evasão escolar na bahia: análise do fenômeno na atualidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PEDAGOGIA ALINE DE OLIVEIRA COSTA SANTOS EVASÃO ESCOLAR NA BAHIA: ANÁLISE DO FENÔMENO NA ATUALIDADE Salvador 2010. 2

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O texto faz uma análise da evasão escolar no estado da Bahia, suas consequências e causas.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE EDUCAO PEDAGOGIA

    ALINE DE OLIVEIRA COSTA SANTOS

    EVASO ESCOLAR NA BAHIA: ANLISE DO FENMENO NA

    ATUALIDADE

    Salvador

    2010. 2

  • ALINE DE OLIVEIRA COSTA SANTOS

    EVASO ESCOLAR NA BAHIA: ANLISE DO FENMENO NA

    ATUALIDADE

    Monografia apresentada ao Curso de graduao em

    Pedagogia, Faculdade de Educao, Universidade Federal da

    Bahia, como requisito parcial para obteno do grau de

    Licenciada em Pedagogia.

    Orientadora: Profa. Uilma Rodrigues de Matos

    Amazonas

    Salvador

    2010.2

  • ALINE DE OLIVEIRA COSTA SANTOS

    EVASO ESCOLAR NA BAHIA: ANLISE DO FENMENO NA

    ATUALIDADE

    Monografia apresentada ao Curso de graduao em Pedagogia, Faculdade de Educao, Universidade

    Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno do grau de Licenciada em Pedagogia.

    Banca Examinadora

    Iracy Silva Picano _______________________________________________________ Mestre em Educao pela Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.

    Universidade Federal da Bahia

    Lcia Maria da Franca Rocha _______________________________________________ Doutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, Brasil.

    Universidade Federal da Bahia

    Uilma Rodrigues de Matos Amazonas Orientadora ____________________________ Doutora em Educao pela Universidade de Salamanca, Espanha.

    Universidade Federal da Bahia

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais Iraci e Hrcules pelo amor e pelo exemplo de dignidade. Em especial a Mainha e

    ao meu irmo Nem pela convivncia diria e por suportarem com pacincia as minhas oscilaes

    de humor, que no foram poucas, durante esses cinco anos de Curso;

    Aos meus avs e avs. Especialmente s minhas avs Celice e Irene por ajudarem seus filhos

    nessa difcil tarefa que a de educar e pelas lies de respeito e solidariedade. E ao meu av

    Valfredo que tudo fez durante o tempo que esteve entre ns para que conseguisse mais essa

    vitria;

    Aos tios, tias, primos, primas e demais familiares pelo carinho, apoio e torcida. Sobretudo ao meu

    tio Duquinha pelo incentivo para que conseguisse subir mais esse degrau;

    Aos professores e funcionrios da FACED, em especial professora Iracy Picano, que

    literalmente abriu as portas da UFBA para que eu pudesse viv-la em sua plenitude, e que

    mantm sempre abertas as portas de sua casa. Principalmente pela amizade construda ao longo

    desses anos;

    professora Uilma pela forma afvel como nos recebeu, a mim e Patrcia, em sua sala, enquanto

    bolsistas da professora Iracy, que devido compulsria deixou a faculdade. E por ter aceitado a

    orientao desse trabalho;

    s professoras Teresinha Fres, Lcia da Franca Rocha e Lcia Beltro pela confiana e pelas

    palavras encorajadoras e afetuosas com que sempre me recebem;

    Aos colegas do Curso pela convivncia. Especialmente Adriana, Patrcia, Vanessa e Joselice pela

    cumplicidade e pela amizade iniciada desde o primeiro semestre do Curso. E Jaci, amiga e

    parceira de pesquisa, pelas trocas que tanto contriburam para minha formao.

    Deus pela sade e fora e principalmente por ter colocado em meu caminho todas essas

    pessoas e outras que porventura eu no tenha citado, mas que so fundamentais na minha vida.

  • RESUMO

    O presente estudo insere-se no debate sobre a evaso escolar na atualidade e tem como objetivos

    levantar, analisar e discutir alguns aspectos da evaso entre os jovens, especialmente na Bahia. A

    pesquisa foi realizada com base na literatura sobre o tema, trabalhos acadmicos (monografias,

    teses, dissertaes) e artigos de jornais. Procurou-se levantar aspectos tericos e histricos do

    fracasso escolar, partindo da premissa de que a evaso parte do fracasso. Tal problema

    educacional foi analisado numa dimenso poltica, histrica, social e teve como referncia

    tambm a tica da juventude sobre essa questo. Nesse sentido ficou evidenciada a complexidade

    do fenmeno e a sua prevalncia na escola pblica com a chegada das classes populares em seu

    interior. Os nmeros levantados comprovam a insistncia da evaso na atualidade, sobretudo no

    ensino mdio, o que tem sido enfatizado por jornais locais. Diversos atores apontam as diversas

    causas da evaso, entretanto a falta de interesse dos jovens vm sendo apontada como principal

    motivo, o que contestado nesse trabalho. Buscou-se tambm compreender a relao que o

    jovem estabelece com a escola. Por fim, apresenta-se a soluo encontrada pelo governo da Bahia

    para enfrentar a questo da evaso: o Processo de Enturmao. Apesar do discurso da falta de

    interesse foi possvel notar que a escola ainda uma das instituies mais importantes para o

    jovem da classe popular e por isso o problema da evaso requer solues de cunho administrativo,

    poltico e social.

    Palavras chaves: Evaso escolar; fracasso escolar; Enturmao, jovens e escola.

  • SUMRIO

    INTRODUO...................................................................................................................... 07

    1- Fracasso Escolar: algumas consideraes.............................................................. 12

    1.1 Fracasso ou Excluso Escolar? .........................................................................................13

    1.2 Fracasso Escolar em outros pases......................................................................................16

    1.3 Fracasso Escolar no Brasil .................................................................................................20

    2 - Evaso Escolar: faceta do fracasso............................................................................ 24

    2.1 Os nmeros da evaso........................................................................................................25

    3 - As causas da evaso escolar...........................................................................................30

    3.1 - Panorama Nacional: a falta de interesse dos jovens......................................................31

    3.2 - Panorama Local: a polmica do smart-card ................................................................ 35

    4 - Estudar para qu?: Os sentidos da escolarizao para os jovens.............. 38

    4.1 A centralidade da educao em questo..............................................................................39

    4.2 As contribuies da Sociologia da Educao......................................................................42

    4.3 O significado da escola para os jovens..................................................................................46

    5- Enturmao: soluo administrativa? ...................................................................... 49

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................... 54

    REFERNCIAS......................................................................................................................... 57

  • 7

    INTRODUO

    A evaso escolar um antigo problema da escola brasileira. Historicamente, a

    necessidade de trabalhar, as distncias entre escola e alunos, dificuldades com transporte e

    inadequao do currculo escolar tem sido alguns dos muitos motivos apontados para

    ocorrncia da evaso escolar no Brasil. Em 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia

    e Estatstica (IBGE) 97,9% da populao brasileira de 7 a 14 anos tem acesso ao ensino

    fundamental, entretanto a permanncia dos jovens nesse nvel e no ensino mdio ainda um

    dos maiores desafios a ser enfrentado pela atual poltica educacional do pas, como aponta

    Ireland (2007)

    As estatsticas nos mostram que, h alguns anos o Brasil teve avanos no

    acesso, embora ainda no possa dizer que no h crianas fora da escola.

    No entanto a continuidade dos estudos e o seu xito continuam a ser

    desafios, a ponto de a Constituio Federal ter explicitado como dever

    aquilo que inseparvel e intrnseco educao, isto , o padro de

    qualidade (p.9).

    O aumento dos casos de evaso nos ltimos anos levantou debates a nvel nacional

    sobre as possveis causas da evaso na atualidade. Na Bahia, em 2005, o ndice de abandono

    no ensino fundamental foi de 14,9% e de 20,9% no ensino mdio. (Censo Escolar, 2005). Em

    2009 o problema tornou-se ainda mais sintomtico com a adoo do processo de Enturmao1

    nas escolas da rede estadual. De acordo com a Secretaria de Educao do Estado (SEC) o

    agrupamento das turmas teve por objetivo solucionar o problema causado pelo abandono e

    pela evaso, uma vez que em algumas escolas o nmero de turmas com menos de 10 alunos

    era grande e faltavam professores em outras. No incio do ano letivo de 2010 algumas escolas

    estaduais foram fechadas tambm em decorrncia da evaso.

    As medidas suscitaram discusso sobre os motivos da evaso no estado da Bahia.

    Gestores, professores, pais e alunos manifestaram suas opinies a respeito do tema e em

    alguns municpios houve manifestaes contra as decises do governo. Os professores

    acusavam a SEC de conceber a educao apenas como um gasto e no como investimento,

    a SEC, atravs de seus gestores, se defendia afirmando que objetivava resolver o problema da

    falta de professores. Entre os estudantes as opinies ficaram divididas, j entre a populao o

    descontentamento foi geral, especialmente com relao ao fechamento de unidades escolares.

    1 Enturmao o agrupamento de turmas de mesma unidade escolar, srie e turno, que estejam funcionando

    com nmero reduzido de alunos.

  • 8

    Apesar da troca de acusaes nos discursos dos atores envolvidos no processo foi

    possvel perceber em tais discursos a preocupao com a preservao do espao escolar.

    Diante dessa contradio, onde por um lado assistimos o abandono das escolas e por outro a

    defesa desse espao perante a ameaa de perda, so vrios os questionamentos que surgem

    especialmente para os profissionais da educao.

    H alguns anos atrs as famlias pertencentes camada mais pobre da populao

    disputavam vagas nas escolas pblicas, os pais enfrentavam filas quilomtricas durante dias e

    noites inteiras debaixo de sol e chuva para garantir a matrcula de seus filhos. O que mudou

    atualmente? Que lugar ocupa a escola na vida dessas pessoas? evidente que nos ltimos

    anos a oferta de vagas aumentou consideravelmente, mas a populao e as exigncias por

    maior escolaridade tambm cresceram. preciso ressaltar que apenas 24,31% dos baianos

    tm o ensino mdio completo e o tempo mdio de estudos da populao (5,6 anos) um dos

    mais baixos do pas (IBGE, 2008). Isso significa que a demanda existe e por que h escolas

    vazias? Quais as causas da evaso na atualidade, especialmente entre os jovens pobres?

    As questes em torno do tema escolhido para a realizao desse trabalho monogrfico

    comearam a despertar interesse desde o ingresso no curso de Pedagogia, pois desde o incio

    os professores orientam os alunos a pensar em um tema relevante para o campo educacional.

    No incio do curso a inteno era falar sobre a Educao em Cuba, pois chamava a ateno

    algumas reportagens que mostravam o destaque dos cubanos nos esportes e na educao. A

    questo que intrigava era como um pas com tantas dificuldades econmicas conseguia

    manter todas as crianas na escola com uma educao de qualidade, principalmente porque

    aqui no Brasil se fala muito que a m qualidade da educao pblica se deve a falta de

    investimentos, dentre outros motivos.

    Porm, no decorrer do curso, as diversas experincias vivenciadas dentro e fora da

    sala de aula foram apontando algumas questes importantes em torno da educao brasileira e

    por estar mais prximo da nossa realidade o tema escolhido foi a evaso escolar. O

    conhecimento da situao de esvaziamento das escolas no nosso estado no primeiro momento

    assusta, pois a ideia de que a educao o nico caminho por meio do qual o pobre pode um

    dia chegar a ser algum na vida bastante propagada, por isso difcil entender porque

    tantos jovens esto desistindo desse caminho.

  • 9

    Nesse sentido, o tema escolhido nasceu das diversas anlises, reflexes e questes em

    torno da educao e da sociedade brasileira que vivenciamos no Curso de Pedagogia. A

    experincia como bolsista de iniciao cientfica tambm possibilitou certo aprofundamento

    no debate em torno da relao trabalho e educao e para compreenso da organizao social

    e poltica da sociedade brasileira. Ao ingressar no curso, em geral, os alunos de Pedagogia

    apresentam concepes ingnuas a respeito da educao. H uma tendncia de julgarmos que

    a pobreza est diretamente relacionada ao desinteresse pela educao e que as pessoas

    escolhem livremente suas carreiras profissionais.

    Mas, no decorrer do curso as leituras e debates realizados possibilitam a compreenso

    de que no se trata apenas de escolhas pessoais, existem fatores sociais, polticos e

    ideolgicos que fazem com que as pessoas evadam do ambiente escolar e que a educao em

    cada momento histrico um reflexo necessrio e fatal dos interesses e aspiraes do jogo de

    peas entre a elite dominante e segmentos das classes subalternas, como afirma Ponce (2005),

    A confiana na educao como um meio de transformar a sociedade,

    explicvel numa poca em que a cincia social ainda no estava constituda,

    resulta totalmente inadmissvel depois que a burguesia do sculo XIX

    descobriu a luta de classe (p.171).

    Com base nesse conhecimento Freire (2000) e Ferraro (2004) ao discorrer sobre o

    tema falam de expulso escolar e no evaso. Porm, os indivduos que evadiram do

    sistema educacional, principalmente os mais antigos, em sua maioria, acreditam que foi uma

    opo deles, apesar de relatarem as dificuldades e conflitos que os fizeram interromper seus

    estudos. Diante disso, eles valorizaram a trajetria escolar dos seus filhos e netos, na medida

    de suas possibilidades: na disputa por vaga na escola pblica, na preocupao com a

    frequncia e pontualidade, no cuidado com o fardamento e materiais escolares e,

    principalmente, na inculcao de que a escola um lugar importante e por meio da qual as

    novas geraes poderiam ultrapassar a condio que vivenciam.

    Nesse sentido, a escolha do tema evaso escolar para a elaborao deste trabalho

    justifica-se em primeiro lugar pela relevncia do levantamento dessa discusso no curso de

    Pedagogia. Pois se trata, ainda, de uma questo de extrema importncia, porm pouco

    aprofundada. Em segundo, por um motivo pessoal, pois falar de evaso escolar falar

    daqueles familiares que outrora tambm foram expulsos da escola. E, em terceiro e ltimo

    lugar, por uma questo profissional, pois na condio de futura pedagoga imprescindvel a

  • 10

    reflexo sobre um tema dessa natureza. uma oportunidade para entender melhor como e por

    quais motivos, ao longo da histria da educao brasileira, encontra-se a presena da evaso

    escolar como um fenmeno constante.

    O grande desafio que se coloca ao assumir realizar um trabalho sobre um tema

    complexo como a evaso escolar, precisamente o recorte que precisa ser feito para adequ-

    lo ao que se espera de um trabalho monogrfico. Os autores de metodologia do trabalho

    cientfico ressaltam a necessidade da observncia dessa questo. Severino (1993) afirma que,

    o que mais caracteriza um trabalho monogrfico a unicidade, a delimitao do tema e a

    profundidade do tratamento do que sua eventual extenso, generalidade ou valor didtico. (p.

    100) e Salomon (2010) que recorre etimologia da palavra para reafirmar o sentido de um

    trabalho dessa natureza afirmando que:

    Localizamos na origem histrica da monografia aquilo que at hoje

    caracteriza essencialmente esse tipo de trabalho cientfico: a especificao,

    ou seja, a reduo da abordagem a um s assunto, a um s problema.

    Mantm-se assim o sentido etimolgico: monos (um s) e graphein

    (escrever): dissertao a respeito de um assunto nico (p. 255).

    Porm, o recorte necessrio no pode ser feito de forma aleatria para no correr o

    risco de desvio do tema ou excluso de aspectos importantes do mesmo, pois segundo

    Lakatos e Marconi (1991) a investigao deve examinar o tema escolhido, examinados todos

    os fatores que o influenciaram e analisando-o em todos os seus aspectos. (p. 108)

    O fenmeno da evaso passvel de ser analisado nos diversos nveis que compem o

    nosso sistema educacional, da educao infantil ao ensino superior, j que o mesmo tem se

    manifestado de diferentes formas e por variados motivos, em maior ou menor grau em todas

    as etapas de escolarizao. No entanto, o que se pretende focalizar nesse trabalho a evaso

    entre os jovens, ou seja, entre queles que evadem do sistema educacional sem completar o

    ensino fundamental e/ou mdio.

    Recentemente alguns estudos e pesquisas sobre a evaso entre o pblico juvenil foram

    divulgados no pas. Tais estudos, em geral, apontam motivos que fazem com que parte

    considervel de nossa juventude deixe os bancos escolares. A pesquisa O tempo de

    permanncia da escola e as motivaes dos Sem- Escola, divulgada pela Fundao Getulio

    Vargas - FGV-RJ em 2009, por exemplo, revelou que 40,3% dos jovens entre 15 a 17 anos

    que evadem, o fazem por falta de interesse pela escola. A necessidade de trabalhar apareceu

  • 11

    em segundo lugar com 27% das respostas e a dificuldade de acesso escola em terceiro lugar

    com 10,9% do total.

    Tal pesquisa suscitou discusso nas aulas e nos corredores da nossa Faculdade de

    Educao e causou certo espanto entre os alunos e professores, que perguntavam-se: o que

    estaria acontecendo com esses jovens? Ser que eles no compreendem a importncia da

    escola? E a escola, por que no consegue atra-los? E seus pais, o que fazem? Alguns

    arriscavam respostas do tipo: o problema que a escola est chata; a culpa do professor

    que no adequa suas aulas realidade do aluno; irresponsabilidade dos pais ou os

    jovens de hoje no querem estudar, respostas tpicas de quem sempre procura culpados no

    mbito individual, para os problemas que permeiam a educao. Na busca de sair do senso

    comum e partir para uma compreenso cientfica do fenmeno da evaso na atualidade

    surgem algumas questes: Por que a evaso se d majoritariamente na escola pblica? Por

    quais motivos os jovens evadem? Que aes vm sendo implementadas na Bahia para o

    enfrentamento da questo?

    Com base na literatura produzida sobre evaso e em pesquisas cientficas

    (monografias, teses, dissertaes e outras) que buscaram ouvir os atores da escola e nas

    discusses provocadas pelo Processo de Enturmao, divulgadas em jornais locais, o trabalho

    pretendeu levantar, analisar e discutir alguns aspectos da evaso entre os jovens,

    especialmente na Bahia, isso sem desconsiderar o contexto social, poltico e histrico em que

    estamos inseridos e assim contribuir para compreenso desse fenmeno na atualidade.

    Para alcanar tais objetivos o presente trabalho est estruturado em cinco captulos,

    alm dessa introduo e das consideraes finais. No primeiro captulo buscou-se analisar

    aspectos tericos e histricos do fracasso escolar no Brasil e em outros pases.

    Compreendendo a evaso como parte integrante do fracasso, no segundo captulo levantou-se

    alguns ndices educacionais (taxa de abandono, distoro srie-idade, analfabetismo e

    reprovao que mostram a situao educacional da Bahia em relao ao Nordeste e ao Brasil.

    No terceiro captulo nos tomou-se a discusso sobre os motivos da evaso escolar com

    base em pesquisas recentes que buscaram no cenrio nacional e local compreender o

    fenmeno. J no quarto captulo procurou-se levantar as causas da evaso a partir da tica dos

    jovens, extraindo essas informaes de pesquisas que trouxeram suas vozes. Ainda nesse

  • 12

    captulo buscou-se trazer a contribuio da Sociologia da Educao para a anlise da evaso e

    a viso que os jovens tm da escola.

    No ltimo captulo procurou-se descrever a soluo encontrada pela Secretaria da

    Educao do Estado da Bahia para o enfrentamento da questo e as discusses geradas em

    torno dessa medida governamental.

    1- Fracasso escolar: algumas consideraes

    Ao fazer o levantamento da literatura sobre evaso escolar, no primeiro momento, a

    impresso que se tem de que h poucos trabalhos atuais sobre temtica, contudo o fenmeno

    na maioria das vezes abordado pelos autores em conjunto com os demais acontecimentos

    relacionados a problemas com a aprendizagem e/ou permanncia escolar. No meio acadmico

    em geral, a evaso, o abandono e a repetncia escolar completam uma trade, a qual se

    convencionou denominar fracasso escolar, todos encerrando forte complexidade. Alguns

    autores se destacam no estudo desse fenmeno, entre eles podemos citar Teixeira (1976);

    Bourdieu (1975; 2001), Brando (1979; 2009); Picano (1986); Mello e Silva (1991);

    Abramowicz (1995; 1997; 2009), Patto (1996) Arroyo (1997; 2003; 2009); Ferraro (2004),

    Ireland (2007) dentre outros.

    A partir dessa perspectiva percebe-se que h uma vasta literatura sobre a temtica,

    porm atualmente so poucas as publicaes a partir do termo fracasso escolar. Muitas

    vezes a questo situa-se a partir da discusso sobre dificuldades de aprendizagem e

    sucesso/insucesso escolar ou de forma diluda em outros trabalhos. Segundo Arroyo (1997),

    esta questo se explica pelo fato de que

    Falar em fracasso escolar no resulta atraente para os educadores. como

    rever um velho seriado. Mudar de discurso e falar em sucesso escolar

    resolver o problema? Temos que reconhecer que o tema vem sendo

    recolocado nas preocupaes dos profissionais da educao (p.11).

    Ainda de acordo com Arroyo (1997), a forma de analisar o fracasso escolar que

    precisa ser revista. Nesse sentido, Abramowicz et al. (2009) defendem a necessidade da

    superao das anlises clnicas e individuais, vez que o problema situa-se no campo da luta

    por polticas pblicas de Estado e por um ordenamento jurdico que ataque procedimentos e

  • 13

    rituais do aparelho escolar que segrega e vitima milhes de educandos ao classific-los como

    fracassados na escola, na sociedade e no trabalho (p.8).

    1.1- Fracasso ou Excluso Escolar?

    O fracasso um fenmeno complexo de ser analisado principalmente por envolver

    uma srie de problemas relacionados escolaridade com caractersticas diferentes. Evaso,

    abandono, repetncia, expulso, reprovao, analfabetismo, etc. so termos usados com

    frequncia pelos autores na composio do chamado fracasso escolar. Mas se so

    acontecimentos diferentes por que no isolar cada um dos fenmenos para analis-los?

    O significado e a distino dos acontecimentos que compem ou levam ao fracasso

    no so tratados nos trabalhos sobre a temtica, ou pelo menos com a complexidade que se

    julga que merecem. O que a primeira vista parece significar apenas uma forma genrica para

    de denominar um conjunto de fenmenos negativos relacionados

    aprendizagem/escolaridade. Depois de algumas leituras, compreende-se que diz respeito a

    uma srie de fenmenos correlacionados, pois o aluno reprovado hoje tem grandes chances de

    se tornar um repetente amanh e depois um evadido do sistema sem ao menos ter adquirido

    as competncias de ler e escrever, criando-se dessa forma o aluno vtima do fracasso.

    Portanto, pode-se afirmar que o conceito sistmico, pois representa um conjunto de

    fenmenos que em geral ocorrem simultaneamente.

    Na prtica, a evaso se configura quando o aluno sai definitivamente do sistema

    escolar, j o abandono caracterizado pelas sadas e entradas do aluno no sistema sem

    completar as etapas de ensino (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003). O texto da Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao - LDB 9394/96 no menciona nenhum dos termos

    relacionados ao fracasso, contudo faz referncia questo da frequncia no Captulo II, nas

    Disposies Gerais da Educao Bsica, Art. 24, Inciso VI quando diz:

    O controle de frequncia fica a cargo da escola, conforme o disposto no seu

    regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a

    frequncia mnima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para

    aprovao;

  • 14

    Assim, a principal lei de educao do pas no esclarece em que momento a escola

    deve considerar que o aluno abandonou ou evadiu do sistema, mas subentende-se que a escola

    orientada pelo seu regimento e pelas normas do seu estado ou municpio classifique a

    situao, j que os ndices de abandono e evaso aparecem nos indicadores educacionais do

    sistema nacional. Os termos reprovao escolar e repetncia na prtica tm o mesmo sentido,

    o ato de reprovar o aluno fazendo-o repetir a mesma srie que j havia cursado. Abramowicz

    (1995; 1997) utiliza a expresso alunos multirrepententes para designar alunos que

    repetiram por mais de duas vezes em sua escolarizao permanecendo nas sries iniciais.

    No campo terico h muitas crticas aos termos citados, principalmente quando so

    consideradas as desigualdades scio-econmicas, a violncia e as demais situaes

    enfrentadas pelos alunos. Desse ponto de vista a noo sistmica do fracasso torna-se mais

    evidente. Ireland (2007) afirma que fracasso escolar o resultado da conjuno de graves

    problemas sociais vividos pelos alunos e suas famlias, associados ao desempenho na escola.

    Como se poder entender que uma criana de seis anos de idade, no atual ensino fundamental

    de nove anos, seja uma fracassada ao fim do primeiro ano? Segundo a mesma autora

    Esta uma das faces do drama brasileiro que se manifesta, entre outros

    aspectos, na desistncia dos alunos ao longo dos perodos letivos ou entre

    eles, na repetio e na perseverana dos estudos, em mdia por longo tempo

    e pelo absentesmo (IRELAND, 2007, p.17).

    Ferraro (2004), ainda mais enftico ao afirmar que os conceitos de excluso e de

    fracasso representam dois olhares sobre os mesmos fatos ou situaes. Para o autor as

    situaes de analfabetismo, no-acesso escola, reprovao, repetncia, defasagem nos

    estudos, evaso, etc. so produtos do aparelho escolar e podem ser reunidos em trs grupos. O

    primeiro deles composto por aqueles que no tiveram, sequer, a oportunidade de serem

    admitidos no processo de alfabetizao, o segundo, corresponde quele grupo que admitido,

    mas posteriormente excludo, os chamados evadidos e, o terceiro, representado por

    aqueles que ainda dentro do sistema de ensino , esto sendo objeto de

    excluso no prprio processo de ensino atravs da reprovao e repetncia e

    esto sendo assim preparados para posterior excluso do processo

    (FERRARO, 2004, pp.48-49).

    Machesi e Prez (2004) afirmam que o termo fracasso escolar amplamente

    difundido em outros pases e muito mais sinttico que outras expresses, por isso no fcil

    modific-lo (p.17). Entretanto para Abramowicz et al. (2009), tornou-se um consenso a

  • 15

    substituio da idia de fracasso escolar pela palavra excluso escolar, j que o fracasso

    escolar, de certa maneira culpabilizava os alunos, seus pais, a ausncia de cultura simblica,

    de cultura escolar e outros. (p.116). Diante disso, ao invs de aluno fracassado outras

    denominaes passaram a ser utilizadas como alunos com baixo rendimento escolar ou

    alunos que abandonam o sistema educacional sem a preparao suficiente. Segundo

    Machesi e Prez (2004) isso acontece porque

    Tambm se considerou que pode ser prefervel elaborar polticas

    educacionais em torno de objetivos positivos, como conseguir xito para

    todos ou melhorar o rendimento educacional e evitar que os esforos venham

    se centrar numa mensagem negativa como a luta contra o fracasso escolar

    (p.17).

    Percebe-se ento que existe toda uma preocupao com o mascaramento da realidade.

    Perguntas como Por que as crianas fracassam? ou Por que ainda convivemos com altos

    ndices de analfabetismo em pleno sculo XXI?, formuladas na tentativa de entender o

    fracasso escolar parecem no encontrar eco na atualidade, mas para Abramowicz et al. (2009)

    Essas perguntas permanecem atuais, mas agora utiliza-se a palavra

    desempenho e/ou performance para qualificar e avaliar os alunos. O Pisa

    surge como um sistema global de avaliao, reatualiza por essa via o debate

    da aprendizagem e das causas do fracasso, de maneira mundializada e nesse

    ranking mundial o fraco desempenho dos alunos brasileiros, da escola

    brasileira e, sobretudo, das polticas nacionais na educao aparece como

    algo que vem sendo chamado de ineficincia do sistema escolar de alguns

    pases do Primeiro Mundo, como Portugal, Itlia e Espanha, por

    exemplo(ABRAMOWICZ et al., 2009, p. 116-117).

    Os exames de avaliao de desempenho vm se tornando uma prtica constante no

    Brasil. Tais exames so elaborados pelo MEC para diagnstico, em larga escala e objetivam

    avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes

    padronizados e questionrios socioeconmicos. A Provinha Brasil, a Prova Brasil e o Enem

    so as principais avaliaes da Educao Bsica responsveis por avaliar estudantes dos anos

    inicias do ensino fundamental, dos anos finais e do ensino mdio respectivamente (INEP,

    2010). Porm existem programas de avaliao que visam fazer um diagnstico em

    comparao com outros pases, a exemplo do Programa Internacional de Avaliao

    Comparada (PISA). Os resultados dessas avaliaes internacionais mostram que o problema

    do fracasso no uma exclusividade de pases subdesenvolvidos e/ou perifricos.

  • 16

    1.2 Fracasso Escolar em outros pases

    Segundo Ireland (2007), a aprendizagem um desafio, isto porque qualquer pessoa

    que se predispe a aprender algo corre o risco de fracassar e, sendo assim, pode-se afirmar

    que o fracasso sempre existiu, j que a idia de fracasso est presente no conceito de

    aprendizagem e o ser humano no pode viver sem aprender.

    Contudo, o fracasso passou de uma questo pedaggica a um problema social que

    ocorre em diversos pases do mundo. E coloca ainda mais em evidncia o carter de dualidade

    da educao que de acordo com Rummert (2007) no se constitui em privilgio de pases

    como o Brasil, nem tampouco do perodo histrico cujo marco de incio representado pela

    Primeira Revoluo Industrial, sobre isso a autora ainda afirma que:

    Tal dualidade se constri como parte de processo de organizao das

    sociedades de classe e constitui clara explicitao das relaes assimtricas

    de poder entre subalternizados e dominantes, que se agudiza sobremaneira

    no modo de produo capitalista (RUMMERT, 2007, p.81).

    Nesse sentido, problemas como a evaso e a repetncia tambm so problemas

    enfrentados pelos pases desenvolvidos. Recentemente foi divulgado o lanamento de uma

    campanha de combate a evaso escolar nos Estados Unidos, a medida foi anunciada pelo

    prprio presidente Obama e dizia: EUA lanam campanha contra evaso escolar e poder

    fechar colgios. Segundo a reportagem:

    Obama lembrou que, "a cada ano, mais de um milho (de estudantes norte-

    americanos) no chegam ao final do colgio, quase um em cada trs". "Mais

    da metade deles so negros ou hispnicos", afirmou. Obama ressaltou que a

    situao econmica atual, com uma taxa de desemprego oficial de 9,7%,

    deixa pouco espao para os no diplomados que chegam ao mercado de

    trabalho (G1, 2010).

    Um dos itens da campanha referida prev a demisso de professores e o fechamento de

    estabelecimentos de ensino com baixo nvel de desempenho. A Frana e Blgica estimam que

    se no houvesse a repetncia e a evaso poderiam reduzir seus gastos com educao em 30 e

    10% respectivamente. (EURYDICE, 1994 apud KOVACS, 2004). Na Espanha a situao

    tambm no diferente, Galdn (2004) afirma que 25% dos estudantes espanhis no

    concluem de forma satisfatria a educao obrigatria e admite que um em cada quatro jovens

    tem uma alta probabilidade de no se incorporar de forma adequada sociedade. No ensino

    superior esses dados sobem para prximo de 40%, sendo o governo espanhol obrigado a

  • 17

    incentivar a presena de brasileiros nas universidades espanholas para garantir a frequncia

    equilibrada do ensino.

    O aumento da demanda por qualificao em funo do avano cientfico e tecnolgico

    apontado como principal causa para ndices to alarmantes de fracasso escolar nesses pases

    como aponta Kovacs (2004),

    Isso resultado, em parte, da magnitude e da velocidade da mudana

    tecnolgica que tornaram necessrio no s redefinir os contedos como

    incrementar exigncias quanto aos padres educativos. E, logicamente,

    diante da maior exigncia, maior a probabilidade de fracasso (p.44).

    Outra explicao parte do reconhecimento de que as desigualdades sociais existem

    tambm no interior de pases ricos e que estas contribuem em grande medida para

    manuteno dos ndices de evaso e repetncia nesses pases. Nesse sentido Baudelot e

    Establet (2009) referindo-se a sociedade espanhola defendem a tese de que a escola como

    fragmento urbano de uma zona particular s pode ter xito em uma sociedade menos

    desigual (BAUDELOT e ESTABLET, 2009 apud ABRAMOWICZ et al. 2009).

    Uma das evidncias de que o fracasso escolar no um fenmeno isolado de alguns

    pases foi iniciativa da Organizao de Cooperao Econmica para o Desenvolvimento da

    Educao dos pases desenvolvidos (OCDE) que em 1998 lanou um projeto sobre o fracasso.

    Os resultados desse projeto contriburam para o conhecimento das dimenses e do significado

    desse fenmeno em diferentes contextos.

    A OCDE una organizacin intergubernamental de pases industrializados que acta

    como foro de promocin del desarrollo econmico y social de los pases miembros (PISA,

    2006). De acordo com Kovacs (2004, p.44) o interesse por reduzir o fracasso est no centro

    do interesse dos pases membros da OCDE, isto porque estudos revelaram que nesses pases

    quase a quinta parte dos jovens abandona os estudos antes de completar o bachillerato2 sem

    ter adquirido as competncias requeridas para ingressar no mercado de trabalho. Alm disso,

    tambm pelo fato de que a tera parte da populao adulta, em sete das economias mais

    avanadas, tem uma capacidade de leitura e um rendimento em matemtica e cincias

    menores que os necessrios para se conseguir um emprego. A ateno dos governos a esse

    2 Nvel de ensino obrigatrio em alguns pases cuja funo preparar o aluno para ingressar no ensino

    superior.

  • 18

    problema surge por causa dos efeitos negativos do baixo rendimento escolar, como assinala o

    autor

    O renovado interesse dos principais atores educacionais surge das

    consequncias, cada vez maiores, que esse quadro tem para o indivduo,

    pois o condena ao desemprego ou a um emprego com baixa remunerao;

    para o sistema educacional, porque implica desperdcio de recursos numa

    poca de restrio dos gastos pblicos e para a sociedade em geral porque

    atinge negativamente a competitividade econmica e a coeso social

    (KOVACS, 2004, p.43).

    Nesse sentido, percebe-se que a questo econmica tanto do ponto de vista individual,

    da garantia da sobrevivncia atravs do emprego, como do ponto de vista da organizao

    social, dos gastos pblicos a preocupao central dos pases membros da OCDE ao colocar

    o problema da evaso escolar como proposta para enfrentamento.

    A Organizao aponta trs manifestaes diferentes para o fracasso. A primeira se

    refere aos estudantes com baixo rendimento escolar, quer dizer, aqueles que durante sua

    escolarizao no alcanam um grau mnimo de conhecimentos. A segunda abrange os

    estudantes que abandonam ou terminam a educao obrigatria sem o ttulo correspondente.

    A terceira aponta para as consequncias sociais e profissionais na idade adulta dos estudantes

    que no obtiveram a preparao adequada. (MACHESI e PREZ, 2004, p. 17) Entende-se,

    ento, que para a OCDE o fenmeno pode acontecer em trs momentos distintos, ou seja,

    durante, no final e aps o processo de escolarizao do indivduo.

    interessante notar que no contexto internacional o fracasso assume uma dimenso

    diferenciada do contexto brasileiro. O indivduo que consegue concluir a escolarizao bsica

    aqui no considerado fracassado independentemente da qualidade da educao que tenha

    recebido ou se posteriormente no consiga se inserir no mercado de trabalho. No Brasil o

    fracasso est diretamente ligado a excluso do espao escolar, no concluso da

    escolaridade bsica obrigatria, ainda que na prtica existam vrias formas de excluso, como

    destaca Ferraro (2004).

    Com o objetivo de fazer o diagnstico nos pases membros a OCDE desenvolveu o

    PISA, avaliao comparada da qual participam outros pases, inclusive o Brasil, havendo em

    cada pas participante uma coordenao nacional. No Brasil, o PISA coordenado pelo

    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP). A principal

    finalidade desse sistema de avaliao produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas

  • 19

    educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se

    pressupe o trmino da escolaridade bsica obrigatria na maioria dos pases. As avaliaes

    do PISA envolvem cadernos de prova e questionrios e acontecem a cada trs anos, com

    nfases distintas em trs reas: Leitura, Matemtica e Cincias. Em cada edio, o foco incide

    especialmente sobre uma dessas reas. Em 2000, o foco era na Leitura: em 2003, a rea

    principal foi a Matemtica e em 2006, a avaliao teve nfase em Cincias. (INEP, 2010)

    Com base nos resultados obtidos pelos alunos no PISA, autores franceses identificam

    trs grupos de pases, classificando-os quanto ao nvel de desempenho: um primeiro composto

    de 24 pases reunidos em torno dos pases anglo-saxes, Europa do norte (Frana, Itlia e

    Benelux), Japo e drages asiticos, estes sendo classificados no nvel forte; um segundo

    grupo, classificado pelos autores como tendo um nvel de desempenho mdio, que conta com

    20 pases, ou seja, os pases da Europa do norte, a Rssia e os pases da Europa do sul e um

    terceiro grupo, com resultados fracos, composto por 13 pases da sia, da frica do Norte e

    da Amrica Latina. (BAULDELOT e ESTABLET, 2009, apud ABRAMOWICZ et al. 2009).

    A crtica que se faz a sistemas de avaliao como o PISA que o mesmo desconsidera

    as desigualdades de recursos e os impactos do neoliberalismo que ocorrem de forma e

    intensidades diferentes em cada pas. Como possvel avaliar com critrios universais

    sistemas educacionais to diferentes? questiona Abramowicz et al. (2009) ressaltando que:

    De todo modo, esse modelo se globaliza, o impacto produz reformas no

    sistema educacional brasileiro, desde a implantao da escola de nove anos at

    o modelo de avaliao da ps-graduao executado pela Capes e todos os

    outros sistemas de avaliao em curso (p.117).

    Desse modo, a anlise das mudanas ocorridas no nosso sistema educacional no pode

    desconsiderar a observncia dessas polticas internacionais que h muito tempo ditam como

    deve ser a educao no pas. Tais avaliaes comprovam a complexidade do fracasso escolar,

    pois ao mesmo tempo em que se verifica pases do chamado Primeiro Mundo sendo

    desafiados por esse fenmeno pode-se, observar por outro lado, o exemplo de Cuba, que

    segundo o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apresenta um dos

    melhores ndices educacionais do mundo, mesmo com todos os problemas socioeconmicos

    que enfrenta devido ao bloqueio imposto pelo governo norte-americano h 38 anos.

  • 20

    As caractersticas sociais, histricas, econmicas e polticas de cada pas refletem os

    seus sistemas educacionais, por isso no se pode assumir modelos sem considerar os

    contextos. Entretanto, o fato de que at os pases desenvolvidos convivem com a questo do

    fracasso em nada minimiza a situao do Brasil principalmente quando observamos a forma

    como o sistema educacional brasileiro produziu milhares de fracassados ao longo de sua

    histria.

    1.3 Fracasso Escolar no Brasil

    O fracasso passou a ser um problema na escola brasileira quando a mesma comeou a

    democratizar-se, ou melhor, quando os pobres reivindicaram e conseguiram que seus

    filhos passassem a frequentar os bancos escolares. Com efeito a democratizao foi fruto

    da luta das camadas populares que durante vrias dcadas pressionaram o Estado para

    entrar na escola e entraram. Contudo no entraram na mesma escola em que outrora

    estudavam os filhos da elite, sobretudo pela qualidade do ensino oferecido, a esse respeito

    Picano (1986) afirma que:

    Sobre essa qualidade muito se tem escrito e falado. Em especial se aponta

    para a nova realidade em que penetrou a escola pblica brasileira, a partir da

    presena dos filhos das camadas proletrias urbanas e rurais no seu interior.

    A velha escola das classes mdias no respondeu a esta presena tampouco a

    reforma de 1971 (PICANO, 1986, p.11).

    Nesse sentido a autora levanta um aspecto primordial para se entender o fracasso

    escolar e a degradao do ensino pblico no pas: a dualidade da educao. A escola

    pblica ao receber as classes mais pauperizadas da sociedade comeou a perder a

    qualidade que detinha e ao mesmo tempo o ensino privado se qualificou para receber os

    que podiam pagar. No incio do processo de democratizao, os altos ndices de evaso e

    repetncia davam mostra da segregao que a escola pblica brasileira comeava a operar.

    Patto (1996) registra o fato baseada em dados educacionais publicados na dcada de 1940

    O servio de Estatstica Educacional da Secretaria Geral de Educao

    registrava 53,52% de retidos no 1 ano em 1936(cf. Cardoso, 1949). Dados

    do INEP (1941) registravam 58,83% de perdas do 1 para o 2 ano primrio

    em 1938. Loureno Filho (1941) referia-se com entusiasmo ao crescimento

    quantitativo da rede de ensino primrio de 1932 a 1939 e expressava duas

    novas preocupaes: em primeiro lugar com os altos ndices de evaso e

    secundariamente com a repetncia que se registrava nos primeiros anos da

    escola pblica primria (PATTO, 1996, p.1).

  • 21

    Nesse perodo Ansio Teixeira foi o primeiro intelectual a chamar a ateno sobre o

    processo puramente seletivo que o ensino primrio brasileiro estaria cumprindo. Para o

    autor o processo de seleo nas series inicias da escolarizao, ou seja, de escolha de alguns

    destinados a seguir a educao em nveis ps-primrios, estaria prejudicando a funo

    essencial desse nvel de ensino. Em 1957, no artigo A escola brasileira e a estabilidade

    social3 publicado pela Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, um dos maiores expoentes

    na luta pelos direitos de todos educao pblica, apontou o desvirtuamento do ensino

    primrio no pas ressaltando que:

    Considerando-o puramente preparatrio s fases ulteriores da educao,

    descuidamo-nos de organiz-lo para efetivamente atender a todos os alunos,

    seja qual for a capacidade intelectual de cada um, e vimos ao contrrio,

    mantendo a velha organizao seletiva da escola propedutica (TEIXEIRA,

    1976, p.389).

    De acordo com o autor a organizao da escola primria naquela poca era o principal

    fator para explicar a repetncia e a excluso, pois ao fixar os padres que deviam atingir os

    alunos capazes a escola menosprezava as diferenas individuais apenas para eliminar os

    reputados incapazes. Sendo assim, Ansio Teixeira foi o primeiro intelectual a apontar o

    dualismo da escola brasileira, embora sua discusso no envolvesse a questo da luta de

    classes, defendia que a finalidade do ensino primrio seria cuidar seriamente dos alunos de

    todos os tipos de inteligncias, que a procuram e que at obrigatoriamente a devem procurar

    para lhes d aquele lastro mnimo de educao (TEIXEIRA, 1976, p.391).

    Entre as dcadas de 1930 e 1940 o fracasso escolar passou a ser objeto de estudo.

    Diversas anlises foram feitas para identificar suas causas atravs de concepes e teorias

    nem sempre cientficas. No livro A Produo do Fracasso Escolar, Patto (1996) faz um

    levantamento dessas anlises que tentaram explicar as causas do fracasso ao longo da histria.

    Durante muitos anos a maioria das crianas que entravam na escola no 1 ano do

    ensino primrio aos 7 anos de idade mal sabia pegar no lpis, pois no existia educao

    infantil para os pobres e eram poucas as famlias que podiam pagar o ensino particular para

    seus filhos. De acordo com Brando (2009), o senso comum pedaggico no levava em conta

    3 Esse artigo foi novamente publicado em 1976 no livro Educao e Sociedade organizado por Luiz Pereira e

    Marialice M. Foracchi.

  • 22

    os diferentes cdigos lingsticos e culturais que desafiavam o projeto de democratizao do

    ensino pela simples expanso de vagas no sistema pblico.

    Mesmo assim, o fracasso foi analisado por diferentes pontos de vista. No incio, a no

    aprendizagem dos alunos significava para alguns um sintoma hereditrio, pelo fato da nova

    clientela estar composta dos filhos de pais com pouca instruo. Problemas de ordem

    psicolgica tambm foram atribudos a essas crianas, inclusive as classes especiais foram

    criadas para mant-las separadas daquelas que conseguiam aprender alguma coisa.

    Abramowicz et al. (2009) mostram que as anlises com esse vis sofreram uma ruptura na

    dcada de 1970, admitindo que:

    Na dcada de 1970, do ponto de vista do debate acadmico, as teorias

    compensatrias que procuravam explicar o fracasso escolar com base na

    teoria das carncias culturais, afetivas e alimentares no interior do eixo

    mdico-higienista que medicalizava alguns alunos, especialmente os pobres

    que no conseguiam aprender, estabelecendo uma relao entre desnutrio,

    dificuldade visual e/ou auditiva e aprendizagem, foram tragadas pela

    renovao desse debate e, ao mesmo tempo contriburam para a introduo

    de polticas pblicas como, por exemplo, a merenda escolar, que foram

    tentativas de resolver e interromper esse processo de repetncia, muito

    oneroso tambm do ponto de vista econmico (p. 111).

    Segundo as autoras, a partir dessa dcada, as teorias explicativas sobre o fracasso

    escolar baseadas na vertente marxista produziram efeitos importantes na reconfigurao da

    escola e tambm na formulao da pedagogia denominada de teoria crtica e/ou marxista.

    Ainda de acordo com as autoras, o debate realizado na poca era pautado principalmente no

    livro A reproduo de Bourdieu e Passeron, publicado em 1970.

    Alm disso, em outras obras tambm pode-se verificar a contribuio de Bourdieu,

    para anlise dos sistemas de ensino e da escola e sua funo reprodutora numa sociedade

    dividida em classes. Para Bourdieu e Passeron (1975), a inclinao para enxergar nas

    estatsticas educacionais apenas a manifestao isolada entre performance escolar e vantagens

    ou desvantagens que se prendem origem social resulta do fato de no se analisar que a

    desistncia resignada dos membros das classes populares diante da escola deve-se

    organizao e s funes do sistema escolar como instncia de seleo, de eliminao e

    dissimulao da eliminao sob a seleo. Nessa direo os autores afirmam que:

  • 23

    Quando se trata de explicar que a frao da populao escolar que se elimina

    antes de entrar no ciclo secundrio ou durante esse ciclo no se distribui ao

    acaso entre as diferentes classes sociais, fica-se condenado a uma explicao

    atravs de caractersticas que permanecem individuais, mesmo quando

    imputadas igualmente a todos os indivduos de uma mesma categoria, na

    medida em que no se adverte que tais caractersticas s se manifestam na

    classe social enquanto tal na e atravs de sua relao com o sistema de ensino

    (BOURDIEU e PASSERON, 1975, p.165).

    Assim, de modo geral, a obra de Bourdieu contribuiu para derrubar a idia de que a

    escola realiza uma seleo neutra daqueles que possuem mrito para alcanar postos mais

    elevados na sociedade (LUGLI, 2008). E, tambm, para mostrar que ao tratar de modo igual

    quem diferente, a escola privilegia, de maneira dissimulada, quem, por sua bagagem

    familiar, j privilegiado. (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2008) No livro Democratizao do

    Ensino: meta ou mito? organizado por Brando (1979), diversos autores, baseados nas

    contribuies de Bourdieu, discutem os impasses do projeto de democratizao escolar

    brasileiro que no levou em conta as diferenas de socializao primria dos contingentes de

    estudantes incorporados pela abertura de novas vagas.

    Apesar dos estudos e das polticas educacionais implementadas com vistas a diminuir

    os ndices de evaso e repetncia, Arroyo (2003) mostra que na dcada de 1980 a situao

    ainda no havia se modificado

    As estatsticas no fazem outra coisa seno confirmar o fracasso escolar dos

    filhos do povo. Os ndices de repetncia e evaso teimam em mostrar que

    quase 60% dessas crianas no ultrapassam a 1 srie, e o restante ir

    saindo, ou sendo forado a sair, ainda nas primeiras sries, sem contar

    aqueles que nem entram na escola (p. 11) .

    Estes nmeros demonstram grande "viscosidade" do sistema brasileiro, isto , uma

    incapacidade para possibilitar a sua clientela um avano progressivo aos nveis mais altos de

    escolaridade. (MELLO e SILVA; 1990) Os estudos mostram que a repetncia e a evaso

    sempre tiveram uma relao de causalidade muito forte no Brasil. Atualmente, segundo Gatti

    (2009),o sucesso escolar de crianas e jovens um problema em evidncia no pas, uma meta

    que no foi alcanada de modo suficiente. Ainda que se possa observar uma melhor

    adequao do fluxo escolar os dados mostram que a repetncia e evaso na educao bsica

    vm se mantendo constante e at mostram certa elevao nos ltimos anos.

  • 24

    No inicio do processo de democratizao, a evaso, em decorrncia da repetncia ou

    de problemas com relao a aprendizagem, se dava logo nos primeiros anos de escolarizao.

    Nos dias atuais percebe-se que a sada dos alunos do sistema escolar vem acontecendo cada

    vez mais tarde. Esse aumento em anos de escolaridade em grande medida foi conquistado

    com a adoo de polticas que probem a reprovao em determinadas sries (aprovao em

    ciclos, aprovao automtica), atravs de programas sociais de apoio renda familiar que tem

    a frequncia escolar como condicionalidade para o recebimento da bolsa e de medidas

    coercitivas que prevem punies para os pais que deixarem seus filhos fora da escola.

    Nesse captulo ficou evidenciada a complexidade do fracasso escolar. Em primeiro

    lugar, por se tratar de um conceito que envolve uma srie de acontecimentos relacionados a

    problemas com a aprendizagem e/ou escolaridade. Em segundo lugar, por ser um fenmeno

    que se manifesta em vrios pases do mundo, inclusive em pases ricos, colocando ainda mais

    em evidncia as contradies do capitalismo. Em terceiro e ltimo lugar, por ser um problema

    que, alm das dimenses pedaggicas, tem dimenses histricas, culturais e polticas que

    contribuem muito para a manuteno do fracasso escolar nas escolas brasileiras. Tais

    consideraes sobre o fracasso so de fundamental importncia para se entender as causas da

    evaso escolar entre os jovens, fato que j considerado um grande problema social na

    atualidade.

    2 Evaso Escolar: faceta do fracasso

    A evaso escolar entre os jovens tem sido objeto de diversas pesquisas nos ltimos

    anos (NEY et al. 2010, NERI, 2009; BORGHI, 2009; CRUZ, 2009; MARUN, 2009;

    TBERO, 2008; VERHINE; 2006) o que indica a atualidade do tema. Em geral, as

    dissertaes, teses, artigos e pesquisas encomendadas por secretarias de educao ou

    organizaes educacionais privadas procuram investigar as causas da evaso a partir de

    entrevistas com profissionais da educao, dos prprios jovens evadidos ou de seus pais e

    familiares. No Brasil a ateno se voltou ainda mais para essa faceta do fracasso nos ltimos

    anos, entretanto entre os pases da Amrica Latina o problema j era motivo de preocupao

    h mais tempo, como exposto por Ribeiro (1991) ao afirmar que,

    Durante os ltimos cinquenta anos, as estatsticas educacionais oficiais nos

    pases da Amrica Latina mostram um quadro onde a evaso escolar parece

    ser o principal entrave ao aumento da escolaridade e da competncia

    cognitiva de sua populao jovem (p.2).

  • 25

    Na Argentina, por exemplo, a alfabetizao quase universal desde 1947, mas os

    jovens tinham poucos anos de estudo. O ensino obrigatrio dos 5 aos 17 anos, o sistema

    escolar da Argentina consiste em um nvel primrio que dura de seis a sete anos, e um

    secundrio que dura de cinco a seis anos. Atualmente no pas, trs em cada oito adultos acima

    de 20 anos completaram o ensino secundrio ou superior (CASTRO, 2007).

    No Brasil, a evaso de jovens pobres do sistema educacional sempre foi uma

    realidade, contudo antes o fato ainda no havia se constitudo no problema com a proporo

    que conhecemos hoje. Com a quase universalizao do acesso ao ensino fundamental no pas

    um dos atuais desafios permanncia dos jovens no ensino fundamental e o seu posterior

    ingresso no ensino mdio, que uma meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educao cujo

    prazo de implementao expira em 2010. Nesse captulo nos voltaremos para compreenso de

    um dos fenmenos que compe o fracasso: a evaso escolar a partir de pesquisas recentes

    realizadas em torno da temtica.

    2.1- Os nmeros da evaso

    Os nmeros que correspondem ao chamado fracasso escolar, em geral, esto em queda

    no Brasil. As taxas de analfabetismo, reprovao, distoro srie-idade a cada ano so

    menores exceto a taxa de abandono no ensino mdio que desde 2002 vem apresentando

    pequenas, mas significativas elevaes. Levantar a questo do fracasso escolar no Brasil no

    momento em que o pas avana em termos de oferta de ensino parece ser um anacronismo, no

    entanto, a questo que o dficit educacional da populao ainda alto se comparado a outros

    pases e os desiguais resultados alcanados por regies geogrficas mostram um quadro

    vergonhoso para o pas. Alm disso, h que se pensar nos milhares de crianas, jovens e

    adultos, vtimas do fracasso e o que esses nmeros, ainda que menores em relao as pocas

    passadas, representam para a conjunto da sociedade.

    De acordo com o Panorama de Educao (2010) organizado pela OCDE com base em

    indicadores internacionais comparveis, referentes ao ano de 2008, na maioria dos pases da

    OCDE, 60% ou mais dos adultos de 25 a 64 anos concluram a educao secundria, que

    corresponde ao novo ensino mdio. Enquanto no Brasil a situao quase que inversamente

  • 26

    proporcional, apenas 39% da populao nessa faixa etria concluram essa etapa de ensino.

    Em relao ao ensino superior, a taxa de concluso nos pases membros da organizao de

    35% na faixa etria mais jovem (25 a 34 anos) trs vezes maior que a taxa mdia para

    populao brasileira nessa faixa etria, pois apenas 11% concluram o ensino superior mesmo

    com a expanso que assistimos nos ltimos anos. (Panorama de Educao OCDE, 2010) Ao

    apresentar as taxas de escolarizao o levantamento evidencia o percentual daqueles que

    ficam de fora, os evadidos ou expulsos do sistema educacional.

    No Brasil, as taxas de analfabetismo, reprovao e abandono ainda so maiores nas

    regies Norte e Nordeste. Alguns estados dessas regies ainda apresentam nmeros bastante

    dspares da mdia nacional, como o caso da Bahia. Informaes educacionais organizadas

    pela Superintendncia de Acompanhamento e Avaliao do Sistema Educacional (SUPAV)

    da Secretaria de Educao do Estado da Bahia comparam os nmeros do Brasil, do Nordeste e

    da Bahia. O documento mostra que em 2000 as taxas de escolarizao bruta4 no Ensino

    Fundamental mostravam que a distoro srie-idade5 na Bahia era maior que a mdia do

    Nordeste e do Brasil, como aponta a Tabela 1,

    Tabela 1

    Taxa de Escolarizao Brasil/ Nordeste e Bahia 2000.

    Abrangncia Geogrfica Etapa de Ensino Taxa de Escolarizao

    Bruta Lquida

    Brasil Ensino Fundamental 126,7% 94,3%

    Ensino Mdio 76,6% 33,3%

    Nordeste Ensino Fundamental 141,2% 92,8%

    Ensino Mdio 56,7% 16,7%

    Bahia Ensino Fundamental 161,5% 96,2%

    Ensino Mdio 61,3% 15,3%

    Fonte: Informaes Educacionais, Bahia - 2006

    4 Taxa de escolarizao bruta a relao percentual entre o nmero total de alunos matriculados num

    determinado ciclo de estudos (independentemente da idade) e a populao residente em idade normal de frequncia desse. J a taxa de escolarizao identifica a parcela da populao na faixa etria adequadas a um determinado nvel de ensino em relao populao na faixa etria teoricamente adequada para freqentar esse nvel de ensino. A faixa etria adequada para o Ensino Fundamental est entre 7 e 14 e para o Ensino Mdio entre 15 e 17. 5 Quanto maior a taxa de escolarizao bruta, maior a distoro srie idade, pois a taxa mostra a quantidade de

    alunos matriculados em cada etapa de ensino independente da idade dos alunos.

  • 27

    J a taxa de escolarizao lquida no ensino mdio mais uma vez comprova o atraso

    educacional da Bahia em relao ao pas, os nmeros indicavam que somente 15,3% dos

    jovens com idade entre 15 e 17 anos encontravam-se matriculados no ensino mdio em 2000,

    menos da metade da mdia nacional que era de 33,3%.

    Como defendeu Ribeiro (1991, p.13) esta situao mostra em toda a sua

    dramaticidade, qual o principal obstculo universalizao da educao bsica em nosso

    pas: a repetncia, que alm de produzir os enormes ndices de distoro srie-idade,

    contribuem para a sada de estudantes do sistema de ensino. De acordo com Klein (2006, p.

    140) a evaso acaba acontecendo em decorrncia da repetncia, os alunos avanam pouco

    nas sries, e acabam expulsos da escola.

    Com relao a taxa de analfabetismo, o Nordeste ocupa as piores posies em relao

    as demais regies. Dos dez estados com maior ndice de analfabetismo nove eram nordestinos

    em 2005, sendo que a Bahia ocupava a 10 posio naquela ocasio. Os dados da Pesquisa

    Anual por Amostra de Domiclios realizada pelo IBGE mostram uma diminuio significativa

    dessa taxa na Bahia entre 2004 e 2009, enquanto no pas a queda foi de 1,8 ponto percentual,

    na Bahia houve queda de 4,24 pontos percentuais no perodo. Segundo a mesma pesquisa em

    2009, 16,7% dos baianos no sabiam ler e escrever, sendo 1,8 milho de pessoas com mais de

    15 anos nesta situao, o que correspondia a mais de 12% do total de analfabetos do Brasil,

    que possua 14,1 milhes de pessoas nesta situao.

    J os ndices de reprovao e abandono na Bahia em 2004, de acordo com o

    levantamento feito pela SUPAV mostram claramente que no ensino fundamental o fracasso

    aparece mais atravs da reprovao (19,2%) e no ensino mdio atravs do abandono (21,1%),

    como pode-se observar na Tabela 2,

    Tabela 2

    ndice de Aprovao/Reprovao e Abandono 2004

    Abrangncia

    Geogrfica

    Etapa de Ensino ndices

    Aprovao Reprovao Abandono

    Brasil Ensino

    Fundamental

    78,7%

    13,0%

    8,3%

    Ensino Mdio 73,3% 10,7% 16,0%

    Nordeste Ensino

  • 28

    Fundamental 69,7% 16,7% 13,6%

    Ensino Mdio 70,9% 8,2% 20,9%

    Bahia Ensino

    Fundamental

    64,3%

    19,2%

    16,5%

    Ensino Mdio 69,0% 9,9% 21,1% Fonte: Informaes Educacionais, Bahia - 2006

    O levantamento mostrou ainda que na Bahia, entre 1999 e 2004 o percentual de

    abandono diminuiu no ensino fundamental. J no ensino mdio o ndice era de 21,6 % em

    1999, caiu para 19,1 % em 2001 e em 2004 subiu para 21,1%. De acordo com o Anurio

    Estatstico da Educao do Estado, em 2008 esse ndice decresceu para 19,8% no ensino

    mdio e 9,0% no ensino fundamental. Apesar dos nmeros no apresentarem crescimento das

    taxas de abandono, a repercusso nacional sobre a evaso juvenil tem sido grande nos ltimos

    anos.

    A pesquisa que ouviu dirigentes escolares em 2006 mostrou que a dificuldade para

    traduzir a evaso em nmeros decorre da resistncia de alguns gestores em transmitir a

    quantidade exata de alunos evadidos para as respectivas secretarias, uma vez que a

    informao pode gerar prejuzos para a escola, como afirmava alguns gestores,

    [...] no regular, eu tenho um turno que s no fechei ainda porque estou

    gerenciando essa escola vazia, porque mais interessante manter um turno

    e garantir os professores esperando que, em dois mil e sete, a gente consiga

    voltar a fazer uma matrcula discente pra novamente aproveitar tudo

    (Depoimento em grupo focal, citado por VERHINE, 2006, p.21).

    [...] se eu diminuo os alunos, se os alunos vo embora, sabe que o principal

    prejudicado somos ns, os gestores, porque o porte da escola cai e eu tenho

    uma reduo do meu salrio. Ento a discusso, que ns j colocamos,

    que a escola no deveria perder porte quando o aluno sai, at porque a

    culpa no minha. Eu, diretor, no posso ser penalizado. O professor no

    perde nada, ele continua ganhando a mesma coisa, mas eu, eu, gestor, sou

    prejudicado (Depoimento em grupo focal, citado por VERHINE, 2006,

    p.22).

    A evaso para escola gera corte no oramento, remanejamento de professores para

    outras unidades e implica na diminuio do salrio dos dirigentes, definido pelo porte, ou

    seja, pelo nmero de alunos que a escola atende. Segundo os gestores entrevistados, o

    problema ainda gera mal estar entre os professores que no querem dar aula para poucos

    alunos, em um aparente contrasenso. (VERHINE, 2006)

  • 29

    Os maiores ndices de evaso escolar sempre se apresentaram no turno noturno, mas

    ultimamente o diurno vem apresentando nmeros elevados. Os dirigentes escolares

    entrevistados pela pesquisa citada confirmaram a ociosidade da rede estadual em Salvador,

    especialmente no turno vespertino e mencionaram salas vazias, ou salas com nmero muito

    baixo de alunos, j na matrcula, como ilustra a fala a seguir:

    No temos alunos [...] eu tinha vinte e seis turmas no matutino de ensino

    mdio, hoje eu tenho dez. (Depoimento em grupo focal, citado por

    VERHINE, 2006, p.21)

    na matrcula que os sintomas da evaso aparecem, quando se espera que o

    contingente de alunos que no concluram seus estudos retorne as unidades de ensino para

    conclu-lo, o regresso no acontece como esperado. O abandono, fenmeno que pode ser

    medido somente aps o incio das aulas, j esperado pelos gestores, que afirmaram permitir

    a matrcula de alunos em nmero maior que o estipulado por turma prevendo sua ocorrncia.

    Mesmo com a possvel tentativa de camuflagem, os nmeros apontaram que em 2008

    o abandono no ensino mdio atingiu a grande maioria das escolas situadas no estado. Em

    alguns municpios o ndice ultrapassou a casa dos 30%, como foi os casos de Mucur (30,4),

    Nazar (38,3), Pira do Norte (34,2), Tapero (32,1) e outros. (ANUARIO ESTATSTICO

    DA EDUCAO, 2010)

    Os dados sobre o abandono nas escolas pblicas do estado da Bahia viraram notcia

    em jornais locais. So milhares de alunos que se encontram matriculados, em todo estado,

    mas por algum motivo deixam de frequentar a escola, mesmo antes de completar o Ensino

    Fundamental, sendo que o Ensino Mdio apresenta os maiores ndices divulgou o Jornal A

    Tarde em setembro de 2009 em reportagem que trazia os nmeros do abandono:

    At o final do ano, cerca de 375 mil estudantes 250 mil por abandono e 125

    mil por evaso da rede estadual baiana de ensino pblico estaro fora das

    salas de aula, estima a Secretaria de Educao do Estado da Bahia (SEC). No

    Colgio Estadual Landulfo Alves, em Salvador, por exemplo, 35 turmas que

    comearam 2009 com 40 alunos hoje tm frequncia bem menor, algumas

    chegando a quatro ou cinco estudantes por turma (A TARDE CIDADES,

    04/11/09).

    Alm dessa, outras notcias apontaram o esvaziamento das escolas estaduais,

    principalmente no turno vespertino, a exemplo do Colgio Central que, segundo um de seus

    gestores Jorge Nunes Sacramento em entrevista concedida ao jornal eletrnico Folha

  • 30

    Salvador, declarou que dos 2.700 alunos matriculados no Colgio em 2008, menos de 200

    compareciam no turno vespertino.

    Tais informaes colocaram o esvaziamento das escolas na Bahia em evidncia e

    prenunciaram a implementao de aes governamentais para resolver o problema. Ao lado

    disso tal situao suscita algumas questes importantes como: quais as causas da evaso

    segundo as pesquisas atuais? Existem semelhanas nas anlises realizadas em dcadas

    anteriores? O que dizem os especialistas sobre o assunto?

    3 As causas da evaso escolar

    As pesquisas que abordam a questo da evaso, em geral, tm como foco o

    levantamento de suas causas, dos motivos que excluem parcela significativa da juventude do

    espao escolar. Machesi e Prez (2004, p.19) afirmam que ao longo dos anos foram

    identificadas diferentes causas para explicar o fracasso, alguns estudos insistiram nos fatores

    estritamente vinculados ao aluno: suas capacidades, motivao ou herana gentica. Outros

    deram nfase principalmente aos fatores sociais e culturais. Ambos buscaram as causas do

    fracasso fora do ambiente escolar. Outros, finalmente, voltaram ateno para as escolas e

    defenderam que tambm a organizao e o funcionamento das mesmas tm uma parte de

    responsabilidade pelo fracasso. Ainda de acordo com os autores,

    Atualmente, existe um amplo acordo que as interpretaes unidimensionais

    do fracasso escolar no so exatas e de que no possvel explicar a

    complexidade desse fenmeno educacional atravs de um s fator. A maioria

    dos estudos e pesquisas coincide ao incorporar vrios nveis ou dimenses

    em sua tentativa de explicao. na influncia relativa de cada uma das

    dimenses que existem diferenas importantes (MACHESI e PREZ, 2004).

    Entretanto, os autores concordam que nesse aspecto ainda h uma grande ambiguidade

    e impreciso, especialmente em pesquisas quantitativas, embora alguns avanos tenham

    acontecido na Espanha, onde estudiosos j trabalham com um modelo multinvel, no qual

    possvel identificar quantitativamente o peso que cada fator exerce para ocorrncia do

    fracasso. No Brasil, as pesquisas quantitativas que buscam apontar as causas da evaso, em

    geral, continuam a utilizar o modelo no qual um nico motivo pode ser apontado dentre tantos

    outros. As anlises que partem dessas pesquisas correm o risco de no identificar os reais

  • 31

    determinantes da evaso ou, pelo menos, aqueles que exerceram maior influncia para a

    ocorrncia do fenmeno.

    As escolas pblicas brasileiras h dcadas convivem com a evaso, como j foi

    mencionado. No incio o fenmeno se apresentava logo nos primeiros anos de escolaridade, as

    crianas eram as maiores vtimas. Atualmente no ensino mdio que o problema tem ocorrido

    com mais intensidade, sendo a populao adolecente a mais afetada. Considerando que na

    modernidade a escolaridade tem se constitudo cada vez mais um requisito indispensvel para

    insero social questiona-se: por quais motivos os jovens evadem na atualidade?

    3.1 - Panorama Nacional: a falta de interesse dos jovens

    As pesquisas de alcance nacional que buscaram levantar as causas da evaso entre os

    jovens historicamente registraram a necessidade de trabalhar como a maior causa para

    ocorrncia do fenmeno. Atualmente outros fatores tm aparecido com mais frequncia nas

    pesquisas, a exemplo da falta de interesse pelos estudos por parte dos jovens.

    A pesquisa Ensino Mdio: Mltiplas Vozes, divulgada pela Organizao das Naes

    Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) e pelo Ministrio da Educao

    (MEC) em 2003, buscou entre outras questes, levantar as causas do abandono escolar no

    ensino mdio, nas escolas pblicas e particulares, em 13 capitais brasileiras 6

    . A metodologia

    da pesquisa abrangeu duas abordagens: a quantitativa, na qual atravs de questionrios auto-

    aplicveis a uma amostra de alunos e professores buscou-se caracterizar e mapear os atores e

    suas posies; e a qualitativa que, por meio de tcnicas de entrevistas, grupos focais e

    observaes in loco, procurou-se apreender as motivaes e o contedo das manifestaes

    sociais de alunos, professores, diretores e supervisores (ABRAMOVAY e CASTRO 2003,

    p.37).

    As autoras da pesquisa afirmam que o ensino mdio sempre se configurou como

    espao de difcil equacionamento, principalmente pela falta de consenso com relao a

    identidade desse nvel de ensino, pois sempre oscilou entre duas alternativas bsicas: oferecer

    uma educao profissionalizante com carter de terminalidade ou oferecer uma educao

    6 As capitais foram: Rio Branco, Macap, Belm, Teresina, Macei, Salvador, Cuiab, Goinia, Curitiba, Porto

    Alegre, So Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

  • 32

    propedutica voltada ao prosseguimento dos estudos em nvel superior(ABRAMOVAY e

    CASTRO 2003, p.27).

    Assim, a pesquisa levantou e discutiu diversas questes e problemticas que

    perpassam o ensino mdio. Com relao a no-permanncia dos alunos no sistema,

    considerou a noo de abandono escolar e no de evaso, j que os jovens entrevistados se

    encontravam dentro do ambiente escolar. Portanto, no se tratava de alunos evadidos e sim de

    alunos que alguma vez abandonaram a escola. E constatou que o contingente de alunos que

    esteve nessa situao bastante alto:

    Ao longo de sua trajetria escolar, cerca de 1/5 dos estudantes em onze das

    treze capitais pesquisadas j abandonaram os estudos pelo menos uma vez.

    A maior percentagem de estudantes que abandonaram a escola encontrada

    em Belm (27,3%), e a menor em Curitiba (14%)(ABRAMOVAY e

    CASTRO 2003, p.529).

    Entre os motivos para ocorrncia do abandono foram listados pela pesquisa:

    necessidade de trabalhar, mudana de bairro ou cidade, falta de dinheiro para despesas com

    transporte e trabalhos escolares, cansao e/ou desmotivao, problemas relacionados a

    indisciplina ou ao baixo rendimento escolar, gravidez precoce, envolvimento com drogas,

    problemas de doena, problemas com colega ou professor, dentre outros. Na maioria das

    capitais os motivos mais citados foram respectivamente: a necessidade de trabalhar, mudana

    de bairro ou cidade, cansao /desmotivao, gravidez, falta de dinheiro, doena e reprovao.

    E em todas as categorias de motivos os maiores percentuais se apresentaram na rede pblica,

    sobre isso as autoras ressaltaram:

    Tal situao sugere que o abandono e possivelmente a evaso escolar so

    fenmenos de classe, relacionados necessidade de sobrevivncia e maiores

    problemas de conciliao entre estudos e experincias de vida extra-escola,

    assim como a inadequao das escolas em lidar com alunos com tais

    demandas. No se abandona tambm a relao entre abandono, frustraes e

    desencanto com a escola. (ABRAMOVAY e CASTRO 2003, p.535)

    Mais uma vez evidencia-se a complexidade da evaso e a necessidade de anlises

    multinveis, que considerem os vrios fatores que contribuem para que o abandono ou a

    evaso ocorra, como defenderam Machesi e Prez (2004). A pesquisa acima referida mostrou

    tambm que a reprovao branca, caracterizada quando o aluno abandona os estudos

    quando est a ponto de repetir o ano, uma motivao bastante frequente. Os professores

    revelaram que os alunos abandonam quando sentem que no vo conseguir superar as

  • 33

    dificuldades e geralmente as deficincias de aprendizagem que o aluno trs de sries

    anteriores colaboram para a reprovao branca, como destacaram as autoras:

    Eles ressaltam que, muitas vezes, os alunos saem do ensino fundamental

    com uma formao deficiente e, por isso, tm dificuldade em acompanhar as

    disciplinas do ensino mdio. Nessas condies, o medo do fracasso no final

    do ano eleva as possibilidades do aluno abandonar a escola (ABRAMOVAY

    e CASTRO, 2003, pp.528-529).

    Essa situao traz tona a discusso sobre a ineficcia dos programas de aprovao

    automtica, medida adotada pelos governos para diminuir os ndices de reprovao e que

    vem sendo alvo de crticas por no garantir a aprendizagem dos alunos.

    Em linhas gerais, a pesquisa citada levantou aspectos importantes sobre a evaso

    escolar, reafirmando o seu carter de classe e revelando que as motivaes para ocorrncia do

    fenmeno incorporam questes novas, principalmente em decorrncia dos problemas gerados

    pela urbanizao desordenada. Mas, fundamentalmente mostrou, tambm, que a evaso

    continua a refletir questes antigas, como a desigualdade social que est na base da

    problemtica relacionada ao fracasso.

    Recentemente outra pesquisa O tempo de Permanncia na Escola e as Motivaes

    dos Sem-Escola divulgada pela Fundao Getlio Vargas, em 2009, buscou conhecer os

    motivos da evaso escolar entre os jovens na faixa etria do ensino mdio, mas por causa da

    distoro srie-idade abrangeu ainda jovens que evadiram no ensino fundamental.

    A pesquisa divulgada pela FGV baseou-se nos Suplementos de Educao7 da

    Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) realizada pelo IBGE em todos os

    estados brasileiros. As respostas foram dadas pelos prprios jovens evadidos ou por outro

    morador do domiclio, em geral, a me. Segundo os autores,

    Os suplementos de educao da PNAD permitem enxergar as motivaes

    daqueles que esto fora da escola at os 17 anos de idade, e assim, podem

    aprimorar o foco e o desenho das polticas a partir das necessidades e

    percepes de quem toma a deciso de ir, ou no, escola (NERI, 2009, p.4,

    grifo nosso).

    7 Trata-se de aspectos complementares de educao da PNAD que rene uma srie de informaes sobre a

    situao educacional das crianas e adolescentes no pas e traz dados diversos, como por exemplo, sobre a oferta e o consumo de merenda escolar.

  • 34

    Nota-se que segundo os ultimos o fenmeno da evaso de responsabilidade dos

    prprios sujeitos evadidos, ainda que em outro momento refiram-se falta de atratividade da

    escola. A pesquisa utilizou basicamente uma pergunta direta com trs alternativas de respostas

    previamente dadas. A pergunta foi: porque os jovens de 15 a 17 anos evadem? e as

    alternativas foram: falta de oferta de ensino, falta de interesse pela escola ou necessidade de

    trabalhar, como exposto abaixo,

    Propomos o estudo das causas da evaso a partir de trs tipos bsicos de

    motivaes, a saber: A primeira a miopia ou desconhecimento dos gestores

    da poltica pblica, restringindo a oferta de servios educacionais. Outra a

    falta de interesse intrnseco dos pais e dos alunos sobre a educao ofertada,

    seja pela baixa qualidade percebida ou por miopia ou desconhecimento dos

    seus impactos potenciais. Uma terceira a posio de restrio de renda e do

    mercado de crdito que impede as pessoas de explorar os altos retornos

    oferecidos pela educao no longo prazo (NERI, 2009, p.4).

    Com base nessas alternativas a pesquisa apontou que em 2006: 40,3% dos jovens

    evadiram por falta intrnseca de interesse; 27,1 % pela necessidade de trabalhar e gerar renda;

    10, 9% pela dificuldade de acesso e 21,7% por outros motivos, no explicitados. Tais

    resultados provocaram grande repercusso na mdia e no momento da divulgao da pesquisa

    vrios jornais anunciaram: falta de interesse a maior causa da evaso entre os jovens

    brasileiros. De acordo com a pesquisa isso ocorria talvez por desconhecimento dos prmios

    oferecidos pela educao por parte dos alunos e de seus pais (NERI, 2009, p.6).

    Pode-se observar que a pesquisa desconsiderou questes fundamentais para se

    compreender a evaso na sociedade brasileira. A forma como o estudo abordou as motivaes

    da evaso assemelha-se a forma como o fenmeno era entendido pelas pesquisas das dcadas

    de 1950 a 1960, como descreveu Patto (1991). Para essa autora o discurso da falta de

    interesse ambguo e afirma que:

    Esta maneira de pensar a educao e sua eficcia marcada por uma

    ambiguidade: de um lado afirma a inadequao do ensino no Brasil e sua

    impossibilidade, na maioria dos casos, de motivar os alunos; de outro, cobra

    do aluno interesse por uma escola qualificada como desinteressante,

    atribuindo seu desinteresse inferioridade cultural do grupo social de onde

    provm. Estas interpretaes do fracasso da escola so, a nosso ver,

    inconciliveis (PATTO, 1991. pp. 90-91).

    Entretanto, no se quer afirmar que no existam jovens desinteressados ou que no

    gostem de estudar. Mas existe uma questo maior por detrs dessa informao: Qual a

    origem dessa falta de interesse? Diagnsticos como esses, que responsabilizam os prprios

  • 35

    evadidos, desconsideram os mecanismos de poder existentes nos espaos sociais e ignoram os

    estudos realizados desde a dcada de 1970 que tentaram desvendar tais mecanismos. Autores

    que acompanham a discusso em torno do fracasso h muitos anos identificam mudanas

    nesse tipo de anlise:

    As anlises centradas nos educandos como sujeitos do seu fracasso foram

    mais longe. Apontam para a relao desses educandos com o saber, para os

    obstculos individuais mobilizao com o saber. A cultura escolar e seus

    rituais de enturmao e reprovao tm colocado a responsabilidade nos

    alunos, em seu desinteresse pelo estudo, em sua capacidade de aprender, em

    seus problemas de aprendizagem e de conduta (ARROYO E

    ABRAMOWICZ, 2009. p.9).

    A compreenso do problema a partir da possvel falta de interesse do jovem faz com

    que a responsabilidade recaia sobre o indivduo, ou seja, o contexto social, poltico e

    econmico no exercem influncia na evaso, quem evade, o faz porque no quer estudar.

    A falta de interesse nacionalmente apontada por aqueles autores como a principal

    causa da evaso entre os jovens, ainda que para alguns especialistas, haja contradio nesse

    discurso, mas a partir desse dado que a problemtica da evaso tem sido encarada no pas.

    No contexto baiano, alm desse, so apontados ainda outros fatos para a ocorrncia do

    fenmeno, especialmente nas escolas situadas na capital.

    3.2 - Panorama Local: a polmica do smart-card8

    Estudos realizados na Bahia demonstram que os motivos para ocorrncia da evaso no

    Estado so vrios, a exemplo da pesquisa Bahia: por uma escola pblica de qualidade

    encomendada pela Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN) ao Centro de

    Estudos Interdisciplinares para o Setor Pblico (ISP/UFBA) para identificar problemas e

    analisar formas de melhorar a qualidade da educao pblica no estado. Esse estudo,

    divulgado em 2006, evidenciou entre outras coisas, a polmica do smart-card em Salvador,

    que foi apontado pelos professores como uma das maiores causas da evaso.

    8 Carto de Meia Passagem Estudantil que proporciona a estudantes de Salvador o desconto de 50% no

    pagamento da passagem de nibus no municpio.

  • 36

    Tal pesquisa comps um panorama educacional da Bahia, utilizando informaes

    disponibilizadas em documentos e sites da SEC, do INEP, do Projeto de Avaliao Externa

    (UFBAISP/FAPEX) e materiais de divulgao dos diversos projetos da SEC. Alm disso, atravs de

    grupos focais realizados com dirigentes de escolas estaduais, localizadas em Salvador, que oferecem

    vagas para o ensino fundamental e/ou ensino mdio, mostrou a viso da categoria sobre os motivos da

    evaso na capital. A questo da falta de interesse apareceu, tambm, no discurso dos dirigentes como

    a grande mola propulsora da evaso, como indicam os trechos abaixo:

    Ns temos hoje no Estado [...] histrica a evaso, as escolas esto vazias

    porque a evaso est batendo um recorde. Simplesmente a escola talvez no

    represente mais pra ele, o estudante, o que representou pra gente, o que

    representou pra alguns h algum tempo atrs (Depoimento em grupo focal,

    citado por VERHINE, 2006, p.28).

    Antigamente a gente tinha aquela idia de que o caminho era a educao,

    hoje em dia na cabea do aluno o caminho so outros, so vrios, a msica,

    o futebol, o pagode, o trfico, [...] que ele lucra muito mais. Ento hoje

    existem vrios caminhos (Depoimento em grupo focal, citado por

    VERHINE, 2006, p.27).

    Observa-se nessas e em outras falas registradas na pesquisa que h grande

    preocupao com a dimenso que a evaso vem tomando nas escolas. Em meio ao discurso da

    falta de interesse surgiram questes que apontam problemas especficos dos grandes centros

    urbanos, como o trfico de drogas.

    Algumas pesquisas evidenciam que a disputa por pontos de drogas esto impedindo a

    circulao de jovens entre alguns bairros da cidade e foram a sada de alguns alunos do

    ensino. Borghi (2009) mostrou a realidade de uma escola situada em um bairro de Salvador

    que ficou completamente esvaziada devido ao de traficantes, que proibiram a frequncia

    dos alunos em resposta ao combate venda de entorpecentes na instituio promovida pelo

    novo diretor.

    Outros motivos, como a falta de perspectiva, o desemprego, as dificuldades para

    conseguir manter despesas com transporte e alimentao tambm foram apontadas pelos

    dirigentes escolares, como mostra o depoimento abaixo:

    [...] uma questo social muito grave, pelo menos na minha realidade, a

    falta de perspectiva dos alunos. Os alunos trabalhadores vo hoje a escola, se

    matriculam s por uma questo de pegar o smart card. So poucos os que

    vo pra realmente estudar, certo? Ento a questo social da falta de emprego

    a j entra. Social mesmo, que o governo tem que rever isso e a tudo vai

  • 37

    convergir na escola (Depoimento em grupo focal, citado por VERHINE, 2006, p.28).

    Esse depoimento torna-se interessante por levantar aspectos outros indispensveis,

    principalmente em se tratando de uma cidade como Salvador, que cresce de forma

    desordenada e acumula graves problemas sociais. O carto de meia passagem estudantil,

    institudo desde 1983 no municpio, um benefcio que ajuda a minimizar as dificuldades do

    estudante que dispe de poucos recursos. Porm, nos ltimos anos a evaso escolar, em

    grande parte atribuda concesso desse benefcio. Os estudantes so apontados pelos

    diretores entrevistados de se matricularem somente para terem o direito a meia-passagem e

    depois de adquiri-lo deixam de frequentar a escola e transferem o carto para outros, em geral

    familiares.

    De acordo com a Portaria n 009/2006 da Secretaria Municipal dos Transportes e

    Infra-Estrutura de Salvador as instituies de ensino so obrigadas a encaminhar ao rgo responsvel pelo gerenciamento dos cartes as listas de alunos matriculados com frequncia

    regular. E mant-las atualizadas para evitar que alunos evadidos continuem a desfrutar do

    benefcio, porm segundo os gestores no se tem notcia de que o controle realizado na

    prtica.

    Em entrevista ao Jornal A Tarde, o diretor do Colgio Estadual Costa e Silva que tem

    ndice de evaso de 40%, afirmou que a maioria das desistncias relacionada a alunos que se

    matriculam apenas para garantir meia-passagem em nibus. O diretor garantiu que no existe

    poltica que associe frequncia escolar ao Smart-Card e tem gente que j terminou e se

    matricula para continuar a ter o benefcio (JORNAL A TARDE, 04/09/09).

    Com relao ao ensino mdio, nvel em que a evaso maior, as falas dos dirigentes

    demonstram o reconhecimento de falhas na poltica de educao, como pode ser observado

    nos trechos seguintes:

    At a oitava srie os alunos so carentes, as famlias so carentes, eles

    precisam de alimento, eles precisam de ajuda de fardamento, eles precisam

    de livro, todo tipo de ajuda, certo? Mas quando chega no ensino mdio, essa

    mesma famlia, com todos aqueles problemas que existiam ,deixou de ter

    essas necessidades.[...] (Depoimento em grupo focal, citado por VERHINE,

    2006, p.29).

  • 38

    Quem que no quer estar bem preparado pra passar na universidade, apesar

    de tantas polticas oferecendo universidade gratuita a alunos carentes, alunos

    de escola pblica? Mas eles no conseguem se manter porque eles esto com

    fome. Eles no tm dinheiro, ento o que termina acontecendo? Eles voltam

    para as escolas da comunidade que ficam prximas de casa que eles no

    precisam pagar transporte. [...] Porque ele acredita, assim como a famlia,

    que a escola do Centro (da cidade) ainda a melhor escola (Depoimento em

    grup