, como instrumento a serviço do capital. Com esses pressupostos, a educação torna-se cada vez mais um meio de adaptação, consolidando e legitimando as relações sociais e econômicas vigentes. Torna-se, ainda, um modelo de educação pragmatista, imediatista, voltado para o atendimento de um modelo de produção competitivo e excludente, que incentiva o individualismo, desconsiderando o coletivo e sem compromisso com o conjunto social”.
Entre as prioridades do capitalismo, está a formação e qualificação de um “novo”
trabalhador. Um trabalhador que saiba apenas ler, escrever, contar e ser especialista em
determinada atividade não é mais considerado qualificado para atender aos interesses desse
atual momento do capitalismo.
A destreza e a habilidade próprias da situação em que prevalecia a exploração da
capacidade manual do trabalhador dá lugar a uma nova situação na qual predomina a
exploração do componente intelectual do trabalho. As formas de exploração e de controle
modificam-se, conseqüentemente, novos requisitos se colocam como necessários à formação
do trabalhador.
As novas formas de organização da força produtiva requerem novas aptidões e
conhecimentos, havendo um redimensionamento das qualificações no interior do processo de
trabalho, com o deslocamento de habilidades manuais em favor de habilidades cognitivas, o
que provoca a desqualificação de uma parcela significativa de profissionais que não
conseguem recolocação em outros segmentos da economia, levando a um consenso quanto à
necessidade de implementação de ações direcionadas à reconversão e à qualificação
profissional. No entanto, os apelos à educação continuada e à reconversão profissional
parecem relacioná-los a um esforço individual e não a um conjunto de fatores que vão desde a
capacidade cognitiva do sujeito à sua realidade sócio-econômica.
O grande desafio do neoliberalismo é garantir o êxito da construção de uma nova
ordem social, regulada pelos princípios do livre-mercado e sem interferência do Estado. No
campo da educação, tem como propósito transferir para o mercado as decisões de
investimentos e a responsabilidade de subsidiá-la. A principal operação estratégica do
neoliberalismo consiste em deslocar a educação da esfera política para a esfera do mercado,
potencializando o crescimento econômico.
O mercado de trabalho constitui-se o principal referencial empírico para orientar as
propostas públicas e privadas de investimento em educação. Para os teóricos neoliberais, a
educação deve estar subordinada às necessidades do mercado, e apelam para a necessidade
urgente do ajuste do sistema educacional às demandas dos empregos. Enfatizam que o sistema
48
educativo promova a empregabilidade, isto é, a capacidade flexível de adaptação individual às
demandas do mercado de trabalho. A educação deveria oferecer as ferramentas necessárias
para os sujeitos competirem nesse mercado, o resto dependeria das pessoas.
Isto porque a escola deve ter como função a transmissão de certas competências e
habilidades necessárias para as pessoas atuarem competitivamente num mercado de trabalho
altamente seletivo e cada vez mais restrito, onde somente os “melhores” conseguirão obter
sucesso. Com esta função, a lógica que passa a predominar no ambiente educativo é a da
competitividade.
A educação é colocada como redentora dos grandes problemas que afetam a
sociedade brasileira, pois, além das preocupações gerais do processo educacional brasileiro,
está a preocupação com a educação de seu quadro de funcionários, ter uma equipe corporativa
que lhe dê condição de competitividade.
A disposição para aprender é um requisito essencial para os empregados, os quais
devem estar sempre dispostos a aprender esse novo, no sentido de contribuir com as melhorias
e também de adaptar-se o mais rapidamente possível.
Porém, o que podemos observar é que ensino de baixa qualidade, treinamento para o
exercício de trabalhos rotineiros, professores despreparados e ambientes de estudo
inadequados compõem a herança educacional que recebem aqueles que não pertencem à
classe dominante.
A educação almejada e defendida pelo capitalista é a educação voltada para o útil, o
imediato, o agora, que prepara o indivíduo para a empresa, para o mercado.
Com relação a estas questões, podemos ver que o interesse da empresa, de forma
geral, está voltado para um trabalhador que tenha, no mínimo, o Ensino Médio, que possua o
domínio técnico e que apresente algumas características comportamentais que promovam o
envolvimento e a adaptação às necessidades da empresa.
Entretanto, como a acumulação de capital, a exploração do trabalho vivo e o controle
do trabalho continuam a ser os interesses que impulsionam todo o movimento do mundo do
trabalho, entendemos que ainda não temos a sociedade pós-capitalista anunciada e que
estamos enfrentando apenas uma nova reorganização do capital, que o fortalece e lhe dá
melhores condições de manter e aprofundar a sua hegemonia. Ainda que as mudanças estejam
ocorrendo de forma muito veloz, analisando-as detidamente, não temos indicações que elas
signifiquem o fim do período do capitalismo, mas uma cadeia de processos, na qual se
mudam estratégias, métodos, discursos, mas os interesses, os valores são os mesmos, são os
do capitalismo.
49
Embora no discurso dos empresários seja feita uma grande valorização do aspecto
humano no ambiente de trabalho, os trabalhadores, na prática, não usufruem desta
valorização, pelo contrário, sobre os mesmos recai uma pressão extrema por produtividade,
por alcance de metas e por uma postura “adequada”. Quando o mercado exige novas
características determinadas, o trabalhador é muito mais cobrado e controlado.
Desta forma, novas características psíquicas são necessárias para enfrentar a
concorrência na obtenção e manutenção do emprego, bem como para suportar essas novas
formas de controle. O tempo todo os trabalhadores precisam provar que são capazes,
eficientes e “parceiros” da organização, que generosamente o contratou e lhe paga um salário
mensal.
Esta ênfase nas características pessoais como condição de ajuste aos novos modelos
organizacionais está sendo mais reforçada e estruturada a partir da lógica das competências,
que propõe submeter o trabalhador a uma constante avaliação para provar a sua adequação às
atividades da empresa.
O modelo das competências tem predominado na definição do que seja um trabalhador
qualificado, destacando que, além do conhecimento, passam a ser incorporados e a ganhar
destaque aspectos relacionados ao comportamento, às atitudes e à postura do trabalhador. Há
a preocupação de verificar se além de determinada certificação a respeito do conhecimento,
ele é capaz de utilizar este, se tem iniciativa, se tem facilidade de amoldar-se às diretrizes da
empresa e se está aberto e disponível para novas aprendizagens. Além disso, são valorizados o
conhecimento formal, os saberes tácitos, mas, acima de tudo, o que vai determinar a
permanência do trabalhador na empresa ou eventualmente a sua promoção com melhorias
salariais – individualmente e não enquanto categoria – é o uso do conhecimento, isto é, a
capacidade de operacionalizá-lo no momento de identificar e solucionar os problemas no
processo de trabalho.
A noção de competência expressa muito bem as mudanças nas práticas sociais, nas
quais as empresas buscam elementos subjetivos para adaptar o trabalhador aos novos meios
de produção. Mas, na verdade, busca-se mobilizar as qualidades subjetivas dos trabalhadores
enquanto estratégia de valorização do capital.
Sob a lógica das competências, procura-se envolver o trabalhador em todas as suas
dimensões: intelecto, força física, emoções, atitudes, habilidades etc., aplicadas à produção. E
fazer isso com muita sutileza, principalmente porque usa do mecanismo do auto-controle, em
que o indivíduo faz um esforço enorme e deve estar em constante policiamento sobre si
mesmo para atender às exigências e não sair dos trilhos do mercado.
50
Pode-se perceber que a idéia da valorização do Capital Humano está muito presente no
mercado hoje. Nesta lógica atual, cada trabalhador torna-se proprietário de seu “capital
humano”, que deve ser vendido no mercado, assumindo a responsabilidade direta pelo seu
sucesso ou fracasso. Divulga-se o conceito de empregabilidade como antídoto contra o
desemprego, num esforço desumano de transferir suas causas e sua culpabilidade para o
trabalhador.
Como se vê, a visão do homem como portador de capacidades produtivas faz parte dos
discursos sociais. E tendo em vista o contexto e interesse do momento histórico, as propostas
da Teoria do Capital Humano, retomadas nos dias atuais com características particulares,
reforça o discurso sobre a importância do papel da educação e da formação profissional como
componente de uma nova produtividade na luta pelo desemprego.
No contexto do mercado atual, um conjunto pesado de exigências e expectativas é
lançado sobre o trabalhador, que precisa se despojar de sua subjetividade produzida pela sua
condição de vida para sujeitar-se às exigências do mercado. Exigências essas que serão cada
vez maiores sobre o trabalhador.
2. Indivíduo e Subjetividade
A consciência se forma a partir da relação do homem com o mundo sócio-cultural,
num processo permanente, determinado pelas condições sociais, culturais e históricas, que
transforma essa relação entre homem, mundo social e realidade em produções simbólicas e
singulares. É um processo em constante construção, redundando na forma de sentir, pensar e
agir; que elabora as representações simbólicas da realidade, apoiadas nas atividades das
Funções Psicológicas Superiores, como linguagem, pensamento, memória, etc., e em seus
conteúdos.
A ênfase não é dada nos fenômenos psíquicos em si, mas na transformação de
atividades externas, de natureza social, em experiências internas, apropriadas pelo sujeito a
partir das interações sociais. É esta apropriação que promove o desenvolvimento das
chamadas Funções Psicológicas Superiores, que são entendidas em contraposição às funções
elementares ou inferiores, cuja característica fundamental é o fato de serem de origem
biológica, e estão presentes no ser humano desde o nascimento, assim como nos animais. As
Funções Psicológicas Superiores, caracteristicamente humanas, pressupõem operações
mentais com signos e permitem ao indivíduo fazer-se sujeito capaz de pensar a realidade e
51
transformá-la. Estas funções se desenvolvem a partir das interações sociais, mediadas pelos
signos culturais, tais como a linguagem oral e escrita, ou seja, não estão dadas ao nascer, mas
serão formadas na medida em que o indivíduo interagir com o meio social.
Sendo assim, a consciência é constituída pelas sensações, imagens de percepção,
representações e a relação entre o sentido pessoal e o significado social de suas
representações. Estas representações são a reprodução na consciência de percepções vividas e
apreendidas da realidade à nossa volta. Através delas os objetos são apreendidos como reais e
efetivos pelo sujeito. Desta forma, são fatores fundamentais na estruturação dos elementos da
consciência por permitirem que o significado seja mediado pela atividade atribuindo-lhe,
assim, sentido próprio. Essa relação entre sentido pessoal e o significado social é a principal
propriedade estrutural da consciência.
A significação é a percepção do indivíduo acerca de sua realidade social e histórica,
que se caracteriza pelas potencialidades e limitações da representação e conhecimento da sua
época e sociedade. A ciência, a língua e demais representações de uma sociedade são sistemas
de significações.
O sentido é a individualização do significado do representado para cada consciência, é
pessoal, intrapsíquico, e depende da interação entre o sujeito e seu meio. A realidade aparece
na significação social, mas é mediada pela experiência individual na prática social e a ela
integrada.
A consciência é criada a partir da atividade, é nesta que a relação entre sentido pessoal
e significado social se estabelece, quando o sujeito apreende estas relações como suas,
particulares, e as torna conscientes. O entendimento consciente das ações e seus objetivos se
dá pela apreensão do sentido individual da atividade, mas comporta o significado social da
mesma. Em resumo, a atividade humana, como resultado do desenvolvimento sócio-histórico,
vai ser internalizada pelo indivíduo e constituir sua consciência, seus modos de agir e sua
forma de perceber o mundo real.
2.1. Atividade
A atividade, ao mesmo tempo que é construção do homem, é também "determinada
pela forma como a sociedade se organiza para o trabalho" (Aguiar, 2001, p.99). O homem
constitui-se a partir da interiorização da atividade e qualquer consideração acerca dela, da
consciência ou de aspectos psicológicos do ser humano deve levar em conta o contexto no
qual a atividade está inserida. Ela refere-se à ação do homem sobre a realidade e é definida
52
pelo lugar que o indivíduo ocupa (socialmente) na forma como a sociedade se organiza para o
trabalho. É um processo que se inicia a partir de uma necessidade individual com origem na
realidade material desencadeando ações do sujeito.
Segundo Vigotsky, a atividade é um dos processos que compõem e promovem o
funcionamento psicológico humano, ou seja, as Funções e Sistemas Psicológicos são
resultantes da atividade humana sobre o meio social e natural. Para ele, a atividade é um
sistema de transformação do meio com a ajuda de instrumentos, sendo assim melhor
compreendida como mediação. Segundo Leão (1999, p. 22):
“A mediação sustenta-se na explicação que apesar das diferenças existentes entre as estruturas internas e a conduta externa, existe nestes elementos diferentes a propriedade de cristalizarem-se em um mesmo sistema, devido a características funcionais semelhantes (...). No fato do processo de desenvolvimento depender, também, do processo de aprendizagem que, promove uma sucessão de mudanças qualitativas vinculadas entre si e a cada transformação proporcionam as condições necessárias para a ascensão ao estágio seguinte do desenvolvimento”.
A linguagem, a emoção e o pensamento são elementos de mediação das atividades e
meios de interação entre os homens.
O emprego de instrumentos, também pode ser entendido como atividade mediacional e
deste ponto de vista:
“(...) representa, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de um sistema de regulação da conduta reflexa e a unidade essencial de construção da consciência, pois a condição de toda atividade é uma necessidade, mas cada necessidade vai se determinar em um objeto. O objeto torna-se o motivo da atividade enquanto elementos que a estimula” (Leão, 1999, p.30).
Leontiev (1978, apud Codo, Sampaio e Hitomi, 1993) afirma que “a atividade aparece
como um processo no qual se concretiza a transição sujeito-objeto”, ou seja,
“a atividade, em sua forma inicial e básica, é a atividade sensorial prática durante a qual os homens se põem em contato prático com os objetos do mundo circundante, experimentam eles mesmo as resistências destes objetos e atuam sobre eles, subordinando-se às suas propriedade objetivas”
Para o autor (Idem) a atividade é categoria central para a compreensão do homem, se
estende por toda a esfera biológica, incluindo o ser humano. Já o trabalho é especificamente
humano e é uma categoria específica dentro da categoria geral que é a atividade. Ele apresenta
o trabalho como um processo que liga o homem, através da sua ação, à natureza. Esta ação se
caracteriza pela confecção e uso de instrumentos e ocorre em condições coletivas
53
estabelecendo uma relação entre os membros dessa coletividade. Sendo assim, o trabalho é
um processo mediado pelos instrumentos e pela sociedade.
O trabalho é um processo mediado pelos instrumentos e pela sociedade. Porém, o
trabalho social é uma característica da atividade humana originado pelas necessidades
independentes dos motivos biológicos, que são os motivos dos comportamentos. É esta
interdependência que tornou o trabalho o mediador fundamental na constituição da
subjetividade do indivíduo, pois ele promove a orientação pelos objetivos sociais, assim como
a nossa modificação contínua. Isto porque através do trabalho o homem realiza uma atividade
transformadora sobre a natureza.
Portanto, a atividade do indivíduo ocorre em um sistema de relações sociais e de vida
social, onde o trabalho ocupa lugar central e também se encontra em processo de mudanças
históricas. Individualmente, o trabalho é o elemento de constituição do sujeito e da sua
consciência, que aparece como forma de atendimento das necessidades particulares, ainda que
se modifique pelas mudanças históricas.
Historicamente, o trabalho se tornou uma atividade humana institucionalizada, que
exige o estabelecimento de papéis, objetivos e meios de produção adequados para cada tarefa.
Isto leva a uma divisão técnica e à fragmentação hierárquica. Essa divisão do trabalho é
organizada pelas instituições e reforçam a divisão social do trabalho.
O papel fundamental das instituições é promover a contextualização da atividade, já
que está em um sistema de relações sociais e sua existência depende de sua posição na
sociedade. As instituições têm também a função de estabelecer e conservar as construções
culturais, que ao serem explicitadas pelas linguagens se tornam comuns à todos os membros
da sociedade e são transmitidos como explicações do significado do expresso para aquele
grupo social. O significado, portanto, estabelece a base comum da comunicação e da
estruturação das consciências individuais.
Leão (1999, p.34) afirma que
“a atividade não pode ser reduzida a elemento de estímulo e resposta ou a ações e operações de processamento de informações. E, tal como as instituições sociais, se encontram em um processo constante de mudanças históricas. Fazem parte de processos sócio-históricos tais como o surgimento do processo de transformação da matéria em produtos intercambiáveis ao longo do trabalho individual. Conseqüentemente, os processos e as relações psicológicas estão imbricados nas instituições sociais e também são contempladas como historicamente específicas no enfoque de Leontiev”.
54
2.2. Significado e Sentido
O significado que, inicialmente, está no contexto sócio-cultural onde o sujeito se
insere, é ressignificado pela sua atividade, que neste processo mediacional atribui-lhe sentido
próprio. Por conseguinte, torna-se elemento da consciência e muda sua estrutura.
Porém, para compreender os conceitos psicológicos propostos pela Teoria Sócio-
Histórica para significado e o sentido contidos simultaneamente em cada palavra ou alocução
é preciso conhecer à história de construção histórica da linguagem verbal.
Trabalhamos com a hipótese que o homem sem a linguagem só se relacionava com as
coisas que observava diretamente. Posteriormente, com a ajuda desta passa a se relacionar
também com o que não percebe diretamente podendo, assim, operar mentalmente com
objetos, inclusive na ausência destes. Com a construção da linguagem o homem desenvolve
uma nova dimensão da consciência, formada por imagens subjetivas do mundo objetivo.
Tal dimensão se deve à linguagem consistir em um sistema de códigos que introduzem
uma coisa em um sistema de relações, sendo que, a palavra, é o fundamental elemento da
linguagem. Segundo Luria (1986, p. 28):
“Possuímos uma ampla base para pensar que a palavra, como signo que designa um objeto, surge do trabalho, das ações com os objetos, e que é na história do trabalho e da comunicação, como repetidamente assinalou Engels5, onde se deve buscar as raízes do surgimento da primeira palavra”.
Inicialmente, a palavra teria um caráter simpráxico – os sons estavam relacionados
com o contexto e com a atividade – para somente depois se emancipar desse terreno da prática
e as palavras tornarem-se um meio autônomo de códigos, que dispõe de diferentes
possibilidades para designar qualquer objeto e expressar qualquer idéia, ou seja, um sistema
sinsemântico – signos que estão enlaçados uns aos outros por seus significados e que formam
um sistema de códigos que podem ser compreendidos mesmo quando não se conhece a
situação.
As principais funções da palavra são: designar um objeto, uma ação, uma qualidade ou
uma relação, ou seja, a referência objetal (representação/substituição do objeto); abstrair,
analisar e generalizar as características das coisas, categorizando-as (veículo de pensamento)
e; é também um meio de comunicação (transmissão de informação). Com a separação de uma
característica de um objeto, sua generalização e inclusão em determinada categoria, a palavra
5 Texto “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”.
55
executa também um trabalho de análise deste objeto transmitindo-lhe a experiência das
gerações anteriores, acumulada na história da sociedade. Esta é a função do “significado” da
palavra.
Podemos entender por “significado”, o sistema de relações que se formou
objetivamente no processo histórico e que está encerrado na palavra, assim, assimilando o
significado das palavras, dominamos a experiência social. “O ‘significado’ é um sistema
estável de generalizações, que se pode encontrar em cada palavra, igualmente para todas as
pessoas” (Luria, 1986, p. 45).
No processo de desenvolvimento ontogenético, nas primeiras etapas de
desenvolvimento da criança; bem como no desenvolvimento de novas atividades a qualquer
momento, a referência objetal exata da palavra está associada à situação, ao gesto, à mímica e
à entonação. A seguir, esta referência objetal emancipa-se progressivamente das condições
acima citadas, mas ainda conserva, durante longo período, estreitos laços com a situação
prática e continua designando não ao objeto, mas sim a algum traço deste objeto. Nesta etapa,
a palavra ainda possui um significado ampliado e por isso pode perder facilmente sua
referência objetal e adquirir um novo significado em correspondência com outro traço do
objeto. Somente nas últimas etapas do seu desenvolvimento, a palavra adquire uma referência
objetal exata e estável.
Porém, segundo Vigotsky (apud Luria, 1986), o desenvolvimento da palavra não
acaba aqui. Depois que ela alcança uma referência objetal exata e estável, a palavra continua
se desenvolvendo, não mais com relação à referência objetal, mas sim na sua função
generalizadora e analítica, ou seja, agora na apreensão do seu significado. Assim, em cada
etapa do desenvolvimento, a palavra enriquece o sistema de enlaces e generalizações.
Sendo assim, o significado de uma palavra não é constante, tanto que é possível que
uma palavra surja com um determinado significado em uma operação e com outro significado
em outra. A escolha do significado necessário das palavras em cada situação está determinada
por duas condições: a) a freqüência da palavra dada na língua, a qual, por sua vez, está
determinada pela inclusão desta palavra na prática do homem e; b) o contexto verbal.
Vigotsky (Idem, p. 54) conclui que
“o significado da palavra se desenvolve mesmo e depois que sua referencia objetal tenha alcançado estabilidade e que este significado muda não só sua estrutura semântica (estrutura), mas também em sua estrutura sistêmica (sistema de processos psíquicos que se encontram em sua base)”.
56
Este fato, segundo o autor, implica que a nossa consciência também muda sua
estrutura semântica e sistêmica. Nas etapas iniciais do desenvolvimento da criança, a
consciência tem um caráter afetivo, depois ela (assim como as palavras) passa a ter um caráter
concreto-imediato. Somente na última etapa do desenvolvimento infantil a consciência
adquire um caráter lógico-verbal abstrato.
A mesma palavra possui um significado formado ao longo da história e que se
conserva para as pessoas de forma geral. Porém, cada palavra tem, também, um sentido
individual, ou seja, a separação do que é dado e das vivências afetivas do sujeito
(reelaboração do significado).
Ao falarmos em sentido, passamos da análise da compreensão do sistema de
significações externos para a compreensão do processo psíquico (interno), do subtexto, em
última instância, do motivo existente por trás do texto. A compreensão de um texto (ex:
literatura) não se limita ao entendimento do significado superficial, mas inclui também a
apreensão do seu sentido interno ou subtexto. A profundidade da leitura e a “descoberta” do
seu subtexto (ou sentido interno) pode ser muito diferente e são essas diferenças que
distinguem um sujeito do outro.
Vigotsky denominou “influência” ou “incorporação” o fenômeno de cada frase
“influir” ou incluir em si o sentido da anterior, é uma fusão dos sentidos que exerce influência
substancial na compreensão do conteúdo fundamental do texto. Às vezes esse processo de
influência pode adquirir um caráter complexo quando os enlaces entre as partes individuais da
alocução supõem a união de elementos que estão distantes uns dos outros. Para Luria (1986,
p. 190), “a ‘influência dos sentidos’ é a condição fundamental para a compreensão do texto
completo”.
Na maioria das alocuções existe subtexto, que pode ser simples ou complexo. Em um
texto narrativo, por exemplo, pode-se não ter o subtexto interno, sendo a sua compreensão
limitada ao significado externo. Mas em uma série de alocuções também simples pode haver
essa dualidade (externo/interno). As expressões com sentido figurado (“mãos de ouro”),
construções comparativas (“seu caráter era como o aço”) e os provérbios (“nunca digas desta
água não beberei”) são formas de alocuções nas quais o subtexto é essencial, e é preciso
desvinculá-lo do significado imediato da frase.
Um ponto importante a ser considerado é que a profundidade da leitura não depende
tanto da amplitude dos conhecimentos, nem do grau de adequação do sujeito, mas depende
principalmente das experiências individuais, mais do que seu intelecto formal.
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Resumindo, o significado nos permite analisar o objeto, distinguir nele propriedades
essenciais e relacioná-lo a determinada categoria, mas é o sentido que exprime os
componentes afetivos para a exploração da realidade.
2.3. Linguagem e Pensamento
Os signos são símbolos convencionais que têm significado sócio-cultural e medeiam
as funções psíquicas. Eles têm papel fundamental nas mudanças da psique exatamente por
conterem elementos sócio-culturais que, através da interiorização ganham características
específicas devidas a atividade de cada indivíduo, o que constitui e estrutura a mediação.
São os mediadores que permitem ao indivíduo o planejamento e o controle das
atividades por esquemas lógico-abstratos. Podemos dizer, então, “que a mediação é o
processo que no homem tornou todo o comportamento organizado intelectualmente” (Leão,
1999, p. 23).
Vigotsky propôs um novo princípio de desenvolvimento que Wrestch (1988, p. 50,
apud Leão, 1999, p. 23) denominou “Princípio de Descontextualização dos Instrumentos de
Mediação”, por ser o processo pelo qual o significado das palavras/signos se torna cada vez
menos dependente do contexto espaço-temporal em que é utilizado.
Porém, o processo de contextualização também afeta as relações signo-signo ou
palavra-palavra. A interiorização, o surgimento da fala egocêntrica e interna e o pensamento
são caracterizados por um processo de mediação contextualizada, que só pode ocorrer se o
sistema representado for socialmente fixado. Neste contexto, as instituições têm a função de
preservar as representações.
É através do desenvolvimento do significado das palavras, que se dá pela
contextualização e descontextualização mediadoras das relações intra e interpsicológicas, que
o pensamento se reorganiza. Pois para transmitir um conteúdo da consciência é preciso uma
classe (grupo) de fenômenos e isto implica em generalização e interação social, possibilitando
a significação das palavras, ao passo que a interação social psicológica é possível somente
porque o pensamento reflete a realidade de modo generalizado.
Assim pode-se entender que a interação social interpsicológica depende do
desenvolvimento da generalização (descontextualização) e este está diretamente vinculado ao
desenvolvimento da interação social (contextualização).
O pensamento é um dos mediadores fundamentes da atividade humana. O homem
pensante é capaz de planejar sua tarefa, assimilar os princípios abstratos de sua solução,
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transmitir a estratégia de sua atividade apoiando-se em signos de linguagem tornando seus
planos de ação livres da situação imediata e da solução prática.
Tendo como base o Materialismo Histórico:
“(...) entendeu-se que o processo de pensamento se inicia na história social. Dá-se, inicialmente, como uma atividade material que usa o sistema da linguagem como um sistema objetivamente concluído de relações semânticas – onde se apreende a evolução do sentido das palavras através do tempo e do espaço e de suas conexões, bem como um sistema gramatical – onde se apreende os elementos constitutivos de uma língua, tais como sons, formas, palavras, construções e recursos expressivos. Posteriormente é que o pensamento assume a forma de linguagem reduzida, caracterizando-se como atos intelectuais internos” (Leão, 1999, p. 35).
O pensamento caracteriza-se, assim, como uma “ação-síntese” da relação entre
elementos e constituintes da consciência e a partir dele (pensamento) surge o comportamento
intelectual, caracterizado pelas resoluções de tarefas primeiramente no plano mental e sua
posterior concretização em ações exteriores.
Podemos perceber o desenvolvimento desse comportamento junto com a evolução da
criança, que passa a examinar a situação para depois subordinar suas ações a um plano prévio.
Esse desenvolvimento da atividade intelectual prática da criança ocorre com a participação da
linguagem que tem inicialmente um caráter desdobrado externo, transforma-se em linguagem
murmurada e desaparece quase completamente assumindo a forma de linguagem interna
inaudível, que constitui a base do ato intelectual interno.
Neste momento, a atividade intelectual incorporou aos seus componentes os testes
motores e a orientação visual da situação e a análise verbal das condições da tarefa sugerida.
Assim, a ação da criança se converte em ação social, inicialmente pelo controle do adulto e,
posteriormente, pela interiorização da linguagem social.
Luria (1979, p. 9) lembra que o pensamento prático não se realiza somente através de
testes motores e imagens diretas, mas compreende também a análise da situação com o auxílio
da linguagem, que permite ao sujeito distinguir os pontos mais importantes da situação,
analisar a tarefa e formular um plano para resolvê-la.
A segunda forma de atividade intelectual é o pensamento lógico-verbal através do qual
o homem, baseando-se nos códigos da língua, pode ultrapassar a percepção sensorial
imediata, refletir conexões e relações complexas, formar conceitos, fazer conclusões e
resolver complexas tarefas teóricas. Ele permite discriminar os elementos mais importantes da
realidade, relacionar a uma categoria os objetos e fenômenos, identificar aqueles fenômenos
que, apesar da semelhança exterior, pertencem a diversos campos da realidade; permite
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elaborar conceitos abstratos e fazer conclusões lógicas; permite realizar os processos de
raciocínio lógico e refletir a realidade de maneira bem mais profunda que a percepção
sensorial imediata. Portanto, a atividade intelectual, enquanto linguagem interiorizada, se
identifica com o pensamento discursivo que tem como matriz a sociedade.
O pensamento discursivo é base das relações e representações sociais, ele opera com
as representações da realidade e as relações que são possibilitadas pelas designações em
palavras e, ao fazer isso, promove e sofre ação da voluntariedade, estabelecendo assim
motivos particulares, sentidos pessoais e uma afetividade específica, permeada pelos
determinantes sociais e experiências individuais.
Isto implica que em relação ao sentido da palavra se estabeleça uma maior
transformação, pois como o significado nos permite analisar o objeto, distinguir nele
propriedades essenciais e relacioná-lo a determinada categoria é o sentido que exprime os
componentes afetivos para a exploração da realidade e explicação de sua configuração em
sínteses e generalizações do pensamento constituindo, assim, os conceitos. Ou seja, cada
palavra abriga um sistema de ligações e relações no qual está incluído o objeto designado pela
palavra e que esta generaliza e é um meio de formação de conceitos.
O fato da mediação da linguagem se dar tanto pelas descontextualizações sócio-
históricas da atividade como pela contextualização que permite a categorização abstrata,
também promove a construção de conceitos. Estes movimentos se imbricam na consciência e
na ação desta com a realidade promovendo, então, as generalizações e sintetizações que
compõem os conceitos.
De acordo com Vigotsky, a estrutura semântica da palavra que significa o conceito
implica uma série de imagens com ela coordenadas bem como imagens subordinadas, cada
palavra generalizada tem sua “amplitude” e “profundidade”.
Desse modo, ao mencionar uma palavra o homem suscita todo um sistema de ligações
que vai muito além de uma situação imediatamente perceptível e têm caráter de matriz
complexa de significados, situados em um sistema lógico. Portanto não apenas reproduz um
conceito.
Esse sistema de relações semânticas, implícito na palavra que expressa um conceito,
permite ao pensamento movimentar-se em muitos sentidos, determinados pela “amplitude” e
“profundidade” desse sistema de relações. Segundo Luria (1979, p. 36): “Por isto a palavra
que forma conceito pode ser considerada, com todo fundamento, o mais importante
mecanismo que serve de base ao movimento do pensamento”.
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O significado da palavra evolui, o que modifica radicalmente o conteúdo dos conceitos
implicitamente representados pela palavra bem como a estrutura das relações suscitadas pela
mesma. Nas diferentes etapas do desenvolvimento, o sistema de processos psicológicos,
latentes na palavra, não é o mesmo e o conceito, gerado pela palavra, é realizado por
diferentes processos psicológicos. Por este motivo, a Psicologia afirma que o homem toma
consciência do mundo de diferentes maneiras em cada etapa do desenvolvimento.
Vigotsky distinguiu dois tipos de conceitos, diferentes tanto pela origem quanto pela
estrutura psicológica: comuns e científicos.
Os conceitos comuns (mesa, cachorro, árvore, pão) são assimilados pela criança no
processo de experiência prática, surgem da experiência do sujeito com o mundo cotidiano,
tendo como predominantes as relações direto-figuradas. A criança tem uma noção prática do
significado do conceito e a palavra correspondente evoca nela a imagem da situação em que
ela esteve em contato com o objeto. Porém a criança não consegue determinar verbalmente o
conceito, apesar de conhecer seu conteúdo.
O que ocorre com os conceitos científicos (estado, verbo, réptil), adquiridos pela
criança no processo de aprendizagem, é que eles se incorporam à consciência como resultado
da aprendizagem. Inicialmente esses conceitos são formulados pelo professor e só depois
completados com conteúdo concreto, por isto o aluno pode, desde o início, formular
verbalmente os conceitos, mas só mais tarde tem condições de completá-los com conteúdo
válido. Com o desenvolvimento desses conceitos, o sujeito pode não só indicar objetos
relacionados à determinada palavra, como também pode operar com afirmações de
equivalência lógica, não equivalência, implicação, etc.
Nos conceitos comuns predominam as relações circunstanciais concretas, eles se
formam com a participação da atividade prática e da experiência figurada-direta; nos
científicos, predominam as relações lógico-abstratas, participando as operações lógico-
verbais.
Podemos dizer que o problema psicológico fundamental da inter-relação entre o
pensamento e a linguagem é a passagem do sentido subjetivo, que se dá na representação
simbólica individual, não oralmente formulada e compreensível apenas para o sujeito, para
um sistema de significados verbalmente formulados e compreensíveis para qualquer
interlocutor.
O papel decisivo no conceito é o das relações lógico-verbais “que promovem a
mudança na estrutura do significado e também no sistema dos processos psíquicos que o
realizam” (Leão, 1999, p. 39). Sendo assim, a palavra, ao designar o objeto, separar nele as
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correspondentes propriedades e relacioná-lo a outros objetos, introduzindo-o em determinada
categoria, cumpre uma função analítica e generalizadora no processo do pensamento.
Assim, a língua é o veiculo fundamental do homem para transmitir informações, é o
sistema básico de códigos que se formaram no processo da história social e que permitem
refletir as complexas ligações e relações da realidade e formular o pensamento. A linguagem é
o processo psicológico de formulação e transmissão de pensamento através dos recursos da
língua, ou seja, ela se apresenta em duas formas de atividade: a transmissão de informação ou
comunicação e é um veículo de pensamento.
A ação conjunta na atividade prática fez surgir no homem a necessidade de transmitir
a outros determinada informação, designando objetos. Inicialmente isto era feio por meio de
sons juntamente com recursos extralingüísticos (gestos, entonação), o que permitia que seu
significado fosse interpretado somente se a situação já fosse conhecida ou no contexto
imediato. Depois de milênios a linguagem de sons começou a separar-se da ação prática,
surgindo assim as primeiras palavras. È importante salientar que a verdadeira linguagem se
inicia com o aparecimento da primeira palavra e não com os sons, pois estes não designam
objetos, mas são apenas expressões de estados.
Como já dito, a palavra é a unidade básica da linguagem e também o meio principal de
formação de conceitos. Porém, para exprimir um pensamento é necessária a conexão de várias
palavras, possibilitando a construção de enunciados ou orações/frases. Segundo Leão (1999,
p. 39-40), as palavras que constituirão o enunciado fazem parte de um contexto no qual a
especificação da idéia se dá com uma estrutura lógico-gramatical da língua em substituição à
referência dada pelo gesto e pela entonação.
A formação de frases, na qual umas palavras exigem complementação de outras,
ocorre pelo fato da linguagem ser a transferência da atividade prática para o plano verbal.
Ainda que a linguagem comece por ser comunicativa, exterior, é devido a sua natureza
intelectual que ultrapassa esta limitação funcional. A descrição de uma situação, o relato de
um acontecimento, a análise de um problema, ainda que possam ser objetos de comunicação,
têm um significado independente do fato de que se comunique ou não, a interiorização da
linguagem estabelece as bases para a constituição do pensamento.
De acordo com Leão (1999, p. 49):
“a interiorização da linguagem inicia-se no momento em que começamos a utilizá-la. Não só porque para utilizar as palavras é necessário mantê-las na memória, e para utilizar as regras gramaticais é necessário havê-las assimilado, mas principalmente porque para pronunciar exteriormente um enunciado é necessário tê-lo produzido antes interiormente e, também, porque uma vez pronunciado o
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retemos na memória e somos capazes de reproduzi-lo. Este é o primeiro nível da interiorização, que começa com as primeiras aquisições verbais e está diretamente vinculado à atividade e afetividade”.
No entanto, devemos considerar também os processos de exteriorização da linguagem
interior. Quando a linguagem externa se torna sussurrada e se estabiliza como fala interna
(que tem sua gênese na fala egocêntrica) é possível que se realize o inverso, ou seja, gerar o
esquema gramatical do enunciado desenvolvido, promovendo o surgimento da base
gramatical que realiza a linguagem exteriorizada.
As operações que constituem a inteligência verbal se dão pela formulação da idéia na
linguagem: a pessoa que expõe deve ter um motivo correspondente ao enunciado para que
surja o pensar ou o conteúdo que deve materializar-se no enunciado, posteriormente este se
transforma em linguagem interna que permite recodificar o sentido geral em enunciado verbal
surgindo, então, o enunciado verbal desenvolvido no qual a linguagem começa a basear-se no
sistema de códigos gramaticais da língua. Este pode se apresentar nas formas escrita e falada,
que são meios de aprimoramento do pensamento e permitem o aperfeiçoamento dos processos
intelectuais dos sujeitos.
Este mesmo processo que serve de base para transformar o pensamento ou idéia em
enunciado verbal é utilizado para a formulação da linguagem oral.
O enunciado verbal pode apresentar duas modalidades: uma escrita e outra falada, que
usam diferentes meios de expressão da linguagem e possuem variedades na estrutura
psicológica. Podemos citar entre os recursos do enunciado:
- A linguagem emocional verbal, que é considerada por Luria a estrutura mais simples,
que não tem um motivo preciso e o que ocupa seu lugar é a tensão emocional. Nela também
não há a etapa de idéia.
- A linguagem oral dialógica, a qual tem sempre um motivo, uma idéia e os
interlocutores sempre sabem do que trata a conversa, levando o enunciado verbal à sua forma
mais acabada. Como é acompanhada de fatores extralingüísticos, ela pode ser incompleta,
reduzida e permite elipses. Neste modo de linguagem parte considerável da informação
transmitida não se manifesta na estrutura gramatical desenvolvida no enunciado, mas está
presente no contexto. Ela transmite especialmente o sentido que é freqüentemente
incompreensível sem contexto.
- A linguagem monológica falada é a mais complexa, pode manifestar-se na forma de
narração, relatório ou conferencia. Ela sempre tem motivo básico e idéia precisa e não é dada
de forma exata, mas surge no próprio falante. Sua principal característica é não exigir do
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interlocutor a quem se dirige o conhecimento da situação e, portanto requer uma formulação
verbal completa. Por isto é necessária a preparação de um discurso com linguagem ampla, um
processo prévio de recodificação da idéia básica no esquema verbal do enunciado futuro. Esta
forma de linguagem pode se apresentar de duas formas: linguagem dramatizadora – utilizada
para a narração de acontecimentos, usa basicamente a reprodução do discurso direto e utiliza
muitos meios extralingüísticos, dispensando assim uma estrutura gramatical mais complexa; e
linguagem épica – não usa os recursos extralingüísticos e por ser sua função principal
apresentar relações, exige uma formulação calcada nos recursos lógico-gramaticais.
- A linguagem monológica escrita, que caracteriza-se pela ausência do interlocutor,
depende de determinado motivo e tem idéia bastante precisa, porém o pensamento não se
apresenta de forma acabada. O esquema geral de pensamento é extraído de sua experiência
anterior, conservada em sua memória, por isto recorre às leis de memorização para elaborá-lo.
Esta forma de linguagem não tem possibilidade se apoiar nos meios extralingüísticos, sendo
sua principal característica a utilização de recursos de pontuação e discriminação de palavras
e frases isoladas.
O fato de o pensamento codificar-se na linguagem para adquirir clareza foi expresso
por Vigotsky nos seguintes termos “o pensamento se realiza na palavra”. Isto indica o
significado que a formulação da idéia na linguagem tem para precisar o pensamento, para que
seu esquema geral se torne amplo e inclua um sistema de ligações e relações que se
manifestem nos códigos lógico-gramaticais da língua.
Quando o homem “fala para si mesmo”, expressando-se por uma linguagem interna, a
função da linguagem passa a ser a de indicar o pensamento. Isto ocorre basicamente através
de dois processos:
- A codificação do enunciado que tem a função de materializar o pensamento no
sistema de códigos da língua, ela se dá quando a linguagem serve para concretizar um
pensamento, formulando-o em frases.
- A decodificação da comunicação recebida, que ocorre quando o movimento é da
linguagem ao pensamento e permite a interpretação do material comunicado. O enunciado
inteligível é analisado e transformado de uma expressão ampla de palavras em uma idéia
sucinta. O processo de decodificação da informação verbal se inicia coma percepção da
linguagem externa e passa a seguir à compreensão do significado geral da enunciação e logo à
compreensão do sentido da expressão, alcançando o motivo em que se baseia a comunicação.
Este processo depende do contexto da comunicação, que por ser constituído de elementos
situacionais, permite identificar os significados sócio-culturais.
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O processo de entendimento inicia-se com a busca ou elaboração de hipóteses, a
suposição do motivo, e a hipótese escolhida vai determinar a atribuição do significado às
palavras e frases que compõem o discurso. Sendo assim, não existem elementos do discurso
que estejam desvinculados do contexto. A compreensão da linguagem exige a apreensão do
seu sentido individual para quem a emite, o que está subentendido na forma de apresentação
das palavras nas frases e das frases no discurso como um todo.
Com o surgimento da linguagem, meio mais importante de desenvolvimento da
consciência, surge no homem um tipo inteiramente novo de desenvolvimento psíquico.
O pensamento humano se baseia na atividade material e nos recursos da linguagem e
permite organizar a percepção do homem, o salto do sensorial ao racional, e também
transmitir a comunicação, codificando o pensamento no enunciado verbal, e decodificá-lo,
revelando-lhe o sentido interno. Ele é uma forma especifica de atividade produtiva ao passo
que permite ordenar, analisar e sintetizas a informação, relacionar fatos a determinadas
categorias e fazer conclusões.
É o sistema objetivo de matrizes, formado no processo de desenvolvimento histórico,
tanto da estrutura semântica, convertida em matriz objetiva para a formação de conceitos,
como da estrutura sintática, objetiva da língua, que embasa a transição da idéia para o juízo na
formação do enunciado. E ambas determinam o movimento da idéia e servem de base a
formas mais complexas de pensamento, assegurando uma operação de raciocínio e conclusão.
Esse sistema de matrizes é empregado pelo homem como meio objetivo de
organização do pensamento e pode ser encontrado nas estruturas semântica e lógica da
linguagem.
Entre todos os meios de que dispõe a linguagem, existem aqueles que possibilitam a
transmissão da comunicação de relações através da formulação de relações lógicas precisas
que transferem para o plano da linguagem os resultados de ligações e relações práticas entre
as coisas, formulando modelos de construções semânticas determinadas pela língua. E
existem também as relações lógicas que permitem realizar tipos mais avançados de
pensamento, nas quais se situam as relações de causa e efeito, de inserção no todo, de
condições, restrições parciais e outras vêm sendo elaboradas pela lógica matemática.
Entre as matrizes lógicas situam-se estruturas como a relação entre parte e todo ou
todo e parte, gênero e espécie e as relações de analogia. Estas relações formaram-se no
processo de desenvolvimento da cultura e refletem as formas básicas da complexa prática
humana.
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Por estes motivos, entende-se que um par de conceitos, tendo grau variado de
generalidade, gera, para uma consciência desenvolvida, a “sensação de relação” que pode ser
denominada “sentido lógico”. A existência de “mecanismos especiais de analogia”, percebida
pela sensação das relações lógicas, caracteriza a ação da consciência desenvolvida do homem
e determina a escolha do tipo de relações lógicas que inibem outras associações possíveis.
Entretanto, sistemas mais complexos, que também se formaram no processo de
desenvolvimento histórico, compõem as matrizes que os homens aplicam
às conclusões lógicas. Entre elas está o silogismo, que consiste na relação entre duas
premissas, que pelo sentido lógico são reunidas e levam a uma dedução. Ele é resultado de
uma longa experiência prática que reflete um juízo geral e um juízo particular, e a relação
entre eles leva a transferência automática das qualidades de todo o grupo para um elemento
individual, que o segundo juízo relaciona com o grupo geral objeto do primeiro juízo. O mais
importante é que o terceiro juízo não é resultado da experiência prática, mas sim uma
conclusão automática das correlações lógicas das premissas.
O sentido lógico e as sensações lógicas são construções históricas da linguagem e da
lógica, que se tornam meios de transmitir ao indivíduo a experiência das gerações anteriores,
permitindo assim que este obtenha o juízo correspondente por via teórica, sem a necessidade
da prática individual imediata. Segundo Luria (1979, p. 105) “são justamente as matrizes
lógicas, que o homem assimila no processo de desenvolvimento intelectual, que constituem a
base objetiva do seu pensamento produtivo lógico”.
As operações de conclusão e as de dedução não partem da experiência prática pessoal,
mas se baseiam em relações lógicas formadas na linguagem e não ocorrem em todas as fases
do desenvolvimento. O homem precisou adquirir as formas de generalização e teve que
transferir o raciocínio eficaz do plano dos processos práticos para o nível das construções
teóricas lógicas-verbais para que pudesse construir condições de operar com relações lógicas,
suficientes por si mesmas para transmitir experiências independentemente da prática própria.
Estes processos constituem a condição psicológica necessária para o pensamento
dedutivo, pensamento este que possibilita tirar conclusões de uma regra geral por meio de
operações lógicas teóricas. Eles são resultado de um complexo desenvolvimento histórico e se
formam apenas no processo de assimilação dos tipos básicos de atividade teórica, como a
aprendizagem escolar e as formas complexas de comunicação pelo trabalho. Por isto, está na
dependência sócio-histórica das sociedades e do nível de desenvolvimento psicossocial de
seus membros.
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Porém, não são todas as operações de pensamento que se baseiam na assimilação de
uma estrutura de relações lógicas para fazer uma conclusão ou interferência. Um segundo tipo
de pensamento produtivo é caracterizado pelo sujeito ter que encontrar sozinho uma solução,
abandonando os procedimento lógicos incorretos e discriminando os corretos. É esse o caráter
do pensamento criativo e é especialmente observável na solução de problemas aritméticos.
Neste caso, o fim é dado e o sujeito deve orientar-se em suas condições e discriminar o
mais importante, comparando as partes componentes. Isso serve de base de orientação à ação
intelectual e permite criar hipóteses, uma estratégia para a solução. Com esta estratégia, pode-
se discriminar as operações particulares e estabelecer uma ordem para estas, o que levará a
determinado resultado. Para tanto, é necessário que o sujeito que resolve a tarefa oriente-se
nas condições desta e iniba quaisquer tentativas de operações imediatas impulsivas; deve,
ainda, executar as operações de cálculo necessárias, observando o lugar de cada uma delas na
estratégia geral e solução e, por último, comparar o resultado obtido com a condição inicial.
Caso uma dessas exigências não seja cumprida o ato intelectual se desintegra.
Há situações em que será necessária a formulação de uma pergunta complementar
suplementar ou a realização de várias operações intermediárias, que pressupõem processos
lógico-verbais de dificuldade crescente.
3. Indivíduo e Afetividade
A interação entre a afetividade e a racionalidade se tornou dependente do
desenvolvimento do pensamento organizado com representações simbólicas, que condicionam
as manifestações emocionais conforme as regras culturais do momento histórico. Como na
nossa cultura é o pensamento que tende a se desenvolver mais intensamente e a representar-se
pela linguagem verbal, será principalmente através desta que a emoção passará a se expressar.
A emoção inicia-se por um afeto biológico que quando se torna persistente é chamado
de sentimento. O afeto é um regulador da ação, influindo na escolha de objetivos específicos e
na valorização de determinados elementos, eventos ou situações pelo indivíduo. O sentimento
é percebido de forma específica como o ciúme, a cólera, o ultraje, a ofensa. Nossos afetos
operam em um complexo sistema junto a nossos conceitos, tanto que os sentimentos são
históricos e se alteram nos meios ideológicos e psicológicos diferentes. Uma vez significados
pelo grupo social, sendo tal codificação possibilitada pela cultura, tanto o afeto quanto o
sentimento, passam a ser denominados emoção, tornando-se assim função psíquica superior.
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Atualmente, há grande diversidade no uso dos conceitos de emoção, sentimento e
afetividade, mesmo na Psicologia. Uns os consideram como sinônimos, outros distinguem
emoção de sentimento, ligando a primeira ao orgânico e ao instinto e a segunda, ao racional e
ao simbólico.
Podemos distinguir os dois conceitos pela temporalidade, como faz Heller (1979),
segundo a qual a emoção é o afeto que irrompe na relação imediata e é momentânea, breve,
centrada em objetos ou imagens que interrompem o fluxo normal da conduta de alguém,
provocando modificações corpóreas e comportamentais, facilmente constatáveis. O que não
significa que seu conteúdo seja elaborado na situação, pois ele tem história, depende da minha
memória e dos outros das minhas relações. Nas emoções do instante, aglutinam-se
instantaneamente as frustrações e os desgostos acumulados que a vida nos reservou, que
julgamos que ela ainda nos reservará.
Sentimento é a emoção sem prazo, com longa duração, que não se refere à coisas
(objetos ou idéias) específicas. É o tom emocional que caracteriza a forma como me coloco
no mundo. Por exemplo, a emoção de medo é o que sinto frente a um perigo eminente. O
sentimento de medo é o que caracteriza minha identidade: sou um homem medroso.
Afetividade é o nome atribuído à capacidade humana de elevar seus instintos à altura
da consciência, por meio dos significados, de mediar a afecção pelo signos sociais,
aumentando ou diminuindo nossa potencia de ação.
Fiske e Taylor (apud Morales, 1994) consideram que o termo afeto se refere a um
fenômeno genérico e inespecífico que inclui outros fenômenos como: preferências,
avaliações, estados de ânimo e emoções. As preferências seriam formas de eleição derivadas
de uma avaliação positiva ou negativa de um objeto, enquanto que o estado de ânimo seria
uma avaliação sem um objeto determinado. As emoções seriam uma forma de afeto mais
complexa e com uma duração mais precisa que uma reação afetiva ou um estado de ânimo, se
referem geralmente a objetos muito determinados e carregam um conjunto de avaliações e
reações corporais características.
Em síntese, a emoção é uma forma de afeto complexa que implica em reações
viscerais e cognitivas, que só são provocadas por situações com características definidas, que
carrega certos cursos de ação características e que pode ser identificada, quando a
experimentamos, mediante certas palavras que em nossa linguagem são nomes de emoções.
Em conseqüência das emoções originarem-se historicamente e serem a combinação de
relações que surgem durante a vida, suas diferenciações e inter-relações com os processos
intelectuais se dão no decorrer do processo ontogenético. A afetividade, sob a influência
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social e uma maior independência da sensorialidade, passa a ser manifestada pelas palavras e
torna-se emoções.
A emoção é o principal componente avaliativo, ela valora determinadas necessidades,
possui função específica para cada pessoa e esta função individualizada é que coloca o sujeito
em atividade.
Os interesses do sujeito por um objeto são sinalizados pelos estados emocionais,
construindo, assim, o sentido pessoal do objeto percebido e dirigindo o interesse para
determinada atividade através da avaliação da possibilidade de êxito. Essa avaliação está
baseada nos sentimentos que permitem apenas a vivência do que foi sentido emocionalmente,
é anterior à reflexão cognitiva. A partir dessa primeira avaliação emocional é desencadeada
uma análise das relações possíveis da atividade, introduzindo-a no sistema de pensamento. A
partir de então, o pensamento racional analisa a vivência emocional e a categoriza, assim, a
emoção é constituída quando se realiza a objetivação do motivo e antes que se construa a
valorização social de sua atividade. Por este motivo podemos dizer que as emoções são
constituintes da atividade e não das ações realizadoras da atividade.
Apesar de serem os reguladores da dinâmica da personalidade, os motivos emocionais
podem estar implícitos para o sujeito porque só os conteúdos sensoriais dos objetos são
percebidos e representados, apreende-se qual é o conjunto de características do objeto que
impulsiona ou impede a atividade, (e) não há representação consciente do objeto que motiva a
mesma atividade. Leontiev (1978, p. 160, apud Leão, 1999, p. 65) “vai afirmar que só é
possível esclarecer esse autêntico motivo de forma objetiva, a partir das ações que permitem
descobrir o sentido pessoal e, por conseqüência, o seu motivo social interiorizado e
transformado em interesse pessoal”.
As emoções estão interligadas às ações do sujeito no espaço de suas relações sociais,
penetrando dessa forma no cenário da cultura. Representam um dos mais significativos
registros da subjetividade humana, sendo resultantes de complexos registros do organismo
perante o social, o psíquico e o fisiológico. De acordo com Rey (2003, p. 242) “O emocionar-
se é uma condição da atividade humana dentro do domínio da cultura, o que por sua vez se vê
na gênese cultural das emoções humanas”.
A problemática das emoções não é isolada do intelecto, mas abarca as funções
psíquicas em seu conjunto, portanto, seu papel na configuração da consciência só pode ser
analisado pela conexão dialética que estabelece com as demais funções e não por suas
qualidades intrínsecas.
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Para o entendimento das funções e processos mediacionais da emoção na atividade
consciente do homem exige que compreendamos a evolução das abordagens da afetividade
até a constituição das emoções propriamente ditas.
A emoção na obra de Vigotsky é considerada a base da construção do conhecimento.
Ao teorizar sobre emoção, ele não está preocupado em aprimorar um conceito do psiquismo
ou em conhecer formas para controlá-la, mas em rever a metodologia e superar a
epistemologia dualista da Psicologia, que separa mente de corpo e intelecto de emoção. Ele
considera que pensamento e emoção não podem ser compreendidos de forma dissociada, isto
é, para ele, o processo cognitivo não existe separado da emoção. O pensamento tem sua
origem na esfera da motivação, ou seja, é gerado por nossos desejos, necessidades, interesses
e emoções.
Diferentes correntes do pensamento psicológico abordaram a questão da emoção. As
idéias de Darwin contribuíram para o estabelecimento de uma perspectiva naturalista, que
baseava-se nos aspectos biológicos das emoções humanas, as quais teriam sua origem nas
reações instintivas e afetivas dos animais e desapareceriam à medida que o homem evoluísse,
levando ao predomínio do homem lógico. Vigotsky criticou tal posição salientando que estas
idéias indicavam que as relações afetivas dos homens seriam nada mais que resíduos de sua
existência animal.
James e Lange também investigaram as emoções humanas e chegaram a conclusão de
que a sua origem e fundamentação estariam nas reações das vísceras, nas reações orgânicas.
Seus estudos modificaram a sucessão tradicional dos momentos das reações emocionais.
Antes deles, o processo emocional era descrito
“como a sucessão da percepção do acontecimento interno ou externo que provoca a emoção, seguida da sensação da emoção propriamente, através das expressões corporais, orgânicas, dos sintomas que correspondem ao sentimento. Com os resultados de seus trabalhos passou-se a considerar o processo com outra seqüência: imediatamente após a percepção do acontecimento surgem as mudanças orgânicas provocadas de forma reflexa, sendo que a nossa percepção dessas reações constitui a base das emoções”. (Leão, 1999, p. 67)
Para Vigotsky, a teoria desses autores propõe que certas emoções elementares do ser
humano estão ligadas às emoções como a dos animais em sua filogênese, mas as emoções
como processos superiores teriam uma origem espiritual ou intelectual. Ele considerou que
esta teoria conduziu ao dualismo das emoções superiores (espirituais) e inferiores (orgânicas),
separando-as do conjunto global de toda a vida psíquica do homem.
70
Também em contraposição à James e Lange, Gregório Marañón, em 1924, demostrou
que o fenômeno emocional estava determinado, em grande medida, por fatores situacionais e
pessoais complexos que iam além dos sintomas viscerais associados à emoção. Sendo assim,
a emoção seria um fenômeno que consta com os dois componentes: vegetativo e psíquico.
Para Cannon o comportamento emocional está interligado com o psiquismo humano,
não há separação entre emoções intelectuais e orgânicas e, a emoção humana não desaparece,
mas se distancia das reações instintivas, tornando-se mais complexa. Ele não considera
possível que somente as reações fisiológicas do corpo e sua percepção sejam capazes de
produzir uma expressão emocional diferenciada e sentí-la. Para ele, a sede das emoções, a
fonte principal dos comportamentos emocionais, é o cérebro. Cannon realizou experimentos
em que injetava substâncias como a adrenalina para “provocar” emoções. Os sujeitos do
experimento relataram sua experiência como a reprodução da vivência de uma emoção, mas
que faltava um sentido psicológico, um contexto para que a emoção fosse verdadeira.
Isto confirma a descoberta de outros experimentos fisiológicos de que há uma
estreitíssima relação e dependência entre o desenvolvimento das emoções e o de outros
aspectos da vida psíquica do homem. Investigadores do campo da psicologia também
perceberam uma série de reações de dependências na vida emocional que tornam impossível
duas classes de emoções independentes uma da outra – superiores e inferiores.
Freud foi o primeiro investigador a analisar a psicopatologia da vida emocional. De
acordo com Leão (1999, p. 70) Freud “negou que o mais importante no estudo da emoção são
os componentes orgânicos que a acompanham e expôs a extraordinária dinâmica da vida
emocional ao demonstrar como é ambivalente a emoção nas primeiras etapas do
desenvolvimento” e afirmou que as emoções são diferentes na infância e na idade adulta. A
ênfase, neste momento, estava no consciente e inconsciente da emoção e não mais em seus
aspectos orgânicos.
As idéias de Freud contribuíram muito ao apresentar novas possibilidades para a
interpretação do movimento da vida emocional ao demonstrar que as emoções não podem ser
entendidas fora do contexto de toda a dinâmica da vida humana e de seus conflitos, pois é
nesta que os processos emocionais alcançam seu sentido e seu significado. Porém, Freud
perpetuava a concepção naturalista, pois considerava a psique humana como um processo
puramente natural e enfocava as mudanças dinâmicas das emoções somente nos padrões
naturalistas.
A partir dos estudos de Adler a emoção passou a ser relacionada com os processos de
organização e formação da estrutura psicológica da personalidade.
71
De acordo com Vigotsky (apud Bonin, 1996, p. 94), é através das teorias de Bühler e
Lewin que a emoção passa a ser vinculada com a atividade. Lewin postula que as emoções se
transformam no decorrer da vida, sempre influindo na atividade humana e nunca estão
isoladas desta. Demonstrou como surge a situação das sensações emocionais, como uma
emoção não resolvida continua existindo e como o afeto forma parte de qualquer estrutura
com a qual tenha relação. A idéia principal de Lewin é a de que as reações afetivo-emocionais
são resultado de uma estrutura concreta do processo psíquico e podem apresentar-se isoladas,
como elementos especiais da vida psíquica e depois se combinam com outros elementos.
Bühler criticou as obras freudianas e avançou quanto ao lugar que as emoções ocupam
com relação aos processos psíquicos. Segundo Bonin (Idem, p. 94),
“Bühler considera que as crianças, no início da vida, realizam uma ação para atingir um objetivo tal como a redução de tensão. O prazer marca e assegura que a atividade atinja um final de percurso. Na fase seguinte, a emoção prazerosa está no próprio desenrolar da atividade, isto é, andar pelo prazer de andar. Em uma terceira etapa, a emoção de prazer ocorre na antecipação da atividade a ser executada. Nesta etapa, o intelecto mostra-se claramente ligado à emoção, na atividade criativa da criança.”
Vigotsky, a partir dos estudos de Bühler, concluiu que no plano da atividade instintiva
predomina uma organização emocional, relacionada com o momento final. Afirmou também
que os processos emocionais são nômades, não dispõem de lugar determinado, fixo.
Nos estudos de Claparéde também é possível notar a estreita relação entre as emoções
e os demais processos psicológicos e a diversidade psíquica das próprias emoções. Através de
estudos de crianças normais e “anormais” revelou que, junto com as emoções biológicas
existem processos que denominou sentimentos. Se a percepção de um fato desencadeia um
comportamento que resolve a situação tem-se uma emoção, porém se o comportamento não
resolve a situação, acontece um processo que desencadeia estratégias de solução e tem-se um
sentimento.
Segundo Lane e Camargo (apud Leão, 1999, p. 74), Vigotsky considera a emoção um
dos mediadores constituintes da unicidade do fisiológico e do psicológico no ser humano e
afirmam que, apesar deste autor “não ter desenvolvido estudos sistemáticos sobre as emoções,
elas estão presentes em toda a sua obra”. Partem da afirmação de Vigotsky de que as leis que
regem o pensamento emocional são diferentes das que regem o pensamento lógico discursivo,
já que no pensamento emocional o processo cognitivo perde sua prevalência e
72
“propõem que são as emoções não verbalizadas que constituem o inconsciente; uma vez que no processo de constituição do pensamento pela interiorização da linguagem, esta se transforma mas estabelece mediações necessárias para a realização dos demais processos psicológicos”. (Idem).
René Van der Veer (apud Leão, 1999, p. 76) enfatiza que a busca de Vigotsky por
elementos que demonstrassem a unicidade das instâncias formadoras do ser humano e as suas
interações na consciência basearam-se, também, na crítica da filosofia dualista de Descartes,
que entendia as emoções como imutáveis e inatas. Porém Vigotsky aceitava a proposição de
Descartes que afirmava a possibilidade de se dar emoções intelectuais puras, sem correlações
corporais.
Vigotsky discordou das conclusões daqueles que dizem ser possível uma explicação
causal e fez uma crítica tanto aos subjetivistas (hermenêuticos) como aos objetivistas por
considerar que ambos compartilham de uma mesma interpretação equivocada da causalidade,
o que impediria encontrar um caminho para entender a relação entre os pensamentos e os
sentimentos e destes com a atividade do corpo.
Para tanto buscou uma explicação mais aceitável da causação em Psicologia em
Espinoza, mas não teve tempo para concluí-lo. O que pode ser destacado é que Espinoza
contrapôs-se a Descartes, negando a dicotomia corpo e alma e apresentando o homem em uma
perspectiva monista, como duas manifestações da mesma substância.
Vigotsky parte, então, da perspectiva genética para comprovar a impossibilidade de
dividir as emoções em duas partes, umas pertencendo à classe superior e outras à inferior e
que a única diferença ocorre em complexidade.
Bonin (1996, p. 89) afirma que Luria e Vigotsky consideravam que
“tanto os primatas como as crianças pré-verbais, expressam emoções através de gritos, choros, sem que a atividade intelectual esteja imbricada nessas ações ou que sejam planejadas. Para eles, um importante salto no desenvolvimento ocorre quando une a sua vocalização ao pensamento. Nessa fase, a criança passa a entender que os sons podem se referir a determinados objetos. Desta forma, tem-se o início da fala propriamente dita e esta vai modificar diferentes processos elementares, dentre eles, a emoção. A emoção, através da fala, passa de processo elementar a processo superior. Assim, Luria (1979b) coloca que há mudanças introduzidas na reorganização da vivência emocional pelo surgimento da linguagem que eleva aquela a um novo patamar”.
Neste novo patamar ocorrem mudanças emocionais devido ao fato do mundo
emocional do homem não ser só vinculado a motivos biológicos. Isto promove a avaliação
das relações das ações com as intenções iniciais e possibilita a previsão de acertos, levando a
que, paralelamente às categorias afetivas, formem-se no homem vivências e estados
73
emocionais que vão além dos limites das reações afetivas imediatas vinculadas ao pensamento
e processadas com a participação da linguagem.
Para Henri Wallon, em sua teoria da emoção, o processo de construção da pessoa e do
conhecimento iniciam-se num período denominado por ele de impulsivo-emocional, durando
ao longo do primeiro ano de vida e, neste momento, a afetividade reduz-se quase que
exclusivamente às manifestações fisiológicas da emoção, constituindo o ponto inicial da
estruturação do psiquismo.
A teoria de Wallon é visivelmente inspirada nos pressupostos darwinistas, pois a
emoção é percebida como instrumento de sobrevivência típico da espécie humana: o choro do
bebê humano é extremamente capaz de mobilizar o ambiente para a satisfação de suas
necessidades. Esta função biológica origina um dos traços característicos da expressão
emocional, seu alto poder de contágio e nesse sentido é fundamentalmente social.
A caracterização que Wallon apresenta da atividade emocional é que esta é, ao mesmo
tempo, social e biológica em sua natureza e faz com que a transição entre o estado orgânico
do ser e a sua etapa racional só possa ser efetivada através da mediação cultural. O vínculo
imediato que promove com o ambiente social garante o acesso à posse dos instrumentos,
produzidos pelos homens ao longo de seu processo histórico-cultural, com os quais trabalha a
atividade cognitiva. A perspectiva genética também é fundamental em sua origem, pois a
conduta emocional depende de centros subcorticais, cuja expressão é involuntária e
incontrolável e, com a maturação cortical, torna-se capaz de controle voluntário. Wallon
demonstra que as manifestações da emoção “constituem sistemas de reações organizadas, cuja
coordenação é regulada por centros nervosos específicos, dispostos para esse efeito”
(Martinet, 1981, p. 45).
A partir dessas considerações e analisando os componentes fisiológicos da vida
emocional, Wallon propôs que a toda alteração emocional corresponde uma flutuação tônica.
Ele identifica emoções redutoras do tônus – hipotônicas – como o susto e a depressão. Outras
como geradoras de tônus – hipertônicas – como a cólera e a ansiedade.
Quanto às características do comportamento emocional, as reações orgânicas
produzidas pela emoção concentram no próprio corpo a sensibilidade. Ocupada com as
próprias sensações viscerais, metabólicas, respiratórias, diminui-se a intensidade da percepção
intelectual e analítica do exterior e é a isto que Wallon refere-se ao dizer que a sensibilidade
protopática (também chamadas de íntero e proprioceptivas) reduz a sensibilidade epicrítica
(exteroceptiva) prejudicando a atividade de relação.
74
A partir da análise das linhas teórica que trataram das emoções Vigotsky concluiu que:
a emoção é um dos mediadores constituintes da unicidade do fisiológico e do psicológico no
ser humano e que as leis que regem o pensamento emocional diferem-se daquelas a que está
subordinado o pensamento lógico discursivo uma vez que no pensamento emocional o
processo cognitivo perde a prevalência, mantendo-se em intensidade menor e dificultando o
seu reconhecimento.
Desta forma, Leão (2003, p. 65) afirma que por este motivo o autor
“propôs que as emoções não verbalizadas constituem o inconsciente; uma vez que no processo de constituição do pensamento pela interiorização da linguagem, esta se transforma mas estabelece as mediações necessárias para a realização dos demais processos psicológicos. E, portanto as representações afetivas supõem um ato emotivo e tanto no pensamento lógico como no emocional estabelece-se um fenômeno que tem na base uma emoção. Ainda que ela fique encoberta e de difícil reconhecimento”.
A sua análise funcional, ou interfuncional, do princípio organizativo dos sistemas
psicológicos, demonstra que: a interação intrapsicológica entre as emoções e a racionalidade
se tornou dependente do desenvolvimento do pensamento organizado com representações
simbólicas, sendo as manifestações emocionais condicionadas conforme as regras culturais do
momento histórico; estas mediações simbólicas levaram a que a evolução de uma controle as
manifestações da outra, reciprocamente.
Assim, a atribuição da função da emoção e do trabalho humanos continua dependendo
das idéias significativas elaboradas por cada momento histórico. Diante disto podemos
confirmar que não há dicotomia entre homem e sociedade, bem como as determinações
individuais e a distribuição a distribuição social do trabalho é função das próprias condições
criadas pelos homens que conseqüentemente desenvolvem diferentemente as capacidades
afetivas, volitivas e emocionais.
A emoção é o elemento mobilizador do corpo que o põe em ação, seja para atividades
motoras seja para atividades de pensamento. As emoções são mediadoras entre o homem e o
mundo, bem como entre o homem e as suas atividades psíquicas. E esta função pode ser
apreendida quando entendemos que os estados emocionais indicam o interesse do sujeito por
um objeto nas diversas relações, porque determinam o tônus emocional da atividade.
Assim, constrói o sentido pessoal da representação interna do objeto e dirige o
interesse da atividade, estabelecendo a avaliação da possibilidade de êxito ou fracasso da
atividade que o objeto demanda. Esta avaliação dá-se ainda no nível da representação
75
sensorial direta da situação ou do pensamento e, portanto, está baseada no sentimento que
permite apenas a vivência do que foi sentido emocionalmente.
Posteriormente, a representação interna do objeto é construída, ela se constitui em
signos sociais, concretizada em uma imagem simbólica ou em elementos da linguagem. Só
assim o processo emocional avaliativo pode desencadear a análise das relações possíveis para
a atividade ao introduzi-la no sistema do pensamento.
A partir deste momento, o pensamento racional pode analisar a vivência emocional e a
categorizar, explicitando-a como emoção caracterizada pelas condições socioculturais.
Sendo assim, Leão (2003, p. 55-56) afirma que:
“É como emoção que o sentido pessoal da atividade pode demonstrar os interesses do sujeito pelo objeto e o relacionar com a possibilidade de êxito da atividade condicionada pelas relações sociais. É que a emoção é constituída quando se realiza a objetivação do seu motivo (esclarece o interesse pelo objeto) mas, antes que se construa a valorização social da atividade necessária para a consecução do motivo. É assim que se torna possível ao homem a atividade de trabalho. Pois esta, apesar de estar socialmente motivada, é dirigida também por motivos tais como a recompensa material e, ambos os motivos, ainda que coexistam, estão situados em diferentes planos da consciência”.
As conexões que constituem os sistemas psicológicos não são fixas, variam no
decorrer do desenvolvimento ontogenético, filogenético e histórico. As mudanças dos nexos
têm origem no social e no coletivo, vividos como intersubjetividade e mediadas pelos
significados sociais.
Os signos garantem a formação e a distribuição das conexões psicológicas que se
estabelecem entre as funções, porém são os significados que estabelecem o aparecimento de
novos sistemas e comportamentos das pessoas. É a interiorização da atividade que permite as
operações externas condensarem-se com processos internos e integrarem o pensamento.
Vigotsky explica que os sistemas psicológicos se formam, principalmente, através da
interiorização dos signos, mas a motricidade adquire um caráter relativamente independente
com relação aos processos sensoriais. Porém quando o processo retorna a uma situação na
qual o sujeito está em tensão emocional, restabelece-se a conexão entre os impulsos motores e
sensoriais.
Sendo assim, podemos notar que o autor não abandona a radicalidade biológica e a
sensibilidade corpórea. Como afirma Sawaia (2000, s/n):
“Esta concepção pressupõe um sujeito de carne e osso, relacional e sócio-histórico e as emoções deixam de ser uma caixa de ressonância de forças sociais, racionais
76
ou orgânicas, bem como não é uma força desencarnada, subsumida na linguagem . Emoção envolve afecção, isto é precisa ser sentida para existir”.
O sentimento é sempre experimentado, ou seja, conhecido da consciência. É processo
predominantemente consciente, portanto, sentimento inconsciente é sempre uma contradição.
Eles não se conservam no inconsciente e nele funcionam, mas uma vez vividos e apagados
passam para o campo do inconsciente.
De acordo com Sawaia (Idem), a concepção vigotskyana de emoção é próxima à
definição de afeto de Espinosa, segundo o qual os “afetos são afecções instantâneas de uma
imagem de coisas em mim nas relações que estabeleço com outros corpos. São modificações,
pois envolvem sempre um aumento ou diminuição da capacidade dos corpos para a ação e
obriga o pensamento a mover-se em uma direção determinada”.
Concluímos então que o sistema das funções psicológicas superiores é de origem
social, e é mediado por um sistema conceitual, cristalizado e institucionalizado como os
significados, senso comum, ideologia, bem como pelo valor que a sociedade dá a tal e qual
função. Por conseguinte, os afetos (emoção e sentimento) são ideologizados e históricos.
Desta forma, são as conexões entre as funções psicológicas e entre essas e a sociedade
que explicam as diferenças entre os indivíduos de classes sociais diferentes e entre os
indivíduos de uma mesma classe. A partir do papel social cria-se uma série de conexões
caracteriológicas, traços sociais e de classe, configurando sistemas psicológicos que nada
mais são do que os sistemas e relações sociais entre pessoas transladados para a subjetividade.
O fato central da teoria de Vigotsky é o fato da ação ser mediada, nós pensamos,
sentimos e nos emocionamos com base em conceitos, o que significa possuir um determinado
sistema já preparado, uma determinada forma de pensar e de se emocionar que predetermina o
conteúdo final e que nos foi imposta pelo meio que nos rodeia. O que pode ser chamado de
“emocionalidade cultural”, modos de reagir que fazem parte de práticas sociais e são
criadoras de relações, que pode ser definida como modos aceitáveis de comportar-se em
relação às afecções do corpo.
Esta política de afetividade define emoções e sentimentos diferentes por sexo, idade,
raça, classe e momento histórico. Na ontogênese, acumulam-se uma série de conexões entre
as funções psicológicas superiores e destas com os significados sociais, conformando, o que
podemos denominar de políticas de afetividade específicas a cada momento histórico,
tornando-se estratégia eficiente de naturalização e legitimação da exclusão.
Este processo não se concretiza de forma homogênea, conformando subjetividades
idênticas, como se o excluído não tivesse singularidade e sutilezas psicológicas. Elas
77
configuram-se segundo as conexões sustentadoras do sistema psíquico e deste com o contexto
histórico e situacional, que são por sua vez mediadas pelas conexões do sistema psicológico.
Por este motivo cada corpo reage de maneira peculiar às mesmas determinações
sociais. As afecções do corpo confrontam-se com as funções psicológicas superiores:
consciência, memória, pensamento, etc., como também com a moral social e nesse sistema
transcorre a formação de idéias adequadas ou inadequadas sobre as afecções do corpo.
As coisas não mudam porque pensamos nelas, numa relação direta, como se o
pensamento comandasse as funções psicológicas superiores, e as coisas fossem da ordem das
idéias, apenas. Elas mudam quando os afetos ligados a elas mudam ou quando se tornam
conscientes. Os afetos envolvem a afecção de meu corpo por objetos, pessoas ou por imagens,
o que permite mudança no sistema. Por isso, o fato de pensar coisas fora de mim não altera a
realidade, pois não altera minhas emoções, ao passo que pensar nos próprios afetos (e ao
pensar os afetos deixamos de senti-los como afirma Vigotsky) os situamos em um outro lugar,
em outras relações com o intelecto e outras instâncias, alterando a vida psíquica.
O desemprego é um dos problemas mais graves e atuais da sociedade. A falta de
postos de emprego tem diminuído como decorrência de vários fatores estruturais do
capitalismo, assim, o número de trabalhadores desempregados tem aumentado, sendo que
alguns deles não mais conseguirão ter um emprego formal, aumentando o número de
trabalhadores informais e dos empregos subqualificados.
Como resultado tem-se a instabilidade tanto econômica, quanto psicológica, pois as
transformações tecnológicas mudam também o significado do trabalho à medida que
imprimem um caráter provisório a muitos postos de trabalho e ocupações, denotando ausência
de perspectiva e de lugar seguro na sociedade para os sujeitos.
Diante deste panorama, temos indicações empíricas de que os trabalhadores
desempregados estariam se orientando apenas pela expectativa e/ou esperança de ter como
atividade principal o trabalho produtivo, mas não sabemos exatamente como essas emoções
influenciam a elaboração do sentido e significado das consciências, bem como o
comportamento desses sujeitos.
Tendo como base somente as significações sociais encontradas nas definições do
dicionário Aurélio6, já podemos perceber que essas emoções permeiam, através da fé ou
possibilidade de conseguir algo que se quer e/ou necessita, a vida das pessoas.
6 Esperança: ato de esperar o que se deseja; expectativa, espera; fé, confiança em conseguir o que se deseja;
aquilo que se espera ou deseja.
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Spes em latim significa tanto “esperança como expectativa de algo feliz”, porém a
psicologia parece ainda não ter estudado estas emoções mais profundamente. A esperança é
mais abordada pela teologia e filosofia, sendo nesta última, considerada sinônimo de
expectativa ou, as duas emoções como complementos de um mesmo sentimento, contrário ao
temor ou medo.
Já a questão da expectativa é trabalhada na área da Psicologia Organizacional e do
Trabalho, tendo como um dos pesquisadores Victor Vroom, que elaborou uma “Teoria das
Expectativas”.
Neste trabalho vamos nos orientar por estas várias abordagens na busca de elucidar as
condições psicossociais dos trabalhadores desempregados.
3.1. Esperança
Alguns filósofos como Juan Luis Vives (1492-1540) e Baruch Espinoza (1632-1677)
trataram da questão da esperança: o primeiro no seu estudo sobre as paixões descreveu essa
emoção subordinada à classificação geral de “repulsão” e “atração” e, o segundo a classificou
como emoção secundária, pois se originaria da associação das emoções primárias (alegria,
tristeza, prazer e dor).
Mas é no pensamento filosófico-político de Tomas Hobbes (1588-1679) que podemos
encontrar mais especificamente um estudo sobre a esperança. Esse pensador racionalista
buscou descrever o complexo aparato passional humano a partir de uma formulação
mecanicista e empirista. Neste, o homem é comparado a uma máquina cujo funcionamento
resulta de um encadeamento de movimentos externos que geram movimentos internos.
Através da sensibilidade o homem obtém conhecimento acerca do mundo ao seu redor.
Embora Hobbes e Descartes discutam a origem do conhecimento, suas resoluções não
assemelham-se. O conhecimento cartesiano é trabalhado em dois planos distintos: o primeiro
da substância corpórea (“eu existo”) e o segundo da substância pensante (“eu penso”). A
primeira extensa e a segunda espiritual.
Hobbes não faz a mesma distinção que Descartes e mostra que não há como conceber
qualquer pensamento sem uma coisa que pense, já que a origem de todo pensamento está
diretamente ligada à sensação. Enfatiza que o sujeito de um pensamento será sempre um
sujeito corporal e reduz toda a realidade a um conjunto de corpos em movimento. Expectativa: esperança fundada em supostos direitos, probabilidades ou promessas.
79
Desta forma, segundo Silva (s/d) pode-se dizer que
“o homem hobbesiano é sim resultado de um princípio de causalidade mecânica, de modo que, é através de movimentos recebidos através da sensibilidade que teremos as paixões. E é através desse princípio de causalidade mecânico-empírica, que derivarão todas as ‘paixões humanas’ como a alegria, tristeza, ódio, vingança, medo, esperança, etc.”
Assim, podemos dizer inicialmente que as “paixões humanas” são resultantes da ação
de corpos externos (agente) que causam movimentos internos em outros corpos (paciente). No
entanto, o processo que viabiliza essas paixões não é apenas causado por uma relação de ação
e reação pois, antes dessa interação agente/paciente, há uma força que atua no interior do
homem e que é a grande responsável pela forma com que as paixões se formam.
Essa força será primeiro um movimento que se processará no interior da mente e
culminará na realização do movimento corporal. Esse movimento se processa no interior do
homem e precede a relação de afecção entre os movimentos externos/internos, sendo também
a origem interna dos movimentos externos. Mesmo que os homens não tenham conhecimento
destes pequenos movimentos, eles existem e estão (1983, apud Silva, s/d), nos “inícios do
movimento, no interior do corpo do homem”. Esse movimento é comumente chamado de
“conatus”.
As paixões humanas são caracterizadas de acordo com o que lhe é externo, ou seja,
determinada atitude será vista como boa ou má na medida do tipo de conseqüência que ela
trará ao sujeito que a praticou. Desse modo, o bem e o mal só podem ser medidos de acordo
com a conseqüência que cada ação provoca num determinado indivíduo, sendo que o que
pode significar o bem de um pode também ser o mal do outro, e ainda, o que é bom hoje pode
ser mau amanhã.
A partir daqui, com base no que foi dito acima, é possível caracterizar as paixões
humanas.
A Teoria das Paixões elaborada por Hobbes é concebida sempre em pares, ou seja, o
mesmo movimento que causa o amor causa também o ódio, e a diferença entre esses dois
pólos reside, única e exclusivamente, na conseqüência que geram em cada indivíduo. Quando
o movimento primário – conatus – causa um efeito positivo, a paixão gerada é o amor, se o
efeito for negativo, gera o ódio.
Quando o conatus se direciona à algo que o causa, chama-se apetite ou desejo e
quando vai no sentido de evitar alguma coisa chama-se aversão, sendo que essa é uma força
única, ou seja, o mesmo desejo se manifesta ora em forma de aproximação, ora em forma de
80
distanciamento. Assim, podemos dizer que o grande fundamento de todo o aparato passional
reside no fato elementar do conatus, ou seja, no desejo primário de se atingir algo.
O fato de Hobbes trabalhar as paixões sempre em pares contrastantes – desejo/aversão,
amor/ódio, medo/esperança7, não significa que a origem dessas paixões seja antagônica, o que
ocorre é uma diferenciação modal, isto é, a dualidade não é original, mas sim uma distinção
lógica que possui uma só origem, um só núcleo, que é o conatus.
As paixões desempenham um papel dúbio, de acordo com Silva (s/d):
“se por um lado a desconfiança natural, o egoísmo e a competição por poder e mais poder levam o homem a um estado de tensão eminente, por outro lado, o medo de ter sua vida perpetuada nesse estado instável, e a esperança de que se pode sair dele, leva o homem a buscar meios para construir o corpo político”.
Hobbes não concebe que os homens vivam naturalmente em sociedade, como
Aristóteles, mas ao contrário, a convivência é potencialmente conflituosa e eminentemente
tensa. Contudo, para eliminar essa tensão o homem trabalho no sentido de construir um
aparato jurídico que possa regular a vida em comum. Nesse momento se fará presente a
esperança, como uma paixão ativa que atuará com o medo, anulando-o e possibilitando a
crença de que, no Estado civil regido por leis positivas, o homem não viverá em guerra e a
paz poderá ser alcançada.
Hobbes em A natureza Humana, de 1640, formula um conceito de esperança:
“A esperança é a expectativa de bem futuro, como o medo é expectativa de mal. Mas quando, agindo alternadamente em nossas mentes, há algumas causas que nos fazem ter a expectativa de bem e, se as causas que nos fazem ter a expectativa de bem foram maiores do que as que nos fazem ter a expectativa de mal, a paixão é toda esperança; se ocorre o contrário é medo. A privação absoluta de esperança é desespero, e um grau menos dessa privação é desalento”. (Hobbes, 1983 apud Silva, s/d)
Como já dito anteriormente, as características formadoras da filosofia de Hobbes
resultam de movimentos voluntários internos, estes podem ser classificados em: movimento
vital e movimento voluntário animal. Os movimentos vitais são aqueles que compõem a
própria condição de “ser vivo” – circulação do sangue, respiração, nutrição, etc. –, já os
movimentos voluntários são os resultantes das sensações externas causadas no interior do
indivíduo através do que vemos, ouvimos, etc.
7 Vale aqui ressaltar que, assim como Hobbes, Espinoza trata da esperança como antagônica ao medo.
81
Para entender o conceito de esperança nos ateremos apenas aos movimentos
voluntários e, mais especificamente aos desejos e apetites, pois deles derivarão a esperança.
O objeto do apetite ou dos desejos dos homens é o que pode ser chamado de “bom”,
porém, sem o Estado civil o homem, concebido em sua integralidade natural, se vê entregue
às mais terríveis possibilidades de guerra, e essa impressão é corroborada graças à memória,
pois essa pode remeter à lembranças de possíveis situações de conflitos vividos, e essas
lembranças causam, por sua vez, movimentos internos no indivíduo. Esses movimentos,
quando aliados a uma crença de que se consiga o que está almejando, é nomeado “esperança”.
Sendo assim, a esperança em Hobbes está ligada à paz, mas está mais intimamente
ligada àquilo que se almeja, que se quer, ela é derivada do desejo de se conquistar algo,
seguido de uma expectativa de bem. O medo também deriva do desejo de se conquistar algo,
porém a expectativa é de algo negativo.
No Leviatã, Hobbes compara a esperança à confiança ao dizer que “a esperança
constante chama-se confiança em si mesmo” (Hobbes, 1987 apud Silva, s/d). Tal comparação
pode ser compreendida ao retornar à obra de 1640, na qual Hobbes define confiança como “a
paixão que procede de crença de quem tem expectativa de bem, ou de quem espera o bem”.
(Hobbes, 1983 apud Silva, s/d).
Apesar da semelhança, a confiança é de certa forma derivada da esperança, pois é do
fato da expectativa de bem ser nomeada “esperança” ser uma expectativa constante que ela
pode também ser chamada de confiança.
Assim, podemos dizer que, no pensamento de Hobbes, a esperança é um fator de
grande importância na passagem do estado de natureza para o estado civil, pois na medida em
que é trabalhada pela razão, ela causa no homem o desejo, ou seja, a expectativa de bem
futuro.
3.2. Expectativa
A Teoria das Expectativas, elaborada por Victor Vroom em 1967, consagrou o
conceito de expectativas no campo da motivação, aplicado na Psicologia Organizacional e do
Trabalho. É uma teoria cognitivista e assume existir uma relação entre o esforço que se realiza
e sua execução ou rendimento do trabalho. Centra a atenção sobre o processo de motivar e
não exatamente no seu conteúdo. Ela provê um modelo de quando as pessoas decidem exercer
auto-controle para perseguir um determinado objetivo. Essa teoria é basicamente uma
82
tentativa de chegar a um modelo de como as pessoas decidiriam racionalmente a se motivar
ou não por um curso particular de ação.
Os quatro principais conceitos dessa teoria são: Valência, Expectativa,
Instrumentalidade e Força Motivacional.
A Valência consiste nos valores positivos ou negativos atribuídos pelos trabalhadores
aos resultados do trabalho, ou recompensa. Refletem preferências. É a intensidade com que o
indivíduo deseja ou sente aversão pela obtenção de um resultado do trabalho, que deriva da
antecipação da satisfação ou insatisfação associada com outros resultados os quais são
esperados. A Instrumentalidade consiste no grau de relação percebido entre a execução (total
do desempenho) e a obtenção dos resultados. E a Expectativa consiste na percepção de quanto
o esforço conduz aos resultados esperados. É o grau no qual o indivíduo crê que um resultado
específico seja provável. É uma probabilidade subjetiva, a qual pode ser descrita segundo sua
intensidade.
Como exemplo, podemos citar a seguinte situação: a expectativa de um vendedor é a
sua crença de que um maior número de telefonemas vai resultar em mais vendas
(performance). Sua instrumentalidade é que mais vendas (performance) vão resultar em
maiores comissões (recompensas). Sua valência é a importância colocada nas comissões
(recompensas). Esses três fatores resultam na motivação. Se um desses fatores não existe, a
motivação se vai. Se o vendedor não acredita que maiores esforços resultam em melhor
performance, não há motivação.
Além destes, o conceito de Força Motivacional refere-se à quantidade de esforço ou
pressão de uma pessoa para motivar-se. Deriva do conceito de força de Lewin.
Desta forma, para que uma pessoa esteja "motivada" a fazer alguma coisa é preciso
que ela, simultaneamente: atribua valor à compensação advinda de fazer essa coisa,
acredite que fazendo essa coisa ela receberá a compensação esperada e acredite que tem
condições de fazer aquela coisa.
Segundo Borges e Filho (2001, s/n), Vroom,
“Ao dirigir a aplicação do seu modelo ao trabalho, alerta que a questão norteadora é: ‘por que o indivíduo trabalha?’. Os conceitos de seu modelo devem ser aplicados aos resultados e/ou propriedades específicas do trabalho, das quais destaca cinco: salário (e outras formas de remuneração), dispêndio de energia mental ou física, produção de bens e serviços, interação social e status social”.
Para Muchinsky (1994, apud Borges e Filho, 2001), a Teoria da Expectativa
proporciona uma base racional e rica para a melhor compreensão da motivação em um
83
determinado trabalho. O autor afirma que esta teoria oferece uma vasta lista de possibilidades
de aplicação e presta-se ao teste empírico. Admite, entretanto, que as pessoas diferem no grau
em que sua conduta é motivada por processos racionais.
Dentro dessa abordagem, podemos entender que a compreensão da motivação do
comportamento exige o conhecimento das necessidades humanas. Satisfeita uma necessidade,
surge outra e assim por diante, sucessivamente. As necessidades motivam o comportamento
humano dando-lhe direção e conteúdo. Ao longo de sua vida, o homem evolui por três níveis
de estágios de motivação. Esses níveis ou estágios correspondem às necessidades,
fisiológicas, psicológicas, e de auto-realização.
As necessidades fisiológicas, chamadas vitais ou vegetativas, estão relacionadas com a
sobrevivência da pessoa, sendo as principais: alimentação, sono, atividade física, satisfação
sexual, abrigo e proteção. Quando essas necessidades são atendidas regularmente, elas não
têm força sobre o comportamento humano, mas caso isso falte elas atuam incorretamente.
Uma vez satisfeita essas necessidades o comportamento passa a ser motivado por outras mais
complexas, as necessidades psicológicas.
As necessidades psicológicas são exclusivas do homem, são aprendidas e adquiridas
no decorrer da vida, representam um padrão mais elevado e complexo de necessidades. Essas
necessidades são raramente satisfeitas em sua plenitude. Dentre elas estão: a necessidade de
segurança íntima que leva o indivíduo à auto defesa, a procura de tranqüilidade pessoal e
segurança; necessidade de participação de ter contado com os outros seres humanos,
participar conjuntamente com outras pessoas de alguma coisa ou empreendimento;
necessidade de auto confiança, refere-se à forma como uma pessoa se vê e se avalia, a
consideração que tem consigo mesmo; e necessidade de afeição, de dar e receber amor e
carinho.
As necessidades de auto-realização são produtos da educação e da cultura, como as
necessidades psicológicas, pois o homem procura maiores satisfações e estabelece novas
metas cada vez mais sofisticadas. Essa necessidade é a síntese de todas as outras.
O conceito de valência se aproxima do de valor, porém Vroom já os diferenciava.
Valor, sendo uma afirmação do que é certo, é sempre positivo. Valência expressa preferência,
que pode ser positiva ou negativa. Vroom mostrava que a valência de um mesmo resultado do
trabalho pode variar de acordo com o contexto sócio-cultural dos participantes.
Desta forma, é importante analisar com cuidado a dimensão dos valores atribuídos
a uma compensação, já que a motivação varia de indivíduo para indivíduo, em função de
seus objetivos pessoais.
84
Os estudos sobre o significado do trabalho surgiram de uma forma mais sistemática na
Psicologia Organizacional e do Trabalho na década de 1980. Os recursos técnicos hoje
disponíveis bem como as possibilidades de se realizar estudos com participantes em vários
países permitiram um rápido incremento a este campo de estudo.
Aborda-se o significado do trabalho como uma cognição subjetiva, histórica e
dinâmica, caracterizado por múltiplas facetas que se articulam de diversificadas maneiras. É
subjetiva, apresentando uma variação individual, a qual reflete a história pessoal de cada um.
É social, porque além de apresentar aspectos compartilhados por um conjunto de indivíduos,
reflete as condições históricas da sociedade, na qual está inserida. É dinâmica, no sentido de
que é construto inacabado, em permanente processo de construção. Decorrente disto, sua
caracterização varia conforme seu próprio caráter sócio-histórico.
Os estudos sobre significado do trabalho oferecem a base empírica que Vroom sentia
falta para selecionar as propriedades do emprego/trabalho a serem considerados conforme
referido anteriormente.
No estudo realizado por Borges e Filho (2001), elaboraram o Inventário do
Significado do Trabalho (IST), com o objetivo de explorar as inter-relações entre o
significado e a motivação para o trabalho com profissionais de saúde e bancários. Eles
afirmam que esse inventário pode ser adaptado para a utilização com outras categorias de
trabalhadores. O significado do trabalho é um constructo multifacetado, neste trabalho
levaram em conta duas das facetas: atributos descritivos e valorativos. Além disso,
consideraram os demais conceitos da teoria de Vroom.
Aqui nos interessa a estrutura das expectativas. A partir da pesquisa e da análise dos
dados, Borges e Filho (Idem) identificaram como componentes das expectativas, em ordem de
importância: 1) Justiça no trabalho e auto-expressão, que indica quanto o participante espera
obter justiça no trabalho, nas formas de assistência, salário, proporcionalidade entre esforço e
salário e higiene, e oportunidade de expressão da criatividade, do reconhecimento e da sua
influência nas decisões; 2) Desgaste e desumanização, referente à quanto o indivíduo espera
esgotar-se, ocupar-se, apressar-se e desumanizar-se; 3) Bem-estar e independência, que
consiste no quanto o indivíduo espera encontrar estabilidade no emprego, oportunidade de
profissionalização, tarefas prazerosas, garantia do sustento, do amparo social e independência
enquanto consumidor; e 4) Responsabilidade, que indica quanto o indivíduo espera ser
responsável pelo que faz, pelo respeito à hierarquia, pelo cumprimento de normas, por
decisões e pela qualidade do que faz.
85
Quanto aos componentes para a motivação no trabalho observaram que os
participantes atribuem elevadas expectativas a três dos fatores: Justiça no Trabalho, Bem-
Estar e independência e Responsabilidade. A atribuição de pontos só foi baixa para Desgaste e
desumanização.
Tendo como base o significado do trabalho e as expectativas em relação à este para os
trabalhadores empregados, podemos conhecer também o a expectativa significa para os
trabalhadores desempregados e como eles sentem a mesma.
86
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Análise dos Dados Quantitativos
A crescente ampliação do desemprego é uma das principais preocupações no Brasil, a
despeito do quase selado consenso entre especialistas, de que o principal remédio para as
proporções que esse mal atinge é o crescimento econômico com a geração de empregos.
No entanto, mostra-se necessário dar a exata dimensão desse problema, sob vários
ângulos, uma vez que é desigual entre sexos, idade, escolaridade, entre outros, e porque há
indícios de que parte da população em idade ativa se mantém à margem do mercado de
trabalho.
5.1. Identificação do Entrevistado
Primeiramente foi aplicada uma entrevista estruturada, com perguntas fechadas,
referente à identificação do entrevistado para que se pudesse ter um perfil da classe de
trabalhadores desempregados. Com a aplicação de vinte e sete entrevistas pudemos obter os
seguintes dados:
Sexo
59%
41%Feminino Masculino
Gráfico 1
No gráfico 1 (acima), apresentamos a porcentagem referente à participação dos
indivíduos com relação ao sexo. A partir deste dado confirmamos o fato de o desemprego
feminino ainda ser maior que o masculino.
87
O desemprego feminino é mais durável, menos visível e mais tolerado, não sendo é
considerado um problema social. As mulheres têm menor representação entre a população
ativa e maior entre os desempregados, porém para a sociedade em geral o desemprego
feminino é considerado menos grave, menos perturbador e menos preocupante, ainda que
sejam provedoras ao menos de 25% dos domicílios brasileiros e, em outros tantos, sua
contribuição à renda familiar é imprescindível.
A taxa de desemprego das mulheres sempre foi superior à dos homens, o que reflete
maiores obstáculos para as mulheres se inserirem.
Com relação à idade podemos perceber que a faixa etária mais atingida pelo
desemprego é a de 21 à 25 anos.
Idade
7%
41%
22%
19%
7% 4%
16 a 20 anos21 a 25 anos26 a 30 anos31 a 35 anos36 a 40 anos41 a 45 anos
Gráfico 2
Com relação ao estado civil notamos o grande número de solteiros, o que pode estar
relacionado ao fato de que a maioria dos trabalhadores desempregados possuem pouca idade.
Estado Civil
4%
63%
22%
4%
7% Separado
Solteiro
Casado
Viúva
Amasiado/Amigado
Gráfico 3
88
Mas, apesar da faixa etária de 21 a 25 anos e do estado civil solteiro serem os números
mais significativos, evidenciou-se que uma grande parcela desses trabalhadores
desempregados tem dependentes, que, neste caso, refere-se apenas à filhos. No gráfico 4,
podemos observar a porcentagem de desempregados que têm dependentes e no gráfico 5, o
número de dependentes.
Tem dependente?
54%46% Sim
Não
Gráfico 4
Quantos dependentes?
50%
29%
21%
1 dependente2 dependentes3 dependentes
Gráfico 5
Os entrevistados também foram perguntados sobre sua religião. As respostas obtidas
estão explicitadas no gráfico 6 e são de extrema relevância, pois quando relacionadas às
questões mais específicas sobre esperança e expectativa, podemos notar a grande influência
da religião no sentido que os trabalhadores desempregados dão ao próprio desemprego e à
procura pelo emprego.
89
A religião “evangélica” tem crescido muito nos últimos anos, como podemos
confirmar no gráfico abaixo os percentuais desta e da católica estão muito próximos.
Religião
4%
36%
15%15%
30%
Ateu
Católico
Católico “não-praticante” Sem religião
Evangélico/Protestante
Gráfico 6
Outro fator, já discutido anteriormente no corpo deste trabalho e que tem sido de
fundamental importância na discussão e estudo do desemprego, é a escolaridade. Cada vez
mais a escolaridade tem sido considerada como um dos fatores para estar empregado, mesmo
que isto não garanta uma vaga no mercado de trabalho, as pessoas têm priorizado o estudo.
Podemos confirmar isto na leitura do gráfico 7, que mostra que mais da metade dos
desempregados completaram o Ensino Médio. O estudo está muito relacionado com a
expectativa e a esperança dos desempregados em relação à procura de emprego, não só a
escolarização formal, mas os cursos profissionalizantes e técnicos aparecem, no discurso dos
trabalhadores desempregados, como grandes facilitadores para a obtenção de emprego.
Escolaridade
11%
19%
11%52%
7%Ensino FundamentalIncompleto (5ª série)Ensino FundamentalCompletoEnsino MédioIncompletoEnsino MédioCompletoEnsino SuperiorIncompleto
Gráfico 7
90
Além de sabermos sobre o grau de escolaridade dos sujeitos, achamos necessário
também perguntar o porquê de terem parado de estudar, já que o discurso atual, acima citado,
é de que quanto maior a escolaridade, maior a possibilidade de estar empregado. O resultado
obtido é apresentado no gráfico 8, no qual os dois grandes motivos de não continuar a estudar
são: a necessidade de trabalhar ou por já estar trabalhando, o que dificulta o estudo, seja pelo
horário ou cansaço físico; e a falta de condições financeiras, principalmente para pagar uma
faculdade particular. É interessante notar que a possibilidade de fazer um curso em
universidade gratuita, no caso a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), é
praticamente nula, os sujeitos em sua maioria consideram impossível a aprovação no
vestibular desta universidade por acharem que o nível de ensino a eles oferecido não é bom o
suficiente para conseguirem alcançar a média necessária para ingressar na UFMS.
Se parou, por quê?
42%
33%
7%
4%
7%7%
Para trabalhar/Porcausa do trabalho Falta de condiçõesfinanceiras Ainda estuda
Tendinite
Falta deoportunidade Casamento e/oufilhos
Gráfico 8
5.2. Situação de Desempregado
As perguntas sobre a situação de desempregado são semi estruturadas e tiveram como
objetivo conhecer o período do desemprego, como o sujeito tem vivido a partir da dificuldade
econômica que é comum durante este tempo.
A primeira questão é relacionada ao tempo que o sujeito esta desemprego, com os
dados obtidos a partir das respostas dadas, gráfico 9, pudemos constatar que a maioria dos
desempregados está nesta situação há cerca de seis meses, o que é uma característica da
região de Campo Grande, a qual não tem um número grande de desempregados por um
período maior. Também relacionando este dado à esperança e à expectativa, pudemos notar
91
que, por se tratar de um período relativamente pequeno, a confiança de se conseguir emprego
é maior.
Podemos notar também que 15% dos entrevistados está a procura do segundo
emprego. Este dado reafirma o que também foi discutido anteriormente sobre o desemprego,
que, por motivo da baixa remuneração, ocorre a necessidade da procura por um complemento
salarial.
Ha quanto tempo está desempregado
56%
15%
15%
7%7%
até 6 meses
de 7 meses à 1anoaté 2 anos
até 3 anos
Procurando 2ºemprego
Gráfico 9
A questão “Possui algum tipo de renda?” apresentou dados interessantes, ou melhor,
alarmantes. O que podemos notar no gráfico 10 é que 39% dos sujeitos não possuem nenhum
tipo de renda, o que suscita questionamentos acerca de como essas pessoas vivem.
Possui algum tipo de renda?
18%
14%39%
7%
3%
3%
7%
3% 3%3%
Aluguel de uma casaAuxílio-alimentaçãoAvósBicos/freelance Esposo/maridoNãoPais PensãoSeguro-desempregoTrabalho
Gráfico 10 Após a pergunta acima, a questão feita foi sobre o recebimento de algum tipo de
programa social, já que a maioria das pessoas não tem nenhuma renda, levantamos a hipótese
de que essas poderiam receber alguma “ajuda” do governo, porém o que constatamos foi o
contrário, 77% dos entrevistados não recebe nenhum tipo de programa social.
92
Você é contemplado com algum tipo de programa social?
77%
4%
4%
11%4%
Não
Auxílio-alimentação – 1
Bolsa escola
Bolsa família
Minha filha recebe leiteem pó da prefeitura
Gráfico 11
Sendo assim, com a pergunta sobre qual é a renda familiar, quantas pessoas dependem
dessa renda e de onde vem, pudemos esmiuçar um pouco mais a questão de como essas
pessoas vivem.
No gráfico 12, apresentamos de onde vem a renda familiar, e os dados nos mostraram
que a maioria passa a ser dependente de algum familiar, principalmente pais, esposo e esposa.
Outro dado muito interessante e que confirma o que foi dito na discussão sobre o desemprego,
é que com a falta de emprego estável, muitos estão fazendo “bicos” ou “freenlancer”, ou seja,
o trabalho precário sendo a principal fonte de renda dos sujeitos.
De onde vem a renda?
22%
16%
11%11%8%
5%
5%
5%
11%
3%
3%
Pais
Esposo/Esposa
Avós
Bicos/Freelance
Irmã
Empresa família
Trabalho próprio
Outros familiares
ProgramasSociaisPensão
Aluguel de umacasa
Gráfico 12
O gráfico 13 apresenta uma média do valor dessa renda, podemos notar que há um
grande distanciamento entre o menor e o maior valor, inclusive aparecendo um sujeito que diz
93
que não tem renda alguma. Aqui podemos ver mais claramente quão preocupante é a questão
da renda.
Valor da renda familiar
4% 4%
18%
18%
17%
31%
4% 4%
Sem renda
R$100,00
R$350,00
R$400,00 àR$500,00R$800,00 àR$900,00R$1000,00 àR$2000,00R$2000,00 àR$3000,00R$6000,00
Gráfico 13 O gráfico 14 é um complemento dos gráficos anteriores já que mostra a quantidade de
pessoas que sobrevivem da renda.
Quantas pessoas dependem?
11%
36%
19%
19%
11%4%
2 pessoas3 pessoas4 pessoas5 pessoas6 pessoas8 pessoas
Gráfico 14
2. Análise das Questões Sobre Expectativa e Esperança
Na perspectiva dialética, na qual nos embasamos, qualquer fenômeno a ser apreendido
por uma análise deve ser considerado em seus vários aspectos, pois a sua manifestação
empírica é apenas um dos momentos da sua realização efetiva. Conseqüentemente, nas
94
atividades psicológicas temos que entender as funções que cada fenômeno pode desempenhar
nas atividades concretas. Para tanto é necessário considerar, além do organismo, as suas
gêneses nas condições externas da vida, primeiramente, na vida social, nas formas histórico-
sociais da existência do homem.
Neste caso, partimos do discurso sobre esperança e expectativa dos desempregados à
procura de emprego, para conhecer os processos afetivos e de pensamento realizados por cada
um deles acerca desta procura e das emoções esperança e expectativa.
Não determinamos nenhum critério específico para a escolha dos entrevistados, exceto
o de estarem procurando emprego na Agência de Intermediação de Mão-de-obra da FUNSAT
(Fundação Social do Trabalho). As entrevistas foram realizadas no próprio local, com as
pessoas que estavam esperando para serem atendidas.
As interpretações que passamos a apresentar são explicitações dos aspectos mostrados
pela análise gráfica que realizamos dos discursos dos desempregados entrevistados. Nesta, a
distribuição dos discursos nos gráficos nos mostrou que os discursos se organizavam pelo
desdobramento na linguagem verbal oral das idéias que em suas consciências representavam e
orientavam as suas atividades e ações relativas às suas condições de trabalhadores
desempregados.
Não ignoramos os elementos inconscientes que participam nestas representações e nas
suas manifestações sob a forma de sentidos. Entretanto, nos ateremos aos elementos
conscientes uma vez que é neste âmbito que a Teoria Psicológica Sócio-Histórica e os aportes
sociológicos e filosóficos que utilizamos melhor nos embasam. Também, porque, uma vez
explicitados pela Análise Gráfica, os núcleos da consciência e seus movimentos implicados
nos Sistemas Psicológicos Superiores, temos elementos suficientes para a apreensão das
características e Funções afetadas e organizadas pelos elementos psicológicos que compõem
as categorias Esperança e Expectativa.
Portanto, destacamos que por ser a partir da atividade do indivíduo que a relação entre
o significado e o sentido das suas relações com o mundo se estabelecem, para então formar a
consciência, iniciamos pelo núcleo que representa a atividade. Esta quando se mostra
vinculada à procura por emprego tem o sentido de “estar desempregado” muito presente. Este
sentido tem implicações profundas para a consciência dos sujeitos, já que estes se percebem
como fracassados e incapazes por não “estarem empregados”, o desemprego é tomado como
decorrente de suas características individuais, quando sabemos que não o é. O desemprego é
condição social, deve-se à forma de ordenamento da produção, ou seja, não é condição
psicológica.
95
Até hoje, a Psicologia tem considerado o homem como parte de grupos sociais que
constroem sua identidade e, assim, sua consciência. Um dos principais grupos sociais que tem
sido estudado é o de trabalhadores, sendo este considerado um mediador fundamental para a
constituição da subjetividade dos indivíduos. Porém, como se estabelecem as características
psicológicas dos homens que já não podem trabalhar? Esta é uma questão que ainda não tem
uma resposta exata, é preciso que muitos estudos sejam feitos sobre esse “novo” homem, que
está inserido em um novo contexto social, histórico e econômico: o do desemprego
permanente.
Antes de apresentarmos questões mais específicas sobre cada uma das emoções
abordadas na pesquisa – esperança e expectativa – fizemos uma pergunta mais ampla para que
pudéssemos analisar quais eram os motivos pelos quais as pessoas teriam (ou não) esperança
ou expectativa de conseguir um emprego.
A pergunta apresentada era: “Você tem expectativa ou esperança de conseguir um
emprego? Por que?”. Cem por cento dos entrevistados responderam que sim, porém os
motivos foram diferentes, sendo os principais: precisar trabalhar (necessidade), ter
qualificação e/ou experiência para conseguir um emprego, e para não desanimar.
Com relação às necessidades que podem ser satisfeitas com a obtenção do emprego,
apareceram especificamente: ajudar os avós, sustentar os filhos e morar sozinha.
Um aspecto muito evidente nas respostas dos entrevistados é referente às suas
capacidades individuais. A análise gráfica mostrou que eles se entendem como responsáveis
por conseguir um emprego, alguns chegaram a dizer que: “há vagas e que preciso apenas
correr atrás”. Nestas falas podemos perceber o significado social, divulgado pela ideologia
neoliberal, já discutido anteriormente no capítulo sobre desemprego, foi interiorizado e
tornou-se a forma dessas pessoas perceberem o mundo e a si mesmas, ou seja, passou a
integrar as suas consciências. Nesta condição o sentido afetivo que exprimem são de perda de
valor de si próprios, se culpabilizam e atribuem-se a responsabilidade pela suas condições
sociais. Estas características, implicam em baixo tônus emocional para qualquer atividade e,
conseqüentemente, vão influenciar na esperança e expectativa de buscar e encontrar um
emprego.
As perguntas feitas eram relacionadas à emoção dos entrevistados e sabemos que é
muito difícil falarmos sobre as nossas emoções, expressá-las através de palavras, por este
motivo tivemos algumas respostas nas quais os sujeitos respondiam “sei lá” ou “não sei”.
Outros dois aspectos foram relacionados como motivos da busca por um emprego são
eles: sorte e fé/confiança em Deus. Como dito no capítulo anterior, a religião está presente nos
96
discursos atuais, também influenciando o sentido que as pessoas têm do mundo em que vivem
e da realidade na qual estão inseridas.
Com base nesta introdução, nos dados qualitativos e na teoria em que nos baseamos
faremos a análise de quatro perguntas feitas aos entrevistados, estas específicas sobre as
emoções pesquisadas.
6.1. Análise sobre a Expectativa
As questões relacionadas a essa emoção são: “O que é expectativa para você?” e
“Descreva como você sente essa expectativa”. Os dados foram analisados graficamente a
partir de cada resposta dada para ambas perguntas.
Ao buscarmos entender a expectativa a partir da experiência dos desempregados,
tentamos apreender como esta era entendida e sentida pelos desempregados. Com os dados
analisados graficamente, pudemos entender que era percebida como sensações que compõem
sentimentos, só depois que se esforçavam para nos responder é que a nomeavam configurando
uma emoção.
Estas respostas dos entrevistados são encontradas expressas em significados sociais,
pois as palavras que as nomearam foram buscadas na descrição que apresentaram, baseadas
em seus conhecimentos sobre como descrever o que percebem em si, portanto na cultura. Por
isso, podemos afirmar que, apesar dos discursos aqui analisados terem sido recolhidos
individualmente, eles são próprios do grupo que os dados de identificação, apresentados no
capítulo anterior, configuraram como aquele que contém os atuais trabalhadores sem emprego
em Campo Grande.
São estes aspectos sociais que nos permitiram agrupar os núcleos de consciência
revelados e, apoiarmos-nos nos significados comuns aos sujeitos que constituem o grupo de
desempregados e, que por estarem culturalmente elaborados, também, nos possibilitaram
entendê-los.
A partir das respostas coletadas para a pergunta o que é expectativa, tivemos como
principais núcleos organizadores do discurso e, conseqüentemente expressões dos aspectos
psicológicos que os orientam, as seguintes palavras: expectativa, é, eu, esperança, conseguir.
Apoiada nas descrições dos processos de pensamento e emoção elaboradas pela Teoria
Psicológica Sócio-Histórica, nas quais entende-se que o pensamento é a interiorização das
atividades de organização da realidade para a solução de problemas através de signos, que
permitem transformar o diálogo social em monólogo subjetivado e, conseqüentemente,
97
sintetizado, já que não precisamos perguntar e responder à nós mesmos e; considerando que
as emoções são a combinação de relações que surgem durante a vida, suas diferenciações e
inter-relações com os processos intelectuais se dão no decorrer do processo ontogenético, bem
como são os principais componentes avaliativos, que valoram determinadas necessidades;
podemos já afirmar que a expectativa é diferenciada da esperança pelos sujeitos envolvidos,
bem como está relacionada intimamente à estes sujeitos conseguirem algo.
Portanto, a análise gráfica mostra que na consciência não há respeito pelas regras
gramaticais (conhecimento internalizado dos princípios e regras de uma língua particular) na
idéia que se elabora durante o processo do pensamento e, conseqüentemente, os núcleos
principais nos permitem interpretar o enunciado em uma linguagem desdobrada como sendo:
expectativa é eu (ter) esperança (de) conseguir.
O primeiro núcleo que analisamos é “conseguir”, o qual se refere a encontrar um bom
emprego e a estudar. Neste momento, cabe ressaltar que podemos nos remeter ao significado
social que vem sendo sistematicamente elaborado e divulgado como discurso social e
individual apoiada em dois aspectos fundamentais da ideologia do neoliberalismo: a) o papel
da escolaridade, a qual tem sido considerada como uma garantia de emprego; e b) a
responsabilização do indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso no mercado de trabalho.
Diante desses dois pontos podemos ver que os trabalhadores desempregados estão
interiorizando esta ideologia neoliberal, e a reproduzem em seus discursos ao definirem a
expectativa como conseguir estudar ou, como um dos entrevistados relata: “É esperança de
conseguir um bom emprego, poder continuar a estudar, fazer uns cursos”. Socialmente e,
conseqüentemente, expressa como significado da realidade enunciada nos discursos, a
escolaridade tem se tornado uma justificativa tanto para ocupar os trabalhadores
desempregados, quanto para convencê-los de que não conseguem emprego por não terem o
nível de escolarização necessário. É neste momento que a questão do estudo une-se à
responsabilização, que dissemina a idéia de que o sucesso ou fracasso de cada indivíduo
depende somente dele, assim, se ele não consegue um emprego, a culpa por isto é dele, que
não se esforça o bastante para obter um bom emprego, na fala “Fazer cursos, ter mais
agilidade em alguma área, se habituando com o mercado de trabalho” isso fica evidente.
Diante disto o indivíduo se percebe desamparado por todos os seus vínculos, já que
depende única e exclusivamente de si mesmo para obter o que necessita. O sentido nestes
discursos refere-se à adaptação pela qual o sujeito precisa passar, especialmente em relação
aos aspectos psicológicos, o que tem sido cada vez mais exigido para que esteja empregado. O
que motiva esses sujeitos a procurarem emprego é a necessidade que está carregada de motivo
98
pessoal, como sustentar os filhos e encontrar alguma coisa boa (emprego bom) para poder se
sustentar e “ser alguém na vida”. Apesar de nenhum dos entrevistados ter usado
especificamente essa frase, é possível notar que eles querem ser “encaixados” – “É como uma
esperança, como que surgisse alguma coisa que eu me encaixasse dentro dela” – na
sociedade, uma necessidade de ser incluído, já que o desemprego os exclui de tudo o que
estão acostumados, por exemplo, não freqüentam os mesmos lugares ou não fazem as mesmas
coisas por não terem dinheiro, não têm amparo nenhum do governo (exceto os poucos que
recebem algum tipo de programa social), e muitos estão sendo sustentados por familiares, o
que implica em sentimentos de inutilidade e incapacidade.
Quando falamos em esforço voltamos à definição dada pela “Teoria das Expectativas”
de Victor Vroom (1967), na qual a expectativa consiste na percepção de quanto esforço
conduz aos resultados esperados, percebemos que esta definição é corroborada pelo discurso
dos entrevistados. Duas das falas são muito interessantes, pois coincidem com este aspecto:
“É o interesse da gente, correr atrás (...)” e “Para mim é ter esperança, ter vontade”.
Os entrevistados são trabalhadores desempregados que estão à procura de emprego e
foram questionados sobre suas emoções frente a essa procura, sendo assim a relação entre a
expectativa e conseguir um emprego já era esperada por se tratar de um grupo específico que
foi abordado em um local, também específico, de procura de vagas de trabalho.
Outra resposta que estava sendo esperada é “Sei lá” pois como já dito anteriormente,
as pessoas em geral têm muita dificuldade em expressar suas emoções através de palavras,
assim, ao serem perguntadas sobre estas não conseguem responder.
Em contraposição ao fato de ser preciso cada vez estudar mais para conseguir um
emprego, aparece também o fato de que por terem experiência, por saberem fazer, vão
encontrar um bom emprego. Temos então uma contradição, pois, por um lado, há a
necessidade de melhorar, se aperfeiçoar, se “qualificar”, mas por outro já tem experiência,
sabe fazer.
Essa contradição é desconhecida do sujeito e depende do sentido que atribui para que
se atenham em um ou outro aspecto, já que são suas experiências anteriores que vão
determinar que tipo de relação o sujeito vai estabelecer com a realidade em que está inserido.
Desta forma o empregado só conhece um dos aspectos desse antagonismo e se torna alienado,
permitindo assim que seja manipulado e acate as explicações oferecidas para o “seu”
desemprego. Através dos dados coletados pudemos perceber que a maioria dos
desempregados se identifica mais com o fato de não ter a qualificação necessária.
99
Sendo o pensamento é um dos mediadores fundamentais da atividade humana, com o
qual o homem é capaz de planejar sua tarefa, assimilar os princípios abstratos de sua solução,
transmitir a estratégia de sua atividade apoiando-se em signos de linguagem tornando seus
planos de ação livres da situação imediata e da solução prática. A representação gráfica nos
traz o fato de que a expectativa também é um planejamento para acontecer algo positivo, isso
é muito importante para os desempregados já que precisam passar do plano sensorial,
discriminar os elementos da realidade e formular soluções e, ainda fazer conclusões sobre a
situação em que está envolvido.
A expectativa é relacionada também à espera de algo bom, positivo, relacionada ao
sonhar. É uma expectativa de um futuro bom, confiança de que algo vai dar certo, acreditar
que vai conseguir.
Nesta primeira pergunta, apenas dados positivos foram relatados pelos entrevistados,
porém ao ser pedido que descrevem como sentem essa expectativa, as manifestações físicas e
o sofrimento foram evidenciados.
Com base nas respostas obtidas à esta questão, os principais enunciados foram: eu,
sinto, não, fico, ansiedade. O que interpretado ficaria: eu sinto, não fico ansioso. A maioria
dos entrevistados colocou como principal sensação a ansiedade, o que envolve manifestações
físicas tais como taquicardia, sudorese, agitação, entre outros. A partir da análise gráfica do
discurso percebemos que a ansiedade aparece como um estado de não normalidade, ou
anormalidade, tensão, desespero, nervosismo. Este estado também é uma negação, já que
apesar de caracterizarem as sensações, relatam que não sabem dizer ou explicar como sentem
a expectativa.
A apresentação dessas características negativas da expectativa se contrapõe com
aspectos positivos como “acredito e sempre vou animado procurar”. Encontramos aqui,
também, referências à escolarização e à um futuro melhor, sonho em poder dar mais aos
filhos.
A relação entre e conseguir um emprego e poder sustentar os filhos ultrapassa o
significado e tem um sentido muito específico, pois sustentar os filhos é o principal motivo de
precisarem de um emprego e procurarem por ele. Mostra-se que a importância dada à prole é
muito maior do que a dada a si mesmo.
Neste momento, encontramos na análise gráfica também uma referência à “morte sem
luta”, temos aqui uma grande demonstração do sentido que os trabalhadores desempregados
atribuem à atividade de procura de emprego, o enunciado seria: “eles exigem morrer sem
lutar”. Podemos crer que a palavra eles refere-se aos empregadores e ao governo, que têm
100
exigido dos trabalhadores que fiquem cada vez mais só na “espera”, como eles mesmo dizem,
sem que façam nada para mudar sua situação, porém, se estão em uma luta, a morte é certa
quando não se toma nenhuma atitude.
Ainda considerando a questão da luta, é relatada a confiança que se deve ter na vitória,
pois há esperança de se conseguir algo. Em um dado momento nos deparamos com: há,
existe, tem, esperança, demais, esses enunciados mostram a ênfase de que realmente a
esperança está presente nos entrevistados.
6.2. Análise sobre a Esperança
As questões relacionadas a essa emoção são: “O que é esperança para você?” e
“Descreva como você sente essa esperança”. Os dados foram analisados graficamente e serão
interpretados a partir de cada resposta dada para ambas perguntas.
Assim como a expectativa, ao buscarmos entender a esperança a partir da experiência
dos desempregados, tentamos apreender como esta era entendida e sentida pelos mesmos.
Pudemos entender, com os dados analisados graficamente, que também era percebida como
sensações que compõem sentimentos.
Relembrando, apesar dos discursos aqui analisados terem sido recolhidos
individualmente, eles são próprios do grupo que os dados de identificação, apresentados no
capítulo V, configuraram como aquele que contém os atuais trabalhadores sem emprego em
Campo Grande, o que nos permitiram agrupar os núcleos de consciência revelados e,
apoiarmos-nos nos significados comuns para fazer esta análise.
As respostas coletadas a partir da pergunta o que é esperança, nos deram como
principais núcleos organizadores do discurso as seguintes palavras: é, esperança, eu, não,
acreditar. Com base na teoria na qual nos embasamos e nos seus conceitos de pensamento e
emoção, podemos reafirmar que a expectativa é diferenciada da esperança pelos sujeitos
envolvidos, sendo esta última também relacionada ao fato de acreditar.
Não há respeito pelas regras gramaticais na idéia que se elabora durante o processo do
pensamento e, portanto, os núcleos principais nos permitem interpretar o enunciado em uma
linguagem desdobrada como sendo: é, esperança (é) eu não (desistir), acreditar.
A esperança em Hobbes está intimamente ligada àquilo que se almeja, que se quer, ela
é derivada do desejo de se conquistar algo, seguido de uma expectativa de bem. Ele afirma
que, no homem, movimentos internos aliados à crença de conseguir algo, é esperança. Sendo
assim, as respostas relatadas e a teoria estão relacionadas, já que o principal aspecto da
101
esperança percebido no discurso dos trabalhadores desempregados é a crença, acreditar que
vai conseguir algo, em um futuro melhor, na felicidade; isto se evidencia no fato da fé
permear esses discursos, sendo citada muitas vezes.
Uma outra frase muito falada foi o ditado popular “a esperança é a última que
morre”. Com relação à esse enunciado, duas observações precisam ser feitas: a primeira
refere-se ao fato de, por ainda estarem elaborando a resposta internamente, dizem esse ditado
como uma forma de ter um pouco mais de tempo para terminar sua idéia e poder responder a
pergunta; outra observação é referente ao fato de que, pela esperança ser considerada uma
crença, ela realmente “nunca morre”, ou seja, ela está intrinsecamente ligada às emoções do
sujeito e ao seu modo de ver e pensar o mundo e a si mesmo.
Relaciona-se a esperança também ao fato de não desistir e não desanimar, mesmo que
às vezes seja difícil. Ter paciência, “garra”, vontade, são características psicológicas que os
indivíduos citam como sendo parte dessa crença que é a esperança.
Aqui também aparece, mas em menor grau do que com relação à expectativa, a
esperança como conseguir um emprego.
Quando pedimos que descrevam como sentem essa esperança, temos como principais
enunciados: eu, sinto, esperança, conseguir, fé, ou seja, eu sinto esperança (de) conseguir,
(sinto) fé.
Novamente aparecem as questões paciência, desânimo, vontade, felicidade e fé.
Porém, à estas são acrescentadas a ansiedade e a confiança. A ansiedade foi o único tema que
tem mais claramente expressos suas manifestações físicas e o sofrimento por ela causado.
Mas, mesmo assim, os aspectos que predominam são positivos, como os já descritos
acima e, agora, a confiança. Hobbes define confiança como “a paixão que procede de crença
de quem tem expectativa de bem, ou de quem espera o bem”, ou seja, da esperança.
Porém, apesar de todos os pontos positivos abordados no discurso, essa pergunta teve
o maior número de respostas do tipo “não sei explicar”. Entendemos que, por se considerar
uma crença, fique ainda mais difícil para os sujeitos descrevem seus sentimentos em relação à
esta.
Fica evidente nas questões sobre esperança (mais do que nas sobre expectativa)
características psicológicas e emoções dos sujeitos. Pelas respostas podemos perceber que a
esperança está mais distante da questão do emprego e mais ligada a vida em geral.
102
CONCLUSÃO
O desenvolvimento dos temas acerca do desemprego e da consciência e a análise dos
dados coletados nos permitiram entender como as emoções “esperança” e “expectativa”
influenciam os trabalhadores desempregados na sua busca de emprego. Através dos seus
discursos foi possível identificar os elementos da consciência, bem como a influência social
sobre a mesma.
Em síntese, esse trabalho se propôs a compreender as emoções dos desempregados a
partir da Teoria Sócio-Histórica e de teorias específicas sobre a esperança e a expectativa.
Podemos já de início dizer que este trabalho é apenas o começo de um longo caminho
a ser percorrido, já que pouco tem sido estudado sobre a subjetividade do trabalhador
desempregado. O que encontramos são estudos econômicos e sociais sobre a estrutura da
sociedade e o modo de produção, porém muito pouco se conhece dos aspectos psicológicos
desse homem, que não tem mais o trabalho como atividade principal, ou então, cujo trabalho
já não é mais estável e suficiente para sua subsistência.
Fizemos uma grande pesquisa bibliográfica para embasar este trabalho e nos
deparamos com a pouquíssima produção concernente às emoções tratadas aqui. Sobre a
esperança, não encontramos estudos significativos e, portanto, tomamos como base a
filosofia, a qual ao tratar das paixões aborda a esperança e dá apoio para a análise psicológica
feita nesta pesquisa.
Com relação à expectativa, foi ainda mais difícil encontrar algo que nos possibilitasse
um bom embasamento teórico. Encontramos a Teoria das Expectativas, que está mais
relacionada ao campo da administração, por se tratar de uma teoria relativa à motivação no
trabalho. Porém, tivemos contato com o trabalho de Lúcia de Oliveira Borges e Antônio
Alves Filho, que usaram esta teoria como pano de fundo para uma pesquisa área de Psicologia
Organizacional e do Trabalho.
Preocupamo-nos em, no desenvolvimento do trabalho, apresentar uma
contextualização das características das sociedades e dos modos de produção de cada uma
para conhecermos as determinações que fazem com que o desemprego seja o maior problema
econômico atual. Mas não só econômico, o desemprego acarreta uma série de implicações na
consciência dos indivíduos, já que o trabalho é um dos seus mediadores fundamentais.
Ao consideramos todos os componentes citados ao longo do texto, percebemos que o
processo de constituição da subjetividade é transformado conforme as mudanças que ocorrem
na estrutura de trabalho da sociedade.
103
Apesar de serem poucos os estudos psicológicos sobre o desempregado, alguns dados
obtidos até o momento permitem afirmar que o desemprego tem acarretado alterações nos
planos material e subjetivo. Neste, a principal alteração é a orientação do pensamento,
comportamento e relações afetivo-emocionais pela expectativa da solução do desemprego nos
próximos dias, o que leva a um constante adiamento das realizações, soluções e
conseqüentemente a manutenção de um permanente estado e tensão que também participa da
determinação das condições atuais em função do futuro.
Este trabalho procurou tratar principalmente das emoções desses desempregados, mais
especificamente da esperança e expectativa, procurando apreender como os sujeitos sentem e
entendem as mesmas e como as percebem durante o período de procura pelo emprego.
Utilizamos a análise gráfica do discurso por pensar que ela permite um maior
entendimento do discurso, bem como do sentido e significado nele encontrados. Esse tipo de
tratamento dos dados nos permitiu perceber claramente como o emprego é necessário à vida
das pessoas, não só por causa da remuneração, mas pelas implicações na sua consciência.
Notamos também que as emoções estudadas são base para a procura por emprego do
indivíduo, pois são elas que possibilitam ao indivíduo “acreditar” que vai “conseguir”.
Sabemos que os discursos ideológicos da igreja e do neoliberalismo estão sendo muito
difundidos. Através desta pesquisa pudemos constatar e (re)afirmar que eles predominam na
forma do sujeito perceber a si mesmo e o mundo.
Pudemos perceber, então, que a supremacia não é do sentido e sim do significado
devido os discursos neoliberais e religiosos que permeiam as falas dos sujeitos. Assim,
podemos dizer que as consciências desses sujeitos têm sido embotadas, pois o social é tomado
como individual.
104
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107
ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa sobre a expectativa e a
esperança dos desempregados e terá total liberdade para decidir se quer participar ou não.
Leia atentamente este termo e pergunte ao responsável qualquer dúvida que tiver. Este estudo
está sendo conduzido por Priscilla Bolfer Moura, sob a orientação da Professora Doutora
Inara Barbosa Leão.
Esta pesquisa está sendo feita como Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e tem como objetivo estudar a expectativa e a
esperança dos trabalhadores desempregados como motivadoras para a procura de emprego.
Participarão do estudo 50 trabalhadores desempregados que procuraram a agência de
intermediação da FUNSAT (Fundação Social do Trabalho) para obter emprego. Esse estudo
será feito nos meses de março a maio, e o resultado será divulgado em junho.
Você será solicitado a responder algumas questões relacionadas à expectativa e
esperança na procura por emprego. A entrevista será feita em, no máximo, 30 minutos. Sua
participação é totalmente voluntária, você pode escolher se quer participar ou não, e desistir a
qualquer momento. Se concordar em participar, seu nome e identidade serão mantidos em
sigilo, somente o pesquisador, o orientador e a equipe de estudo terão acesso às suas
informações. A menos que requeridas por lei e se necessário, o Comitê de Ética e inspetores
de agências regulamentadoras do governo também terão acesso para verificar as informações
do estudo.
Você receberá uma via assinada deste termo de consentimento. Para perguntas ou
problemas referentes ao estudo ligue para 3345-7890 – Coordenação do Curso de Psicologia
da UFMS – ou para 3345-7585 – Departamento de Ciências Humanas.
Declaro que li e entendi este termo de consentimento e todas as minhas dúvidas foram
esclarecidas, e que sou voluntário a tomar parte neste estudo.
Nome do Voluntário: _________________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________ Data: ________________
Telefone (s) para contato: ______________________________________________________
Pesquisador: ____________________________________________ Data: _______________
108
ANEXO II – ENTREVISTA
I. IDENTIFICAÇÃO DO PESQUISADOR:
Pesquisador
Responsável:_______________________________________________________________
Número deste instrumento para o Pesquisador: ________.
Número deste instrumento para a pesquisa: ________ .
Data da aplicação: ______/_____/_____
II. IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
Nome: _____________________________________________________________________
Estado Civil: _______________ Idade: ___________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Tem algum dependente: ( ) Sim ( ) Não Quantos: ____ Quem:_______________________
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental incompleto / Até que série: _______________________
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Profissionalização básica / Qual: ____________________________________
( ) Ensino Médio incompleto / Até que série: _____________________________
( ) Ensino Médio completo
( ) Ensino Técnico profissionalizante / Qual? _____________________________
( ) Ensino Superior incompleto / Qual?: __________________________________
( ) Ensino Superior completo / Qual?: ___________________________________
( ) Pós-Graduado / Qual: _____________________________________________
( ) EJA / Até que série: ______________________________________________
Se parou, por quê?____________________________________________________________
III. SITUAÇÃO DE DESEMPREGADO
1. Há quanto tempo você está desempregado: _______________________
2. Possui algum tipo de renda (sobrevive do que?): __________________________________
109
3. Você é contemplado com algum tipo de programa social, tais como: Bolsa escola; Vale
gás? _______________________________________________________________________
4. Qual é a renda familiar, de onde vem essa renda?__________________________________
___________________________________________________________________________
IV. EXPECTATIVA E ESPERANÇA
1. Você tem expectativa ou esperança de conseguir um emprego? ( ) Sim ( ) Não. Por quê?_
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. O que é expectativa para você?________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3. Descreva como você sente essa expectativa: _____________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. O que é esperança para você?_________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. Descreva como você sente essa esperança: _______________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
110
ANEXO III – DESCRIÇÃO DAS RESPOSTAS
1. Você tem expectativa ou esperança de conseguir um emprego?
Número do questionário Sim Não Transcrição da resposta
01 X Porque preciso e gosto de trabalhar.
02 X Porque “tô” qualificado para as vagas que estou verificando.
03 X É melhor, tenho esperança. Tem muita concorrência, mas sempre tem que ter esperança.
04 X Porque quando a gente tem esperança alguma coisa muda dentro da gente. Tem que ter esperança, ta difícil, mas tem que ter esperança.
05 X Qualquer um. Um dia a gente consegue, não pode ficar parada. Pra ajudar a manter a renda da casa.
06 X Muita, além de precisar, já trabalhei nessa área que “tô” querendo me candidatar, administrativo.
07 X Porque “a esperança é a última que morre”! só que o desânimo também é muito grande.
08 X Porque a gente não pode desanimar, porque senão não arruma mesmo, ta difícil.
09 X Porque um dia vou ter sorte.
10 X “Esperança é a última que morre” e pela experiência, conta bastante também.
11 X Pra poder ajudar eles (avós).
12 X Porque eu tenho experiência, não vou escolher uma coisa que não seja minha área, que eu não gosto.
13 X Porque sim.
14 X Com certeza! Porque preciso trabalha, tenho uma filha criar.
15 X Porque eu preciso.
16 X Porque eu sempre tenho esperança, porque confio em Deus.
17 X Porque eu to precisando. 18 X Porque eu tenho fé. 19 X Ah! Não sei! Porque tem bastante vagas.
20 X Ah! Sim! Tenho sim, bastante. Porque quando sai cedo de cada sempre tem esperança de voltar empregado pra casa.
21 X
Porque, tipo assim, fiquei mais parado porque tinha seguro-desemprego e tava viajando com meu cunhado, agora que eu parei tem que procurar emprego fixo. Minha intenção é mora sozinho, aí tem que trabalha.
22 X Porque eu creio que tem emprego, basta a pessoa ir atrás, corre atrás.
23 X Porque eu sei que um dia vai aparecer um emprego pra mim. Não pode desistir, porque não tem como cair
111
emprego do céu pra mim. 24 X Tem que te né? 25 X Porque eu acho que sou capaz, apesar do pouco estudo.
26 X Porque esse último, que to trabalhando, consegui por aqui.
27 X Tem que ter, porque se pensar de outra forma fica difícil.
2. O que é expectativa para você?
Número do questionário Transcrição da resposta
01 Para mim é ter esperança, ter vontade.
02 É a espera de algo que você acha que é bom pra você, de algo que venha te beneficiar.
03 É esperança de conseguir um bom emprego, de poder continuar a estudar, fazer uns cursos.
04 É uma esperança, que vai acontecer. 05 É uma esperança de conseguir um emprego. 06 É uma esperança. 07 É de conseguir um emprego logo, algo melhor.
08 É o interesse da gente, correr atrás, sempre pensar positivo, planejamento.
09 É uma esperança, uma oportunidade. 10 Você ter alguma coisa bem estruturada em vista. 11 Você realizar algo que vem sonhando, sonhando em adquirir. 12 É uma espera, espera com esperança, uma hora chega. 13 Sei lá. Preciso trabalha. 14 É a esperança de um futuro melhor. 15 É esperar, é ter certeza de que vou conseguir.
16 É você acreditar que você vai conseguir, não pensar que não vai dar mais.
17 Conseguir um bom emprego naquilo que eu sei fazer. 18 É confiança de que vai conseguir. 19 (...) Tipo esperança, uma coisa assim.
20 É eu chega na agencia de emprego e ter uma vaga e torce pra tudo da certo pra mim entra na vaga.
21 Ah! Uma esperança, arrumar um emprego rápido. 22 Expectativa? Expectativa pra mim é aguarda, espera.
23 Ah! Fazer cursos, ter mais agilidade em alguma área, se habituando com o mercado de trabalho.
24 Esperança.
25 É como uma esperança, como que surgisse alguma coisa que eu me encaixasse dentro dela.
26 É esperança de melhorar.
27 A esperança de conseguir algo, eu tenho expectativa de conseguir um bom emprego.
112
3. Descreva como você sente essa expectativa:
Número do questionário Transcrição da resposta
01 Sinto assim, uma ansiedade, sei lá. 02 Ansiedade, muita ansiedade.
03 Sinto que é difícil pra mim, agora no começo, a morar aqui, não tenho conhecido.
04 Cada dia correndo atrás e buscando, uma hora vai acontecer. 05 Nem sei te explicar... Não consigo explicar. 06 Fico mais no aguardo, antigamente ficava mais ansiosa. Fico torcendo. 07 Não sei como explicar... Está na procura mesmo.
08 Não sei dizer. Quando não consegue, fica triste, às vezes desanima, aí vem a vontade de trabalhar, aí a gente não desiste.
09 Sinto muita ansiedade, aflição. 10 Bastante apreensivo. 11 Fico ansioso, tensão. 12 Não to desesperada, eu quero alguma coisa que seja da minha área. 13 Não fico ansiosa, nem nervosa, fico normal.
14 Acho que muita ansiedade e sonhando sempre, que vou poder dar um futuro melhor para as minhas filhas.
15 Você sente mais animado a procurar.
16 Acredito que me esforçando, fazendo curso, ta me aperfeiçoando para entrar. É perseverar, lutar. Sinto que há uma esperança, não existe vitória sem luta e aí alcança a vitória. Tem que confiar em você.
17 É difícil, mas “a esperança é a última que morre”. Conseguir o emprego a gente consegue, mas nunca é como a gente quer, as pessoas exigem demais da gente.
18 Me sinto confiante, uma esperança que vai conseguir. 19 Fico ansiosa, muito ansiosa. 20 Me sinto empolgado, da vaga ta disponível, esperando. 21 Tranqüilo, não fico preocupado. 22 Me sinto bem. 23 A hora que to fazendo curso eu sinto que eu vou conseguir. 24 Tranqüilo.
25 Sinto assim, se o empregador assim, me desse o emprego pra depois analisar se eu sou capaz.
26 Só no dia-a-dia. 27 Cansada, ficar esperando, aguardando, chega a dar desânimo.
4. O que é esperança pra você?
Número do questionário Transcrição da resposta
01 Você acreditar que algo vai acontecer na sua vida. 02 É esperar coisas boas, espera de ter felicidade no futuro. 03 Ter paciência, não desistir. 04 Que um dia as coisas possam melhorar, que possa conseguir.
113
05 É conseguir o que deseja, um emprego.
06 “É a última que morre” (rs). Alguma coisa que pode se realizar para ter uma vida melhor, trabalhar no que gosta.
07 É não desanimar, saber que vai alcançar.
08 Acho que é aquela vontade, garra de conseguir alguma coisa, de progredir.
09 Uma chance porque “a esperança é a última que more”. Se não tem esperança como vou conseguir alguma coisa?
10 Arrumar alguma coisa, um emprego fixo, estabilizar. 11 Esperança que vou conseguir, vou realizar, correr atrás. 12 É sorte. 13 Se a gente não tiver esperança a gente desanima. 14 É acordar todos os dias e acreditar que vai ser melhor. 15 É que vou conseguir, não vou desistir, tentar até conseguir. 16 É você acredita que você pode, que vai conseguir. 17 É você ter fé que você vai conseguir. 18 Acredito que seja uma fé, não sei explicar. 19 É espera algo que aconteça. 20 A esperança pra mim é de tá empregado. 21 Ah! Sei lá! Não sei dizer, assim fica difícil (rs). 22 Esperança? É acreditar que algo irá acontecer. 23 Esperança não pode acabar. 24 É tudo. Pessoa sem esperança não é nada. 25 É isso que a gente sente, não tem como descreve. 26 É não desisti. 27 É algo bom, que fortalece, ânimo pra continuar.
5. Descreva como você sente essa esperança:
Número do questionário Transcrição da resposta
01 Eu sinto vontade, uma confiança. 02 Ansiedade. 03 Sinto que vou conseguir, vou ter um pouco de paciência. 04 Sempre buscando, acreditando e nunca desistir. Poder vencer. 05 Esperança de que vou conseguir um emprego. 06 Expectativa. 07 Tá difícil porque o desânimo ta grande, tanta gente procurando emprego.08 Desinquetura, não consigo ficar parado. Vontade. 09 Me sinto feliz, alegre, esperança de que vou conseguir alguma coisa. 10 Não sei explicar. 11 Fé em Deus, esperança de conseguir. 12 Eu não tô desesperada, não vou pegar qualquer trabalho assim. 13 Fico animada, penso positivo. 14 Acho que só Deus que a gente tem pra ter esperança. 15 Às vezes quase desanima, aí aparece uma coisa, aí anima. 16 Essa esperança vem pela fé.
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17 Sinto assim, pela minha força de vontade eu não ia conseguir, mas tenho fé em Deus que um dia eu consigo.
18 Eu sou evangélica, creio que Deus não vai deixar eu perecer. 19 Fico nervosa. 20 A esperança que sinto é que talvez vou sair empregado. 21 Não ligo pra isso não. 22 Espero com fé. 23 Não desistir nunca. 24 (...) Sinto bem. 25 Hoje sinto a esperança como uma forma de sobreviver. 26 (Risos) Também é só no dia-a-dia. 27 Vamos dizer assim, pela família, no incentivo.