estudo da interaÇÃo solo-estrutura em cortinas …
TRANSCRIPT
ESTUDO DA INTERAÇÃO SOLO-ESTRUTURA EM CORTINAS FLEXÍVEIS
COM UM NÍVEL DE ANCORAGEM
José Wellington Santos de Vargas
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Engenharia Civil, COPPE, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em
Engenharia Civil.
Orientador: Francisco de Rezende Lopes
Rio de Janeiro
Julho de 2016
ESTUDO DA INTERAÇÃO SOLO-ESTRUTURA EM CORTINAS FLEXÍVEIS
COM UM NÍVEL DE ANCORAGEM
José Wellington Santos de Vargas
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO
LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE ENGENHARIA
(COPPE) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE
DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL.
Examinada por:
______________________________________________
Prof. Francisco de Rezende Lopes, Ph.D.
______________________________________________
Prof. Fernando Artur Brasil Danziger, D.Sc.
______________________________________________
Prof. Leonardo De Bona Becker, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ- BRASIL
JULHO DE 2016
iii
Vargas, José Wellington Santos de
Estudo da Interação Solo-Estrutura em Cortinas
Flexíveis com um Nível de Ancoragem / José Wellington
Santos de Vargas. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2016.
XVIII, 122 p.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Francisco de Rezende Lopes
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de
Engenharia Civil, 2016.
Referências Bibliográficas: p. 116-119.
1. Interação Solo-Estrutura. 2. Cortinas Ancoradas. 3.
Análise Numérica. I. Lopes, Francisco de Rezende. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE,
Programa de Engenharia Civil. III. Título.
iv
Aos meus professores.
v
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, ao Criador pelo dom da vida e por ter embelezado a minha
trajetória com pessoas, momentos e experiências que não podem ser descritos.
Aos meus pais, Valdir e Erica, pelo incentivo à descoberta e ao aprendizado desde
a tenra idade. Também às minhas irmãs, Itaibeli e Valérika, pelo apoio e pela
compreensão.
Aos meus inseparáveis colegas de mestrado Carla Fabris, Louis Magalhães e
Marcela Tortureli, por fazerem deste tempo uma experiência inesquecível, cheia de
diversão e sentimento. A todos os COPPEtentes e COPPErativos, pela interação
maravilhosa. Foi muito bom estarmos juntos.
Ao Nelson Santos, mentor e amigo, com quem sempre pude contar. Nossa
amizade permanecerá para sempre.
À Eliene Silva, pela amizade e companheirismo, pelos cafés e sorrisos, pelos
momentos de cobrança e de aconselhamento. Minha conquista muito se deve à sua
influência.
Ao meu orientador Francisco Lopes, pela prontidão em me conduzir durante esta
pesquisa e pela paciência.
Aos professores do PEC, especialmente ao professor Fernando Danziger pelo
cuidado para com este forasteiro. Também à Graziela Januzzi pela empatia e
urbanidade.
À CAPES, pelo auxílio financeiro durante os dois anos do meu mestrado.
vi
Resumo da Dissertação apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)
ESTUDO DA INTERAÇÃO SOLO-ESTRUTURA EM CORTINAS FLEXÍVEIS
COM UM NÍVEL DE ANCORAGEM
José Wellington Santos de Vargas
Julho/2016
Orientador: Francisco de Rezende Lopes
Programa: Engenharia Civil
A interação solo-estrutura em cortinas flexíveis constitui-se num dos mais
desafiadores problemas de geotecnia. Projetar obras desse tipo com base nos métodos
clássicos pode ser antieconômico por um lado e não seguro por outro. Este trabalho
apresenta um resumo dos métodos clássicos empregados no projeto de cortinas e
também as principais contribuições sobre a interação solo-estrutura apresentadas na
literatura. Faz-se também um estudo numérico para comparação com os resultados
apresentados por ROWE (1952) em termos de distribuição de tensões, flexibilidade e
redução de momentos. Apresenta-se também um estudo de caso hipotético onde se
avalia numericamente a influência da deformabilidade do solo, flexibilidade da cortina,
deslocabilidade da ancoragem e extensão da ficha. Os resultados apontam para a
adequação do método empírico de redução de momentos proposto por ROWE (1952),
exceto em alguns casos especiais. Conclui-se também que a flexibilidade da estrutura é
o fator mais importante da interação solo-cortina, sendo a principal causa da
redistribuição de tensões na região da ancoragem e abaixo da cota de dragagem.
vii
Abstract of Dissertation presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Science (M.Sc.)
STUDY OF SOIL-STRUCTURE INTERACTION IN ANCHORED BULKHEADS
José Wellington Santos de Vargas
July/2016
Advisor: Francisco de Rezende Lopes
Department: Civil Engineering
The soil-structure interaction in sheet-pile walls is one of the most challenging
problems in geotechnical engineering. The design of this type of structure according to
classical methods may be at the same time anti-economical and unsafe. This work
presents a summary of classical methods of design as well as the main contributions on
the soil-structure issue. Numerical analyses were performed and their results were
compared with those presented by ROWE (1952) in terms of soil pressure distribution,
pile flexibility and moment reduction. A hypothetical case is studied where the
influence of soil compressibility, pile flexibility, anchor yield and embedment depth is
evaluated numerically. The results show that the empirical method of moment reduction
proposed by ROWE (1952) is adequate, except in some special cases. It is also
concluded that the pile flexibility is the main factor affecting the soil-wall interaction,
being the cause of pressure redistribution in the anchor zone and below the dredge line.
viii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1
1.1 MOTIVAÇÃO E OBJETIVOS ................................................................................. 1
1.2 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ........................................................................ 2
2 CORTINAS DE ESTACAS-PRANCHA – GENERALIDADES ........................ 3
2.1 MATERIAIS E SEÇÕES .......................................................................................... 6
2.2 FORMAS DE COLAPSO ......................................................................................... 8
2.3 PROJETO DE CORTINAS ..................................................................................... 11
2.4 SISTEMA DE ANCORAGEM ............................................................................... 11
3 REVISÃO DOS MÉTODOS DE ANÁLISE ....................................................... 14
3.1 MÉTODOS CLÁSSICOS ....................................................................................... 14
3.1.1 Fator de Segurança ........................................................................................ 15
3.1.2 Análise de Cortinas em Balanço ................................................................... 17
3.1.3 Método do Apoio Livre (Free Earth Support) ............................................. 19
3.1.3.1 Método do Apoio Livre – Variação 1 ...................................................... 21
3.1.3.2 Método do Apoio Livre – Variação 2 ...................................................... 22
3.1.3.3 Método do Apoio Livre – Variação 3 ...................................................... 23
3.1.3.4 Método do Apoio Livre – Variação 4 ...................................................... 24
3.1.4 Métodos de Apoio Fixo (Fixed Earth Support) ............................................ 25
3.1.4.1 Método da linha elástica .......................................................................... 25
3.1.4.2 Método da viga equivalente ..................................................................... 26
3.2 MÉTODOS EMPÍRICOS E CONTRIBUIÇÕES ACERCA DA INTERAÇÃO
SOLO-ESTRUTURA ...................................................................................................... 27
3.2.1 Caso de Aalborg (Dinamarca) ...................................................................... 28
3.2.2 Recomendações da Sociedade Dinamarquesa de Engenheiros Civis ........ 30
3.2.3 Tschebotarioff (1949) .................................................................................... 33
3.2.4 Rowe (1952) .................................................................................................... 34
3.2.5 Brinch-Hansen (1953) e Rowe (1956)........................................................... 37
3.2.6 Outras contribuições ..................................................................................... 38
3.3 MÉTODOS NUMÉRICOS ..................................................................................... 41
3.3.1 Solução em que o Solo é Representado por Molas ..................................... 42
3.3.2 Métodos de Meio Contínuo ........................................................................... 44
4 REVISITANDO O TRABALHO DE ROWE (1952) ......................................... 46
ix
4.1 ENSAIOS EM MODELOS REDUZIDOS ............................................................. 47
4.1.1 Distribuição de tensões .................................................................................. 49
4.1.2 Flexibilidade ................................................................................................... 51
4.2 ENSAIOS NUMÉRICOS ........................................................................................ 52
4.2.1 Distribuição de tensões .................................................................................. 53
4.2.2 Flexibilidade ................................................................................................... 58
4.3 RESULTADOS DAS ANÁLISES NUMÉRICAS E COMPARAÇÕES ............... 63
4.3.1 Distribuição de tensões .................................................................................. 64
4.3.2 Flexibilidade ................................................................................................... 76
5 ESTUDO PARAMÉTRICO DE CASO HIPOTÉTICO .................................... 84
5.1 DESCRIÇÃO DO CASO ........................................................................................ 84
5.2 RESULTADOS DO ESTUDO DE FLEXIBILIDADE .......................................... 88
5.2.1 Influência da flexibilidade na distribuição das tensões .............................. 88
5.2.2 Influência da flexibilidade nos momentos fletores ..................................... 93
5.2.3 Influência da flexibilidade na solicitação da ancoragem ........................... 94
5.2.4 Influência da flexibilidade nas deformações da cortina ............................. 96
5.3 ESTUDOS DE DESLOCABILIDADE DA ANCORAGEM ............................... 101
5.3.1 Influência da ancoragem na distribuição de tensões ................................ 102
5.3.2 Influência da ancoragem nos momentos fletores ...................................... 103
5.3.3 Influência da ancoragem na sua própria solicitação ................................ 104
5.3.4 Influência da ancoragem nos deslocamentos ............................................ 105
5.4 ESTUDOS DO APOIO INFERIOR ...................................................................... 106
5.4.1 Influência da ficha na distribuição de tensões passivas ........................... 107
5.4.2 Influência da ficha nos momentos .............................................................. 108
5.4.3 Influência da ficha na solicitação das ancoragens .................................... 109
5.4.4 Influência da ficha nos deslocamentos da cortina .................................... 110
6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES ....................................................................... 112
6.1 CONCLUSÕES ..................................................................................................... 112
6.1.1 Sobre o Capítulo 4 ....................................................................................... 112
6.1.2 Sobre o Capitulo 5 ....................................................................................... 113
6.2 SUGESTÕES PARA OUTRAS PESQUISAS ..................................................... 115
7 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 116
APÊNDICE 1 – DEDUÇÃO DA EQUAÇÃO DO FS PARA A VARIAÇÃO 2 DO
MÉTODO DO APOIO LIVRE .................................................................................. 120
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 2-1: Usos e tipos de cortinas de estacas-prancha (adaptado de CORNFIELD,
1975) ................................................................................................................................. 3
Figura 2-2: Estruturas típicas de estacas-prancha: a) cortina em balanço; b) cortina
ancorada; c) píer; d) dique seco; e) cortina ancorada com estaca de tração; f) cortina
ancorada com cavalete de estacas; g) cortina com plataforma de alívio e h) escavação
com escoramento (adaptado de BOWLES, 1977; DISMUKE, 1991) ............................. 5
Figura 2-3: Seções típicas de estacas-pranchas de madeira e concreto: a) pranchas de
madeira justapostas; b) pranchas de madeira unidas com grampos de aço; c) pranchas
sobrepostas de madeira com junção tipo macho e fêmea; d) visão geral de estaca-
prancha de concreto armado; e) seção em concreto com juntas vedadas em graute e f)
seção em concreto com juntas do tipo macho e fêmea (adaptado de CLAYTON et al.,
2013) ................................................................................................................................. 7
Figura 2-4: Seções comuns de estacas-pranchas metálicas: a) Perfil Z simples e
combinado; b) Perfil U simples e combinado; c) Perfis AS (seção plana) e d) Parede
combinada de perfis Z e I (soldier wall) (adaptado de ARCELOR MITTAL, 2010) ...... 8
Figura 2-5: Modos convencionais de ruptura das cortinas ancoradas – a) ruptura global,
b) ruptura passiva (toe kick-out), c) plastificação da seção, d), e) e f) ruptura do sistema
de ancoragem (adaptado de USACE, 1994) ..................................................................... 9
Figura 2-6: Posicionamento dos elementos de ancoragem: a) diagramas para a
estimativa da capacidade de carga e b) afastamento da região de instabilidade (adaptado
de CLAYTON et al., 2013) ............................................................................................ 12
Figura 2-7: Redução da capacidade da ancoragem sugerida por Terzaghi (adaptado de
CLAYTON et al., 2013) ................................................................................................. 13
Figura 3-1: Classificação dos Métodos Clássicos .......................................................... 14
Figura 3-2: a) Linha elástica assumida para o cálculo da cortina em balanço; b)
Diagrama de empuxo simplificado e c) Diagrama líquido de empuxo para cálculo
prático (adaptado de BOWLES, 1977) ........................................................................... 18
Figura 3-3: Linha elástica real e distribuição real de empuxo na cortina em balanço com
restrição completa do pé ................................................................................................. 19
xi
Figura 3-4: Análise de cortina ancorada pelo Método do Apoio Livre – a) estrutura e
linha elástica assumida, b) diagrama de empuxo lateral e c) diagrama de momentos
fletores ............................................................................................................................ 20
Figura 3-5: Variação mais conhecida do MAL ............................................................. 21
Figura 3-6: Variação 2 do MAL .................................................................................... 22
Figura 3-7: Método do apoio livre proposto por TERZAGHI (1943) ........................... 23
Figura 3-8: Método do apoio livre segundo ROWE (1952) .......................................... 24
Figura 3-9: Diagramas para o cálculo segundo o MAF (TSCHEBOTARIOFF, 1962) 26
Figura 3-10: Método simplificado da viga equivalente (TSCHEBOTARIOFF, 1962) 27
Figura 3-11: Detalhes do píer de Aalborg, Dinamarca (TSCHEBOTARIOFF, 1951) .. 29
Figura 3-12: Diagrama de tensões modificado segundo a Sociedade Dinamarquesa de
Engenheiros Civis (TSINKER, 1997) ............................................................................ 31
Figura 3-13: Distribuições de tensões alternativas segundo a) OHDE (1938) e b)
GONCHAROV (1962) (TSCHEBOTARIOFF, 1962; TSHINKER, 1997) .................. 32
Figura 3-14: Redistribuição da tensão normal à estrutura em função da deflexão da
cortina (TSCHEBOTARIOFF, 1973). ........................................................................... 33
Figura 3-15: Tipos de deformação associados às cortinas flexíveis (adaptado de
SIMPSON e POWRIE, 2001) ........................................................................................ 34
Figura 3-16: Analogia para o entendimento da redução do vão efetivo da cortina
(CORNFIELD, 1975) ..................................................................................................... 35
Figura 3-17: Curvas de redução de momentos (ROWE, 1952) ...................................... 36
Figura 3-18: Método de utilização da redução de momentos em projeto ...................... 36
Figura 3-19: Resumo dos experimentos de LAZEBNIK (1961) (adaptado de TSINKER,
1997) ............................................................................................................................... 38
Figura 3-20: Exemplo de aplicação dos coeficientes de empuxo alternativos (BILGIN,
2012) ............................................................................................................................... 41
Figura 3-21: Diagramas de empuxo em cortina segundo o método das tensões
dependentes a) no repouso e b) após o processo iterativo (FINE, 2016) ....................... 43
xii
Figura 4-1: Resultados da compressão edométrica dos solos utilizados nos experimentos
(adaptado de ROWE, 1952)............................................................................................ 49
Figura 4-2: Modelo utilizado nos experimentos de distribuição de tensões (ROWE,
1952) ............................................................................................................................... 50
Figura 4-3: Sequência executiva dos ensaios de distribuição de tensões (ROWE, 1952)
........................................................................................................................................ 51
Figura 4-4: Aparato para os experimentos de flexibilidade (ROWE, 1952) .................. 52
Figura 4-5: Dimensões e malha de elementos finitos dos modelos numéricos de
distribuição de tensões – a) DT1 e b) DT2 ..................................................................... 54
Figura 4-6: Módulo de deformabilidade variável adotado para as análises DT ............. 56
Figura 4-7: Aproximação da curva de compressão edométrica da areia fofa com a
utilização do modelo Hardening Soil ............................................................................. 56
Figura 4-8: Modelos numéricos para os ensaios de flexibilidade dos grupos a) 1 e b) 2 60
Figura 4-9: Modelos numéricos para os ensaios de flexibilidade dos grupos a) 3 e b) 4
........................................................................................................................................ 61
Figura 4-10: Módulos de deformabilidade variáveis usados nos modelos numéricos dos
grupos a) 1 e 2; b) 3 e 4 .................................................................................................. 62
Figura 4-11: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT1 com ancoragem indeslocável ....................... 65
Figura 4-12: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT2 com ancoragem indeslocável ....................... 66
Figura 4-13: Cruzes de tensões efetivas a) antes e b) depois da dragagem do solo ....... 67
Figura 4-14: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT1 com ancoragem deslocável .......................... 71
Figura 4-15: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT1 com ancoragem deslocável .......................... 72
Figura 4-16: Origens dos efeitos de segunda ordem ...................................................... 75
Figura 4-17: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e
flexibilidades (Log If) do grupo 1 ................................................................................... 77
xiii
Figura 4-18: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e
flexibilidades (Log If) do grupo 2 ................................................................................... 78
Figura 4-19: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e
flexibilidades (Log If) do grupo 3 ................................................................................... 79
Figura 4-20: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e
flexibilidades (Log If) do grupo 4 ................................................................................... 80
Figura 4-21: Comparação entre as curvas de redução de momentos propostas por Rowe
e os resultados numéricos dos grupos 1 e 2 .................................................................... 81
Figura 4-22: Comparação entre as curvas de redução de momentos propostas por Rowe
e os resultados numéricos dos grupos 3 e 4 .................................................................... 82
Figura 5-1: Geometria e módulos de deformação utilizados no caso hipotético............ 86
Figura 5-2: Modelo numérico do estudo paramétrico ................................................... 87
Figura 5-3: Distribuição de tensões com a flexibilidade da cortina em solo compacto . 89
Figura 5-4: Distribuição de tensões com a flexibilidade da cortina em solo
medianamente compacto ................................................................................................ 90
Figura 5-5: Distribuição de tensões com a flexibilidade da cortina em solo fofo .......... 91
Figura 5-6: Variação dos momentos fletores com a flexibilidade da cortina ................. 93
Figura 5-7: Variação de Fa com a flexibilidade da cortina ............................................. 94
Figura 5-8: Redução de Rowe para a força na ancoragem (adaptado de TERZAGHI,
1954) ............................................................................................................................... 96
Figura 5-9: Variação das deformações máximas na estrutura com a flexibilidade ........ 96
Figura 5-10: Perfis de deformações com a flexibilidade da cortina em solo compacto . 98
Figura 5-11: Perfis de deformações com a flexibilidade da cortina em solo
medianamente compacto ................................................................................................ 99
Figura 5-12: Perfis de deformações com a flexibilidade da cortina em solo fofo ........ 100
Figura 5-13: Variação do momento máximo com a deslocabilidade da ancoragem .... 103
Figura 5-14: Variação da solicitação da ancoragem com a sua deflexão ..................... 104
xiv
Figura 5-15: Variação dos deslocamentos máximos na cortina com a deslocabilidade da
ancoragem ..................................................................................................................... 105
Figura 5-16: Valores de FS vs. ficha segundo o MAL para diferentes teorias empuxo 106
Figura 5-17: Distribuições de tensões passivas para diferentes comprimentos de ficha
...................................................................................................................................... 107
Figura 5-18: Momentos fletores nos modelos com diferentes fichas ........................... 108
Figura 5-19: Variação do momento máximo com a extensão relativa da ficha ........... 109
Figura 5-20: Variação da solicitação da ancoragem com a extensão relativa da ficha 110
Figura 5-21: Perfil de deslocamentos horizontais em modelo com ficha variável ....... 111
xv
LISTA DE TABELAS
Tabela 4-1: Detalhes dos modelos de cortinas (adaptado de ROWE, 1952) .................. 47
Tabela 4-2: Propriedades dos solos (adaptado de ROWE, 1952)................................... 48
Tabela 4-3: Parâmetros de entrada do modelo hiperbólico no programa Plaxis ............ 57
Tabela 4-4: Resumo dos modelos numéricos para os ensaios de flexibilidade .............. 58
Tabela 4-5: Resultantes e esforços de flexão nos modelos físicos e experimental ........ 74
Tabela 5-1: Parâmetros de entrada para as análises numéricas ...................................... 85
Tabela 5-2: Valores calculados segundo o MAL ........................................................... 86
xvi
LISTA DE SÍMBOLOS E ABREVIATURAS
A - Área
C1, C2, C3, C4 – Coeficientes genéricos associados à geometria e aos parâmetros do
problema (dimensionais);
c – Intercepto de coesão do solo;
c’ – Intercepto efetivo de coesão do solo;
c’m – Intercepto efetivo de coesão mobilizado;
D – Ficha total da cortina;
d – Deslocamento;
E – Módulo de deformação;
EAanc – Rigidez da ancoragem;
E50ref
– Módulo elástico secante de referência;
Eoed – Módulo elástico edométrico;
Eoedref
– Módulo elástico edométrico de referência;
Eurref
– Módulo elástico de descarregamento e recarregamento de referência;
EI – Índice de rigidez da cortina;
Fa – Reação na ancoragem;
Fb – Reação no apoio adicional inferior;
FD – Fator de acréscimo da ficha;
FM, KM – Fator de redução do momento fletor;
FS – Fator de Segurança ou Fator de Segurança Global;
H – Altura total da cortina;
H’ – Altura de contenção da cortina;
If – Índice de flexibilidade (H4/EI), em unidades do SI ;
Im – Índice de momento (M/H3), em unidades do SI;
K – Módulo de compressibilidade volumétrica;
xvii
K0 – Coeficiente de empuxo no repouso;
K0na
– Coeficiente de empuxo no repouso para o modelo Hardening Soil;
Ka – Coeficiente de empuxo ativo;
Kp – Coeficiente de empuxo passivo;
Kp,m – Coeficiente de empuxo passivo mobilizado;
kh – Coeficiente de reação horizontal do solo;
MAF – Método do apoio fixo;
MAL – Método do apoio livre;
MEF – Método de Elementos Finitos;
Mmáx – Momento fletor máximo;
m – Potência associada à equação do módulo elástico no modelo hiperbólico;
Ra – Resultante ativa na cortina;
Rp – Resultante passiva na cortina;
R’p, RD – Resultante contra-passiva na cortina;
pref
– Tensão de referência;
Q – Sobrecarga; Reação vertical de ponta na cortina;
q – Sobrecarga relativa (Q/γH);
R – Resultante do empuxo passivo mais a força Ts;
Rint – Fator de resistência da interface solo-cortina;
Rf – Razão de ruptura do modelo hiperbólico;
Ta – Resultante de atrito solo-cortina na região ativa;
Tp – Resultante de atrito solo-cortina na região passiva;
Ts – Força cisalhante atuante no pé da cortina (toe shear);
t – Ficha mínima da cortina, correspondente a FS = 1;
W – Peso da cortina;
w – Deslocamento horizontal da cortina;
α – Profundidade relativa da cota de dragagem (H’/H);
xviii
β – Profundidade relativa da ancoragem (zancoragem/H);
γ – Peso específico do solo;
ΔManc – Desequilíbrio de momento de corpo rígido em torno do ponto de ancoragem;
δ – Ângulo de atrito da interface solo-cortina;
δ’ – Ângulo de atrito efetivo da interface solo-cortina;
δa - Ângulo de atrito da interface solo-cortina no lado ativo;
δanc – Deslocamento relativo da ancoragem;
δ’m – Ângulo de atrito efetivo mobilizado na interface solo-cortina;
δp - Ângulo de atrito da interface solo-cortina no lado passivo;
ν – Coeficiente de Poisson;
νur – Coeficiente de Poisson no regime de descarregamento e recarregamento;
ρ – Número de flexibilidade (H4/EI), em unidades do Sistema Imperial;
ϕ – Ângulo de atrito do solo;
ϕ' – Ângulo de atrito efetivo do solo;
ϕ'm – Ângulo de atrito efetivo mobilizado;
ψ – Ângulo de dilatância do solo.
1
1 INTRODUÇÃO
O problema da interação solo-estrutura em cortinas flexíveis é um dos mais
complexos da engenharia geotécnica. Felizmente, o problema tem sido mais de
ordem econômica do que de segurança, visto que as teorias clássicas sempre
produziam resultados conservadores. Com o progresso da compreensão do
problema na primeira metade do século passado, tornou-se inevitável que os
engenheiros levassem mais ousadia aos seus projetos.
Diversos autores investigaram o problema por meio da modelagem física.
Sem dúvidas, o mais célebre deles foi ROWE (1952), que apresentou pela primeira
vez argumento convincente para o projeto econômico de cortinas que não estivesse
fortemente baseado em julgamento e que concordava com as observações de
diversos outros autores.
Após a década de 1970, a análise numérica dos problemas de engenharia foi
paulatinamente ganhando espaço e o estudo dos problemas de interação solo-
estrutura acabou por se tornar, hoje, num recurso acessível e versátil para os
projetistas.
1.1 MOTIVAÇÃO E OBJETIVOS
O uso de métodos computacionais na análise geotécnica vai ao encontro da
necessidade de produzir projetos mais ajustados, em especial economicamente.
Frequentemente, os projetos geotécnicos são os que precisam ser executados
primeiramente, mas os últimos a serem desenvolvidos (por receberem influência de
todos os outros). Diante disso, propôs-se realizar um estudo numérico da interação
solo-estrutura em cortinas flexíveis com um nível de ancoragem em solos
granulares. Esse tipo de estrutura é muito utilizado em obras portuárias no Brasil e
tem sido favorecida pela disponibilidade de perfis metálicos que existe hoje.
O objetivo principal deste trabalho é contribuir para a otimização do projeto
de cortinas de cais. Como objetivos específicos, ele traz:
a) Descrever os métodos clássicos de projeto e as principais contribuições
para análise da interação solo-estrutura ao longo dos anos;
b) Comparar os resultados do trabalho experimental de ROWE (1952) com
resultados numéricos de modelos semelhantes e fazer críticas tanto
quanto ao uso de seu método e
2
c) Estudar a influência de alguns parâmetros do projeto de cortinas e propor
critérios de projeto baseados nesse estudo.
Espera-se também contribuir para o melhor entendimento do problema da
interação solo-estrutura em cortinas.
1.2 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Esta dissertação está dividida em 7 capítulos. No primeiro deles, faz-se uma
introdução do tema tratado e apresentam-se os objetivos e a estrutura do texto.
O capítulo 2 trata de generalidades do projeto de cortinas flexíveis. São
discutidos os tipos de estruturas comuns e seus usos, os materiais empregados, as
formas típicas de colapso dessas estruturas, a sequência tradicional de projeto e
algumas considerações sobre o projeto do sistema de ancoragem.
No terceiro capítulo são revistos os métodos de análise das cortinas de cais,
incluindo os métodos clássicos, os métodos empíricos e o progresso do
entendimento da interação solo-estrutura e, por fim, os métodos numéricos, onde
também se apresenta em algum detalhe o método numérico usado neste trabalho.
Passa-se então ao quarto capítulo, onde são apresentadas análises numéricas
do trabalho de ROWE (1952). No início do capítulo é descrito em detalhe o
procedimento adotado pelo referido autor e, em sequência, a metodologia das
análises numéricas. Os resultados são discutidos na última parte do capítulo.
O estudo paramétrico de um caso hipotético é apresentado no capítulo 5.
Logo no início descreve-se o caso, sua geometria e os parâmetros a avaliar. Em
sequência, são apresentados e discutidos os resultados do estudo da influência da
flexibilidade da cortina, da deslocabilidade da ancoragem da estrutura e da extensão
do apoio inferior. No capítulo é levada em consideração a compressibi lidade do
solo e sua variação com a profundidade (se constante com a profundidade ou
crescente linearmente).
As conclusões do trabalho e algumas sugestões para outras pesquisas são
apresentadas no capítulo 6 da dissertação. O sétimo e último capítulo lista as
referências bibliográficas consultadas e citadas ao longo do texto.
3
2 CORTINAS DE ESTACAS-PRANCHA – GENERALIDADES
Cortinas de estacas-prancha (sheet-pile walls) são largamente empregadas
em estruturas de contenção à beira-mar como píeres, atracadouros, diques secos,
quebra-mares, barramentos de cortinas celulares, paredes de eclusas etc. Obras em
terra também podem empregar esse tipo de estrutura, como é o caso das escavações
em meios urbanos, paredes e proteções de canais, cortinas de cut-off em barragens,
dentre outros. CORNFIELD (1975) apresenta um resumo dos usos de estruturas de
estacas-prancha associados ao seu tipo, conforme a Figura 2-1.
Figura 2-1: Usos e tipos de cortinas de estacas-prancha (adaptado de CORNFIELD,
1975)
4
Geralmente associam-se as cortinas em balanço (cantilever walls) às
estruturas que se destinam à contenção de pouca altura de solo (Figura 2-2a), pelo
fato de o módulo resistente necessário para a seção da cortina aumentar
rapidamente com a altura da mesma, além das grandes deformações resultantes
(BOWLES, 1977). CORNFIELD (1975) assinala que o seu uso é apropriado para
obras temporárias.
No caso de estruturas projetadas para conter alturas maiores de solo (Figura
2-2b-g), é mais comum o uso de cortinas ancoradas (ou anchored sheet-pile walls,
ou ainda anchored bulkheads). A utilização da ancoragem possibilita a redução dos
esforços de flexão e da magnitude das deformações na cortina, se comparada à
estrutura em balanço, além da redução do comprimento de embutimento no solo
(ficha).
Se a retroárea da cortina for destinada a receber a ação de sobrecargas
significativas, como aquelas associadas à estocagem de granéis ou à atuação de
pontes rolantes e guindastes, TENG (1962) aponta para o uso vantajoso das cortinas
com plataforma de alívio (Figura 2-2g). Essas cortinas também utilizam as estacas-
prancha, entretanto reduzem o empuxo lateral ao transferir a sobrecarga de
retroárea para solo de fundação por meio de estacas. Vale ressaltar que
equipamentos como guindastes e pontes rolantes obrigam a restrição das
deformações na massa de solo a ser contida, motivo pelo qual deve-se considerar a
recomendação acima.
Tipicamente, cortinas em balanço não devem ser utilizadas para alturas
maiores que 4 metros, sendo que a partir de então e até alturas de cerca de 10 ou 12
metros, o uso de cortinas com um nível de ancoragem é mais econômico. Estruturas
mais altas ou sujeitas à ação de sobrecargas excessivas devem ser projetadas com
múltiplos níveis de ancoragem (Figura 2-2h) ou utilizando plataformas de alívio
(CORNFIELD, 1975; TENG, 1962).
No Brasil, além das estruturas à beira-mar, a utilização de estacas-prancha
em obras de contenção on-shore vem ganhando destaque no mercado, juntamente
com a crescente demanda de execução obras de subsolos e galerias nos centros
urbanos, que favorecem o emprego de paredes-diafragma. Isso faz com que projetos
de cortinas flexíveis sejam cada vez mais comuns e competitivos.
5
(a) (b) (c)
(d) (e)
(f) (g)
(h)
Figura 2-2: Estruturas típicas de estacas-prancha: a) cortina em balanço; b) cortina
ancorada; c) píer; d) dique seco; e) cortina ancorada com estaca de tração; f) cortina
ancorada com cavalete de estacas; g) cortina com plataforma de alívio e h) escavação
com escoramento (adaptado de BOWLES, 1977; DISMUKE, 1991)
6
2.1 MATERIAIS E SEÇÕES
Diferentemente das estruturas de contenção de gravidade, as cortinas de
estacas-prancha têm esbeltez marcante e são comumente referidas como cortinas
flexíveis. Sua seção, portanto, deve estar apta a resistir os esforços de flexão
oriundos do empuxo lateral de terra. Em ordem crescente de utilização, tem-se
como materiais para a execução dessas cortinas:
a) Madeira. A aplicação mais tradicional encontra-se nas escavações
escoradas e estruturas de contenção temporárias de pequeno porte.
Tem como principal desvantagem a deterioração por ação de
xilófagos, demandando tratamento preservativo (ainda assim com
vida-útil relativamente curta), e por isso utilizada em obras
temporárias. Outro aspecto desfavorável para a utilização de estacas-
prancha de madeira é a destruição dos elementos durante a sua
cravação, principalmente em solos granulares mais resistentes
(BOWLES, 1977);
b) Concreto Armado ou Protendido. Sua principal desvantagem
encontra-se no grande peso e volume das estacas-prancha, resultando
tanto em dificuldades de movimentação no canteiro de obras quanto
em alta resistência de cravação, exigindo, portanto, equipamentos
robustos para o seu manuseio. Por outro lado, se possível a execução
no canteiro ou nas suas proximidades, tem-se vantagem econômica
dos elementos da cortina, em comparação aos de aço, por exemplo.
TSCHEBOTARIOFF (1962) recomenda o uso de concreto protendido
em situações nas quais se comprometa a durabilidade da cortina em
função da fissuração do concreto, mas alerta para a sua reduzida
viabilidade econômica em função da inversão dos momentos fletores
acima e abaixo da cota de dragagem (caso em que a cortina trabalha
com apoio fixo);
7
c) Aço. Sem dúvida é o material mais desejado para as cortinas de
estacas-prancha, dadas as suas vantagens de maior relação
resistência-peso, menor resistência de cravação, flexibilidade de
arranjo de seções, tratamentos anticorrosivos mais convencionais,
possibilidade de reutilização de perfis e facilidade de ajuste no
comprimento da estaca-prancha sem perda de material (BOWLES,
1977).
Seções típicas de estacas-prancha de madeira e de concreto armado são
mostradas na Figura 2-3.
Figura 2-3: Seções típicas de estacas-pranchas de madeira e concreto: a) pranchas de
madeira justapostas; b) pranchas de madeira unidas com grampos de aço; c) pranchas
sobrepostas de madeira com junção tipo macho e fêmea; d) visão geral de estaca-
prancha de concreto armado; e) seção em concreto com juntas vedadas em graute e f)
seção em concreto com juntas do tipo macho e fêmea (adaptado de CLAYTON et al.,
2013)
A Figura 2-4 apresenta algumas seções comuns de estacas-prancha de aço
disponibilizadas pela fabricante Arcelor Mittal (ARCELOR MITTAL, 2010).
8
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 2-4: Seções comuns de estacas-pranchas metálicas: a) Perfil Z simples e
combinado; b) Perfil U simples e combinado; c) Perfis AS (seção plana) e d) Parede
combinada de perfis Z e I (soldier wall) (adaptado de ARCELOR MITTAL, 2010)
2.2 FORMAS DE COLAPSO
Os modos de ruptura, também denominados estados limites últimos,
convencionais para as cortinas flexíveis são (veja-se a Figura 2-5):
a) Ruptura profunda ou generalizada da massa de solo;
b) Ruptura rotacional por insuficiência de ficha da estaca;
c) Plastificação da seção da cortina por ação de momentos fletores e
d) Ruptura do sistema de ancoragem.
9
Figura 2-5: Modos convencionais de ruptura das cortinas ancoradas – a) ruptura global,
b) ruptura passiva (toe kick-out), c) plastificação da seção, d), e) e f) ruptura do sistema
de ancoragem (adaptado de USACE, 1994)
10
A ruptura generalizada é caracterizada por um movimento rotacional
englobando toda a massa de solo na qual está contida a estrutura (Figura 2-5a), não
sendo passível de ser remediada simplesmente pelo acréscimo de ficha ou pelo
reposicionamento das ancoragens e carecendo de análise de estabilidade via
métodos convencionais de estabilidade de taludes (USACE, 1994). Alguns
condicionantes geotécnicos podem favorecer a ocorrência desse tipo de colapso,
como é o caso da existência de camadas de solo mole abaixo da ficha.
Pressões laterais exercidas pelo solo e pela água podem provocar rotação de
corpo rígido da estrutura (em torno da região do pé, nas cortinas em balanço, ou do
nível da ancoragem, nas cortinas ancoradas – Figura 2-5b), sendo este modo
passível de prevenção por meio do dimensionamento adequado do comprimento da
ficha levando em conta a possiblidade de ocorrência de erosão (por efeito de
correntes ou de propulsores de embarcações) ou de dragagem excessiva na
execução da cortina.
Caso os momentos fletores atuantes na cortina excedam a capacidade
resistente da mesma, tem-se a formação de rótula plástica na seção (Figura 2-5c).
Este modo de ruptura está associado a uma grande deformação da cortina com
comprometimento da funcionalidade das instalações associadas à contenção
(retroárea), todavia não necessariamente com uma ruptura catastrófica.
Quanto à ruptura do sistema de ancoragem, esta pode se dar com a ruptura
do solo na região de ancoragem por insuficiência de resistência passiva (Figura 2-
5d) e pela falha estrutural dos componentes do sistema – tirantes ou ligações –
(Figura 2-5ef).
Autores como TSCHEBOTARIOFF (1962), TERZAGHI (1954),
CORNFIELD (1975) e TSINKER (1983) testemunham que a maioria das falhas
estruturais nas cortinas de estacas-prancha é dos tipos b e d.
CORNFIELD (1975) também inclui como modo de ruptura de cortinas
ancoradas o recalque excessivo do solo na região de retroárea, por adensamento do
aterro ou de camadas argilosas abaixo dele. Esse recalque pode acarretar na falha
do sistema de ancoragem e/ou atuação de empuxo vertical na cortina. Já TORRES
(2014), apresenta mais alguns modos de colapso geotécnico como o deslizamento
conjunto da estrutura (cortina mais ancoragem), a erosão interna do solo (piping) e
a insuficiência de capacidade de carga da estaca à compressão mediante a ação de
sobrecargas na retroárea (pontes rolantes ou guindastes, por exemplo).
11
2.3 PROJETO DE CORTINAS
Segundo TENG (1962), o projeto de cortinas de estacas-prancha geralmente
é procedido na seguinte sequência:
a) Juntada de informações gerais, incluindo topografia, dimensões da
obra e informações sobre o regime de águas;
b) Análise das condições do subsolo, com investigação geotécnica,
estudo das características do solo de aterro e realização de ensaios
tantos quantos necessários;
c) Seleção do tipo de cortina, com base nos critérios de uso e nas
informações preliminares;
d) Cômputo dos empuxos de terra e das sobrecargas;
e) Determinação da penetração das estacas no solo;
f) Determinação das solicitações de flexão e dimensionamento da seção
da cortina;
g) Dimensionamento dos tirantes e
h) Dimensionamento das ancoragens.
Para uma leitura mais aprofundada a respeito do projeto de cortinas de
estacas-prancha, remete-se o leitor aos trabalhos de TSINKER (1997), CLAYTON
et al. (2013) e ARCELOR MITTAL (2016).
2.4 SISTEMA DE ANCORAGEM
Os sistemas tradicionais de ancoragem das cortinas flexíveis utilizam, como
elementos de transferência de esforço para o solo, blocos ou vigas moldados in loco
e embutidos no solo, estacas convencionais cravadas solicitadas à tração ou por
esforço lateral, ancoragem em estruturas existentes, lajes de atrito e linhas de
estacas-pranchas, sendo estas últimas bastante populares (veja-se as Figuras 2-2).
Alguns aspectos importantes do projeto do sistema de ancoragem são discutidos a
seguir.
O posicionamento dos elementos de ancoragem é de suma importância.
Esses elementos precisam ser alocados suficientemente afastados da cortina tanto
para a garantia da sua própria capacidade de carga, como para a manutenção da
estabilidade global da estrutura (Figuras 2-6).
12
Figura 2-6: Posicionamento dos elementos de ancoragem: a) diagramas para a
estimativa da capacidade de carga e b) afastamento da região de instabilidade (adaptado
de CLAYTON et al., 2013)
Em caso de disponibilidade limitada de espaço, o projetista deve checar a
estabilidade da construção levando em conta as dimensões reduzidas do sistema,
bem como ponderar a resistência da ancoragem. TERZAGHI (1943) sugere que a
resistência da região sobreposta à cunha ativa (Figura 2-7) seja desconsiderada no
cômputo de Fa (Figura 2-6a). Nesse sentido, as ferramentas computacionais
fornecem hoje uma grande facilidade no estudo da estabilidade de contenções, pois
possibilitam a modelagem dos elementos de ancoragem e da sua interação com o
restante da estrutura.
13
Figura 2-7: Redução da capacidade da ancoragem sugerida por Terzaghi (adaptado de
CLAYTON et al., 2013)
Dentre os aspectos construtivos, alguns deles são relevantes para a segurança
do sistema de ancoragem. Por exemplo, TSINKER (1983) sugere que os cabos de
ancoragem sejam instalados com uma contra-flecha e envolvidos por algum
dispositivo de proteção contra a movimentação vertical decorrente dos recalques do
solo contido. Além disso, o adequado tensionamento dos cabos após a execução da
estrutura assegura proteção contra as deformações decorrentes da acomodação do
sistema (TSINKER, 1997).
Além do dimensionamento adequado das ancoragens, é importante que o
projetista seja criterioso no cálculo das solicitações provenientes da cortina.
Primeiro porque a própria deslocabilidade do sistema de ancoragem é fator
determinante nos esforços, e as teorias clássicas de cálculo de cortinas não prevêem
essa interação. Em segundo lugar, como destacam CLAYTON et al. (2013), o
cálculo deve considerar a ocorrência de excepcionalidades, como a aplicação de
sobrecargas não previstas, a deformação desigual das ancoragens conduzindo à
redistribuição dos esforços para os elementos do entorno e as consequências
potencialmente catastróficas da ruptura de uma ancoragem.
Remete-se o leitor aos textos de CORNFIELD (1975) e US STEEL (1984)
para mais detalhes acerca do projeto dos sistemas de ancoragem.
14
3 REVISÃO DOS MÉTODOS DE ANÁLISE
Os métodos de análise empregados no projeto de cortinas de estacas-prancha
são os Métodos Clássicos, os Métodos Empíricos e os Métodos Numéricos. Os
Métodos Empíricos precederam os Métodos Clássicos, mas estes acabaram por se
tornar mais populares pela sua maior racionalidade e pela credibilidade das teorias
de empuxo de terra clássicas. Os Métodos Numéricos são os mais recentes, mas
ganham cada vez mais popularidade pela facilidade de acesso às ferramentas
computacionais nos últimos anos.
Na prática, geralmente lança-se mão de um ou mais Métodos Clássicos na
fase preliminar de projeto e depois se faz extensa utilização de algum Método
Numérico.
3.1 MÉTODOS CLÁSSICOS
Denominam-se Métodos Clássicos de análise de cortinas aqueles que fazem
uso das teorias clássicas da Mecânica dos Solos para a determinação do empuxo de
terras (e.g. Rankine e Coulomb) e das solicitações na estrutura. Segundo
DANZIGER (2014), esses métodos são aplicáveis às cortinas em balanço e às
cortinas com um nível de ancoragem, sendo que, para estruturas com mais níveis de
ancoragem, deve-se recorrer aos métodos baseados em instrumentação. Os Métodos
Clássicos podem ser divididos como mostrado na Figura 3-1.
Figura 3-1: Classificação dos Métodos Clássicos
Alguns exemplos de métodos empíricos para o cálculo de cortinas multi-
apoiadas citados na literatura são os de PECK (1943), TSCHEBOTARIOFF (1951)
e PECK (1969). Não sendo eles objetos desta pesquisa, remete-se o leitor às
referências indicadas para estudo aprofundado.
15
3.1.1 Fator de Segurança
O emprego do Fator de Segurança Global (FS) no cálculo das estruturas de
contenção tem sofrido consideráveis mudanças nas últimas décadas, especialmente
na Europa, onde há uma ascensão da preferência pelos Fatores de Segurança
Parciais desde a sua adoção pelo Eurocode 7, em 2004. Vale lembrar que, apesar
dessa abordagem ter sido adotada mais rapidamente pela engenharia estrutural, foi
na verdade um engenheiro geotécnico quem a desenvolveu: BRINCH-HANSEN
(1965). Entretanto, continua sendo largamente praticado o uso de fator de segurança
único, especialmente no Brasil. Apresenta-se a seguir um resumo das definições
tradicionais de Fator de Segurança utilizadas no cálculo clássico de cortinas
flexíveis, a maioria das quais comentada mais profundamente por CLAYTON e
MILITITSKY (1986) e também CLAYTON et al. (2013):
a) Fator de segurança sobre os coeficientes de empuxo passivo. Consiste
simplesmente em reduzir os coeficientes de empuxo passivo via um fator
de segurança arbitrário:
FS
KK
p
mp , (3-1)
Em geral, os autores recomendam uma faixa de 1,2 - 2,0 para o valor de
FS, além disso, geralmente associa-se um fator de segurança a um
acréscimo da ficha da cortina (e.g. FS = 2 com um acréscimo de 40% na
ficha), entretanto essa correlação deve ser verificada a partir do método
utilizado no cálculo;
b) Fator de segurança sobre os parâmetros efetivos de resistência da
região passiva. De acordo com esta definição, o empuxo passivo é
calculado a partir de uma redução nos parâmetros de resistência dessa
zona:
FS
tgtg m
''
(3-2)
FS
tgtg m
''
(3-3)
FS
cc m
''
(3-4)
16
Os valores indicados aqui são da mesma ordem de grandeza anterior (1,2
– 2,0), mas não refletem a mesma proporção;
c) Fator de segurança sobre o valor bruto do empuxo em termos de tensões
totais. Apesar de não recomendado, os autores relatam que o seu uso já
foi muito extenso no Reino Unido sem aparente prejuízo;
d) Fator de segurança sobre todos os parâmetros efetivos de resistência.
Fazendo-se uso das Equações 3-2 a 3-4, determinam-se todos os
empuxos incidentes sobre a estrutura. Esta definição, no entanto, não é
usual porque não se costuma aplicar o fator de segurança na região ativa,
em virtude da diferença entre os níveis de deformação necessários para
se atingir os estados limites passivo e ativo;
e) Margem de segurança em forma de aumento na ficha. Este é um método
bastante simples, que consiste na multiplicação da ficha calculada por
um fator FD. Esse fator não é o fator de segurança em si, mas pode ser
relacionado com o mesmo a depender do método de cálculo adotado
(seção 3.1.3). Por exemplo, alguns autores recomendam que se utilize FD
= 1,2 – 1,4, correspondendo a um fator FS de 1,5 a 2,0 (TENG, 1962;
CORNFIELD, 1975). Entretanto essa relação está mais próxima de FS =
1,3 a 1,7 considerando-se a definição da alínea a (TSCHEBOTARIOFF,
1973; BOWLES, 1977).
f) Fator de segurança sobre a área do diagrama bruto de empuxo passivo
em termos de tensões efetivas. Este conceito recai na definição da alínea
a se o método em questão estiver utilizando um diagrama de empuxo
triangular na região passiva. Entretanto, quando o caso envolve outro
tipo de distribuição, usa-se considerar o FS como a relação entre a área
mobilizada do diagrama, geralmente trapezoidal, e a área máxima
possível – definida pelo coeficiente de empuxo Kp – que é triangular.
17
g) Fatores de segurança parciais. Esses fatores são utilizados para ponderar
concomitantemente as solicitações e as resistências a partir de valores
característicos. As solicitações são majoradas com base na sua natureza
(se permanente, variável, de vento etc.), na sua probabilidade de
ocorrência simultaneamente a outros carregamentos numa combinação e
no seu efeito (se adverso ou favorável). Já as resistências são minoradas
em função da sua variabilidade e incerteza de determinação, e também
em função do estado limite em questão (se último ou de serviço).
Um aspecto interessante a respeito dos Coeficientes de Segurança Parciais
(como são chamados frequentemente no Brasil), é que, apesar de serem derivados
de estudos probabilísticos e estarem associados a probabilidades de ocorrência, não
permitem, em geral, determinar a probabilidade de ruína de uma estrutura. Daí
denomina-se esse método de inserção da segurança como semi-probabilista.
A grande questão é se definir o fator de segurança da estrutura em termos de
empuxo passivo reflete as condições reais de segurança da estrutura. BOWLES
(1977) argumenta que outras definições poderiam ser consideradas, como o
acréscimo do carregamento da estrutura (por meio de um acréscimo no peso
específico do solo) ou a perda no embutimento da cortina (por erosão ou excesso de
dragagem). No entanto, os métodos acima citados já são consagrados na engenharia
e, em geral, produzem resultados satisfatórios.
3.1.2 Análise de Cortinas em Balanço
Cortinas em balanço são calculadas baseando-se na consideração de uma
distribuição de tensões simplificada, a partir da linha elástica assumida, conforme
mostra a Figura 3-2a, para o caso de solo granular homogêneo. Este método é
atribuído a BLUM (1931), no mesmo trabalho em que apresenta o Método do Apoio
Fixo, que será comentado adiante. Blum também apresenta, ainda nesse mesmo
trabalho, uma simplificação na distribuição de tensões laterais na cortina em
balanço que equivale ao método apresentado por CORNFIELD (1975).
A estabilidade da estrutura depende inteiramente da resistência passiva do
solo na região da ficha, sendo exigido, portanto, um comprimento considerável para
a mesma, e tanto maior quanto menos resistente for o solo. Vale ressaltar que o
diagrama de empuxo da Figura 3-2c é um diagrama líquido, isto é, representando o
somatório dos empuxos ativo e passivo atuantes na cortina.
18
(a) (b) (c)
Figura 3-2: a) Linha elástica assumida para o cálculo da cortina em balanço; b)
Diagrama de empuxo simplificado e c) Diagrama líquido de empuxo para cálculo
prático (adaptado de BOWLES, 1977)
Analisando-se o equilíbrio de forças e momentos na cortina, chega-se a uma
equação, para a ficha D, do tipo:
043
2
2
3
1
4 CDCDCDCD (3-5)
onde os coeficientes Ci são derivados da geometria do problema e das propriedades
do solo. A Equação 3-5 é resolvida por tentativa e erro, geralmente. BOWLES
(1977) recomenda que se inicie o processo de solução com 0,75H’ (75% da altura
acima da cota de dragagem), já que a ficha requerida geralmente se situa entre este
valor e o valor de H’.
Note-se que, para o equilíbrio de momentos, faz-se necessária a mobilização
do contra-passivo (R’p), decorrente da hipótese de que a estrutura se movimenta
como um corpo rígido, girando em torno do ponto b. No caso das estruturas reais, a
depender da flexibilidade, o contra-passivo pode sequer ser mobilizado, o que pode
ser explicado por meio da subida da resultante passiva e, ao mesmo tempo, a
descida da resultante ativa, conforme demonstra a Figura 3-3. O equilíbrio de
momentos, entretanto, deve ser preservado por meio da coincidência das resultantes
de empuxo ativo e passivo.
19
Figura 3-3: Linha elástica real e distribuição real de empuxo na cortina em balanço com
restrição completa do pé
Apesar de as cortinas em balanço não serem objeto deste trabalho, o
entendimento da sua estabilidade é útil na compreensão dos demais Métodos
Clássicos. Sugere-se, para mais detalhes, que o leitor recorra aos textos de
BOWLES (1977), TENG (1962) ou, para um método mais expedito, CORNFIELD
(1975).
3.1.3 Método do Apoio Livre (Free Earth Support)
O método clássico do Apoio Livre admite não haver uma restrição à rotação
da cortina em seu pé, isto é, a profundidade da ficha não é suficiente para restringir
efetivamente a cortina a ponto de produzir momentos fletores negativos na mesma
(TSCHEBOTARIOFF, 1962). A sua estabilidade é derivada da resistência passiva
do solo à frente da cortina e da resultante da ancoragem, funcionando como uma
viga bi-apoiada e sendo, portanto, uma estrutura isostática. De maneira geral, as
cortinas calculadas pelo MAL estão sujeitas a momentos fletores maiores e
necessitam de fichas menores que aquelas calculadas pelo MAL.
Atribui-se ao alemão Hanz Detlef Krey a primeira aplicação das teorias
clássicas de empuxo de terra à análise das cortinas ancoradas, dando origem ao
Método do Apoio Livre. SEED e MITCHELL (1968) datam a sua publicação do
ano de 1906. TERZAGHI (1954) e ONER (1997), entretanto, apontam o ano de
1910.
TENG (1962) aponta as seguintes hipóteses assumidas no MAL:
a) A cortina é perfeitamente rígida se comparada ao solo;
b) O empuxo lateral atuante pode ser computado pelas teorias de
Rankine ou Coulomb e
20
c) A cortina é livre para girar, mas não pode se deslocar no nível da
ancoragem, sendo que a ruptura se dá por rotação em torno desse
ponto.
A Figura 3-4 apresenta uma cortina ancorada de dimensões genéricas
inserida em um solo granular, bem como o diagrama de momentos fletores na
mesma.
(a) (b) (c)
Figura 3-4: Análise de cortina ancorada pelo Método do Apoio Livre – a) estrutura e
linha elástica assumida, b) diagrama de empuxo lateral e c) diagrama de momentos
fletores
O cálculo do embutimento no solo (ficha) é feito meio da solução de uma
equação de terceiro grau para a ficha D:
032
2
1
3 CDCDCD (3-6)
Note-se que a distribuição de empuxo lateral mostrada na Figura 3-4b
corresponde aos estados ativo e passivo do solo. Entretanto, sabe-se que esses
estados são atingidos com níveis de deformações diferentes do solo, sendo o estado
passivo atingido com deformações muito maiores que aquelas necessárias para se
atingir o estado ativo. Adicione-se a isso a introdução de um FS à estrutura, nos
termos das definições apresentadas na seção 3.1.1. Assim, existem algumas
variações dento do Método do Apoio Livre que, apesar de terem em comum as
hipóteses de cálculo, diferem no diagrama de empuxo e na definição de FS
adotados. Apresentam-se algumas dessas variações a seguir.
21
3.1.3.1 Método do Apoio Livre – Variação 1
Esta variação do MAL é a mais comum em utilização e apresenta a maior
praticidade de cálculo. Ela consiste na adoção da distribuição triangular de tensões
e na definição do fator de segurança como a relação entre a área do diagrama
passivo disponível e a área mobilizada para o equilíbrio da cortina (Figura 3-5):
acd
abd
A
AFS
(3-7)
Como os diagramas passivos (disponível e mobilizado) são semelhantes,
temos que a relação dada pela Equação 3-7 recai na relação apresentada na alínea a
do item 3.1.1, isto é, o FS é numericamente igual à razão entre o coeficiente de
empuxo passivo disponível e o coeficiente de empuxo passivo mobilizado para o
equilíbrio da estrutura.
Figura 3-5: Variação mais conhecida do MAL
Apesar da preferência que se dá a esta variação do MAL, sabe-se que o
diagrama de empuxo passivo de uma estrutura projetada para atuar com margem
usual de segurança está mais próximo da forma trapezoidal. A maioria da literatura,
entretanto, indica esta variação pela simplicidade dos cálculos, e ela será utilizada
neste trabalho, exceto quando for indicado o contrário.
22
3.1.3.2 Método do Apoio Livre – Variação 2
Esta variação é muito parecida com a anterior e também é bastante adotada
na prática, mas carece de esclarecimentos a respeito do FS. Adota-se também um
diagrama triangular de tensões, mas neste caso a segurança da estrutura é dada por
um acréscimo na ficha t (Figura 3-6).
Figura 3-6: Variação 2 do MAL
Neste caso, a ficha é inicialmente calculada com Kp sem redução e depois
multiplica-se a mesma por um valor (geralmente 1,4). Se igualarmos as áreas abc e
aef,
aefabc AA
mpp KDKt ,
22
2
1
2
1
mpp KDKt ,
22
e considerarmos que o FS é igual à relação entre os coeficientes de empuxo, então
2
2
, t
D
K
KFS
mp
p (3-8)
e para um FS de 2, obtém-se D 1,4t como se faz costumeiramente.
23
No entanto o acréscimo de ficha acompanha um acréscimo da área cdgf na
região ativa da cortina, assim, o fator de segurança é, na verdade, menor que o dado
pela Equação 3-8, e pode ser melhor expresso pela seguinte equação (ver dedução
no Anexo 1):
)'2)((2
2
tDHtDKKt
DKFS
ap
p
(3-9)
A Equação 3-9 apresenta resultados condizentes com a observação de
TSCHEBOTARIOFF (1973).
3.1.3.3 Método do Apoio Livre – Variação 3
Esta variação foi proposta por TERZAGHI (1943) e tem como principal
característica a utilização de um diagrama trapezoidal na região passiva da cortina
(Figura 3-7). É verdade que essa distribuição de empuxo passivo é muito mais
próxima da realidade que a distribuição triangular, especialmente em regime de
trabalho da estrutura. Por outro lado, os cálculos tornam-se mais complicados e
trabalhosos.
Figura 3-7: Método do apoio livre proposto por TERZAGHI (1943)
24
Deve-se satisfazer, neste caso, tanto o equilíbrio de forças horizontais,
quanto o equilíbrio de forças verticais (incluindo-se o peso da cortina e eventuais
carregamentos axiais) e de momentos. O fato de se incluir as resultantes de forças
de atrito Ta e Tp, implica no uso necessário da teoria clássica de Coulomb.
Note-se que, nesta variação, o FS já não é mais dado como a relação entre o
coeficiente de empuxo passivo limite e o coeficiente de empuxo passivo
mobilizado, mas sim a relação entre as áreas ace e abde, que é a definição dada pela
alínea f do item 3.1.1. Pode-se deduzir do equilíbrio de forças horizontais e
momentos que
FSDt
111'
(3-10)
Esta variação do MAL não é tão popular, e apresenta uma dificuldade maior
na hora de se equacionar a ficha D na forma da Equação 3-6, daí a sua pouca
utilização na prática.
3.1.3.4 Método do Apoio Livre – Variação 4
Proposta por ROWE (1952), esta variação é ainda menos difundida e tem a
única importância no fato de que os ensaios realizados pelo referido autor serão
estudados numericamente neste trabalho (Figura 3-8).
Figura 3-8: Método do apoio livre segundo ROWE (1952)
25
A diferença fundamental desta variação para a proposta de TERZAGHI
(1943) consiste na hipótese de que há uma força horizontal atuante no pé da cortina ,
Ts (toe shear), advinda da reação do solo ao deslocamento do pé da cortina. Ts é
dada pela seguinte equação:
FS
WPPT pas
tantan (3-11)
Onde δ é o ângulo de atrito solo-cortina, adotado frequentemente como 2ϕ/3
e W é o peso da cortina.
Além disso, a resultante R é igual à soma da resultante de empuxo passivo,
Pp, e da força Ts, agindo a hipoteticamente a D/3 acima do pé da cortina. ROWE
(1952) recomenda que se utilize um FS = 1,5, isto é, que a área do diagrama
disponível ace seja 1,5 vezes maior que a área do diagrama mobilizado abde.
GIBBONS e JASPER (1954) atribuem a existência da força Ts identificada
por Rowe nos seus modelos ao pequeno espaçamento entre o pé da cortina e o
fundo da caixa de areia (3 polegadas). É mais provável que as cortinas reais não
desenvolvam esse tipo de apoio adicional, justificando a não adoção do sistema de
forças indicado pelo método.
3.1.4 Métodos de Apoio Fixo (Fixed Earth Support)
Os métodos de apoio fixo (MAL) diferem dos MAL porque baseiam-se na
hipótese da completa fixação da cortina na sua extremidade inferior. Isto implica,
necessariamente na inversão dos momentos fletores em certo ponto da estrutura,
resultando na escolha de uma seção mais econômica. CORNFIELD (1975)
recomenda o uso do MAL em detrimento do MAL, com exceção de casos
particulares em que o subsolo provoque a existência de uma condição de apoio
livre. Na sequência, algumas variações do MAL são apresentadas.
3.1.4.1 Método da linha elástica
BLUM (1931) propôs um método de cálculo de cortinas ancoradas que
introduziu as hipóteses básicas do MAL. Porém o processo de cálculo pioneiro é
muito laborioso e não costuma ser utilizado na prática. A Figura 3-9a apresenta
uma cortina ancorada e a sua linha elástica assumida, que intercepta o eixo vertical
no ponto de ancoragem e o tangencia no ponto t. Outra hipótese introduzida pelo
autor do método consiste na atuação de um contra-passivo RD que atua também no
ponto t.
26
O cálculo pelo método da linha elástica consiste em partir de um
comprimento de ficha arbitrário e utilizar o diagrama líquido de empuxo para obter,
por sucessivas modificações desse comprimento, uma linha elástica que atenda às
três condições de contorno, isto é, rotação e deslocamento nulos no ponto t e
deslocamento nulo no ponto de ancoragem. Para uma descrição em detalhe desse
método, remete-se o leitor para o texto clássico de TERZAGHI (1943).
Figura 3-9: Diagramas para o cálculo segundo o MAF (TSCHEBOTARIOFF, 1962)
Apesar das dificuldades com esse método, BLUM (1931) propôs uma
simplificação que tornou o MAL muito mais atrativo, que é a idealização da cortina
como uma viga equivalente simplesmente apoiada no ponto de ancoragem e no
ponto de inflexão c.
3.1.4.2 Método da viga equivalente
Por meio de cálculos manuais, BLUM (1931) determinou uma relação
(Figura 3-9e) entre a profundidade do ponto de inflexão c e o ângulo de atrito do
solo (representado pelo coeficiente de empuxo Ka). Dessa forma, o cálculo pode ser
simplificado ao se considerar a estrutura como sendo uma viga rotulada no ponto c
(Figuras 3-9c e d).
27
GIBBONS e JASPER (1954), no entanto, advertem que a relação
apresentada pelo autor do método baseou-se na utilização de Kp = 2/Ka, com base
nos resultados de observações de outro autor. TSCHEBOTARIOFF (1962) afirma
que a relação proposta não pode ser sempre verificada e propõe um método ainda
mais simplificado, baseado nas suas observações em 1949, no qual se assume que a
rótula da viga equivalente encontra-se na linha de dragagem (Figura 3-10).
Figura 3-10: Método simplificado da viga equivalente (TSCHEBOTARIOFF, 1962)
Apesar da aparente superioridade do MAL sobre o MAL, desde o trabalho de
ROWE (1952) não se vê mais tanta vantagem em se utilizar o primeiro, por ter sido
demonstrada possível a obtenção de momentos fletores menores que os
determinados segundo as teorias clássicas, bem como de margem de segurança
satisfatória contra a ruptura passiva (TERZAGHI, 1954).
3.2 MÉTODOS EMPÍRICOS E CONTRIBUIÇÕES ACERCA DA INTERAÇÃO
SOLO-ESTRUTURA
Ao longo do século XX, diversos autores contribuíram significativamente
para a compreensão da interação solo-estrutura nas cortinas flexíveis. A grande
maioria das contribuições até a década de 70 era baseada em experimentos com
modelos reduzidos e em observações de estruturas reais. Depois do advento da
tecnologia da computação e com a introdução de métodos numéricos como o
Método de Elementos Finitos, ainda outro grande número de autores se propôs a
investigar o problema, porém por meio de simulações.
28
Nos próximos itens serão discutidas algumas das principais contribuições
para o entendimento do comportamento das cortinas flexíveis, sendo elas propostas
por meio de observações experimentais ou simuladas.
3.2.1 Caso de Aalborg (Dinamarca)
Até meados da primeira década do século XX, os projetistas de cortinas de
cais calculavam as suas estruturas a partir de regras com base puramente empírica.
A seguinte frase, proferida por um professor dinamarquês em 1898, ilustra bem essa
prática: “[...] cortinas de cais nunca são calculadas na prática, mas são projetadas
de acordo com regras estabelecidas” (TSCHEBOTARIOFF, 1951, P. 500). Até
então as teorias clássicas de empuxo de terra não haviam sido aplicadas neste tipo
de problema, panorama que mudaria rapidamente logo a seguir.
Quando surgiram os primeiros métodos clássicos, os engenheiros que faziam
uso das regras empíricas verificaram, por meio de cálculos com base nesses novos
métodos, que as cortinas existentes deveriam estar submetidas a tensões 3 a 4 vezes
maiores que as tensões admissíveis para as quais haviam sido projetadas. A redução
dos momentos fletores nessas estruturas foi explicada em termos de desvio da
distribuição teórica de empuxo de terra.
TSCHEBOTARIOFF (1951) assinala que a ocorrência de fatores de
segurança menores que os usuais, ainda assim com garantia de estabilidade da
estrutura, aparentou não ter sido cogitada como possível explicação para a
observação de tensões menores que as esperadas nas cortinas. Segundo ele, esta
possibilidade não poderia ser completamente descartada, visto que altos fatores de
segurança eram utilizados para a determinação das tensões admissíveis nas
estruturas de madeira da época, tanto que essa diferença encontrada nas medições
realizadas ainda significaria uma pequena margem real de segurança, suficiente
para a garantia da estabilidade da estrutura.
29
Em 1906, engenheiros dinamarqueses da empresa Christiani & Nielsen, com
o objetivo de verificar o fenômeno de desvio dos valores esperados de empuxo
lateral, construíram um píer em concreto armado na cidade de Aalborg. Eles
utilizaram, para esse material, a mesma relação entre tensões calculadas e tensões
medidas nas cortinas executadas em madeira, isto é, entre 3 e 4. O ousado
experimento foi levado a cabo e, curiosamente, o píer em Aalborg permaneceu por
mais de meio século (BRINCH-HANSEN, 1953; TSCHEBOTARIOFF, 1951) em
condições satisfatórias de serviço. Detalhes do referido píer são mostrados na
Figura 3-11:
Figura 3-11: Detalhes do píer de Aalborg, Dinamarca (TSCHEBOTARIOFF, 1951)
Esse experimento possibilitou a entrada do concreto armado e do aço na
prática usual de projetos de cortinas de cais. A própria Christiani & Nielsen
desenvolveu um tipo de cortina a partir do protótipo de Aalborg, denominado C&N-
wharf, mais competitivo que o correspondente em madeira (BRINCH-HANSEN,
1953).
30
Posteriormente ao experimento de Christiani e Nielsen, outros engenheiros
dinamarqueses sugeriram o tratamento do problema por meio da adoção de uma
distribuição alternativa de empuxo de terra, mais tarde publicada nas chamadas
Regras Dinamarquesas.
É interessante notar que um estudo semelhante foi realizado na Alemanha
por EHLERS (1910 apud TSCHEBOTARIOFF, 1951) que, ao verificar alguns
píeres na cidade de Hamburgo, sugeriu que o alívio de empuxo de terra fosse
oriundo do efeito de arqueamento do solo, explicação que foi adotada
indiscriminadamente nas Regras Dinamarquesas, conforme demonstraram os
trabalhos posteriores de ROWE (1952) e TSCHEBOTARIOFF (1949).
YAROPOLSKI (1935 apud TSINKER, 1997) também realizou um
experimento semelhante ao de Aalborg, construindo uma cortina ancorada, em
madeira, com 14 m de extensão e 4,59 m de altura, de acordo com a teoria clássica
de Coulomb. Sua intenção era levar a estrutura à ruptura por meio da aplicação de
uma sobrecarga de 400 kN/m². No entanto a mesma suportou ao carregamento
aplicado sem aparente dano. O pesquisador concluiu que o atrito entre a cortina e
solo de aterro era o principal responsável pela redução da solicitação esperada na
cortina.
3.2.2 Recomendações da Sociedade Dinamarquesa de Engenheiros Civis
Mais tarde, com base nas observações de Christiani e Nielsen e também no
trabalho de STROYER (1935) que explicava a redução de momentos em função do
arqueamento vertical do solo, a Sociedade Dinamarquesa de Engenheiros Civis
propôs uma distribuição de tensões modificada para o cálculo das cortinas,
conforme a Figura 3-12.
31
Figura 3-12: Diagrama de tensões modificado segundo a Sociedade Dinamarquesa de
Engenheiros Civis (TSINKER, 1997)
Na Figura 3-12, q é dado pelo seguinte expressão:
mpLL
LLkq
)/'10(5
)/'10(4
(3-12)
onde L’ e L são definidos na figura, pm é o valor médio do empuxo ativo ao longo
do vão L e k é dado por:
9,08,0),,,,( WEMfk (3-13)
sendo M o momento fletor na cortina, E o módulo de deformação do solo, ϕ o
ângulo de atrito no repouso, W o módulo elástico da seção e σ a tensão admissível
para o material da cortina.
O procedimento de cálculo segundo esta proposta é o seguinte. Calcula-se o
comprimento da ficha utilizando-se os diagramas de empuxo convencionais. Então
aplica-se uma margem de segurança para a ficha por meio de um fator (tipicamente
√2) e calcula-se o momento fletor máximo por meio do diagrama modificado
(Figura 3-12). Vale ressaltar que este método, por meio do fator k (Equação 3-13),
foi o primeiro a introduzir na análise de cortinas a consideração da flexibilidade da
mesma.
32
Além da proposta da Sociedade Dinamarquesa, outros autores propuseram
métodos empíricos que levavam em conta a redistribuição das tensões nas cort inas
flexíveis. OHDE (1938 apud TSCHEBOTARIOFF, 1962), por exemplo, concluiu
que essa redistribuição ocorria por efeito de arqueamento vertical do solo entre a
cota de dragagem e a ancoragem. Ele também propôs um método que fornecia
redução nos momentos fletores e aumento de até 60% na força de ancoragem
(Figura 3-13a). Já GONCHAROV (1962 apud TSINKER, 1997), também propôs
recomendações similares com base em estudos de modelos de grande escala (Figura
3-13b).
(a) (b)
Figura 3-13: Distribuições de tensões alternativas segundo a) OHDE (1938) e b)
GONCHAROV (1962) (TSCHEBOTARIOFF, 1962; TSHINKER, 1997)
Dois trabalhos por volta de 1950, no entanto, apresentaram os maiores
avanços para a discussão da interação solo-cortina até então: TSCHEBOTARIOFF
(1949) e ROWE (1952). Esses trabalhos serão discutidos separadamente a seguir .
33
3.2.3 Tschebotarioff (1949)
TSCHEBOTARIOFF (1949) realizou ensaios de grande escala e observou
que a distribuição de tensões dependia inteiramente do método construtivo da
estrutura. Nas cortinas em que a retroárea era aterrada, não havia arqueamento do
solo e, portanto, as tensões observadas eram semelhantes às previstas de acordo
com a teoria clássica. Por outro lado, evidência definitiva de arqueamento foi
encontrada em cortinas executadas por dragagem. Ele também defendeu a
distribuição proposta por OHDE (1938) em detrimento da distribuição proposta
pela Sociedade Dinamarquesa.
O autor também verificou que a redução de momentos nas cortinas era
oriunda não do efeito de arqueamento do solo, mas sim da redistribuição de tensões
passivas. Essas tensões se concentravam muito mais na proximidade da cota de
dragagem, reduzindo assim o vão efetivo estrutura. A Figura 3-14 apresenta um
esquema da redistribuição de tensões passivas de acordo com TSCHEBOTARIOFF
(1973).
Figura 3-14: Redistribuição da tensão normal à estrutura em função da deflexão da
cortina (TSCHEBOTARIOFF, 1973).
Segundo TSINKER (1997), diversos autores confirmaram os resultados
apresentados por TSCHEBOTARIOFF (1949) em pesquisas subsequentes em todo
o mundo. Dentre esses autores, destacou-se ROWE (1952), que forneceu um
método de previsão para a redução de momentos advinda da flexão da cortina.
34
3.2.4 Rowe (1952)
Diversos trabalhos até então haviam contribuído na compreensão do
comportamento das cortinas, mas foi ROWE (1952) quem, de fato, dirimiu os
maiores questionamentos que envolviam o problema das cortinas ancoradas. Rowe
conduziu testes em cortinas ancoradas de escala reduzida e explorou as variáveis
envolvidas na análise. A partir da teoria da semelhança, o autor determinou um
parâmetro comum ao modelo e à estrutura em escala real, ao qual denominou
número de flexibilidade, ρ:
EI
H 4
(3-14)
Tendo demonstrado que o efeito de arqueamento é inexistente para o nível
de deformação usual dos sistemas de ancoragem na prática, ele verificou que a
redução do momento fletor é oriunda da subida da resultante passiva na ficha. Essa
subida diminui o vão livre da cortina e decorre das deformações de flexão da
estrutura (Figura 3-15).
Figura 3-15: Tipos de deformação associados às cortinas flexíveis (adaptado de
SIMPSON e POWRIE, 2001)
O efeito de redução do vão efetivo da cortina em função da sua flexibilidade
pode ser simplificado pela analogia da Figura 3-16.
35
(a) (b)
Figura 3-16: Analogia para o entendimento da redução do vão efetivo da cortina
(CORNFIELD, 1975)
Em condições de trabalho, uma cortina muito flexível (Figura 3-16a) está
sujeita a deformações muito maiores no vão CA que uma cortina muito rígida
(Figura 3-16b). Essas deformações fazem com que o ponto de aplicação da
resultante da reação no apoio inferior seja mais elevado para o primeiro caso. Isso é
possível porque o apoio inferior tem extensão (o apoio superior teoricamente é
pontual) e a tensão de contato dependente das deformações. Além disso, como o
momento na cortina varia com o cubo do vão, uma diferença pequena entre os vãos
CA e DA representa uma redução significativa no momento máximo.
Outras descobertas feitas por ROWE (1952) são listadas a seguir:
a) Para cada solo há um valor crítico de rigidez da estrutura a partir do
qual o momento fletor máximo atuante será aquele dado pelo Método
do Apoio Livre;
b) A resultante do empuxo ativo tem sempre a mesma magnitude, cujo
valor pode ser obtido pela teoria de Coulomb, considerando um atrito
solo-cortina igual a 2/3 ϕ;
c) As condições de apoio fixo ou livre são, na verdade, extremos do
problema, sendo que, para um dado solo, uma estrutura muito flexível
estará submetida ao momento calculado pelo MAL, e uma estrutura
com flexibilidade menor que a crítica, estará submetida ao momento
dado pelo MAL e
36
d) O arqueamento das tensões é rapidamente destruído com deformações
da ordem de H/1000 e, portanto, não deve ser considerado no cálculo.
A partir de ensaios em modelos com ancoragens deslocáveis, Rowe
relacionou um fator de redução, aplicado ao momento calculado segundo o MAL, à
flexibilidade da cortina e à deformabilidade do solo. A Figura 3-17 apresenta essa
relação.
Figura 3-17: Curvas de redução de momentos (ROWE, 1952)
Figura 3-18: Método de utilização da redução de momentos em projeto
37
A utilização dos diagramas de redução de momentos no projeto de cortinas é
bem simples. No mesmo gráfico da curva de redução, traça-se a curva de resistência
de determinado tipo de seção (Figura 3-18). Escolhe-se a seção comercial que mais
se aproxima da interseção entre as curvas pela parte superior da curva de redução.
Alguns autores apresentam restrições a respeito da utilização da redução de
momentos acima descrita. TERZAGHI (1954) argumenta que solos muito
compressíveis não devem produzir redução de momentos independente da
flexibilidade da cortina. Ele também aponta para o fato de que as argilas, mesmo
oferecendo restrição da ficha em curto prazo, podem produzir na estrutura
momentos maiores à medida que se deformam por adensamento.
SKEMPTON (1953) recomenda que as curvas de redução sejam utilizadas
sem modificação para areias puras. Já para areias siltosas compactas e
medianamente compactas, deve-se utilizar uma redução mais criteriosa. No caso de
areias siltosas fofas e argilas, o autor recomenda que não se reduza o momento
fletor. Esta última recomendação também é reforçada por BOWLES (1977).
3.2.5 Brinch-Hansen (1953) e Rowe (1956)
O método empírico proposto por ROWE (1952) leva em consideração o
regime de trabalho da estrutura. Nessas condições, como foi demonstrado, a
flexibilidade tem influência fundamental nas solicitações da cortina. BRINCH-
HANSEN (1953), no entanto, propôs um novo método de cálculo de empuxo de
terra em estruturas que atingem a plastificação.
ROWE (1956) investigou alguns modelos reduzidos de cortinas que
possibilitavam a formação de rótulas plásticas e chegou à conclusão de que tanto o
método empírico apresentado na seção 3.2.4 como o cálculo segundo as teorias
plásticas forneciam resultados semelhantes e, portanto, poderiam ser considerados
equivalentes. Ele observou, no entanto, que a teoria plástica deveria considerar a
ocorrência de não mais que uma rótula plástica na cortina.
38
3.2.6 Outras contribuições
LAZEBNIK (1961 apud LAZEBNIK, 1998) conduziu cerca de 500
experimentos em modelos de grande escala e apresentou aspectos importantes da
interação solo-estrutura. Ele observou que o empuxo ativo total numa cortina
flexível é de 25-30% menor que o empuxo atuante numa cortina rígida e que a
solicitação das ancoragens nestas últimas pode exceder em 30-40% o valor obtido
com o uso da teoria de Coulomb. Além disso, suas observações do diagrama
passivo foram similares às observadas por TSCHEBOTARIOFF (1949) e ROWE
(1952).
Também observou que a diferença entre o momento numa cortina aterrada
pode diferir de 25-30% do momento numa cortina dragada. Já a força na ancoragem
das estruturas dragadas foi de 10-20% maior que no outro tipo. O ângulo de atrito
solo-cortina variou em função da flexibilidade da estrutura, da deslocabilidade do
sistema de ancoragem e da compacidade do solo de fundação (TSINKER, 1997).
A Figura 3-19 apresenta 24 esquemas sugeridos por LAZEBNIK (1961) para
o cálculo de cortinas.
Figura 3-19: Resumo dos experimentos de LAZEBNIK (1961) (adaptado de TSINKER,
1997)
39
Segundo TSINKER (1983), o procedimento para a utilização do método de
Lazebnik é o seguinte:
a) Calcula-se a estrutura por meio da teoria clássica, utilizando-se δa = 0 e
δp = 3/4 ϕ, selecionando-se uma seção para a cortina com base no cálculo
preliminar;
b) Identifica-se a estrutura dentre os 24 esquemas da Figura 3-19, a partir
dos resultados calculados anteriormente;
c) Efetua-se então cálculo final considerando-se os valores de δa e δp e os
diagramas indicados, sendo que a área do diagrama passivo deve ser
sempre calculada da forma convencional, utilizando-se Kp de acordo com
a fórmula:
sen
sen
senarcsensen
K
p
p
p
1
cos1
(3-15)
d) Em seguida, modifica-se o momento fletor calculado em c multiplicando-
o pelo fator KM.
BJERRUM et al (1972) apresentaram um estado-da-arte sobre cortinas
ancoradas e escavações escoradas. Durante a discussão da apresentação, emergiu-se
um debate a respeito do arqueamento das tensões nas cortinas flexíveis. Os autores
classificaram como arqueamento do solo todas as redistribuições de tensões que
aconteciam nas cortinas, mas ROWE (1972), em contraponto, afirmou que o alívio
das tensões entre a ancoragem e a cota de dragagem era deveras instável para que
fosse considerado no cálculo dessas estruturas. Além disso, como já se sabia, era o
fator de menor relevância para a redução de momentos.
De acordo com SIMPSON e POURIE (2001) a questão continuou sem
encerramento, pois os efeitos de arqueamento são claramente considerados em
projetos de escavações.
40
Alguns autores apresentaram medidas de empuxo crescentes ao longo do
tempo em algumas estruturas. Esse acréscimo de empuxo foi entendido por muitos
como evidência para a destruição do arqueamento no solo. No entanto, parte desse
fenômeno pode ser explicada pelo chamado efeito hereditário. Este efeito está
associado à atuação de cargas úteis (live loads) nas estruturas, que produzem
tensões residuais na cortina e em seus componentes. Ao atuar sobre a estrutura,
determinado carregamento variável produz um estado de tensões muito menor que o
necessário para reverter as deformações por ele causadas (TSINKER, 1997).
A avaliação adequada de K0 na análise de cortinas é fundamental para a
obtenção de momentos fletores de projeto compatíveis. Como demonstraram
POTTS e FOURIE (1985), os momentos fletores nas cortinas rígidas instaladas em
solos com altos valores de empuxo no repouso podem exceder, em muito, os
momentos calculados segundo a teoria clássica. Cortinas flexíveis, em geral,
apresentaram resultados bastante similares aos valores calculados segundo a
redução de ROWE (1952).
DAY e POTTS (1993) apresentaram resultados de análises numéricas de
cortinas ancoradas em que se comparam resultados de análises com utilização de
elementos bidimensionais e unidimensionais para a modelagem da cortina. Segundo
eles, os elementos de viga são mais adequados para a modelagem de cortinas
delgadas, como as estacas-pranchas de aço. A modelagem com elementos
bidimensionais pode conduzir a estimativas equivocadas de deslocamentos e
tensões, e deve ser utilizada apenas em casos que envolvam estruturas de espessura
compatível (paredes diafragma, estacas secantes etc.).
Coeficientes de empuxo alternativos foram propostos por BILGIN (2012)
com base em resultados numéricos de cortinas de alturas, fichas e seções variadas
(Figura 3-20). Os modelos eram ancorados na profundidade de 25%H, ideal para a
minimização das deformações da cortina (BILGIN e ERTEN, 2009). Os momentos
fletores observados nas análises foram até 35% menores que aqueles dados pelo
cálculo segundo o método empírico de redução. Já as forças na ancoragem, foram
40% maiores que aquelas determinadas segundo o cálculo convencional.
41
Figura 3-20: Exemplo de aplicação dos coeficientes de empuxo alternativos (BILGIN,
2012)
O uso de diagramas de empuxo alternativos tem a vantagem de oferecer uma
descrição muito mais acurada da interação solo-estrutura em cortinas. No entanto,
como diversos autores apontaram ao longo dos anos, a simplificação do
procedimento de cálculo deve ser prioritária, visto que nunca deixarão de existir
incertezas de cálculo, por melhor que seja o modelo. Além disso, a disponibilidade
das ferramentas computacionais é de grande utilidade para a análise de cortinas, não
necessitando o projetista complicar demasiadamente a fase preliminar de cálculo.
3.3 MÉTODOS NUMÉRICOS
Dentre os métodos computacionais, ou numéricos, para a análise de cortinas
são relevantes aqueles que fazem uso do modelo de molas, também denominado
modelo de Winkler, e os de meio contínuo, sendo o Método de Elementos Finitos o
mais empregado para este último.
A primeira tentativa de se aplicar a teoria dos coeficientes de reação
horizontal à análise de cortinas de estacas-prancha se deve a Paul Baumann, no ano
de 1934, trabalho publicado por BAUMANN (1935), tendo BLUM (1951) também
contribuído nessa área. Entretanto, as grandes dificuldades encontradas à época
diziam respeito ao processo laborioso de cálculo e à incerteza na determinação dos
coeficientes de reação (TERZAGHI, 1954).
42
Na atualidade, dado o grande avanço dos recursos computacionais e a sua
difusão no meio técnico, a análise de problemas que envolvem interação solo-
estrutura não apresenta mais o primeiro obstáculo mencionado por Terzaghi, apesar
de que a determinação dos coeficientes de reação horizontal para o modelo de
molas, bem como as propriedades de resistência e deformabilidade do solo nos
modelos de meio contínuo, ainda permanece como um grande desafio aos
projetistas.
Há que se ressaltar, entretanto, que grande avanço foi obtido na área da
investigação geotécnica desde aquela época, sendo que o próprio Terzaghi
apresentou uma contribuição relevante na teoria dos coeficientes de reação do solo
em seu trabalho publicado no ano de 1955.
TORRES (2014) apresentou uma comparação de resultados do cálculo de
esforços em cortinas ancoradas utilizando métodos de meio contínuo e de molas,
inclusive mostrando as diferenças entre os resultados obtidos por meio da utilização
de diversos programas disponíveis no mercado.
3.3.1 Solução em que o Solo é Representado por Molas
A conhecida hipótese de Winkler, consiste em modelar o comportamento do
solo por meio de molas. Essa simplificação pode fornecer valores com aproximação
suficiente para a solução de problemas de engenharia, porém os valores dos
coeficientes de reação adotados devem ser compatíveis tanto com as propriedades
elásticas do solo quanto com as propriedades geométricas da estrutura
(TERZAGHI, 1955).
No caso especial da análise de cortinas flexíveis, alguns autores ofereceram
contribuições significativas para o tratamento do problema. TERZAGHI (1955), ao
apresentar a sua teoria a respeito dos coeficientes de reação do solo, propôs
tratamentos diferenciados para o problema em função das condições de restrição da
ficha. Coeficientes de reação horizontal (kh) podem ser determinados de acordo com
as propostas de CHADEISSON (1961), MENARD (1975), SCHMITT (1995) ou
CUR (2012).
Uma proposta interessante da utilização do modelo de molas é o chamado
método das tensões dependentes. O método consiste na variação iterativa dos
deslocamentos da cortina, atendendo às condições de equilíbrio da cortina por meio
do cálculo do empuxo segundo a fórmula (VANECKOVA et al., 2011):
43
wkhr (3-16)
Onde σ é a tensão normal média atuante na cortina num determinado ponto,
σr é a tensão normal no repouso e w é o deslocamento do ponto em questão. Quando
o valor da tensão normal segundo a Equação 3-16 atinge o limite ativo ou passivo,
σa ou σp, a tensão naquele ponto passa a ser independente do deslocamento e
permanece constante durante o restante do processo ou até que as deformações se
revertam. A Figura 3-21 apresenta um esquema do cálculo das tensões segundo o
método.
(a) (b)
Figura 3-21: Diagramas de empuxo em cortina segundo o método das tensões
dependentes a) no repouso e b) após o processo iterativo (FINE, 2016)
Os programas de cálculo atualmente disponíveis que dispõem do modelo de
molas também já oferecem a facilidade do cálculo evolutivo. No entanto, algumas
limitações ainda diferenciam significativamente a solução pelo método das molas
da solução de meio contínuo. Talvez a maior delas seja a ausência de qualquer
informação a respeito do estado de tensões e deformações do maciço em que se
instala a cortina. Do ponto de vista estrutural, no entanto, a ferramenta é bastante
satisfatória, desde que corretamente utilizada pelo projetista.
Remete-se o leitor ao trabalho de TORRES (2014) para um apanhado geral
sobre a utilização de diferentes programas de cálculo que fazem uso do coeficiente
de reação horizontal no cálculo de cortinas ancoradas.
44
3.3.2 Métodos de Meio Contínuo
A análise em que o solo é tratado como meio contínuo é geralmente feita
pelo Método dos Elementos Finitos (MEF). Nesse tipo de análise já há, se as
condições de flexibilidade forem favoráveis, a redução de momentos durante o
cálculo. Obtém-se, além de esforços na estrutura, deslocamentos e a distribuição de
tensões no solo. As tensões podem ser comparadas com as resistências, para uma
avaliação da segurança à ruptura. Outra vantagem é a de facilitar o tratamento de
solos do tipo c-ϕ, difíceis de trabalhar com os métodos clássicos
Com a evolução do uso das análises de meio contínuo em Geotecnia, a
disponibilidade de modelos de comportamento do solo tem aumentado. Hoje,
mesmo os modelos mais simples incorporam a teoria da plasticidade na análise, o
que é de grande importância para o problema das estruturas flexíveis. Os modelos
mais difundidos para a análise tensão deformação em meio contínuo são o modelo
elasto-plástico perfeito (também conhecido como modelo Mohr-Coulomb) e o
modelo hiperbólico.
Os parâmetros de entrada para o cálculo pelo modelo Mohr-Coulomb são os
seguintes:
a) Parâmetros de resistência – ângulo de atrito (ϕ), intercepto de coesão (c)
e ângulo de dilatância (ψ);
b) Parâmetros de deformação – Módulo elástico (E) e coeficiente de
Poisson (ν).
A maior limitação desse modelo constitui-se também na sua grande
vantagem. Sua simplicidade permite a fácil implementação e o rápido
processamento de dados. Além disso, os parâmetros de entrada são bastante
conhecidos pelos usuários e de fácil determinação por meio de ensaios também
acessíveis. Por isso, recomenda-se o seu uso sempre que se queira obter uma rápida
primeira impressão dos resultados (BRINKGREVE, 2002).
Por sua vez, o modelo hiperbólico, proposto por DUNCAN e CHANG
(1970), traz a vantagem de incorporar, nos parâmetros de deformação do solo, o
efeito do nível de tensões. O programa Plaxis 2D, utilizado neste trabalho, faz uso
de uma variante do modelo hiperbólico. Essa variante, conhecida como Hardening
Soil Model (SCHANZ, 1998) supera o modelo básico por incluir a teoria da
plasticidade, a dilatância do solo e uma superfície de escoamento cap.
45
No programa Plaxis, os parâmetros de entrada para o modelo Hardening Soil
são os seguintes:
a) Parâmetros de resistência segundo o modelo Mohr-Coulomb - ϕ, c e ψ;
b) Rigidez dependente do nível de tensões segundo uma potência – m;
c) Parâmetro de deformação associado à tensão desviadora – E50ref
;
d) Parâmetro de deformação associado à compressão primária – Eoedref
;
e) Parâmetros elásticos para descarregamento e recarregamento - Eurref
e νur.
É importante lembrar que os parâmetros de entrada para os modelos com
dependência do nível de tensões incluem a tensão de referência. Usualmente,
utiliza-se o valor de 100 kPa (1 atm) como padrão. Os programas, no entanto,
aceitam a modificação do usuário para esse tipo de entrada.
Como lembram POTTS e FOURIE (1985), o valor de K0 é de suma
importância na análise de cortinas, pois determina a condição inicial de tensões.
BRINKGREVE (2002) esclarece que o modelo Mohr-Coulomb é especialmente
sensível a esse parâmetro e deve ser criteriosamente adotado. No caso das areias
limpas, como é de praxe, a relação de JÁKI (1948):
senK 10 (3-17)
A análise de meio contínuo deve ter sempre em vista a qualidade dos
parâmetros do problema. Tanto mais simples deve ser o modelo quanto menor for a
disponibilidade de parâmetros conhecidos. Por outro lado, a versatilidade desses
modelos possibilita a realização de análises paramétricas, que fornece importantes
informações para as fases subsequentes de projeto.
Para uma investigação detalhada da aplicação dos métodos de meio contínuo
aos problemas geotécnicos, refere-se o leitor aos textos de DESAI e ABEL (1972),
BOWLES (1974) e POTTS e ZDRAVKOVIC (1999, 2001).
46
4 REVISITANDO O TRABALHO DE ROWE (1952)
Em seu trabalho publicado em 1952, Peter Walter Rowe — então professor
assistente na Universidade de St. Andrews, Escócia, e mais tarde professor emérito
da Universidade de Manchester até o seu falecimento em 1997 — estudou dois
importantes aspectos da interação solo-estrutura em cortinas de estacas-pranchas: a
distribuição de tensões e os momentos fletores (comparados aos fornecidos pelos
métodos clássicos). Apesar de já terem sido objeto de estudos de outros autores
como STROYER (1935) e TSCHEBOTARIOFF (1949), Rowe aperfeiçoou o
entendimento desses aspectos e contribuiu significativamente com a prática de
engenharia ao propor um método empírico de dimensionamento de cortinas que se
tornou popular.
Na primeira parte do seu trabalho, Rowe se propôs a verificar a
confiabilidade dos métodos de previsão das tensões laterais aplicadas às cortinas,
bem como o desenvolvimento de arqueamento vertical do solo, que até então era
tido pelos métodos empíricos como a causa da redução de momentos fletores nessas
estruturas. Já na segunda seção, o autor investigou a magnitude do fator de redução
dos momentos nas cortinas em função da rigidez das mesmas e da compacidade
relativa do solo. Esta parte, em particular, deu origem ao método de cálculo
proposto por ele.
Este capítulo tem por finalidade reproduzir numericamente os ensaios
realizados por ROWE (1952) em modelos reduzidos, tanto para a distribuição de
tensões quanto para o efeito de redução de momentos fletores nas cortinas. O
objetivo de comparar os resultados experimentais e numéricos é de interesse dos
projetistas que se valem das ferramentas computacionais para a análise de
estruturas, uma vez que podem ser investigados alguns aspectos-chave do problema
da interação solo-cortina.
A seguir, será apresentada descrição dos ensaios realizados por ROWE
(1952) e dos modelos numéricos analisados, bem como os resultados obtidos nos
modelos numéricos, as suas comparações como as observações do trabalho de
referência e as conclusões decorrentes.
47
4.1 ENSAIOS EM MODELOS REDUZIDOS
Nos seus ensaios, ROWE (1952) utilizou 15 modelos reduzidos, um dos
quais foi utilizado no estudo da distribuição de tensões, sendo os 14 restantes
utilizados nos estudos de redução de momentos (flexibilidade). Adicionalmente
foram utilizados dois outros modelos na determinação preliminar da forma da caixa
de concreto construída para os demais ensaios. Apresentam-se na Tabela 4-1 as
informações básicas sobre os modelos utilizados pelo autor e que serviram também
de base para os estudos numéricos desenvolvidos neste capítulo. Os tipos de solo
utilizados e as suas propriedades são apresentados na Tabela 4-2.
Tabela 4-1: Detalhes dos modelos de cortinas (adaptado de ROWE, 1952)
Material Chapa
1
# (mm) Altura
pol. (m) Log ρ
2 Log If
3 Ensaio
Aço
10 (3,251) 30 (0,76) -3,22 -0,26 Ensaios preliminares para
determinação da forma da
caixa 18 (1,219) 20 (0,51) -2,72 0,24
Chapa
dupla
8 (4,064)
42 (1,07) -3,32 -0,36 Distribuição de tensões
8 (4,064)
36 (0,91) -3,18 -0,22
Flexibilidade
32 (0,81) -3,38 -0,42
30 (0,76) -3,49 -0,53
28 (0,71) -3,61 -0,65
26 (0,66) -3,74 -0,78
12 (2,642)
36 (0,91) -2,52 0,44
31,5 (0,80) -2,74 0,22
27,5 (0,70) -2,98 -0,02
24 (0,61) -3,22 -0,26
21 (0,53) -3,45 -0,49
Duralumínio 14 (2,032)
29 (0,74) -2,07 0,89
26 (0,66) -2,26 0,70
23 (0,58) -2,48 0,48
20 (0,51) -2,72 0,24 1 Espessuras do padrão Imperial Standard Wire Gauge (SWG).
2 Número de Flexibilidade de Rowe (1952), ρ = H4
/(EI), com H em polegadas e EI em lb.pol²/ft. 3 Índice de Flexibilidade, If = H
4/(EI), com unidades do SI (kN e m).
48
Neste trabalho, com o objetivo de simplificar a referência à flexibilidade das
cortinas e evitar confusão com o símbolo tradicional para a massa específica de um
material (letra grega ρ), preferiu-se adotar o Índice de Flexibilidade, If (Equação 4-
1), ao invés do número de flexibilidade proposto por Rowe, ρ. Esse índice tem
unidades SI, diferentemente do número de flexibilidade que possui unidades do
Sistema Imperial. Para obter If a partir de ρ basta multiplicá-lo por 919,33.
33,919/²
44
mkNm
m
EI
HI f (4-1)
Tabela 4-2: Propriedades dos solos (adaptado de ROWE, 1952)
Solo γ
(kN/m³) φ (°)
Índice de
Vazios
Módulo de
Compressibilidade
Volumétrica, K
(10-4
m²/kN)
Compacidade
Relativa
Areia 14,1 30 0,78
4,35 0,0 Seixo Dorset 15,4 30 0,74
Brita Whinstone 12,9 39 1,06
Cinzas 6,3 40 1,76 21,75
Areia 15,7 41 0,53
0,87 1,0
Seixo Dorset 17,3 37 0,49
Brita Whinstone 15,1 50 0,74
Cinzas 8,8 50 0,95 –
No que se refere às propriedades de deformação dos solos, ROWE (1952)
apresenta ensaios de compressão edométrica (Figura 4-1) cujas tensões verticais
máximas são em torno de 70 kPa, exceto para as cinzas em estado fofo que, em
razão da alta compressibilidade, não foram submetidas a tensões verticais de ordem
superior a 40 kPa.
Chama-se a atenção para o módulo de compressibilidade (K) constante
indicado na Figura 4-1, que é um módulo secante obtido a cerca de 50% da
deformação vertical máxima do ensaio e fornece os valores indicados na Tabela 4-
2.
49
Figura 4-1: Resultados da compressão edométrica dos solos utilizados nos experimentos
(adaptado de ROWE, 1952)
4.1.1 Distribuição de tensões
A primeira seção do trabalho de ROWE (1952) apresenta um estudo da
distribuição das tensões horizontais num modelo reduzido de cortina ancorada. O
principal objetivo do autor era verificar se o arqueamento vertical do solo poderia
ser considerado na prática comum da engenharia de cortinas, especialmente ao se
considerar a deslocabilidade do sistema de ancoragem. Para tanto, dispôs-se de um
modelo com forma e dimensões apresentados na Figura 4-2. Apesar de o modelo ser
único, alguns parâmetros geométricos variaram para os diversos ensaios, incluindo
a cota de final de escavação, a sobrecarga e o nível de ancoragem.
A aferição do empuxo na cortina foi feita por meio direto e indireto. Foram
instaladas 47 células de pressão na cortina, 28 delas no lado ativo e 19 no lado
passivo, e divididas em três seções distintas. A aferição indireta das tensões foi
feita por meio de strain gauges, 104 deles, instalados em duas seções em toda a
altura da cortina. Segundo o autor, a acurácia dos resultados foi considerada
satisfatória se obedecida a tolerância de 10% entre os resultados obtidos de forma
direta e indireta.
50
Figura 4-2: Modelo utilizado nos experimentos de distribuição de tensões (ROWE,
1952)
Nos ensaios de distribuição de tensões, apenas uma seção de cortina foi
utilizada (conforme indicado na Tabela 4-1), bem como apenas um tipo de solo,
areia fofa, cujos parâmetros foram apresentados na Tabela 4-2. A sequência
executiva dos experimentos pode ser observada na Figura 4-3. As medições foram
realizadas nas cotas relativas de dragagem de 0,6, 0,7 e 0,8 e a escavação era
conduzida até a ruptura do solo ou era interrompida para o estudo dos efeitos da
sobrecarga e do deslocamento da ancoragem. Este último foi obtido por meio do
afrouxamento manual dos cabos de ancoragem na cortina.
51
Figura 4-3: Sequência executiva dos ensaios de distribuição de tensões (ROWE, 1952)
4.1.2 Flexibilidade
Após concluir, na primeira parte do seu trabalho, que a redução de momento
nas cortinas com ancoragens deformáveis era oriunda da redistribuição do diagrama
de empuxo na região passiva, ROWE (1952) também realizou uma série de
experimentos visando a medir os máximos momentos fletores nos modelos e
correlacioná-los com a rigidez relativa dos mesmos.
Os testes envolveram dez valores de flexibilidade de cortina, quatro níveis
de ancoragem, três valores de sobrecarga, sendo que os mesmos foram repetidos
para quatro tipos de solo (Figura 4-1) nos estados fofo e compacto.
Para os ensaios de Flexibilidade, Rowe utilizou um modelo diferente daquele
que foi usado na seção anterior. Suas dimensões e características são apresentadas
na Figura 4-4, a seguir.
52
Figura 4-4: Aparato para os experimentos de flexibilidade (ROWE, 1952)
A sequência de execução dos ensaios de flexibilidade foi a seguinte. Após a
instalação da cortina, a caixa era cheia de solo de ambos os lados até que 3/4 do
modelo estivesse aterrado. Nesse ponto, as primeiras medições eram aferidas e,
após a instalação da ancoragem, prosseguia-se o aterro apenas na parte de trás da
cortina e a aplicação da sobrecarga. O próximo estágio era a escavação em frente à
cortina até 60% da profundidade total, quando as ancoragens eram afrouxadas até
que se medisse o máximo momento fletor. Em sequência, repetia-se a escavação e o
afrouxamento para 70% e 80% da profundidade total do modelo. Ao final de cada
ensaio, a deflexão total da ancoragem era da ordem de H/800.
4.2 ENSAIOS NUMÉRICOS
Para reproduzir os experimentos de ROWE (1952) descritos acima, utilizou-
se a ferramenta numérica Plaxis2D, que dispõe da análise de problemas tensão-
deformação evolutivos em meios contínuos por intermédio do Método de
Elementos Finitos. A ferramenta em questão também efetua análises de percolação,
de estabilidade (por meio da redução c-ϕ) e de problemas envolvendo adensamento
de solos.
53
Os parâmetros de entrada relevantes para a análise tensão-deformação são os
parâmetros de resistência e de deformação do solo (c, ϕ, E e ν), no entanto, alguns
parâmetros adicionais podem ser utilizados, como é o caso do módulo de
deformação (E) e resistência não drenada (su) variáveis com a profundidade, ângulo
de dilatância (ψ) e ângulos de atrito diferenciados para a interface solo-cortina. A
ferramenta também possibilita a utilização de diversos modelos de comportamento
do solo, como o modelo elasto-plástico perfeito (Mohr-Coulomb), Hardening soil,
Cam-Clay, dentre outros.
São descritos a seguir os modelos numéricos e suas características, bem
como os procedimentos de análise para ambos os tipos de ensaio realizados, de
distribuição de tensões e de flexibilidade.
4.2.1 Distribuição de tensões
Os modelos numéricos utilizados para a reprodução dos experimentos de
distribuição de tensões realizados por ROWE (1952) são apresentados na Figura
4-5. Para a comparação direta com os resultados do trabalho de referência, dois
modelos foram analisados (DT1 e DT2). Apesar de possuírem as mesmas
dimensões, eles diferem entre si em termos de nível do posicionamento da
ancoragem e de sobrecarga aplicada.
Apesar de a forma do contorno inferior do modelo não ser exatamente aquela
dos experimentos descritos no item 4.1.1, este fator não tem influência nas análises
numéricas, já que claramente o objetivo da forma adotada por Rowe era reduzir a
quantidade de trabalho manual na preparação dos ensaios.
A malha de elementos finitos utilizada não foi extremamente refinada
porque optou-se por utilizar elementos triangulares isoparamétricos de 15 nós (com
12 pontos de integração). Além disso, o refinamento excessivo do modelo
impossibilitava a análise do problema sem que manualmente fossem aumentados o
overshooting e o erro admissível do cálculo durante as operações.
54
(a)
(b)
Figura 4-5: Dimensões e malha de elementos finitos dos modelos numéricos de
distribuição de tensões – a) DT1 e b) DT2
Optou-se por utilizar o modelo Mohr-Coulomb (elasto-plástico perfeito),
entretanto foi também feita uma tentativa de utilização do modelo hiperbólico
(Hardening Soil) a partir da retroanálise do ensaio de compressão edométrica da
areia fofa. Os resultados dessa análise serão discutidos também neste capítulo.
55
Dentre os parâmetros do solo utilizados nas análises numéricas, o módulo de
deformabilidade foi o de mais complicada obtenção. Em primeira mão, partiu-se de
um módulo constante para toda a massa de solo, sendo esse módulo obtido a partir
da transformação do módulo de compressibilidade volumétrica – apresentado na
Tabela 4-2 – no módulo elástico triaxial por meio da relação dada pelas Equações
4-2 e 4-3.
KEoed
1 (4-2)
)1(
)21)(1(
oedE
E (4-3)
Para a areia fofa em questão, obtém-se, utilizando ν = 0,3, o módulo elástico
de aproximadamente 1700 kPa. É evidente que este valor está bem abaixo da faixa
de valores de E para areias fofas na prática, tipicamente na faixa de 10-30 Mpa. No
entanto, essa diferença pode ser atenuada pelo efeito de escala do modelo.
Outro ponto importante da questão é o fato de que, pela forma como foi
depositado o solo para a realização dos ensaios, espera-se uma variação de E com a
profundidade, tal qual haveria de ser num depósito normalmente consolidado. Esse
efeito foi considerado por meio da variação linear do módulo E com a profundidade
do modelo, começando por um valor muito baixo (mas não nulo por restrição da
ferramenta utilizada) e alcançando determinado valor numa cota conhecida.
Para tanto escolheu-se o nível final de dragagem (70%H) como referência. A
partir da curva de compressão edométrica para a areia fofa (Figura 4-1),
determinou-se Eoed para o nível de tensão vertical equivalente ao nível de
referência. Esse valor foi transformado por meio da Equação 4-3 e a lei de variação
de E com a profundidade no modelo numérico foi obtida por simples substituição
dos valores na equação de uma reta. A Figura 4-6 apresenta a variação de E com a
profundidade adotada para as análises numéricas que fizeram uso do modelo Mohr-
Coulomb.
56
Figura 4-6: Módulo de deformabilidade variável adotado para as análises DT
A utilização do modelo Hardening Soil demandou uma retroanálise da
compressão edométrica realizada por Rowe. O objetivo era aproximar uma curva
numérica de compressão o tanto quanto possível da curva experimental por meio da
variação dos parâmetros de entrada do programa Plaxis. Apresenta-se na Figura 4-7
a comparação das curvas experimental (ROWE, 1952) e numérica. Na mesma
figura, o módulo constante representa o valor de referência para o modelo Mohr-
Coulomb comentado anteriormente.
Figura 4-7: Aproximação da curva de compressão edométrica da areia fofa com a
utilização do modelo Hardening Soil
57
Os parâmetros correspondentes à curva numérica da Figura 4-7 são os
constantes na Tabela 4-3. Pede-se ao leitor que recorra à seção 3.3.2 deste trabalho
para um resumo do modelo Hardening Soil no programa Plaxis e dos parâmetros
abaixo relacionados.
Tabela 4-3: Parâmetros de entrada do modelo hiperbólico no programa Plaxis
Parâmetro Valor
Eoedref
6250 kPa
E50ref
7500 kPa
Eurref
= 3 E50ref
22500 kPa
pref
45 kPa
Potência (m) 0,58
νur 0,2
K0na
0,5
Rf 0,9
ϕ 30°
Além dos parâmetros do solo, outro elemento importante na análise
numérica de interação solo-estrutura é a interface. Ela se constitui de elementos de
dimensão virtual (submetidos a tensões, porém sem deformações) que facilitam a
medição das tensões normais e cisalhantes que ocorrem numa interface entre o solo
e a estrutura. O atrito solo-cortina pode ser simulado por meio da inferência de um
parâmetro de resistência a esses elementos (R int = tan δ/tan ϕ). Nas análises de
distribuição de tensões, atribuiu-se, por meio de tentativas, o valor de 0,5 para Rint.
No que se refere à sequência executiva das análises numéricas, ela
permaneceu inalterada em relação à sequência realizada por ROWE (1952),
ilustrada na Figura 4-3. Vale ressaltar, no entanto, que arbitrariamente adotou-se
aqui a escavação do solo em frente à cortina em etapas de 10% da altura total do
modelo (Figura 4-5).
Quanto à simulação do afrouxamento do cabo de ancoragem, a única
maneira conveniente de realizar este procedimento no programa é alterar a rigidez
da ancoragem. Dessa forma a mesma foi reduzida manualmente até um valor
coerente com as deformações observadas no trabalho de referência, da ordem de
H/1000.
58
Deve-se notar também que ROWE (1952) utilizou um apoio adicional no pé
do seu modelo (conforme se verifica nas Figura 4-2 e Figura 4-3). A princípio esse
dispositivo não deveria ter sido usado, visto que ele é inexistente nas estruturas
reais. Análises numéricas foram feitas com e sem esse apoio com o objetivo de
verificar a sua influência nos resultados.
4.2.2 Flexibilidade
Os ensaios numéricos para o estudo da influência da flexibilidade da cortina
procuraram reproduzir os experimentos realizados por ROWE (1952) na segunda
seção do seu trabalho clássico, conforme descrição no item 4.1.2. Apesar de em
menor número que os experimentos do trabalho de referência, as análises numéricas
apresentadas nesta seção envolveram variações de geometria e solos numa faixa
semelhante. Foram realizadas 18 análises numéricas, divididas em 4 grupos,
conforme as propriedades do solo e a geometria do problema. A Tabela 4-4
apresenta um resumo das análises numéricas realizadas nesta seção.
Tabela 4-4: Resumo dos modelos numéricos para os ensaios de flexibilidade
Grupo de análise Parâmetro do
problema
Valor do
parâmetro
Seções utilizadas
(Log If) / Altura da
cortina (m)
1 – Areia Fofa
α = zdragagem/H 0,6 – 0,8 0,770 / 0,74
0,347 / 0,58
-0,127 / 0,70
-0,232 / 0,91
-0,664 / 0,71
-0,790 / 0,66
β = zancoragem/H 0
q = Q/(γH) 0
2 – Areia Compacta abaixo
da profundidade 60%H
α 0,6 – 0,8 0,770 / 0,74
-0,232 / 0,91
-0,790 / 0,91
β 0
q 0
3 – Brita Whinstone Fofa
α 0,6 – 0,8 0,770 / 0,74
0,105 / 0,80
-0,232 / 0,91
-0,545 / 0,76
-0,790 / 0,66
β 0,2
q 0,1
4 – Seixo Dorset Compacto
abaixo da profundidade
60%H
α 0,6 – 0,8 0,770 / 0,74
0,105 / 0,80
-0,545 / 0,76
-0,790 / 0,66
β 0,2
q 0,1
59
Se for tomado um grupo em particular, será notado na última coluna do
Quadro 4-2 que a flexibilidade dos modelos numéricos nesse grupo varia não
somente em função do índice de rigidez da cortina (EI), mas também em função da
altura da mesma. Dessa forma, a comparação direta de momentos não pode ser
efetuada, senão pela normalização do esforço.
À semelhança do trabalho de referência, será utilizada como normalização
do momento fletor o índice de momento, Im, conforme definido na Equação 4-4
(Rowe, na realidade, usou a denominação τ, com unidades no Sistema Imperial, que
foi preterida em função da confusão com o símbolo da tensão de cisalhamento).
]/[ 4
3mkNm
H
MIm (4-4)
São apresentados nas Figura 4-8 e Figura 4-9 os modelos numéricos para os
ensaios de flexibilidade, juntamente com as suas dimensões e solos utilizados.
Adotou-se, de maneira análoga às análises de distribuição de tensões, uma
variação linear dos módulos de deformação dos solos, sendo estes obtidos da
mesma maneira descrita na seção 4.2.1, isto é, pela equação de uma reta cujo
coeficiente linear é muito baixo e cujo coeficiente angular é calculado a partir de
uma profundidade de referência e das curvas de compressão edométrica.
60
(a)
(b)
Figura 4-8: Modelos numéricos para os ensaios de flexibilidade dos grupos a) 1 e b) 2
61
(a)
(b)
Figura 4-9: Modelos numéricos para os ensaios de flexibilidade dos grupos a) 3 e b) 4
62
Para cada um dos quatro grupos de análise, foram utilizados os módulos
conforme constam na Figura 4-10, a seguir.
(a)
(b)
Figura 4-10: Módulos de deformabilidade variáveis usados nos modelos numéricos dos
grupos a) 1 e 2; b) 3 e 4
63
Os elementos de interface utilizados nas análises de flexibilidade tiveram
Rint igual a 2/3. Apesar de este valor ser um pouco maior que o utilizado nas
análises de distribuição de tensões, ele é costumeiramente adotado na literatura .
Além disso, ROWE (1952) calculou o momento máximo de apoio livre sem
redução utilizando um ângulo de atrito solo-cortina igual a 2/3 ϕ.
Para simular o afrouxamento do cabo (e consequentemente a destruição do
arqueamento vertical do solo), optou-se por utilizar duas ancoragens. Uma delas,
fictícia e rígida, que atuava na cortina até a chegada ao primeiro estágio
determinado para a aferição dos momentos fletores. Nesse momento, a ancoragem
rígida era substituída por uma flexível (uma mola de rigidez compatível com o nível
de deformações obtido por Rowe). Esta última ancoragem era então mantida em
todos os estágios subsequentes.
No caso da ancoragem rígida, adotou-se rigidez com valor de 104 kN/m, e
para a flexível, valor 20 vezes menor (500 kN/m). Este último foi obtido por meio
de relação com a ordem de grandeza da deflexão das cortinas no trabalho de
referência que, ao final de cada experimento, era de H/800.
A sequência executiva das análises foi a seguinte:
a) Enchimento da caixa de areia de ambos os lados até que 75% da cortina
estivesse aterrada (cálculo das tensões iniciais);
b) Amarração da ancoragem rígida;
c) Finalização do aterro na parte de trás da cortina;
d) Aplicação da sobrecarga;
e) Escavação do solo em frente à cortina até a profundidade de 0,6H;
f) Substituição da ancoragem rígida por uma deformável (equivalente ao
afrouxamento do cabo);
g) Aferição dos momentos fletores nas etapas de escavação de 0,6, 0,7 e
0,8H.
4.3 RESULTADOS DAS ANÁLISES NUMÉRICAS E COMPARAÇÕES
Nesta seção serão apresentados e discutidos os resultados numéricos das
análises comparativas com o trabalho de ROWE (1952) e outros constantes na
literatura.
64
4.3.1 Distribuição de tensões
Os resultados apresentados a seguir fazem distinção a respeito da
deslocabilidade do sistema de ancoragem. Para um mesmo modelo, estudou-se a
utilização de ancoragens indeslocáveis e deslocáveis. Entenda-se que toda estrutura
se deforma, no entanto, o termo indeslocável quer aqui significar que as
deformações elásticas do cabo são preponderantes na deflexão total da estrutura ,
que acaba sendo pequena. Esse tipo de situação está relacionado com a utilização
de tirantes pré-tensionados, cabos ancorados em estruturas rígidas, cortinas
ancoradas por estacas etc. Quando da utilização de blocos de ancoragem, vigas de
ancoragem e ou mesmo estacas-pranchas (mortos de amarração), a deflexão total da
cortina é preponderantemente determinada pelas deformações de mobilização
passiva do solo pelos elementos de ancoragem. Dessa forma, a verificação de
ambos os casos fornece informações de como as tensões no solo se comportam em
função deste parâmetro.
Apresentam-se, nas Figura 4-11 e Figura 4-12 os resultados da distribuição
de tensões nos modelos numéricos (DT1 e DT2) com deslocamento mínimo da
ancoragem – aos quais ROWE (1952) denomina No Yield. Juntamente com os
resultados numéricos, são também apresentados os resultados experimentais e
teóricos.
Esses resultados apresentam consistência com os resultados apresentados em
outros trabalhos envolvendo estudos numéricos de cortinas flexíveis, como
BJERRUM et al. (1972), DAY e POTTS (1993) e BILGIN (2012).
65
(a)
(b)
Figura 4-11: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT1 com ancoragem indeslocável
66
(a)
(b)
Figura 4-12: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT2 com ancoragem indeslocável
67
São aspectos relevantes dos resultados anteriormente apresentados:
a) A redução das tensões horizontais na região ativa da cortina ao longo
do vão livre da mesma (entre o apoio superior e o centro de gravidade do diagrama
passivo). Esse efeito está relacionado com o giro das tensões efetivas principais no
solo. Em decorrência da mobilização de tensões cisalhantes ao longo dos planos
que antes eram principais (horizontal e vertical), as tensões normais sofrem
decréscimo ao longo do vão e acréscimo nos apoios. Note-se, na Figura 4-13, o giro
nas tensões principais efetivas decorrente da dragagem do solo.
(a)
(b)
Figura 4-13: Cruzes de tensões efetivas a) antes e b) depois da dragagem do solo
68
BJERRUM et al. (1972) denominaram arqueamento do solo o giro das
tensões tanto na região da ancoragem como na região da ficha. Na discussão desse
mesmo trabalho, Rowe afirmou que havia distinção entre arqueamento e
redistribuição de tensões por flexão da cortina, não sendo correto chamar de
arqueamento a modificação no estado de tensões na região passiva.
No entanto, ao se observar o perfil de deslocamentos da cortina na Figura 4-
12b e as cruzes de tensões efetivas na Figura 4-13b, nota-se que o que acontece
com o solo acima da ancoragem é semelhante ao que acontece na região da ficha.
Isto é, em decorrência do movimento da cortina contra o solo, desenvolve-se um
empuxo passivo que vai perdendo preponderância no estado de tensões à medida
que a tensão vertical aumenta.
É evidente que, para o caso do apoio no nível do terreno, não será atingido o
valor passivo de empuxo do solo, senão, no máximo, o valor de empuxo no
repouso. Este, no entanto, é consideravelmente maior que o valor de empuxo ativo,
que se desenvolveria caso o apoio fosse totalmente deslocável e, portanto, não
deixa de ser o mesmo efeito explicado anteriormente, mas apenas em magnitude
reduzida.
Dessa forma, apesar de arqueamento e redistribuição por flexão não serem
necessariamente sinônimos, eles estão intimamente relacionados, e devem ser
considerados como o mecanismo responsável pela redistribuição de tensões nas
cortinas ancoradas.
b) A concentração de tensões na região da ancoragem, muito mais
pronunciada com a utilização do modelo hiperbólico. Este efeito decorre do anterior
e resulta na necessidade de consideração de um acréscimo na resultante das
ancoragens no projeto, caso a estrutura tenha sido calculada por meio de teoria
clássica.
Pode-se explicar a diferença entre as tensões do modelo elasto-plástico e do
modelo hiperbólico pelo fato de que neste último o módulo de deformação (e
consequentemente as tensões para certo carregamento) é dependente do nível de
confinamento do solo. Num processo interativo, a indeslocabilidade do apoio faz
com que as tensões confinantes naquela região aumentem com o carregamento (ou
no mínimo não sejam reduzidas), o que garante um acréscimo no carregamento
localizado, mesmo em relação à concentração de tensões decorrente dos
deslocamentos da estrutura.
69
É possível questionar a validade do resultado do modelo hiperbólico com
base na comparação com os valores experimentais, que são muito mais próximos
dos resultados obtidos por meio do modelo elasto-plástico em se tratando das
tensões na região da ancoragem. No entanto, deve-se levar em consideração que os
parâmetros de entrada foram obtidos do único ensaio disponível pelo autor, o de
compressão edométrica. Ainda assim, com exceção para a força na ancoragem, os
demais resultados se aproximaram razoavelmente dos resultados experimentais.
c) O acréscimo gradual das tensões na região ativa abaixo da cota de
dragagem, cujo limite é o valor correspondente a K0. Este efeito decorre da
limitação das deformações próximas do pé da cortina, mas não foi observado nos
resultados experimentais de ROWE (1952).
d) A pequena diferença entre os resultados da análise da cortina com e
sem o apoio no pé. Não há como afirmar, no entanto, se essa diferença se manteria
pequena no modelo físico. Além disso, o autor dos experimentos não forneceu
detalhes suficientes para a comparação.
e) A disparidade significativa entre os diagramas de empuxo passivo
obtidos nas análises numéricas e nos experimentos. Certamente este é o ponto que
exige maior atenção na discussão, visto que ROWE (1952) obteve diagramas muito
próximos de uma distribuição trapezoidal. É provável outros fatores possam ter se
associado para influenciar nesse diagrama de tensões, como instrumentação
deficiente, aumento de rigidez da cortina em função da sua montagem em chapa
dupla (funcionando numa rigidez intermediária entre o valor da soma das rigidezes
das duas chapas e o valor da rigidez de uma seção solidarizada) e restrição lateral
da estrutura.
Ao integrarmos as curvas apresentadas por Rowe, no entanto, nota-se que
não se pode atender ao equilíbrio de momentos na cortina sem a hipótese de uma
força atuante no pé da cortina. Além disso, os diagramas passivos obtidos
numericamente estão de acordo com outros resultados numéricos apresentados na
literatura recente. A força Ts, no entanto, não pode ser aferida no modelo numérico
pelo fato de a cortina ser modelada por meio de elementos finitos unidimensionais
(elementos de barra ou viga).
70
f) A ocorrência de momentos fletores negativos na região da ficha. Isso
ocorre porque em determinada profundidade, o diagrama líquido de empuxo retorna
para o lado ativo da estrutura. Esse comportamento foi observado por
TSCHEBOTARIOFF (1949) e também no estudo de flexibilidade de ROWE (1952)
e tem que ver com a subida da resultante passiva. Além disso, como será visto na
seção posterior, seções ainda mais rígidas que a utilizada aqui apresentaram
momento negativo.
São apresentados nas Figura 4-14 e Figura 4-15 os resultados numéricos
(DT1 e DT2) considerando-se o deslocamento “livre” das ancoragens (Yield).
71
(a)
(b)
Figura 4-14: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT1 com ancoragem deslocável
72
(a)
(b)
Figura 4-15: Diagramas de a) distribuição de tensões e b) momento fletor e
deslocamentos do modelo numérico DT1 com ancoragem deslocável
73
Os modelos com ancoragem deslocável têm como principal diferença em
relação aos modelos com ancoragem indeslocável o perfil de deslocamentos da
cortina. Estes tiveram um acréscimo nos seus valores máximos da ordem de 100%.
Apesar de os deslocamentos no topo da cortina serem grandes e apontarem para um
estado ativo de tensões ao longo de toda a região da ancoragem, não se observou a
quebra total da concentração de tensões nessa região. Apesar de em menor
proporção que no caso com ancoragem indeslocável, ainda há giro da cortina acima
da ancoragem deslocável, ensejando a mobilização de tensões pouco acima da
condição ativa.
Os momentos fletores máximos foram levemente menores que os obtidos por
ROWE (1952), ao passo que as tensões na região passiva do solo mantiveram a
mesma aparência que nos casos sem deflexão da ancoragem, ou seja, com
mobilização elevada de tensões e subida de resultante passiva.
Resume-se na Tabela 4-5 os valores das forças e momentos envolvidos nas
análises de distribuição de tensões sem e com deflexão total da ancoragem. Em
geral, os resultados numéricos a partir do modelo elasto-plástico se aproximaram
mais dos resultados experimentais. Isto pode ser decorrente da insuficiência de
parâmetros conhecidos para a entrada de dados do modelo Hardening Soil no
programa utilizados para as análises.
Também é interessante notar que, apesar de ter incluído um apoio adicional
no pé da cortina nos seus ensaios, ROWE (1952) não apresenta valores das reações
nesse apoio nem informa se o mesmo foi liberado durante a realização dos ensaios
(aqui considerou-se que não). Além disso, os diagramas de empuxo aferidos nos
experimentos não permitem o equilíbrio da cortina. Para tanto, são apresentados
valores para o efeito combinado de Ts e Fb (reação no apoio inferior), necessário
para esse equilíbrio.
74
Tabela 4-5: Resultantes e esforços de flexão nos modelos físicos e experimental
Modelo Força/Esforço
Sem
deflexão
Com
deflexão
DT1 DT2 DT1 DT2
Experimental – Rowe (1952)
Ra (kN/m) 1,99 3,52 2,08 3,10
Rp (kN/m) 1,12 1,27 1,12 1,27
Fa (kN/m) 0,64 1,99 0,57 1,38
Ts + Fb (kN/m)* 0,24 0,26 0,39 0,46
Mmáx (kNm/m) 0,15 0,14 0,19 0,18
Numérico – Modelo Elasto-
Plástico
Ra (kN/m) 2,71 4,25 2,64 4,08
Rp (kN/m) 2,02 2,01 2,17 2,35
Fa (kN/m) 0,72 1,94 0,64 1,62
Fb (kN/m) 0,11 0,36 0,05 0,28
Mmáx (kNm/m) 0,16 0,15 0,16 0,18
ΔManc/((1-β)H)
(kN/m)** -0,14 -0,25 -0,21 -0,3
Numérico – Modelo
Hiperbólico
Ra (kN/m) 2,77 4,76 2,60 3,95
Rp (kN/m) 2,26 2,24 2,40 2,48
Fa (kN/m) 0,84 2,43 0,72 1,67
Fb (kN/m) 0,02 0,17 0,06 0,11
Mmáx (kNm/m) 0,15 0,12 0,14 0,15
ΔManc/((1-β)H)
(kN/m)** -0,34 -0,28 -0,46 -0,38
* Valores positivos para o sentido definido na Figura 3-8.
** Valores positivos para o mesmo sentido de Ts.
Por outro lado, tampouco o equilíbrio de momentos no modelo numérico
pode ser garantido simplesmente pelo cálculo dos produtos das resultantes com seus
respectivos braços de alavanca na configuração indeformada. Nota-se na Tabela 4-5
que ΔManc (diferença do momento em torno do ponto de ancoragem calculado com
a configuração indeformada da cortina e o valor esperado para o equilíbrio, ou seja,
0) tem ordem de grandeza igual ou superior ao momento fletor máximo. Além
disso, a força aplicada no pé necessária para o equilíbrio (ΔManc/((1-β)H)) tem
sentido contrário a Ts, isto é, atuaria empurrando a cortina no sentido da ruptura.
75
Visto que a força Ts é inexistente nas análises numéricas, o desequilíbrio de
momento de corpo rígido observado só pode ser explicado pela ocorrência de
efeitos de segunda ordem. Esses efeitos podem ter pelo menos três origens. O
carregamento vertical, incluindo o peso da cortina (Figura 4-16a), que, para
deslocamentos e carregamentos pequenos, é desprezível. Em segundo lugar, o
próprio empuxo lateral (Figura 4-16b), que produziria uma redução no momento
pelo fato não atuar mais perpendicular ao braço de alavanca c. Por fim, o atrito
desenvolvido ao longo da cortina (Figura 4-16c). Os braços de alavanca c e d
podem ser da ordem de grandeza da altura da cortina e, por isso, podem produzir
efeitos relevantes.
(a) (b) (c)
Figura 4-16: Origens dos efeitos de segunda ordem
76
ROWE (1952) também propõe um fator de introdução de momentos na
cortina que é de segunda ordem, mas decorre da tendência de retificação da cortina
gerada pela interação entre os empuxos no pé da estrutura e ao longo do cabo de
ancoragem, não se aplicando para determinados casos de geometria e carregamento.
Esse efeito pode ser computado indiretamente por meio da combinação dos efeitos
de segunda ordem apresentados na Figura 4-16.
A Tabela 4-5 também mostra que, com exceção do momento fletor, as
análises numéricas forneceram resultados numericamente superiores aos observados
no trabalho de referência.
4.3.2 Flexibilidade
As análises numéricas de flexibilidade contemplaram, a exemplo de ROWE
(1952), apenas os casos com deflexão livre da ancoragem. São apresentados nas
Figuras Figura 4-17 a Figura 4-20 os gráficos normalizados de momento para cada
um dos grupos de análise indicados na Tabela 4-4, juntamente com os resultados
experimentais, que foram indicados pela letra R. Nos gráficos a seguir, a hierarquia
de traços indica a flexibilidade da cortina (a linha mais espessa corresponde à seção
mais rígida e a linha menos espessa à seção mais flexível).
77
Figura 4-17: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e flexibilidades (Log If) do grupo 1
78
Figura 4-18: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e flexibilidades (Log If) do grupo 2
79
Figura 4-19: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e flexibilidades (Log If) do grupo 3
80
Figura 4-20: Momentos fletores normalizados para diferentes cotas de dragagem e flexibilidades (Log If) do grupo 4
81
Note-se que, em geral, os valores numéricos apresentam consistência entre
si, mas não se aproximam dos resultados experimentais, com poucas exceções. A
dispersão dos resultados numéricos em relação aos resultados experimentais pode
ser verificada nas curvas de redução de momento mostradas nas Figuras Figura
4-21 e Figura 4-22, onde:
refmáx
máxM
M
MF
,
(4-5)
O momento fletor máximo tomado como referência foi o momento máximo
calculado segundo o MAL utilizando-se a teoria clássica de Coulomb, com δ =
2ϕ/3.
Figura 4-21: Comparação entre as curvas de redução de momentos propostas por Rowe
e os resultados numéricos dos grupos 1 e 2
82
Figura 4-22: Comparação entre as curvas de redução de momentos propostas por Rowe
e os resultados numéricos dos grupos 3 e 4
As Figuras Figura 4-21 e Figura 4-22 mostram que os momentos fletores
obtidos por meio das análises numéricas foram mais sensíveis ao parâmetro α (cota
relativa de dragagem) que os resultados experimentais. Essa tendência difere
bastante dos resultados apresentados por ROWE (1952), visto que ele observou
uma variação da ordem de 10%Mmáx entre experimentos com α variando de 0,6 a
0,8, o que justificava a adoção de curvas médias de redução de momento,
equivalentes a α = 0,7.
Nota-se também que as análises numéricas dos grupos 3 e 4 apresentaram
momentos fletores bem mais reduzidos se comparados às análises dos grupos 1 e 2.
A diferença predominante entre esses grupos foi o nível de ancoragem, que se
situava a uma profundidade de 20%H para os grupos 3 e 4, contra ancoragens
posicionadas no topo da cortina para os outros casos.
Além disso, enquanto os resultados dos grupos 3 e 4 situaram-se
predominantemente abaixo das curvas de redução propostas por Rowe, os
resultados dos grupos 1 e 2 situaram-se predominantemente acima delas, inclusive
excedendo os próprios valores oriundos do cálculo clássico para cotas de dragagem
máximas.
83
Esses momentos acima do cálculo clássico podem ser explicados por meio
da não mobilização do atrito total disponível (2ϕ/3), bem como da atuação de
momentos de segunda ordem. No entanto, valores de α = 0,8 não refletem
condições reais de projeto. Desta forma, a massa de pontos úteis apresentados na
Figura 4-21 já se aproxima bem das curvas de redução de momento.
Os casos envolvendo solos fofos, diferentemente do observado
experimentalmente, apresentaram momentos pouco menores que os casos com solos
compactos. Todos os resultados, no entanto, situaram-se acima dos valores
correspondentes ao cálculo segundo o método dinamarquês, descrito na seção 3.2.2.
Parece, no entanto, razoável adotar-se maior cautela na utilização dos fatores
empíricos de redução no caso com vãos efetivos maiores. Por outro lado, diversos
autores que realizaram estudos experimentais em cortinas flexíveis comprovaram a
relevância da rigidez do solo neste tipo de problema, exigindo cuidados redobrados
na introdução de parâmetros de deformação nos programas de cálculo.
84
5 ESTUDO PARAMÉTRICO DE CASO HIPOTÉTICO
Foi desenvolvido um estudo paramétrico para uma cortina ancorada
hipotética, embora com dimensões e carregamento realistas. O objetivo foi
investigar os efeitos dos principais parâmetros da modelagem, comparando seus
resultados com aqueles apresentados no capítulo anterior.
Os parâmetros envolvidos no estudo são:
a) Módulo de deformação do solo, sendo tanto constante como variável com
a profundidade;
b) Rigidez da estrutura, determinada por escolha de seções comerciais de
estacas-pranchas de aço;
c) Deslocabilidade da ancoragem e
d) Ficha, que tem influência direta sobre o fator de segurança da obra
(ruptura passiva do solo à sua frente) e sobre a movimentação da cortina
(apoio livre ou fixo).
5.1 DESCRIÇÃO DO CASO
Escolheu-se para o estudo paramétrico uma geometria semelhante a um dos
casos apresentados por TORRES (2014). A estrutura analisada tem altura de
contenção de 10 m, com uma linha de ancoragens situada à profundidade de 1,5 m e
o nível d’água na profundidade de 3 m em ambos os lados da cortina. Adotou-se
como sobrecarga de retroárea o carregamento de 30 kN/m², indicado pela NBR
9782:1987 (cancelada no ano de 2015, porém sem substituição até a data desta
pesquisa).
As análises numéricas simularam seis solos granulares, três deles com
módulos de deformação constantes e outros três com módulos variáveis ao longo da
profundidade. Apesar de esses solos possuírem parâmetros de resistência similares,
eles diferem na compressibilidade, que é o objeto do estudo em questão. O modelo
de comportamento do solo escolhido foi o Mohr-Coulomb (elasto-plástico perfeito).
Resumem-se na Tabela 5-1 os parâmetros do solo, da cortina, da ancoragem
e da ficha utilizados nas análises. Já Figura 5-1 apresenta a geometria do problema
e os módulos de deformação utilizados para cada um dos solos e a sua variação com
a profundidade. Os parâmetros de resistência apresentados na Tabela 5-1 foram
escolhidos arbitrariamente, guardando apenas semelhança com o caso estudado por
TORRES (2014).
85
Tabela 5-1: Parâmetros de entrada para as análises numéricas
Parâmetros do solo
Solo/Parâmetro Módulo, E γsat = γnat
(kN/m³) ν ϕ ψ δ
Compacto Econst.comp.
18,0 0,3 35°
5°
0,7 ϕ
Evar.comp.
Medianamente
compacto
Econst.med.
- Evar.med.
Fofo Econst.fofo
Evar.fofo
Parâmetros da cortina (Estudo de flexibilidade)
Seção* I
(m4/m)
EI
(kNm²/m)
If
[m4/(kNm
2/m)]
A
(m²/m)
EA
(kN/m)
w
(kN/m/m)
1 - Eq. Perfil
CAZ 38-700N /
AZ 18-700
2,57E-03 5,40E+05 0,121 4,28E-
02 8,99E+06 3,36E+00
2 - Eq. Perfil
AZ-50 1,21E-03 2,54E+05 0,258 0,0322 6,76E+06 2,53E+00
3 - Eq. Perfil
PU-22 4,95E-04 1,04E+05 0,630 0,0183 3,84E+06 1,44E+00
4 - Eq. Perfil
GU-13N 2,66E-04 5,58E+04 1,174 0,0127 2,67E+06 9,97E-01
5 - Eq. Perfil
GU-8N 1,28E-04 2,69E+04 2,436 0,0103 2,16E+06 8,09E-01
Parâmetros da ancoragem (Estudo da ancoragem)
Ancoragem EA (kN/m) A (cm²/m) L (m)
Aflex. 1,00E+05 4,76
20,0
Asemi-flex. 2,50E+05 11,90
Ainter. 5,00E+05 23,81
Asemi-rígid. 7,50E+05 35,71
Arígid. 1,00E+06 47,62
Parâmetros da cortina (Estudo da ficha)
Ficha D (m) If [m4/(kNm²/m)] EI (kNm²/m)
F1 4,3
0,630
6,64E+04
F2 5 8,04E+04
F3 6 1,04E+05
F4 7 1,33E+05
F5 8 1,67E+05
*Perfis disponíveis no catálogo Arcelor Mittal
Por meio do cálculo preliminar segundo o MAL, determinou-se a ficha da
cortina, bem como o momento fletor máximo e a força na ancoragem. Os valores de
cálculo são apresentados na Tabela 5-2
.
86
Tabela 5-2: Valores calculados segundo o MAL
Método Ficha, D (m) FS Mmáx (kNm/m) Fa (kN/m)
MALRankine 6,0
1,57 590,4 186,2
MALCoulomb 4,69 532,4 167,9
As seções 1 a 3 foram escolhidas da seguinte maneira. Dimensionou-se a
seção de aço segundo o momento de 540 kNm/m (sem majoração), obtendo-se o
perfil 3 (PU-22). Depois foram obtidos os demais perfis considerando faixas de
acréscimo ou decréscimo de inércia em relação ao perfil inicial, para levar em conta
a flexibilidade da estrutura no estudo.
Figura 5-1: Geometria e módulos de deformação utilizados no caso hipotético
Quanto às ancoragens, escolheu-se uma faixa de variação de rigidez de
maneira que as deformações nesses elementos apresentassem faixa de variação com
ordens de grandeza de H/500 a H/5000. A modelagem dos elementos de ancoragem
foi feita por meio de apoio do tipo extremidade fixa, cujo comportamento é o de
uma mola, introduzindo na cortina apenas uma força dependente do deslocamento
naquele ponto.
87
No estudo da influência do apoio inferior, escolheu-se um valor de If
intermediário. A partir deste valor, foram calculados valores de EI fictícios com o
objetivo de fazer com que, independente do comprimento da ficha, o índice de
flexibilidade da estrutura permanecesse invariável. Assim, pôde-se avaliar a
influência pura da extensão do apoio sem que a flexibilidade da cortina
apresentasse um efeito acoplado.
Apresenta-se na Figura 5-2 um esquema do modelo numérico adotado para o
estudo paramétrico. Foram utilizados elementos isoparamétricos triangulares de 15
nós, sendo que a malha foi refinada nas proximidades da cortina.
A sequência evolutiva das análises envolveu quatro estágios sucessivos de
dragagem, sendo cada um deles de 2,5 m de altura de solo em frente à cortina e, por
fim, a aplicação da sobrecarga na retroárea.
Figura 5-2: Modelo numérico do estudo paramétrico
São apresentados a seguir os resultados do estudo paramétrico, sendo que
eles foram agrupados em três tópicos: estudo da flexibilidade da cortina, estudo da
deslocabilidade da ancoragem e estudo do apoio inferior.
88
5.2 RESULTADOS DO ESTUDO DE FLEXIBILIDADE
O estudo de flexibilidade para o caso hipotético proposto envolveu a
utilização de cinco seções comerciais de aço (de acordo com o especificado no
Quadro 5-1) e buscou avaliar a resposta da estrutura em termos de empuxo lateral,
momentos fletores, forças de ancoragem e deslocamentos frente à variação da
rigidez à flexão da cortina. Vale ressaltar que neste estudo utilizou-se apenas um
valor de rigidez da ancoragem que é o valor intermediário da faixa mostrada no
Quadro 5-1, ou seja, a ancoragem Ainter, correspondente a um nível de deflexão da
ordem de H/2000.
Juntamente com a flexibilidade, a influência da lei de variação do módulo de
deformação do solo (Figura 5-1) também será estudada. Isto porque utilização do
parâmetro constante por vezes é uma simplificação desnecessária, e carece de
investigação.
5.2.1 Influência da flexibilidade na distribuição das tensões
São apresentados nas Figuras Figura 5-3 a Figura 5-5 os diagramas de
empuxo de terra na cortina do caso hipotético. As figuras são agrupadas em duplas
de solo com mesma compacidade, mas cujos módulos tem distribuições diferentes
ao longo da profundidade. O dégradé das curvas representa a flexibilidade variável
da cortina, sendo a cor mais escura correspondente à seção mais rígida (S1) e a cor
mais clara à seção mais flexível (S5).
89
Figura 5-3: Distribuição de tensões com a flexibilidade da cortina em solo compacto
90
Figura 5-4: Distribuição de tensões com a flexibilidade da cortina em solo medianamente compacto
91
Figura 5-5: Distribuição de tensões com a flexibilidade da cortina em solo fofo
92
A concentração de tensões na região da ancoragem é tanto maior quanto
mais flexível é a estrutura. Isto significa que o apoio superior da cortina é mais
solicitado que o esperado pela teoria clássica à medida que se reduz a rigidez da
estrutura. Note-se também que os modelos com módulo de deformação variável
com a profundidade apresentam curvas de distribuição mais suaves na região ativa,
bem como concentrações de tensões menores que para os casos com módulo
constante ao longo da profundidade.
Por outro lado, o diagrama de tensões na região passiva da cortina é
ligeiramente mais suave para as seções mais rígidas. O formato geral dos diagramas
é semelhante, mas a resultante passiva para as seções mais flexíveis é localizada
ligeiramente acima para as seções mais flexíveis em função da maior concentração
de tensões na parte superior do diagrama. Observe-se também que a mobilização do
solo em frente à cortina é muito próxima da condição limite no terço superior da
ficha, quando então as tensões reduzem-se para valores próximos dos valores dados
por K0.
Já na região do vão central da cortina as tensões são correspondentes à
condição ativa no caso das seções mais rígidas. No caso das seções mais flexíveis,
todavia, as tensões são menores que os valores dados por Ka. Essa redução chega à
ordem de 50% no caso da seção mais flexível. A partir da cota de dragagem, no
entanto, as tensões voltam a aumentar, eventualmente se aproximando da condição
de repouso no pé da cortina.
Portanto, três efeitos caracterizam a distribuição das tensões em função da
flexibilidade da cortina. O primeiro deles é a concentração de tensões na região do
apoio superior, que faz aumentar a solicitação da ancoragem. Em segundo lugar,
tem-se a distribuição não-triangular de tensões à frente da ficha, causando a subida
da resultante passiva e reduzindo os momentos. Por fim, tem-se o alívio das tensões
no vão da estrutura em decorrência da flexão da mesma, o que também contribui
para a redução do momento fletor no vão.
93
No que se refere à variação do módulo de deformação do solo com a
profundidade, esta atenua a primeira e a última características mencionadas acima.
Não produz, todavia, significativa diferença no diagrama passivo em comparação
com os casos que envolvem módulo constante. Vale ressaltar, entretanto, que a
adoção de um módulo crescente com a profundidade com o intuito de simular o
efeito do nível de tensões não leva em consideração o alívio das tensões com a
dragagem da cortina, visto que o módulo permanece inalterado durante todo o
cálculo evolutivo.
5.2.2 Influência da flexibilidade nos momentos fletores
Conforme discutido na seção anterior, o aspecto dos diagramas de empuxo
na estrutura depende da sua própria flexibilidade e, portanto, tem influência sobre
os momentos fletores, como demonstraram vários autores em outras pesquisas,
especialmente ROWE (1952). Apresenta-se na Figura 5-6 a variação dos momentos
fletores nos modelos numéricos deste estudo em função da flexibilidade da
estrutura e também da deformabilidade do solo.
Figura 5-6: Variação dos momentos fletores com a flexibilidade da cortina
94
Nota-se que, à semelhança dos resultados apresentados na seção 4.3.2
(Figura 4-22) os momentos fletores na estrutura situaram-se muito abaixo dos
valores oriundos da redução proposta por ROWE (1952). Desta forma, mesmo o
dimensionamento da estrutura, mesmo por meio do método empírico, demonstra-se
conservador. Note-se também que a utilização de módulos de deformação variáveis
aproxima os momentos da curva de Rowe para solo compacto.
Os resultados aqui apresentados são ainda mais otimistas que aqueles
apresentados por BILGIN (2012), que obteve momentos fletores da ordem de 35%
menores que os obtidos segundo a redução de Rowe. Além disso, apesar de as
curvas de redução terem sido obtidas com a utilização de ancoragem deslocáveis,
será visto a seguir que esse fator não tem influência muito significativa no
momento fletor máximo. Esse aspecto também foi demonstrado nas análises de
distribuição de tensões na seção 4.3.1, onde os momentos obtidos numericamente
quase não se alteraram entre os casos com e sem deflexão da ancoragem.
5.2.3 Influência da flexibilidade na solicitação da ancoragem
São apresentadas na Figura 5-7 as curvas de variação de Fa com a rigidez da
cortina para o caso hipotético.
Figura 5-7: Variação de Fa com a flexibilidade da cortina
95
Os resultados demonstram como a solicitação da ancoragem cresce à medida
que se reduz a rigidez da seção empregada. O acréscimo sobre a solicitação
calculada chega a ser da ordem de 35% para os solos mais compactos e seções mais
flexíveis. Além disso, o cálculo de Fa segundo a teoria clássica só é satisfatório
para as cortinas de rigidez muito alta.
A majoração de carga na ancoragem sugerida na literatura varia entre 30% a
70%, no entanto este acréscimo também inclui a redistribuição de carga entre
ancoragens por condições excepcionais de funcionamento da mesma ou de resposta
do solo (TSCHEBOTARIOFF, 1962; TENG, 1962; TSINKER, 1983; US STEEL,
1984).
Curiosamente, Fa demonstrou ser mais sensível à forma de variação de E no
solo que à magnitude de E. Este fato está relacionado com a suavização da
distribuição de tensões ativas observada nas Figuras Figura 5-3 a Figura 5-5. No
caso das seções mais rígidas, valores de Fa menores que os calculados pela teoria
clássica podem ser explicados pela mobilização do diagrama passivo diferenciado
(não-triangular), que absorve parte da solcitação.
ROWE (1952) apresentou diagramas de cômputo de Fa em função da
flexibilidade nos quais a solicitação decresce com a flexibilidade da cortina (Figura
5-8). A adoção dessa redução não é recomendável diante dos resultados mostrados
na Figura 5-7, que sugerem o oposto. A crítica à proposta daquele autor resulta no
fato de que a deflexão das ancoragens durante a realização dos seus ensaios foi feita
manualmente, visando à obtenção do momento fletor máximo. Na prática, as
deformações podem não alcançar níveis tão altos, como também aponta BILGIN
(2012).
96
Figura 5-8: Redução de Rowe para a força na ancoragem (adaptado de TERZAGHI,
1954)
5.2.4 Influência da flexibilidade nas deformações da cortina
A influência da flexibilidade nas deformações máximas da cortina pode ser
verificada na Figura 5-9.
Figura 5-9: Variação das deformações máximas na estrutura com a flexibilidade
97
Note-se que a variação de dmáx com a flexibilidade é significativa, da ordem
de 400% para todos os casos. Além disso, a tendência é que a deformação cresça
rapidamente a partir de If = 1. Os resultados foram também mais sensíveis à
compacidade do solo que à sua lei de variação com a profundidade, variando, para
aquele parâmetro, em torno de 100% do solo mais compacto para o solo mais fofo.
Os perfis de deformação para todos os solos e todas as seções estudadas são
apresentados nas Figuras Figura 5-10 a Figura 5-12, sendo que eles foram
agrupados e representados de maneira semelhante à da distribuição das tensões
(seção 5.2.1).
98
Figura 5-10: Perfis de deformações com a flexibilidade da cortina em solo compacto
99
Figura 5-11: Perfis de deformações com a flexibilidade da cortina em solo medianamente compacto
100
Figura 5-12: Perfis de deformações com a flexibilidade da cortina em solo fofo
101
É interessante notar, por meio dos perfis de deslocamentos acima, as origens
dos dois tipos distintos de deformações que ocorrem nesse tipo de estrutura (Figura
3-15). As cortinas mais rígidas estão predominantemente sujeitas às deformações
decorrentes da rotação da estrutura em torno da ancoragem. À medida que se
aumenta a flexibilidade da seção, passam a exercer maior importância as
deformações oriundas da flexão. No entanto, mesmo as cortinas mais flexíveis
apresentam a mesma componente rotacional de deformação.
No que se refere aos deslocamentos acima do nível de ancoragem, verifica-
se que, em função da flexão no vão central, a região do balanço superior é
empurrada contra o solo, dando ensejo à concentração de tensões observada nos
diagramas da seção 5.2.1. Conclui-se que a mobilização passiva do solo acima da
ancoragem advém do efeito de flexão, e não de giro da cortina. Isso pode ser
verificado pelo fato de as cortinas mais rígidas apresentarem deslocamentos no
balanço sempre positivos, gerando, portanto, tensões nessa região próximas da
condição ativa.
Outro aspecto interessante é que os deslocamentos rotacionais da cortina são
mais sensíveis ao emprego do módulo constante com a profundidade. Por outro
lado, os deslocamentos de flexão são mais sensíveis ao emprego do módulo
variável.
5.3 ESTUDOS DE DESLOCABILIDADE DA ANCORAGEM
Conforme discutido na seção 4.3.1, a deslocabilidade do sistema de
ancoragem tem influência importante sobre a distribuição de empuxo lateral na
região ativa da cortina, e os efeitos decorrentes dessa interação resultam tanto na
redução dos momentos fletores por alívio das tensões no vão central como no
acréscimo da solicitação da ancoragem por concentração de tensões nas
proximidades do ponto de aplicação da força. Também foi verificado na seção 5.2
que a flexibilidade da estrutura exerce grande influência sobre as solicitações da
estrutura.
102
O estudo da deformabilidade da ancoragem objetiva esclarecer um pouco
mais a respeito dessa interação. Para tanto, foram analisadas numericamente
estruturas com vários graus de deslocabilidade do apoio superior, traduzido pela sua
rigidez (Tabela 4-1), bem como três das seções estudadas na seção 5.2, isto é, a
mais rígida, a mais flexível e a intermediária. Quanto ao módulo de deformação,
foram utilizados apenas os módulos constante e variável do solo medianamente
compacto.
5.3.1 Influência da ancoragem na distribuição de tensões
Esta influência já foi estudada na seção 4.3.1 deste trabalho. Em resumo, a
deslocabilidade do sistema de ancoragem limita ou não as deformações na região
desse apoio e pode causar solicitação no solo acima da condição Ka, ou mesmo
acima de K0. No entanto, concluiu-se também, por meio dos resultados
apresentados na seção 5.2 que, para determinado grau de deslocabilidade da
ancoragem, os efeitos na distribuição de tensões são mais atenuados ou mais
acentuados, dependendo da rigidez da cortina.
Por exemplo, tomemos a ancoragem utilizada na seção 5.2, correspondente a
níveis de deslocamento duas vezes maiores que os necessários para destruir os
efeitos de concentração de tensões e arqueamento nos experimentos de ROWE
(1952). À medida que diminui a rigidez do solo e se aumenta a da cortina,
especialmente nos casos com módulo variável, a estrutura se aproxima dos
diagramas obtidos pela teoria clássica. Por outro lado, à medida que se aumenta a
flexibilidade e a rigidez do solo, a estrutura tende a desenvolver concentrações e
alívios de tensões decorrentes da flexão.
Resta-nos avaliar, então, a importância relativa da deslocabilidade da
ancoragem frente aos efeitos da flexibilidade da cortina. Essa importância será
avaliada segundo os resultados apresentados a seguir.
103
5.3.2 Influência da ancoragem nos momentos fletores
Apresenta-se na Figura 5-13 a variação dos momentos fletores com a
deslocabilidade da ancoragem.
Figura 5-13: Variação do momento máximo com a deslocabilidade da ancoragem
Os resultados demonstram que o esforço máximo de flexão é mais sensível à
flexibilidade da seção que ao deslocamento da ancoragem. Além disso, a
importância da ancoragem tende a se anular com o aumento da flexibilidade da
estrutura. Assim, apesar de as curvas de redução propostas por ROWE (1952)
haverem sido obtidas com ancoragens muito deslocáveis, verifica-se que as mesmas
podem ser utilizadas para o projeto de cortinas com ancoragens de deslocabilidade
variada, desde que a seção obtida no cálculo não seja muito rígida.
Se, no entanto, a distribuição de E com a profundidade aproximar-se do
modelo variável aqui estudado, pode-se afirmar que a deflexão da ancoragem não
tem influência significativa no cálculo dos momentos e, portanto, pode ser
desprezada. E pelo fato de as curvas Log If vs. FM (Figura 5-6) situarem-se sempre
abaixo da proposta de Rowe, pode-se garantir que, mesmo com momentos
reduzidos, a estrutura está segura para qualquer flexibilidade adotada. É por este
motivo que as rupturas documentadas de cortinas de cais quase nunca envolvem
casos de colapso por incapacidade à flexão.
104
5.3.3 Influência da ancoragem na sua própria solicitação
A variação de Fa com a deflexão da ancoragem é apresentada na Figura 5-14,
incluindo valores para diferentes seções de rígida a flexível.
Figura 5-14: Variação da solicitação da ancoragem com a sua deflexão
Como se observa, o aumento da deslocabilidade da ancoragem está
associado à redução da sua solicitação. No entanto, a diferença entra as curvas S1,
S3 e S5 aponta para uma ligeira maior importância da flexibilidade da estrutura.
Para exemplificar, a variação máxima observada de Fa com δanc é da ordem de 30%
de Fa,MAL, que é a ordem de grandeza da mínima variação de Fa com a flexibilidade
da seção. Além disso, a suavização da distribuição de tensões na região ativa pela
utilização do módulo variável reduz ainda mais a importância da deflexão da
ancoragem na solicitação Fa.
Vale lembrar que o apoio superior foi modelado como uma mola, portanto a
relação entre δanc e 1/EAanc é linear. No entanto a solicitação Fa é não-linear, por
causa da mobilização do solo. Isso explica a forma não retilínea das curvas da
Figura 5-14, que só é aproximadamente alcançada nos casos extremos de rigidez da
cortina (rigidez máxima com E constante ou rigidez mínima com E variável).
105
5.3.4 Influência da ancoragem nos deslocamentos
A influência qualitativa da deslocabilidade do sistema de ancoragem pode
ser observada por meio da comparação dos perfis de deslocamentos apresentados na
seção 4.3.1. Como efeito do deslocamento do apoio, a cortina é livre para girar em
torno do apoio inferior. Desta forma, os deslocamentos máximos que eram
determinados pela flexão da cortina, também passam ser grandemente influenciados
pela rotação da mesma.
Já a influência quantitativa da deslocabilidade da ancoragem sobre os
deslocamentos máximos é apresentada na Figura 5-15.
Figura 5-15: Variação dos deslocamentos máximos na cortina com a deslocabilidade da
ancoragem
Observa-se que os deslocamentos máximos dependem significativamente da
deslocabilidade da ancoragem, no entanto o fator de maior importância permanece a
flexibilidade da estrutura. A variação de dmáx ao longo da faixa de variação de δanc é
da ordem de 100%, ao passo que dmáx varia de 3 a quatro vezes mais a depender da
flexibilidade da estrutura.
Por outro lado, a utilização de módulo de deformação variável ou constante
não tem influência significativa nos deslocamentos, como se observou também no
estudo de flexibilidade (seção 5.2.4).
106
5.4 ESTUDOS DO APOIO INFERIOR
Com o intuito de estudar um pouco mais a respeito da influência do apoio
inferior da cortina (ficha), realizou-se um estudo do mesmo por meio da análise do
caso hipotético descrito na seção 5.1 com embutimentos de tamanhos crescentes
(Tabela 5-1). A ficha mínima utilizada nas análises foi de 4,3 m, que corresponde
ao valor mínimo necessário para a garantia do equilíbrio da cortina segundo o MAL
com o uso da teoria de Rankine. Já a maior ficha analisada teve 8 m de
comprimento.
A Figura 5-16 apresenta a variação de FS com a ficha da estrutura do caso
hipotético. Considerou-se, nos cálculos segundo a teoria de Coulomb e de Caquot &
Kérisel, ângulo de atrito solo-cortina igual a 2/3 ϕ.
Figura 5-16: Valores de FS vs. ficha segundo o MAL para diferentes teorias empuxo
Note-se que, para a faixa em estudo, o fator de segurança da estrutura cresce
linearmente com a ficha utilizada. Além disso, o FS calculado por meio da análise
segundo a teoria de Coulomb é três vezes superior ao FS calculado segundo a teoria
de Rankine. Sabe-se, por outro lado, que a teoria de Coulomb superestima os
valores de empuxo passivo. O cálculo segundo a teoria de Caquot & Kérisel
aproxima-se mais da realidade por considerar uma superfície de ruptura es espiral
logarítmica.
107
A influência da mobilização de atrito nos valores de FS mostra importância
da sua consideração no cálculo de estruturas flexíveis como as cortinas de cais.
BOWLES (1977) argumenta que, dadas as deformações típicas deste tipo de
estrutura, o cálculo segundo a teoria de Rankine passa a ser muito antieconômico.
Por outro lado, este pode ser um dos principais motivos pelos quais estruturas como
o píer de Aalborg subsistem, mesmo sendo consideradas subdimensionadas.
5.4.1 Influência da ficha na distribuição de tensões passivas
A Figura 5-17 apresenta distribuições de tensões passivas para as diferentes
fichas estudadas, considerando-se apenas o caso de solo medianamente compacto
com módulo constante.
Figura 5-17: Distribuições de tensões passivas para diferentes comprimentos de ficha
108
Note-se na figura anterior que o formato dos diagramas permaneceu bastante
semelhante aos apresentados na seção 5.2.1. Ou seja, permanece a tendência de
concentração de tensões próximas da linha do passivo no terço superior da ficha,
com subsequente redução em direção ao valor correspondente a K0. Além disso,
apesar de a ficha do modelo F1 ter sido projetada com FS = 1, o diagrama passivo
mobilizado foi menor que o esperado. Isso porque o empuxo passivo mobilizado
pode ser aliviado por meio da subida da sua resultante – que se reflete no equilíbrio
de momentos – e da concentração de força na ancoragem – que se reflete no
equilíbrio de forças.
5.4.2 Influência da ficha nos momentos
A extensão do apoio inferior não está apenas relacionada com a segurança da
estrutura, mas também com o tipo de restrição que resulta da interação com o solo.
Como hipótese básica do MAL tem-se que a extensão da ficha é tal que fornece
restrição completa aos deslocamentos do pé. Essa restrição gera inversão dos
momentos fletores, reduzindo assim o momento máximo positivo no vão central.
Na Figura 5-18 são apresentados os diagramas de momento fletor dos
modelos com diferentes fichas, somente para o caso de solo medianamente
compacto com módulo constante.
Figura 5-18: Momentos fletores nos modelos com diferentes fichas
109
Pelo fato de o momento máximo positivo não apresentar variação
significativa para os cinco casos, conclui-se que o seu valor praticamente independe
da extensão da ficha. Note-se também que os momentos fletores negativos máximos
aumentaram com os embutimentos. No caso da flexibilidade, os momentos
positivos e negativos variam mais sensivelmente, mas a tendência de restrição não
passa a existir a partir de determinada rigidez.
Apresenta-se na Figura 5-19 a variação do momento máximo com a razão
D/H, para o caso de solo medianamente compacto.
Figura 5-19: Variação do momento máximo com a extensão relativa da ficha
Como se observa, com o aumento da ficha em cerca de 90%, o momento
máximo central reduziu-se não mais que 10% em relação ao valor teórico dado pelo
MAL. Já a diferença entre os modelos com módulo constante e variável foi da
ordem de 5% de Mmáx. Diante disso, o projeto segundo o MAL é
desnecessariamente conservador para os solos de média a baixa compressibilidade,
em virtude do efeito de redução oriundo da flexão da cortina (TERZAGHI, 1954).
5.4.3 Influência da ficha na solicitação das ancoragens
A Figura 5-20 apresenta a variação de Fa com o acréscimo de ficha da
cortina para o caso de solo medianamente compacto.
110
Figura 5-20: Variação da solicitação da ancoragem com a extensão relativa da ficha
Observa-se que a solicitação da ancoragem diminui com o acréscimo da
ficha. A variação total de Fa para um acréscimo de 86% de D foi da ordem de 40%,
variação semelhante à encontrada no estudo de flexibilidade. Essa redução também
está de acordo com a previsão dos métodos clássicos, já que o MAL fornece
menores valores de Fa que o MAL.
Outro aspecto importante do projeto é que o acréscimo de ficha que se inclui
no projeto para levar em conta efeitos de dragagem excessiva, erosão por correntes
e propulsores etc. favorece o desempenho das ancoragens. Por outro lado, a perda
acidental de ficha pode levar a rupturas do sistema de ancoragem, mesmo que a
resistência passiva seja garantida.
5.4.4 Influência da ficha nos deslocamentos da cortina
O perfil de deslocamentos horizontais da cortina com ficha variável é
apresentado na Figura 5-21, somente para solo medianamente compacto.
111
Figura 5-21: Perfil de deslocamentos horizontais em modelo com ficha variável
Verifica-se que a deformação máxima no vão central da cortina corresponde
à ficha mais curta, bem como a maior mobilização passiva do solo acima da
ancoragem. Este último explica porque os três menores valores de D/H ofereceram
solicitações na ancoragem maiores que os determinados pela teoria clássica.
Além disso, o modelo com maior ficha, mesmo tendo apresentado dupla
inversão de momento e tensões da ordem de K0 na região do pé, não tangenciou a
linha vertical da estrutura indeformada. Esta última é parte das hipóteses do MAL
(seção 3.1.4). No entanto, se considerarmos a componente de deformação devido à
rotação de corpo rígido, definida pela linha tracejada, notamos que a cortina tem a
tendência de tangenciar essa linha. A hipótese referida, então, pode não ser
verificável na análise tensão-deformação por causa dos deslocamentos globais do
modelo.
Apesar de os modelos F1 a F5 terem If iguais, a deformação oriunda da
flexão foi da ordem de 2 vezes maior para o modelo F1 em comparação ao modelo
F5. Essa diferença está associada com a maior restrição à rotação oferecida pela
ficha mais extensa. Já a diferença entre os modelos com módulo constante e
variável foi desprezível.
112
6 CONCLUSÕES E SUGESTÕES
6.1 CONCLUSÕES
6.1.1 Sobre o Capítulo 4
Nesse capítulo foram analisados numericamente os ensaios em modelo
reduzido de ROWE (1952). Dois modelos numéricos foram utilizados na análise da
distribuição de tensões na cortina e 18 nas análises de flexibilidade. Os modelos
constitutivos Mohr-Coulomb e Hardening Soil foram usados na modelagem
numérica do solo para as análises de distribuição de tensões, enquanto apenas o
modelo Mohr-Coulomb foi usado nas análises de flexibilidade.
Conclui-se que a redistribuição das tensões nas cortinas ocorre devido ao
giro das tensões principais atuantes no solo. Esse giro de tensões é possibilitado
pela mobilização de atrito entre o solo e a cortina e é responsável tanto pelo
acréscimo de empuxo acima da ancoragem e abaixo da cota de dragagem, como
pela redução de empuxo no vão central da cortina.
As analises numéricas forneceram maiores empuxos laterais e maiores
cargas na ancoragem, porém menores momentos fletores que os observados por
Rowe. Esses empuxos e cargas apresentaram, no entanto, desequilíbrio de
momentos de corpo rígido calculados segundo a configuração indeformada, que
pode ser oriundo dos efeitos de segunda ordem. Esses efeitos não devem ser
menosprezados porque a rotação da cortina pode produzir braços de alavanca de
magnitude apreciável.
Houve pouca diferença entre os resultados das análises com modelos
constitutivos diferentes (Mohr-Coulomb e Hardening Soil), com exceção para as
tensões na região das ancoragens. Nessa região, o modelo Hardening Soil produz
tensões maiores que as tensões obtidas por meio do modelo Mohr-Coulomb,
resultando em cargas superiores nas ancoragens. No entanto, o diagrama de empuxo
ativo de tensões obtido com o modelo Mohr-Coulomb aproximou-se mais do
diagrama obtido por Rowe.
113
Comparando os diagramas de empuxo passivo, a maior discrepância é notada
no diagrama trapezoidal medido por Rowe. As análises numéricas mostraram
consistentemente diagramas com área maior e de centroide mais elevado. Nessas
análises, o apoio adicional inferior que existe no modelo não pareceu influenciar
nesse aspecto. Outros fatores, não levados em consideração nas análises numéricas,
podem ter se associado para produzir o diagrama passivo observado por Rowe. Por
outro lado, dificuldades na atribuição dos parâmetros de deformação podem ter
influência significativa no formato dos diagramas passivos obtidos numericamente.
Aparentemente, a redução empírica de momentos fletores de ROWE (1952)
pode ser utilizada em projetos correntes, visando à economia no dimensionamento
da seção da cortina. Deve-se, no entanto, ter cautela nos casos de cortinas com vãos
muito grandes e fichas curtas. Pode ser vantajoso utilizar teorias de ruptura (e.g.
BRINCH-HANSEN, 1953) no cálculo de cortinas, visto que essas teorias fornecem
valores da ordem ou menores que os momentos com redução empírica e
permanecem com segurança acima de certos limites inferiores (e.g. Sociedade
Dinamarquesa).
6.1.2 Sobre o Capitulo 5
Esse capítulo apresenta estudo paramétrico de um caso hipotético de cortina
ancorada onde foram avaliados os efeitos da deformabilidade do solo, a
flexibilidade da cortina, a rigidez da ancoragem e a extensão do apoio inferior. As
análises envolveram 6 módulos de deformação do solo, 5 seções comerciais de
cortinas de aço, 5 rigidezes de ancoragem e 5 comprimentos de ficha.
Pode-se concluir que os diagramas de empuxo apresentam concentração de
tensões na região da ancoragem, alívio de tensões no vão da cortina e concentração
de tensões passivas nas proximidades da cota de dragagem, evoluindo em direção à
linha K0 no pé da cortina. Essa distribuição pode ser adequadamente descrita pelos
coeficientes de empuxo propostos por BILGIN (2012).
A redistribuição das tensões no vão da cortina e principalmente na região da
ancoragem é dependente da flexibilidade da estrutura. Ao ser fletida, a cortina
comprime o solo acima da ancoragem, gerando um empuxo com coeficiente
consideravelmente maior que Ka nessa zona. O acréscimo de carga na ancoragem,
devido à concentração de tensões gerada pela flexão da cortina, pode achegar a 35%
em relação àquela calculada pelo Método do Apoio Livre (MAL).
114
A indeslocabilidade da ancoragem também produz acréscimos significativos
na carga, da ordem de 20-30% do valor calculado segundo o MAL. Por sua vez, o
acréscimo de ficha alivia a solicitação do apoio superior; no entanto, esse alívio não
deve ser levado em conta em projetos cujas premissas incluam a perda acidental de
embutimento da cortina.
Não se recomenda a utilização das curvas de redução da carga da ancoragem
com a flexibilidade propostas por ROWE (1952), já que elas estão condicionadas a
uma deslocabilidade excessiva da ancoragem, realizada manualmente durante os
experimentos.
Os momentos fletores obtidos numericamente estiveram abaixo dos valores
dados pelas curvas de redução de ROWE (1952), concordando com as conclusões
apresentadas na seção 4.4.2, e também com resultados numéricos de outros autores.
Não parece necessário caracterizar a rigidez da ancoragem para a utilização da
redução de momento, já que a mesma se mostrou sem influência significativa. Além
disso, as curvas de redução foram obtidas para a condição mais desfavorável de
momento, que é aquela com maior deslocabilidade da ancoragem.
Na distribuição de momentos, o apoio inferior apenas exerce influência na
magnitude dos momentos negativos, não produzindo diferença nos momentos
positivos. Concorda-se assim com TERZAGHI (1954) que afirmou não ser
vantajoso aplicar-se o Método do Apoio Fixo (MAF) no projeto de cortinas, visto
que a redução do momento devido à flexibilidade da cortina fornece resultados
satisfatórios.
No que se refere aos deslocamentos da estrutura, sua parcela devida à flexão
é preponderantemente determinada pela flexibilidade da estrutura, enquanto a
parcela devida à rotação é determinada pela compressibilidade do solo. A utilização
de módulos variáveis produz maior diferença nesta segunda parcela das
deformações. As ancoragens exercem papel secundário nesse aspecto, cooperando
com a parcela de rotação da cortina em torno do pé (deslocamento do topo). Já a
ficha (apoio inferior) restringe parte das deformações de flexão à medida que
aumenta, pois limita severamente as rotações da seção. Porém, não apresenta
tendência de aumentar a restrição aos deslocamentos do pé como postulado nas
hipóteses básicas do MAF. Acredita-se, no entanto, que isso seja causado pelos
deslocamentos globais do modelo.
115
6.2 SUGESTÕES PARA OUTRAS PESQUISAS
Sugere-se uma extensão da investigação numérica e/ou experimentalmente
da influência dos efeitos de segunda ordem na interação solo-estrutura de cortinas
flexíveis. Essa investigação pode diferenciar as três origens apresentadas na Figura
4-16, ou estudá-las em conjunto.
Sugere-se também uma investigação de campo, com instrumentação de uma
ou mais cortinas de cais, com o objetivo de colher mais informações sobre:
a) Níveis de deformação típicos dos sistemas de ancoragens utilizados no
Brasil, com o objetivo de aperfeiçoar a modelagem numérica de cortinas
ancoradas;
b) Nível de solicitação das seções em aço das cortinas para verificar se, de
fato, as previsões de momentos mais baixos, dadas pelas análises
numéricas, são realistas;
c) Características dos parâmetros de deformação e resistência dos solos em
obras de portos.
116
7 REFERÊNCIAS
ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9782 (1987).
Ações em estruturas portuárias, marítimas ou fluviais. Rio de Janeiro, ABNT, 1987.
ARCELOR MITTAL, Estacas Pranchas Metálicas Laminadas a Quente: Catálogo
Geral 2010. 2010. Disponível em <http://sheetpiling.arcelormittal.com/page/index/
name/cad-download>. Acesso em: 11 abr. 2016.
ARCELOR MITTAL, Piling Handbook. 9th
Edition, Luxenbourg, Imprimerie Centrale,
2016.
BAUMANN, P. “Analysis of sheet-pile bulkheads”, ASCE Transactions, v. 100, pp.
707-797, 1935.
BILGIN, Ö., ERTEN, M. B. “Analysis of anchored sheet pile wall deformations”. In:
Proceedings of the International Foundation Congress and Equipment Expo, pp.
137–144, Orlando, 2009.
BILGIN, Ö. “Lateral earth pressure coefficients for anchored sheet pile walls”,
International Journal of Geomechanics, v. 12, n. 5, 2012.
BJERRUM, L., CLAUSEN FIRMANN, C. J., DUNCAN, J. M. "Earth pressures on
flexible structures - A state-of-the-art report". In: Proceedings of the 5th
European
Conference on Soil Mechanics and Foundation Engineering, v. 2, Madrid, 1972.
BLUM, H. Einspannungsverhältnisse bei Bohlwerken. Berlin, W. Ernst & Sohn,
1931.
BLUM, H. Beitrag zur Berechnung von Bohlwerken. Berlin, W. Ernst & Sohn, 1951.
BOWLES, J. E. Analytical and computer methods in foundation engineering. New
York, McGraw-Hill, 1974.
BOWLES, J. E. Foundation analysis and design. 2nd
Edition. New York, McGraw
Hill, 1977.
BRINCH-HANSEN, J. Earth pressure calculation. Copenhagen, Danish Technical
Press, 1953.
BRINCH-HANSEN, J. “The philosophy of foundations design: design criteria, safety
factors and settlement limits”. In: Symposium on Bearing Capacity and Settlements
of Foundations, pp. 9-13, Durhan, 1965.
BRINKGREVE, R. J. B. Plaxis 2D – Version 8. Delft, AA Balkema Publishers, 2002.
CHADEISSON, R. “Parois continues moulées dans le sols”. In: Proceedings of the
European Conference on Soil Mechanics and Foundation Engineering, v. 2, pp.
563-568, Paris, 1961.
CLAYTON, C. R. I., MILITITSKY, J. Earth pressure and earth retaining
structures. 1st Edition, London, Surrey University Press, 1986.
117
CLAYTON, C. R. I., WOODS, R. I., BOND, A. J., MILITITSKY, J. Earth pressure
and earth-retaining structures. 3rd
Edition, London, CRC Press, 2013.
CORNFIED, G.M. “Sheet Pile Structures”. In: WINTERKORN, H.F., FANG, H.Y.
(eds), Foundation Engineering Handbook, 1st Edition, New York, Litton Educational
Publishing, 1975.
CUR. Publikatie 166: Damwanconstructies. 6e druk. Delft, SBR CUR, 2012.
DAY, R. A., POTTS, D. M. “Modelling sheet pile retaining walls”, Computers and
Geotechnics, v. 15, n. 3, pp. 125–143, 1993.
DANZIGER, F.A.B. Métodos clássicos de cálculo de cortinas. Notas de aula da
disciplina de Estruturas de Contenção. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 2014.
DESAI, C. S., ABEL, J. F. Introduction to the finite element method: A numerical
method for engineering analysis. New York: Van Nostrand Reinhold, 1972.
DISMUKE, T. D. "Retaining structures and excavations". In: FANG, H-Y. (ed.),
Foundation Engineering Handbook, 2nd
Edition, New York, Van Nostrand Reinhold,
1991.
DUNCAN, J. M., CHANG, C.-Y., (1970). “Nonlinear analysis of stress and strain in
soil”, ASCE Journal of the Soil Mechanics and Foundation Division, v. 96, pp.
1629-1653, 1970.
EHLERS, H. Beitrag sur Statischen Berechnung von Spundwanden. Hamburg,
1910.
FINE. Geo5 Online Help – Standards and Analysis Methods. 2016. Disponível em:
<http://www.finesoftware.eu/help/geo5/en/standards-and-analysis-methods-01/>.
Acesso em: 27 jun. 2016.
GIBBONS, E. F., JASPER, P. R. Analytical comparison of anchored bulkhead
design theories. M.Sc. Thesis, Princeton University, Princeton, 1954.
GONCHAROV, Y. M., "Design of thin walls and consideration due to soil
redistribution along wall height", Foundations and Soil Mechanics, n. 5, in Russian
(translated into English), 1962.
JAKY, J. “Pressure in soils”. In: Proceedings of the 2nd
International Conference on
Soil Mechanics and Foundation Engineering, v. 1, pp. 103-107, 1948.
LASEBNIK, G. E. Investigation of anchored sheet-pile bulkheads. Ph.D. Thesis (In
Russian), Kiev Politechnical Institute, Kiev, Ukraine, 1961.
LASEBNIK, G. E. Monitoring soil-structure interaction: instruments for
measuring soil pressures. Springer – Dordrecht, 1998.
MENARD, L. "The Menard Pressuremeter: Interpretation and application of the
pressuremeter test results to foundations design", Sols-Soils, n. 26, 1975.
118
OHDE, J. "Sur Theorie des Erddruckes Unter Besonderer Berucksichtingung der
Erddruckvereiling", Bautechnick, n. 10/11, 13, 19, 25, 37, 42, 53/54, 1938.
ONER, M. Deep Dark Secrets of Geotechnical Engineering. 1997. Disponível em:
<http://www.ejge.com/iGEM/Trivia.htm>. Acesso em: 20 mar. 2015.
PECK, R.B. “Earth pressures measurements in open cuts Chicago subway”,
Transactions ASCE, v. 108, pp. 1008-1036, 1943.
PECK, R.B. “Deep excavations and tunneling in soft ground”, In: Comptes-rendus du
VII CIMSTF, v. d’état de l’art, pp. 225-290, Mexico, 1969.
POTTS, D. M., FOURIE, A. B. “The effect of wall stiffness on the behavior of a
propped retaining wall”, Geotechnique, v. 35, n. 3, pp. 347–352, 1985.
POTTS, D.M., ZDRAVKOVIC, L. Finite element analysis in geotechnical
engineering – Theory. London, Thomas Telford, 1999.
POTTS, D.M., ZDRAVKOVIC, L. Finite element analysis in geotechnical
engineering – Application. London, Thomas Telford, 2001.
ROWE, P.W. “Anchored sheet-pile walls”, Proceedings of the Institution of Civil
Engineers, v.1, n. 1, pp. 27–70, 1952.
ROWE, P.W. “Sheet-pile walls at failure”, Proceedings of the Institution of Civil
Engineers, v. 5, n. 3, pp. 276-315, 1956.
ROWE, P.W. Discussion on "Earth pressures on flexible structures - A state-of-the-art
report" In: Proceedings of the 5th European Conference on Soil Mechanics and
Foundation Engineering, v. 2, Madrid, 1972.
SCHANZ, T. Zur Modellierung des Mechanischen Verhaltens von
Reibungsmaterialen. Habilitation, Stuttgart Universität, 1998.
SCHMITT, P. “Méthode empirique d'evaluation du coefficient de reaction du sol vis-á-
vis des ouvrages de soutènement souples”, Revue Francaise de Géotechnique, v. 71,
pp. 3-10, 1995.
SEED, H. B., MITCHELL, J. K. Design of anchored bulkheads. Notas de aula do
curso de Mecânica dos Solos Avançada. Editado por Willy Alvarenga Lacerda.
Berkeley, University of California, 1968.
SIMPSON, B., POURIE, W. “Embedded retaining walls: theory, practice and
understanding”. In: 15th
International Conference on Soil Mechanics and
Geotechnical Engineering, Istanbul, Aug/2001.
SKEMPTON, A. W. “Earth pressure, retaining walls, tunnels and strutted excavations”.
In: Proceedings of the 3rd
International Conference on Soil Mechanics and
Foundation Engineering, v. 2, pp. 353–361, 1953.
STROYER, R. N. "Earth Pressure on Flexible Walls", Journal of the Institution of
Civil Engineers, v. 1, n. 1, pp. 94-139, 1935.
119
TENG, W.C. Foundation Design. New Jersey, Prentice Hall, 1962.
TERZAGHI, K. Theoretical Soil Mechanics. New York, John Wiley & Sons, 1943.
TERZAGHI, K. “Anchored Bulkheads”, ASCE Transactions, v. 119, p. 1243-1280,
1954.
TERZAGHI, K. “Evaluation of coefficients of subgrade reaction”, Géotechnique, v. 4,
n. 4, pp. 297-326, 1955.
TORRES, A. R. Estudo da modelagem de estruturas de contenção de obras
portuárias. Dissertação de mestrado, Programa de Engenharia Civil, COPPE/UFRJ,
Rio de Janeiro, 2014.
TSCHEBOTARIOFF, G.P. Large scale earth pressure tests with model flexible
bulkheads. Princeton University Report, Princeton, 1949.
TSCHEBOTARIOFF, G. P. Soil mechanics, foundations and earth structures. New
York: McGraw Hill Book Company, Inc., 1951.
TSCHEBOTARIOFF, G.P. “Retaining Structures”. In: LEONARDS, G. A. (ed.),
Foundation Engineering, McGraw-Hill, 1962.
TSCHEBOTARIOFF, G. P. Foundations, retaining and earth structures. 2nd
Edition.
New York, McGraw Hill, 1973.
TSINKER, G. P. "Anchored sheet pile bulkheads: Design practice", ASCE Journal of
Geotechnical Engineering, v. 109, n. 8, pp. 1021-1038, 1983.
TSINKER, G.P. Handbook of port and harbor engineering: geotechnical and
structural aspects. 1st Edition. New York, Chapman & Hall, 1997.
U.S. ARMY CORPS OF ENGINEERS. Engineering and design - Design of sheet pile
walls. Manual No. 1110-2-2504. Washington, USACE, 1994.
US STEEL. Steel sheet piling design manual. US Dept. of Transportation (FHWA),
1984.
VANECKOVA, V., LAURIN, J., PRUSKA, J. “Sheeting wall analysis by the method
of dependent pressures”. In: Geotech, 7, Hanoi, 2011.
YAROPOLSKI, L. V. “Field and laboratory investigations of strength and stability of
sheet piles included in sheet pile bulkhead”, Proceedings IIVT, v. 155, 1935.
120
APÊNDICE 1 – DEDUÇÃO DA EQUAÇÃO DO FS PARA A VARIAÇÃO 2
DO MÉTODO DO APOIO LIVRE
Seja a cortina de geometria indicada abaixo, executada num solo granular
homogêneo seco de peso específico γ, ângulo de atrito ϕ e coeficientes de empuxo
ativo Ka e passivo Kp.
Diagramas de empuxo do problema
Conforme argumentado no item 3.1.3.2, quando obtém-se uma ficha t por
meio da solução da Equação 3-6 e multiplica-se a mesma por um fator Fd com o
objetivo de prover à estrutura uma margem de segurança contra a ruptura do solo na
região passiva, a simples relação
2
2
, t
D
K
KFS
mp
p
(3-8)
não corresponde à realidade, visto que há também um acréscimo de empuxo ativo
(área cdgf).
121
Hipótese: Todo o acréscimo de empuxo ativo é equilibrado pela resultante
passiva real. Assim, para garantir a estabilidade da estrutura, basta que o diagrama
real mobilizado de empuxo passivo seja igual ao diagrama de empuxo passivo de
cálculo (triângulo abc) mais o diagrama adicional de empuxo ativo (trapézio cdgf).
Segue a dedução do FS real.
cdgfabcaef AAA
Mas,
mpaef KDA ,
2
2
1
pabc KtA 2
2
1
aacdgf KtDtDHKtHDHA 2222'2
2
1''
2
1
Assim,
apmp KtDtDHKtKD 222
,
2 '22
1
2
1
2
1
Resolvendo para Kp,m,
2
222
2
222
,
'2
2
1
'22
1
2
1
D
KtDtDHKt
D
KtDtDHKt
Kap
ap
mp
Agora, com o FS definido de acordo com a relação entre os coeficientes de
empuxo passivo limite e mobilizado, temos:
tDHtDKKt
DK
K
KFS
ap
p
mp
p
'22
2
, (3-9)
122
Apresenta-se a seguir uma comparação entre os fatores de segurança real, o
FS calculado pela Equação 3-8 e o FS calculado pela Equação 3-9 (aqui deduzida)
com o uso da teoria de Rankine. Entenda-se por FS real a relação entre os
coeficientes de empuxo limite e mobilizado, calculado a partir do equilíbrio da
cortina. O caso hipotético para comparação é o caso estudado no Capítulo 5, isto é,
uma cortina com altura livre de 10 m, nível d’água a 3 m de profundidade e
sobrecarga de retroárea de 30 kN/m².
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4 4,5 5 5,5 6 6,5 7 7,5 8 8,5
FS
Ficha, D (m)
FS real
FS tradicional (Eq. 3-8)
FS deduzido (Eq. 3-9)
Comparação entre FS calculado e estimado
Note-se que a Equação 3-9, mesmo deduzida para o caso sem sobrecarga e
sem lençol freático, se aproxima muito do FS real, oferecendo uma estimativa
muito mais satisfatória que a relação tradicional (Eq. 3-8). A solução exata da
equação pode ser deduzida para o caso mais genérico, mas a equação aqui obtida
parece ser satisfatória na prática, como demonstrado na comparação.