est 1a1 introd geral estereoquimica_texto-abrangente

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  • CCCaaappptttuuulllooo 222...111

    IIInnntttrrroooddduuuooo

    HistriaHistriaHistriaHistria Pode-se dizer que a estereoqumica nasceu com as descobertas de Biot, em 1815, sobre o efeito que certas solues de substncias qumicas exerciam sobre a luz polarizada.

    Jean Baptiste Biot (1774-1862) foi um fsico e matemtico francs que contribuiu significativamente para os avanos em geometria, astronomia, elasticidade, magnetismo, termologia e ptica1. Voc deve se lembrar da Lei de Biot-Savart de seus estudos sobre eletromagnetismo, no? A polarizao da luz um fenmeno interessante. Ao ser refletida ou ao atravessar certos meios slidos transparentes, a luz pode tornar-se polarizada: tomando dois desses polarizadores, cada um deles sendo bem transparente, e posicionando os dois em ngulo reto (um em relao ao outro), nenhuma luz atravessa o conjunto. Explica-se isto da seguinte forma: a luz consiste de uma oscilao eletromagntica (um campo eltrico e um campo magntico oscilando simultaneamente) em direes

    perpendiculares direo de propagao (d uma olhada na parte suplementar do captulo 1.2, volume 1); existem infinitas direes perpendiculares direo de propagao, e a luz comum consiste de oscilaes em todas as direes perpendiculares; o polarizador um meio que deixa passar apenas a luz que est oscilando em uma determinada direo.

    1 ptica, segundo vrios dicionrios, o ramo da fsica que estuda os fenmenos relativos luz e

    radiaes eletromagnticas de freqncias vizinhas. Tambm grafado tica. No entanto vamos evitar esta ltima grafia, porque tico um adjetivo que significa tambm relativo ao ouvido (tanto tico como ptico tm origem grega), por isso o termo com p mais preciso e menos sujeito a confuses.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    2

    Luz comum

    Luz polarizada

    "Nenhuma" luzpassa

    Polarizador

    Polarizador a 90 emrelao ao primeiro

    Oscilao em todas as direesperpendiculares direo de

    propagao

    Oscilao emapenas uma direo

    perpendicular direo depropagao

    Figura 2.1.1. Polarizao da luz

    Diz-se, desta luz que est oscilando em apenas uma direo2 perpendicular direo de propagao, que ou est polarizada. Nosso olho no detecta esta propriedade; luz polarizada ou no parecem-nos iguais. Mas a luz polarizada no atravessa o segundo polarizador da figura 2.1.1 porque ele s deixa passar luz que esteja oscilando no plano horizontal. Colocando substncias lquidas ou solues transparentes no caminho da luz polarizada, Biot mostrou em 1815 que algumas substncias provocavam um desvio, uma rotao do plano de polarizao (a luz que emergia da soluo continuava a ser polarizada, mas o plano da oscilao havia sofrido uma rotao). Uma soluo de acar, por exemplo, tem esta propriedade, mas gua pura, etanol ou metanol no tm. Mais ainda, a rotao do plano podia ser no sentido horrio ou anti-horrio. possvel medir a rotao usando um segundo polarizador mvel, que possa girar sobre o eixo de propagao da luz: girando o polarizador at que a luz se apague3, podemos medir o ngulo de rotao (desvio) do plano da luz polarizada.

    2 Evidentemente voc compreende que h duas direes envolvidas, e no apenas uma, porque a luz

    consiste de oscilaes do campo eltrico e do campo magntico em direes perpendiculares um ao outro. Estamos usando expresses simplificadas para evitar tornar o texto muito confuso. 3 Devido a uma certa disperso, a luz no se apaga completamente. Voc deve entender aqui que h

    uma posio do segundo polarizador em que a luz tem intensidade mnima, aumentando para qualquer ngulo maior ou menor do que aquele.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    3

    Substnciaopticamente

    ativa

    Mnimaluminosidade

    Figura 2.1.2. Substncia com atividade ptica Mais tarde Biot mostrou ainda que o ngulo de rotao do plano da luz polarizada era proporcional concentrao da soluo, podendo ser utilizado como um mtodo de medida de concentraes. Este mtodo foi muito utilizado mais tarde para medidas, principalmente em estudos cinticos (voc j ouviu falar da inverso da sacarose? Que tal um pouco de pesquisa bibliogrfica?)

    Louis Pasteur (1822-1895), em 1848 (ele tinha 26 anos na poca) separou os cristais de cido tartrico, mostrando que a substncia opticamente inativa que ele tinha antes era, na verdade, constituda por uma mistura de partes iguais de uma substncia dextrgira (que gira o plano da luz polarizada para a direita, ou no sentido horrio) com uma substncia levgira (que gira o plano da luz polarizada para a esquerda, ou no sentido anti-horrio). Descobriu, assim, as misturas racmicas, constitudas de partes iguais de dois enantimeros. Pasteur, muito conhecido por suas descobertas em campos mais ligados biologia (vacinas, demonstrao de existncia de micrbios, etc.) na verdade era um qumico. Seu doutorado foi sobre estudos de formas de cristais orgnicos. O cido tartrico est presente em grande quantidade nos sedimentos formados

    na fermentao do caldo de uvas para fazer vinho. Estudos anteriores mostravam que havia dois tipos de cido tartrico, um chamado simplesmente tartrico e outro chamado paratartrico ou racmico4; a composio qumica dos dois cidos era a mesma, mas suas solues apresentavam uma notvel diferena: o cido tartrico girava o plano da luz polarizada para a direita, mas o cido paratartrico era inativo, no girava o plano da luz polarizada. Contrariamente maioria dos qumicos da poca, Pasteur no se conformava em aceitar a idia de que os compostos pudessem ter a mesma composio qumica e, no entanto, se comportarem diferentemente perante a luz polarizada. Convencido de que deveria haver alguma diferena estrutural, estudou longamente e cuidadosamente os cristais de vrios sais dos cidos 4 Voc sabia que racemo, do latim racemu, significa cacho de uvas? Isto lhe d alguma idia da

    origem do termo racmico para misturas de enantimeros?

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    4

    tartricos; ao preparar o tartarato duplo de amnio e sdio, ele pde finalmente observar uma diferena notvel: os cristais provenientes do cido tartrico eram todos semelhantes uns aos outros, mas os cristais provenientes do cido paratartrico existiam em duas formas diferentes, sendo uma a imagem no espelho da outra.

    Figura 2.1.3. Reproduo simplificada do desenho feito por Pasteur

    dos cristais de tartarato de amnio e sdio Pasteur convenceu-se ento de que tinha encontrado a buscada diferena, e separou laboriosamente alguns cristais de uma e de outra forma (os cristais quebram-se facilmente) e mostrou que uma dessas formas era idntica ao tartarato (era dextrgira) enquanto que a outra era um cido tartrico de um tipo at ento desconhecido: era levgira, girava o plano da luz polarizada para a esquerda! Pasteur sugeriu tambm que as molculas do cido tartrico deveriam ser como os cristais: um tipo seria a imagem no espelho da outra.

    Foi em 1874 que vant Hoff5, ento com 22 anos, fez algumas consideraes sobre os ismeros dos compostos orgnicos (semelhante argumentao apresentada no captulo 1.2 do volume 1, que nos levou concluso de que o metano teria forma tetradrica est lembrado?), concluindo que a disposio dos substituintes em torno de um carbono saturado deveria ser tetradrica e estava assim sujeita a apresentar enantimeros, imagens especulares uns dos outros, o que poderia explicar a atividade ptica (rotao do plano da luz polarizada) de alguns materiais. Em 1875 um trabalho mais detalhado e completo foi publicado com o nome de Chimie dans lEspace, onde

    5 Jacobus Henricus vant Hoff (1852-1911), notvel cientista holands.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    5

    ele tambm menciona que J. A. Le Bel6 tinha, independentemente, chegado s mesmas concluses.

    Fischer7, na dcada de 1890, realizou um feito notvel: identificou a estereoqumica relativa das 16 aldo-hexoses. A teoria de vant Hoff e Le Bel, de que a disposio dos substituintes em um carbono saturado seria tetradrica, trazia o problema de representar no plano do papel essa disposio espacial de 3 dimenses. Fischer criou um sistema de representao que ainda muito utilizado em vrios textos, principalmente para representar acares, aminocidos, etc. chamado de projeo de Fischer, e consiste em representar o carbono estereognico em uma posio tal que os substituintes esquerda e direita estejam saindo do plano em direo ao leitor; os substituintes acima e abaixo estariam no plano ou saindo do plano em direo oposta ao leitor.

    X

    CA

    BY

    X

    C

    Y

    A B A

    Proje

    Figura 2.1.4. Projeo de Fischer Devido maneira como a projeo de Fischer definida, deve ficar evidente para voc que essas projees no podem ser giradas com liberdade: observe bem a figura 2.1.4 para se convencer de que a frmula de Fischer no pode ser girada de 90 no plano, mas pode ser girada de 180 no plano. Rotaes fora do plano (por exemplo, em torno do eixo XY ou AB) devem ser evitadas a todo o custo pois os resultados so muito confusos e a maioria induz a erros. Se tiver que fazer rotaes fora do plano, use as representaes com cunhas e linhas tracejadas, que do uma viso bem mais prxima da realidade tridimensional. As aldo-hexoses so uma parte importante dos carboidratos (acares): so compostos com 6 carbonos em cadeia linear8; em um extremo da cadeia h uma

    6 Joseph Achille Le Bel (1847-1930), famoso qumico orgnico francs.

    7 Herrmann Emil Fischer (1852-1919), qumico alemo que ganhou o prmio Nobel de Qumica em 1902.

    Em sua autobiografia, Fischer conta que seu pai, aps algumas tentativas de ensinar-lhe o negcio da famlia (madeiras), concluiu que Emil estpido demais para ser um homem de negcios, melhor ele ir para a Universidade. 8 As hexoses podem facilmente formar ciclos de 6 membros atravs da formao de um hemiacetal, e

    geralmente esta estrutura cclica mais estvel; vamos deixar este aspecto de lado, aqui, para simplificar.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    6

    funo aldedo, e todos os outros 5 carbonos tm um grupo OH cada um. Estes compostos tm, ento, 4 centros estereognicos, o que resulta em 24 = 16 possveis estereoismeros. Conhecia-se, na poca, o gliceraldedo, que tem dois enantimeros; como no havia meio de determinar qual era qual, atribuiu-se arbitrariamente estrutura que tem o OH direita, como representada na figura 2.1.5, o smbolo D (maisculo), supondo que esta seria a estrutura do gliceraldedo dextrgiro (que gira o plano da luz polarizada para a direita). Evidentemente havia 50 % de chance de acertar, e quando foi possvel determinar a configurao absoluta, descobriu-se que de fato a configurao arbitrria estava correta.

    CHO

    CH2OH

    OHH

    CHO

    CH2OH

    HHO

    D-(+)-Gliceraldedo L-(-)-Gliceraldedo Figura 2.1.5. Gliceraldedo

    Esta suposio arbitrria, apesar de estar evidentemente sujeita a erro que implicaria posteriormente na necessidade de reviso de todas as estruturas, foi considerada necessria para simplificar as representaes e os raciocnios, que de outra forma ficariam muito confusos. Esta classificao de compostos em sries D e L, ainda em uso para acares e -aminocidos, foi feita realmente por um qumico ucraniano naturalizado americano, Rosanoff9, e conhecida como conveno de Fischer-Rosanoff. Estudando os resultados de Fischer, Rosanoff fez uma classificao de estereoismeros em forma de uma figura circular similar reproduzida a seguir10. Se imaginarmos a linha vertical central como um espelho, veremos que as estruturas da direita so imagens no espelho das estruturas da esquerda. Rosanoff chamou uma de famlia e a outra de famlia . Os smbolos D e L maisculos foram colocados em sua figura para representar a classificao feita por Fischer, que tinha algumas discrepncias devidas a certos detalhes do mtodo de classificao de Fischer, que Rosanoff estava propondo modificar. A proposta de Rosanoff, no fim, foi aceita pela comunidade, mas ao invs de usar e , as pessoas acabaram preferindo usar D e L. Observe que D e L nada tm a ver com o sentido de rotao do plano da luz polarizada de cada composto.

    Problema 2.1.1. Examine atentamente a figura 2.1.6. Onde esto os gliceraldedos? Onde esto as aldotetroses, aldopentoses e aldo-hexoses? Em cada caso, qual o carbono que tem a mesma configurao do gliceraldedo? Para responder a esta ltima pergunta, voc pode achar necessrio (ou pelo menos til) ler os pargrafos que esto aps a figura 2.1.6, estudando tambm com ateno o esquema 2.1.1.

    9 Martin Andr Rosanoff (1874-1951), qumico de origem ucraniana formado em Paris. Em 1903 ele

    comeou a trabalhar com Thomas Edison um de seus objetivos era de conseguir uma cera mais macia para os cilindros de fongrafos. Foi professor da Universidade de New York. 10

    A figura original pode ser encontrada em J. Am. Chem. Soc. 1906, 28, 114.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    7

    Famlia

    Famlia L(Classificao moderna)

    (Segundo Rosanoff)Famlia

    Famlia D(Classificao moderna)

    (Segundo Rosanoff)

    Figura 2.1.6. Classificao de estereoismeros de acares segundo Rosanoff

    Sabendo a configurao do gliceraldedo, a configurao de todos os acares pode ser estabelecida atravs de reaes qumicas. No vamos detalhar este assunto, que seria demasiadamente extenso; vamos apenas dar uns poucos exemplos de reaes que podem ser feitas para voc compreender o princpio. Se voc tomar uma aldose qualquer (um acar que contm aldedo no extremo da cadeia), voc pode acrescentar um carbono da forma mostrada no esquema 2.1.1.

    C

    R

    O H CN

    C

    R

    HO H

    CN

    C

    R

    H OH

    CHO

    C

    R

    H OHHCN

    +

    1) Hidrlise,esterificao

    2) Reduo(Na.Hg / H+)

    Diastereoismeros(separveis)

    N-ose (N+1)-ose

    Esquema 2.1.1. Correlao de configurao por reaes qumicas

    Neste esquema, estamos presumindo que R um grupo assimtrico, que j tem atividade ptica (como o grupo CH(OH)CH2OH do gliceraldedo); assim, quando adicionamos o grupo CN, forma-se um novo centro estereognico sem alterar a configurao do grupo R, que nada sofreu nessa reao. Consegue-se, assim, transformar uma tetrose numa pentose, ou uma pentose em uma hexose, sendo que a parte simbolizada por R tem a mesma configurao no material de partida e no produto. Vrias outras reaes e muitas outras consideraes bastante complexas foram necessrias para Fischer poder concluir a estereoqumica das hexoses.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    8

    Depois que foi descoberto que determinados tomos pesados apresentam absoro de raios-X em freqncias que resultam em variao na fase do raio difratado, passou a ser possvel determinar a configurao absoluta de certas substncias por difrao de raios-X em cristais apropriados. A primeira dessas determinaes foi feita por Bijvoet11 em 1951. O meio do sculo 20, em torno de 1950, trouxe importantes avanos para a estereoqumica: a j mencionada primeira determinao de configurao absoluta por Bijvoet, a tambm j mencionada criao da conveno R/S por Cahn, Ingold e Prelog, e os estudos conformacionais de esterides por Barton12. Qual mesmo a diferena entre configurao e conformao? s vezes ficamos com a impresso de que todas as descobertas importantes j foram feitas. No se iluda. Do mais simples ao mais complexo, ainda h um nmero enorme de problemas sem soluo, esperando que algum brilhante cientista (como voc) possa esclarec-los. Em estereoqumica h uma questo fundamental extremamente persistente que nos deixa quase atordoados: nos seres vivos h uma enorme variedade de substncias orgnicas quirais presentes na forma de um nico enantimero de cada substncia. Como se explica isto? Quando se faz uma reao entre substncias aquirais formando produtos quirais, formam-se sempre partes iguais dos dois enantimeros possveis, ou seja, obtm-se sempre uma mistura racmica. Para formar apenas um enantimero (ou para obter mesmo uma modesta maioria de um dos enantimeros) preciso utilizar um nico enantimero de alguma substncia quiral, seja como substrato, ou como reagente, catalisador, etc. Em outras palavras, para preparar enantimeros puros preciso j dispor de enantimeros puros. Como foi ento que isto comeou? claro que, se admitirmos a hiptese de interferncia externa, divina ou aliengena, fica fcil responder a esta questo, e transferimos o problema para outro plano.

    11

    Johannes Martin Bijvoet, 1892-1980, qumico holands. 12

    Derek Harold Richard Barton, 1918-1998, cientista ingls.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    9

    Mas se tentarmos explicar a questo admitindo a hiptese de Alexander Oparin sobre a origem da vida13 (ou seja, formao de molculas orgnicas simples por reaes entre gases como metano, amnia, hidrognio, nitrognio, vapor dgua, etc., e depois associaes entre essas molculas para formar protenas, DNA, etc.) temos que arranjar alguma explicao para esta questo: como foi que aconteceu a formao de seres vivos contendo apenas um enantimero de certas molculas? Examinando a questo de maneira superficial e descompromissada, podemos sugerir que em algum momento houve algum tipo de separao espontnea de enantimeros (como na cristalizao de Pasteur, por exemplo: um cristal de apenas um enantimero foi derrubado em algum lago onde se iniciou a vida), mas quando tentamos nos aprofundar, vemos que esta hiptese praticamente nos fora a admitir outra: de que a fomao da vida envolveria alguma transformao to improvvel que teria ocorrido uma nica vez. Ou ento, que a seleo natural teria eliminado todas as outras formas de vida, deixando apenas uma. Ou... Uma possibilidade um pouco diferente seria imaginarmos que, para passar de aglomerado de substncias orgnicas condio de ser vivo, necessrio que alguma molcula (como o DNA, por exemplo) seja constituda de apenas um enantimero de cada uma de suas partes. Um nmero muito grande desses aglomerados se formou, mas apenas um (ou um nmero muito reduzido) preenchia esta condio (por mero acaso entre as inmerveis possibilidades de combinaes) e apenas este transformou-se em ser vivo (na verdade, nem sabemos definir com preciso o que ser vivo).

    EstereoisomerismoEstereoisomerismoEstereoisomerismoEstereoisomerismo Chamamos de estereoisomerismo ao isomerismo que ocorre quando a nica diferena entre as molculas dos ismeros reside na maneira como as suas partes se distribuem no espao. Se tivermos duas molculas que contm os mesmos tomos ligados na mesma seqncia (por exemplo, os grupos a, b e c esto ligados ao carbono 1 em ambas as molculas; o carbono 1 est ligado ao carbono 2, e ao carbono 2 esto ligados os grupos d, e e f em ambas as molculas), e assim mesmo essas molculas forem diferentes uma da outra, ento a diferena apenas devida ao arranjo dos substituintes no espao, e temos um caso de estereoisomerismo. Vamos, primeiro, fazer uma distino entre isomerismo E/Z (ou cis-trans, ou isomerismo geomtrico) e isomerismo ptico, um aspecto que costuma causar muita confuso na cabea de estudantes.

    IIIsssooommmeeerrriiisssmmmooo ccciiisss---tttrrraaannnsss

    O mais importante lembrar-se que os ismeros cis e trans NO so imagens no espelho um do outro. A imagem no espelho da molcula do ismero cis , nos casos mais simples, idntica a ela mesma; se no, alguma coisa diferente, mas nunca igual ao ismero trans. Voc j sabe que isomerismo cis-trans est fortemente ligado a olefinas, e j estudamos a maior parte disto na seo anterior quando vimos a nomenclatura de alcenos (revise). Voc percebe tambm que o isomerismo existe como conseqncia da dupla ligao ser rgida, impedindo a rotao livre que ocorre nos alcanos.

    13

    Voc j leu alguma coisa sobre a hiptese de Oparin e sobre o experimento de Stanley Miller e Harold Urey? Que tal mais um pouco de pesquisa bibliogrfica?

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    10

    C C

    H

    CO2H

    H

    H3C

    C C

    H

    CH3

    H

    HO2C

    C C

    CH3

    H

    H

    HO2C

    C C

    H

    CO2H

    H3C

    H

    Espelho

    cis cis

    transtrans

    M o l c u l a = I m a g e m

    M o l c u l a = I m a g e m

    Figura 2.1.7. Ismeros cis-trans

    No surpresa que as imagens no espelho dessas molculas sejam iguais s prprias molculas, uma vez que elas (as molculas) so simtricas: o plano da dupla ligao (aquele que contm os dois carbonos da dupla e os quatro tomos a eles ligados) um plano de simetria. Existe, porm, um outro tipo de isomerismo cis-trans: em vez de termos uma dupla, podemos ter um anel fazendo o papel da dupla de restringir a rotao. Temos a tambm ismeros cis-trans, mas o plano dos substituintes (que corresponderia ao plano da dupla) pode ser um plano de simetria ou no!14 Quando o plano dos substituintes um plano de simetria, temos uma situao idntica das duplas: cada molcula (cis ou trans) idntica sua prpria imagem no espelho.

    H3C

    H

    CO2H

    H

    CH3

    H

    HO2C

    H

    CH3

    H

    H

    HO2C

    H3C

    H

    H

    CO2H

    cis cis

    transtrans

    Planodo anel

    Plano dos Substituintes(Plano desimetria)

    Figura 2.1.8. Plano dos substituintes plano de simetria

    Quando o plano dos substituintes no um plano de simetria, ento a imagem no espelho pode ser diferente da molcula que est sendo considerada, mas no seu ismero cis-trans.

    14

    Em vrios compostos cclicos nem possvel colocar os substituintes em um plano.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    11

    CO2H

    H

    H3C

    H

    CH3

    H

    HO2C

    H

    H

    CH3

    HO2C

    H

    CO2H

    H

    H

    H3C

    cis enantimero do cis(tambm cis)

    trans enantimero do trans(tambm trans)

    Espelho

    Figura 2.1.9. Plano dos substituintes no plano de simetria

    Nestes casos temos, evidentemente, tanto isomerismo cis-trans como isomerismo ptico. Este assunto tem muitos desdobramentos, mas para nossas finalidades presentes j vimos o suficiente. No deixe, porm, de lembrar-se que os ismeros cis-trans so diastereoismeros, pois eles so estereoismeros mas no so um a imagem do outro no espelho (isto , no so enantimeros).

    IIIsssooommmeeerrriiisssmmmooo ppptttiiicccooo

    O isomerismo ptico conseqncia da assimetria molecular que resulta de vrios tipos de estruturas; o mais simples quando temos um centro de quiralidade, um carbono ligado a quatro substituintes diferentes. J apresentamos as bases deste isomerismo no captulo 1.1 (Alcanos e Haletos de Alquilo), seo Estereoqumica. Releia para evitarmos inteis repeties. Precisamos, agora, estender um pouco mais nossos conhecimentos. Apesar de que a maioria dos casos de isomerismo ptico em Qumica Orgnica tem origem em centros estereognicos, existem casos que constituem excees: molculas sem nenhum centro de quiralidade podem apresentar enantimeros devido a algum outro tipo de assimetria molecular. Isto ocorre, por exemplo, em molculas que assumem formas semelhantes a hlices (hlice a forma do que vulgarmente se usa chamar de espiral de cadernos; as roscas de parafusos tambm so hlices), como os helicenos.

    Espelho

    Figura 2.1.10. Helicenos

    Figuras em trs dimenses em geral, mas as hlices em particular, so difceis de representar no plano do papel e podem ser muito difceis de visualizar mentalmente, usando apenas a imaginao. Construo de modelos fsicos costuma ser

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    12

    de grande valor para ajudar essas visualizaes. Experimente, por exemplo, tomar dois pedaos iguais de arame e enrol-los em torno de um lpis; enrole um num sentido e o outro no sentido oposto. Veja como voc obtm duas hlices (parecidas com molas) diferentes, que no se superpem e so imagens no espelho uma da outra. Outro modelo bem simples pode ser obtido recortando duas arruelas de papel e fazendo um corte como mostrado na figura 2.1.11. Se voc levantar a parte esquerda (e abaixar a direita), obter uma figura. Levantando a parte direita (e abaixando a esquerda) ser obtida a imagem no espelho da primeira.

    Figura 2.1.11. Modelo de papel para hlices

    Uma estrutura bem mais comum em Qumica Orgnica e que tambm apresenta assimetria sem ter centros de quiralidade a estrutura dos alenos. D uma olhada no volume 1, figura 1.2.45. Voc percebe como os alenos tm dois substituintes em um plano e os outros dois em um plano perpendicular ao primeiro? Esta disposio muito semelhante de um carbono sp3 tetradrico comum, que tambm pode ser visto assim (mas h uma diferena nos ngulos: nos alenos eles so de 120 e nos carbonos sp3 eles so de 109,5).

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    13

    C 109,5109,5

    C CC120 120

    Ca rb o n o s p 3

    Ale n o

    Figura 2.1.12. Disposio dos substituintes em planos perpendiculares

    Esta semelhana de disposio mostra que de se esperar que nos alenos seja possvel um tipo de assimetria, conforme os substituintes, semelhante ao carbono tetradrico. Semelhante, mas no igual. O carbono tetradrico tem todos os ngulos entre os substituintes iguais uns aos outros, e disposio dos quatro substituintes em torno de um centro: para que ele seja estereognico necessrio que todos os quatro substituintes sejam diferentes uns dos outros. O aleno, por outro lado, j apresenta uma disposio alongada, e os dois substituintes de um carbono no podem ser confundidos com os dois substituintes do outro: para o aleno ser assimtrico, basta que os dois substituintes do mesmo carbono sejam diferentes um do outro, de ambos os lados.15 Mas os substituintes de um carbono podem ser iguais aos substituintes do outro. Meio difcil, no? Observe a figura 2.1.13.

    C C C

    A

    BA

    BCCC

    A

    BA

    B

    Espelho

    Figura 2.1.13. Aleno e sua imagem no espelho

    Voc percebe como essas duas figuras no podem ser superpostas? Ajustando os substituintes de um dos carbonos, os substituintes do outro ficam invertidos. Mas para que isto acontea, essencial que A B, tanto para um como para outro carbono. Se em apenas um dos carbonos os dois substituintes forem iguais, j no existe mais diferena entre as duas estruturas.

    15

    Pode-se dizer que esta condio essencialmente a mesma que existe para que alcenos possam apresentar isomerismo cis-trans? D uma olhada na figura 1.2.4, no captulo 1.2.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    14

    Problema 2.1.2. Quais dos seguintes alenos voc esperaria que apresentasse atividade ptica?

    C C CH2

    H3C

    H3C

    C C C

    H3C

    H

    C C C

    H3C

    H

    C C C

    H3C

    H

    H

    H

    CH3

    H

    CO2H

    CH3

    C C C

    HO2C

    H3C

    C C C

    HO2C

    H

    C C C

    NC

    NC

    C C C

    H

    H3C

    CH3

    CN

    CH3

    CO2H

    C2H5

    CH3

    CO2H

    CH3

    Problema 2.1.3. Compostos com uma dupla podem apresentar isomerismo cis-trans mas no tm atividade ptica (a menos que haja algum centro de quiralidade ou outro fator de assimetria em outra parte da estrutura molecular). Compostos com duas duplas acumuladas podem ter atividade ptica, mas no apresentam isomerismo cis-trans. O que deve ocorrer, em sua opinio, com compostos contendo 3 e 4 duplas acumuladas?

    C C

    A

    B

    C C C

    A

    B

    C C C

    A

    B

    C C C

    A

    B

    A

    B

    A

    B

    C

    A

    B

    C C

    A

    BTipo deisomerismo

    cis-transptico

    sim no ? ?no sim ? ?

    Problema 2.1.4. Seria possvel generalizar seus resultados do problema anterior formulando alguma regra que permitisse prever o tipo de isomerismo conforme o nmero de duplas acumuladas seja par ou mpar?

    Uma situao absolutamente semelhante acontece com compostos espiro. Anis grandes, como veremos adiante, tm muitas conformaes e so difceis de visualizar. Pense apenas em anis pequenos, por enquanto. Voc consegue perceber que dois anis em unio espiro ficam perpendiculares um ao outro?

    A

    B

    B

    A

    A

    B

    B

    A

    Espelho

    Figura 2.1.14. Assimetria em compostos espiro

    (similar dos alenos) Uma das estruturas mais capciosas aquela que contm uma dupla exocclica a um anel. Facilmente nos enganamos ao concluir que molculas como as mostradas na figura 2.1.15 no apresentam estereoisomerismo.

    H CH3

    NH2

    H CO2H

    CH3

    Figura 2.1.15. Molculas de enganosa aparncia simtrica

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    15

    No entanto, se observarmos bem, veremos que essas molculas so muito semelhantes a alenos, com o anel fazendo o papel de uma das duplas ligaes. Observe a figura 2.1.16.

    H

    CH3H2N

    HH

    H3CNH2

    H

    Espelho

    Figura 2.1.16. Isomerismo em compostos com duplas exocclicas

    (semelhante ao dos alenos) Bastante complicado, no? Felizmente, os trabalhos mais rotineiros no estudo da Qumica Orgnica no envolvem tantos casos de assimetria molecular de natureza estratosfrica. A grande maioria dos casos que precisamos analisar mesmo de assimetria devida a centros de quiralidade.

    Conformao e configuraoConformao e configuraoConformao e configuraoConformao e configurao Por alguma razo no muito evidente, muitos estudantes tm considervel dificuldade em fazer a distino entre conformaes e configuraes. A diferena , na realidade, muito simples. Imagine duas estruturas que diferem exclusivamente pela disposio espacial dos tomos: se for possvel converter uma estrutura na outra simplesmente provocando rotaes de ligaes, dizemos que temos duas conformaes; se no for possvel, dizemos que temos duas configuraes. Como voc j viu para o caso do etano (volume 1, figura 1.2.41), existem infinitas conformaes possveis para compostos acclicos (mas apenas poucas delas correspondem a mnimos de energia) e as diferenas de energia so suficientemente pequenas para que tenhamos uma interconverso muito fcil temperatura ambiente. Compostos cclicos tambm podem ter vrias conformaes de fcil interconverso. O resultado bvio disso que no podemos, normalmente, separar os confrmeros16 um do outro.

    Problema 2.1.5. Das estruturas a seguir (arranjadas em pares), quais diferem em conformao e quais diferem em configurao?

    16

    Confrmero: esta palavra no existe em muitos dicionrios, e vrios autores preferem no us-la. Faremos uso dela aqui, porque facilita a construo de muitas frases e a compreenso. Um confrmero uma determinada estrutura que difere de outro confrmero apenas em conformao. Podemos interpretar confrmero como uma forma condensada de ismero conformacional.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    16

    H

    H

    H

    H

    C C

    H

    HH

    H3C

    HCH3 C C

    H

    CH3H

    H3C

    HH

    H3C

    H

    H

    CH3

    H3C

    H

    CH3

    H

    OH

    HH

    Me

    OH

    HMe

    HHH

    Br

    CH3

    H H

    BrH

    H

    H

    H CH3

    CH3

    Br HCl

    CH3

    BrHCl CO2H

    CO2H

    HO2C

    CO2H

    OH H

    HHH

    HO

    H

    HH H

    HHH

    H

    CH3

    HOH H

    HHH

    HO

    H

    HH CH3

    HH

    .

    e e

    e e

    ee

    e e

    J quando temos diferena em configurao, as estruturas no se convertem uma na outra, e temos verdadeiros ismeros, que podem ser separados e analisados individualmente. Este o caso para ismeros pticos e para ismeros cis-trans (ou geomtricos).17 Os ismeros cis-trans tm propriedades claramente diferentes um do outro: diferem em ponto de fuso, de ebulio, solubilidade, espectros de RMN, IV, etc. J os ismeros pticos, sob este aspecto, so de dois tipos: enantimeros e diastereoismeros. Enantimeros: dois compostos so enantimeros quando as molculas de um dos compostos so imagens no espelho das molculas do outro composto. Neste caso os dois ismeros divergem apenas pelo sentido da rotao do plano da luz polarizada: um gira no sentido horrio ( dextrgiro) e outro no sentido anti-horrio ( levgiro). Todas as demais propriedades fsicas comuns (ponto de fuso, de ebulio, solubilidade, espectros de RMN, IV, etc.) so idnticas para ambos os compostos. Aparecem diferenas apenas quando h alguma substncia quiral envolvida, como por exemplo RMN com um solvente quiral, cromatografia em papel (o papel constitudo principalmente por celulose, que uma substncia quiral) ou com fases estacionrias quirais, etc. O mesmo ocorre quanto s propriedades qumicas: os dois ismeros reagem com os mesmos reagentes mesma velocidade, aparecendo diferenas apenas quando esto envolvidas substncias quirais. Diastereoismeros: estereoismeros (leia a nota de rodap 61) que no sejam enantimeros so diastereoismeros. No sendo enantimeros, estes compostos tm diferenas em todas as propriedades fsicas e qumicas, um em relao ao outro: divergem em ponto de fuso, ponto de ebulio, espectros de RMN, IV, etc. No entanto, sendo ismeros de mesma massa molar e com estrutura muito semelhante em vrios aspectos, voc deve compreender que as diferenas podem ser muito pequenas. Considere dois alcenos ismeros cis-trans (que so diastereoismeros, no?) como o pent-2-eno, por exemplo: o ponto de ebulio de um dos ismeros diverge do ponto de ebulio do outro por menos de 1C; j a diferena entre os pontos de fuso de 15,4C. Um pouco de reflexo levar voc a concluir que vrias das propriedades fsicas

    17

    sempre bom lembrar que existem outros tipos de ismeros (ismeros funcionais, de posio, etc.) que no esto sendo considerados aqui porque estamos falando (est lembrado?) de molculas que diferem exclusivamente pela disposio espacial dos tomos (ou seja, de estereoismeros).

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    17

    e qumicas podem ter diferena bem pequena, mas em nenhuma delas deveremos esperar igualdade absoluta.

    Problema 2.1.6. Existem 3 estereoismeros do cido tartrico; a seguir so mostradas algumas das propriedades desses ismeros.

    cido D-tartrico cido L-tartrico cido meso-tartrico cido (-)-tartrico cido (+)-tartrico

    cido l-tartrico (obsol.) cido d-tartrico (obsol.) D L M

    204d = 1,7598 204d = 1,7598 204d = 1,666

    20D][ = -12,0 20D][ = +12,0 Inativo perante a luz polarizada

    1apK = 2,93 1apK = 2,93 1apK = 3,11

    2apK = 4,23 2apK = 4,23 2apK = 4,80 Solubilidade em H2O a 20 C

    139 g/100 g H2O Solubilidade em H2O a 20 C

    139 g/100 g H2O Solubilidade em H2O a 20 C

    125 g/100 g H2O

    Como voc provavelmente j sabe, 20D][ a rotao especfica (valor, em graus, do ngulo de rotao do plano da luz polarizada para certas condies padres). Considerando essas propriedades, classifique cada par (D e L, D e M, L e M) como enantimeros ou como diastereoismeros.

    Problema 2.1.7. Observe, no problema anterior, que o cido D-tartrico era antigamente tambm chamado de cido l-tartrico, enquanto o cido L-tartrico era tambm chamado de cido d-tartrico. Voc seria capaz de esclarecer essa aparente embrulhada?

    PolarimetriaPolarimetriaPolarimetriaPolarimetria Este um bom momento para fazer algumas reflexes. Por qual razo algumas substncias apresentam atividade ptica e outras no? Vamos examinar o assunto de forma simplificada.18 razovel imaginar que a interao da luz polarizada com uma molcula resulta em um pequeno desvio do plano de polarizao; este desvio seria, naturalmente, muito pequeno (infinitesimal), e seu sentido dependeria da posio da molcula em relao direo e sentido de propagao, e direo da polarizao da luz. Se uma molcula produz um desvio d do plano de polarizao, parece lgico que uma outra molcula colocada na mesma posio relativa mas que fosse a imagem no espelho da primeira provocaria um desvio contrrio, mas idntico em valor absoluto, d. Lembre-se agora como o nmero de Avogadro um nmero muito grande. Qualquer amostra lquida, por menor e/ou mais diluda que seja19, contm um nmero fantasticamente grande de molculas. Se as molculas forem simtricas, para cada posio de uma molcula existe uma posio de outra molcula que corresponde imagem no espelho da primeira. Sendo muito grande o nmero de molculas, para cada posio aleatria de uma molcula qualquer, grande a probabilidade de que haja outra molcula na posio que corresponde imagem dela no espelho. O resultado disto

    18

    Sendo esta uma introduo matria, foi considerado que um exame mais aprofundado do fenmeno da polarizao da luz (luz circularmente polarizada, dicrosmo circular, disperso ptica rotatria, etc.) seria contraproducente neste ponto. O estudante deve, no entanto, estar avisado que estamos fazendo significativas simplificaes do assunto. 19

    Evidentemente, dentro dos limites prticos; podemos fazer diluies e separaes de volumes at termos apenas uma molcula em soluo, mas muito antes disto as solues teriam deixado de apresentar qualquer desvio mensurvel do plano de polarizao da luz.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    18

    que, quando as molculas so simtricas, os desvios infinitesimais do plano da luz polarizada tendem a se cancelar, produzindo uma soma final igual a zero. Se, por outro lado, as molculas no forem simtricas, no possvel ter uma molcula em posio de cancelar exatamente o desvio provocado por outra, pois no se pode colocar uma molcula assimtrica em posio que corresponda exatamente imagem no espelho dela mesma. No havendo cancelamento, o resultado global um desvio lquido final do plano. Desta perspectiva, no lhe parece lgico que enantimeros provoquem desvios da luz polarizada da mesma magnitude, mas em sentidos opostos? Mais ainda, no lhe parece lgico que o desvio lquido total produzido seja proporcional ao nmero de molculas (assimtricas) com as quais a luz interagiu? Assim voc no deve se surpreender ao constatar que o ngulo de desvio do plano da luz polarizada proporcional concentrao da soluo e tambm ao comprimento do tubo (contendo a soluo) que a luz atravessa.

    Figura 2.1.17. Polarmetro20

    Na figura 2.1.17 mostrado um modelo simples de polarmetro. Como voc pode imaginar, muito difcil ler ngulos inferiores a 1; o melhor que geralmente conseguimos uma preciso de 0,1. Mas hoje so comuns vrios modelos de polarmetros digitais, que tm detectores capazes de ler os ngulos com preciso bem maior (0,01, 0,001, etc.). Matematicamente, dizemos que

    20

    Na parte inferior da figura esto representados os aspectos que podem adquirir a imagem vista quando se olha em um polarmetro. Dissemos anteriormente que o analisador do polarmetro deve ser girado at obtermos a mnima luminosidade, mas muito difcil decidir qual o ponto em que a luminosidade mnima. Por isso os polarmetros so dotados de combinaes de polarizadores que produzem imagens como as mostradas aqui: girando para um lado, uma parte da imagem clareia e outra parte escurece; girando para outro lado, ocorre o inverso. O ponto correto (de mnima luminosidade) quando toda a imagem apresenta uma luminosidade uniforme, o que muito mais fcil para nosso olho perceber.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    19

    = constante de proporcionalidade l c

    = ngulo de desvio (graus)l = comprimento do tubo (decmetros)c = concentrao (g/mL).

    Observe como as unidades usadas nestas medidas so relativamente incomuns: decmetros para medidas de comprimento (muito incomum, no?) e g/mL para medidas de concentrao (g/mL seria o mesmo que kg/L, o que lhe mostra que esses nmeros so geralmente bem pequenos bem menores do que 1 na maioria dos casos; por isso muitos preferem utilizar frmulas modificadas, onde aparece o fator 100, e usando concentraes em g/100 mL). A razo para utilizar tais unidades incomuns para fazer a constante de proporcionalidade adquirir valores dentro de uma determinada faixa (considerada, por alguma razo, mais confortvel para trabalhar). Compreenda, porm, que isto mera conveno, e poderia ser tudo diferente. A constante de proporcionalidade chamada de rotao especfica e usualmente representada como a letra grega colocada entre colchetes; usa-se tambm indicar o comprimento de onda e a temperatura como ndices (inferior e superior). Os ndices so necessrios porque o ngulo de desvio varia com o comprimento de onda da luz e com a temperatura; necessrio, portanto, indicar como o valor foi medido, pois seno fica impossvel utiliz-lo em comparaes e verificaes. Deve ser evidente para voc que a constante de proporcionalidade pode ser determinada medindo-se o desvio para uma soluo de concentrao c (g/mL) em um tubo de comprimento l (dm) e efetuando as operaes a seguir.

    Constante de proporcionalidade ou

    Rotao especfica clt

    ==

    ][

    Os ndices e t representam, respectivamente, o comprimento de onda da luz utilizada e a temperatura em que foi realizada a medida. Se conhecemos o valor de t ][ para uma substncia, a expresso acima permite-nos determinar o valor de qualquer das trs variveis (, l ou c) conhecendo as outras duas. Um dos comprimentos de onda mais utilizados nessas medidas o da lmpada de sdio, usualmente indicado pela letra D (como 20D][ , por exemplo): isto significa que foi utilizada a raia D do sdio, isto , = 589 nm.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    20

    Tabela 2.1.1. Rotaes especficas para alguns compostos Nome Frmula Rotao especfica

    Sacarose O

    OH

    OH

    OH

    CH2OH

    CH2OH

    CH2OH

    OH

    O

    OHO

    += 47,66][ 25D (H2O, c=26 g/100 mL)

    l-Carvona

    O

    = 5,62][ 20D (lquido puro)

    l-Mentol OH

    = 50][ 18D (C2H5OH, c=10 g/100 mL)

    d--pineno

    += 51][ 20D (lquido puro)

    l--pineno

    = 51][ 20D (lquido puro)

    d--pineno

    += 21][ D (lquido puro)

    cido D()-lctico H C OH

    CH3

    COOH

    = 6,2][ 21,5546 (H2O, c=8 g/100 mL)

    cido D()-tartrico

    COOH

    HHO

    OHH

    COOH

    = 12][ 20D (H2O, c=20 g/100 mL)

    R-()-2-Octanol

    CH3

    C

    H

    OHCH3[CH2]5

    = 0,10][ 20D (C2H5OH, c=1 g/100 mL)

    LAlanina ou S-(+)-Alanina

    COOH

    C

    CH3

    H2N H

    += 5,14][ 20D (H2O, c=6 g/100 mL)

    Problema 2.1.8. Dissolveu-se um enantimero (1,50 g) de um certo composto em etanol (50 mL). A soluo obtida foi colocada em um tubo de polarmetro de 10,0 cm de comprimento e examinada no instrumento, obtendo-se um ngulo de desvio de 1,74. Qual a rotao especfica da substncia nessas condies (20 C, = 589 nm)?

    Problema 2.1.9. Que ngulo teramos observado no problema anterior se tivssemos usado um tubo de 20,0 cm de comprimento?

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    21

    Problema 2.1.10. (a) Que ngulo voc deve esperar observar ao examinar no polarmetro (tubo de 1,00 dm) uma soluo de 50,0 g de acar comum (sacarose) em 100 mL de gua, a 25 C? (b) E em um tubo de 2,00 dm?

    Problema 2.1.11. O analisador do polarmetro pode girar em ambos os sentidos e pode dar a volta completa. Se voc observar um desvio de, digamos, +150, este desvio pode corresponder tanto a um ngulo de +150 como a um ngulo de 210. (a) Apresente uma frmula que permita calcular o ngulo negativo b

    que corresponde mesma leitura, no polarmetro, do ngulo positivo a +. (b) Como voc faria

    para decidir, no caso apresentado, se a rotao de sua amostra +150 ou 210?

    As relaes simples aqui apresentadas entre ngulos e concentraes, comprimento do tubo, etc., so vlidas na maioria dos casos, mas s vezes ocorrem certas discrepncias: concentraes excessivamente altas introduzem possibilidades de associaes entre molculas que mudam a natureza do meio e a relao linear entre , l e c deixa de ser linear; certos tipos de compostos tm maior tendncia a formar associaes moleculares, e do resultados bem discrepantes. Por razes semelhantes, a mudana de solventes pode ter efeito muito pronunciado na rotao especfica de certos compostos. Por isto, em trabalhos mais cuidadosos, sempre se menciona o solvente e a concentrao utilizados na medida ao fornecer dados de rotao especfica. Vamos mencionar mais duas particularidades das rotaes especficas: a rotao especfica de compostos puros e a rotao especfica molar. Compostos lquidos (como os pinenos, por exemplo) podem ser colocados diretamente no tubo do polarmetro, sem solvente. A rotao especfica assim obtida geralmente representada como no exemplo a seguir: += 40][ t (lquido puro); em ingls se diz neat (a frmula aqui torna-se )/(][ dlt = , sendo d a densidade em g/mL). A rotao especfica molar, geralmente representada como [M], tem a funo de facilitar certas comparaes. Pense nas molculas individuais: se duas molculas (de compostos diferentes) tm a mesma capacidade de girar o plano da luz polarizada mas tm massas muito diferentes, as rotaes especficas dos dois compostos sero muito diferentes, porque o composto de menor massa molecular tem muitas mais molculas na mesma massa de substncia. No conseguimos perceber, por esses nmeros, a semelhana que existe entre as capacidades das duas molculas para girar o plano da luz polarizada. Para permitir este tipo de comparao define-se a rotao especfica molar da seguinte forma:

    100MolarMassa][][ = M .

    A diviso por 100 introduzida arbitrariamente para manter os nmeros dentro de uma faixa considerada mais confortvel para trabalhar.

    EEExxxccceeessssssooo eeennnaaannntttiiiooommmrrriiicccooo

    O excesso enantiomrico um valor que vem adquirindo importncia cada vez maior conforme se desenvolvem mtodos para fazer snteses enantiosseletivas.21 Podemos compreender a importncia disto quando pensamos que ns, seres vivos, temos constituio molecular fortemente assimtrica; as protenas (e, portanto, as enzimas), por exemplo, freqentemente distinguem com facilidade os 21

    Sntese assimtrica uma expresso tambm muito usada, mas rejeitada por alguns autores, que afirmam que a expresso sntese enantiosseletiva mais apropriada. A expresso usada para significar que uma determinada sntese produz os enantimeros finais em quantidades desiguais (maioria de um enantimero, minoria do outro), isto , o produto final no uma mistura racmica.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    22

    enantimeros de uma certa substncia. Pode acontecer que um enantimero seja benfico, enquanto que o outro seja fortemente prejudicial para nosso organismo22. O caso mais comum que s um dos enantimeros apresenta um determinado efeito desejado (no caso dos frmacos, ou remdios, na linguagem comum), sendo o outro enantimero inativo; como ambos podem apresentar efeitos colaterais indesejados, evidente que a nica atitude inteligente tomar apenas o enantimero apropriado. H, assim, um grande interesse por parte da indstria farmacutica (e outras indstrias) pelo desenvolvimento de mtodos de preparao de enantimeros puros. Como j mencionado anteriormente, reaes qumicas envolvendo apenas materiais de partida e reagentes simtricos (aquirais) produzem misturas racmicas (50 % de cada enantimero). A separao dos enantimeros , em geral, um processo difcil e trabalhoso que, no final das contas, pode produzir no mximo um rendimento de 50 %. Por essas razes h hoje um grande nmero de qumicos dedicando grande parte de suas pesquisas ao desenvolvimento de mtodos de sntese capazes de produzir um s enantimero, ou pelo menos capazes de produzir um enantimero em proporo maior do que o outro. Quando se faz isso, aparece, com a maior naturalidade, a pergunta: quanto mais de um dos enantimeros esta reao pode produzir? para dar esta medida que utilizamos o excesso enantiomrico. Calculamos o excesso enantiomrico da seguinte forma:

    Excesso Enantiomrico =[]

    t da mistura

    []t do enantimero puro

    100 (%)

    Problema 2.1.12. Qual o excesso enantiomrico de uma mistura racmica? E de um enantimero puro?

    Quando fazemos uma reao com a inteno de produzir um enantimero em proporo maior do que o outro, podemos ter uma medida da eficincia desta reao atravs do excesso enantiomrico: medimos a rotao especfica do produto e dividimos o valor encontrado pela rotao especfica do enantimero puro; multiplicamos por 100 (para obter o resultado na forma de porcentagem) e pronto: como voc j viu ao resolver o problema acima, se o produto obtido for uma mistura racmica, o excesso enantiomrico de 0 %; se for um enantimero puro, o excesso enantiomrico ser de 100 %. Naturalmente, quanto mais perto de 100 % estiver o excesso enantiomrico de nosso produto, mais eficiente o mtodo empregado. Misturas de enantimeros que no sejam racmicas, isto , misturas com excesso enantiomrico entre 0 e 100 %, esto sendo chamadas na literatura atual de misturas escalmicas (scalemic, em ingls). Dado um determinado excesso enantiomrico, como calcular a quantidade de cada enantimero na mistura? Relaes matemticas muito simples, como essas que envolvem quantidades de enantimeros, podem ser s vezes extremamente confusas. A fonte principal de confuso neste caso especfico o seguinte: se tivermos uma mistura de 22

    Um exemplo muito citado o da talidomida, de triste histria: um dos enantimeros tem efeitos benficos, mas o outro teratognico, tendo causado inmeros casos de crianas que nasceram sem pernas e/ou sem braos. No entanto, no se pode evitar os problemas da talidomida ingerindo apenas o enantimero correto, porque ele sofre isomerizao em nosso organismo e produz tambm o enantimero teratognico.

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    23

    enantimeros em quantidades diferentes (digamos ma e mb, sendo ma > mb), qual o excesso de um enantimero em relao ao outro? Voc precisa compreender muito bem que o excesso de a (vamos chamar este excesso de mea) a quantidade de a que sobra depois de retirarmos, do total, a mistura racmica. Como b o enantimero minoritrio, a mistura racmica contida nesta mistura formada pelo total do enantimero b (mb) mais uma quantidade igual do ismero a, ou seja, a massa da parte racmica 2mb! Como a massa total da mistura ma + mb, se retirarmos da a massa da parte racmica, obteremos o excesso de a, mea:

    mea = ma + mb 2mb mea = ma mb Tendo bem compreendido o pargrafo anterior, voc provavelmente ser capaz de demonstrar que a expresso dada anteriormente para o excesso enantiomrico equivalente seguinte:

    Excesso Enantiomrico = % do enantimero A % do enantimero B (%) Problema 2.1.13. Se tivermos uma mistura contendo 730 mg do composto A e 470 mg de seu enantimero, qual o excesso enantiomrico desta mistura?

    Problema 2.1.14. Uma mistura com massa total 270 mg apresenta excesso enantiomrico de 50 %. Qual a quantidade do ismero principal contido nesta amostra?

    Problema 2.1.15. Se juntssemos, a uma mistura racmica qualquer, uma massa igual da mistura de apenas um dos enantimeros, que excesso enantiomrico resultaria?

    Para voc se sentir mais vontade com esses valores de excesso enantiomrico, talvez ajude se voc fizer as seguintes consideraes: se partirmos de uma mistura racmica e formos considerando misturas cada vez mais ricas em um dos enantimeros, a porcentagem do ismero principal varia de 50 % a 100 %, mas o excesso enantiomrico varia de 0 % a 100 %. evidente que a variao do excesso enantiomrico duas vezes maior do que a variao da porcentagem do ismero principal na mistura.

    Terminologia de estereoqumicaTerminologia de estereoqumicaTerminologia de estereoqumicaTerminologia de estereoqumica Na opinio de muitos qumicos ilustres, entre eles Ernest L. Eliel, nascido em 1922, professor na Universidade de North Carolina e autor de importantes livros sobre o assunto, h um excesso de termos em estereoqumica: palavras criadas sem necessidade e mal definidas esto continuamente aparecendo na literatura, criando dificuldades para a compreenso da matria. Evidentemente, outras pessoas (por exemplo, aquelas pessoas que criaram os termos) pensam de maneira diferente. Podemos facilmente prever que este conflito ainda vai se estender por muito tempo. Existe realmente uma grande profuso de termos utilizados em estereoqumica, e uma boa parte deles parece realmente desnecessria. O estudante fica, como conseqncia, entre a cruz e a espada: por um lado corre o risco de dispender grande esforo para decorar inmeros termos inteis ou de pouca utilidade; por outro lado corre o risco de no aprender alguns termos muito importantes que lhe faro grande falta no futuro. Uma soluo de compromisso para esta situao a seguinte: neste texto sero explicados e utilizados alguns termos que, na opinio do autor, so mais importantes porque so usados com maior freqncia; o estudante se esforar para

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    24

    aprender os termos apresentados aqui e, quando encontrar depois um termo que desconhece, recorrer a fontes de informao especializadas. Evitaremos assim saturar a memria do estudante e evitaremos tambm um excessivo aumento de volume do texto. Uma das melhores fontes para este tipo de informao provm da IUPAC. Hoje em dia, um imenso volume de informao est disponvel na Internet, que poucas pessoas, ainda, aprenderam a explorar. Digamos que voc, lendo um texto qualquer, tenha se defrontado com a palavra ambo: pelo sentido voc pode perceber que o termo deve ter significado relacionado com estereoqumica, mas no sabe o que e nem encontra esta palavra em seu livro de Qumica Orgnica. Experimente digitar ambo IUPAC (sem as aspas!) em um programa de busca na Internet; o programa retornar uma lista de stios que contm as duas palavras em seus textos. Um dos primeiros, provavelmente, ser um stio da prpria IUPAC que conter uma definio recomendada para ambo. No momento em que este texto est sendo redigido, a IUPAC mantm um excelente glossrio chamado Basic Terminology of Stereochemistry (parte das recomendaes intituladas IUPAC Recommendations 1996) no endereo http://www.chem.qmul.ac.uk/iupac/stereo/A.html. Estes endereos, contudo, costumam mudar freqentemente; voc tem que aprender a desenvolver suas habilidades para localizar essas informaes. Um problema adicional e estreitamente relacionado diz respeito a uma certa profuso de variaes dos termos usados em estereoqumica. comum encontrarmos, em textos diversos, variaes como diasteremero, diatereoismero, diastereoismero, alm de variaes que incluem separaes com hfen (distero-ismero um exemplo comum). Isto muito confuso e difcil de evitar, principalmente em lngua portuguesa, devido a uma certa carncia de fontes de referncia para termos tcnicos, em nossa lngua, de autoridade reconhecida pela maioria. A este respeito, neste texto, ser utilizada uma ortografia que mais se assemelhar ortografia inglesa recomendada pela IUPAC, mas obedecendo, claro, s regras gerais da ortografia portuguesa.

    ProblemasProblemasProblemasProblemas 1. Quais dos compostos abaixo apresentam um centro de quiralidade?

    OH O

    CH3 CH3

    O O

    OH OH

    O

    2. Quais dos compostos abaixo (se algum) podem apresentar isomerismo ptico? Quais (se algum) podem apresentar isomerismo E/Z?

  • 2. Estereoqumica

    2.1.Introduo

    25

    H3C

    H

    CH3

    H

    H3C

    H

    CH3

    H

    O

    CH3

    H

    CH3

    H

    C C

    H

    H

    HO C

    H3C

    H

    CH3

    OH

    OH

    Pentan-3-ol

    3. As estruturas a seguir, em cada par, divergem apenas em conformao e, por isso, ambas as estruturas devem existir simultaneamente em qualquer amostra da substncia em questo. Para cada caso, assinale qual deve ser a estrutura mais estvel (de menor energia).

    CH3H

    H

    CH3

    H H

    HH

    CH3

    CH3

    H H

    "gauche" "anti" "cadeira" "barco"

    4. Escolha, entre as estruturas a seguir, aquelas que correspondem a confrmeros de uma mesma substncia.

    HH

    H

    CH3

    H Cl

    HH

    Cl

    CH3

    H H

    ClH

    H

    H

    H CH3

    ClH3C

    H

    H

    H Cl

    HH

    H

    CH2Cl

    H H

    CH3H

    H

    H

    H Cl

    5. As duas estruturas representadas em cada par a seguir so, claramente, imagens no espelho uma da outra. Voc acha que seria possvel separar as substncias (enantimeros) cujas molculas tivessem essas estruturas?

    CH3H

    H

    CH3

    H H

    HH3C

    H

    CH3

    H H

    CH3

    DHH

    CH3

    D HH

    6. Se um polarmetro fornece leitura de ngulos com preciso de 1, e seu tubo de 20 cm tem um volume de 10 mL, qual a quantidade mnima de cido D-tartrico de que voc precisaria dispor para ter uma leitura segura (digamos, -2) neste polarmetro?

  • PPPaaarrrttteee SSSuuupppllleeemmmeeennntttaaarrr dddeee 222...111

    SimetriaSimetriaSimetriaSimetria Neste livro j usamos vrias vezes a palavra simetria (e derivadas) sem maiores explicaes ou definies, confiando em que todos temos uma idia razovel de seu significado. Em estereoqumica, porm, s vezes se requer que haja um conhecimento mais preciso do significado de simetria. Esta parte suplementar dedicada a examinar alguns pontos bsicos mais importantes do assunto, sem aprofundamento exagerado. Antes de prosseguir, convm deixar bem claro que simetria aplica-se tanto a uma nica figura ou corpo como a um conjunto de objetos. Chamamos de simetria23 a regularidade que se observa, em disposio, tamanho, ou forma, de uma coleo de objetos ou partes de um mesmo objeto, em relao a certos elementos geomtricos de referncia (plano, linha, eixo, ponto). Elementos de simetria so as referncias mencionadas; dizemos plano de simetria, centro de inverso, eixo de rotao, etc. H muitos elementos diferentes (inclusive combinaes), mas vamos examinar s alguns. Operaes de simetria so as operaes (movimentos) que devemos fazer com os objetos ou partes para constatar a ocorrncia de simetria. Incluem reflexo no plano, inverso em um centro, rotao em torno de um eixo, etc. Estude a tabela 2.1.2 e veja se consegue compreender o conjunto desses elementos e operaes.

    Tabela 2.1.2. Elementos e operaes de simetria

    EElleemmeennttoo OOppeerraaoo SSmmbboolloo Identidade Identidade E Plano de simetria Reflexo no plano Centro de inverso Inverso de um ponto x,y,z para -x,-y,-z i Eixo de rotao Rotao por (360/n) Cn Eixo de rotao-reflexo (ou Eixo imprprio) (ou Eixo alternante)

    1. Rotao por (360/n) 2. Reflexo em um plano perpendicular ao eixo Sn

    23

    Em dicionrios, a ausncia de simetria (ou o oposto de simetria) chamada assimetria ou dissimetria, sendo estas duas palavras tratadas essencialmente como sinnimas. Em Qumica, porm, no devemos entender dissimetria como sinnimo de assimetria. Leia adiante a seo Simetria e quiralidade.

  • Parte Suplementar de 2.1

    27

    PPPlllaaannnooo dddeee SSSiiimmmeeetttrrriiiaaa

    O plano de simetria simplesmente um espelho plano imaginrio tal que a figura de um lado do plano coincide exatamente com a imagem da figura que est do outro lado. J vimos inmeros exemplos deste tipo de simetria.

    Figura 2.1.18. Planos de simetria

    Na figura 2.1.18 voc v alguns exemplos. No fique, porm, confuso com o fato de alguns exemplos mostrarem planos de simetria dentro das figuras e outros mostrarem planos fora delas. Reforando o que j foi dito, simetria pode referir-se tanto a partes de um nico objeto como a colees de objetos. Quando temos um plano de simetria relacionando partes de um objeto com outras partes do mesmo objeto, como nos casos centrais da figura 2.1.18, dizemos que o objeto tteemm planos de simetria. Este no o caso das duas mos, se consideradas separadamente: nenhuma das duas mos tem qualquer plano de simetria (mas, se considerarmos as mos como parte do corpo humano, poderemos dizer que o corpo tem um plano de simetria observe a face humana na figura 2.1.18).24 As duas figuras (ou as duas partes da mesma figura) relacionadas pelo plano de simetria, se comparadas uma com a outra, podem levar a dois tipos de resultado: as duas figuras podem ser iguais ou diferentes. Na figura 2.1.18, os dois tringulos so idnticos um ao outro, o mesmo ocorrendo com as duas partes relativas a cada plano de simetria do anel benznico; as duas partes da face humana ou as duas mos, porm, so diferentes. Figuras que so imagens no espelho uma da outra e que so diferentes entre si so chamadas de enantiomorfas.

    Problema 2.1.16. Voc acha que o benzeno tem pelo menos mais um plano de simetria, alm dos representados na figura 2.1.18, ou no?

    Problema 2.1.17. Represente os planos de simetria que puder encontrar para o tolueno e para os xilenos. Qual dessas estruturas tem maior nmero de planos de simetria?

    CCCeeennntttrrrooo dddeee iiinnnvvveeerrrsssooo

    Podemos entender a inverso atravs de um centro como sendo uma espcie de reflexo em um ponto. Na reflexo em um espelho plano, a distncia25 de cada ponto do objeto ao plano igual distncia do correspondente ponto da imagem

    24

    A propsito, voc deve saber que o corpo humano no perfeitamente simtrico; h sempre pequenas diferenas (uma pinta, um lado maior do que o outro, etc.) entre o lado esquerdo e o lado direito de uma pessoa. 25

    Lembrando que a distncia de um ponto a um plano deve ser medida sobre a reta que passa pelo ponto e perpendicular ao plano.

  • Parte Suplementar de 2.1

    28

    ao plano (e, alm disso, o ponto do objeto e o correspondente ponto da imagem esto sobre a mesma reta perpendicular ao plano do espelho). No caso do centro de inverso, tambm a distncia de um ponto do objeto ao centro de inverso igual distncia da imagem do ponto correspondente ao centro de inverso (e tambm os pontos correspondentes encontram-se sobre a mesma reta que passa pelo centro de inverso). Observe a comparao entre os dois casos na figura 2.1.19.

    A

    B

    C

    A'

    B'

    C'

    P1

    P2

    P3

    A

    B

    C

    A'

    B'

    C'P

    AP1 = P1A'BP2 = P2B'CP3 = P3C'

    i

    AP = PA'BP = PB'CP = PC'

    Plano de simetria Centro de inverso

    Figura 2.1.19. Comparao entre plano de simetria e centro de inverso

    Observando a figura, procure compreender que, se considerarmos o plano de simetria como o plano yz de um sistema de coordenadas cartesianas, a reflexo de um ponto de coordenadas (x,y,z) resulta em um ponto de coordenadas (-x,y,z). No caso do centro de inverso, por outro lado, tomando o centro de inverso como a origem do sistema de coordenadas, a inverso de um ponto de coordenadas (x,y,z) resulta em um ponto de coordenadas (-x,-y,-z).

    EEEiiixxxooo dddeee rrroootttaaaooo

    O eixo de simetria uma reta (eixo) tal que, se o objeto for girado em torno deste eixo, assumir uma posio que se superpe exatamente sobre a original. fcil perceber que todos os objetos tm eixos de simetria que resultam em superposio exata ao girar de 360 (uma volta completa): este chamado de eixo de simetria C1, e um eixo universal, ou trivial. Os eixos de simetria Cn devem ser considerados tendo em vista a multiplicidade ou ordem n. A multiplicidade o nmero de posies que existem no intervalo 0360 (excluindo o zero) que correspondam a uma superposio exata com o objeto original. Pela natureza da simetria, se h coincidncia aps girar de um ngulo de 20, ento haver coincidncia em todos os ngulos mltiplos inteiros de 20; como a coincidncia em 360 obrigatria (volta completa), este ngulo de 360 tambm um mltiplo inteiro do menor ngulo. Em outras palavras, um eixo de multiplicidade n, Cn, um eixo que provoca superposio a cada 360/n graus de rotao. Observe a figura 2.1.20, onde so mostrados alguns ciclobutanos e seus eixos de simetria.

  • Parte Suplementar de 2.1

    29

    CH3 CH3CH3

    CH3

    CH3

    CH3CH3CH3

    CH3

    C4 C1 C2 C1 C4 Figura 2.1.20. Eixos de simetria em ciclobutanos

    No caso do ciclobutano no substitudo, um quadrado (discutiremos a forma dos compostos cclicos em maiores detalhes em outra ocasio), h coincidncia a cada 90 de rotao; se 360/n = 90, ento n = 4. Substituio no anel tem efeito muito pronunciado sobre a multiplicidade.

    Problema 2.1.18. possvel imaginar um padro de substituio no ciclobutano que resulte em um eixo de simetria C3?

    Problema 2.1.19. Um quadrado tem eixo de simetria C4; qual a multiplicidade dos eixos de simetria de outros polgonos regulares como o tringulo (eqiltero), pentgono e hexgono? possvel tirar da alguma regra geral?

    Problema 2.1.20. Determine a multiplicidade dos eixos de simetria para os compostos do problema 2.1.17. Junte mais os seguintes:

    CH3

    OH

    CH3 CH3

    CH3 CH3

    CH3

    CH3

    H3C

    CH3H3C

    H3C

    Problema 2.1.21. O composto trans-1,3-dimetilciclobutano mostrado na figura 2.1.20 parece, pela multiplicidade de seu eixo de simetria, ser menos simtrico do que o ismero cis. Considere, porm, o centro de inverso: quais dos ismeros possuem centros de inverso?

    EEEiiixxxooo dddeee rrroootttaaaooo---rrreeefffllleeexxxooo

    Tambm chamado de eixo alternante ou eixo imprprio, este elemento de simetria um pouco mais complexo porque envolve duas operaes: rotao e reflexo. A rotao idntica do eixo de rotao que acabamos de ver; a reflexo (como no plano de simetria) feita em um plano perpendicular ao eixo. A discusso sobre a simultaneidade dessas operaes (se devemos imaginar que as duas devem ocorrer ao mesmo tempo ou consecutivamente) irrelevante para o resultado, que ser o mesmo quer as duas operaes sejam simultneas ou consecutivas. mais simples pensar em operaes consecutivas. O eixo de rotao-reflexo simbolizado por Sn, onde a multiplicidade n tem o mesmo significado que no caso de Cn. Observe agora, na figura 2.1.21, uma comparao entre Cn e Sn para as mesmas figuras.

  • Parte Suplementar de 2.1

    30

    CH3

    CH3

    CH3CH3

    C1 , S2 C2 , S4

    CH3

    CH3

    C3 , S6

    OH

    OH

    OH

    OH

    OH

    HO

    Figura 2.1.21. Eixos de rotao e de rotao-reflexo

    Pelos exemplos da figura fica evidenciado26 que o eixo de rotao-reflexo de multiplicidade par tambm um eixo de rotao de multiplicidade igual metade da outra. Ou seja, um eixo de rotao-reflexo S2n tambm um eixo de rotao Cn. No se confunda, porm, tentando aplicar esta regra na ordem inversa, pois ela no vlida no sentido inverso. Observe, na figura 2.1.20, o cis-1,3-dimetilciclobutano: fcil ver que existe um eixo de rotao C2 ; existe algum eixo de rotao-reflexo Sn nesta mesma posio?

    OOOpppeeerrraaaeeesss ppprrrppprrriiiaaasss eee iiimmmppprrrppprrriiiaaasss

    Dizemos que temos uma operao prpria27 (tratando-se de operao de simetria) quando a superposio de que falamos refere-se a pontos reais, materiais. Das operaes que mais nos interessam, apenas a rotao uma operao prpria. Planos, centros e eixos de rotao-reflexo so elementos que envolvem operaes imprprias28, pois essas operaes consistem em fazer coincidir um ponto material com o reflexo de outro ponto.

    CCCooommmbbbiiinnnaaaeeesss dddeee ooopppeeerrraaaeeesss dddeee sssiiimmmeeetttrrriiiaaa

    Este aspecto no tem grande interesse para ns, e vamos apresent-lo apenas a ttulo de curiosidade. Se uma figura contm vrios elementos de simetria, estes elementos podem se relacionar uns aos outros de vrias maneiras diferentes. Estas relaes podem ser expressadas na forma de teoremas demonstrveis, mas vamos apenas apresentar alguns resultados, de passagem.

    Quando h vrios planos de simetria () em uma figura, as linhas de interseco destes planos so eixos de simetria C. O ngulo elementar de rotao o dobro do ngulo de interseco dos planos. Observe o benzeno na figura 1.2.18 se quiser compreender isto melhor.

    O ponto de interseco de um eixo de simetria de multiplicidade par com um plano de simetria perpendicular a este eixo um centro de simetria. Experimente com o 1,1,3,3-tetrametilciclobutano.

    26

    Naturalmente, voc percebe que estamos evitando fazer muitas demonstraes para no desviar a ateno dos pontos que consideramos mais importantes. Se voc achar difcil aceitar as relaes no demonstradas aqui, recorra a textos mais especializados. 27

    Tambm chamada de operao de primeira espcie. 28

    Tambm chamadas de operaes de segunda espcie.

  • Parte Suplementar de 2.1

    31

    Sempre que houver um eixo de rotao-reflexo de multiplicidade 2n (S2n) tal que n seja um nmero mpar, haver um centro de simetria. Para compreender compare, na figura 2.1.21, os casos S2, S4, S6.

    EEEqqquuuiiivvvaaalllnnnccciiiaaa dddeee ooopppeeerrraaaeeesss dddeee sssiiimmmeeetttrrriiiaaa

    Existe uma perfeita equivalncia entre certas operaes de simetria, e vamos precisar conhecer essas equivalncias para poder simplificar nossas concluses. Veremos logo adiante que as operaes imprprias (envolvendo reflexo) so as que mais nos interessam, pois so as que podem ser relacionadas mais estreitamente com a quiralidade. As duas equivalncias mais importantes so:

    S2 = i S1 =

    Em outras palavras:

    Um centro de inverso equivalente a um eixo de rotao-reflexo de ordem 2 (o centro de inverso localiza-se no ponto de interseco do eixo com o plano de reflexo):

    S2

    CH3

    CH3

    S2

    iPlano dereflexode S2

    i

    Figura 2.1.22. Equivalncia S2 = i

    Um plano de simetria equivalente a um eixo de rotao-reflexo de ordem 1 (o plano de simetria corresponde ao plano de reflexo do eixo S1):

    CH3 CH3

    S1

    Plano de simetria () plano de reflexo de S1

    Figura 2.1.23. Equivalncia S1 =

  • Parte Suplementar de 2.1

    32

    SSSiiimmmeeetttrrriiiaaa eee qqquuuiiirrraaallliiidddaaadddeee

    Assimetria29, ou ausncia total de simetria, no pode ser relacionada biunivocamente com quiralidade. Para lembrar: dizemos que temos uma molcula quiral quando a molcula no pode ser levada a coincidir com sua imagem no espelho.

    As molculas, em questes de simetria, apresentam uma complicao a mais se comparadas a figuras geomtricas, planas ou tridimensionais, devido mobilidade relativa de algumas de suas partes. A rotao livre em torno de ligaes faz com que muitas molculas possam apresentar vrias formas diferentes, complicando muito as consideraes sobre simetria. Freqentemente s conseguimos compreender certos aspectos quando consideramos a forma mdia da molcula, correspondendo a uma forma intermediria entre as vrias conformaes possveis (essa forma mdia pode nem ser uma forma possvel para a molcula). Outras vezes, temos estruturas que so diferentes, mas que temos que considerar como iguais (ao fazer consideraes sobre simetria) porque elas podem se converter uma na outra por simples rotao em torno de ligaes . Por essas razes o estudante deve compreender que as consideraes que fazemos aqui so voltadas para a anlise de simetria de molculas, podendo no se aplicar a figuras rgidas. Alm disso o estudante deve saber que se espera que ele seja capaz de perceber sozinho as rotaes em torno de ligaes que so necessrias para fazer certas superposies (por exemplo, para compreender o eixo de rotao C2 que aparece na figura 2.1.24).

    Uma molcula assimtrica (isto , uma molcula que no tenha nenhum elemento de simetria) , quase pela certa (veja adiante), quiral; uma molcula quiral, porm, no necessariamente assimtrica, pois existem molculas quirais que contm alguns elementos de simetria. O mais comum desses elementos o eixo de simetria: muitas molculas contendo eixos de simetria so, de fato, quirais. Um exemplo mostrado na figura 2.1.24.

    C2

    a bca

    bc

    C2

    abca

    bc

    Espelho

    E n a n t i m e r o s !

    Figura 2.1.24. Molcula quiral contendo eixo de simetria

    29

    Como j mencionado, dissimetria tratada como sinnimo de assimetria por alguns dicionrios. Na literatura qumica antiga (incluindo o trabalho de Pasteur), porm, dissimetria era o termo utilizado para o que hoje chamamos de quiralidade. A objeo que se faz hoje ao uso do termo dissimetria provm exatamente desta impresso errnea que ele costuma induzir no leitor, de que dissimetria seria o mesmo que assimetria. O termo dissimetria foi tambm usado para significar ausncia de eixo de rotao-inverso.

    A comparao de uma molcula com sua imagem no espelho o nico critrio absoluto e infalvel de quiralidade.

  • Parte Suplementar de 2.1

    33

    Existem muitas tentativas de relacionar elementos de simetria com quiralidade, incluindo operaes extremamente complexas, mas freqentemente chegamos a decepcionantes concluses eivadas de excees. Considerando exclusivamente os elementos de simetria que acabamos de estudar podemos, na melhor das hipteses, concluir que determinadas estruturas no so quirais. De fato, uma estrutura que tenha um plano, um centro, ou um eixo alternante de simetria (observe que todos estes elementos so imprprios, envolvem reflexo) necessariamente aquiral. Melhor ainda, como conseqncia das equivalncias i = S2 e = S1, podemos reduzir tudo a consideraes envolvendo apenas os eixos alternantes de simetria (eixos de rotao-reflexo Sn) da seguinte forma:

    Qualquer estrutura que tenha um eixo alternante Sn de simetria necessariamente aquiral (no quiral);

    Estruturas que no tenham eixos alternantes Sn de simetria so, geralmente, quirais.

    As excees para o item 2 envolvem molculas que podem, atravs de rotaes em torno de ligaes , ser convertidas em conformaes enantiomricas. Na maior parte dos casos podemos interpretar que essas excees no so verdadeiramente excees porque a mdia entre as duas (ou mais) conformaes enantiomricas , afinal de contas, uma figura simtrica. Veja o exemplo do alo-inositol mostrado na figura 2.1.25.

    OHOH

    OHHO

    HO

    OH

    OH

    OH

    OH

    OH

    HO

    OH

    HOOH

    OHOH

    OH

    OH OH

    OH

    OHOH

    OH

    OH

    Rotao

    1 2

    34

    56 1

    2

    3

    456

    Espelho

    alo-Inositol

    I d n t i c o sConformao imaginria, correspondendoa uma mdia das conformaes possveis,possui um bvio plano de simetria(equivalente a S1).

    M d i aEntre as duas conformaes

    Conformaes "reais" Figura 2.1.25. alo-inositol: enantimeros conformacionais

    Em alguns casos, porm, nem mesmo uma conformao mdia imaginria, contendo algum elemento de simetria, pode ser visualizada como um hipottico estado intermedirio entre as conformaes reais. O composto mostrado na figura 2.1.26 foi sintetizado por Kurt Mislow e Richard Bolstad em 1955.

  • Parte Suplementar de 2.1

    34

    O C

    O

    NO2

    NO2

    OH HO

    OC

    O

    O2N

    O2NOC

    O

    O2N

    O2N

    O C

    O

    NO2

    NO2

    l-Mentol d-Mentol

    Espelho

    2,6,2',6'-Tetranitro-4,4'-difenato de l-mentilo e d-mentiloBasta girar de 90 a parte que est dentro do quadro verde para obter superposio da imagem com a figura original

    Figura 2.1.26. Molcula assimtrica, mas aquiral

    Nesta molcula, os dois grupos aromticos no podem girar livremente um em relao ao outro porque os grupos NO2, muito volumosos, impedem que seja completada a volta. No entanto, a imagem no espelho pode ser levada a coincidir com a molcula original simplesmente girando o conjunto dos dois anis aromticos de um ngulo de 90. Nenhuma das duas estruturas desenhadas, nem nenhuma das estruturas intermedirias entre as duas tem qualquer elemento de simetria. No entanto, poderamos forar uma situao hipottica (que na realidade no existe, e nem um intermedirio do processo) fazendo o seguinte raciocnio: a imagem no espelho converte-se na molcula original por rotao do conjunto dos dois anis; o resultado seria o mesmo se imaginssemos que a converso tivesse acontecido passando os grupos nitro uns pelos outros, girando os dois anis em sentido contrrio um ao outro. Portanto, mesmo que esta converso no seja possvel de efetuar na prtica, podemos interpretar o imaginrio intermedirio que tem os grupos NO2 superpostos como uma mdia hipottica das duas: esta estrutura mdia teria, afinal, um plano de simetria.

  • Parte Suplementar de 2.1

    35

  • CCCaaappptttuuulllooo 222...222

    IIIsssooommmeeerrriiisssmmmooo ppptttiiicccooo eee EEEssspppeeeccciiifffiiicccaaaooo dddaaa

    QQQuuuiiirrraaallliiidddaaadddeee MMMooollleeecccuuulllaaarrr

    Compostos com um centro de quiralidadeCompostos com um centro de quiralidadeCompostos com um centro de quiralidadeCompostos com um centro de quiralidade J examinamos os princpios bsicos da especificao da quiralidade no captulo 1.1. Vamos aqui apenas estender um pouco mais o detalhamento. Se h apenas um centro de quiralidade (sem outra fonte de quiralidade na molcula), existem apenas dois estereoismeros, e eles so enantimeros. A especificao da quiralidade feita basicamente de duas30 maneiras diferentes:

    Utilizando os sinais (+) ou (), significando que a substncia faz a luz polarizada girar para a direita (+) (melhor dizendo, no sentido horrio) ou para a esquerda ().

    Utilizando os estereodescritores R ou S. Agora atente bem para o seguinte fato: o mtodo indicado no item 2 completamente diferente do indicado no item 1! Por qual razo diferente? que o mtodo (1) refere-se a uma propriedade fsica das substncias: podemos ter uma substncia qumica da qual desconhecemos totalmente a frmula molecular, e mesmo assim poderemos dizer se ela o enantimero (+) ou (). Basta colocar uma amostra no polarmetro e medir a rotao, e pronto: estaremos em condio de dizer se a amostra do enantimero (+) ou do enantimero ().31

    30

    Existe tambm a denominao baseada na configurao do gliceraldedo, indicada pelas letras D ou L maisculas, usada principalmente para acares, aminocidos, etc. No se deve esquecer tambm que (+) e () podiam antigamente ser designados por d e l (minsculas e em itlico), informao muito til quando voc tem que ler trabalhos mais antigos. 31

    Usando apenas o polarmetro, se no conhecermos a rotao especfica da substncia, no poderemos dizer se temos um enantimero puro ou uma mistura escalmica, contendo um pequeno excesso de um dos enantimeros (excesso daquele que corresponde ao sentido de rotao observado). Complementando a anlise com cromatografias usando fases estacionrias quirais, e/ou com estudos de RMN usando solventes quirais, porm, geralmente se pode concluir se temos misturas escalmicas ou enantimeros puros.

  • 2. Estereoqumica

    2.2. Isomerismo ptico e Especificao da Quiralidade Molecular

    37

    O mtodo (2), por outro lado, requer o conhecimento da estrutura molecular da substncia: podemos desenhar uma frmula estrutural qualquer num papel e decidir se a frmula desenhada corresponde ao enantimero S ou R. Mas de maneira nenhuma podemos decidir se R ou S uma substncia da qual no conhecemos a estrutura molecular. Mais ainda, se temos duas substncias, uma (+) e outra (), e sabemos as frmulas moleculares, podemos atribuir a cada frmula a designao R ou S, mas no saberemos se R corresponde ao (+) ou ao () a menos que uma determinao da configurao absoluta tenha sido feita de alguma forma. Devemos considerar ainda que as misturas racmicas so muito importantes, pois esta a forma em que obtido o produto em qualquer sntese no enantiosseletiva. Quando criamos um nico centro estereognico em uma reao qumica por exemplo, adicionando um nuclefilo a um composto carbonlico sem utilizar reagentes ou solventes quirais, a probabilidade de o nuclefilo entrar por cima ou por baixo a mesma. Formam-se ento partes exatamente iguais de cada enantimero, obtendo-se assim uma mistura racmica.

    C OH3C

    H

    C2H5MgBr

    C2H5MgBr

    C2H5

    COHH3C

    H

    C2H5

    COHH3C

    H

    50 % do total

    50 % do total

    Face Re

    Face Si

    (S)-Butan-2-ol

    (R)-Butan-2-ol

    MisturaRacmica

    Esquema 2.2.1. Sntese de butan-2-ol

    Em muitas circunstncias precisamos deixar claro para o leitor que o produto obtido uma mistura racmica32. H vrias maneiras de representar isto no nome da substncia: ()-butan-2-ol, ou d,l-butan-2-ol (obsol.), ou rac-butan-2-ol, ou racem-butan-2-ol, ou RS-butan-2-ol, etc. Em geral no difcil, para o leitor, compreender a simbologia usada, que bem sugestiva. Vamos agora abrir parnteses para tratar de um aspecto paralelo enquanto certos aspectos esto frescos em sua memria. Voltaremos adiante a este mesmo ponto para continuar o assunto.

    AAAbbbrrriiirrr pppaaarrrnnnttteeessseeesss::: fffaaaccceee RRReee,,, fffaaaccceee SSSiii

    Ao examinar o esquema 2.2.1 voc deve ter notado que as duas faces planas de um carbono trigonal (que esteja ligado a trs substituintes diferentes entre si) tm nomes, face Re e face Si. Estes nomes no tm grande utilidade, mas vrios livros e artigos os utilizam de uma forma que bloqueia a compreenso se um leitor os desconhece. Os nomes so dados utilizando as mesmas regras de precedncia de Cahn, Ingold e Prelog (CIP): ao olhar para um carbono trigonal de uma determinada face, os

    32

    Misturas racmicas so tambm chamadas de racematos. A IUPAC recomenda atualmente que no se utilize mais a expresso mistura racmica (deve-se usar racemato), porque a expresso tem sido usada tanto para misturas homogneas como para conglomerados (uma justificativa pobre, que demonstra excessiva preocupao com um aspecto de importncia insignificante); neste texto vamos continuar usando mistura racmica por considerarmos o termo racemato imprprio didaticamente: no apenas deixa de transmitir claramente a idia de que estamos falando de uma mistura como ainda sugere o oposto: racemato parece nome de substncia, como acetato ou sulfato.

  • 2. Estereoqumica

    2.2. Isomerismo ptico e Especificao da Quiralidade Molecular

    38

    trs grupos, em ordem de precedncia (1, 2, 3) podem estar dispostos no sentido horrio (face Re) ou anti-horrio (face Si). Quando um reagente adicionado a uma das faces, produz o enantimero R; quando adicionado outra face, produz o enantimero S.

    Questo para refletir: possvel tambm que a adio de um reagente a um carbono trigonal no produza nenhum enantimero? Quantos e quais nuclefilos diferentes poderiam ser adicionados ao aldedo do esquema 2.2.1 sem que o produto apresentasse estereoisomerismo? Seriam 3?

    No cometa, porm, o engano de pensar que h uma relao definida entre Re e R ou S (ou entre Si e R ou S): a entrada de um nuclefilo pela face Re tanto pode dar origem ao enantimero R como ao enantimero S. Qual enantimero vai ser formado pela adio de um reagente a uma das faces depende da relao de precedncia do grupo adicionado em relao aos grupos j existentes. Compare o esquema 2.2.1 com o esquema 2.2.2.

    C OC2H5

    H

    CH3MgBr

    CH3MgBr

    CH3

    COHC2H5

    H

    CH3

    COHC2H5

    H

    50 % do total

    50 % do total

    Face Re

    Face Si

    (R)-Butan-2-ol

    (S)-Butan-2-ol

    MisturaRacmica

    Esquema 2.2.2. Outra sntese de butan-2-ol

    Observe o grupo CH3 ou o grupo C2H5 entrando pela face Re, nos dois esquemas: a estrutura do produto a mesma nos dois casos, se considerada em termos dos grupos que j estavam na molcula e do grupo que entrou; mas como houve uma troca dos grupos CH3 e C2H5 entre os dois esquemas, os produtos apresentam esses substituintes em posies trocadas (por isso um R e o outro S). Finalmente, sempre se lembre que s podem existir faces Re e Si quando os trs substituintes do carbono trigonal forem diferentes entre si: 33 dois substituintes iguais fazem com que as duas faces se tornem idnticas com relao adio de um reagente. Problema 2.2.1. Existem faces Re e Si na acetona? E na ciclo-hexanona? E na butanona?

    Problema 2.2.2. Decida quais das reaes a seguir produzem misturas de enantimeros: (a) Adio de CH3MgBr a (a1) Pentan-2-ona; (a2) Pentan-3-ona; (a3) Heptanal; (b) Reduo (adio de H ) de (b1) Pentan-2-ona; (b2) Pentan-3-ona; (b3) Heptanal.

    Problema 2.2.3. Para os casos do problema anterior que produziram enantimeros, diga qual enantimero (R ou S) produzido quando a adio ocorre pela face Re.

    33

    Quando ocorre esta condio, isto , quando as duas faces do carbono trigonal so diferentes uma da outra (ou, o que d na mesma, quando os trs substituintes so diferentes entre si), dizemos que as faces so estreo-heterotpicas. As faces estreo-heterotpicas so de dois tipos: se a adio de um grupo produz dois enantimeros, dizemos que elas so enantiotpicas; se produz dois diastereoismeros, dizemos que so diatereotpicas.

  • 2. Estereoqumica

    2.2. Isomerismo ptico e Especificao da Quiralidade Molecular

    39

    FFFeeeccchhhaaarrr pppaaarrrnnnttteeessseeesss

    Continuando de onde estvamos, vamos agora salientar um ponto extremamente importante para que voc possa compreender as publicaes da literatura qumica em geral, especialmente artigos dedicados a estudos de Sntese Orgnica: no hbito representar a estereoqumica de produtos sintticos contendo apenas um centro de quiralidade! Quando se descreve uma sntese, presume-se que o leitor saiba que, em uma sntese normal (no enantiosseletiva), os produtos formados so misturas racmicas. Nos esquemas, as frmulas estruturais correspondentes a produtos com apenas um centro de quiralidade so usualmente representadas com traos normais, sem indicao de estereoqumica.

    H

    O

    CH3MgBr

    OH

    O

    LiAlH4

    OH

    OO

    H2O

    O

    CH3 CH2 CO2HBr2

    CH3 CH CO2H

    Br

    PBr3

    cat.

    Esquema 2.2.3. Representao usual de snteses

    Observe, no esquema 2.2.3, a maneira como usualmente se representa a reao do propionaldedo com o reagente de Grignard: ao ver uma reao assim em uma publicao, espera-se que voc compreenda sozinho que esta equao significa aquilo que est representado no esquema 2.2.2. Para estar em condies de ler e compreender as publicaes da literatura, ao observar as frmulas do esquema 2.2.3 voc deve ser capaz de tirar, rapidamente e sem grande esforo, as seguintes concluses:

    Cada uma das reaes apresentadas gera um produto contendo apenas um centro de quiralidade;

    Nenhum material de partida ou reagente apresenta quiralidade;

    Os produtos obtidos so misturas racmicas.

  • 2. Estereoqumica

    2.2. Isomerismo ptico e Especificao da Quiralidade Molecular

    40

    Problema 2.2.4. No esquema a seguir, indique quais reaes produzem misturas racmicas.

    O

    O

    O

    O

    O

    O

    CO2CH3

    O

    O

    O

    OH

    OH

    OH

    OH

    OH

    OH

    CH2OH

    OH

    OH

    OH

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    LiAlH4

    O OHO

    H

    O

    OH

    OH

    O OH

  • 2. Estereoqumica

    2.2. Isomerismo ptico e Especificao da Quiralidade Molecular

    41

    RRReeegggrrraaasss dddeee ppprrriiiooorrriiidddaaadddeee CCCIIIPPP

    As convenes R, S, E, Z (e tambm Re, Si, etc.), inicialmente propostas por Cahn, Ingold e Prelog (de onde vem a abreviatura CIP, que est sendo muito utilizada), dependem da existncia de um sistema absolutamente completo e inequvoco para determinar prioridades (ou seqncia de prioridades, como preferem os autores CIP). Voc j viu, quando estudamos a nomenclatura dos alcanos, que o critrio mais importante para determinar a prioridade o nmero atmico. No enta