está chovendo homem, strippers, masculinidades e performances de gênero no filme magic mike

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Belém, vol. 1, n. 2, p. 235-257, julho/dezembro 2015 “Está chovendo homem” Strip-tease, masculinidades e performances de gênero no filme Magic Mike Francisco Moreira Ribeiro Neto 1 Milton Ribeiro da Silva Filho 2 Cinema & Strip-tease Ir ao cinema para assistir determinado filme não é somente ir ao cinema, pois há toda uma maquinaria por trás disso que nos impulsiona para o escurinho da sala de projeção, que vão das revistas e sites especializados em cinema a festas de premiações como o Oscar. O primeiro filme rodado comercialmente ocorreuem 28 de dezembro de 1895, pelos os irmãos Lumière, chamado A chegada de um trem na Estação deLa Ciotat (1895), nele havia imagens de uma locomotiva em movimento, o que parecia verdadeiro aos olhos do público, até então inexperiente com essa tecnologia. O cinema, visto como uma das grandes indústrias de entretenimento da atualidade vem fascinando plateias de diferentes épocas e lugares, que se multiplica em vários temas como o envolvimento erótico-sexual entre os amantes do filme Corpos Ardentes (1981), na forma como a sociedade aceita ou repudia as diferenças como visto no filme Edward, mãos de tesoura (1991), ou na força da tradição como organizadora de nossas vidas como observado no filme O tigre e o Dragão (2001). Não obstante, a partir da década de 1960, o cinema hollywoodiano intensificou a exibição do sexo e da sexualidade em seus filmes, isso porque mudanças nos costumes sexuais vêem ocorrendo há tempos. Essas mudanças estiveram atreladas ao movimento feminista (1960/70), que repetiu nas telas do cinema como o filme A 1 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará em 2015 e integrante doMovimento Universitário em Defesa da Diversidade Sexual - Grupo Orquídeas desde 2010, contatos [email protected] 2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará. Mestre, bacharel e licenciado pleno em Ciências Sociais. Membro da Equipe Cordenadora Docente do Pet/GT/CS. Pesquisador do VISAGEM, JUERÊ e NOSMULHERES. Membro da Equipe Editorial da Revista Eletrônica Visagem. E-mail: [email protected]

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Belém, vol. 1, n. 2, p. 235-257, julho/dezembro 2015

“Está chovendo homem”

Strip-tease, masculinidades e performances de gênero no filme Magic

Mike

Francisco Moreira Ribeiro Neto1

Milton Ribeiro da Silva Filho2

Cinema & Strip-tease

Ir ao cinema para assistir determinado filme não é somente ir ao cinema,

pois há toda uma maquinaria por trás disso que nos impulsiona para o escurinho da sala

de projeção, que vão das revistas e sites especializados em cinema a festas de

premiações como o Oscar. O primeiro filme rodado comercialmente ocorreuem 28 de

dezembro de 1895, pelos os irmãos Lumière, chamado A chegada de um trem na

Estação deLa Ciotat (1895), nele havia imagens de uma locomotiva em movimento, o

que parecia verdadeiro aos olhos do público, até então inexperiente com essa tecnologia.

O cinema, visto como uma das grandes indústrias de entretenimento da

atualidade vem fascinando plateias de diferentes épocas e lugares, que se multiplica em

vários temas como o envolvimento erótico-sexual entre os amantes do filme Corpos

Ardentes (1981), na forma como a sociedade aceita ou repudia as diferenças como visto

no filme Edward, mãos de tesoura (1991), ou na força da tradição como organizadora

de nossas vidas como observado no filme O tigre e o Dragão (2001).

Não obstante, a partir da década de 1960, o cinema hollywoodiano

intensificou a exibição do sexo e da sexualidade em seus filmes, isso porque mudanças

nos costumes sexuais vêem ocorrendo há tempos. Essas mudanças estiveram atreladas

ao movimento feminista (1960/70), que repetiu nas telas do cinema como o filme A

1Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará em 2015 e integrante doMovimento

Universitário em Defesa da Diversidade Sexual - Grupo Orquídeas desde 2010, contatos

[email protected]

2Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do

Pará. Mestre, bacharel e licenciado pleno em Ciências Sociais. Membro da Equipe Cordenadora Docente

do Pet/GT/CS. Pesquisador do VISAGEM, JUERÊ e NOSMULHERES. Membro da Equipe Editorial da

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Primeira noite de um Homem (1967) ou O Último tango em Paris (1972), influenciando

mudanças significativas de entendimento em relação ao sexo, aos corpos e às

sexualidades, assim como, as representações sobre seus desejos e práticas sexuais,

mostrando, além disso, outras formas de se vivenciar as sexualidades como

homossexualidades, lesbianidades, transexualidades, entre outras, seja no cotidiano, seja

nas telas do cinema.

Nesse sentido, Guacira Lopes Louro (2008, p. 82), nos diz que os filmes, ao

misturarem cinema e sexualidade, nos convocam a olhar as pedagogias culturais que

eles exercem sobre suas plateias, tomando esta sexualidade como um dispositivo que

não está circunscrito nas tramas da biologia, mas sim, nas construções sociais em que se

(re)produzem culturalmente através da linguagem, corpos, gestos e rituais transmitidas

nas imagens, afirmando que,

Os significados que se atribuem as identidades, jogos e parcerias sexuais são

situadas e disputadas historicamente e, ao longo dos tempos, nos filmes,

posições-de-sujeitos e práticas sexuais e de gênero vem sendo representadas

como legítimas, modernas, patológicas, normais, desviantes, impróprias,

perigosas, fatais, etc.. (LOURO, 2008, p.82).

O cinema hollywoodiano, continua a autora, foi eficaz nessa construção de

mocinhas ingênuas, mulheres fatais, heróis e vilões, cujo público, através da “linguagem

cinematográfica” era mobilizado para “dirigir seu olhar”, construindo “simpatias e

repúdios”, aprendendo, com isso, a decodificar essa linguagem e a torcer pelo sucesso

ou fracasso deste ou daquele personagem que mais se identificavam com eles.

Nesse ínterim, foi nessa quebra de costumes sexuais e “novos” costumes

que, segundo Linda Williams (2012), os filmes passaram “a mostrar mais sexo do que

antes”, já que foi a partir dessa época (1960/1970), que essas imagens tornaram-se mais

estabelecidas para o mundo em que vivemos, destacando que uma “reorganização

fundamental” entre o público e privado estava ocorrendo, cujas linhas que as separavam

estavam/estão em constante (re)negociações, modificando formas de pensar, agir e de

representar as sexualidades fora e dentro do cinema.

Isso porque, como complementa, Jean Claude Bernadet (2012), “quando um

tema polêmico como sexo e sexualidade é abordado por um grande produtor de filmes

destinado a amplo consumo é porque este tema já foi bastante absorvido pela sociedade,

já deixou de ser tão polêmico” como é perceptível no filme escolhido para este trabalho

Magic Mike (2012), uma vez que potencializa um tema ainda pouco visto nas telas do

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cinema, o strip-tease masculino e, que vem encontrando grande receptividade do

público em geral3.

Por isso, torna-se interessante pensar no entrelaçamento entre mudanças

sócio-sexuais e o cinema, já que os filmes nos possibilitam visualizar (etnográfica,

metodológica e interpretativamente), dispositivos históricos que demarcam, em cada

época e lugar, nossos gostos, entendimentos e aceitações sobre a exibição dos corpos e

sexualidades como, por exemplo, nos filmes de strip-tease:9 ½ Semanas de amor

(1986)4, Showgirl (1996), Striptease (1996), Ou tudo ou nada (1997), Show Bar (2000),

Closer: perto demais (2004) e Magic Mike (2012), entre outros, que nos ajudam a

pensar no que vem sendo produzidas no cinema sobre o tema e como as feminilidades,

masculinidades e a (re)produção das sexualidades vem sendo mobilizadas para o

público sob o signo do strip-tease no cinema.

O Strip-tease no cinema de Steven Soderbergh

A partir dessas mudanças representacionais de gênero e sexualidades nos

filmes, o cinema multifacetado do diretor Steven Soderbergh, imagem abaixo, se insere,

nos possibilitando perceber em sua filmografia, como vem traçando, sob várias óticas e

temas, seu olhar cinematográfico sobre a cultura norte-americana ao longo de sua

carreira, a exemplo do filme Magic Mike (2012).

3 O filme Magic Mike (2012), teve como orçamento 7 milhões de dólares e uma arrecadação de mais de

600 milhões só nos Estados Unidos. No Brasil, o filme foi bastante assistido com mais de 60 mil

ingressos vendidos e um lucro de mais de 200 milhões reais, ambos no ano de 2012. Ver referência no

final desse trabalho (Outras referências). 4 O filme 9 ½ Semanas de Amor (1986), foi sugerido pela professora e orientadora deste trabalho, Mônica

Prates Conrado (UFPA), no momento da defesa do TCC como um dos filmes que marcaram época

quando se fala em strip-tease no cinema.

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Imagem 1: O diretor Steven Soderbergh dirigindo os atores no set de filmagem do filme Magic Mike.

Fonte: Google Imagens, 2014.

Esse diretor nasceu em Atlanta, em 14 de janeiro de 1963, sendo filho de pai

professor e mãe dona de casa, que logo cedo se envolve com o cinema. Soderbergh

entrou no mundo da direção quando dirigiu um espetáculo da banda de rock Yes (1986),

o que lhe rendeu indicação ao Grammy5. Posteriormente dirigiu o filme Sexo, Mentiras

e Videotape (1989), tornando-se o diretor mais jovem a ganhar a Palma de Ouro6. Além

disso, é conhecido desde muito jovem a ter várias funções dentro de um mesmo filme

como a função de diretor, diretor de fotografia e/ou de elenco, entre outros, o que lhe

proporciona conhecer na prática todo o processo de se fazer um filme, atitude pouco

comum entre os diretores hollywoodianos.

De lá para cá, vem acumulando prêmios e respeito entre aos críticos de

cinema como sua extensa filmografia nos mostra, assim como, suas duas indicações a

categoria de melhor diretor, em um mesmo ano, para o Oscar pelos filmes Erin

Brockovich: uma mulher de talento (2001) e Traffic (2001), levando a estatueta de

melhor diretor por Traffic. Ele é o terceiro diretor a possuir essa particularidade em sua

carreira, sendo o primeiro Victor Fleming por E o vento Levou...(1939) e O Mágico de

5 Grammy: É a maior e mais prestigiada festa do mundo musical que ocorre anualmente nos Estados

Unidos. É considerado o Oscar da música. 6 Palma de Ouro: Prêmio de maior prestigio do festival de Cannes, que ocorre anualmente na França

desde 1955.

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Oz (1939), o segundo Francis Ford Copolla por A Conversação (1974) e O poderoso

Chefão: Parte II (1974).

Soderbergh vem, ao longo desses quase trinta anos de carreira, produzindo

filmes com diferentes temáticas como os dramas já mencionado se outros como a ficção

cientifica Contágio (2001), a biografia Che: a guerrilha (2008), a comédia Onze

homens e um segredo (2001), entre outros.

Esse diretor possui filmes com temáticas que envolvem gênero e

sexualidade, tematizado sobre assuntos diversos também dentro deste último aspecto,

mostrando-nos vários modelos de relacionamentos, identidades, estigmas e subversões

aos modelos e padrões vigentes como no filme Sexo, Mentiras e Videotape (1989), Eros

(2004),Confissões de uma Garota de Programa (2009),Minha Vida com Liberace

(2013) e Magic Mike XXL(2015).

Em Magic Mike (2012), filme escolhido para essa interpretação fílmica, o

diretor nos convoca o olhar para um tema ainda pouco visto no cinema, o strip-tease

masculino, mostrando-nos relações de construções e (re)produções de gênero e

sexualidade entre homens em torno dos ideais masculinos para serem vendidas nos

shows de strip-tease do clube Magic Mike.

Como pano de fundo dessa produção, o autor conta a história de um clube

de strip-tease masculino (Magic Mike), só para mulheres, localizado na cidade de

Tampa, no Estado da Flórida nos Estados Unidos (EUA). Neste Clube, homens strippers

se fantasiam de marinheiros, soldados de guerra, tarzans, médicos, cowboys, entre

outros, mexendo com o imaginário erótico feminino quando sensualizam os ideais

masculinos no palco em troca de “dinheiro, mulheres e diversão”, como nos diz o

personagem Mike (Shanning Tatun), que se despe nos shows para a plateia feminina7,

que vai ao clube para se divertir e consumir esses homens e suas performances8 “hétero-

másculas”,onde pagam para que esses corpos cheguem à nudez total.

7 No filme Magic Mike (2012), a plateia feminina deste clube não possui muitas falas, sendo mais

referenciadas nos discursos dos strippers para que estes montem/encenem os ideais masculinos no palco.

Por isso, ao longo desse artigo, optou-se por detalhar as vivências e aprendizagens dos modelos

masculinos pelos strippers, já que o filme se centra no clube e nas atividades dos personagens que fazem

os shows, isto é, os strippers masculinos. 8Neste trabalho o conceito de “performance” possui dois sentidos, um que segue as ideias de

“performance” advindos do pensamento de Judith Butler no livro Problemas de gênero (2012), e outro,

no diz respeito a atuação ou ação de representar um personagem num filme, peça teatral, novela ou outro,

como observado nos atores (vida real) que encenam personagens (strippers masculinos ), no filme Magic

Mike (2012).

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Imagem 2: Um dos Pôsteres do filme Magic Mike (2012).

Fonte: Google Imagem, 2014.

O filme tem como principais personagens masculinos Mike (Shanning

Tatun), Adam (Alex Pettyfer), Dallas (Matthew McConaughey), Big Dick Riche (Joe

Manganiello), Ken ou Boneco Ken (Matt Bomer), Tito (Adam Rodrigues), Tarzan

(Kevin Nash) e o DJ (Gabriel Iglesias), que estão envolvidos com o clube de strip-tease

masculino Magic Mike.

Como principais personagens femininos o filme nos apresenta Brooke

(Cody Horn), Joanna (Olivia Munn), Zora (Riley Keough), Ken‟s Girlfriend (Mircea

Monroe), Tara (Wendi McLendon-Covey), Girl in Line (Avery Camp) e Birthday Girl

(Camryn Grimes), entre outras, que fazem parte da vida desses homens como parentes,

namoradas ou consumidoras desses corpos.

Dos personagens descritos anteriormente, o filme tem como protagonistas o

stripper Mike (Shanning Tatun), que está próximo dos 30 anos, não possui estudo e que

é um stripper de uma casa noturna durante a noite, gerenciada por Dallas (Matthew

McConaughey), onde dança, pula, simula fazer sexo e senta no colo das mulheres, isso

para manter o seu alto padrão de vida regada a bebidas e mulheres. Mas, além disso,

durante o dia, Mike, sob o nome de Michael é marceneiro de construção de imóveis e

planeja algum dia abrir sua própria empresa de móveis fabricados sob medida, estando

neste segmento, strip-tease, segundo o mesmo, para conseguir realizar esse sonho.

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Essa vida dividida entre o dia e a noite se altera quando conhece Adam

(Alex Pettyfer), um garotão de 19 anos, que abandonou uma bolsa de futebol americano

em uma universidade, não tem emprego fixo e mora com sua irmã mais velha Brooke

(Cody Horn), que é enfermeira e que, diferente de Adam, aparenta ter uma vida estável

e estabelecida. Adam procura um trabalho na construção civil onde Michael (Mike) está

trabalhando, não tendo experiência nesta área, mas Michael lhe ensina o trabalho e

quando seu carro dá problema, este lhe concede uma carona até sua casa.

À noite, Adam sai de um jantar enfadonho com sua irmã e seu namorado,

indo parar na fila de uma casa noturna chamada Amphitheater (Anfiteatro), uma boate

com um público variado, que fica próxima do clube Magic Mike. Mike está prestes a

entrar nessa boate e quando Adam o vê pede para entrar com ele.

Mike diz que por ele sim, mas talvez fosse impedido de entrar pelos

seguranças, pois trajava camisa com capuz vermelho, calça jeans e tênis, enquanto Mike

usava calça jeans, camisa manga longa e sapatos estilo social. Mike (Shanning Tatun),

em seguida, negocia sua entrada na boate, sinalizando que Adam estava com ele,

dizendo Mike que ele, Adam (Alex Pettyfer), iria “lhe dever” por isso, “dever e pagar

com qualquer coisa”.

Imagem 03: Adam (Alex Pettyfer) e Mike (Shanning Tatun) na boate Anfiteatro do filme Magic Mike.

Fonte: Google/Site Oficial do filme Magic Mike, 2014.

Na boate Anfiteatro, Adam fica fascinando pelas mulheres que passam por

ele. Mike o apresenta como um “novo recruta” para algumas mulheres, que já sabem o

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que Mike faz na noite. Mike percebe que Adam tem um “certo” potencial para entrar

neste mundo do strip-tease masculino.

Elas o acham bonito, dizendo elas que as “coroas vão amar”, se referindo a

Adam como aquele que teria os atributos corporais (corpo magro e branco), de

sexualidade (hétero) e de identidade de gênero (masculina/masculinizada) como

componentes necessários para subir e ser desejado no palco do Magic Mike.

Em seguida, Adam, a mando de Mike, vai conversar com duas garotas: Girl

in Line (Avery Camp) e Birthday Girl (Camryn Grimes), sendo que, esta última estava

fazendo aniversário naquela noite. Adam começa a conversar com as garotas quando

Mike chega junto do trio e as convida para o show que fará em alguns minutos, o rosto

de Adam ao olhar o folheto-convite do show muda de feição para um semblante de

surpresa/espanto, inclinando seu olhar para Mike como se perguntasse (que porra é

essa?), já que não tinha percebido que Mike trabalhava como stripper, o que não daria

para perceber, pois o local, as roupas, os gestos de Mike na boate Anfiteatro não

condiziam com a encenação masculina que ele faz no palco do Magic Mike, pois neste

ambiente, há todo um arranjo (músicas, fantasias, gestos e nudez) para que a plateia

chame os strippers de strippers.

Chegando ao Clube de mulheres, Mike (Shannig Tatun) apresentaAdam

(Alex Pettyfer) àDallas (Matthew McConaughey), como o garoto que o ajudou a trazer

“9 garotas para o show de hoje”, pensando em ajudá-lo com algum trabalho no Clube.

Na conversa Mike e Dallas, este o rejeita primeiramente, mas depois de

conversar/discutir rapidamente com Mike sobre o que ele faria lá, diz para ele (Adam)

fazer o que Mike lhe mandasse. Adam, em seguida é levado para o camarim do clube,

onde os strippers se montam para os shows, sendo apresentado a outros integrantes do

clube, que fazem uma brincadeira com ele para descontrair.

A brincadeira é feita por Tarzan (Kevin Nash), que pede para que ele passe

um óleo na sua perna. Adam estranha inicialmente e pensa que é brincadeira, porém,

Tarzan lhe diz que não é. Então, ele começa a passar o óleo na perna do Tarzan, fazendo

com que todos riam da situação, que parece ser um primeiro teste de desprendimento

para o que seria permitido ou não fazer neste clube de homens como tocar ou quanto

tocar outro homem, ficar nu em frente a outro homem, sem com isso “perder” sua

masculinidade entre eles e entre eles e a plateia.

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Em seguida, os seis strippers se apresentam num show, sendo que outro

personagem seria “encenado” numa performance solo, o personagem Tarzan (Kevin

Nash), mas como o seu protagonista havia bebido muito e não conseguia fazer o show,

os outros strippers foram indagados por Dallas se não poderiam realiza-lo, já que a

plateia estava esperando lá no palco. Eles não se sentiam preparados para realizar o

performance com a temática do Tarzan, pois não tinham treinado esta cena, assim como,

não tinham outro show que já tivessem feito para encená-la novamente no palco.

Mike, como um dos organizadores do show junto a Dallas, não pensa duas

vezes e cobra o favor que fez anteriormente a Adam, colocando-o no palco para tirar a

roupa, dançar, seduzir e ganhar algum dinheiro. Ele é literalmente jogado no palco por

Mike, que ri da sua inexperiência e espanto diante da plateia atrás da cortina.

Adam, apesar de ter acabado de assistir um show dos strippers no Magic

Mike, não sabe o que fazer inicialmente no palco. Adam olha a plateia nervosamente,

imagem abaixo, e vai se despindo num estilo adolescente/criança, o que é contestado

por Dallas (Matthew McConaughey), quando o ensina a dançar posteriormente, isto é,

como alguém com uma masculinidade trivial, que não precisa encenar objetivamente os

ideais masculinos para ganhar dinheiro neste trabalho como fazem os strippers.

Imagem 04: Adam (Alex Pettyfer) “perdendo a virgindade” no palco do Magic Mike.

Fonte: Google Imagens, 2014.

Meio envergonhado vai conseguindo fazer o show sob o olhar de Dallas,

que vai lhe apontando como fazer e até onde ir, isto é, o quanto tirar a roupa no palco

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para em seguida se misturar à plateia, conseguindo fazer o show como ilustrado na

imagem abaixo.

Imagem 05: Adam (Alex Pettyfer) se despindo para a plateia do Magic Mike.

Fonte: Google/Site Oficial do filme Magic Mike, 2014.

Em seguida Adam, imagem abaixo, desce do palco aondevai se despindoe

vai ao encontro da plateia como os outros strippers o fazem. Aos poucos, consegue o

que os outros strippers se propõem ao subir ao palco, isto é, ser desejado, seduzir a

plateia com gestos e músculos e ganhar dinheiro, o que em outro ambiente (vida

cotidiana), levaria mais tempo como o trabalho que exercia temporariamente na

construção civil.

Imagem 06: Adam (Alex Pettyfer) fazendo show de strip-tease junto à plateia do Magic Mike.

Fonte: Google/Site Oficial do filme Magic Mike, 2014.

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Com esse show, Adam (Alex Pettyfer), consegue seu espaço entre os

dançarinos do Clube. Para tanto, passa a incorporar outros modelos de masculinidades

que não faziam parte de seu repertorio de gênero masculino para, em seguida, encená-

los nos shows do Magic Mike, o que os strippersDallas (Matthew McConaughey)e

Mike (Shanning Tatun), lhes ensinam ao longo do filme.

Strippers, Masculinidades e Performances de Gênero no Magic Mike.

Para ser/estar um stripper uma gama de atividades se fazem necessárias como

preparar os corpos na academia (musculação), aprender a dançar, seduzir, adquirir

cuidados corporais (depilação), comprar fantasias e outros, o que o mais novo

dançarino, Adam (Alex Pettyfer), já o fizera junto com outros strippers, estando

preparado para performar/parodiar os ideais masculinos no palco do Magic Mike, cujo

público feminino vai ali para desejá-los e tocá-los com seus olhos e mãos9.

Nos shows, o diretor Steven Soderbergh, nos mobiliza a percepção para

olharmos, sob o ângulo dos shows, como os strippers nos apresentam o que é

ser/estar/parodiar as masculinidades no palco, já que os corpos já foram arduamente

selecionados e preparados, e agora, ornamentados com as fantasias jogam-se no palco

do Magic Mike, encenando os ideais masculinos heteronoramativos10

para fazerem com

que “suas” masculinidades sejam desejadas como as masculinidades mais masculinas

para este público, ganhando com isto sua recompensa em forma de dinheiro.

Nesse sentido, nos diz Marion Arent (2007, p.154), que “no clube das

mulheres, bem como nos espetáculos de strip-tease em geral, a dança é utilizada com o

propósito de despertar fantasias e produzir desejos eróticos”, ou seja, os strippers

9 Uma observação é necessária nesse trabalho. Ao logo do filme Magic Mike, há um total de sete shows,

sendo que este artigo procura elucidar as cenas dos shows mais pertinentes aos objetivos específicos deste

trabalho, isto é, relacionados às (re)produções das masculinidades por meio das perforrmances de gênero

masculinas dos shows de strip-tease do clube de mulheres. 10

Michel Foucault em História da sexualidade (2011), analisa as formas como o sexo e a sexualidade,

entre os séculos XVII ao XIX, foram sendo “encerrados como um campo aberto de práticas libertinas”

pelo advento do capitalismo e da ordem burguesa, que tomaram o casal heterossexual como seu modelo

desejável, cujas sexualidades que não se enquadravam neste modelo, a exemplo dos homossexuais, eram

induzidas a desaparecer. Desse período em diante se normatiza o conceito heteronormatividade, que se

refere ao modelo normativo homem (macho) e mulher (fêmea) como modelos “naturais” e “reprodutivos”

impostos pela e para a sociedade, cujos ideais de gênero, corpos e sexualidades heterossexuais são

concebidos como práticas sexuais positivas, tendo nas nomenclaturas“homem”, “macho”, “masculino”,

“heterossexual” seus modelos desejados e esperados como representados no filme Magic Mike (2012).

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sabem, objetivamente, o quanto de músculos, rebolados e posições sexuais devem usar

nos shows para fazerem com que a plateia acredite, através dessas performances, que

eles representam modelos masculinos dignos de serem considerados masculinos,

desejados e tocados.

Dallas (Matthew McConaughey), nos apresenta um dos shows. Ele provoca

a plateia com sua fantasia de couro, chapéu de cowboy e uma calça de couro bem justa

ao corpo que demarca bem seu falo (pênis), imagem abaixo, dizendo à plateia que “hoje

vai chover e isso lavará suas almas”, preparando e provocando o público para um dos

shows do filme, afirmando que “o show vai começar”.

Imagem 07: Dallas (Matthew McConaughey), apresentando um dos shows de strip-tease masculino

Fonte: Google/Site Oficial do filme Magic Mike, 2014.

O show que Dallas anuncia é embalado pela musica “Está chovendo

homem”, It's Raining Men, da cantoraGloria Gaynor (1983),que começa com o palco

bem escuro com Mike(Shanning Tatun), surgindo no centro fantasiado com uma capa

de chuva, chapéu e uma sombrinha, todos de cor preta, que nos lembram filmes de

espionagem de antigamente como 007. Ao entrar no palco eles se posicionam de forma

ereta e põem a sombrinha na região do pênis, com o cabo tocando seus corpos e com

ponta para cima, fantasiando o próprio falo em ereção como na imagem abaixo.

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Imagem 08: Mike (Shanning Tatun) e outros strippers iniciando um dos shows no palco do Magic Mike.

Fonte: Google/Imagens, 2014.

Ainda no palco se aproximam da plateia, abrem as sombrinhas, girando-as,

o que faz a plateia delirar e gritar, despindo-se das sombrinhas como primeiro item

dessa montagem (fantasia) para sua nudez. Depois tiram o chapéu e a capa de chuva,

exibindo como fantasia final a de garçom/barman, bem ao estilo sedutores, realizando

movimentos que reforçam as masculinidades nessa cena.

Eles deslizam a mão do peito para a região do pênis, o que é esperados pelo

público, que lhes paga para ver os modelos normativos vinculados à heterossexualidade

masculina serem encenados no palco como os de ser “ativo”, “viril” e “ter força”, como

nos diz Arent (2007),

A virilidade consiste na principal característica ressaltada nas performances

dos strippers no palco. Ela é sustentada majoritariamente pelo controle

corporal (evitam “rebolar”), pela postura ativa das encenações das práticas

sexuais e pelos personagens incorporados, com forte apelo ao imaginário de

autoridade e poder (ARENT, 2007, p. 124).

Esses strippers, agora com fantasias de barman, exibem seus músculos

através de posturas que designam “força” e “controle”, que Marion Arent (2007), diz

serem necessários para a plateia, que grita por eles enquanto se exibem.

Essas posturas referenciais do que é considerado masculino deve ser

realizada com precisão, pois seu inverso designaria uma encenação não tão masculina

desses strippers, deixando de corresponder ao ideário masculino proposto nos shows,

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que seria majoritariamente, vinculado ao ideário ativo da heteronormatividade, ao

contrário do ideário passivo da homossexualidade como observados na imagem abaixo.

Imagem 09: Mike (Shanning Tatun) e outros strippers evidenciando seus músculos no palco Magic Mike.

Fonte: Google/Imagens, 2014.

Mike (Shanning Tatun), comouma das estrelas desse show, dança

freneticamente com posturas másculas, onde levanta os braços e movimenta sua pélvis

para frente e para traz rapidamente e depois faz movimentos no chão do palco que

lembram o ato sexual ativo como visto na imagem abaixo.

Imagem 10: Mike (Shanning Tatun) encenando um movimento sexual ativo no show.

Fonte: Google/Imagens, 2014.

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Os strippers terminam esta cena sem camisa e com posturas eretas com

extrema exibição de seus músculos, imagem abaixo, descendo do palco para dançarem

corpo a corpo com a plateia para ganharem suas recompensas durante a noite.

Imagem 11: Termino de um dos shows com uma postura ereta/firme como ideal masculino esperado.

Fonte: Google/Site Oficial do filme Magic Mike, 2014.

Nesses shows, assistimos os corpos, performances e masculinidades se

desnudando aos poucos para o delírio da plateia como forma do enredo desse show, que

requer técnicas precisas para conseguirem seu intento, isto é, ganhar dinheiro por meio

dos treinos, fantasias e rebolados nos shows.

Nesse sentido, as ideias de Graziela Kronka (2005), sobre construção

enunciativa dos corpos em revistas masculinas brasileiras nos são válidas para se

compreender esse despir de modo decupado e coreografado, afirmando que

Assim como o strip-tease,a atividade verbal de enunciação também produz

certo “suspense” que vai do despir-se à revelação da genitália. Não se

menciona a genitália como a estrela principal dos ensaios. Há todo um

caminho a ser percorrido para se chegar a ela... Nessas preliminares da

enunciação do corpo, ressaltam-se características físicas a serem valorizadas,

criando-se, tal como acontece no striptease, um clima de suspense que se

repete para a revelação da genitália (KRONKA, 2005, p.122).

Diferentemente das revistas adulto-pornográficas que a autora analisa, a

exibição da genitália torna-se sua força de consumo, tanto nas revistas masculinas (For

Guys), quanto nas femininas (Playboy), por exemplo. No filme Magic Mike (2012), não

vemos efetivamente os dotes (pênis) dos strippers serem mostrados nos shows, sendo

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em sua maioria, simbolizados nas danças e posições sexuais como na cena de Mike

(Shanning Tatun), imagem abaixo, que encena um pênis com um taco de baseball.

Imagem 12: Mike (Shanning Tatun) encenando um pênis com um taco de baseball.

Fonte: Google/Imagens, 2014.

Ou ainda, como na imagem abaixo, onde o pênis é efetivamente mostrado

para uma das mulheres da plateia, mas só para ela. Ela fica abismada com o tamanho do

“dote” do stripper Big Dick Riche (Joe Manganiello), que no filme possui o maior

pênis, ou pelo menos é assim representado, que nos mostra seu pênis, ao mesmo tempo

em que não o mostra a olho nu, como na imagem abaixo.

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Imagem 13:Big Dick Riche (Joe Manganiello) mostrando/(não) mostrando o pênis no show para uma

cliente da plateia.

Fonte: Google/Site Oficial do filme Magic Mike, 2014.

Ele é o stripper que utiliza tecnologias para aumentar, intensificar e

impressionar a plateia através do seu dote, usando uma “bomba peniana” para aumentar

o tamanho, espessura e volume de seu pênis para os shows, o que nos mostra também

mais um ideal relacionado ao imaginário de gênero e sexualidade, que estaria

relacionado ao tamanho do pênis e sua correspondente potência sexual proveniente do

generoso tamanho do dote nos shows de strip-tease, assim como, em outros segmentos

que envolvem compra e venda de corpos, desejos e prazeres como a prostituição e a

pornografia masculina e feminina, entre outros.

Além disso, essas performances masculinas envolvem todo um imaginário

heteronormativo masculino acionado para os shows como seus componentes

necessários, requerendo igualmente que este imaginário sócio-sexual seja

constantemente performado para fazer com que a plateia tenha a sensação de conhecer

esses modelos masculinos por meio de seus corpos e fantasias, que compreendem

fantasias de boxeadores, policiais, Tarzans, soldados, marinheiros, trabalhadores da

construção civil, boneco Ken, cowboys, médicos e bombeiros como exemplificada na

imagem abaixo.

Imagem 14: O stripperBig Dick Riche (Joe Manganiello) fantasiado de bombeiro no palco do Magic

Mike.

Fonte: Google Imagens, 2014.

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Nesse sentido, essas fantasias fazem parte do imaginário erótico sexual do

público feminino do clube, sendo consideradas bem distantes dos modelos triviais de

gênero e masculinidades do cotidiano, ou seja, do filho, do marido ou do pai, que a

plateia deseja ver, já que os strippers devem encenar o que elas não têm em casa, com

diz Dallas (Matthew McConaughey) a Adam (Alex Pettyfer), quando o ensina a dançar,

“Você é o marido que elas nunca tiveram”, “Você é a transa sem compromisso”.

Steven Soderbergh, diretor do filme, se utiliza muito bem desse imaginário

centrado em masculinidades consideradas eróticas em contraste com aquelas que

habitam o imaginário do lar para nos mostrar como os ideais masculinos adquirem

valorações diferenciadas no cotidiano e quais deles podem e devem ser encenadas para

este público feminino de Tampa (EUA).

Isso nos remete às ideias de Raewyn Connell (1995), que nos mostra através

do seu modelo de análise, “masculinidades hegemônicas e subalternas”, como os

modelos masculinos são valorizados assimetricamente no cotidiano, alguns modelos

sendo representados positivamente nos filmes, na tv, nos esportes, enquanto outros

como espectros negativos deste modelo masculino, que cada cultura dispõem e que dele

se serve para enquadrá-los socialmente como gays, negros e/ou velhos.

Por isso, essas profissões, como encenações de modelos de gênero

masculinos, são reforçadas nas danças com posições sexuais para que a plateia lhes

desejem e os toquem como na encenação dos strippers Adam e Ken (Matt Bomer),

imagem abaixo, que estão fantasiados de médicos sobre uma cliente da plateia, imitando

sexo oral sobre ela.

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Imagem 15: Adam (Alex Pettyfer) e Ken (Matt Bomer) encenando médicos em um show de strip-tease,

onde simulam sexo oral em uma cliente da plateia.

Fonte: Google Imagens, 2014.

Nesse ínterim, vemos continuamente esses modelos normativos

(heteronormativos e masculinos) serem chamados para as performances dos shows, o

que aparentemente assegura aos strippers mais masculinidade.

Essa conexão implícita entre corpo com pênis, masculinidade e performance

masculina, parece nos levar a acreditar em uma maior coerência entre o corpo

construído para os shows com suas fantasias e danças que, ao mesmo tempo, contestam

essas mesmas conexões do que é ter um sexo (macho e/ou fêmea), e ser/estar masculino

e heterossexual, pois evidenciam como essas performances foram sendo construídas e

manipuladas com objetivos práticos para seduzir a plateia.

O filme nos mostra como no clube de strip-tease Magic Mike, podemos

evidenciar como se manipulam esses ideais masculinos (fantasias e performances de

bombeiros), e onde seus strippers, especialmente através do personagem Adam (Alex

Pettyfer), teve de aprender a dançar/seduzir/fantasiar, incorporando outros modelos

masculinos que não faziam parte de seu habitus masculino em relação ao que se espera

para os shows como um corpo musculoso, viril, potente.

Isso porque, como sugere Butler (2012), o sexo, o gênero e a sexualidade

são construídos reiterativamente por meio de discursos institucionalizados que, por isso,

devem ser compreendidos como performáticos em si mesmos, sendo o gênero entendido

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como “performance” em si mesmo, já que não possuí substancialidade além da sua

representação constante. Nesse sentido, não nascemos como sujeitos de realidade

interna: macho (masculinidade) e fêmea (feminilidade), sendo essas feminilidades e

masculinidades (re)produzidas a todo tempo “num truque performativo da linguagem”.

Não obstante, Adam (Alex Pettyfer), ao ser inserido neste meio, trouxe

consigo um modo particular de expressão corporal, de gênero e sexualidade que aos

poucos vão sendo modificadas para que ele se tornasse um stripper.Ele traz consigo a

base corporal generificada culturalmente (masculina), sobre a qual se “montam”

diariamente sobre outros modelos de masculinidades por meio de fantasias e gestos,

mostrando-nos como ter um pênis não designa necessariamente ser/estar masculino,

sendo necessário incorporar outros estilos de masculinidades para que se

possa(re)produzir o que vem a ser considerado masculino pelos strippers para a plateia

como evidencia Nunes (2012, p. 182), sobre os paradoxos do masculino no strip-tease,

já que

A „norma‟ de gênero masculino, isto é, os atributos de masculinidades a

serem encontrados em “homens de verdade” são performativizados

reiteradamente através de fantasias, ilusões, ficções, a partir da entrada em

cena de „personagens‟ como guarda, soldado, bombeiro, médico e militar...

(NUNES, 2012, p.182).

Assim, podemos observar, a partir desses shows, que os sujeitos masculinos

deste filme não possuem as masculinidades esperadas para os shows, mas passam a

adquiri-las na medida em que permanecem e incorporam o mundo do strip-tease, já que

os ideais masculinos encenados pelos strippers (musculosos, viris, sarados,

heterossexuais), não estariam em cena como modelos identitários essencializados de

homem, masculino e heterossexual, mas se realizando por meio de seus corpos,

fantasias e gestos que eles imitam nesses shows. Isso porque, esses modelos são

possibilitados por meio das (re)produções históricas e locais precisos para os shows,

possuindo nas convenções ritualizadas do passado no presente, os modelos sobre os

quais operam suas (re)produções futuras, sendo, por isso, sempre abertos a novos

significados, já que é por meio dessa maquinaria reiterativa de gênero e sexualidade que

encenamos os gênero(s), as sexualidade(s) e as masculinidade(s).

Descendo do palco/Saindo de cena

O cinema é extremamente importante como uma mídia que se utiliza da

ilusão do real para fabricar historias e encantar plateias no mundo todo, assim como, um

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espelho da cultura para tornar essas narrativas legíveis aos olhos do expectador,já que

nos mostram como essas técnicas de (re)produção imagéticas podem ser utilizadas para

pensarmos nas representações da vida cotidiana por meio do cinema, buscando

interpretá-las sócio e antropologicamente através de suas imagens, pois, a culturaque a

produz é a mesma que se representa, mimeticamente, em suas imagens.

Nesse sentido, o heterogêneo cinema do diretor Steven Soderbergh nos é de

extrema importância na discursão sobre gênero e sexualidades, já que vimos como as

construções de corpos e encenações masculinas vão sendo construídas ao longo do

filme Magic Mike (2012), especialmente com a entrada de Adam (Alex Pettyfer), que

passou a se habituara outros habitus corporais como malhar,vestir fantasias, se depilar

ou se despir no palco sob olhares femininos em troca de dinheiro.

Por fim, observamos como esses ideais masculinos são performativizados

pelos strippers através de gestos e coreografias, encenando identidades de gênero

masculinas parodiadas no Magic Mike com shows de trabalhadores da construção civil,

bombeiros e médicos do ideário heterossexual são simulados para que o público

consuma “suas” masculinidades por meio das performances de gênero.

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