evasão fiscal

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

COMBATE EVASO FISCAL

ALEXANDRA MARIA POUSA RUANO DE CASTRO

III Curso de Ps-Graduao em Direito Fiscal

SIGLAS USADASCGAA Clusula Geral Anti-abuso CIRC Cdigo do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas CIRS Cdigo do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares CPPT Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio CRP Constituio da Repblica Portuguesa DGAIEC Direco Geral das Alfndegas e Impostos Especiais sobre o Consumo IRC Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas IRS Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares LGT Lei Geral Tributria RCPIT Regime Complementar do Procedimento de Inspeco Tributria RGIT Regime Geral das Infraces Tributrias

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I- INTRODUOA actividade financeira do Estado desdobra-se na obteno dos meios necessrios satisfao das necessidades colectivas de satisfao passiva, na sua satisfao em concreto e na coordenao entre os meios e as necessidades a satisfazer. No sendo o nico tipo de receitas pblicas, a verdade que de entre os meios que suportam a actividade financeira do Estado, o imposto assume primordial importncia. Tm uma preponderncia sobre as taxas, as multas, as coimas, os emprstimos pblicos e os proventos dos bens patrimoniais do Estado, dado revestirem um significado decisivo no conjunto de todas as receitas e se revelarem um instrumento cujas funes excedem as meramente fiscais. O imposto um priviliegiado meio de poltica econmica e de poltica social, pois permite a adopo de medidas deflaccionrias, de proteco a indstrias nacionais, de incentivos fiscais, bem como se alcana o efeito de redistribuio da riqueza, entre muitos outros. Da afirmar-se que o pagamento de impostos corresponde a um dever de cidadania. Face a esta obrigao, as pessoas singulares e colectivas devem adoptar uma postura lcita e de correco, a qual pode e deve passar pelo planeamento ou gesto fiscal, minimizando, por exemplo, os custos fiscais de uma empresa como um qualquer custo de natureza comercial, industrial, financeiro, laboral, energtico, etc. Saliente-se que o planeamento fiscal exige que a poupana de impostos se faa de uma forma legal e transparente. No entanto, perante a falta de conhecimentos tcnicos, h quem o confunda com a evaso e fraude fiscais, quando o primeiro lcito e os restantes comportamentos so condutas criminais. No pode, ou melhor, no deve o contribuinte violar as normas tributrias ou abusar da configurao jurdica dos factos tributrios, procurando evadir-se ao pagamento do imposto devido. Se assim for, a repercusso dos seus actos verificar-se- na colectividade, provocando um aumento da carga fiscal para os cumpridores; crise ao nvel do princpio da igualdade tributria; frustrao da distribuio dos encargos fiscais, segundo a capacidade contributiva dos indivduos; e reduo das receitas pblicas.

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Estas so apenas as consequncias de contatao mais imediata, existindo outras tambm nefastas para alm das ora mencionadas. essa evaso e fraude fiscais que urge combater, recorrendo prossecuo e implementao de ( novas ) medidas que permitam a sua eficiente neutralizao. um problema que envolve toda a sociedade, pelo que todos os indivduos devem estar cientes e conscientes das consequncias da evaso e fraude fiscais, no s na sociedade, mas tambm na casa de cada um dos cidados que cumprem o dever de declarar a totalidade dos seus rendimentos e pagar os respectivos impostos liquidados. Ora, com este trabalho, pretende-se alertar para o problema instalado e abordar algumas formas de luta contra a evaso fiscal, considerando-a no seu sentido amplo, ou seja, a evaso que engloba aquilo que vulgarmente se designa por fraude fiscal ( ou evaso fiscal em sentido estrito ). O comportamento ilcito, em violao da lei fiscal, levado a cabo pelo contribuinte que pretende obter vantagens econmicas com a fuga aos impostos, e a eliso fiscal, a fuga aos impostos considerada lcita, em que o contribuinte procura obter um regime jurdico mais favorvel, no violando uma norma fiscal, mas que consubstancia um abuso de liberdade fiscal, j que no era aquele o resultado pretendido pelo legislador. Nesta sistematizao, no se vai autonomizar e diferenciar a evaso contra legem ( evaso fiscal em sentido estrito ) e a evaso extra legem ( a eliso fiscal ), pois que fuga aos impostos corresponde a todos ... os comportamentos voluntrios praticados pelos contribuintes com vista a evitar o pagamento de um imposto ou pelo menos a alcanar uma situao jurdico-fiscal mais favorvel. 1 O propsito deste trabalho passar por analisar cada um dos intervenientes ( actores ) na luta contra a evaso fiscal, procurando saber de que forma pode essa luta ser desenvolvida por cada um deles. No fundo, reportar-nos-emos a alguns meios utilizados pela Administrao Fiscal, pelas empresas enquanto administradoras de impostos, ao legislador, aos tribunais e prpria sociedade civil para fazer face a essa luta diria e permanente contra a evaso fiscal, a qual est longe de deixar de ser assunto da ordem do dia.

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Nunes, Gonalo Nuno Avels, A Clusula Geral Anti-abuso de Direito em sede fiscal ( art.38, n2 da LGT) luz dos princpios constitucionais de Direito Fiscal, Separata da Revista Fiscalidade, n3, 2000, Lisboa, pg.41

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II- A LUTA CONTRA A EVASO FISCAL1- A ADMINISTRAO TRIBUTRIANo combate evaso fiscal, o papel desempenhado pela Administrao Fiscal de extrema relevncia. De facto, no existe forma de o legislador prever todas as situaes da vida em sociedade, nem todas as formas de combater a fuga aos impostos. Desse modo, o legislador delega na Administrao Fiscal todo um conjunto de tarefas, com vista minimizao das situaes de evaso fiscal e diminuio da probabilidade de sucesso de todas aquelas tentadas e/ou encetadas pelo contribuinte. Isto, sem esquecer o recente fenmeno de administrao privada dos impostos que transformou a Administrao Fiscal em mera inspectora das declaraes dos contribuintes, mas que em simultneo, ... passou a ter sobre os seus ombros a enorme responsabilidade da quase totalidade da luta contra a fraude e a evaso fiscais. 2

A) A inspeco tributria No nosso sistema fiscal, a liquidao do imposto compete, em regra, ao contribuinte, razo pela qual o papel da Administrao Tributria se concretiza ... num controlo a posteriori das declaraes dos contribuintes e das correspondentes liquidaes de modo a verificar se todos os factos com relevncia tributria foram objecto de declarao e se, a respectiva quantificao, est correcta. 3 Tal como decorre do n1 do art.2 e do art.5 do RCPIT, o procedimento de inspeco tributria visa a observao de realidades tributrias, a verificao do cumprimento das obrigaes tributrias e a preveno das infraces tributrias, obedecendo aos princpios da verdade, da proporcionalidade, do contraditrio e da cooperao. O procedimento de inspeco tributria pode ser de comprovao e verificao do cumprimento das obrigaes tributrias, mas tambm de informao, visando o cumprimento dos deveres legais de informao ou de parecer dos quais a inspeco tributria seja legalmente incumbida. ( cfr. art.12 do mesmo diploma ) Para alm disso, os actos do procedimento da inspeco tributria podem desenrolar-se exclusivamente nos servios da Administrao Tributria ou ocorrerem,2 3

Nabais, Jos Casalta, Direito Fiscal, 4 Edio, Coimbra, Almedina, 2006, pg.356 Idem, Ibidem, pg.346 e 347

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total ou parcialmente, nas instalaes ou dependncias dos sujeitos passivos. ( cfr. art.13 do RCPIT ) A actuao da inspeco tributria obedece ao Plano Nacional de Actividades da Inspeco Tributria, plano elaborado pela DSPCIT e aprovado pelo Ministro das Finanas- art23 do RCPIT. A ... se fixam programas, critrios e aces a

desenvolver que serviro de base seleco dos sujeitos e demais obrigados tributrios a inspeccionar, fixando os objectivos a atingir por unidades orgnicas dos servios centrais, regionais e locais. 4

B) O levantamento do sigilo bancrio imperioso que a Administrao Fiscal tenha acesso a todos os meios necessrios para que possa desempenhar o seu papel fiscalizador de um modo eficiente. Referimo-nos, essencialmente, ao acesso informao bancria do contribuinte que esteja a ser alvo de inspeco. Este acesso informao bancria ter sempre que ser considerado como uma conduta de natureza excepcional, pois que o sigilo bancrio representa uma das manifestaes do direito fundamental reserva da intimidade da vida privada e familiar, o qual se encontra previsto no n1 do art.26 da C.R.P..5 Resulta do n1 do art.63-B da LGT que a Administrao Tributria tem o poder de aceder a todas as informaes ou documentos bancrios sem dependncia do consentimento do titular dos elementos protegidos, desde que existam indcios da prtica de um crime em matria tributria ou quando existam factos concretamente identificados e indiciadores da falta de veracidade do declarado. Tem ainda o poder, nos termos do n2 do mesmo normativo, de aceder directamente aos documentos bancrios, nas situaes de recusa da sua exibio ou de autorizao para a sua consulta quando se trate de documentos de suporte de registos contabilsticos dos sujeitos passivos de IRS e de IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou quando o contribunte usufrua de benefcios fiscais ou de regimes fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos.

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Idem, Ibidem, pg.349 Cfr. Campos, Diogo Leite de, O Sigilo Bancrio e a Intimidade da Vida Privada, in AAVV, Siglo Bancrio, Lisboa, Edies Cosmos, 1997, pg.11-17

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Prosseguindo, o n3 autoriza o acesso informao bancria do contribuinte nos casos de impossibilidade de determinao directa e exacta da matria tributvel, nos termos do art.88 e sempre que estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliao indirecta, bem como o recurso s manifestaes de fortuna, nos termos do art.89-A. As decises da Administrao Tributria no sentido do levantamento do sigilo bancrio, de acordo com o disposto no n4 desse artigo, devem ser fundamentadas, com expressa meno dos motivos concretos que as justificam, e so da competncia do Director-Geral dos Impostos ou do Director-Geral das Alfndegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, sem possibilidade de delegao. As garantias de defesa do contribuinte, designadamente o direito de audio e o recurso judicial, esto sempre asseguradas de acordo com o n5 e 6 do artigo tratado. Nos termos do n8 desse normativo, a Administrao Tributria tem acesso a informao bancria relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relao especial com o contribuinte, mas dependente de autorizao judicial expressa, obedecendo aos requisitos do n4 do mesmo normativo. No h margem para dvidas quanto a considerar-se o levantamento do sigilo bancrio como uma das medidas fundamentais na luta contra a evaso fiscal, mormente nos casos de fraude tributria. Decorre do Relatrio sobre o Combate Fraude e Evaso Fiscais que, no ano de 2006, foram instaurados 837 procedimentos dos quais resultaram 364 decises de levantamento de sigilo, comparativamente a 110 ocorridos no ano anterior. Foram interpostos 136 recursos jurisdicionais.6

C) Aplicao dos mtodos indirectos e manifestaes de fortuna Ressaltam outras formas de combate evaso fiscal, as quais se reportam avaliao indirecta da matria colectvel e a tributao com base nas manifestaes de fortuna. Na opinio de Joo Pedro Rodrigues, torna-se necessrio ... destrinar entre mtodos indirectos stricto sensu- que constituem todo aquele conjunto de mtodos mobilizados pela Administrao Tributria em virtude de ser impossvel operar uma quantificao directa e exacta da matria tributvel e que, por isso, se encontram numa relao de estrita subsidiariedade relativamente aos mtodos indirectos ( ...) e6

Relatrio sobre o Combate Fraude e Evaso Fiscais, cit., pg.37

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mtodos indirectos lato sensu ( ou mtodos indirectos essencialmente controladores )que no esto dependentes da impossibilidade de determinar directamente a matria tributvel, mas que tendem a operar um controlo normativo da declarao do contribuinte atravs de presunes, indcios ou indicadores objectivos de actividade de base tcnico-cientfica. Constituem, pois, mtodos indirectos quanto ao seu regime,7 mas cujo pressuposto assenta numa ratio essencialmente verificadora da situao fiscal do sujeito passivo justificada por preocupaes relacionadas com a fraude e a evaso fiscal (...).8 Casalta Nabais afirma que ... em rigor, apenas no caso de impossibilidade de comprovao e quantificao directa com base na contabilidade, estamos perante uma verdadeira situao de determinao da matria colectvel por mtodos indirectos. Pois, nos outros casos, estamos, fundamentalmente, perante tributaes assentes em rendimentos normais.9 De acordo com o art.87 da LGT, e deixando esta distino, a avaliao indirecta s pode ter lugar nos casos de regime simplificado de tributao, de impossibilidade de comprovao e quantificao directa e exacta dos elementos indispensveis correcta determinao da matria tributvel de qualquer imposto, de indicadores de actividade inferiores aos normais, de o rendimento declarado em sede de IRS se afastar significativamente para menos, sem razo justificada, dos padres de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestaes de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo, de os sujeitos passivos apresentarem, sem razo justificada, resultados tributveis nulos ou prejuzos fiscais durante trs anos consecutivos, bem como no caso de divergncia no justificada de, pelo menos, um tero entre os rendimentos declarados e o acrscimo de patrimnio ou o consumo evidenciado pelo sujeito passivo no mesmo perodo de tributao. Por sua vez, o art.90, refere-se a alguns critrios de que a Administrao Fiscal pode lanar mo para a determinao da matria tributvel por mtodos indirectos. Quanto ao recurso tributao baseada nas manifestaes de fortuna, ( cfr. art.89-A da LGT ), Casalta Nabais salienta o seu alcance limitado de luta contra a evaso fiscal. Isto porque vale apenas para o IRS, no se aplica nos casos de reteno na fonte ( o que faz com que se aplique quase exclusivamente aos rendimentosNabais, Jos Casalta, Avaliao Indirecta e Manifestaes de Fortuna..., ob. cit., pg.209-211 Rodrigues, Joo Pedro Alves Ventura, Critrios Normativos de Predeterminao da Matria Tributvel- o novos caminhos abertos pela (pr)- suposta avaliao indirecta na imposio fiscal do rendimento, Coimbra, Tese de Mestrado, 2002, pg.21 9 Nabais, Jos Casalta, Avaliao Indirecta e Manifestaes de Fortuna..., ob. cit., pg.2097 8

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empresariais e profissionais ), alm de que apenas algumas fortunas so as visadas, como os imveis, os automveis, as aeronaves, os barcos e os motociclos.10 De realar que de acordo com o disposto no n4 do art.77 da LGT, A deciso da tributao pelos mtodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificar os motivos da impossibilidade da comprovao e quantificao directas e exacta da matria tributvel, ou descrever o afastamento da matria tributvel do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base cientfica, ou far a descrio dos bens cuja propriedade ou fruio a lei considerar manifestes de fortuna relevantes, ou indicar a sequncia de prejuzos fiscais relevantes, e indicar os critrios utilizados na avaliao da matria tributvel. Assim, a lei cria uma ... estrita vinculao Administrao Fiscal: s pode recorrer aos mtodos indicirios quando uma outra via se lhe no abra. A no ser que ... notemos que uma atribuio de maiores poderes de julgamento Administrao Fiscal para a aplicao de tais ( mtodos ) poderia constituir um alargamento de poderes potencialmente perigoso, desequilibrando um sistema que se deve caracterizar pelo equilbrio entre os poderes da Administrao Fiscal- sem os quais vai campear a fraude fiscal- e os direitos do contribuinte.11 Decorre do Relatrio sobre o Combate Fraude e Evaso Fiscal que Em 2006, o nmero de aces em que foi utilizada a tributao por mtodos indirectos subiu relativamente ao ano anterior, dado se ter concentrado neste ano um conjunto de procedimentos de inspeco num sector da actividade em que se torna particularmente difcil a tributao por mtodos directos12 D) Regimes especiais de luta contra a evaso fiscal13 Com o propsito de reprimir a fuga aos impostos, foram introduzidas estas normas especiais no nosso ordenamento. A sua aplicao compete Administrao Fiscal e trata-se de correces a cargo desta para efeito da determinao da real matria colectvel. o caso, por exemplo, dos preos de transferncia; de pagamentos a entidades no residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado; da imputao de lucros a

Idem, Ibidem, pg.208 Sanches, J. L.Saldanha, Um Direito do Contribuinte Tributao Indirecta?, in Fiscalidade, n2, Lisboa, Instituto Superior de Gesto, 2000, pg.126 e 128 12 Relatrio sobre o Combate Fraude e Evaso Fiscais, cit. pg.38 13 Nabais, Jos Casalta, Avaliao Indirecta e Manifestaes de Fortuna, ob. cit., pg.20710 11

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sociedades no residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado; e da subcapitalizao, todos os previstos em sede de IRC.

D.1) preos de transferncia Decorre do teor do n1 do art.58 do CIRC que Nas operaes comerciais, incluindo designadamente, operaes ou sries de operaes sobre bens, direitos ou servios, bem como nas operaes financeiras efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou no a IRC, com a qual esteja em situao de relaes especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condies substancialmente idnticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operaes comparveis.14 Desse modo, ser necessrio comparar transaces, tendo em conta as caractersticas dos bens ou servios, a situao econmica da empresa e os riscos, semelhantes quelas que esto a ser avaliadas. Tal norma, no plano da evaso fiscal internacional, visa evitar a transmisso, por parte de uma sociedade residente, de bens ou servios a preo simuladamente mais baixo para uma entidade com a qual esteja em situao de relao especial, no residente, e que, por qualquer razo, no est sujeita a imposto ou est sujeita a um imposto bem mais reduzido. Da mesma forma, visa evitar a aquisio de bens a preo simuladamente mais elevado.15 O que se pretende, no fundo, a aplicao plena do princpio da livre concorrncia. Compete ao contribuinte ... adoptar para determinao dos termos e condies que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o mtodo ou mtodos susceptveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre operaes..., nos termos do n2 do art.58. Tais mtodos, nos termos do n3, podem ser: - o mtodo do preo comparvel de mercado; o mtodo do preo de revenda minorado; ou o mtodo do custo majorado; - o mtodo do fraccionamento do lucro; o mtodo da margem lquida da operao; ou outro, quando os mtodos referidos no item anterior no possam ser14 Callahan , Stephen, As novas regras de preos de transferncia em Portugal, in Fisco, n97/98, Ano XII, Lisboa, Lex, 2001, pg.41 15 Leito, Lus Manuel Teles de Menezes, Evaso e Fraude Fiscal Interncional, in Colquio sobre a Internacionalizao da Economia e a Fiscalidade, XXX Aniversrio do Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, CEF, 1993, pg.316

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aplicados ou, podendo s-lo, no permitam obter a medida mais fivel dos termos e condies que entidades residentes independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam; Sendo assim, a lei define claramente as ...regras que podem ser utilizadas para determinar os preos de transferncia, particularmente no que diz respeito definio dos mtodos e aos factores de comparabilidade que devem ser tomados em considerao.16 Na sequncia do n11 do mesmo normativo, Quando a Direco-Geral dos Impostos proceda a correces necessrias para a determinao do lucro tributvel por virtude de relaes especiais com outro sujeito passivo de IRC ou de IRS, na determinao do lucro tributvel deste ltimo devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam refleco das correces feitas na determinao do lucro tributvel do primeiro. Casalta Nabais entende que tal preceito visa ...evitar, atravs dos preos, transferncias de resultados entre entidades que mantenham entre si relaes especiais e, bem assim, transferncias internas de resultados entre sectores da mesma entidade sujeitos a regimes fiscais diferentes....17 Estas manipulaes dos preos de transferncia tm como finalidade reduzir o lucro tributvel, da que seja da competncia da Administrao Fiscal a correco da matria tributvel, ou seja, chegar ao mesmo valor que existiria caso no existissem tais manipulaes. No poder deixar de se afirmar que, no tratamento da questo dos preos de transferncia, existe um srio risco de dupla tributao, podendo ser afastado ao nvel dos modelos de conveno para evitar essa dupla tributao.18

D.2) pagamentos a entidades no residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado Segundo o n1 do art.59 do CIRC, ...no so dedutveis para efeitos de determinao do lucro tributvel as importncias pagas ou devidas, a qualquer ttulo, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do territrio portugus e a submetidas a um regime fiscal claramente mais favorvel, salvo se o sujeito passivo puder provarCallahan, Stephen, ob. cit., pg.40 Nabais, Jos Casalta, Direito Fiscal, cit. pg.581 18 Faria, Maria Teresa Veiga da, Preos de Transferncia. Problemtica Geral., in Colquio sobre a internacionalizao da Economia e a Fiscalidade, XXX Aniversrio do Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, CEF,1993, pg.423-42916 17

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que tais encargos correspondem a operaes efectivamente realizadas e no tm um carcter anormal ou um montante exagerado. Tal clusula existe tambm em Frana e na Blgica, sendo alis s normas desses dois pases que o legislador portugus recorreu aquando da sua introduo no nosso ordenamento. Prev uma inverso do nus da prova, pois ao contribuinte que compete provar que tais operaes efectivamente existiram e que no so anormais ou exageradas, demonstrando equilbrio entre vantagens e custos de tal servio19 Se no o fizer, a Administrao cobra o correspondente imposto. Refira-se ainda, a ttulo de breve nota, que quando a lei se refere a regime fiscal mais favorvel, est a referir-se aos designados parasos fiscais.20

D.3) imputao de lucros de sociedades no residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado Dispe o n1 do art.60 do CIRC que So imputveis aos scios residentes em territrio portugus, na proporo da sua participao social e independentemente da distribuio, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse territrio e a submetidos a um regime fiscal claramente mais favorvel, desde que o scio detenha, directa ou indirectamente , uma participao social de, pelo menos, 25 %, ou, no caso de a sociedade no residente ser detida, directa ou indirectamente, em mais de 50 %, por scios residentes, uma participao social de, pelo menos, 10 %. Esta disposio visa a ... imputao aos scios residentes dos rendimentos auferidos pelas sociedades de base por eles controladas, mesmo que no tenha havido distribuio de lucros, consagrando assim a transparncia fiscal destas ltimas. 21 Tambm aqui o legislador lana mo do conceito regime fiscal claramente mais favorvel.

D.4) Subcapitalizao Nos termos do n1 do art.6 do CIRC, Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade que no seja residente em territrio portugus ou em outro Estado membro da Unio Europeia com a qual existam relaes especiais, nos termosLeito, Lus Manuel Teles de Menezes, Aplicao de Medidas Anti-Abuso na Luta contra a Evaso Fiscal, in Fisco, n107/108, Ano XIV, Lisboa, Lex, 2003, pg.38 20 Leito, Lus Manuel Teles de Menezes, Evaso e Fraude Fiscal Internacional, cit., pg.300- 330 21 Leito, Lus Manuel Teles de Menezes, Aplicao das Medidas Anti-Abuso, cit., pg3819

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definidos no n. 4 do artigo 58., com as devidas adaptaes, for excessivo, os juros suportados relativamente parte considerada em excesso no so dedutveis para efeitos de determinao do lucro tributvel. Nos dizeres de Casalta Nabais, uma previso que... integra ainda uma situao de preos de transferncia, pois diz respeito aos preos dos emprstimos, aos juros....22 Quanto a Menezes Leito, ..., nesses casos, a sociedade no residente apresenta-se numa dupla face de scio e credor e, como o regime fiscal aplicvel ao pagamento de juros mais favorvel do que a distribuio de lucros, h tendncia em substituir o reforo dos capitais prprios das sociedades residentes pelo seu financiamento atravs de emprstimos, o que permite o erosamento da base tributvel.23

O legislador portugus considerou existir endividamento excessivo quando o valor das dvidas em relao a cada uma das entidades (...), com referncia a qualquer data do perodo de tributao, seja superior ao dobro do valor da correspondente participao no capital social., nos termos do n. 3 do artigo 61.. Saliente-se que as regras da subcapitalizao se dirigem to s ao endividamento de uma sociedade residente, junto de uma sociedade no residente (em Portugal ou em outro Estado membro da Unio Europeia), com a qual mantenha relaes especiais. Maria dos Prazeres Lousa diz que As razes que conduziram previso legal de medidas contra a subcapitalizao prendem-se com a prossecuo do objectivo de travar a evaso e a eroso das receitas fiscais internas provocadas por esquemas de financiamento qualificados como abusivos, porque conduzem a insuficincias de capital prprio das sociedades, em resultado do elevado endividamento contrado junto dos seus scios e /ou de entidades associadas no residentes.24 De facto, O reconhecimento desta situao e as consequncias negativas da resultantes, em termos de perda de receitas fiscais, tem induzido as autoridades tributrias a adoptar as solues legislativas tidas como indispensveis para prevenir artifcios ou a manipulao dos esquemas de financiamento da sociedade pelos scios

Nabais, Jos Casalta, Direito Fiscal, cit., pg.583 Leito, Lus Manuel Teles de Menezes, Aplicao das Medidas Anti-Abuso, cit., pg.42 24 Lousa, Maria dos Prazeres, Enquadramento Fiscal da Subcapitalizao das Empresas, in Cincia e Tcnica Fiscal, n392, Lisboa, Ministrio das Finanas, 1998, pg.12122 23

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com a nica finalidade de explorar as disparidades de tributao dos juros e dos dividendos.25 Da que a lei nacional tenha tido em ateno uma importante questo que se prende com os casos de financiamento em que, embora na realidade se trate de um verdadeiro emprstimo feito sociedade pelos accionistas, uma instituio bancria intervm como intermediria, o chamado back-to-back-financing.26 De facto, para evitar a fuga s regras da subcapitalizao a partir deste mecanismo, a nossa lei equipara tal situao prevista no n. 1. Resta concluir, dizendo que o contribuinte pode afastar as regras da subcapitalizao, provando que obteria o mesmo endividamento se se tratasse de uma entidade independente, nos termos do n. 6 do mesmo artigo. Compete Administrao Fiscal avaliar a prova levada pelos contribuintes, no sentido de demonstrar a razoabilidade de tal endividamento.

E) Clusula geral anti-abuso No ano de 1999, foi introduzida pela primeira vez a clusula geral anti-abuso no nosso ordenamento jurdico. Primeiro no art.32-A do CPT e depois no n2 do art.38 da LGT. Este tipo de clusula visa dar Administrao Fiscal maior poder de deciso quanto eficcia ou ineficcia (falamos aqui de efeitos tributrios) de certos negcios jurdicos (os que preencham as caractersticas acima referidas) celebrados pelas empresas, com vista luta contra a evaso e fraude fiscais, uma vez que ... reconhecemos que a luta contra as mltiplas e imaginativas formas, que tais fenmenos apresentam, muito dificilmente poder ser levada a cabo com xito pelo legislador atravs de uma casustica previso de mltiplas e diversificadas clusulas especiais, num autntico jogo do gato e do rato.27 Trata-se, portanto, de uma resposta ao ... planeamento fiscal abusivo, ou seja, a actuao planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lcito (...). Embora a conduta no seja contrria lei, o resultado obtido no admitido.28

Idem, Ibidem, pg.117 Expresso utilizada por Maria dos Prazeres Lousa, ob. cit., pg.126 27 Nabais, Jos Casalta, Direito Fiscal, cit., pg.224 28 Courinha, Gustavo Lopes, A Clusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributrio. Contributos para a sua compreenso, Coimbra, Almedina, 2004, pg.22425 26

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A ser assim, pretende-se evitar que o contribuinte encontre formas de contornar a lei fiscal, competindo Administrao Fiscal desconsiderar os efeitos fiscais assim obtidos.29 Da a exigncia de que o negcio jurdico levado a cabo pelo contribuinte tenha tido como objectivo principal a verificao de uma qualquer vantagem fiscal, podendo este provar o contrrio. Assim, tal clusula permite Administrao Fiscal tributar factos econmicos no previstos na lei como tal, o que gerou sempre vrias crticas ao nvel da compatibilizao com o princpio da legalidade fiscal. De acordo com Menezes Leito, Trata-se, no entanto, de uma disposio que coloca manifestos problemas, uma vez que com base nela pode sempre a Administrao fiscal, a pretexto de resultados econmicos equivalentes entre o negcio tributado e o negcio efectivamente praticado pelo contribuinte, relacionada com uma pretensa inteno evasiva dos contribuintes, manipular o mbito de incidncia da norma tributria em termos que se traduziro numa efectiva aplicao analgica da norma fiscal.30 Assim, A clusula geral anti-abuso acaba por funcionar como uma espcie de filtro. Se o acto ou negcio do contribuinte for submetido clusula e no for por ela impedido, no se poder falar da existncia de evitao fiscal ilcita. 31 No entendimento de Vasco Moura Ramos, ... uma clusula geral anti-abuso (...) possui virtudes que, se bem aproveitadas, podem dar um contributo fundamental para lutar contra a eliso fiscal e ajudar a dar aplicao ao princpio da capacidade contributiva. 32

F) A simulao dos negcios jurdicos Em caso de simulao de negcio jurdico, a tributao recai sobre o negcio jurdico real e no sobre o negcio jurdico simulado., tal como decorre do n1 do art.39 da LGT. As partes criam a aparncia de um negcio, menos tributado, quando na realidade pretendem a realizao de um outro negcio.

Sanches, J.L. Saldanha,Manual de Direito Fiscal, 2 Edio, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pg.121 Leito, Lus Manuel Teles de Menezes, Aplicao das Medidas Anti-Abuso..., cit., pg.44 31 Antunes, Francisco Vaz, ob. cit., pg.13 32 Ramos, Vasco Moura, Da Clusula Geral Anti-Abuso em Direito Fiscal e da sua Introduo no Ordenamento Jurdico Portugus, Separata do Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXVII, Coimbra, 2001, pg.71829 30

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O intuito das partes enganar a Administrao Fiscal e, dessa forma, no sofrerem o respectivo imposto ou sofrerem um imposto mais reduzido. Assim, ... o negcio simulado ser menos oneroso do que o negcio dissimulado. (...) o regime da simulao pretende atingir a realidade que se esconde por detrs da aparncia, enquanto a CGAA visa analisar a prpria realidade, uma vez verificados certos pressupostos... 33 Diga-se que ... a simulao fiscal (...) consiste na divergncia dolosa entre a vontade real e a vontade declarada pelos contraentes de um negcio jurdico, com o intuito de levar a administrao fiscal a liquidar menos ou nenhum imposto.34 Desta forma, ao contrrio do que sucede com a CGAA, a simulao fiscal, porque fraudulenta, sempre ilcita. Portanto, trata-se sempre de um caso de evaso contra legem. O contribuinte infringe normas Administrao Fiscal. De realar a ateno no facto de a tributao do negcio jurdico real, quando conste o negcio simulado de documento autntico, depender da deciso judicial que declare a nulidade deste, nos termos do n. 2 do mesmo artigo. De acordo com Manuel Anselmo Torres, a aplicao das regras da simulao pode ter reduzido alcance prtico, uma vez que O prprio conceito de simulao contm uma exigente formulao, no se bastando nem com a simples divergncia entre a vontade e a declarao, nem com o pacto simulatrio entre declarante e declaratrio, mas exigindo ainda a inteno fraudulenta, lesiva do Fisco;35 tributrias e engana dolosamente a

G) A flexibilizao do segredo fiscal e profissional Existe a obrigao de guardar sigilo quanto aos dados recolhidos sobre a situao tributria dos contribuintes, por parte de dirigentes, funcionrios e agentes da administrao tributria, constando do n1 do art.64 da LGT. Contudo, de acordo com a alnea a) do n5, ...a divulgao de listas de contribuintes cuja situao tributria no se encontre regularizada, designadamente listas hierarquizadas em funo do montante em dvida, desde que j tenha decorrido

Courinha, Gustavo Lopes, ob. cit., pg.84-85 Antunes, Francisco Vaz, ob. cit., pg.15 35 Torres, Manuel Anselmo, A Simulao Fiscal na Lei Geral Tributria, Separata da Revista da Banca, n47, Janeiro/Junho, 1999, pg.8533 34

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qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestao de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa, no contende com aquele dever de confidencialidade. O tratamento destes dados pela Administrao Fiscal foi autorizada pela Comisso Nacional de Proteco de Dados, conforme sua deciso de 19 de Junho de 2006. A lista contm os contribuintes cuja situao tributria no se encontra regularizada, ainda que tenha havido impugnao, oposio ou pedido de pagamento a prestaes, desde que a dvida no esteja garantida ou no tenha sido decidida a dispensa dessa garantia. A Administrao Fiscal, atravs deste mecanismo, pretende intensificar o seu esforo na luta contra a evaso fiscal. Por um lado, visa-se o pagamento voluntrio da dvida por quem passe a dela constar. Por outro, incentiva os contribuintes que ainda no constam da lista, a regularizar a sua situao antes que tal acontea. Trata-se de um processo gradual e faseado, que comeou pela divulgao dos maiores devedores, alargando-se, depois, aos contribuintes que devem montantes mais baixos. De acordo com os dados fornecidos pelo Ministrio das Finanas no seu Relatrio de Actividades e Resultados contra a Evaso Fiscal, referente ao ano de 2006, Em consequncia das notificaes para audio prvia, anteriores, portanto, incluso na lista, foram regularizadas dvidas no montante de 53 M , ascendendo a 7 M os valores regularizados aps incluso na lista.36 Mais recentemente, surgiu a notcia de que O Estado j arrecadou 96 milhes de euros com os pagamentos de 3.500 contribuintes notificados, desde que a lista foi publicada em Junho do ano passado. (...) Este montante representa um aumento de 43 milhes de euros em quatro meses... 37

2 O LEGISLADORPese embora, o legislador tenha concedido Administrao Fiscal um papel preponderante na luta contra a evaso fiscal, a verdade que ainda detm uma tarefa essencial, a qual se prende com o tratamento das infraces tributrias. Estas dividem-se em infraces penais fiscais e infraces contra-ordenacionais fiscais.

36 37

Relatrio sobre o Combate Fraude e Evaso Fiscais, ob. cit., pg.40 Dirio Econmico de 16 de Abrril, publicado em www.diarioeconomico.sapo.pt

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De facto, tratam-se de verdadeiras infraces lei e correspondem a verdadeiras penas fiscais, umas de natureza criminal e outras de natureza administrativa. Ainda a este respeito, convm relembrar que esta dualidade de cominaes, no foi sempre aceite na doutrina portuguesa. De facto, enquanto autores como Vtor Faveiro, Martins Eusbio e Cardoso da Costa entendiam que as penas fiscais deveriam ter apenas natureza administrativa, outros autores, como Eliana Gerso, Celeste Cardona e Alfredo Jos de Sousa pugnavam no sentido de, pelo menos as infraces fiscais correspondentes a crimes comuns, deveriam revestir natureza criminal.38 Mesmo para quem admitia as penas de natureza criminal, uma outra questo se levantou. A que se prende com a admissibilidade da pena de priso como sano prtica dos crimes fiscais. A doutrina maioritria defende a sua admissibilidade, sobretudo com base na ideia de preveno geral positiva e de preveno especial, j que uma pena de natureza meramente patrimonial poder no alcanar esses objectivos, mormente porque falamos de crimes de colarinho branco, em que o agente, por vezes, integra j esses montantes nos seus clculos econmicos. Depois, importante salientar que as infraces tributrias se encontram previstos em diploma autnomo, o RGIT. Por outro lado, o artigo 7. deste diploma responsabiliza as pessoas colectivas e as sociedades pelas infraces nele previstas, quando cometidas pelos seus rgos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo. No entanto, este facto no exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes. Por outro lado, de acordo com o artigo 9.: O cumprimento da sano aplicada no exonera do pagamento da prestao tributria devida e acrscimos legais.

2.1. DIREITO PENAL FISCAL Tambm atravs do direito penal fiscal se pode combater a fraude e a evaso fiscal. De facto, esse combate manifesta-se no facto de ... esse interesse geral (interesse do Estado, enquanto expresso jurdica da sociedade), ligado cominao de sanes para os autores de determinados actos ilcitos, no pode deixar de ser o

38

Gomes, Nuno S, A Criminalizao das Infraces Tributrias, in Cincia e Tcnica Fiscal, n392, Lisboa, Ministrio das Finanas, 1998, pg.79 e seguintes.

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interesse em que esses actos deixem de ser praticados, quer pelas mesmas pessoas (preveno especial), quer por outras (preveno geral).39 Da que ... importa ter presente que a razo de poltica criminal que prepondera na cominao da pena de priso para as infraces dolosas mais graves o combate eficaz fraude e evaso fiscal.40 O RGIT divide as infraces tributrias em crimes tributrios comuns (a burla tributria, a frustrao de crditos, a associao criminosa, a desobedincia qualificada e a violao de segredo artigos 87. a 91.), crimes aduaneiros (o contrabando, o contrabando de circulao, o contrabando de mercadorias de circulao condicionada em embarcaes, a fraude no transporte de mercadorias em regime suspensivo, a introduo fraudulenta no consumo, a violao das garantias aduaneiras, a quebra de marcas e selos, a receptao de mercadorias objecto de crime aduaneiro e o auxlio material artigos 92. a 102.) e crimes fiscais (a fraude, a fraude qualificada e o abuso de confiana artigos 103. a 105.). No incidindo com especial ateno em cada um dos crimes, tratar-se- apenas de algumas questes com relevncia para o tema do presente trabalho. Em primeiro lugar, importante esclarecer que, nos termos do artigo 12., a pena, obviamente apenas aplicvel a pessoas singulares, pode compreender a priso at oito anos ou multa de 10 a 600 dias. Para as pessoas colectivas, vale a pena de multa, de 20 a 1 920 dias. Na determinao da medida da pena atende-se, quando possvel, ao prejuzo causado pelo crime. Em segundo lugar, de salientar a hiptese de suspenso da execuo da pena de priso, prevista no artigo 14.. Assim, tal suspenso condicionada ao pagamento da prestao tributria em dvida e acrscimos legais, do montante dos benefcios fiscais indevidamente obtidos, desde que em prazo no superior a cinco anos a contar da condenao. Por outro lado, de ter em conta, tambm, a possibilidade de aplicao de penas acessrias, as previstas no n. 16., aos crimes tributrios. Nos termos do artigo 22., a pena pode ser dispensada se o agente repuser a verdade sobre a situao tributria e o crime for punvel com pena de priso igual ou39 Rosa, Manuel Cortes, Natureza Jurdica das Penas Fiscais, in AAVV, Direito Penal Econmico e Europeu: textos foutrinrios, Vol.II, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pg.11 40 Sousa, Alfredo Jos de, Direito Penal Fiscal- uma perspectiva, in AAVV, Direito Penal Econmico e Europeu: textos doutrinrios, Vol.II, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pg.166

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inferior a trs anos, desde que a ilicitude do facto e a culpa do agente no sejam muito graves e a prestao tiver sido paga, bem como se dispensa de pena no se opuserem razes de preveno. Por sua vez, a pena ser especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestao em dvida at deciso final ou no prazo nela fixado. Em suma, o legislador visa a reposio da verdade fiscal por parte do contribuinte. S assim no ser quando a culpa do agente, bem como as necessidades de preveno geral e especial exigirem o efectivo cumprimento da pena. Como nota final, resta chamar a ateno para o facto de o inqurito ser da competncia presumida da Administrao Tributria, sem prejuzo de o Ministrio Pblico avocar o processo a todo o tempo. Relativamente aos crimes fiscais, pode dizer-se que a grande maioria dos inquritos instaurados tm sido pelo crime de abuso de confiana fiscal e pelo crime de fraude fiscal, embora este em menor escala. No ano de 2006, o valor em dvida nos processos de inqurito instaurados rondava os 250 milhes de euros, sendo de salientar que a maioria dos processos arquivados tiveram na sua origem a regularizao do imposto em falta. Em Janeiro de 2007, encontravam-se em investigao, a nvel nacional, cerca de 5 mil processos, pela prtica de crimes de fraude fiscal, burla fiscal, contrabando e abuso de confiana. Relativamente aos crimes aduaneiros, pode dizer-se que a DGAIEC participou, em 2006, 22 crimes de contrabando, 19 crimes de contrafaco e 19 crimes de introduo fraudulenta no consumo. Para alm de outros crimes fiscais e tributrios.41

2.2 CONTRA-ORDENAES TRIBUTRIAS O RGIT prev tambm as contra-ordenaes tributrias. Por um lado, as contra-ordenaes aduaneiras (artigos 108. a 112.) e, por outro, as contra-ordenaes fiscais (artigos 113. a 129.). Para o trabalho em curso, ser suficiente tecer apenas algumas consideraes quanto ao seu regime, sem entrar em grandes pormenores. Em primeiro lugar, nos termos do artigo 23., podemos dizer que as contraordenaes podem ser simples ( as que no excedam 3 750,00 ) ou graves ( as que excedam esse montante ou que a lei considere como tais ).41

Relatrio sobre o Combate Fraude e Evaso Fiscais, cit., pg.65

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Tais contra-ordenaes, salvo disposio expressa em contrrio, so sempre punidas a ttulo de negligncia. Para a determinao da medida da coima atender-se- gravidade do facto, culpa do agente, sua situao econmica e ao benefcio que o agente retirou da prtica da contra-ordenao. Tambm aqui poder a Administrao Fiscal impor sanes acessrias aos agentes da prtica de contra-ordenaes graves, nos termos do artigo 28.. De salientar tambm o direito do agente reduo das coimas, desde que preenchidos os requisitos do artigo 29. e a possibilidade da sua dispensa, nos termos do artigo 32., n. 1, desde que a prtica da infraco no ocasione prejuzo efectivo receita tributria, estar a falta cometida regularizada e revelar um diminuto grau de culpa. Nos termos do n. 2, a coima pode ser especialmente atenuada no caso do infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situao tributria at deciso do processo. Todo o processo de contra-ordenao tributria da competncia da Administrao Fiscal, nos termos do artigo 52., sem prejuzo dos competentes recursos judiciais da deciso de tal entidade (artigos 53. e 80. e ss.). Comparativamente ao ano de 2005, o nmero de contra-ordenaes instauradas, em 2006, cresceu na ordem dos 37%. O crescimento registado do nmero de processos instaurado, num contexto em que os nveis de cumprimento voluntrio tm vindo a aumentar, ficou a dever-se ao facto de se ter vindo sucessivamente a alargar a instaurao automtica de processos de processos de contra-ordenao aos diferentes tipos de infraces fiscais, o que se traduziu em maior eficcia e celeridade na penalizao das situaes de incumprimento. (...).42 Tambm a eficcia das sanes s infraces cresceu significativamente, tendo o valor cobrado em coimas aumentado em 158 milhes em cinco anos, encontrando-se, em 2006, nos 184, 63 milhes de euros. No mbito dos processos instaurados pela DGAIEC, em 2006 verificou-se um aumento de 75 % do montante das coimas cobradas, comparativamente com 2005.

42

Relatrio sobre o combate Fraude e Evaso Fiscais, cit., pg.53

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2.3 SEDIMENTAO, CELERIDADE NA APLICAO E (DES)COMPLEXIDADE DALEI FISCAL

O contribuinte considera que as normas

fiscais tm um contedo

demasiadamente complexo, pelo que inacessvel ao mesmo, o que contribui para a evaso fiscal: ... o sistema fiscal portugus complexo e difcil, voltil e instvel no tempo.43 De facto, A complexidade da lei fiscal tambm demove as pessoas do cumprimento escrupuloso das suas obrigaes fiscais e facilita a evaso...44 Da mesma forma, segundo Casalta Nabais, ... imperiosa uma luta adequada, eficaz e corajosa contra a evaso fiscal que campeia um pouco por toda a parte, particularmente facilitada com a moderna hipertrofia e complexidade tcnica da generalidade da legislao fiscal e da crescente desmaterializao dos pressupostos de facto dos impostos45. Alis, o Autor apela mesmo necessidade de ... reduzir, e reduzir significativamente, o nmero de leis fiscais que nos regem, bem como simplificar as restantes, de modo a que tenhamos uma legislao fiscal que no s seja susceptvel de ser aplicada, mas sobretudo possa ser aplicada com custos bem menores do que aqueles que se verificam actualmente.46 Isto porque ... complexidade gera, frequentemente, mais complexidade.(...) A melhor soluo, seria, todavia, redesenhar o sistema fiscal para que muitas das oportunidades de fuga, arbitragem e evaso fossem eliminadas e, simultaneamente, incentivar os contribuintes ao cumprimento voluntrio da lei. (...) Na verdade, o sistema fiscal ganha, e muito, se for visto pela generalidade do pblico como justo. Isso contribui para no tornar a evaso socialmente aceitvel e aumentar o grau de cumprimento espontneo da lei...47 De facto, certo que as frequentes alteraes da lei fiscal, sobretudo porque realizadas em intervalos temporais muito curtos, dificultam a sua interpretao e aplicao, o que incentiva os comportamentos evasivos. 48 Refira-se que o combate evaso fiscal pode ter a sua soluo apenas na correcta aplicao das normas fiscais existentes. Alis, concordamos inteiramente com Pedro Pais de Almeida quando supe que a prpria Administrao Fiscal ter

Soares, Domitlia Diogo, Percepo Social da Fiscalidade em Portugal. Um Estudo Exploratrio, Coimbra, Almedina, 2004, pg.141 44 Antunes, Francisco Vaz, ob. cit., p.7 45 Nabais, Jos Casalta, Estado Fiscal..., ob. cit., pg.72 46 Idem, Avaliao Indirecta e Manifestaes de Fortuna..., ob. cit., pg.217 47 Lopes, Cidlia M. Mota, Simplicidade e Complexidade..., ob. cit., pg.58, 76 e 77 48 Soares, Domitlia, ob. cit., pg.14443

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dificuldades em manter-se actualizada, o que no poder contribuir nunca para o combate eficaz evaso fiscal. 49 A prpria legislao fiscal avulsa complica a coerncia e certeza legislativas, da o interesse na sua codificao. Por outro lado, uma outra forma de combater a evaso fiscal passa pela celeridade na aplicao de lei e na agilizao dos processos de execuo fiscal. O avolumar dos processos em nada contribuir para evitar a fuga aos impostos, at pelo perigo de prescrio, bem como pelo perigo de venda dos bens, propriedade dos contribuintes, impossibilitando, assim, a sua penhora para posterior pagamento do imposto vencido. Assim, o combate evaso fiscal passa tambm pela simplificao e praticabilidade de toda a legislao fiscal.

3- OS TRIBUNAISSem dvida que a luta contra a evaso fiscal s vingar se e quando os nossos tribunais aplicarem correctamente a lei fiscal. Esta ideia mais forte quando nos referimos aos crimes fiscais, uma vez que tais previses protegem os mesmos bens que as normas penais, bens fundamentais da vida democrtica. De facto, tambm a pena fiscal uma pena exigida por razes de preveno geral e especial. Se tais penas no forem correctamente aplicadas pelos tribunais, a ideia de preveno, sobretudo a geral, sair beliscada. A comunidade, para alm de perder a confiana na norma violada (falamos aqui de preveno geral positiva), no evitar cometer aquele tipo de crimes (ficando tambm frustada a ideia de preveno geral negativa). De chamar a ateno para o facto de a pena privativa da liberdade no ser aplicada com a frequncia desejada, o que leva a que a punio pela prtica de tais crimes no seja suficientemente dissuasora da prtica de crimes da mesma natureza. Todavia, a actuao dos tribunais passa tambm pelo controle de toda a relao tributria. De facto, o acesso aos tribunais um direito fundamental do contribuinte que no concorda com uma qualquer deciso da administrao. (art. 20., n. 1 da CRP ) Esse preceito, alm de abranger, ao nvel fiscal, o acesso do contribuinte justia administrativa, abrange tambm o acesso aos tribunais tributrios, sobretudo

49

Almeida, Pedro Pais de, artigo publicado no Semanrio Econmico de 11/10/2002

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quanto ao direito de impugnao dos actos tributrios, nos termos do artigo 99. CPPT; ao direito de aco judicial para o reconhecimento de um direito ou interesse legtimo em matria tributria, nos termos do artigo 145. do CPPT; ao direito aos meios processuais acessrios, nos termos do artigo 146. do CPPT; ao direito ao recurso e oposio, nos processos especiais de derrogao do sigilo bancrio, nos termos dos artigos 146.-B do CPPT e 63.-B da LGT, ao direito de recurso contra as decises de avaliao indirecta na base de manifestaes de fortuna, nos termos dos artigos 89.-A, n. 7 da LGT e 146.-B do CPPT e, por fim, ao direito de defesa judicial no processo de execuo fiscal, nos termos dos artigos 151. e 276. do CPPT.50 O papel dos tribunais na relao tributria reveste-se de importncia fundamental. A confiana dos contribuintes na justia tributria levar a um maior cumprimento das suas obrigaes fiscais. Sabendo eles que, num plano superior Administrao Fiscal, estar um tribunal, isento e imparcial, capaz de solucionar com justia, rapidez e eficcia todos os problemas que derivem das suas relaes com o fisco, os contribuintes estaro mais predispostos a cumprir com os seus deveres tributrios. Segundo Saldanha Sanches, Um juiz cvel que numa aco contra uma companhia de seguros d como provado que o rendimento real do sinistrado no de 100 como figura na declarao de IRS, mas de 1000 fixa a indemnizao de acordo com esses dados trazidos ao processo mas no comunica isso s Finanas. Isso um problema deles, no seu. Apesar da veste oficial com que toma conhecimento destes factos no se sente no dever de denunciar um caso to flagrante de fraude fiscal. 51 este estado actual das coisas que preciso alterar. Os juizes, ao terem conhecimento das causas relacionadas com a conduta tributria, so um elemento mediador entre a Administrao Fiscal e o contribuinte (...), podendo at influenciar os poderes legislativo e executivo, tanto para a manuteno como para a reforma das normas que aplicam. 52

4- AS EMPRESASA ideia de privatizao da gesto dos impostos, concretizada no facto de ... a maior parte dos impostos actuais ser objecto de liquidao e cobrana pelos

Consultar Faveiro, Vtor, ob. cit., pg.988-998 Sanches, J, L. Saldanha, Prefcio, in Soares, Domitlia Diogo, ob. cit., pg.9 52 Soares, Domitlia Diogo, ob. cit., pg.3650 51

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particulares,

seja

pelos

prprios

contribuintes,

atravs

do

mecanismo

da

autoliquidao, seja por terceiros, actuando em substituio dos contribuintes; e de ... mesmo quando a liquidao permanece nas mos da Administrao fiscal, como acontece no IRS, num sistema de auto-confisso do contribuinte como o nosso, a Administrao limita-se a realizar meras operaes matemticas, as quais, por serem de carcter automtico, so mesmo levadas a cabo com recurso a meios informticos. conduziu, ... em sede de luta contra a evaso fiscal, a uma efectiva redistribuio de papis entre o legislador e a Administrao fiscal, para alm do aparecimento desse novo actor que so as empresas no papel de administradoras ou gestoras da generalidade dos impostos. 53 Casalta Nabais54 apela necessidade de repensar o papel das empresas no sistema de liquidao e cobrana dos impostos, bem como ao respeito pelos direitos e liberdades fundamentais das empresas, j que so, actualmente, excessivamente oneradas com aquelas tarefas. De facto, tal fenmeno, que se traduz na entrega s empresas de tarefas que, em princpio, caberiam administrao fiscal, conduz necessidade de repensar o seu papel. Da que caiba ao legislador ter em conta que as normas de liquidao e cobrana no se destinam j Administrao Fiscal, mas sim s prprias empresas, apelando a um direito de participao na criao legislativa quanto quelas matrias, uma vez que so elas as principais responsveis pela liquidao e cobrana dos impostos. Por outro lado, deveria o legislador ter tambm em ateno o facto de tais tarefas configurarem verdadeiras restries aos seus direitos fundamentais. Quanto ao primeiro aspecto, Cidlia Lopes, recorrendo a um estudo realizado em 2001, afirma que ... apenas 1 % dos casos as propostas de legislao so enviadas a alguns parceiros sociais, nomeadamente s associaes de determinados sectores, como o financeiro. Ainda assim necessrio referir que a existncia, num limitado nmero de casos, de consultas formais ou informais no significa que o legislador portugus tome em considerao os comentrios dos contribuintes, criando no poucas vezes legislao dificilmente compreensvel, e potencialmente geradora de dvidas e conflitos. 55

Nabais, Jos Casalta, Avaliao Indirecta e Manifestaes de Fortuna..., ob. cit., pg.205 Nabais, Jos Casalta, Alguns Aspectos da Tributao das Empresas, in Por um Estado Fiscal Suportvel. Estudos de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2005, pg.404 55 Lopes, Cidlia M. Mota, Simplicidade e Complexidade do Sistema Fiscal: algumas reflexes, in Fiscalidade, n13/14, Lisboa, Instituto Superior de Gesto, 2003, pg.77 e 7853 54

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Segundo Vtor Faveiro, Sem a participao do contribuinte (...) na criao das leis tributrias, estas no deixaro, naturalmente, de ser criadas, na base de critrios de poltica financeira de poltica geral, ou em critrios cientficos e tcnicos de elevado nvel dos seus preparadores; e sero expressados sob formas jurdicas, econmicas ou contabilsticas, de idntico nvel; mas poderia faltar-lhes, eventualmente, o sentido da vivncia das realidades prticas de cada sector e a justa medida da relao entre o dever natural e social de contribuir e a capacidade contributiva das pessoas, dos sectores e da prpria colectividade que constituem.56

5- A SOCIEDADE CIVIL... a luta contra um tal fenmeno [o da evaso fiscal], que aflige presentemente a generalidade dos pases desenvolvidos, no se pode bastar com a actuao dos entes pblicos, como alguma linguagem parece subentender, antes requer a convocao de toda a sociedade civil, despertando e activando a cidadania de todos os membros da comunidade na criao e desenvolvimento de um ambiente propcio rejeio e censura sociais dum tal fenmeno.57, afirma Casalta Nabais. O Autor apela ao empenhamento cvico, na criao de uma mentalidade de rejeio e censura da evaso fiscal, dos meios de comunicao social e dos sindicatos e associaes empresariais. Por vezes, ... o infractor fiscal, amide, desculpabilizado pelos outros cidados, como se a sua omisso ou fraude fosse antes uma manifestao de inteligncia e um prmio. Inverter esta perspectiva tarefa difcil, exigindo mesmo uma alterao de mentalidades. 58 De facto, no possvel combater a evaso fiscal se a comunidade premeia e v como heri quem consegue fugir ao fisco. necessrio que entenda que ... a grande prejudicada com a evaso e a fraude fiscal acaba por ser a prpria sociedade, porque o Estado pode sempre procurar outras formas de se financiar, nomeadamente com o recurso ao endividamento. 59 Assim, o grande prejudicado com a fuga generalizada aos impostos o Estado Social de Direito.

Faveiro, Vtor, O Estatuto do Contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pg.946-947 57 Nabais, Jos Casalta, Avaliao Indirecta e Manifestaes de Fortuna..., ob. cit., pg.202 58 Acrdo do Tribunal de Crculo de Oliveira de Azemis, de 24/05/96, publicado em www.cidadevirtual.pt 59 Antunes, Francisco Vaz, ob. cit., pg. 656

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Como refere um juiz, Apenas aquelas pessoas que tm uma elevada formao cvica, moral e social, aceitam o imposto como um dever de solidariedade social.60 Afirma Vaz Antunes, Lamentavelmente , h indcios muito fortes da existncia de ilcitos de natureza fiscal. Basta atentar no elevado nmero de profissionais liberais que sistematicamente declaram como resultado da sua profisso rendimentos muito abaixo do que seria normal para as suas actividades, assim como o elevado nmero de sociedades comerciais que declaram resultados de exerccio negativos, nulos ou muito reduzidos.61 De facto, os rendimentos dos contribuintes que trabalham em regime de dependncia so mais difceis de ocultar.62 Por esta razo, o esforo fiscal acaba por recair sobre os trabalhadores por conta de outrm. Assim, e ainda que de maneira forada, os trabalhadores por conta de outrem aparecem como os contribuintes mais honestos, porque ainda que queiram faz-lo, dificilmente conseguem ocultar os rendimentos que tm de declarar. Pelo contrrio, os profissionais liberais e tambm certos empresrios, aparecem como os mais desonestos...63 A este nvel tambm importante o papel da comunicao social. Os meios de comunicao social so a principal via de acesso notcia fiscal por parte dos contribuintes. No entanto, a sociedade acusa-os de ... Difuso prioritria das notcias que do a conhecer os aspectos mais desfavorveis da Administrao Fiscal (aumento da carga fiscal, ineficincia na luta contra a fraude, etc.) (...), Menor dedicao na difuso das mediadas fiscais, que interessam maioria dos contribuintes, ao cidado comum, para dedicar maior esforo informativo quelas que afectam uma minoria de contribuintes, as elites... 64 Assim, parece que o segredo estar no desenvolvimento, por parte da Administrao Fiscal, de uma adequada poltica de comunicao fiscal, contribuindo, a sim, a comunicao social para a desejada conscincia fiscal da sociedade. Por outro lado, a falta de cultura fiscal deve-se tambm falta de campanhas nesse sentido. Da a necessidade de Reanimar moralmente a sociedade mediante campanhas de educao cvico-fiscal (para jovens) e de consciencializao (para adultos), que explicitem os factores que intervm no contrato social entre o Estado e os

Soares. Domitlia Diogo, ob. cit., pg.83 e 89 Antunes, Francisco Vaz, ob.cit., pg.8 62 V. tb. Nabais, Jos Casalta, Estado Fiscal..., ob. cit., pg.72 63 Soares, Domitlia Diogo, ob. cit., pg.98 64 Idem, Ibidem, pg.18660 61

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cidados: para que servem os impostos, porqu, quanto, em qu e de que maneira se gasta o dinheiro pblico.65

III - CONCLUSESNa sequncia deste trabalho, considero que ficou esclarecido que, a luta contra a evaso fiscal e a diminuio da consequente desigualdade real entre os contribuintes, passa pela interveno conjunta,- ainda que no desempenho individual de cada uma das tarefas que lhes estejam atribudas-, da Administrao Fiscal, do legislador, dos tribunais, das empresas e da prpria sociedade. Contudo, dvidas no restam que acima de tudo necessrio trabalhar ao nvel do processo de aculturao cvica e fiscal de cada um dos indivduos que constituem a sociedade a que pertencemos. Cada vez com maior intensidade, a temtica da luta contra a evaso e fraude fiscais abordada no dia-a-dia, nos meios de comunicao social, nas conversas ditas de caf, mas o que certo que, nestas ltimas, fica sempre no ar a sensao de um certo pesar por parte de quem no consegue contornar a Administrao Fiscal e diminuir a carga tributria, tal como aqueles a quem se referem nessas referidas trocas de impresses. H ainda muito que trabalhar no sentido de demonstrar aos

cidados/contribuintes que, nessas circunstncias, face diminuio da receita fiscal arrecada, a qual se destina a fazer face s despesas da colectividade, precisamente o interesse colectivo que sai lesado. Contudo, os argumentos invocados no so suficientes ou credveis para que os contribuintes primem pela veracidade do teor das respectivas declaraes de rendimentos e considero que, cada vez mais, esteja relacionado com a descrena nos partidos polticos e seus dirigentes e, como consequncia, nos governantes deste pas. Ainda assim, por parte do Governo, crescente a demonstrao e manifestao de preparar planos de combate fraude e evaso fiscais, sendo certo que a medida permanentemente falada, designadamente quanto s circunstncias para que se verifique, e que maior impacto tem na opinio pblica , sem margem para dvida, aquela que se prende com o levantamento do sigilo bancrio.

65

Idem, Ibidem, pg.204

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Concluindo, a primeira medida a ser adoptada junto dos cidados/contribuintes, tal como foi j supra referido, deveria passar por uma poltica de implementao de valores e de civismo, demonstrando, em simultneo, uma conteno nas despesas desnecessrias realizadas pelo Estado e, por outro lado, um aumento nas despesas sociais prementes.

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NDICESIGLAS USADAS .......................................................................................................... 2 I- INTRODUO .......................................................................................................... ..3 II- A LUTA CONTRA A EVASO FISCAL ............................................................... ..5 1- A ADMINISTRAO TRIBUTRIA.................................................................. 5 A) Inspeco tributria ...........................................................................................5 B) O levantamento do sigilo bancrio ....................................................................6 C) Aplicao dos mtodos indirectos e manifestaes de fortuna .........................7 D) Regimes especiais da luta contra a evaso fiscal ..............................................9 D.1- preos de transferncia ...................................................................10 D.2- pagamentos a entidades no residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado ...........................................................................................................11 D.3- imputao de lucros de sociedades no residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado .................................................................................... 12 D.4- subcapitalizao ..............................................................................12 E) Clusula geral anti-abuso..14 F) A simulao dos negcios jurdicos. 15 G) A flexibilizao do segredo fiscal e profissional..16 2 O LEGISLADOR ................................................................................................. 17 2.1. Direito penal fiscal........................................................................................ 18 2.2 Contra-ordenaes tributrias........................................................................ 20 2.3 Sedimentao, celeridade na aplicao e (des)complexidade da lei fiscal.... 22 3- OS TRIBUNAIS .................................................................................................... 23 4- AS EMPRESAS ..................................................................................................... 24 5- A SOCIEDADE CIVIL.......................................................................................... 26 III - CONCLUSES....................................................................................................... 28 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 29 NDICE........................................................................................................................... 32

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