Évora cidade educadora
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Boletim de apoio a Ciclo de DebatesTRANSCRIPT
Propomos um debate sobre os contributos da História,
da Memória e do Património para “Habitar a Cidade.
Construir Espaço Público”.
“A qualidade do espaço público pode avaliar-se sobre-
tudo pela intensidade e pela qualidade das relações
sociais que facilita, pela sua força “misturante” de
grupos e comportamentos, e pela sua capacidade de
estimular a identificação simbólica, a expressão e a
integração culturais” escreve o urbanista Jordi Borja
citado pelo professor de Filosofia J. del Pozo (2008:27)
Constituir-se-ão estes recursos que Évora valoriza –
História, memória e património - como facilitadores em
Évora da construção de uma cidade educadora?
Convite ao Debate
É v o r a , 2 6 d e A b r i l d e 2 0 1 2 N e w s l e t t e r
A n o 1
N º 4
"Dizer que as socie-
dades são comuni-
dades que se auto
interpretam é mos-
trar a natureza des-
se sedimento, mas é
importante acres-
centar-se que entre
as mais poderosas
destas auto-
interpretações estão
as imagens que as
sociedades criam e
preservam de si
próprias como sen-
do continuamente
existentes"
Connerton, P. (1999),
Como as sociedades recordam. Oeiras: Celta,
p.14
Foto: Paulo Nuno Silva
História, Memória
e Património
O Painel Para motivar o encontro e impulsionar a
partilha de pontos de vista contamos com
um painel de cinco pessoas que têm dedi-
cado muitos anos de estudo e reflexão a
esta temática:
Antónia Fialho Conde, moderadora deste
debate, sempre fez da História a sua casa.
Em sede de mestrado preocupou-se com a
Recuperação do Património Arquitectóni-
co e Paisagístico. Na tese de doutoramen-
to estudou a vida da comunidade religiosa
feminina que habitou o Convento de Cás-
tris em Évora, entre os anos de 1328 e
1776. É Professora, directora do departa-
mento de História da Universidade de
Évora e investigadora no CIDEHUS e no
Centro Hércules (Herança Cultural, Estu-
dos e Salvaguarda) da mesma Universida-
de. Nasceu em S. Pedro do Corval
(concelho de Reguengos de Monsaraz) há
quase meio século, mas é em Évora que
vive e trabalha há mais de 30 anos.
Artur Goulart nasceu na ilha de S. Jorge
nos Açores há 75 anos. Tendo em si inscrito
o “desejado vai-vem discreto/ das ma-
rés ritmo secreto /do tempo sem tempo li-
vremente”, como revela num dos seus poe-
mas, mas não hesita em assumir-se como
eborense. Vive nesta cidade há 33 anos, 20
dos quais profissionalmente dedicados ao
Museu de Évora de que foi director durante
um período de 7 anos. Actualmente é coor-
denador do Inventário Artístico da Arquidi-
ocese de Évora.
Cármen Almeida é Socióloga. Nasceu e
vive em Évora há 57 anos. No decurso de
uma intensa carreira profissional como téc-
nica na Câmara de Évora fundou e coordena
o Arquivo fotográfico. Interessa-se por Mu-
seologia, área em que defendeu uma tese de
Mestrado. Actualmente prepara uma tese de
doutoramento em História e Filosofia da
Ciência, intitulada “A divulgação da fotogra-
fia no Portugal oitocentista: Protagonistas,
práticas e redes de circulação de saber”.
Celestino David é outro eborense nascido no
centro histórico da cidade há 64 anos. Licen-
ciou-se em Filosofia, e mais tarde fez mestra-
do em Estética Contemporânea. Foi professor
no ensino secundário durante mais de 35
anos. Desde os anos 80 (do séc. XX) vem
assumindo a Direcção do Grupo Pró Évora -
Associação de Defesa do Património da cida-
de de Évora, sem fins lucrativos, fundada em
1919, por um grupo de eborenses que incluía
o seu avô.
Manuel Branco nasceu na Igrejinha há 65
anos. Considera-se “um professor do ensino
primário que se atreveu a fazer coisas”. Entre
essas muitas coisas, avulta o gosto pela His-
tória de Arte. Centrou a sua tese de mestrado
na época do Renascimento.
foi criando e preservando sobre si própria,
pretendemos indagar sobre as possibilida-
des desta cidade se ver, ou de se pensar,
no início do século XXI, como uma cidade
educadora. Por outras palavras, pretende-
se reflectir sobre a confrontação entre as
representações que Évora cultiva sobre si
mesma e as que a cidade educadora pro-
põe.
Quando falamos de imagens, ou represen-
tações, aludimos às configurações e recon-
figurações que a cidade cria sobre si pró-
pria, através dos múltiplos discursos que
em si confluem, resultantes da articulação
de códigos diversos, de metáforas múlti-
plas, contradições e aproximações sucessi-
vas, necessariamente emanados da diversi-
dade do vivido, experienciado e concreti-
zado. Neste sentido a cidade é sempre
educativa: “Pelo facto de ser cidade é, em
si mesma, fonte de educação, a partir das
suas múltiplas esferas e para todos os
seus habitantes” (Figueras, 2012).
Mas Évora desejou diferenciar-se como
cidade educadora. O direito a usar esta
designação resulta de um “compromisso
político a assumir, em primeiro lugar por
parte do governo municipal, como instân-
cia política representativa dos cidadãos e
a que lhes é mais próxima; mas que há
que ser, necessariamente, partilhada com
a sociedade civil. Significa a incorpora-
ção da educação como meio e como cami-
nho para a consecução de uma cidadania
Cidade do património: história e memória
Foto: Paulo Nuno Silva
1. A abordagem da História, enquanto “prática
intelectual que busca […] o sentido da cultu-
ra, e que desafia aqueles que a constroem
numa tradição crítica e saudável, a se con-
frontarem com os desafios da mudança e as
aventuras da utopia” (Benito: 2002, 14),
permite a presentificação da memória colecti-
va, sujeitando a sedimentação de legados
culturais a uma hermenêutica de resignifica-
ção.
A memória revela interacções entre pessoas,
lugares e tempo que ajudam a substantivar o
presente, a contextualizar o agir e a construir
patrimónios comuns. Connerton comenta a
propósito: "Apelamos à nossa memória para
responder às questões que outros nos colo-
cam, ou que imaginamos que eles nos podem
colocar, e para lhes respondermos, vêmo-nos
a nós próprios como fazendo parte do mesmo
grupo, ou grupos que eles” (1999, p.41).
Questões fulcrais que ajudam a interpretar a
complexidade da cidade actual, entretecendo
laços de sentido e articulando espaços comu-
nicativos.
O património cultural constitui um fundo de
valores e recursos disponibilizado pela me-
mória e reconhecido pela comunidade como
suporte identitário e justificativo das iniciati-
vas conjuntas. Tal vai ao encontro da defini-
ção fixada pela Convenção - Quadro do Con-
selho da Europa relativa ao valor do Patrimó-
nio Cultural para a Sociedade aprovada pela
resolução da Assembleia da república n.º
47 /2008 de 12 de Setembro de 2008, publi-
cada no Diário da República n.º 177, Série I
de 12 de Setembro de 2008, no seu artigo 2.º:
“a) O Património Cultural constitui um con-
junto de recursos herdados do passado que
as pessoas identificam, independentemente
do regime de propriedade de bens, como um
reflexo e expressão dos seus valores crenças,
saberes e tradições em permanente evolução.
Inclui todos os aspectos do meio ambiente
resultantes da interacção entre as pessoas e
os lugares através do tempo;
b) Uma comunidade patrimonial é composta
por pessoas que valorizam determinados
aspectos do Património Cultural que dese-
jam, através da iniciativa pública, manter e
transmitir às gerações futuras”.
2. Neste debate com especialistas e pessoas
interessadas nas imagens que Évora
P á g i n a 2
mais culta, mais solidária e mais fe-
liz” (Figueras, 2012)
Em Évora, a primeira parte do referido
compromisso político vem sendo con-
firmado desde 2001 pela Câmara Mu-
nicipal; já a partilha desta opção estra-
tégica com “a sociedade civil”, ou com
a comunidade, está em construção.
3. A Carta de Génova, logo no seu segun-
do princípio, define os contornos con-
ceito de educação apontado, bem como
a relação desejada entre educação e
cidade:
“A cidade deverá promover a educa-
ção na diversidade para a compreen-
são, a cooperação solidária internacio-
nal e a paz no mundo. Uma educação
que deverá combater toda a forma de
discriminação. Deverá favorecer a
liberdade de expressão, a diversidade
cultural e o diálogo em condições de
igualdade. Deverá acolher tanto as
iniciativas inovadoras como as da
cultura popular, independentemente da
sua origem. Deverá contribuir para a
correcção das desigualdades que sur-
jam então da promoção cultural, devi-
do a critérios exclusivamente mercan-
tis” (Carta de princípios, nº.2º).
Mais adiante, no sétimo princípio, o
mesmo documento explicita a impor-
tância atribuída à identidade da cidade
e à necessidade de a preservar e valori-
zar:
“ A cidade deve saber encontrar, pre-
servar e apresentar sua identidade
pessoal e complexa. Esta a tornará
única e será a base dum diálogo fecun-
do com ela mesma e com outras cida-
des. A valorização dos seus costumes e
suas origens deve ser compatível com
os modos de vida internacionais. Pode-
rá assim oferecer uma imagem atraen-
te sem desvirtuar o seu enquadramento
natural e social. À partida, deverá
promover o conhecimento, a aprendi-
zagem e a utilização das línguas pre-
sentes na cidade enquanto elemento
integrador e factor de coesão entre as
pessoas”. (Carta de princípios, nº7).
(Continua na Pág. Seguinte)
Tema
Memória e identidade narrativa
P á g i n a 3
Nascemos, como advertiu o poeta
Rainer Maria Rilke, num mundo
interpretado, mas ao mesmo tempo
temos necessidade de nos libertar-
mos dos espartilhos com que nos
querem torná-lo inteligível, e em
consequência temos que construir
com o nosso esforço, pessoal ou
partilhado, uma nova leitura das
coisas, das palavras e de nós mes-
mos.
Esta é seguramente a chave da
“condenação hermenêutica” em que
estamos inexoravelmente apanha-
dos. Dela fala o nosso colega Joa-
quín Esteban no seu recente ensaio.
Este é provavelmente o maior desa-
fio existencial lançado à condição
humana, um repto que também não
é certo que consigamos resolver
com a nossa atitude, mas que certa-
mente afecta, de modo radical, a
construção da nossa própria identi-
dade narrativa.
A resposta a tão importante expec-
tativa e busca é sobre determinada
e ao mesmo tempo assistida por
dois acervos culturais: um, o que
nos aporta a tradição disponível,
essa espécie de memória colectiva
inscrita na história efectual repen-
sada, a que se referiu a hermenêuti-
ca clássica; outro, o que se vai con-
figurando, ao nível da subjectiviza-
ção, na memória de cada biografia
pessoal. Com os dois conteúdos
urdimos o tecido da resposta her-
menêutica à sentença interpretativa,
e em ambos representam um papel
essencial os conteúdos da memória.
(…) Somos, para além dos espasmos do
presente, constitutiva e ontologicamente,
memória, como sublinhou o filósofo espa-
nhol Emílio Lledó. Nós, indivíduos e grupos
humanos, abrimo-nos ao mundo da vida a
partir dos desejos, mas as expectativas des-
tes nascem e socializam-se sob o ethos es-
truturante da memória, um valor que nos
permite, segundo sugeria Maria Zambrano,
“não avançar às cegas”, se bem que tenha
que fazer-se escrevendo e apagando, como
nas brincadeiras na areia, os conteúdos das
recordações, ou viajando pelo quimérico
museu de formas inconstantes a que aludia
Jorge Luís Borges ao referir-se à volubilida-
de mnemónica.
Alguns elementos da memória permanecem
estáveis, mas muitos deles deformam-se
uma e outra vez no caleidoscópio dos jogos
de espelhos a que são submetidos quando
recordados. Talvez por isso, os rios, quando
querem orientar o sentido da sua marcha,
acalmam-se e sossegam no tracto do cursus
ou rota, e às vezes até parece que correm para
trás, em direcção às nascentes, em busca das
origens do seu constante devir, ainda que esta
volta retrospectiva só seja percebida pela
imaginação e pela poesia. Nós, humanos,
praticamos igualmente a genealogia para
orientar o sentido da progressão das nossas
questões. Talvez por isso, Deleuze falou, não
metafórica mas ontologicamente, da
“memória do futuro”.
*Professor Catedrático de Teoria e História da
Educação, da Universidade de Valladolid e director
do Centro Internacional de la Cultura Esco-
lar,Berlanga de Duero, Soria, Espanha
Tradução de José Pinto de Sá e Dores Correia
Por Agustín Escolano Benito*
A história, a memória, e o património, são reconhecidos como
elementos constituintes da identidade, valorizados nos discursos
sobre as cidades contemporâneas, o que vem expresso no articula-
do do n.º7 da Carta das Cidades Educadoras.
Propomos agora no contexto deste debate questionar os limites da
identidade e considerar as possibilidades de acolher a diferença,
enquanto expressões dialécticas reconfiguradores da cidade con-
temporânea.
Referências Bibliográficas:
Benito, Agustín (coord.)(20029 La Memoria y el Desejo. Valência: Tirant lo
Blanch, pg.14
Connerton, Paul (1999), Como as sociedades recordam. Oeiras: Celta, p.41
Martins, Guilherme d’Oliveira (2011) Património, Herança e Memória.
Lisboa:Gradiva, p.159
Figueras, Pilar (2012), http://www.bcn.es/edcities/aice/estatiques/espanyol/
sec_educating.html)
(continuação da Pág.2)
Foto: Paulo Nuno Silva
* “ É importante recordar que o conceito de
cidade educadora assenta em três pilares:
. Boa comunicação das oportunidades que a
cidade oferece a todos e a cada um dos cida-
dãos. No que se refere aos governos locais
trata-se, para além da explicação do porquê
e do como das suas políticas, de fazer da
política, pedagogia;
. Participação coresponsável dos cidadãos:
definindo e acordando previamente, o alcan-
ce, os limites e os campos;
. Avaliação do impacto educativo das dife-
rentes políticas, bem como do grau de utili-
dade e eficácia destas.”
(Figueras Bellot, (2008) “ Ciudades Educadoras, una
apuesta de futuro” in AICE, Educacion y vida urbana: 20
años de Ciudades Educadoras, Espanha: Santillana.)
ContactosContactosContactos Mail: [email protected] Blogue: http://evoracidadeeducadora.blogspot.com/
Facebook:: ww.facebook.com/events/323727374325849/
Foto: Paulo Nuno Silva
P á g i n a 4
Próximo debate, Quinta Feira, 31 de Maio
“A Arquitectura e o Urbanismo na construção de Évora, cidade
educadora”
A Professora e Arquitecta Aurora Carapinha, do Departamento de Paisagem, Ambi-
ente e Ordenamento da Universidade de Évora, será a moderadora a reflexão sobre
um tema complexo mas estruturante da cidade que temos e da cidade que dese-
jamos. Ao seu lado estarão outros nomes mobilizadores de mais um debate aberto a
todos os interessados.