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  • 8/7/2019 Estado - Luiz Carlos Bresser Pereira

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    NAO,SOCIEDADE CIVIL,ESTADO E ESTADO-NAO:UMA PERSPECTIVA HISTRICA

    LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

    Junhode 2009

    TTeexxttooss ppaarraa

    DDiissccuussssoo

    189

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    TEXTO PARA DISCUSSO 189 JUNHO DE 2009 1

    Os artigos dos Textos para Discusso da Escola de Economia de So Paulo da Fundao GetulioVargas so de inteira responsabilidade dos autores e no refletem necessariamente a opinio daFGV-EESP. permitida a reproduo total ou parcial dos artigos, desde que creditada a fonte.

    Escola de Economia de So Paulo da Fundao Getulio Vargas FGV-EESPwww.fgvsp.br/economia

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    _____________Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emrito da Fundao Getlio [email protected] www.bresserpereira.org.br

    NAO, SOCIEDADE CIVIL, ESTADOE ESTADO-NAO: UMA PERSPECTIVA HISTRICA

    Luiz Carlos Bresser-Pereira

    Verso de 18 de maro de 2008.

    Abstract. Nation and civil society are forms of politically organized societies, the state, thecentral institution, and the nation-state the basic territorial-political unity that the CapitalistRevolution originates. Each country of a nation-state is formed of a nation or a civil society, astate, and a territory. Each state is the expression of its respective form of politically organized

    society, but the relation between the state and society is explicitly dialectic in so far as eachnational society creates its state to regulate it. Since these definitions are historical, the formsof society and, correspondently, the forms of state change historically. The paper sumarizesthese historical forms.

    Key-words: nation civil society State nation-state historical forms

    Resumo: Nao e sociedade civil so formas de sociedades politicamente organizadas, oestado, a instituio central, e o estado-naco a unidade poltico-territorial que se formaram apartir da Revoluo Capitalista. Cada pas de um estado-nao constitudo de uma nao ouuma sociedade civil, um estado e um territrio. Cada estado a expresso de sua respectivaforma de sociedade politicamente organizada, mas a relao entre estado e sociedade explicitamente dialtica, uma vez que cada sociedade nacional cria seu estado para que este a

    regule. Considerando-se que essas definies so histricas, as formas de sociedade e,correspondentemente, as formas de estado se transformam de acordo com a histria. Estetrabalho apresenta de forma sumria estas formas histricas.

    Palavras-chave: nao sociedade civil Estado estado-nao formas histricas

    Classificao JEL: O10 N01 N10

    A instituio fundamental das sociedades capazes de produzir permanentemente excedente

    econmico o Estado. Esta instituio tanto normativa quanto organizacional situa-se no

    cerne das unidades poltico-territoriais, tanto as dominantes na antiguidade (os imprios e

    as cidades-estado) como aquelas prprias do mundo moderno: os estados-nao. Estado e

    estado-nao so, portanto, duas coisas diferentes, como so tambm diferentes nao e

    sociedade, as duas formas de sociedade politicamente organizada. Existe, entretanto,

    grande confuso em torno desses quatro conceitos na teoria poltica. Para uns o Estado

    uma organizao com poder de legislar e tributar, para outros tambm o sistema

    constitucional-legal, e para outros ainda, confunde-se com o estado-nao. A primeira

    acepo, redutora, aquela que faz parte da linguagem corrente; a terceira empregada

    especialmente na literatura sobre relaes internacionais. A segunda o Estado o

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    sistema constitucional-legal e a organizao que o garante aquela que proponho. Na

    medida em que o Estado a principal instituio de qualquer sociedade nacional, ele

    compartilha as duas formas que as instituies assumem: normativa e organizacional.

    Enquanto sistema normativo com poder coercitivo o Estado a ordem jurdica e o sistema

    poltico; enquanto organizao o aparelho ou administrao pblica que garante o

    sistema constitucional-legal. O estado-nao, tambm denominado Estado nacional ou

    pas, uma unidade poltico-territorial; no deve, portanto, ser confundido com o Estado,

    porque este um de seus componentes ao lado da nao ou da sociedade civil e do

    territrio. Nao e sociedade civil so as duas formas atravs das quais as sociedades

    modernas se organizam para controlar o Estado e realizar seus objetivos polticos.

    Raramente so colocadas lado a lado, e o entendimento a respeito de seu conceito

    sempre confuso. Neste trabalho, apresentarei minha viso sobre esses quatro conceitos, e

    procurarei mostrar, de forma sumria, como eles se relacionam, e como se materializam

    em formas histricas de sociedade e de Estado.

    Revoluo Capitalista

    A Revoluo Capitalista a transformao tectnica por que passou a histria na medida

    em que as aes sociais deixavam de ser coordenadas pela tradio e pela religio para o

    serem pelo Estado e pela principal instituio econmica por este regulada o mercado;

    o processo histrico que d origem aos estados-nao que, gradualmente, vm a substituir

    os imprios como forma de ocupao poltico-territorial da superfcie da terra; a

    transformao poltica que separa o pblico do privado e d origem nao, sociedade

    civil e ao Estado moderno; a transformao econmica que separa os trabalhadores dos

    seus meios de produo e d origem, inicialmente, burguesia e classe operria, e mais

    adiante classe profissional ou tecnoburocrtica; , finalmente, a transformao cultural

    que torna a razo e a cincia as fontes legtimas de conhecimento em substituio

    revelao e tradio. A idia de progresso e mais tarde a idia correlata de

    desenvolvimento econmico constituem-se em realidade histrica a partir da Revoluo

    Capitalista. Os imprios egpcio, romano e chins conheceram muitos momentos de

    prosperidade, mas no havia a idia de progresso ou de desenvolvimento econmico,

    porque o progresso tecnolgico era lento, de forma que no ocorria uma crescente

    racionalizao econmica acompanhada por democratizao da vida poltica como

    aconteceu nos pases que realizaram sua revoluo industrial. No havia condies,

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    portanto, para que, primeiro os filsofos polticos, e depois os economistas e os socilogos

    pudessem identificar um processo contnuo e relativamente auto-sustentado de realizao

    dos objetivos polticos de liberdade, bem-estar, justia social e proteo da natureza.

    O estado-nao o principal resultado poltico da Revoluo Capitalista. Esta, no planoeconmico, deu origem ao capital e s demais instituies econmicas fundamentais do

    sistema capitalista: o mercado, o trabalho assalariado, os lucros, a acumulao de capital e

    o desenvolvimento econmico. No plano social, surgem as trs novas classes sociais:

    inicialmente, a burguesia e os trabalhadores assalariados, e, em uma segunda fase, a classe

    profissional ou tecnoburocrtica. No plano poltico, alm do estado-nao, surgem a nao

    e a sociedade civil. O Estado assume carter moderno e gradualmente se separa do setor

    privado; torna-se, assim, expresso da sociedade organizada como sociedade civil oucomo nao, ao invs de ser mero instrumento de poder da oligarquia que domina o

    prprio Estado. Os grandes objetivos polticos das sociedades modernas alm da

    segurana (que j era objetivo do Estado antigo) so definidos sucessivamente liberdade

    e liberalismo, autonomia nacional e nacionalismo, desenvolvimento econmico e

    racionalidade instrumental ou eficientismo; justia social e o socialismo; a proteo da

    natureza e o ambientalismo dos quais o Estado se torna principal instrumento.

    Para que a Revoluo Capitalista pudesse se desencadear, a partir do sculo XII, na

    Europa, foi necessrio que primeiro houvesse uma transformao tcnica fundamental da

    agricultura, que, at o sculo XI, estava limitada quase exclusivamente a terras de aluvio;

    foi o uso de arados com lminas de ferro e outras ferramentas capazes de cortar terras

    duras que viabilizou a explorao das terras altas e frteis da Europa (Landes, 1999: 41).

    S graas a esse progresso tcnico decisivo foi possvel produzir o excedente econmico

    necessrio para que trabalhadores pudessem ser transferidos para o comrcio e a indstria

    e tambm para que pudessem ser construdas as grandes catedrais gticas, quase todasdatadas do sculo XII. Celso Furtado (1961), usando com liberdade conceitos de Marx e

    de Weber, identificou dois grandes momentos histricos na Revoluo Capitalista, ambos

    relacionados com o processo de racionalizao crescente que caracterizar o mundo

    moderno. O primeiro momento o da Revoluo Comercial a primeira sub-revoluo da

    Revoluo Capitalista. Nesse longo perodo que ganha impulso nas cidades-Estado da

    Itlia no sculo XIII, a racionalidade social se revelar pela definio do lucro como

    objetivo econmico definido com clareza, e pela adoo da acumulao de capital comomeio de atingi-lo. O excedente originado do aumento da produtividade agrcola foi

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    inicialmente investido em catedrais, em palcios e na guerra. Entretanto, a nova classe

    burguesa que ento est surgindo descobre que pode lucrar e ascender socialmente atravs

    do comrcio de bens de luxo realizado de forma sistemtica, ao mesmo tempo em que se

    organiza sua manufatura realizada ainda de forma tradicional. A busca do lucro e a adoo

    do meio racional para alcan-lo a acumulao de capital quando este primeiro

    momento se define um momento no qual a unio da manufatura tradicional ao comrcio

    de luxo de longa distncia d origem s cidades-estado burguesas e comerciais do Norte

    da Itlia, e, depois, do resto da Europa, principalmente da Alemanha e dos Pases Baixos.

    Em um segundo momento, com a Revoluo Industrial, que ocorre primeiro na Inglaterra

    na segunda metade do sculo XVIII, a racionalidade social d mais um passo decisivo e

    passa a se expressar atravs da escolha de um mtodo lgico de alcanar o lucro alm da

    acumulao de capital: a incorporao sistemtica de progresso tcnico produo - o

    progresso tcnico sistemtico. A partir de ento, no apenas o excedente econmico

    passava a ser reinvestido produtivamente, mas este reinvestimento se tornava parte

    necessria, inevitvel, do processo econmico na medida em que a competio econmica

    tornava a incorporao de progresso tcnico condio de sobrevivncia das empresas.

    Assim, somadas as duas revolues, o fenmeno histrico do desenvolvimento econmico

    se configurava, e definia-se a forma por excelncia de alcan-lo: o investimento

    combinado com inovao.

    Entretanto, nessa anlise histrica falta uma terceira transformao fundamental que

    ocorreu entre as duas citadas: a Revoluo Nacional, ou seja, a formao das naes ou

    das sociedades civis nacionais e, em conseqncia, dos modernos estados-nao, Estados

    nacionais ou pases.1

    As trs sub-revolues da Revoluo Capitalista daro origem s

    economias capitalistas ou economias de mercado. Os mercados que antes eram locais

    transformam-se em mercados nacionais, e aos poucos ganham carter mundial na medidaem que, desde o sculo XVII, se forma o que Immanuel Wallerstein (1974) chamou de

    sistema-mundo. Conforme assinala Karl Polanyi (1944), no houve nada de natural na

    passagem dos mercados locais para os nacionais. Os mercados so instituies, so o

    resultado de uma construo social. A formao dos grandes mercados nacionais foi o

    resultado de estratgias polticas nacionais que, de um lado, institucionalizaram a

    competio, e, de outro, foram um captulo da formao dos estados-nao. Atravs da

    1Expresses que uso como sinnimas.

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    compensao, um conceito particularista que inclui os cidados do pas e exclui os

    estrangeiros, enquanto que a sociedade civil tem uma conotao universal e democrtica. 2

    O Estado moderno uma construo social da nao ou da sociedade civil. Estas se

    distinguem do povo porque este constitudo pelo conjunto dos cidados com direitosiguais, enquanto que na nao ou na sociedade civil seus membros no dispem de fato de

    poder igual, mas de poder proporcional sua riqueza, a seu conhecimento e a sua

    capacidade de organizao as trs origens bsicas do poder. A nao a forma de

    sociedade cujos membros compartilham uma histria e um destino comum; a sociedade

    politicamente organizada que conta com um Estado para realizar seus objetivos de ordem

    e segurana, de autonomia nacional e de desenvolvimento econmico; a sociedade civil,

    por sua vez, a sociedade politicamente organizada que luta pela liberdade individual,pela justia social e pela proteo do ambiente. O poder de cada membro da sociedade na

    nao ou na sociedade civil diferente, porque est relacionado com a forma pela qual os

    indivduos desenvolvem e usam seu conhecimento, seu capital e sua capacidade de

    organizao. Se os usam principalmente para garantir a autonomia nacional e

    desenvolvimento econmico, tero mais poder na nao; se para garantir a liberdade, a

    justia e o desenvolvimento sustentvel, tero mais poder na sociedade civil.

    O Estado existe desde a antiguidade, desde a formao dos primeiros imprios, sendo

    apenas necessrio distinguir o Estado antigo do moderno; j nao, como a sociedade civil

    e o estado-nao, so conceitos modernos so produtos da Revoluo Capitalista. A tese

    da existncia de naes nas sociedades pr-capitalistas hoje uma tese amplamente

    refutada por toda uma literatura ampla e recente sobre nao e nacionalismo. Eric

    Hobsbawm (1990) especialmente enftico a respeito, mas o mesmo pode ser lido nos

    principais analistas contemporneos do nacionalismo como Ernest Gellner (1983),

    Benedict Anderson (1991), Miroslav Horsh (1993), Anne-Marie Thiesse (2001), e mesmoem Anthony D. Smith (1986, 2003) que foi durante algum tempo tentado pela tese da

    existncia imemorial, de bases tnicas, da nao, mas j a abandonou. Para que haja uma

    nao no basta que compartilhe uma histria e um destino comum, como sugeriu Otto

    Bauer (1926), preciso tambm que disponha ou tenha condies de vir a se dotar de um

    2 Observe-se que estou usando aqui a expresso sociedade civil em seu sentido clssico.Modernamente essa expresso tem sido confundida com organizaes da sociedade civil, cuja

    presena aumentou muito nas sociedades atuais. Estas organizaes pblicas no-estatais deadvocacia ou controle poltico so, sem dvida, importantes em ampliar a democratizao dasociedade civil.

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    Estado e de um territrio e assim formar um estado-nao. Uma nao sem Estado um

    projeto de nao que s se transformar em realidade se tiver foras suficientes,

    geralmente atravs de um processo violento de liberao e afirmao nacional. A

    existncia da nao pressupe uma solidariedade bsica entre classes quando se trata de

    competir internacionalmente. Empresrios, trabalhadores, burocratas do Estado,

    profissionais de classe mdia e intelectuais podem entrar em conflito, mas sabem que

    comungam de um destino comum e que esse destino depende de seu envolvimento

    competitivo vitorioso no mundo dos estados-nao. A nao exige, portanto, um acordo

    nacional, um contrato social bsico que d origem a ela prpria e a mantm forte e coesa.

    Quando Hobbes pensou o contrato social de uma forma hipottica, ele estava ao mesmo

    tempo testemunhando o processo histrico por meio do qual a Inglaterra se transformava

    em uma nao atravs de um acordo social entre as classes sociais. Todos os grandes

    estados-nao europeus constituram-se a partir de acordos nacionais histricos ocorridos,

    e no de um hipottico contrato social original. O contrato inicial foi entre o soberano

    central que precisava dos recursos da burguesia para afirmar seu poder sobre um territrio

    maior e uma burguesia que precisava de segurana para suas atividades comerciais e

    principalmente industriais em um espao geogrfico maior do que o da cidade-estado. O

    objetivo desse acordo no era evitar a situao de guerra permanente que caracterizaria o

    estado de natureza da teoria contratualista, mas constituir uma nao e um Estado

    capazes de se defender em um mundo sempre hostil e de promover o interesse nacional.

    Na medida em que, a partir desse acordo inicial, a sociedade foi se expandindo e se

    tornando complexa, dando origem a uma classe operria urbana e, depois, a uma classe

    profissional ou tecnoburocrtica, o acordo nacional foi sendo gradualmente ampliado. No

    sem conflitos, que, embora permanentes, eram de alguma forma suspensos quando se

    tratava da segurana e da concorrncia internacional. As naes europias formaram-se a

    partir da desorganizao do Imprio Romnico-Germnico; j as demais naes tiveramque realizar lutas de liberao nacional contra imprios mercantis (da Espanha e de

    Portugal) ou industriais (da Inglaterra e da Frana). O grande acordo nacional que se

    estabeleceu a partir de 1930 no Brasil, cujo desenvolvimento ocorreu no quadro da

    dominao imperial e do correspondente subdesenvolvimento, unia a burguesia industrial

    nacional nascente nova burocracia ou aos novos tcnicos estatais, aos trabalhadores

    urbanos e aos setores da velha oligarquia mais orientados para o mercado interno, como os

    pecuaristas. Seus adversrios eram o imperialismo, representado principalmente pelosinteresses britnicos e norte-americanos, e a oligarquia agrrio-exportadora associada. O

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    acordo estratgico em um estado-nao em desenvolvimento o acordo entre empresrios

    industriais e a burocracia do Estado que inclui tambm polticos, trabalhadores e classes

    mdias. E sempre haver os adversrios internos, de algum modo identificados com o

    imperialismo ou com o atual neo-imperialismo sem colnias, ou com grupos locais

    colaboracionistas ou globalistas.

    A ideologia que serviu e continua a servir de base para os acordos nacionais o

    nacionalismo. Uma nao sempre nacionalista na medida em que o nacionalismo a

    ideologia da formao do estado nacional e de sua permanente reafirmao ou

    consolidao. Outra maneira de definir nacionalismo afirmar, como o fez Ernest Gellner

    (1983), que a ideologia que busca a correspondncia entre a nao e o Estado que

    defende a existncia de um Estado para cada nao.3

    Essa tambm uma boa definio,mas tpica de um pensador da Europa central que via as diversas naes sob o jugo do

    Imprio Austro-Hngaro e, mais a Leste, do Imprio Russo; uma definio que se esgota

    assim que o estado-nao se forma, ou seja, que nao e Estado passam a coincidir sobre

    um determinado territrio. No consegue, porm, levar em conta a celebrada frase de

    Ernest Renan de 1882: uma nao um plebiscito dirio, ou seja, a nao fruto de uma

    luta cotidiana para mant-la viva e unida.4

    E tambm no explica como um estado-nao

    pode formalmente existir na ausncia de uma verdadeira nao, como no caso dos paseslatino-americanos que, no incio do sculo XIX, viram-se dotados de um Estado no

    apenas em razo dos esforos patriticos de grupos nacionalistas, mas tambm em

    consequncia dos bons servios da Inglaterra, cujo objetivo era substituir a Espanha e

    Portugal no domnio efetivo dos pases da regio. Desse modo, como sua dependncia

    cultural era grande e seu nacionalismo, fraco, esses pases viram-se dotados de um Estado

    sem possurem verdadeiras naes; deixaram de ser colnias e se tornaram semicolnias

    dependentes da Inglaterra, da Frana e, mais tarde, dos Estados Unidos. Para que existauma verdadeira nao, as vrias classes sociais precisam, apesar dos conflitos que as

    3Ernest Gellner, um filsofo tcheco que se refugiou do comunismo na Inglaterra, foi

    provavelmente o mais arguto analista do nacionalismo na segunda metade do sculo XX.4

    Ernest Renan (1882 [1992: 55]). No trecho imediatamente anterior, Renan escreveu: Uma nao

    uma grande solidariedade, constituda pelo sentimento dos sacrifcios feitos e daqueles que as

    pessoas ainda esto dispostas a fazer. Supe um passado; resume-se no presente por um fatotangvel: o consentimento, o desejo claramente expresso de continuar a vida comum.

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    separam, serem solidrias quando se trata de competir internacionalmente. Alm disso,

    devem tomar decises polticas, sobretudo aquelas relativas a reformas institucionais,

    poltica econmica e relaes internacionais, de acordo com critrios nacionais, ao invs

    de seguirem os conselhos e presses do exterior. Nos pases que se desenvolveram

    originalmente, como os europeus e os Estados Unidos, assim como nos pases em

    desenvolvimento que no passado foram imprios, como o caso da China ou do Ir, o

    nacionalismo forte e tcito, de forma que ningum tem dvida que dever do governo

    defender o trabalho, o capital e o conhecimento nacionais. J nos pases latino-americanos

    a ambigidade de suas elites, ora identificadas com a nao, ora associadas s elites dos

    pases ricos uma constante (Bresser-Pereira 2008).

    A sociedade civil a sociedade politicamente organizada voltada para os objetivos deliberdade individual, justia social e proteo do meio-ambiente. O conceito, portanto,

    amplo, tendo origem em Hegel e na sua sociedade burguesa. Ao estudar o Estado, Hegel

    percebeu no seu tempo, quando o liberalismo estava em plena expanso, que estava

    ocorrendo a separao entre o pblico e o privado. Era um fenmeno semelhante ao da

    separao entre os trabalhadores e os meios de produo que, no plano econmico, Marx

    identificaria mais tarde. O conceito do Estado absoluto estava sendo desafiado por liberais

    e democratas que rejeitavam a confuso do soberano com o Estado. No tempo do Estadoabsoluto em que essa confuso prevalecia, a expresso sociedade civil era usada como

    sinnimo de sociedade poltica e, portanto, de Estado. No Estado liberal, porm, era

    fundamental distinguir o Estado ou a sociedade poltica da sociedade civil que Hegel viu

    com acerto ser a sociedade politicamente organizada fora do Estado e, naquele momento,

    principalmente a sociedade burguesa.

    Nos anos 1980, provavelmente como reao defensiva crtica ao Estado que a ideologia

    neoliberal ento realizava com xito, alguns intelectuais adotaram uma perspectiva aomesmo tempo ambiciosa e reducionista de sociedade civil. Ambiciosa porque, no limite,

    supuseram que ao invs de se substituir o Estado pelo mercado como queriam os

    neoliberais, seria possvel substituir o Estado pela sociedade civil. claro que nenhuma

    das duas substituies poderia ser feita, mas mesmos os representantes mais realistas das

    esquerdas que reagiam com o neoliberalismo revelaram uma esperana utpica nas

    potencialidades democrticas das organizaes da sociedade civil. Por outro lado,

    procedia-se um reducionismo ao se identificar a sociedade civil com os movimentossociais e particularmente com as sociedades pblicas no-estatais de advocacia poltica e

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    de servio social que geralmente so denominadas ONGs.5

    Os movimentos sociais e as

    organizaes de advocacia poltica so sem dvida uma parte importante da sociedade

    civil, mas ela mais ampla, abrangendo todos os cidados que com seu conhecimento,

    com seu capital, e com sua capacidade de organizao influenciam as decises tomadaspelo governo que dirige o Estado.

    A sociedade civil, como a nao, parte integrante da esfera pblica. E ser tanto mais

    parte desta esfera e no da esfera privada na medida em que seja mais forte e mais

    democrtica.6

    Os pases mais avanados ou mais desenvolvidos so aqueles que no

    apenas possuem Estados fortes, capazes, mas tambm possuem sociedades civis ou naes

    fortes, vibrantes, crticas, participativas e democrticas. O desenvolvimento ou o progresso

    de uma sociedade pode ser medido pela sua aproximao paulatina aos seus grandes

    objetivos polticos, mas para isto necessrio que sua nao e sua sociedade civil sejam

    fortes e democrticas e constituam um Estado capaz. O que uma sociedade civil

    democrtica? No evidentemente a mesma coisa que um Estado democrtico; uma

    sociedade na qual os poderes polticos de seus membros so mais razoavelmente iguais ou,

    pelo menos, no muito desiguais; uma sociedade na qual as diferenas de renda e de

    riqueza no so grandes; uma sociedade na qual embora sempre haja os mais e os menos

    poderosos, todos, alm de serem iguais perante a lei, dispem de poderes razoavelmenteiguais quando se trata de cobrar a execuo das leis. Naturalmente, quanto mais

    democrtica for a sociedade civil, mais democrtico ser o Estado.

    Estado

    O Estado o sistema constitucional-legal e a organizao que o garante; a organizao

    ou aparelho formado de polticos e burocratas e militares que tem o poder de legislar e

    tributar, e a prpria ordem jurdica que fruto dessa atividade. O Estado tem, portanto,uma dupla natureza: ao mesmo tempo uma instituio organizacional a entidade com

    capacidade de legislar e tributar uma determinada sociedade , e uma instituio

    normativa a prpria ordem jurdica ou o sistema constitucional-legal. Neste caso, seu

    5Organizaes no-governamentais. Esta uma expresso confusa, primeiro por que usa o

    conceito de Estado americano (government): no-estatais uma expresso mais correta para alngua portuguesa; segundo, porque existem organizaes que so no-estatais mas no so

    pblicas e sim corporativas, como o caso dos sindicatos e dos clubes.6

    Discuti estas idias mais amplamente em Bresser-Pereira (1998).

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    papel o de coordenar as aes sociais, tendo o mercado como instituio auxiliar mas

    fundamental na tarefa de coordenao econmica. O Estado a instituio soberana

    constituda de polticos, servidores pblicos e militares que dispe do poder de legislar e

    tributar. , portanto, a instituio que tem o poder final de julgar e punir. Na medida em

    que o Estado tem esse poder, ele a organizao que detm o poder extroverso ou

    seja, um poder que se estende alm de seus membros, alm mesmo dos seus cidados, para

    toda a populao presente no seu territrio. Max Weber (1919: 56) ofereceu uma definio

    clssica O Estado uma comunidade humana que pretende, com xito, o uso legtimo

    da fora fsica dentro de um determinado territrio , portanto, a organizao que tem,

    portanto, capacidade de impor sua vontade final decidindo conflitos e punindo o que a lei

    definir como crime.

    Alm dessas definies descritivas, podemos definir o Estado pelo seu papel. Nessa

    perspectiva, o Estado a instituio abrangente que a nao ou a sociedade civil usam

    para promover seus objetivos polticos; o instrumento por excelncia de ao coletiva da

    nao ou da sociedade civil. Quando afirmo que o Estado o instrumento por excelncia

    de ao coletiva da nao, surge imediatamente a questo: ao invs disso, no seria ele,

    conforme propuseram Marx e Engels, comit executivo da burguesia? No h, porm,

    conflito entre as duas definies se pensarmos a primeira como mais geral, ou ento, comoassociada ao Estado democrtico. No sentido mais geral, o Estado, a partir da antiguidade,

    foi sempre a expresso daqueles que tm poder na sociedade. Um poder que,

    dialeticamente, acaba tendo tambm origem no prprio Estado, mas cuja origem principal

    deve ser pensada externamente. Na antiguidade, aqueles que na sociedade controlavam a

    fora, a religio e a tradio constituam uma oligarquia que dominava o Estado. Na

    primeira forma de Estado capitalista, o Estado Liberal o Estado que Marx conheceu e

    viveu o poder ainda estar nas mos da aristocracia, mas j est sendo transferido para a

    burguesia. No Estado Democrtico dos nossos dias, a classe profissional e a classe

    trabalhadora tambm partilham do poder. Podemos, assim, pensar em naes ou em

    sociedades civis mais ou menos democrticas; quanto mais democrticas forem, mais

    democrticos sero os respectivos Estados. Enquanto em um Estado democrtico todos os

    cidados so iguais perante a lei, a sociedade civil ou a nao ser tanto mais democrtica

    quanto menores forem as diferenas de poder real entre seus membros quanto menores

    forem as diferenas decorrentes do dinheiro, do conhecimento, e mesmo da capacidade de

    organizao ou mobilizao social.

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    Quando eu defino Estado como o sistema constitucional-legal e a administrao pblica

    que o garante, fica claro que Estado e Direito so quase sinnimos. O Estado mais amplo

    do que o Direito na medida em que soma ordem jurdica a organizao concreta dotada

    de pessoal e patrimnio que o aparelho do Estado ou administrao pblica. No por

    outra razo que os grandes filsofos do Direito so sempre tambm filsofos polticos. As

    teorias do Estado so, tambm, teorias do Direito; a questo fundamental da filosofia

    poltica a da justificao do poder do Estado ou da legitimidade da lei; uma questo,

    portanto, poltica e jurdica. A filosofia poltica busca tambm definir o contedo dos

    grandes objetivos polticos o que a liberdade, o que a justia. Mas esses objetivos vo

    afinal se transformar em norma ou em lei, e vo atribuir a um poder o poder do Estado

    a responsabilidade pela sua consecuo. Por isso, quando procuramos identificar e

    classificar as teorias do Estado, o critrio que as distingue essencialmente o da

    legitimidade uma legitimidade que no apenas jurdica: tambm social e poltica. A

    legitimidade aqui, portanto, entendida no seu sentido weberiano como a fonte social do

    poder. Uma norma tem legitimidade quando tem o apoio necessrio da sociedade civil

    para que tenha vigncia real.

    A partir do critrio da legitimidade, podemos distinguir as teorias de Estado. A teoria

    tradicional a teoria teolgica. O poder do Estado deriva da delegao divina de poder aosoberano. Com a renascena e a modernidade, a teoria teolgica completada pela teoria

    do direito natural: o soberano detm o poder tradicional porque o responsvel pela

    garantia do direito natural partilhado por todos os seres humanos, seus sditos. Hobbes e

    os contratualistas provocam uma reviravolta na teoria do Estado ao afirmarem que este

    tem origem em um contrato. Assim, segundo a teoria contratualista do Estado, a origem

    do seu poder est no povo nos sditos que comeam a se tornar cidados. Estes,

    necessitando de segurana ou de ordem pblica, cedem uma parte de sua liberdade ao

    soberano para que este a garanta. No sculo XIX, Hegel formula uma terceira teoria do

    Estado a teoria ideal do Estado. Hegel distingue com clareza o povo da sociedade civil e

    esta do Estado, e v este como a realizao mxima da razo humana. Todo o esforo

    humano se traduz na construo racional da polis. Marx e Engels, mais realistas, do

    origem a uma quarta teoria do Estado quanto sua legitimidade: a teoria sociolgica ou

    histrica do Estado. Concordam com os contratualistas que a origem do poder do Estado

    est no povo, ou, mais precisamente, com Hegel, que esta origem est na sociedade civil

    na sociedade politicamente organizada mas, pessimistas, a vem totalmente dominada

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    antes pela aristocracia, e, no seu tempo, pela burguesia. Uma quinta teoria do Estado a

    teoria positivista do Estado principalmente a teoria de Hans Kelsen, mas tem ampla

    aceitao: o poder do Estado tem origem nele prprio, na lei positiva. Certos analistas

    supem que Karl Schmitt ofereceu uma sexta teoria do Estado a teoria decisionista

    segundo o poder do Estado ou a legitimidade da lei, mas, afinal, segundo ele, a deciso do

    soberano deve se adequar idia de ordem uma ordem que, afinal, acaba no se

    distinguindo de uma concepo conservadora do direito natural.7

    Em ltima anlise, estas cinco teorias podem ser reduzidas a trs, dependendo do mtodo

    utilizado para compreender o Estado. Quando buscamos a legitimidade fora da sociedade

    em Deus, ou na natureza, ou no prprio Estado estamos usando um mtodo normativo

    de acordo com o qual o problema da legitimidade social do poder perde relevncia: o queimporta a legitimidade moral: a teoria do Estado normativa. No caso da segunda teoria

    a contratualista , a legitimidade se origina na sociedade, mas deduzida a partir de um

    hipottico estado de natureza e da necessidade social de um contrato, de forma que

    ficamos sem poder compreender as diversas formas histricas que o Estado assumir. S a

    teoria sociolgica do Estado permite essa anlise histrica, porque de acordo com ela o

    poder do Estado depende da sua legitimidade social, a qual, por sua vez, depender da

    relao de poder entre a elite dirigente desse Estado e a sociedade civil ou a nao, ou, emoutras palavras, depender do grau de democratizao da sociedade civil ou da nao.

    Estado-nao

    O estado-nao a unidade poltico-territorial prpria do capitalismo; constituda de

    uma nao ou uma sociedade civil, de um Estado, e de um territrio. Uso como sinnimos

    de estado-nao, Estado nacional e pas. Na literatura sobre relaes internacionais, a

    expresso simples, geralmente no plural e em minscula, estados corresponde ao queestou aqui chamando de estado-nao. Nos Estados Unidos principalmente, a palavra

    nao corresponde ao estado-nao. Tanto em um caso como em outro podemos pensar

    que esta simplificao resultado de uma sindoque, de uma figura de linguagem que

    toma o todo pela parte: o todo o estado-nao, a parte, o Estado em um caso, a nao, no

    outro. A expresso estado-nao apresenta um problema: ela pode sugerir que sob um

    7 Segundo Ronaldo Porto Macedo Jr. (2001: 42), O pensamento decisionista, tal comoaparece na histria do direito, est vinculado a uma idia de ordem que pressuposta deciso soberana.

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    Estado s pode haver uma nao, o que no necessariamente verdadeiro. A Gr-

    Bretanha, a Blgica e a Espanha, por exemplo, at hoje no lograram se constituir em uma

    nica nao. Os europeus esto gradualmente construindo um estado-nao que

    claramente multinacional. Tem, em compensao, a vantagem de mostrar o carter

    composto desta unidade poltico-territorial. E deixa tambm claro seu carter soberano

    sua condio de ltima instncia para as decises judiciais. Este carter soberano nunca foi

    absoluto, nem mesmo no tempo em que Jean Bodin (1529-96) o identificou nos albores da

    formao dos estados-nao.

    Para compreender o estado-nao preciso distingui-lo do imprio. Enquanto os imprios

    eram a forma por excelncia de organizao poltica territorial da antiguidade, os estados-

    nao desempenharo esse papel nos tempos modernos ou capitalistas. verdade quetambm se formaram imprios modernos mercantis (principalmente da Espanha e de

    Portugal) e industriais (principalmente da Inglaterra e da Frana), mas estas so formas

    poltico-territoriais mistas. H uma diferena fundamental entre o imprio antigo e o

    estado-nao moderno. Enquanto o poder imperial se limitava a cobrar impostos da

    colnia, deixando intactas sua organizao econmica e sua cultura, os estados-nao

    esto voltados para o desenvolvimento econmico e, por isso, diretamente envolvidos na

    competio internacional por maior poder e maiores taxas de crescimento. Para isso,buscam homogeneizar sua cultura, dotando-se de uma lngua comum, para, atravs da

    educao pblica, poder garantir que padres crescentes de produtividade sejam

    compartilhados por toda a populao; e os respectivos governos passam a ser os

    condutores do processo de desenvolvimento econmico atravs da definio de

    instituies que estimulem o investimento, da adoo de polticas macroeconmica que

    garantam a estabilidade de preos, taxas de juros moderadas e taxas de cmbio

    competitivas, e de polticas industriais que favoream as empresas nacionais na

    concorrncia internacional.

    A formao dos estados-nao comea bem depois do incio da Revoluo Capitalista.

    Esta comea com o surgimento da burguesia no sculo XII um sculo de grande

    prosperidade na Europa , mas s no sculo XVI podemos ver com clareza surgirem os

    modernos estados-nao. Isto se explica porque a Revoluo Comercial, sendo baseada no

    comrcio de longa distncia, prescindia o territrio extenso e populao numerosa que ir

    caracterizar os grandes mercados internos dos estados-nao. A Revoluo Industrial,porm, cujas bases a Inglaterra principalmente comea a construir no sculo XVI, exigir

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    um mercado como amplo na medida em que implicava investimentos elevados em capital

    fixo que no podiam ficar merc dos azares do comrcio de longa distncia. Assim, o

    estado-nao ser fruto da aliana entre uma parte da aristocracia militar e proprietria de

    terras aquela associada ao monarca ou ao poder central e a burguesia nascente que para

    se tornar industrial e ganhar estabilidade necessitava de grandes mercados internos.

    Charles Tilly (1975, 1992) foi um dos muitos historiadores e socilogos que analisaram

    com clareza essa aliana. Atravs do demorado processo de institucionalizao poltica e

    econmica que o da formao do estado-nao, empresrios, polticos, burocratas

    pblicos e trabalhadores formam a nao. A constituio dos Estados nacionais e,

    portanto, de mercados amplos e seguros para os empresrios investirem na indstria foi,

    por sua vez, a condio da Revoluo Industrial, inicialmente na Inglaterra, na Blgica e

    na Frana. A partir da a industrializao se confundir com o prprio desenvolvimento

    econmico na medida em que ser a forma pela qual as sociedades aumentaro seu valor

    adicionado per capita atravs da transferncia da mo-de-obra da agricultura para

    atividades industriais exigindo pessoal mais qualificado. Para que a industrializao

    ocorresse, no bastou, portanto, que houvessem surgido na Europa cidades-estado

    burguesas; foi necessria a formao concomitante dos grandes estados-nao com seus

    grandes mercados nacionais.

    Os estados-nao so o pressuposto bsico das anlises econmicas e polticas e o mtodo

    histrico-dedutivo, atravs do qual se estuda como se comportam as economias nacionais

    e a economia mundial o mtodo adequado. Quando os economistas mercantilistas

    buscavam entender o sistema econmico, esse sistema era o existente no quadro de um

    pas. Para Adam Smith, ao estudar a riqueza das naes, o que realmente o interessava

    era a riqueza ou o desenvolvimento econmico da Gr-Bretanha. Os modelos dos

    economistas clssicos do sculo XIX, porm, eram pouco formalizados e foi isto que

    levou os economistas neoclssicos, inspirados por Stuart Mill, a pensar na alternativa

    equivocada de usar o mtodo hipottico-dedutivo para analisar os sistemas econmicos.

    Deixaram, assim, de pensar em termos de estados-nao, mas s custas da compreenso de

    como de fato se comportam as economias modernas. Keynes e Kalecki, porm, ao

    fundarem nos anos 1920 e 1930 a macroeconomia, voltaram novamente o foco dos

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    economistas para as economias nacionais, e deram teoria econmica forte contedo

    prtico.8

    Formas histricas do EstadoQuando defino o Estado como o sistema constitucional-legal e a organizao que o garante

    estou afirmando que o Estado ou define o regime poltico. Este ser democrtico ou

    autoritrio, ser monrquico ou republicano, ou ento ser absoluto, liberal ou novamente

    democrtico, dependendo do que determinar de forma legtima a constituio e as demais

    leis do pas. Existe hoje uma imensa bibliografia sobre a democracia, mas esta no existe

    de forma abstrata; o que existe, no mundo capitalista do sculo XXI, o Estado

    democrtico ou ento o Estado autoritrio. O fato de serem monrquicos ou republicanosno tem muita importncia, porque as monarquias podem ser constitucionais e

    democrticas.

    Em cada sociedade nacional o Estado a instituio fundamental porque define o sistema

    constitucional-legal ou da ordem jurdica, ao mesmo tempo em que se constitui nesse

    prprio sistema constitucional-legal. Alm disso, a matriz das demais instituies

    formais com fora coercitiva de lei, mas no o agente principal. Este papel tambm no

    cabe ao indivduo, como pretende a teoria liberal, nem cabe ao povo, em que todos soiguais como a fico democrtica que est por trs da democracia afirma, mas cabe

    nao ou sociedade civil na qual os poderes so diferenciados e ponderados.9

    Ao invs

    de agente, o Estado o instrumento da sociedade nacional na busca dos seus objetivos

    polticos. J os mercados e o dinheiro so apenas as duas principais instituies

    econmicas que complementam o papel do Estado de, atravs da lei, coordenar as aes

    sociais; so instituies reguladas pelo Estado a servio da sociedade. Portanto, quando se

    fala em Estado e em mercado, no se est falando de instituies concorrentes, mas deinstituies complementares voltadas para a coordenao social e para a consecuo dos

    objetivos polticos de cada sociedade e da sociedade mundial que est se formando.

    8Entretanto, como a formalizao permitida por modelos histricos era pequena, os economistas

    neoclssicos desenvolveram uma macroeconomia e uma teoria do crescimento altamentematematizadas, mas equivocadas e inteis porque desligados da realidade histrica e nacional dos

    sistemas econmicos. (Bresser-Pereira 2009).9

    Sobre a fico democrtica, ver a notvel anlise histrica de Pierre Rosanvallon (1998).

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    Quando se fala em regime poltico, est-se pensando como se organiza o poder da

    sociedade sobre o Estado.

    Os regimes polticos so as formas histricas do Estado. Quais so elas, e o que as

    determina? Na medida em que defini o Estado moderno como o instrumento de aocoletiva da nao ou da sociedade civil, o que estou afirmando que o Estado a

    expresso da sociedade que o agente da histria a sociedade politicamente organizada.

    A relao, entretanto, no linear, mas dialtica, e o de forma explcita. Geralmente as

    relaes dialticas esto numa rea de obscuridade e de indeterminao. Neste caso,

    porm, a sociedade cria o Estado para que este a regule, para que este exera poder sobre

    ela. O movimento causal , portanto, um movimento nos dois sentidos. principalmente

    no sentido da sociedade para o Estado, mas tambm deste para a sociedade. Quandodiscuti algumas pginas acima as teorias do Estado as teorias da legitimidade ou do

    poder do Estado eu estava adotando uma teoria sociolgica do Estado segundo a qual

    este se reveste de formas histricas. A cada forma histrica de sociedade ao grau de

    desenvolvimento econmico, poltico e social de uma determinada sociedade nacional

    corresponde uma forma histrica de Estado. Quais so essas formas histricas

    correspondentes? Em um esforo de sntese de valor sempre duvidoso, tomando como

    referncia os pases que primeiro se desenvolveram, elas esto no Quadro 1. Como oEstado no apenas sistema constitucional legal mas tambm aparelho, organizao ou

    administrao pblica, o quadro tem trs colunas.

    Tabela 1: Tipos histricos de sociedade e de Estado

    Sociedade Estado(Sistema constitucional-legal)

    Administrao pblica(Aparelho do Estado)

    Aristocrtica e mercantil(sculos XVI-XVIII) Absoluto Patrimonialista

    Capitalista clssica(sculo XIX)

    Liberal Burocrtica pblica

    Capitalista moderna(1. metade do sculo XX)

    Democrtico Liberal Burocrtica pblica

    Capitalista-profissional(desde meados do sculo XX)

    Democrtico social Gerencial pblica

    Observao: esta periodizao e tipologia tomam como base os pases que primeiro sedesenvolveram, como a Gr-Bretanha e a Frana.

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    No posso, neste trabalho, desenvolver toda a anlise necessria para sustentar a

    periodizao e as respectivas formas histricas ou tipos ideais que o quadro contm. Fiz

    uma anlise mais completa (mas sempre discutvel porque h nela uma simplificao que

    muitos podero considerar excessiva) no livro Construindo o Estado Republicano (2004).

    Aqui me limito a assinalar que as sociedades aristocrticas e mercantis da Europa que vo

    presidir grande parte da Revoluo Capitalista deram origem primeira forma histrica de

    Estado moderno o Estado Absoluto ao qual correspondeu, no plano do aparelho do

    Estado, a administrao patrimonialista. Nestas duas formas a sociedade no distinguia o

    pblico do privado. O patrimnio do soberano e o patrimnio pblico eram a mesma

    coisa.

    Na medida, entretanto, que a formao do Estado nacional se completa e que a RevoluoIndustrial ocorre, o poder da burguesia aumenta, enquanto diminui, at desaparecer, o da

    aristocracia. A sociedade se configura Capitalismo Clssico o capitalismo que Marx

    identificou e analisou de forma insupervel. Neste capitalismo j existe uma sociedade

    civil, mas esta quase exclusivamente burguesa, de forma que podemos entender porque

    Marx e Engels disseram no Manifesto Comunista que o Estado era o comit executivo da

    classe dominante. O Estado, nesse perodo, o Estado liberal um Estado que j garante

    os direitos civis, os direitos liberdade, propriedade e ao respeito, mas ainda umEstado autoritrio porque os direitos polticos no esto garantidos: no existe o sufrgio

    universal que uma condio da democracia. Durante o sculo XIX ocorrem as principais

    reformas burocrticas ou weberianas, de forma que o aparelho do Estado j burocrtico

    pblico.

    O desenvolvimento econmico, entretanto, continua a ocorrer e, com ele, o

    desenvolvimento social e poltico, de forma que na transio do sculo XIX para o XX

    afinal surgem no capitalismo os primeiros Estados democrticos. A sociedade civilcontinua a ser principalmente burguesa, mas a movimentao poltica intensa dos

    trabalhadores e dos polticos socialistas leva gradualmente extenso do direito de voto

    at que se chega ao sufrgio universal. A partir desse momento, j podemos falar em um

    Estado Democrtico-Liberal, ainda que a democracia seja mnima, uma democracia de

    elites, como Schumpeter (1942) a definiu, na qual os eleitores elegem representantes das

    elites que no lhes prestam contas a no ser nos momentos de reeleio. A forma de

    organizar o Estado, entretanto, no muda o suficiente para que se possa falar em uma novaforma de administrao pblica: ela continua burocrtica.

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    O desenvolvimento, entretanto, continua a ocorrer, porque o capitalismo uma forma de

    organizar a sociedade eminentemente ativa, e por que as demandas sociais dos mais

    pobres ganharam agora uma dinmica prpria. A Segunda Guerra Mundial, por sua vez,

    dar um forte impulso democracia na medida em que houve uma mobilizao poltica de

    toda a sociedade nos pases democrticos para lutar contra o horror em que o autoritarismo

    nazista se transformara. O autoritarismo, que at o final do sculo XIX era considerado

    algo normal ou aceitvel desde que associado garantia dos direitos individuais liberais,

    perde a partir de ento legitimidade. Por outro lado, a luta dos trabalhadores e dos polticos

    e intelectuais socialistas por uma sociedade mais justa no esmorecia. Pelo contrrio, era

    fortalecida pelo fato de que agora todos os trabalhadores tinham direito a voto. O

    resultado, aps a guerra, a transio do Estado Democrtico Liberal para o Social: a

    enorme ampliao do Estado em termos de despesa pblica e carga tributria para que ele

    possa garantir os direitos sociais a uma velhice segura, sade universal, educao

    bsica e assistncia social aos pobres. O Estado liberal que representava menos de 10%

    representar agora 40% do PIB. Esta mudana ocorre principalmente nos pases da Europa

    Ocidental e do Norte, que se transformam em Estados Democrticos Sociais. Entretanto os

    Estados Unidos que, nesse momento, j o pas mais poderoso e rico do mundo, no faz

    essa transio: sua democracia continua liberal. E talvez influenciada por esse fato as

    democracias modernas continuam a ser chamadas de democracias liberais quando, na

    verdade, na Europa, elas j deram um passo alm, e a forma poltica do Estado j seja a do

    Estado Democrtico Social. O avano do Estado se d, ento, no apenas porque os

    direitos sociais comeam a ser mais bem garantidos, mas porque a democracia deixa de ser

    uma democracia de elites e passa a ser uma democracia social ou uma democracia de

    opinio pblica. Ento, a voz dos eleitores, que era um pouco mais ouvida fora das

    eleies, passa agora a se manifestar atravs das sondagens de opinio, e atravs de um

    enorme aumento das organizaes pblicas no-estatais de advocacia poltica, inclusiveaquelas de base (grass roots organizations). Enquanto no Estado liberal e no Estado

    liberal-democrtico a responsabilizao dos polticos e altos servidores era mnima, agora

    aumenta substancialmente. Ainda que a fico democrtica do governo do povo no tenha

    ainda desaparecido, no se pode mais falar que o Estado o representante exclusivo da

    classe capitalista. Ainda que na sociedade civil o peso do capital ou do dinheiro continue a

    ser muito grande, a sociedade civil tambm se democratizou, e as diferenas de poder

    entre seus membros diminuram sem deixarem de continuar elevadas. Por outro lado,embora as sociedades europias houvessem realizado um grande avano poltico, a crtica

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    interna ao seu Estado e s suas instituies continuou forte e vibrante o que assegura a

    continuidade do desenvolvimento poltico.

    Quanto forma da organizao do Estado, esta, a partir dos anos 1980, comeou a sofrer

    uma grande reforma a meu ver a segunda reforma administrativa fundamental do Estadomoderno: a reforma gerencial ou reforma da gesto pblica. Atravs dessa reforma, que

    est hoje ocorrendo em todos os pases desenvolvidos e em alguns de renda mdia,

    comeam a ocorrer duas mudanas fundamentais: primeiro, garante-se mais autonomia

    decisria aos servidores pblicos, ao mesmo tempo em que se aumenta sua

    responsabilizao perante seus superiores e a sociedade atravs da administrao por

    resultados e do incentivo aos mecanismos de participao e responsabilizao social.

    Segundo, procede-se uma mudana estrutural na organizao administrativa do Estado aose manter dentro dela apenas os polticos e os altos servidores pblicos civis e militares, e

    se descentraliza de forma competitiva (competio por excelncia, no por lucros) a

    prestao de servios sociais e cientficos para organizaes pblicas no-estatais de

    servio. Como a reforma burocrtica demorou de 30 a 40 anos para poder ser considerada

    completa, esta tambm demorar esse tempo, mas acontecer porque ela uma resposta

    ao Estado democrtico social. Enquanto o Estado era liberal ou liberal-democrtico, ele

    era muito pequeno e podia ser administrado apenas segundo o critrio da efetividade, que o critrio da administrao burocrtica; entretanto, quando se transformou em um Estado

    muito maior o Estado Democrtico Social , envolvendo uma despesa pblica quatro a

    cinco vezes maior, o critrio da eficincia tornou-se imperativo, e a reforma gerencial,

    necessria.

    A reforma gerencial tornou-se tambm inevitvel no nvel do Estado porque o capitalismo

    afinal no produziu apenas duas classes novas a burguesa e a trabalhadora como Marx

    sups analisando corretamente seu tempo, mas trs. Com o surgimento das grandesorganizaes privadas, surgiu tambm uma nova classe mdia: a classe mdia profissional

    ou tecnoburocrtica. Enquanto a organizao da produo capitalista estava limitada

    fundamentalmente a empresas familiares, a sociedade capitalista podia caracterizar-se por

    duas classes sociais: uma de proprietrios do capital e outra, de proprietrios do trabalho.

    Entretanto, quando a produo passa a ser realizada principalmente em grandes

    organizaes burocrticas, os proprietrios do conhecimento tcnico, organizacional e

    comunicativo que as administram ou assessoram passam a ter um papel social novo efundamental. A prpria burocracia do Estado, que era apenas um estamento no capitalismo

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    clssico, agora se soma tecnoburocracia privada para formar uma imensa classe

    profissional. Estas classes no se confundem porque na classe capitalista existem camadas

    altas e mdias, na trabalhadora, camadas baixas e mdias, e na profissional, as trs

    camadas esto presentes. Com a transformao da burocracia pblica em parte da classe

    profissional ou burocrtica mais ampla, e como os integrantes dessa classe se legitimam

    essencialmente atravs da sua capacidade de dotar de eficincia as organizaes que

    dirigem, era inevitvel que tambm tratassem a aplicar os princpios da boa gesto no

    Estado.

    Esta nova classe trar um problema fundamental para a sociologia poltica. Quando era

    razovel pensar em duas classes apenas, podamos pensar com razovel clareza os partidos

    polticos (as organizaes para-estatais que existem entre a sociedade politicamenteorganizada e o Estado para eleger representantes) como principalmente identificados com

    capitalistas ou com trabalhadores; entretanto, quando surge uma nova e profundamente

    heterognea classe como a classe profissional, o quadro poltico das classes sociais

    torna-se muito mais complexo e indeterminado, e se torna difcil saber quais classes e

    quais interesses esto mais efetivamente representados nos Estados, nos governos que os

    dirigem, e nos partidos que servem de veculo para a eleio dos dirigentes polticos. Isto

    no impede, porm, que o desenvolvimento poltico continue a ocorrer e que cada Estadov se tornando mais representativo de seu povo e mais com ele identificado. A sociedade

    continua a ser uma sociedade de classes, e o conflito social continua uma realidade, mas as

    demandas polticas ganham paulatinamente autonomia em relao posio de classe na

    medida em que nas classes superiores idias e comportamentos republicanos,

    razoavelmente independentes dos interesses de classe, passam a se tornar mais freqentes

    ou usuais.

    No final do sculo XX o Estado Democrtico Social e, mais amplamente, o processo dedesenvolvimento poltico foram desafiados por uma nova ideologia: o neoliberalismo. O

    objetivo era diminuir o tamanho do Estado: faz-lo voltar sua condio de Estado

    Democrtico Liberal. Embora essa ideologia possa ser apenas definida como uma

    radicalizao do liberalismo econmico, o que a faria semelhante ao liberalismo, , na

    verdade uma ideologia muito diferente. Isto fica claro se a pensarmos do ponto de vista

    histrico: enquanto o liberalismo no sculo XVIII foi a ideologia de uma classe mdia

    burguesa contra uma oligarquia de militares e senhores de terra e contra um Estadoautocrtico, o neoliberalismo, a partir dos anos 1980 quando se torna dominante, foi uma

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    ideologia dos ricos contra os pobres e contra o Estado democrtico e social. Esta ideologia

    reacionria, entretanto, ainda que tenha conseguido algum xito em reduzir a proteo

    garantida diretamente pelas empresas a seus trabalhadores, no logrou xito em reduzir o

    tamanho do Estado e cortar sua proteo social. Entretanto, na medida em que, apoiada na

    teoria econmica neoclssica, promoveu a desregulao dos mercados e o

    enfraquecimento do Estado, logrou, a partir de 2007, provocar uma crise que comeou

    bancria nos Estados Unidos, se transformou em financeira global, e acabou por ser a mais

    grave crise econmica desde a Grande Depresso dos anos 1930. Tudo indica, portanto,

    que, passado o tempo deste retrocesso histrico que foi o neoliberalismo, as sociedades

    podero voltar ao processo de desenvolvimento econmico, social e poltico que, de uma

    forma ou de outra, presidiu os duzentos anos de sociedades capitalistas e de formas de

    Estado cada vez mais democrticas.

    A Revoluo Capitalista deu origem tambm a cinco grandes ideologias ao mesmo tempo

    complementares e contraditrias: o liberalismo, o nacionalismo, o socialismo, o

    eficientismo e o ambientalismo. O liberalismo a ideologia que nasce com a burguesia,

    a ideologia da liberdade; o nacionalismo a ideologia que nasce com o estado-nao, a

    ideologia da autonomia e do desenvolvimento econmico nacional; o socialismo a

    ideologia que nasce com os trabalhadores; a ideologia da igualdade ou da justia social;o eficientismo a ideologia que nasce com a classe profissional, a ideologia da

    eficincia ou, novamente, do desenvolvimento econmico; finalmente, o ambientalismo

    a ideologia da defesa do meio ambiente; no uma ideologia que se possa relacionar com

    clareza com as classes embora esteja identificada principalmente com as camadas mdias

    burguesas e profissionais. Todas essas ideologias esto relacionadas com o

    desenvolvimento poltico, so idias que a nao ou a sociedade civil adotam para, atravs

    do Estado, promover seus grandes objetivos polticos.

    Referncias

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