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CENTRO UNIVERSITÁRIO INTERNACIONAL UNINTER Curso de Comunicação Social – Publicidade, Propaganda e Marketing ANA PAULA PEREIRA DA SILVA ESTUDO DE CONSUMO SOBRE A BEATLEMANIA CURITIBA 2012

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CENTRO UNIVERSITÁRIO INTERNACIONAL UNINTER

Curso de Comunicação Social – Publicidade, Propaganda e Marketing

ANA PAULA PEREIRA DA SILVA

ESTUDO DE CONSUMO SOBRE A BEATLEMANIA

CURITIBA

2012

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ANA PAULA PEREIRA DA SILVA

ESTUDO DE CONSUMO SOBRE A BEATLEMANIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade, Propaganda e Marketing ao Centro Universitário Internacional UNINTER.

Orientadora: Profª MSc. Máira de Souza Nunes

CURITIBA

2012

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos pelo carinho, paciência e apoio neste ano tão

difícil, mas que graças aos desafios consegui crescer e encarar a vida. Agradeço à

minha mãe, que pela ansiedade maior do que a minha para a finalização deste

projeto, fez com que eu tivesse forças para seguir minha caminhada. Aos meus

irmãos pelo incentivo, mesmo que muitas vezes tímido, e ao meu pai por sempre me

lembrar que eu ainda tenho muito para conquistar. Obrigada às minhas irmãs de

coração Talita, Adriane, Ana Lídia, Tiffany e Deisy por todas as vezes que eu precisei

estarem comigo de alguma forma. Obrigado ao irmão agregado Juan Diego, e muito

obrigada mesmo ao meu namorado pela paciência, apoio e carinho nestes últimos

meses.

E obrigada aos meus amigos cibernéticos, por não deixarem de me

acompanhar mesmo quando eu só compartilhava materiais relacionados à minha

pesquisa nas redes sociais, mesmo aos que preferem Molejo a Beatles. Agradeço

ao Rodrigo e ao Pablito pelas madrugadas no chat, Carolina Gianello por ouvir meus

surtos, Raphael Prugner, Fernando, Jeck, Liliana, Amanda Bozza e todos que

torcem por mim, na timeline ou na mesa de bar. Obrigada ao EdCarlos, da Beatles

College, por todas as vezes que pedi ajuda ter me socorrido, e aos entrevistados

Lizzie Bravo, Lucinha Zanetti, Marc Jean Venturini, BeatleLado, Kliff McBurtney e ao

webmaster do grupo Beatallica Michael Tierney (Thanks a lot, guys!).

Agradeço aos meus colegas de turma Lena, Fernando, Flávia, Fernanda,

Maria, Patrícia, Liliane, Taís, Diego, Matias, Thuany, Tati, Vivian e tantos outros que

durante os quatro anos que passamos aprendendo, sofrendo, rindo e chorando

juntos fizeram valer a pena a experiência universitária, pois só agregaram

positividades à minha vida. Obrigada ao Thiago Bodruk pela oportunidade de

crescimento e aprendizado conquistada na MarketBox. Agradeço aos mestres que

me acompanharam durante esta jornada, e pelas oportunidades e aprendizado que

tive com vocês Gustavo Lopes, Paulo Negri, Jack Holmer, Marcelo Oliveira, Patrick

Diener, Evary Leal, Jheison Holthausen, Eugênio Vince, Tatá Vaz. Mais do que

qualquer pessoa a professora que conquistou meu respeito, admiração e carinho,

muito obrigada pela orientação de vida Máira Nunes.

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“Living is easy with eyes closed,Misunderstanding all you see.

It's getting hard to be someone,

But it all works out;

It doesn't matter much to me.”

Strawberry Fields Forever

Lennon/McCartney

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RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo compreender os efeitos da indústria cultural e da cultura de massa aplicados à relevância dos Beatles na sociedade dos anos 60, analisando suas relações com os meios de comunicação e as tecnologias. Também é feito um estudo sobre as tecnologias atuais e sua importância para o contato dos fãs, principalmente para a troca de informações e experiências. A beatlemania surgiu a partir do sucesso da banda e tornou-se um negócio lucrativo. Mesmo após o fim do grupo em 1970, o fanatismo manteve o consumo de produtos relacionados aos Beatles e seus ex-integrantes. Atualmente, com as mídias digitais orientando os hábitos de consumo da sociedade, a já consolidada marca Beatles adaptou-se às tecnologias para manter o legado da banda contemporâneo, e seus fãs aproveitam as possibilidades que a internet trouxe para reunir informações, materiais e memórias sobre o grupo que inspirou gerações.

Palavras-chave: indústria cultural, cultura de massa, beatlemania, comunicação,

tecnologia.

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ABSTRACT

This paper aims to understand the effects of the cultural industry and mass culture applied to the Beatles’ relevance in the 60‘s society, examining their relationships with the media and technology. The author also made a study of current technologies and their importance to the contact of the fans, especially for the exchange of information and experiences. The Beatlemania came from the band's success and became a profitable business. Even after the group break up in 1970, fanaticism kept the consumption of products related to the Beatles and their former members. Nowadays, with digital media consumption habits guiding society, the already consolidated Beatles brand has adapted to technology to keep the band’s legacy contemporary, and their fans enjoy the possibilities that the internet brought to gather information, materials and memories about the group that inspired generations.

Keywords: cultural industry, mass culture, beatlemania, communication, technology.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: INFOGRÁFICO DE VENDAS DOS DISCOS (ARTE: MATIAS

..............................................................................................................PERUYERA) 15

FIGURA 2: ..................................................MERCHANDISING DA BEATLEMANIA 22

FIGURA 3: ............................................................... GRÁFICO DA CAUDA LONGA 28

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10

2 OS BEATLES ......................................................................................................... 14

...................................................................................2.1 A FORMAÇÃO DA BANDA 16

3 BEATLEMANIA ...................................................................................................... 21

.....................................................................................3.1 FEBRE DE JUVENTUDE 21

..........................................3.2 O FIM DE UM SONHO E O DESPERTAR DA MÍDIA 24

3.3 O PAPEL DA MÍDIA NA CONSTRUÇÃO DO ÍDOLO BEATLES E CULTURA

BEATLEMANIA........................................................................................................... 29

4 OS BEATLES NA ERA DIGITAL............................................................................ 35

................................................................................................4.1 A CAUDA LONGA 35

................................4.2 BEATLEMANIA 2.0: QUEM CONSOME BEATLES HOJE? 38

5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 45

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 47

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1 INTRODUÇÃO

A partir da década de 1950 o consumo de produtos voltados para jovens entre

13 e 19 anos fez surgir, através da demanda, um termo que passou a ser utilizado

como conceito para indústria de massa da época: teenager (adolescente). Uma

década depois, o mercado voltado para os jovens consumidores recebeu um

incentivo maior quando um quarteto que vivia na cidade de Liverpool começou a

fazer sucesso. Os Beatles, então, logo se tornaram instrumento da cultura de massa

a ponto de serem considerados uma das primeiras lovemarks da história, tornando-

os protagonistas de diversos acontecimentos de alta significância para a história da

comunicação, como a primeira transmissão ao vivo de televisão via satélite e a

produção de vídeos de divulgação, como precursores do videoclipe. Mesmo após

mais de 40 anos de anunciado o fim da banda, seu legado foi passado para as

novas gerações e até hoje possui comunidades engajadas em consumir a história, a

música e os conceitos apresentados pelo grupo nos anos 1960. As redes sociais

contribuem para a manutenção do mito, facilitando o encontro de informações entre

fãs que viveram a beatlemania em seu auge e os jovens que descobrem a cada dia

novas histórias sobre o grupo e utilizam as ferramentas sociais para disseminar suas

opiniões e homenagear a banda criando imagens, vídeos e músicas sobre a obra

dos fabfour.

Este trabalho pretendeu desenvolver uma análise sobre os efeitos do uso das

estratégias comunicacionais e das tecnologias aplicadas nos hábitos de consumo

dos adeptos à Beatlemania, termo usado como referência à tamanha reação do

público dos Beatles e ao seu sucesso. O problema de pesquisa questionou como foi

criada e mantida a relação de consumo e tecnologia na Beatlemania, visando entender como ocorreu e como se mantém os laços entre a banda, o consumidor e as tecnologias. Para a busca de uma solução, as hipóteses apresentadas foram:- A Beatlemania foi um produto criado pela indústria cultural.

- O uso das mídias disponíveis na época como cinema, tv, rádio e impressos criou o

culto dos fãs, e como consequência a Beatlemania.

- O acesso a internet e redes sociais mantém o culto à Beatlemania ativo como

cultura de nicho.

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O principal objetivo desta pesquisa foi estudar a evolução da cultura de

consumo através da Beatlemania. Especificamente buscou-se pesquisar hábitos de

consumo e comunicação massivos nos anos 60, investigar a influência dos Beatles

nos comportamentos da juventude, e analisar o papel da banda como ícones de

consumo na contracultura e na cibercultura.

A relevância da pesquisa consiste no estudo sobre a transformação dos

hábitos de consumo e expressão da sociedade, baseando-se na Beatlemania como

um dos fenômenos mercadológicos que se mantém e se adapta com o passar do

tempo. O estudo da cultura de massa é importante para a compreensão dos hábitos

de consumo da sociedade, sua relação com o efeito que a banda trouxe aos seus

seguidores e a forma como eles a interpretam atualmente através da internet e a

cultura de nicho. Analisar a evolução histórica do consumo da metade do século XX

até então torna-se essencial para a compreensão da sociedade atual e sua

adaptação aos meios digitais.

A metodologia foi desenvolvida através de pesquisas qualitativas, a

observação dos fatos e fatores que contribuíram para a adaptação e manutenção da

cultura de consumo Beatlemania, analisando as mudanças comportamentais da

juventude da década de 1960, comparada com as gerações atuais. Como

instrumentação teórica foi feita uma análise bibliográfica de Lovemarks de Kevin

Roberts e as biografias Os Beatles de Bob Spitz e The Beatles de Geofrey Stokes.

A análise foi feita a partir da pesquisa em plataformas virtuais como redes

sociais, blogs e microblogs. A observação etnográfica do virtual, chamada de

netnografia, segundo Kozinets (2010) “É netnografia adaptada às complexidades de

nosso mundo social contemporâneo, mediado pela tecnologia.” O autor ainda

ressalta o foco da pesquisa baseado no contexto e nas características culturais do

objeto de pesquisa.

A netnografia observa não apenas as palavras usadas em interações sociais, mas também os elementos do fórum, as características do comunicador, a linguagem, a história, o significado, o tipo de interação. Ela examina fontes, espaçamento, símbolos, textos, imagens, fotos e vídeos. (KOZINETS, 2010)

O processo de pesquisa netnográfica foi feito através da coleta de dados em

websites que registram índices de vendas de discos e paradas de sucesso desde a

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década de 1940, como Billboard e Official Charts Company. Também foram retiradas

informações como questionamentos de registros históricos da vida dos Beatles e

relatos dos fãs nos grupos de discussão Portal Beatles Brasil e The Beatles College

através da rede social Facebook e dos blogs oficiais dos grupos. A autonetnografia

foi um método de pesquisa adotado para analisar a interação entre os usuários nas

comunidades e blogs estudados, do ponto de vista da autora como parte da

comunidade, ou seja, usuária ativa nos objetos de estudo. O arquivamento de

informações coletadas e a organização do material foi através de pastas e

downloads no computador.

A autonetnografia é aqui compreendida como uma ferramenta reflexiva que

possibilita discutir os múltiplos papéis do pesquisador e de suas proximidades,

subjetividades e sensibilidades na medida em que se constitui como fator de

interferência nos resultados e no próprio objeto pesquisado. (...) A coleta de dados é

feita basicamente por meio de download e cópia de arquivos, sites etc, todos

organizados em pastas distintas por ano/comunidade no PC. Além disso, também

são arquivadas mensagens e eventuais conversas e entrevistas feitas via Gtalk ou

MSN. Ainda não utilizei o Skype para entrevistas, embora possa ser uma

possibilidade interessante. Outra forma de arquivamento é permitida pela utilização

dos posts dos blogs, todos disponíveis online. Em caso de algum dos informantes

encerrar seus perfis ou blogs, utiliza-se uma lista com os e-mails pessoais para

eventuais contatos (AMARAL, 2009).

Também foi utilizado, durante a pesquisa, coleta de entrevistas e depoimentos de

personalidades que mantêm sua relação com a Beatlemania através da internet, de

pessoas que conviveram com os Beatles a fãs que escrevem adquirindo outras

identidades na web, passando pelo integrante de uma banda que relaciona os

Beatles com um grupo de Heavy Metal adicionando uma conotação cômica em suas

músicas. Esse material foi coletado em sua maioria por e-mails, conversas por

mensageiros instantâneos e chamadas de audio e vídeo através do aplicativo

Skype, entre os dias 14/06/2012 a 11/11/2012.

Os resultados da pesquisa são apresentados em três capítulos. No primeiro capítulo

desenvolveu-se o contexto da juventude dos anos 1950, período no qual os jovens

de classe média branca deixaram de seguir os gostos e opiniões dos pais e

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passaram a ter identidade própria, fazendo com que a indústria passasse a investir

neles como um segmento comercial. Com o surgimento do rock and roll, estilo

musical marcado pela rebeldia, os adolescentes encontraram nas artes uma maneira

de expressar seus dilemas. Também é contada em detalhes a relação dos

integrantes dos Beatles com o rock and roll, e como John Lennon e Paul McCartney

deram início ao grupo que contribuiu para as mudanças estruturais no consumo e

comportamento da sociedade na década seguinte.

Após apresentar a banda e o contexto, analisou-se no segundo capítulo a forma

como eles se tornaram um fenômeno na Europa, o sucesso nos Estados Unidos,

com a ajuda de Brian Epstein, e um grande investimento da gravadora. Estes fatores

contribuiu para que alcançassem um patamar que as demais bandas de rock and roll

da região do rio Mersey não conseguiram. Durante os 10 anos de carreira,

mantiveram seus hits no topo das paradas de sucesso do mundo todo e criaram

legiões de fãs por onde chegavam, independe da forma. No Brasil, sua

popularização deu-se após o primeiro filme A Hard Day’s Night (Os reis do iê-iê-iê)

estreiar. Uma rápida e objetiva análise sobre como os meios de comunicação

influenciaram para que o grupo se tornasse em fenômeno é feita neste capítulo,

concluído com a constatação de que, mesmo após o fim da banda, os fãs mantém

grupos e fã clubes espalhados pelo mundo com o fim de guardar lembranças e

trocar informações e artigos da banda.

Voltado para a atualidade e os meios digitais, o último capítulo mostra a relação da

beatlemania com a internet, apresentando as diferenças comportamentais tanto do

público, que na web varia de novos fãs aos antigos apreciadores que viveram o

sonho em 1964, momento no qual a própria marca Beatles e Apple Corps

modificaram suas abordagens e adaptaram-se às novas plataformas para manter o

público entretido na magia que envolve os Beatles e sua história.

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2 OS BEATLES

A década de 1950 nos EUA foi marcada pelo surgimento de um estilo musical

dançante, que misturava o rhythm and blues da cultura negra e o country

disseminado entre os brancos de baixa renda que viviam nas áreas rurais do país.

Logo o rock and roll popularizou-se, revelando para o mundo artistas como Chuck

Berry, Little Richard, Bill Haley and The Comets, Buddy Holly e Elvis Presley. Aos

poucos o rock and roll deixou de ser um ritmo de negros e pobres e passou a ser

comercializado por grandes gravadoras, fazendo com que a juventude branca

adotasse o estilo. “Quando Rock around the clock, com Bill Halley e seus Cometas,

estourou através do filme Blackboard jungle (Sementes da violência), em 1955,

iniciou-se a comercialização da chamada ‘cultura rock’.” Logo o mundo todo

consumia rock and roll por meio de discos, filmes, roupas e acessórios que imitavam

os ícones da música e do cinema (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.19).

O surgimento dessa cultura de juventude inaugurou uma ruptura geracional

de costumes, pois pela primeira vez os jovens de classe média branca abandonaram

o modelo cultural de seus pais e passaram a criar e consumir um modelo próprio,

desenvolvendo um novo estilo de vida.

(...) Segundo alguns autores, o rock’n’roll funcionou como uma inversão psicológica na relação dominador(branco)/dominado(negro) que prevalecia na sociedade norte-americana. A cultura promovida pela juventude, a partir do rock’n’roll, seria uma forma de os jovens de classe média branca se colocarem como oprimidos em relação à sociedade estabelecida por seus pais, assumindo, mesmo que inconscientemente, certos valores da cultura negra como bandeira (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.20).

Elvis Presley foi o ícone musical que mais se destacou durante o período,

chegando a se tornar uma figura polêmica por demonstrar em suas apresentações

movimentos de quadril considerados inadequados.

A partir do seu terceiro show na televisão, lá pelos idos de 1957, ele só podia ser focalizado da cintura para cima, já que sua maneira rebolativa de dançar era considerada obscena e sua influência sobre a juventude poderia se tornar desagregadora. Notamos, portanto, a força dos meios de comunicação e da censura oficial ou não-oficial, que, ao se tornarem elementos de controle e transformação da cultura, ditam os limites de rebeldia permitidos pela sociedade, para que essa cultura possa ser comercializada sem o perigo de abalar os valores da ordem social estabelecida (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p. 21).

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No cinema o ícone foi James Dean, que representou a rebeldia e a resistência

ao conservadorismo em filmes como "Rebelde sem causa", "Sementes da violência"

e "Juventude transviada", filme este que o imortalizou, sendo lançado quatro dias

após sua morte em um acidente de carro em 1955.

Tudo que era preciso para a produção de um mito e sua permanência fora deixado por James Dean: Imagens dos seus filmes, fotos e textos sobre ele. Um fenômeno constituído a partir do desejo coletivo da juventude, uma confirmação de que algo de significativo ele representou, sendo preciso que isso continuasse vivo. Ele deixou algo em que a juventude pudesse reconhecer a si própria como a força vital independente, no interior de uma sociedade repressora (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.24).

Segundo Eric Hobsbwam (1995, p.318) essa autonomia dos jovens como

novo grupo social caracteriza-se pelo fato dos heróis que a simbolizam, em sua

maioria, terem marcado a história pela sua juventude. Artistas como James Dean,

Buddy Holly e mais tarde Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison morreram antes

dos 30 anos. Com os ídolos da geração deixando os palcos no auge de suas

carreiras, o sentimento dos jovens caracterizou-se no heroísmo comparado ao do

romantismo do século XIX, “onde a vida e juventude acabavam juntas”. Nos anos

1960 o grupo The Who eterniza em sua música My Generation o pensamento que

concorda com as afirmações de Hobsbawm, dizendo “I hope I die before I get old

(Talking about my generation)”1.

A literatura jovem da década de 1950 era avessa aos conceitos de rock and

roll clean e manipulável que inspirava a massa, autores como Jack Kerouac e Allen

Ginsberg falavam sobre a realidade que o cinema e a música cobriam com a

rebeldia mainstream. O movimento chamava-se beat, e contribuiu para a

contextualização das revoluções que viriam a ocorrer nos anos 1960.

O ser beat, por extensão, significava fluência, improviso, ausência de normas preestabelecidas na vida e na arte. Significava também a busca de um envolvimento profundo que traz música, balanço, liberdade e prazer, na procura da realidade marginal das minorias raciais e culturais no interior da sociedade norte-americana (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.26).

No interior da Inglaterra os jovens buscavam referências sobre o que

acontecia na América do Norte e consumiam o que chegava à eles; os discos de

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1 Em tradução livre: Eu espero morrer antes de envelhecer (Falando sobre minha geração).

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vinil e filmes como Juventude Transviada criaram a cultura da juventude. Em

Liverpool, o consumo da cultura rock misturava-se com o beat e a cultura local,

representado pelo Skiffle2, formando o estilo popular entre os jovens, que adotaram

também a atitude rock’n’roll sendo chamados então de Teddy boys, e entre os

baderneiros mais conhecidos da cidade estava John Lennon, futuro líder dos

Beatles.

2.1 A Formação da banda

A banda formou-se originalmente por John Lennon e alguns amigos como

um grupo de Skiffle, estilo musical criado a partir de instrumentos improvisados e de

tons semelhantes ao blues, bastante comum na época, devido a falta de recursos

para instrumentos sofisticados. O grupo se chamava The Quarrymen em referência

irônica ao hino da escola onde Lennon estudava. Em 1957, John Lennon, Eric

Griffiths, Pete Shotton, Bill Smith e Rod Davis se apresentaram durante uma

quermesse. Paul McCartney foi apresentado ao grupo e no mesmo dia John estava

convicto de que ele deveria entrar para a banda. Em março de 1958 George

Harrison juntou-se a eles, mesmo com a implicância de Lennon por ele ser mais

jovem (George tinha 15 anos enquanto John recém havia completado 18). Ringo

Starr tornou-se parte da banda apenas em 1962, quando os já consolidados Beatles

assinaram seu primeiro contrato com a gravadora Parlophone.

O grupo evoluiu musicalmente enquanto os jovens cresceram, adotando a

estética Rock And Roll e mudando o nome e a formação diversas vezes até

chegarem em The Beatles, com Lennon, McCartney, Harrison e Pete Best. Entre os

anos 1960 e 1962 excursionaram pela Europa fazendo shows em pubs e em sua

terra natal passaram a se apresentar no Cavern Club, onde no dia 9 de novembro de

1961 Brian Epstein, o dono de uma loja de discos e colunista no jornal Mersey Beat,

os conheceu. Epstein tornou-se empresário da banda e criou padrões de vestuário e

conduta nos palcos que foram essenciais para o sucesso do grupo, como o uso de

ternos, botas de bico fino e cabelos longos e limpos. Sabe-se que em seu escritório

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2 Skiffle: Estilo musical semelhante ao blues onde são utilizados instrumentos como contrabaixo feito de cabo de vassoura e uma tábua de lavar roupas.

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havia memorandos destinados à banda instruindo-os a não fumar, rir, comer ou

beber durante os shows. (STOKES, 1982, p.36)

O estilo musical da invasão britãnica precisava de um nome, e o escolhido foi merseybeat, uma junção de ‘Mersey’ (nome de um rio de Liverpool) e ‘beat’ (batida em inglês, que dava nome ao próprio estilo). Com o sucesso dos Beatles em Liverpool, as bandas de beat começaram a aparecer e o local mais famoso para vê-las era o Cavern Club. Enquanto isso, os executivos das gravadoras em Londres passaram a procurar bandas no estilo merseybeat em outras partes do país (VINIL, 2008, p.54).

Em julho de 1962, Epstein vai a Londres em busca de contrato com as

gravadoras e o produtor musical George Martin resolveu gravar com os Beatles pela

Parlophone, selo pertencente à EMI. Nesta mesma época Ringo Starr é convidado a

juntar-se ao grupo após a demissão do baterista Pete Best. Entre os meses de

setembro, novembro e dezembro de 62 e fevereiro de 1963 o primeiro disco de

estúdio foi gravado em Abbey Road, e em abril foi lançado “Please Please Me”,

ficando em 1º lugar por 30 semanas entre os mais vendidos no Reino Unido

Antes do lançamento do disco, os Beatles já tinham 2 singles3 lançados,

“Love Me Do” (em outubro de 1962) e “Please Please Me” (janeiro de 1963) que

ficou 18 semanas nas paradas de sucesso chegando à segunda posição no ranking

nacional. A partir disso eles começaram a trajetória para o estrelato, com

apresentações em emissoras de televisão e emplacando nas principais rádios da

Inglaterra entre as músicas mais pedidas começaram a chamar cada vez mais a

atenção dos veículos de comunicação, não apenas pela música como pelo estilo e

atitude construídos com o auxílio de Epstein que os diferenciava das bandas da

época.

Em abril de 1963 o single “From Me To You” atingiu a primeira posição,

mantendo-se entre os mais vendidos por 18 semanas. A partir daí começou a tomar

forma o que em um ano seria chamado de Beatlemania, como descreve Bob Spitz

na biografia da banda sobre uma apresentação no programa Jazz’n’Pop Festival da

BBC, transmitido ao vivo do Royal Albert Hall:

Os promotores do programa logo tiveram que lidar com a expectativa febril que cercava os Beatles, quando uma multidão compacta e ansiosa superlotou o teatro. Um murmúrio difuso, pontuado por assovios, tomou

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3 Singles: Compactos simples lançados para divulgação de músicas com alto potencial de sucesso, “músicas de trabalho”.

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conta do ambiente. Aqueles não eram os frequentadores habituais dos espetáculos, que se mantinham polidamente sentados ao longo de cada apresentação. Eram adolescentes em diversos graus de excitação - na maioria garotas - que se comportavam de maneira estranha, como se já se conhecessem. ‘Agiam assim porque tinham uma coisa em comum’, diz Tony Barrow, que não estava no teatro naquela noite. ‘Eram fãs dos Beatles’ (SPITZ, 2007, p.395).

A partir de 1964, com dois discos lançados e seis singles, os Beatles

tornaram-se febre no Reino Unido e partiram então para o continente americano.

Epstein negociou com Ed Sullivan três apresentações em seu programa, após este

ter presenciado no aeroporto de Londres o frenesi causado pela presença da banda.

Para trazer os garotos de Liverpool aos Estados Unidos de forma a não

passarem despercebidos, como acontecia com os artistas britânicos que buscavam

fama na América, Epstein convenceu a Capitol Records, subsidiária da EMI, a lançar

o single “I Wanna Hold Your Hand” em 13 de janeiro, e logo tornou-se primeiro lugar

nas paradas de sucesso, incentivando a gravadora a investir mais no grupo e em

sua divulgação:

Nas três semanas anteriores à chegada do conjunto aos EUA, ela investiu a soma, sem precedentes, de 50000 dólares em sua promoção, Trabalhando com Brian, contrataram dezesseis assessores de imprensa para a chegada iminente dos Beatles. Num passe de mágica, cartazes com as palavras ‘OS BEATLES ESTÃO CHEGANDO’ apareceram em todas as grandes cidades, e os disc-jóqueis importantes receberam não apenas o material habitual, mas também uma peruca beatle e um disco especial que lhes permitia fazer ‘entrevistas’ e receber as respostas nas próprias vozes liverpoolenses dos rapazes (STOKES, 1982, p.83).

Após as aparições no Ed Sullivan Show estava consolidada a Beatlemania. A

legião de fãs conquistados através da divulgação aliada ao carisma dos integrantes

fez com que os Beatles se tornassem um ícone de adoração, atualmente conhecido

como lovemark4. Nos anos seguintes, os Beatles se tornaram febre mundial e

juntamente com o contexto da época mudaram o discurso de suas músicas, que

passaram a focar cada vez mais a perspectiva de mundo da juventude. Em meio a

guerras e disputas por valores e posicionamentos políticos, criaram uma realidade

alternativa para a sociedade baseada na contracultura.

Durante os 10 anos de carreira os Beatles tornaram-se ícones da sua geração

pelo fato de seus estilos, tanto musical quando comportamental, expressarem o

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4 Lovemark: Conceito de Kevin Roberts que parte do princípio de que os consumidores criam uma relação de amor com as marcas, tornando-as presentes em suas vidas de maneira essencial.

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contexto cultural da época. Os jovens não buscavam mais cumprir os objetivos que

seus pais cumpriram por necessidade, não mantinham os mesmos pensamentos

que as gerações anteriores. As lutas pelos direitos humanos estavam acima de

governos e guerras, os jovens não queriam se posicionar de acordo com os padrões

da sociedade, queriam transformar e fazer com que o mundo se adaptasse a eles.

Surgia naquele momento a contracultura, movimento que agregou a contestação e

os experimentalismos dos jovens da época, no qual as atitudes eram mais

relevantes do que opiniões e no qual todos teriam direito a voz, independente de

raça, credo ou gênero.

Para compreender o contexto da época é preciso recorrer aos fatos históricos.

A Guerra Fria mantinha sobre pressão as duas potências mundiais, Estados Unidos

e União Soviética, que mesmo com opiniões totalmente extremas sobre o

funcionamento da sociedade, mantinham a disputa pelo controle mundial pelas

mesmas razões, o que fazia os jovens repensarem suas opiniões e buscarem novas

soluções aos seus questionamentos, como explicam Brandão e Duarte (2004, p.50):

A intenção fundamental dos movimentos de contracultura foi contestar a visão de mundo racional e bitolante que prevalecia na sociedade ocidental contemporânea. Afinal, capitalistas e comunistas, a partir de um controle burocrático, privado ou estatal, demonstravam ter mais coisas em comum do que eles próprios podiam acreditar.

Essa revisão de conceitos foi essencial para as mudanças ocorridas no

decorrer da década. A busca por maiores significados para a existência envolvia pontos da cultura oriental como meditação e espiritualidade misturados ao uso de drogas como LSD. O rock foi a trilha sonora do movimento e os Beatles

expressavam em sua música a psicodelia da época. O disco Sgt. Peppers Lonely

Hearts Club Band contava com o uso de orquestras, instrumentos indianos e efeitos

sonoros que eram inovadores, como os sons de animais em “Good morning, good

morning” e o clima circense criado em “Being for the benefit of Mr. Kite”. As

composições também fizeram parte da contracultura, a canção “Lucy in the sky with

diamonds” foi por muitos anos relacionada à droga de efeitos lisérgicos, mas

nenhum dos integrantes confirma.

A cultura ocidental foi amplamente questionada em seus valores políticos e morais, já que a contracultura estabelecera uma espécie de guerrilha cultural dentro do próprio sistema; um movimento espontâneo e insinuante

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que, se apossando dos meios de comunicação de massa ou criando uma imprensa alternativa, conquistou adeptos por toda a parte e ameaçou colocar a utopia no poder, estabelecendo o poder das flores (flower power) (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.51).

Enquanto se desenvolvia o conceito de contracultura, os jovens

adolescentes haviam sido recém descobertos como público de fácil alcance por ter

disposição para consumir o que as demais gerações consideravam supérfluo.

Segundo Hobsbawm (1995, p.318) “O surgimento do adolescente como ator

consciente de si mesmo era cada vez mais reconhecido, entusiasticamente, pelos

fabricantes de bens de consumo.” E assim passaram a consumir as músicas, estilos

e conceitos emitidos pelos artistas da época, o que fez dos Beatles, enquanto banda

de rock, tornarem-se o que o Elvis havia sido para eles na década passada: um

exemplo a ser seguido, um ídolo.

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3 BEATLEMANIA

3.1 FEBRE DE JUVENTUDE

A participação do grupo no programa do Ed Sullivan evidenciou o sucesso das

estratégias adotadas por Epstein na propagação da banda pelos Estados Unidos.

Logo diversos produtos relacionados aos Beatles estavam a venda, os fãs

consumiam qualquer produto que tivesse a imagem dos fab four estampada. Kevin

Roberts explica em seu livro "Lovemarks" que “O fato é que as marcas de amor são

criação e propriedade das pessoas que amam. Onde há um cliente apaixonado, há

uma marca de amor” (ROBERTS, 2005, p.71).

O filme I wanna hold your hand (Febre de juventude) de 1978 mostra, através

de um enredo baseado na realidade, os efeitos da cultura Beatles nos jovens em

fevereiro de 1964. A história mostra jovens de Nova Jersey dispostos a chegarem o

mais próximo possível dos integrantes da banda, envolvendo tentativas de entrada

no quarto de hotel onde os Beatles estavam e de conseguir ingressos para o Ed

Sullivan Show. Durante o filme observa-se o impacto da divulgação massiva e o

excesso de merchandising não licenciado comercializado por todos que encontraram

na Beatlemania uma oportunidade para lucrar.

Edgar Morin (2002, p.13-14) diz, quando introduz a definição de cultura de

massa, que (...) A cultura e a vida privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial, nunca os murmúrios do mundo - antigamente suspiros de fantasmas, cochichos de fadas, anões e duendes, palavras de gênios e de deuses, hoje em dia músicas, palavras, filmes levados através de ondas - não haviam sido ao mesmo tempo fabricados industrialmente e vendidos comercialmente. Essas novas mercadorias são as mais humanas de todas, pois vendem a varejo os ectoplasmas de humanidade, os amores e os medos romanceados, os fatos variados do coração e da alma.

A Beatlemania foi alimentada pelo fanatismo, o amor do público e a vontade de consumir qualquer produto que oferecesse a sensação dos fãs estarem mais próximos aos ídolos. Kevin Roberts capta parte deste conceito quando define os parâmetros de uma empresa para se tornar uma Lovemark, ela precisa estar posicionada ao público de forma que a fidelidade esteja acima da razão (2005, p.66).

As Marcas de Confiança são o passo seguinte das marcas; Lovemarks são o passo seguinte das Marcas de Confiança... Pense sobre como você ganha mais dinheiro. Ganha quando usuários leais, usuários de peso, usam

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seu produto o tempo todo. Portanto, ter um caso de Amor duradouro é melhor do que ter um relacionamento de confiança (ROBERTS, 2005, p.69).

Para manter o relacionamento já conquistado com a Beatlemania e, mais uma

vez seguindo os passos do primeiro grande ídolo da juventude Elvis Presley, os

Beatles lançaram seu primeiro filme A Hard Days’ Night (Os Reis do iê-iê-iê) em

julho de 1964, com números musicais e um enredo que mostrava os jovens do grupo

fugindo das fãs e se perdendo em Londres, fazendo alusão à primeira aparição

deles nos Estados Unidos. O longa metragem teve orçamento inicial de duzentas mil

libras, e destacou-se pelas cenas em ritmo acelerado e pelo humor característico do

grupo. Foi indicado ao Oscar em duas categorias, ao BAFTA e ao Grammy.

Desde a estréia em Londres naquele julho [1964], A hard day’s night foi um tremendo sucesso comercial - e ainda permanece como um dos filmes mais lucrativos da história, em relação ao investimento. Além disso, seu êxito de crítica foi ainda mais impressionante, pois forçou uma geração que automaticamente desdenhava os Beatles a encará-los seriamente como artistas (STOKES, p.128, 1982).

Os produtores do filme aproveitaram o sucesso que a receita de "humor e

Beatles" rendeu e criaram um seriado para a televisão com uma banda fictícia

chamada The Monkees, que obteve sucesso e hits como I’m a Believer e Last Train

to Clarksville e ficou conhecida como a versão estadunidense dos Beatles.

No decorrer da carreira, os Beatles gravaram os filmes Help! (1965), The

Magical Mistery Tour (1967), a animação Yellow Submarine (1967) e o documentário

Let It Be, que mostra as últimas sessões da banda em estúdio e só foi lançado após

o fim do grupo em 1969.

De acordo com o site da Billboard, revista semanal que registra desde a

década de 1940 as vendas de músicas nos Estados Unidos, os Beatles emplacaram

71 singles entre os 100 mais vendidos de 1964 a 1996, mantendo o recorde mundial

até outubro de 2010, quando o grupo Glee superou a marca emplacando 75 hits. No

Reino Unido, a Official Charts Company registrou os Beatles como grupo que mais

vendeu singles nos últimos 60 anos, com a quantia de 21,9 milhões.

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FIGURA 1

Após o período de incessantes maratonas de shows entre 1964 e 1966, o

grupo resolveu que não faria mais apresentações ao vivo e passou a enviar para as

emissoras de televisão vídeos promocionais do grupo se apresentando, assim não

precisavam mais se deslocar para divulgar seus discos. Mais tarde esses vídeos

seriam considerados os primórdios do videoclipe.

Existem segmentos específicos que podem ser retirados inteiramente do filme e serem vistos fundamentalmente como vídeoclipes em seu próprio direito. Eles tocam a música inteira e há uma série de imagens interessantes, diversão e energia que vão junto com eles. A linguagem visual e a maneira em que a música é tratada é algo muito familiar para nós que há muito tempo estamos

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expostos ao videoclipe5 (AUSTERLITZ, Saul apud KENT, Leo. Humansinvent.com, 2012 )

Quando Lennon disse, numa entrevista em fevereiro de 1966, que sua banda

era mais popular do que Jesus Cristo, gerou polêmicas e distorções sobre sua

opinião. Nas regiões mais conservadoras dos Estados Unidos, líderes religiosos

juntaram-se com a população e queimaram em praça pública discos e produtos

relacionados ao grupo. No entanto, a partir do momento em que Lennon tomou

como suas as causas pacifistas e dos direitos humanos, mobilizou a geração paz e

amor a protestar e sonhar junto com ele com um mundo sem guerras e violência.

3.2 O FIM DE UM SONHO E O DESPERTAR DA MÍDIA

Após o anúncio do afastamento dos palcos, a imprensa começou a noticiar o

fim dos Beatles.

Nenhum grupo pop até então sobrevivera apenas com discos; assim, alguns repórteres declararam a morte dos Beatles. Esse era o tom de um longo artigo do Sunday Times de Londres em novembro de 1966. “A semana passada”, começava a matéria, “tudo indicava que o fenômeno Beatles está terminando (...) no sentido de que o melhor de sua música era uma expressão de puro prazer, por serem um grupo muito unido de jovens divertidos e atraentes. A maturidade, com o desvanecer de seu narcisismo coletivo e o desabrochar de interesses particulares, vem determinar o fim desses fenômenos” (STOKES, 1982, p.183).

Um mês e meio após a publicação citada o grupo começou a gravar um dos

discos que mais vendeu e rendeu polêmicas, o Sargent Peppers Lonely Hearts Club

Band. O disco gerou expectativa pelo público que estava habituado a ter dois discos

por ano e grandes turnês, agora mantinha a dúvida sobre o possível fim da banda.

A garotada que crescera gritando pelos Beatles e os adultos seduzidos por A hard day’s night se uniram para criar um novo tipo de audiência. Havia um exército de fãs esperando, não dançar ou gritar, mas ouvir. Muito loucos, de preferência (STOKES, 1982, p.190).

Este disco trouxe consigo o ideal da contracultura, o psicodelismo, a

esperança de encontrar melhores pensamentos no mundo oriental, e principalmente

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5 Tradução livre para: There are specific segments that can be pulled out entirely from the film and be seen as essentially music videos in their own right. They play the entire song and there is a set of interesting, fun and energetic visuals that go along with them. The visual language and the way in which the song is treated is something very familiar to us who have already been long exposed to the music video.

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musicalidade. Com uma produção que custou US$100.000,00 e durou quatro

meses, a reação do público ao ver expresso em músicas o contexto do que

acontecia naquele instante foi de adotar o álbum como hino da geração. Em meio a

divulgação do disco, no dia 19 de junho de 1967, Paul McCartney admite o uso de

LSD numa entrevista, o que aumentou os boatos de apologia ao uso de drogas pelo

fato da música Lucy in the sky with diamonds ter, coincidentemente, as mesmas

iniciais da sigla da droga. A imprensa conservadora manifestou-se incentivando

boicotes aos discos dos Beatles, e as rádios foram proibidas de tocar a música With

a little help from my friends, alegando apologia ao uso de entorpecentes. A capa do

disco também gerou polêmicas por se tratar de uma colagem de vários artistas e

personalidades ligadas ao conceito da banda e do álbum, variando entre cultura de

massa e contracultura.

Em meio às colagens de imagens de Sgt. Pepper, vale a pena ainda destacar um sutil aspecto decorativo. Comenta-se que o jardim da capa teria uma fileira de mudas de maconha à frente dos retratados, e que essas mudas teriam passado despercebidas pelos executivos da gravadora EMI. Tratando-se de um período em que o consumo de determinadas drogas ilícitas estava em alta e representavam em larga medida o desejo da contracultura de “expandir a mente”, não deixa de ser interessante observar uma possível brincadeira do grupo inglês. Antes de ser uma provocação contracultural que se afinaria com o “espírito da época”, um comentário de George Martin permite deduzir que se tratava de mais um chiste provocativo dos Beatles (inclusive com a própria contracultura do período), criado por meio de um sofisticado trocadilho em latim com o nome do álbum. Diz Martin: “Aquelas plantas [...] verdinhas bem em frente ao bumbo e também à direita, lá em baixo na foto, provocaram um bocado de controvérsia. As bandidas verdinhas foram largamente acusadas de serem cannabis. Na verdade, são uma piada muito bem guardada. Seu nome latino original é Peperomia...!” (FENERICK; MARQUIONI, p.18, 2008).

Mesmo com a polêmica formada, o grupo havia sido convidado para participar

da estréia de um novo satélite da emissora de televisão BBC1, o Early Bird.

Por meio de um programa ao vivo, a intenção era interligar, pela primeira vez na história das comunicações, 31 redes de televisão ao redor do mundo. Estimava-se que 300 milhões de pessoas poderiam assistir ao mesmo espetáculo (SPITZ, 2007, p.695).

Por se tratar de uma apresentação ao vivo eles não teriam como apresentar

nenhuma das músicas do último disco, devido aos efeitos e a complexidade do som,

e de acordo com os requisitos da produção do programa a música deveria ser

simples e de fácil entendimento para as pessoas do mundo todo. John Lennon

apresentou então All you need is love, enquanto Paul McCartney trabalhava em

Hello, Goodbye. No dia 25 de junho de 1967 foi apresentada para 31 países, direto

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dos estúdios Abbey Road, a canção que dizia que tudo é possível fazer desde que

tenha amor.

A combinação de rock no volume máximo, drogas alucinógenas, liberdade sexual e vida em comunidades caracterizava o movimento hippie como uma revolução associada não ao rock and roll da década de 1950, mas algo que ia além. Veio o chamado “verão do amor” de 1967, e a geração rock dos anos 50 deu lugar a contracultura. Por todos os lados se viam cores, das roupas transadas ao show de luzes, passando pela arte dos pôsteres. Começava, de fato a era da meditação “All You Need is Love”, como a música de John Lennon, algo muito distante dos tempos do filme Sementes de Violência, com sua música “Rock Around the Clock” e as escolas do Bronx (VINIL, 2008, p.61).

Em meio ao verão de 1968, período em que o consumo excessivo de drogas

era generalizado e, no estado da Califórnia, o movimento hippie pregava o amor e a

compreensão, o ativismo que já vinha tomando forma desde as lutas contra a

segregação racial do início da década se fortalece através dos estudantes.

No West Side de Nova York - e nas cidades universitárias dos EUA - , o tema em pauta não era tanto a paz, mas uma guerra que se travava do outro lado do mundo. Manifestações pela paz se multiplicaram pelo país, numa mistura supreendente de jeans desbotados e ternos de algodão, todos atrás da música que os Beatles iam criando. “Eu sou ele como você é eu e nós estamos todos juntos.”, assim começava a letra de I am the walrus (STOKES, 1982, p.195).

A maneira como o público interpretava os Beatles modificou-se a partir do

momento que os jovens deixaram de consumir a música como entretenimento e

passaram a utilizar como instrumento de voz de uma geração que buscava o fim das

guerras, dos preconceitos e caminhava em direção à liberdade de expressão. A

questão ideológica reforçou o culto à personalidade e a relação de proximidade com

os fãs. Em 1969, as vendas dos discos dispararam devido à polêmica criada em

torno da suposta morte de Paul McCartney. Um mês após o disco Abbey Road ser

lançado o locutor Russ Gibb de Detroit anunciou que o compositor havia morrido em

1966 num acidente de carro, e que teria sido substituído por um sósia. A partir desse

momento, vários fãs passaram a encontrar mensagens subliminares nos álbuns

supostamente deixadas pelos integrantes da banda dizendo que Paul estava morto.

Paul está morto. A frase se tornou um refrão tão familiar quanto qualquer música do Abbey Road. Os apresentadores de tevê martelaram o assunto, da mesma forma que os principais jornais. Paul está morto. E vendeu muitos discos, apesar das negativas veementes do próprio falecido. “Estou vivo e estou bem, e preocupado sobre os boatos sobre minha morte”, disse ele à Associated Press, em pé, cheio de vida, na porta da sua casa, dez dias após a divulgação da notícia. “Mas, se eu estivesse morto, seria o último a saber.” As vendas dos discos dos Beatles também dispararam, com

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“milhões de jovens fãs de olhos e ouvidos atentos aos sinais do suposto falecimento de Paul [...] nas capas e nos sulcos dos discos”. Sgt. Peppers’ ressurgiu no 124º lugar das paradas americanas, com Magical Mistery Tour logo atrás, em 146º. E Abbey Road continuava a superar todos os concorrentes do momento em um milhão de cópias vendidas (SPITZ, 2007,p. 836).

Os Beatles anunciaram seu fim em 1969, evidenciando os problemas que

eram especulados desde a morte de Brian Epstein em 1967. O grupo percebeu a

dependência do empresário para assuntos burocráticos quando teve problemas com

a administração da banda e suas produções. A Apple Corps Ltd. foi criada numa

tentativa deles comandarem os negócios, convictos no pensamento da época de

que não precisariam de homens de negócios impondo regras sobre as produções do

grupo. Outros fatores que levaram à dissolução da banda foram desavenças entre

os integrantes, aliadas ao fato de que cada um já buscava por uma identidade

musical fora do grupo. Em janeiro de 1969 eles subiram no último andar do prédio

da Apple e fizeram sua última apresentação juntos, e no dia 8 de maio de 1970 foi

lançado o disco Let it Be, e um documentário sobre as gravações do álbum. Uma

semana após estes lançamentos, Paul McCartney lança seu primeiro disco solo.

A construção do mito Beatles começou nos anos 1960 com o sucesso,

inovação e experimentalismos da banda, muitas vezes pioneira no uso de técnicas

de produção e efeitos sonoros na produção de seus discos. Mesmo após o fim da

banda, os fãs mantiveram a lealdade na relação com o grupo e seus integrantes.

Mais do que nunca, a pergunta “Qual é o seu Beatle favorito?” passou a fazer

sentido, agora que cada um tinha sua carreira solo era possível conhecer melhor

sua música e sua posição sobre o que ocorria na sociedade.

Nenhum dos integrantes admite, porém é inevitável viver com como ex-Beatle

sem explorar a antiga carreira. Uma semana após o anúncio do fim da banda Paul

McCartney lançou seu primeiro disco solo e mantém sua carreira até hoje, tendo

passado por bandas com diferentes formações, a mais lembrada é a Wings, com

quem lançou o hit Live and Let Die, que em setembro de 2012 foi eleita através de

votação nas rádios da BBC como a melhor canção-tema dos filmes da série 007 de

todos os tempos.

George Harrison teve o material de sua autoria dispensado pelos Beatles,

durante as gravações, pois foram priorizadas os materiais produzidos por Lennon/

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McCartney. Lançou seu primeiro disco solo All Things Must Pass em 1970 obtendo

sucesso com o single My Sweet Lord. Harrison trabalhou também como produtor

musical e cinematográfico, tendo participado de produções com o grupo Monthy

Python e a cantora Madonna. George foi o único Beatle a lançar uma autobiografia (I

Me Mine, 1980). Harrison morreu em 2001 em decorrência de câncer de pulmão.

Assim como McCartney, Ringo Starr mantém sua carreira ativa como ex-

Beatle, porém não deixa de incluir músicas da época de FabFour em suas

apresentações. Da mesma forma que Harrison, o baterista investiu em outras mídias

e chegou a trabalhar como ator e apresentador. Atualmente é um dos bateristas

mais ricos do mundo, com uma fortuna de aproximadamente 300 milhões de

dólares.

Lennon e Yoko Ono lançaram discos juntos e até hoje a canção Imagine é um

símbolo do combate à violência. A canção Happy Xmas (War is over), de 1971,

ganhou uma versão brasileira, escrita por Cláudio Rabello, com a interpretação da

cantora Simone, e tornou-se um dos temas natalinos mais conhecidos no Brasil e na

América Latina.

Mesmo afastado dos palcos por anos para cuidar da família e preservar sua

vida pessoal, Lennon não deixou de ser seguido por fãs, e no dia 8 de dezembro de

1980 Mark Chapman o aguardava em frente ao prédio onde morava e disparou 5

tiros no ex-beatle, que não conseguiu sobreviver. Chapman alegou ouvir vozes e

sofrer de distúrbios mentais, e mesmo sendo fã do músico dizia não se conformar

com as declarações de Lennon sobre religião, uma das acusações de blasfêmia foi

causada pela entrevista já mencionada neste artigo onde ele afirma que os Beatles

eram mais conhecidos que Jesus Cristo.

Ao ser anunciada a morte do artista, dezenas de pessoas irromperam em pranto e desespero, cantando músicas dos Beatles, como ‘All you need is love’, ‘Give peace a chance’ ou o clássico ‘Yesterday’. Na manhã seguinte sobressaltado, ferido, o mundo descobria que perdera o maior referencial de sua juventude. Rádios das grandes capitais, de Nova York à Tóquio, do Rio de Janeiro à Cidade do México, passaram a tocar exclusivamente músicas dos Beatles. Em Telavive, o comentarista Eli Israeli anunciou a notícia pela rádio do Exército: ‘Queria dizer-lhes bom dia, mas realmente não posso’. (...) Em várias cidades americanas, houve vigílias e marchas à luz de velas, e em Toronto, Canadá, 30 000 pessoas fizeram uma passeata. Até o fim da semana, três pessoas haviam se suicidado na América do Norte, em desespero, e o presidente Jimmy Carter sintetizava a idéia de milhares ao dizer: “Seu espírito, o espírito dos Beatles - ao mesmo tempo irreverente e formal, irônico e

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idealista -, transformou-se no espírito de uma geração”. E concluía: “Ele ajudou a criar a música e o pensamento de nosso tempo”. (Revista Veja, 17/12/1980)

Se até então os Beatles eram conhecidos por seu sucesso, carisma, modismo

e influência na cultura dos anos 60, a morte violenta do seu líder pacifista e a reação

do mundo ao acontecido eternizou o grupo como mito. O fato dos integrantes

manterem a rotina de shows, discos e participações midiáticas contribuiu para a

manutenção do mito, uma vez que mesmo com o fim do grupo os integrantes não se

desligaram das atividades, temáticas e estilos que os consagraram enquanto

Beatles, seja este definido como rock, pop, romântico, psicodélico ou revolucionário.

3. 2 O PAPEL DA MÍDIA NA CONSTRUÇÃO DO ÍDOLO BEATLES E CULTURA

BEATLEMANIA

Com o sucesso do grupo, muitos comerciantes encontraram no

merchandising uma fonte rentável. No auge da Beatlemania, nos Estados Unidos,

era possível encontrar perucas, selos, canecas, bótons, figurinhas e diversos

produtos com o nome do grupo. “O jornal inglês "The Observer" informou no dia 9 de

fevereiro de 1964 que uma companhia americana estava fazendo 35 mil perucas

dos Beatles por dia” (Folha de S. Paulo, 1982).

A necessidade dos fãs em adquirir todo tipo de produto relacionado aos

Beatles criou um status para o grupo, fazendo de seu nome uma marca de amplo

mercado. De acordo com Umberto Eco, quando o status torna-se objeto de

consumo, este que até então seria reflexo de um processo de identificação com

quem o adquire, torna-se produto almejado pelo usuário independente da presença

de traços de sua personalidade, passando a fornecer uma abertura à integração

com a sociedade onde os interesses pessoais do indivíduo tornam-se irrelevantes

perante a massa.

O objeto é a situação social e, ao mesmo tempo, o seu signo: conseqüentemente, não constitui apenas um fim concreto perseguível, mas o símbolo ritual, a imagem mítica em que se condensam aspiraçôes e desejos. E a projeção do que queremos ser. Em outros têrmos: no objeto, visto inicialmente como manifestação da própria personalidade, anula-se a personalidade (ECO, 2008, p.243).

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Com a alta procura pelo nome Beatles nos produtos, a criatividade dos

comerciantes é até hoje lembrada.

FIGURA 2

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A mídia foi essencial para o sucesso do grupo e a criação da cultura que o

cerca até hoje, mesmo 50 anos após seu auge. Revistas como a Rolling Stone,

Billboard e outras charts6 que registravam os números de vendas de discos e

traziam notícias e reportagens especiais sobre os artistas mais populares da época

contribuíram para a disseminação da cultura Beatles. Em Liverpool, o jornal

Merseybeat foi um dos pioneiros na divulgação das bandas que se formaram na

região do rio Mersey. Posteriormente, impressos como NY Times, London Sunday

Times e vários outros no mundo ocuparam suas manchetes com notícias sobre os

fab four.

As participações do grupo no programa do Ed Sullivan no começo de 1964

são até hoje um marco na história da banda, assim como sua chegada aos Estados

Unidos. Quando eles chegaram na América já eram ídolos de muitas pessoas, como

previsto pelo empresário Brian Epstein, que teve o cuidado de só marcar shows em

território americano quando os Beatles tivessem emplacado um hit em primeiro lugar

nas paradas de sucesso, assim não seriam mais um grupo britânico tentando fazer

fama no exterior.

Mesmo com a televisão popularizada, as rádios foram essenciais para a

disseminação do rock and roll, sendo referência por tocar sempre os singles mais

vendidos e muitas vezes competirem para serem as primeiras a tocar os hits do

momento.

O rádio afeta as pessoas, digamos, como que pessoal-mente, oferecendo um mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte. Este é o aspecto mais imediato do rádio. Uma experiência particular. As profundidades subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos ressoantes das trombetas tribais e dos tambores antigos. Isto é inerente à própria natureza deste meio, com seu poder de transformar a psique e a sociedade numa única câmara de eco.(...) O rádio, que antes foi uma forma de audiência grupal que enchia as igrejas, reverteu ao uso pessoal e individual — com o advento da TV. O adolescente se afasta da TV grupal para o seu rádio particular. Esta tendência natural do rádio em ligar intimamente os diferentes grupos de uma comunidade manifesta-se claramente no culto dos disk-jockeys e no uso que faz do telefone, forma glorificada da velha interceptação de notícias na linha-tronco. (MCLUHAN, ano, p.332-344)

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6 Expressão inglesa para gráficos ou paradas de sucesso.

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Seguindo a moda de Elvis Presley os Beatles também fizeram filmes, no

começo da carreira mantinham o enredo de assemelhar as histórias ao cotidiano do

grupo, e evoluindo conforme as músicas se desenvolveram.

No Brasil, a Beatlemania chegou através da Jovem Guarda, movimento de

grupos e cantores jovens que faziam versões em português das músicas dos

Beatles e outros artistas de sucesso da época. Mesmo com as canções do grupo

original tocando nas rádios, grande parte dos fãs só foi conhecer a banda através do

filme A Hard Days‘ Night (Os Reis do iê-iê-iê), como contam as fãs Lucinha Zanetti e

Lizzie Bravo em seus relatos da época.

Os discos não saíam na mesma época, então geralmente ficávamos sabendo de alguma música nova, quando alguém da Jovem Guarda cantava a versão. Adolescentes que éramos, não ligávamos muito para saber se aquele som era diferente ou iria mudar o mundo da música, queríamos mesmo saber como eles eram fisicamente, e cada uma de nós arriscava adivinhar nas músicas de quem era a voz. Foi a partir dos filmes, primeiro A Hard Day`s Night e depois Help!, é que pudemos vê-los cantando.

A relação dos brasileiros com o grupo solidificou-se com os filmes A Hard

Day’s Night e Help! devido ao limitado acesso da maioria da população aos produtos

importados como discos de vinil e revistas com fotos e notícias do grupo. As

entrevistas irreverentes e apresentações ocorridas nos Estados Unidos e Europa

dificilmente chegavam ao país, e foi a partir dos filmes que as características

diferenciais dos Beatles em relação às outras bandas de rock and roll

contextualizaram na mente dos espectadores brasileiros, que passaram a

compreender o que era a beatlemania e as razões do sucesso do grupo no exterior.

O meu primeiro disco dos Beatles foi meu pai que trouxe, que foi o With the Beatles (...) e eu gostei, mas o negócio só explodiu mesmo quando eu vi A Hard Day’s Night, Os Reis do Iê-iê-iê. Aí quando eu vi eles se mexendo, falando, aí fiquei siderada. (...) Siderada com eles falando, e conheci uma penca de garotas que tavam lá no filme e a gente fez amizade na hora, e aí passei a ir todo santo dia para ver, várias sessões por dia. A gente se escondia nos banheiros para não ter que pagar outro ingresso, e as meninas iam de minissaia para a sala de projeção e ficavam cantando os caras para cortarem pedaços do filme. (Lizzie Bravo)

Além do cinema e das versões, outros meios importantes para a

disseminação da cultura Beatles no país foram o rádio e as revistas. “Nós sabíamos

das notícias através das revista Cruzeiro, Manchete, Intervalo e Melodias,

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principalmente estas.“ disse Lucinha. Segundo o site Beatles Brasil, o radialista mais

conhecido como entusiasta da beatlemania no país foi Newton Duarte, conhecido

como Big Boy teve como um de seus maiores feitos ser o primeiro radialista a tocar

o disco Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, antes mesmo das rádios inglesas.

O que a gente tinha que fazer pra ser fã de Beatles era uma loucura, porque aqui não tinha quase nada, a gente tinha que percorrer a cidade inteira atrás de revista importada, a gente ia para as rádios quando tinha programa deles, o Roberto Nunes,o Big Boy tinha um programa de Beatles, a gente ia todo mundo de ônibus lá pra cidade. Depois e eu duas amigas tivemos um programa quando começou a TV Globo, a gente tinha um programa ao vivo sobre Beatles. (...) a gente ia pra lá e tal, mostrava disco, revista. A gente vivia de correspondente, todo mundo arranjava correspondente do mundo inteiro, que era pra gente poder receber revistas e informações. (Lizzie Bravo)

Lizzie Bravo tinha 16 anos quando foi para Londres em busca de um encontro

com os Beatles, durante o tempo que esteve por lá chegou a ser a única brasileira a

gravar backing vocals com o grupo na música Across the Universe, o registro pode

ser conferido na coletânea Beatles Anthology. Lizzie tem cerca de 100 fotos inéditas

do integrantes guardadas em seu acervo pessoal.

Desde 1968 era possível encontrar biografias autorizadas contando a história

do grupo nos mínimos detalhes. Hunter Davies foi o jornalista que acompanhou o

grupo por meses e colheu depoimentos de amigos e familiares da banda, o

resultado foi um material vasto.

Pela primeira vez, a história completa dos quatro jovens mais famosos do mundo. É o que pretende o jornalista inglês Hunter Davies em “The Beatles: The Authorized Biography”, lançado há poucos dias. Davies viajou dezesseis meses com os Beatles documentando o mínimo gesto, a menor palavra. Depois obteve deles e de suas famílias depoimentos detalhados, de uma franqueza por vezes chocante. Os Beatles autorizaram seus amigos a fazerem revelações. A novidade desta biografia é contar a infância e adolescencia de John, Paul, George e Ringo - O retrato de um mundo familiar em que nada fazia prever o sucesso e a riqueza futura (Revista Veja, 1968, p.70).

Os fã clubes começaram a surgir em 1963, chegando a ter mais de 40 mil fãs

cadastrados. Durante todos os anos que estiveram juntos os Beatles gravaram

discos com mensagens natalinas especialmente para os fã clubes, o último disco foi

gravado em 1969. Após o fim da banda, para manterem vivas as memórias do

sucesso obtido e as amizades conquistadas com o assunto em comum, os fã clubes

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se tornaram a fonte de informações e troca de memorabílias7entre membros. "A

revista oficial do fã-clube dos Beatles se chamava "Beatles Monthly". O último

número apareceu em dezembro de 1969, ao preço de dois shillings. Reeditada anos

depois, agora cada número custa 80 pences" (FOLHA DE SÃO PAULO, 1982).

No Brasil surgiu, em 1979, o Revolution, um clube ativo até hoje e que utiliza

as mídias digitais para dividir experiências com os demais fãs da banda.

O Fã Clube Revolution foi fundado em Outubro de 1979 por Marco Antonio Mallagoli e, desde então, vem fazendo, sem interrupções, o trabalho de divulgação da música dos Beatles no Brasil e Exterior. Revolutiuon é mais antigo Fã Clube Brasileiro em atividade e, o único reconhecido oficialmente por Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr e John Lennon. (...) O trabalho do Revolution é reconhecido mundialmente e Mallagolo ja esteve em Liverpool mais de 100 vezes, sendo que por 3 vezes foi convidado, pelo "Cavern Mecca" (ex-fan-club local) a fazer palestras sobre os Beatles. Hoje , com mais de 80.000 associados no Brasil inteiro, corresponde-se com Fan-Clubs e Fãs de todo o mundo, tem o seu "fanzine" periódico, além da revista Revolution, distribuída para todo o país (atualmente em fase de reestruturação) e realiza Exposições em Shopping Centers e Centros Culturais, com a finalidade de divulgar o trabalho dos Beatles para todo tipo de publico (Site Revolution).

Do fim da banda até hoje, os Beatles passaram de banda para mito, de ídolos

de uma geração para ícones de movimentos contraculturais, de uma simples banda

de rock and roll a referência pop. Mesmo antes da internet é possível encontrar

menções à banda em programas televisivos, filmes e paródias musicais. A relação

da banda com a cultura de massa ajudou a construir a cultura pop das décadas

seguintes, consequentemente tais referências tornaram-se lugar comum para

críticas e menções à indústria fonográfica e a forma como ela operou até o fim dos

anos 1990, quando os meios digitais conquistaram o mercado e passaram a

compartilhar músicas em formatos nem sempre pagos.

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7 Definição de memorabília segundo iDicionário Aulete: Objetos associados a pessoas famosas ou eventos importantes, considerados dignos de memória e que se tornam itens de colecionadores.

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4 OS BEATLES NA ERA DIGITAL

André Lemos fala sobre a cibercultura como “a cultura contemporânea

marcada pelas tecnologias digitais” (LEMOS, 2003, p.1-3), pelo fato da internet ter

adicionado à comunicação novas maneiras de interação entre os usuários.

Desde que foi liberada para uso doméstico, a internet tem mantido esta

cultura conforme as tecnologias se desenvolvem em torno da interação entre

usuários e o uso que estes têm feito da rede. De websites a redes sociais

monitoradas via celular e demais aparelhos móveis, a cibercultura se transforma de

maneira a expressar os valores suportados pela liberdade que a internet proporciona

e as experiências dos usuários com novas plataformas.

A cultura contemporânea apoia-se nas tecnologias digitais como Lemos

afirma, pelo fato delas se tornarem cada vez mais essenciais ao ser humano e seu

convívio em sociedade.O conceito de Lemos lembra o que McLuhan afirmou no

século passado, o meio é a mensagem.

Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e estilhaçar todas as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem. Isto apenas significa que as conseqüências sociais e pessoais de qualquer meio — ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos — constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nos mesmos (MCLUHAN, ano, p.21).

4.1 A CAUDA LONGA

Chris Anderson define o conceito de cultura de nicho a partir de estudos sobre

os gráficos de consumo do mercado fonográfico, que apresentam a popularidade

dos produtos. No alto da curva de consumo ficam os hits, os produtos exaltados pela

mídia a ponto de se tornarem líderes de vendas, e no ponto descendente da curva

ficam os não-hits definidos como todos os outros produtos que, mesmo sem o

incentivo da cultura de massa, acabam sendo consumidos, formando uma linha

constante nas estatísticas chamada pelo autor de cauda. A teoria da Cauda Longa

consiste em mostrar que atualmente, diferente das décadas anteriores, devido ao

desenvolvimento do comércio eletrônico e das tecnologias existe maior variedade de

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produtos para consumir, e o acesso a esses novos produtos tem facilitado a busca

de alternativas ao mainstream antes da curva.

FIGURA 3

Os consumidores estão mergulhando de cabeça nos catálogos, para vasculhar

a longa lista de títulos disponíveis, muito além do que é oferecido na Blockbuster Video e na Tower Records. E quanto mais descobrem, mais

gostam da novidade. A medida que se afastam dos caminhos conhecidos, concluem que suas preferências não são tão convencionais quanto supunham

(ou foram induzidos a acreditar pelo marketing, pela cultura de hits ou

simplesmente pela falta de alternativas. Os dados sobre vendas e as

tendências desses serviços e de outros semelhantes revelam que a economia

emergente do entretenimento digital será radicalmente diferente da que caracterizava o mercado de massa. Se a indústria do entretenimento no século

XX baseava-se em hits, a do século XXI se concentrará com a mesma intensidade em nichos. (ANDERSON, Chris. p.09-10, 2006)

Anderson aplica sua teoria nas paradas de vendas de músicas em formato

digital na loja comandada pela Apple, o aplicativo iTunes. Através do gadget são

comercializadas músicas, vídeos e ebooks, e todos os artistas tem seu espaço. A

cauda se forma quando o usuário expõe seu gosto musical por completo através do

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acesso e compra tanto dos hits como das músicas que não são hits mas que de

alguma forma agrada e assimila-se ao usuário.

Desde seu lançamento em 2010, o catálogo dos Beatles em formato digital

tem mantido antigos hits do grupo em números constantes de downloads, de forma

a caracterizar uma cauda longa no histórico de consumo da banda. Além dos discos,

outras mídias produzidas pelo grupo tem sido relançados ao mercado nos mais

diversos formatos: DVD’s, Blu-rays, pen drives, e o mais recente vinil. A constante

exploração do material deixado pelo legado dos Beatles é um fator crucial na cauda

longa.

Desde sua criação após a morte de Brian Epstein em 1967, a Apple Corps

visava organizar a parte burocrática de administração da banda e suas músicas,

garantindo a eles total autonomia sobre o grupo como negócio. Nos últimos anos de

existência da banda, todas as suas produções foram vendidas sob este selo. Em

1976 foi fundada a Apple Computer Inc, que apesar do nome ser o mesmo e o seu

fundador ser beatlemaníaco, não havia relação alguma com o grupo já dissolvido na

época.

Com o fim da banda em 1970 e o fim da sociedade entre os integrantes em

1975, a Apple Corps seguiu sob controle da EMI e Neil Aspinall, empresário

responsável pelas turnês do grupo.

Pelo fato das marcas levarem o mesmo nome, desde 1978 lutas judiciais tem

ocorrido, um acordo chegou a ser feito em 1981 quando a Apple Computers se

comprometeu a não se envolver na indústria musical. Em 2001 a já consolidada

marca de computadores Apple lançou no mercado o primeiro iPod, aparato

tecnológico que permitia compartilhamento de músicas adquiridas digitalmente

através de seu aplicativo iTunes, voltando com as disputas e polêmicas em torno do

uso do nome Apple. Em 2007 um novo acordo foi feito onde a Apple Inc (novo nome

para a marca que agora não vende apenas computadores) permanece como dona

do nome, marcas e imagens relacionadas à Apple, licenciando para a Apple Corps o

uso de algumas destas. Em 2010 foi anunciada a disponibilidade do acervo

completo dos Beatles no iTunes, sendo até hoje um dos principais recordes de

downloads, os números de na primeira semana que o catálogo foi disponibilizado na

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web foram de 450mil álbuns e mais de 2 milhões de músicas avulsas vendidas

segundo o site Technoblog em novembro de 2010.

4.2 BEATLEMANIA 2.0: QUEM CONSOME BEATLES HOJE?

O público dos Beatles atualmente se divide entre os fãs que acompanharam a

trajetória da banda enquanto cresciam e os filhos e netos dos fãs que fizeram parte

da Beatlemania e buscam manter a memória da banda através de pesquisas e

fóruns online.

Observa-se o fato dos fãs mais antigos que utilizam a internet para buscar

registros da época que viveram, encontrarem através das pesquisas dos mais

jovens criando um conflito de gerações. Os públicos de consumo podem ser

separados entre os fãs mais velhos, os Baby boomers - pessoas mais velhas que

encontram-se em fase de adaptação com as tecnologias e a cultura da internet, e os

mais jovens pertencentes à geração Y, que segundo Daniel Portillo Serrano (2010)

“Ao contrário do que muitos pensam, não se refere exatamente a uma legião de

adolescentes, mas sim a uma "determinada" geração, nascida entre os anos 1980 e

2000.” A internet é o veículo mais utilizado e que mais mobiliza essa geração,

A Internet, emails, redes de relacionamento, recursos digitais, fizeram com que a geração Y fizesse milhares de amigos ao redor do mundo, sem ao menos terem saído da frente de seus computadores. A mobilidade nas comunicações é outra característica associada ao consumo da Geração Y (SERRANO, 2010).

A diferença entre os fãs Y e os Baby Boomers demonstrarem seu apreço pela

banda cria uma situação de tensão entre os usuários participantes das

comunidades, como conta EdCarlos

(...) acho que, por terem vivido em outros tempos, com outras tecnologias e com outra velocidade de informação, os fãs mais velhos custam a se dar bem e muitas vezes ignoram a paixão dos mais novos. Outro problema é a dificuldade que se tem de discutir nos fóruns, porque na linguagem escrita a gente não sabe a entonação em que a pessoa fala. Às vezes acontecem brigas sérias por pouca coisa. Outro problema é querer diferenciar "velha beatlemania" e "nova beatlemania". É muita bobagem isso. Muitos fãs de 14, 15 anos já leram mais livros sobre os beatles do que os fãs da época, devido às dificuldades de informação. Alguns fãs mais velhos também não se adaptam à tecnologia. Parece que se espantam com a evolução dos grupos de relacionamento. Aí junta isso a um pouco de "orgulho" por ter sido daquela época e à falta de paciência com a nova geração e pronto: temos uma panela de pressão.

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Apesar das comunidades e fóruns concentrarem as discussões sobre o

grupo, são os blogs responsáveis por dissipar as notícias e informações, novas e

antigas sobre os Beatles. Muitos dos tópicos discutidos nos fóruns tem seus

assuntos provenientes dos blogs. De acordo com Amaral e Recuero (2009)

O termo “weblog” foi primeiramente usado por Jorn Barger, em 1997, para referir-se a um conjunto de sites que “colecionavam” e divulgavam links interessantes na web (Blood, 2000), como o seu Robot Wisdom. Daí o termo “web” + “log” (arquivo web), que foi usado por Jorn para descrever a atividade de “logging the web”.

Os blogs e sites que centralizam as pesquisas e novidades beatlemaníacas

no Brasil são o blog The Beatles College e o Portal Beatles Brasil. O primeiro é

colaborativo, ou seja, voluntariamente qualquer pessoa pode escrever, segundo o

criador do blog Ed Carlos a “proposta é juntar o que há de interessante sobre a

banda, já publicado na rede, notícias atualizadas, além das colunas de uma equipe

de amigos especializados em assuntos específicos sobre o quarteto de Liverpool

(vinis, shows, fotos, datas históricas, material não lançado, etc.)”. O Portal Beatles

Brasil tem como foco reunir notícias sobre a banda e os integrantes, além de apoiar

os movimentos de fãs brasileiros que pedem por shows de Paul McCartney em sua

cidade.

A identificação do público com a plataforma blog independe da geração

pertencente, já a participação do usuário no blog consiste em comentar, compartilhar

em suas redes e até mesmo enviar material próprio para fazer parte do conteúdo.

Amaral e Recuero (2009, p. 35-36) comentam que

Blogs como meios de comunicação implicam também sua visibilidade enquanto meios de práticas jornalísticas, seja através de relatos opinativos, seja através de relatos informativos. No conceito estrutural, por outro lado, permite apreender-se o blog enquanto formato, abrindo-se para múltiplos usos e apropriações.(...)Independentemente de os blogs serem interpretados sob um viés estrutural, funcional ou como artefato cultural, eles consistem em suportes para a comunicação mediada por computador, ou seja, permitem a socialização on-line de acordo com os mais variados interesses.

As informações concentradas nos blogs e sites são divulgadas e discutidas

em fóruns e redes sociais, que segundo Recuero (2009 p.102-103)

A grande diferença entre sites de redes sociais e outras formas de comunicação mediada por computador é o modo como permitem a

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visibilidade e a articulação das redes sociais, a manutenção dos laços sociais estabelecidos no espaço offline.

Ou seja, o compartilhamento das informações é consequência da

comunicação articulada das redes sociais. No Brasil, as redes sociais que

concentram a Beatlemania são o Twitter e o Facebook, este último a substituir o

Orkut como principal fórum de discussões sobre o grupo.

As comunidades são bem mais interessantes por que proporcionam debates entre pessoas com a mesma afinidade, facilitando que se faça amigos. No Orkut conheci pessoalmente muitas pessoas por causa das comunidades, fizemos Orkontros, fomos a Shows, nos reunimos para falar do assunto. Com o advento (ou crescimetno) do Facebook, algumas pessoas me sugeriram levar a comunidade para o Facebook, e foi o que eu fiz no final do ano passado.(Lúcia Zanetti)

Nos fóruns não só as notícias são comentadas como a interação entre os

autores dos artigos publicados nos blogs e os leitores torna-se maior, devido a

facilidade do acesso às informações e conexões entre usuários.

A cibercultura trouxe aos usuários novas formas de expressar suas opiniões,

compartilhar informações, e a partir disso criar novas mídias. A mistura de imagens e

sons transformam-se em vídeos caseiros, paródias ou versões novas das músicas

que até meados dos anos 2000 estavam disponíveis apenas em discos ou fitas,

imagens conhecidas mudam de conotação após rápidas adições de frases, falas,

balões ou até mesmo alterações complexas com o auxílio de programas específicos.

André Lemos define esses cruzamentos de culturas e mídias como remix.

Por remix compreendemos as possibilidades de apropriação, desvios e criação

livre (que começam com a música, com os DJ’s no hip hop e os Sound Systems) a partir de outros formatos, modalidades ou tecnologias,

potencializados pelas características das ferramentas digitais e pela dinâmica

da sociedade contemporânea. (LEMOS, p.02, 2005)

No universo Beatles da década de 1960, a cultura de massa contribuiu para

que o fanatismo envolvesse o consumo não só das músicas como aparência e

comportamento dos integrantes, como consequência a cultura de nicho trouxe para

o digital o consumo da música através dos meios oficiais de distribuição como o

iTunes e demais lojas virtuais.

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A imagem da banda tem sido explorada de forma diferente, em vez de

compartilhar apenas as imagens e suas histórias muitas têm sido alteradas,

ganhando novos contextos e finalidades. A página de compartilhamentos do

Facebook chamada B1toum4nia cria diálogos parodiando os integrantes do grupo,

adicionando esteriótipos de acordo com suas feições nas fotos, tornando-os memes.

Recuero (2009) cita as definições de Dawkins (2001) sobre o estudo dos memes “O

conceito de memes foi cunhado por Richard Dawkins (2001), que discutia a cultura

como produto da replicação de idéias, que ele chamou memes”.

O fato de pegar uma obra e unir a outros estilos ou criar novas roupagens em

cima da existente não é novidade, porém com os meios digitais o alcance do remix

tornou-se mais amplo.

A novidade não é a recombinação em si mas o seu alcance. A recombinação e a re-mixagem têm dominado a cultura ocidental pelo menos desde a segunda metade do século XX, mas adquirem aspectos planetários nesse começo de século XXI. Em recente artigo para a revista “Wired”, o escritor de ficção-científica William Gibson mostrou como a prática do “cut and past” configurou as vanguardas artísticas do século passado. Mais ainda, a nossa cultura não é uma cultura da simples apropriação ou empréstimo, da produção, do produto ou da audiência, mas uma cultura da participação, e essa participação se dá pelo uso e livre circulação de obras (LEMOS, p.3, 2005).

O caso mais conhecido de remix envolvendo Beatles nos meios digitais é o

da banda Beatallica, onde os integrantes criaram versões próprias para as músicas

dos Beatles com arranjos e referências ao Metallica. O grupo ficou conhecido na

internet no mesmo ano que os integrantes do Metallica e as grandes gravadoras

processaram o primeiro software de compartilhamento de músicas no formato de

mp3, o Napster. Em entrevista concedida por e-mail em 01/11/2012, o baixista Kliff

McBurtney comenta que as músicas foram divulgadas sem o conhecimento do

grupo.

O impacto que as músicas tiveram on-line foi um grande choque, uma vez que não tínhamos a menor idéia de que atingiram o mundo todo. Elas foram criados para uma festa/show aqui em Milwaukee chamado Spoof Fest, e jamais era para ir mais longe do que a música incidental no show. Com a popularidade

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das canções, tivemos que formar uma banda ao vivo para trazer a música para as massas.8

Na comunidade Beatles College, os usuários gravaram suas versões das

músicas dos Beatles, recriando álbum a álbum colaborativamente, ou seja, os

usuários da comunidade produzem e gravam os discos, EdCarlos comenta que a

iniciativa surgiu em 2009 quando foi sugerido que o disco Abbey Road fosse recriado

em homenagem aos 40 anos de seu lançamento, como o resultado foi satisfatório a

comunidade resolveu manter o projeto e gravar os demais discos, o último álbum

gravado foi o Rubber Soul (entrevista concedida por chat em 29/10/2012).

Quando questionado sobre as diferenças na produção e compartilhamento de

músicas em relação à época dos Beatles e do Metallica, Kliff McBurtney afirma que;

”A tecnologia facilita mais do que nunca para qualquer um gravar idéias,

compartilhar demos com a banda, e planejar músicas para o álbum”.9 Kliff ainda

comenta sua opinião quanto ao uso da internet pelos fãs das banda que

homenageia.

A internet é uma ferramenta excelente para contactar os fãs do mundo todo e traz eles mais próximos uns dos outros, o que forma um culto de seguidores. Todos os memes que surgem da criatividade dos entusiastas serve apenas para trazer mais riqueza à experiência.10

Após o sucesso na internet, o grupo Beatallica manteve-se no anonimato até

que a gravadora Sony os contratou. Eles mantém os nomes artísticos, mas não

escondem suas identidades. No blog The Beatles College um dos colaboradores

mais influentes caracteriza-se como fake, isto é, utiliza de uma persona voltada a

determinado assunto, no caso Beatles, não necessariamente revelando sua

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8 Tradução livre para: “The impact the songs had online was a big shocker since we didn't have a clue they were made worldwide. They were created for a party/show here in Milwaukee called Spoof Fest, and never meant to go further than incidental music at the show. With the popularity of the songs, we had to form a live act to bring the music to the masses.”

9 Tradução livre para: “Technology has made it easier than ever for anyone to record ideas, share demos with the band, and lay down tracks for the album.”

10 Tradução livre para: “The internet is an excellent tool for contacting fans worldwide, and bringning them closer to each other which builds a cult following. All the memes that spring from an enthusiasts creativity just serve to make the experiece richer.”

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identidade offline. Para fazer postagens no blog ele se autodenomina como

BeatleLado, e comentou em entrevista concedida por e-mail em 16/10/2012.

No mês de junho de 2011 recebi o convite do idealizador do blog ‘The Beatles College’ para passar a fazer parte da equipe de colaboradores daquela mídia. Eu já era conhecido por algumas pessoas do mundo ciber, pois estava sempre me manifestando nas páginas virtuais do Orkut, seja na comunidade ‘Fórum Beatles Brasil’, como na ‘Beatles College’. O mais irônico é o fato de ser um personagem fictício, mais conhecido como fake no jargão digital e assim mesmo ainda gozar de relativa confiança do público que lê meus artigos. O mais engraçado ainda é que não criei este personagem, na verdade o nickname BeatleLado é fruto da criação de um amigo mineiro que criou a comunidade ‘Fórum Beatles Brasil’(...) Depois, motivado por mudanças profissionais e deslocamento de sua região original, acabei herdando o alter ego do BeatleLado, cuja marca registrada acabou mais forte que minha própria identidade. Assim como os Beatles tive de manter a mística e o mistério que cerca o nome BeatleLado, algo como se tivesse adotado um nome artístico. O importante é que sempre me preocupei em pesquisar fontes mais confiáveis possíveis e mostrar, sempre que possível, as referências bibliográficas que utilizo, motivo pela qual a coluna do BeatleLado no blog da ‘The Beatles College’ goza de um grande respeito dos leitores e a recíproca também é verdadeira.

Atualmente, uma maneira importante de manter a fidelidade dos fãs encontra-

se no comércio de produtos relacionados aos Beatles além das músicas em formato

mp3. Para o lançamento da versão remasterizada da animação Yellow Submarine foi

criado um hotsite onde menu era o próprio submarino, e o seu conteúdo era feito de

elementos do filme. Vídeos com cenas de um documentário sobre a produção da

animação de 1968 estavam espalhados pelo site. Com o fim de relacionar os

visitantes do site promocional com os outros produtos da marca Beatles, foi lançado

um jogo onde o usuário buscava por palavras-chave nos sites e redes sociais para

desbloquear um poster do filme. Outro caso que demonstra apreço aos fãs foi o

relançamento da discografia em vinil, onde no dia 13 de novembro de 2012 ônibus

customizados foram utilizados para a venda exclusiva dos discos em New York e

Los Angeles (Site Rolling Stone, 09/11/2012). Além do ônibus, um hotsite feito no

formato HTML 5 traz a coleção em vinil para escutar parcialmente faixa por faixa de

cada álbum, seguida do próprio disco girando enquanto executa as músicas.

Além de relançar o material deixado pelo legado dos Beatles, em 2009 foi

lançado o jogo de videogame no qual, através de instrumentos adaptados, é

possível tocar guitarra, baixo, bateria e até mesmo cantar as músicas do grupo. Para

divulgação foram feitos teasers que montavam imagens da banda atravessando a

rua em frente ao estúdio Abbey Road em Londres com dezenas de pessoas, e

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utilizando efeitos gráficos fez com que os integrantes aparecessem segurando os

controles feitos especialmente para consoles.

Retomando os conceitos de Kevin Roberts para Lovemarks, salienta-se a

importância da marca considerar seu passado e alinhar com o presente para gerar

grandes futuros (2005, p.91). Além de manter a marca sempre na memória dos fãs,

os relançamentos em diferentes plataformas e a criatividade na abordagem das

gerações mais novas traz sempre um frescor para a marca Beatles que, caso

contrário, não teria o mesmo peso cultural que manteve todos esses anos. O uso do

legado emocional para promoção desses produtos também é uma das

características citadas por Roberts A criação de uma Lovemark é cumulativa. Se você não entende o que significa para os avós, dificilmente descobrirá do que a próxima geração precisa. É por isso que uma Lovemark não é estática. Se você não consegue sensibilizar, não tem como ser uma Lovemark (ROBERTS, 2005, p.93).

O autor complementa quando fala sobre a manutenção dos mitos e ícones da

marca, “Porque são memoráveis e a memória é a fonte do coração” (ROBERTS, p.

96, 2005). Se o fenômeno Beatles mantém sua chama acesa nas comunidades de

fãs que os cultuam, copiam, remixam e ainda se vestem como o grupo quando

empunham uma guitarra Rickenbacker de brinquedo para tocar suas músicas

através de botões, certamente se trata de um grupo memorável e cativante,

mantendo seu status de pioneirismo como marca de amor.

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5 CONCLUSÃO

Esta pesquisa buscou investigar como foi criada e mantida a relação de

consumo e tecnologia na Beatlemania, e constatou-se que a comunicação foi

essencial para que os Beatles se estabelecessem como banda de sucesso e,

posteriormente, como mito. As hipóteses discutidas envolveram tópicos como

indústria cultural, cultura de consumo, o uso dos meios de comunicação e por fim

cultura digital e consumo de nicho. O termo marca de amor, ou Lovemark definiu a

Beatlemania no contexto desta pesquisa.

Das hipóteses analisadas, ambas as três apresentaram coerência a partir dos

argumentos e citações apresentados, as entrevistas foram cruciais para concluir o

pensamento sobre as dificuldades de acesso de quem não estivesse no epicentro da

beatlemania às informações, e reforçam o pensamento de que o diferencial dos

Beatles em relação aos outros grupos da época foi a irreverência e simpatia

apresentados nos filmes e músicas da carreira, e o quanto eles com o auxílio de

Brian Epstein souberam explorar a empatia da banda com o público.

Fazia 77 dias que John Kennedy tinha sido assassinado, deixando o país em

depressão total. Os jovens americanos, em particular, procuravam algo novo que os

fizesse esquecer os problemas e os acontecimentos da época. Foi então que os

quatro cabeludos de Liverpool, com suas estranhas piadinhas na primeira coletiva

de imprensa, conseguiram ganhar não somente os jovens, mas o público em geral.

A mídia queria filmar cada passo do grupo (VINIL, p.55, 2008).

Sobre os meios digitais, ficou evidente a importância da tecnologia para a troca de

informações e materiais sobre a banda, e a nova cultura que se formou a partir do

remix. A internet possibilitou o acesso a muito mais do que músicas dos Beatles, o

compartilhamento de informações, arquivos de vídeo, histórias, imagens inéditas ou

não e lembranças de cada fã, que sem essa conexão de dados poderia se perder

com o tempo. As comunidades e grupos formados para troca de memorabílias, blogs

e sites contribuem para que a beatlemania mantenha sua repercussão ecoando,

mesmo que voltada diretamente ao público interessado, em seu nicho.

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Atualmente os fãs brasileiros dos Beatles são uns verdadeiros afortunados. Nos anos 1960, 1970 e 1980 a quantidade de literatura e informações confiáveis sobre a banda era escassa e dependíamos de revistas importadas ou publicações raras em revistas de música. Com o advento da internet, a rede mundial proporcionou um intercâmbio maravilhoso e ilimitado. Passamos a fazer conferências on line e conhecer até mesmo pessoas que vivenciaram deperto o universo beatle, seguir os passos de Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr e conhecer meandros de suas vidas particulares. (BeatleLado, em entrevista concedida em 16/10/2012)

Conclui-se então que a beatlemania como produto da indústria cultural soube

se adaptar, mesmo com o passar dos anos, às novas plataformas e tecnologias para

manter o legado dos Beatles contemporâneo. Este aproveitamento dos meios de

comunicação só veio a beneficiar os fãs, que antes tinham limitações para acessar o

mundo de informações e conceitos que envolviam o grupo e hoje conseguem não só

ter acesso como criar novos conceitos em cima do que foi deixado pela banda.

A cultura da juventude mantém-se atualizada pelo uso assíduo das mídias

sociais, e, assim como os Beatles criaram um público de amor e fidelidade à marca

utilizando empatia como principal argumento diferencial no início, o bom

aproveitamento das mídias que cada geração disponibilizou mesmo após o fim do

grupo permite concluir que, para obter sucesso como marca de amor é necessário

humanizar o contato com o público, sem deixar de fazer bom proveito das

ferramentas disponíveis para melhorar o desempenho da marca e auxiliar no

relacionamento com os consumidores.

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