excelentÍssima senhora doutora juÍza de direito da · logo, sendo a saúde um direito do cidadão...
TRANSCRIPT
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
1
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA
VARA CÍVEL COMARCA DE MATELÂNDIA – ESTADO DO PARANÁ
O Representante do Ministério Público Estadual ,
infra-assinado, no uso de suas atribuições, com endereço na avenida
Paraná, 1451, salas 07 e 08, centro, nesta, onde recebe intimação,
agindo em favor de ISABELLY VITÓRIA MACHADO , criança,
nascida em 31/01/2012, vem, com fulcro no art. 127, caput, art. 129, II
e III, art. 196 e 197, da CF/88; art. 6º, I, “d”, Lei n.º 8.080, de 19 de
setembro de 1990; art. 5°, caput, da Lei n.° 7.347, de 24 de abril de
1985; art. 25, inciso IV, letra “a”, da Lei n.° 8.625, de 12 de fevereiro
de 1993, dispositivos pertinentes da Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), combinados com o art.
282, do Código de Processo Civil e demais diplomas normativos
pertinentes a espécie, e com base nos inclusos autos de notícia de
fato, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA , com pedido de antecipação
de tutela,
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
2
contra:
MUNICÍPIO DE MATELÂNDIA , pessoa jurídica de
direito público interno, ora representado pelo prefeito municipal
EDSON ANTONIO PRIMON, com endereço na avenida Duque de
Caxias, nº 800, centro, nesta cidade e comarca, pelos motivos de fato
e de direito que, a seguir, deduz.
I. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL .
A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de
atuação do Ministério Público, atribui-lhe a incumbência da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (art. 127), ao mesmo tempo em que, dentre
outras funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito
dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
nela assegurados, promovendo as necessárias medidas a sua
garantia (art. 129, inc.II e III). No mesmo sentido é o art. 120, inc. II,
da Constituição Estadual.
Ora, a saúde é o único bem dito de relevância
pública expresso na Carta Magna (art. 197 da CF).
Diante desse contexto constitucional, extrai-se que o
parquet, de modo genérico, pode e deve promover todas as medidas
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
3
necessárias – administrativas e/ou jurídicas – para a restauração do
respeito dos poderes públicos aos direitos constitucionalmente
assegurados aos cidadãos – mormente os direitos fundamentais –
mesmo que no plano individual, desde que se trate de direito
indisponível.
A vida e a saúde são os direitos mais elementares
do ser humano, pressupostos da existência dos demais direitos,
adequando-se na categoria de direitos individuais indisponíveis, razão
pela qual merecem especial cuidado, sobretudo no caso sub judice –
quando se trata de recusa do fornecimento de alimento/medicamento
– que atinge diretamente a saúde da criança ISABELLY VITÓRIA
MACHADO e até a sua vida, comprometendo-o sobremaneira.
No mesmo sentido é o entendimento do legislador
infraconstitucional, em vista do conteúdo do disposto no art. 201, da
Lei Federal nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que
tutela a situação da criança aqui defendida.
Além disso, o art. 25, da Lei Federal nº 8625/93,
preconiza ser função do Ministério Público promover o inquérito civil e
a ação civil pública para proteção a interesses individuais
indisponíveis.
Por fim, recentemente, o Eg. Supremo Tribunal
Federal consagrou esse entendimento:
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
4
“CONSTITUCIONAL. SAÚDE. MINISTÉRIO
PÚBLICO. LEGITIMIDADE. TRATAMENTO
MÉDICO.
I – O direito à saúde, conseqüência do direito à
vida, constitui direito fundamental, direito individual
indisponível (CF, 196). Legitimidade do Ministério
Público para a propositura de ação em defesa
desse direito (CF, 127).
II – Recurso Extraordinário conhecido e provido.”
No presente caso, claramente, ocorreu por parte da
Secretaria Municipal de Saúde direta violação aos direitos
constitucionalmente assegurados de acessibilidade à saúde pública
(art. 196, Constituição Federal) e de prioridade absoluta no direito à
vida e à saúde da paciente ISABELLY VITÓRIA MACHADO , criança
(art. 227, do Estatuto da Criança).
Assentada a legitimidade do Ministério Público, para
o desencadeamento da ação civil pública no caso em tela (art. 201, do
Estatuto da Criança e do Adolescente), imperativa é a
desincumbência desse mister por esta Promotoria de Justiça.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
5
II. BREVE SÍNTESE DOS FATOS.
A criança Isabelly Vitória Machado, nascida aos
31/01/2012, atualmente com 09 (nove) meses de idade , é portadora
de tetralogia de Fallot (cardiopatia), conforme laudo médico em anexo.
Tal patologia, obriga a criança a tratamento
permanente. Devido ao baixo peso e a necessidade de realizar nova
cirurgia cardiovascular, a criança necessita de alimentação especial e
acompanhamento mensal com cardiopediatra.
A criança nasceu prematura, pesando apenas 1,2kg
(um quilo e duzentos gramas), sendo necessário o ganho de peso
para poder realizar as cirurgias cardiovasculares.
Em função da especial condição da criança, esta
apenas pode se alimentar com leite especial – APTAMIL (Danone).
A determinação para que a dieta da criança se
restrinja a tal alimento foi médica, e faz parte do tratamento da
criança, ganhando natureza verdadeiramente de medicação.
Atualmente, conforme prescrição médica em anexo,
a criança necessita de 04 (quatro) latas de leite especial por mês.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
6
A alimentação da criança com esse leite especial é
que a permitirá ganhar peso e crescer, sendo ainda alimento de custo
elevado, sobretudo para a família da criança, que é de poucos
recursos econômicos.
Até o final do mês de outubro, Isabelly Vitória
Machado recebia gratuitamente as latas de leite APTAMIL no Posto
de Saúde central, pela secretaria de saúde. Porém, conforme
documentos em anexo, no início do mês de novembro, houve a
negativa no fornecimento do alimento/medicação (leite especial) à
criança, pela secretaria de saúde do município de Matelândia.
Segundo informações médicas em anexo, caso a
criança não se alimente com o leite receitado, não adquirirá o peso
necessário para poder ser submetida à nova cirurgia cardíaca, sendo
que as conseqüências podem ser fatais.
Nota-se que o leite em questão, para a criança
Isabelly Vitória Machado, ultrapassa a mera questão alimentar,
revestindo-se de caráter medicinal. Também não se pode dize que o
leite especial é complemento alimentar, se é a única alimentação
possível para Isabelly Vitória Machado.
Segundo declarações da Doutora Marta Meditsch
Pinto, em anexo:
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
7
“Solicito fornecimento de leite Aptamil para a
paciente...; 04 latas/mês(...)”
Também:
“... A menor necessita ganhar peso para ser
submetida a nova cirurgia cardíaca”
Assim, não pode haver a negativa em fornecer a
alimentação especial à criança, sob pena de não estar atribuindo a
Isabelly Vitória Machado a possibilidade de, em última análise,
sobreviver, bem como de se desenvolver, dentro de suas
possibilidades.
Além da necessidade de utilização do
alimento/medicamento (leite especial), destaque-se que a genitora da
paciente não têm condições financeiras para sua aquisição, fator que
agrava a situação da criança e que levou o Ministério Público a intervir
no presente caso.
III. O DIREITO APLICADO À ESPÉCIE.
A atual Constituição Federal e a Lei Orgânica de
Saúde consagraram a prevalência de determinados direitos
fundamentais, dentre eles o direito à vida e à saúde, que no caso
concreto foram flagrantemente vulnerados.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
8
A mera leitura dos dispositivos constitucionais que
seguem, em confronto com a hipótese dos autos, revela de pronto a
lesão em causa:
Art. 1.° A República Federativa do Brasil, (...),
constitui-se em Estado democrático de direito e tem
como fundamentos: II- a dignidade da pessoa
humana;
Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à (...)
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
9
Nesse contexto fundamental, que defende a vida,
dignidade, a saúde das pessoas e visando o atendimento integral
nessa área, a Constituição Federal impõe que as ações e serviços
públicos de saúde constituam um sistema único, onde adquirem
prioridade os serviços assistenciais.
Por seu turno, a Lei Orgânica da Saúde (Lei n°
8.080, de l9 de setembro de 1990) estabelece:
Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser
humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste
na formulação e execução de políticas econômicas e
sociais que visem à redução de riscos de doença e
de outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso universal e
igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação .
Art. 5º. São objetivos do Sistema Único de Saúde-
SUS:
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
10
III - a assistência às pessoas por intermédio de
ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde, com a realização integrada das ações
assistenciais e das atividades preventivas;
Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação
do Sistema Único de Saúde (SUS):
d) de assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica;
Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde - SUS são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas
no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo
ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde
em todos os níveis de assistência;
II- integralidade de assistência, entendida como um
conjunto articulado e contínuo das ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de
complexidade do sistema;
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
11
XII – capacidade de resolução dos serviços em
todos os níveis de assistência .
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde
fica preservada nos serviços públicos e privados
contratados, ressalvando-se as cláusulas ou
convênios estabelecidos com as entidades privadas.
No âmbito estadual, a Lei nº 14.254, de 4 de
dezembro de 2003, garante, em seu artigo 2º, XXII, também garante
o direito de Paulo Eduardo, na seguinte dicção:
“Art. 2º São direitos dos usuários dos serviços de
saúde no Estado do Paraná:
XXII – receber medicamentos básicos e também
medicamentos e equipamentos de alto custo e de
qualidade, que mantenham a vida e a saúde”.
Logo, sendo a saúde um direito do cidadão e dever
do Estado, esse direito há de ser satisfeito de modo integral e gratuito
(LOS, art. 43), sejam os serviços de saúde de execução direta pelo
Poder Público ou os de execução indireta.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
12
Assim: "integralidade da assistência implica, como
se enuncia, atenção individualizada, ou seja, para cada caso, segundo
as suas exigências, e em todos os níveis de complexidade.’’
Gratuidade, como o próprio nome diz, significa que o
beneficiário nada paga diretamente, pois o financiamento das
despesas com a saúde é coberto por toda a coletividade (na verdade,
como se vê, a prestação não é gratuita). Seria um absurdo falar-se em
acesso universal, integral e igualitário aos serviços de saúde, como
determina a Constituição Federal, e gratuito, como determina a Lei
Orgânica da Saúde (Lei Federal no 8080/90), e exigir que o cidadão
custeie um insumo bastante oneroso e essencial à sua saúde,
principalmente quando a situação econômica da família não propicia a
sua aquisição, como no caso.
Por fim, a igualdade do direito à vida de todos os
seres humanos significa que nos casos de doença, cada um tem o
direito a um tratamento condigno e integral de acordo com o estado
atual da ciência médica, independente de sua situação econômica.
Portanto, a Constituição da República e a Lei
Orgânica da Saúde tutelam firmemente o direito do cidadão à saúde e
impõem ao Estado o dever de garanti-lo, reconhecendo ao usuário um
direito público subjetivo que o legitima a exigir esse acesso e
assistência do Poder Público.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
13
No caso em tela, há a agravante de estar-se
colocando em risco a saúde e até a vida de uma criança e é na
defesa deles que o ECA se pronuncia e reforça os mandamentos
constitucionais, adaptando-os à sua peculiar condição de
existência, nos seguintes termos:
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.
Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência.
Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança
e ao adolescente, através do Sistema Único de
Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às
ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
14
Parágrafo 2º. Incumbe ao Poder Público fornecer
gratuitamente àqueles que necessitarem os
medicamentos, próteses e outros recursos relativos
ao tratamento, habilitação ou reabilitação.
Por outro lado, a saúde não é apenas uma
contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim
um direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser
universal, igualitário e integral, não se podendo prestar "meia-saúde",
ou seja, fornecem-se algumas prestações e negam-se outras, ou
fornecem-se apenas aquilo que permitem os recursos do momento ou
o que o protocolo dos medicamentos indica, sem se verificar a real
necessidade do paciente.
No caso vertente, fica evidenciado que esse direito
constitucional de assistência integral à saúde está sendo frontalmente
violado, especialmente pelo disposto no art. 6º da Lei Federal
Orgânica da Saúde (Lei Federal n° 8.080/90), que salienta a
recuperação da saúde, no campo de atuação do Sistema Único de
Saúde.
Dessa forma, não só pelo fato da impossibilidade da
família arcar com os custos para aquisição do medicamento, mas
principalmente por se tratar de um direito que está sendo violado, e
que respeitado, proporcionaria a essa pessoa em formação
(ISABELLY VITÓRIA MACHADO) a chance de manutenção da vida,
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
15
além de uma óbvia e conseqüente melhora na sua qualidade,
impedindo a evolução da doença da qual está acometida e que,
lamentavelmente, o levará a péssima condição de vida ou quiçá até a
óbito se ignorada, é que se busca a garantia da prestação por parte
das Secretarias Municipal e Estadual de Saúde.
Com tudo isto, diante do desrespeito aos direitos
mais comezinhos dessa coletividade adoentada e da paciente em
questão, e do descumprimento dos deveres da Administração Pública
para com os administrados, é que se pleiteia a tutela jurisdicional no
sentido de se garantir a essa criança o direito de chegar à idade
adulta com o mínimo de dignidade e respeito.
Portanto, o direito da criança ora pleiteado é
incontestável, de berço constitucional, devidamente demonstrado na
sua existência e individualizado na sua extensão.
Em casos análogos, já decidiu o E. Tribunal de
Justiça do Paraná.
“MANDADO DE SEGURANÇA - NEGATIVA DO
ESTADO EM FORNECER O MEDICAMENTO
'URSACOL' À MENOR IMPÚBERE, A PRETEXTO
DE NÃO FAZER PARTE DO 'RENAME' - LIMINAR
CONCEDIDA - PRIORIDADE AOS DIREITOS DA
CRIANÇA - DIREITO À SÁUDE E DIGNIDADE
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
16
HUMANA (ARTS. 1.º, III E 6.º, CF) - PRESENÇA DA
PLAUSIBILIDADE DO DIREITO E DO PERIGO NA
DEMORA - DECISÃO CONCESSIVA MANTIDA -
AGRAVO DESPROVIDO” (AI Nº 177.637-8,
LONDRINA, REL. JUÍZA ELIZABETH NOGUEIRA
CALMON DE PASSOS, 25/10/2005).
”APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO
DE MEDICAMENTO PELO ESTADO. PRELIMINAR
DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA
APRECIAÇÃO DA MATÉRIA. INOCORRÊNCIA.
AUTORIDADE COATORA ESTADUAL. MÉRITO.
APELO ESTATAL OBJETIVANDO SE DESONERAR
DA OBRIGAÇÃO DE FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO.
IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À SAÚDE
CONSAGRADO CONSTITUCIONALMENTE (ART.
196, CF), ASSEGURADO AO JURISDICIONADO
DE OBTER OS MEIOS NECESSÁRIOS PARA A
FRUIÇÃO DESSE DIREITO DE FORMA PLENA,
INCLUSIVE GRATUITA. PEDIDO QUE TAMBÉM SE
APÓIA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE (LEI Nº 8.069/90). SENTENÇA
MANTIDA EM GRAU DE REEXAME.
APELO DESPROVIDO”. (APELAÇÃO CÍVEL E
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
17
REEXAME NECESSÁRIO Nº 169.129-6,
CASCAVEL, REL. DES. SÉRGIO ARENHART,
6/1/2005).
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A
DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS
RELATIVOS À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA -
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 201, V, DA LEI Nº
8.069/90 - MEDICAMENTO NECESSÁRIO AO
TRATAMENTO DE MENOR - RISCO DE DANO
IRREPARÁVEL - DEVER DO ESTADO EM
GARANTIR A SAÚDE E A VIDA DOS INDIVÍDUOS -
RECURSO NÃO PROVIDO - DECISÃO UNÂNIME”.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 154.781-3, SANTO
ANTONIO DA PLATINA, RELATOR : DES.
ANTONIO LOPES DE NORONHA, 9/3/2005).
Nem se diga, também, que tal ação deveria se voltar
também contra o Estado ou a União, pois conforme já reconhecido
pelo STJ e por outros Tribunais, há solidariedade entre os entes
federativos em questões relativas à saúde, podendo qualquer deles
figurar no pólo passivo da demanda :
STJ-172561) ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO
OU CONGÊNERE. PESSOA DESPROVIDA DE
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
18
RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO
GRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA
UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO
FEDERAL E MUNICÍPIOS.
1. Em sede de recurso especial, somente se cogita
de questão federal, e não de matérias atinentes a
direito estadual ou local, ainda mais quando
desprovidas de conteúdo normativo.
2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva
do município para figurar em demanda judicial cuja
pretensão é o fornecimento de prótese
imprescindível à locomoção de pessoa carente,
portadora de deficiência motora resultante de
meningite bacteriana.
3. A Lei Federal nº 8.080/90, com fundamento na
Constituição da República, classifica a saúde como
um direito de todos e dever do Estado.
4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros,
Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas
desprovidas de recursos financeiros o acesso à
medicação ou congênere necessário à cura, controle
ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo,
as mais graves.
5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-
membros e Municípios, é de reconhecer-se, em
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
19
função da solidariedade, a legitimidade passiva de
quaisquer deles no pólo passivo da demanda.
6. Recurso especial improvido.
(Recurso Especial nº 656979/RS (2004/0056457-2),
2ª Turma do STJ, Rel. Min. Castro Meira. j.
16.11.2004, unânime, DJ 07.03.2005).
TRF2-077339) ADMINISTRATIVO.
FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS
- SUS - PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS
FINANCEIROS. ART. 196 DA CF/88 E LEI Nº
8.080/90. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE E
INTERESSE JURÍDICO - PEDIDO CERTO.
1 - O cumprimento do dever político-constitucional
de proteção à saúde, consagrado no art. 196 do
Texto Básico, obriga o Estado (gênero) em regime
de responsabilidade solidária entre as pessoas
políticas que o compõem, dada a unicidade do
Sistema (art. 198, CF/88), a par de restar incluso,
nas atividades voltadas a assegurar tal direito
fundamental, o fornecimento gratuito de
medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas
de recursos financeiros, para a cura, controle ou
atenuação de enfermidades.
2 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios são partes legítimas para figurar no pólo
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
20
passivo nas demandas, cuja pretensão é o
fornecimento de medicamentos imprescindíveis à
saúde de pessoa carente.
3 - O pedido é, a todo tempo, certo e, ao menos,
determinável, no sentido de que os entes políticos,
em epígrafe, forneçam medicamentos para o
tratamento de AIDS; cuidando-se, in casu, de pedido
genérico ou ilíquido, assim entendido aquele que
tem delineado o "an debeatur" e deixa postos, desde
logo, os elementos ou critérios a partir dos quais, por
algum modo, será extraído o montante da obrigação
(em dinheiro, em coisas fungíveis em geral),
devendo ser objeto de liquidação de sentença; o que
é admitido pelo ordenamento processual pátrio (art.
286) e não se confunde com pedido vago, que é a
postulação desprovida daqueles elementos
basilares.
4 - Provimento do recurso do Município do Rio de
Janeiro, mostrando-se acolhível a minoração da
verba honorária, na medida em que restou vencida a
Fazenda Pública, fazendo incidir o disposto no art.
20, § 4º, do Digesto Processual, que confere uma
margem de liberdade ao magistrado, sem que se
esteja obrigado a obedecer ao limite mínimo de 10%
ou ao máximo de 20% (STJ - Corte Especial, EREsp
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
21
nº 491.055/SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, j. 20.10.2004, Informativo nº 225).
5 - Remessa necessária e recursos da União
Federal e do Estado do Rio de Janeiro desprovidos.
(Apelação Cível nº 340068/RJ (2003.51.01.013768-
2), 8ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região,
Rel. Juiz Poul Erik Dyrlund. j. 23.08.2005, unânime,
DJU 08.09.2005).
TJMG-051518) MANDADO DE SEGURANÇA -
VAGA PARA INTERNAÇÃO HOSPITALAR -
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS - MUNICÍPIO -
ILEGITIMIDADE PASSIVA - LITISCONSÓRCIO
NECESSÁRIO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - AUSÊNCIA DE INTERESSE
PROCESSUAL - PERDA DO OBJETO -
INOCORRÊNCIA - OFENSA A DIREITO LÍQÜIDO E
CERTO.
O Sistema Único de Saúde - SUS está organizado
de forma descentralizada, regido pelo princípio da
co-gestão, sendo partilhada entre os entes da
Federação a responsabilidade de garantir aos
cidadãos o direito constitucional à saúde. Ante a
responsabilidade solidária dos entes da Federação,
cabe à municipalidade garantir a todos o direito à
saúde, no seu âmbito de atuação. Não há que se
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
22
falar em integração à lide dos Gestores Estadual e
Federal do SUS, na qualidade de litisconsortes
passivos necessários, já que a municipalidade
possui idênticas atribuições às do Estado e da
União, conforme disposto no artigo 23, inciso II, bem
como no artigo 196, ambos da Constituição da
República. O direito à saúde então garantido pela
Constituição da República não pode ser considerado
como norma programática, não podendo, portanto,
ficar adstrito à previsão orçamentária para a sua
realização, mormente nas hipóteses de emergência.
Representa ofensa a direito líqüido e certo de
receber um tratamento digno e adequado de saúde,
conforme assegurado constitucionalmente, a
conduta omissiva da autoridade responsável que
deixa de promover a internação daquele que se
encontra em situação de alto risco de morte, em
hospital conveniado ou não do SUS.
(Reexame Necessário nº 1.0145.04.156115-3/001,
4ª Câmara Cível do TJMG, Juiz de Fora, Rel.
Moreira Diniz. j. 07.04.2005, unânime, Publ.
27.04.2005).
O primeiro julgado acima transcrito, do STJ, possui
passagem que se aplica de forma direta ao presente caso concreto,
eis que ali resta consignado que “É obrigação do Estado (União,
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
23
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às
pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação
ou CONGÊNERE NECESSÁRIO À CURA, CONTROLE OU
ABRANDAMENTO DE SUAS ENFERMIDADES, SOBRETUDO, AS
MAIS GRAVES. (Recurso Especial nº 656979/RS (2004/0056457-2),
2ª Turma do STJ, Rel. Min. Castro Meira. j. 16.11.2004, unânime, DJ
07.03.2005).
Conforme julgado acima, ainda que não se entenda
que o “Leite especial” aqui pleiteado é remédio no sentido estrito da
palavra, não se pode deixar de negar que se trata ao menos de
congênere necessário ao abrandamento da enfermidade da paciente
Isabelly Vitória Machado, conforme declarações médicas anexadas,
devendo, portanto, ser fornecido pelo SUS. Isso porque a falta de
fornecimento de tal produto importará à paciente graves
conseqüências.
Também não há que se alegar falta de prévia
dotação orçamentária para o fornecimento aqui pleiteado. A
sociedade, a população, o cidadão têm direitos aqui extraídos do
ordenamento jurídico em vigor, identificados em normas jurídicas
auto-aplicáveis. Submetê-los ao saldo do “caixa” do Poder Público, de
qualquer esfera, significa, na verdade, negá-los. Note-se que a
legislação supratranscrita não sujeita o direito do cidadão ao “saldo
bancário” da Administração. O Legislativo, sábio, percebeu que, assim
não fosse, tais direitos seriam sempre negados sob a desculpa da
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
24
falta de dinheiro, o que jamais poderia ser posto em dúvida, pois a
ninguém é dado conhecer o movimento financeiro de qualquer pessoa
jurídica de direito público interno. Por outro lado, antes da
“Responsabilidade Fiscal” há a “Responsabilidade Social”, muito mais
importante - quer nos direitos hierarquicamente superiores que
ampara, quer nas conseqüências legais àqueles que a desrespeitam.
E não se pode ignorar que nenhum administrador
público seria alcançado pelas penalidades previstas na “Lei de
Responsabilidade Fiscal” se demonstrar estar agindo em defesa da
vida, no cumprimento da Lei e de Decisão Judicial.
Sobre a questão, em casos semelhantes, já se
manifestaram os Tribunais:
“O Judiciário não desconhece o rigorismo da
Constituição ao vedar a realização de despesas
pelos órgãos públicos além daquelas em que há
previsão orçamentária; este Poder, todavia, sempre
consciente de sua importância como integrante de
um dos Poderes do Estado, como pacificador dos
conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem
comum, tem agido com maior justeza optando pela
defesa do bem maior, veementemente defendido
pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei de
acordo com as necessidades sociais imediatas que
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
25
ela se propõe a satisfazer” (Apel. Cível nº
98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo
Machado, 08/09/98).
Mais adiante, nessa mesma Decisão:
“Com relação à previsão orçamentária para o custeio
dos medicamentos específicos, basta relembrar que
já há no orçamento do Estado, dotação apropriada;
da mesma forma não pode o apelante pretender
eximir-se de suas responsabilidades sob a alegação
de que enfrenta sérios problemas financeiros, em
face da escassez de recursos, o que soa falso em
face dos gastos publicitários que se vê nos meios de
comunicação, apregoando obras e realizações
governamentais (...)”. Citando o Ministro Celso de
Mello em caso também relativo à saúde: “A
singularidade do caso (...), a imprescindibilidade da
medida cautelar concedida pelo Poder Judiciário do
Estado de Santa Catarina (...) e a impostergalidade
do cumprimento do dever político constitucional que
se impõe ao Poder Público, em todas as dimensões
da organização federativa, de assegurar a todos a
proteção à saúde CF, art. 6º, c.c art. 227, Parágrafo
1º) constituem fatores que, associados a um
imperativo de solidariedade humana, desautorizam o
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
26
deferimento do pedido ora formulado pelo Estado de
Santa Catarina (...). Entre proteger a inviolabilidade
do direito à vida, que se qualifica como direito
subjetivo inalienável assegurado pela própria
Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer
prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental,
um interesse financeiro e secundário do Estado,
entendo – uma vez configurado esse dilema – que
razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador
uma só e possível opção: o respeito indeclinável à
vida”.
“...Sendo a saúde direitos e dever do Estado (CF,
art. 196, CE, art. 153), torna-se o cidadão credor
desse País para o tratamento reclamado. A
existência de previsão orçamentária própria é
irrelevante, não servindo tal pretexto como escusa,
uma vez que o executivo pode socorrer-se de
créditos adicionais. A vida, Dom maior, não tem
preço, mesmo para uma sociedade que perdeu o
sentido da solidariedade, num mundo marcado pelo
egoísmo, hedonista e insensível. Contudo, o
reconhecimento do direito á sua manutenção (...)
não tem balizamento caritativo, posto que carrega
em si mesmo, o selo da legitimidade constitucional e
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
27
está ancorado em legislação obediente àquele
comando”.
(TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de Instr. Nº
96.012721-6).
“A respeito, cabe ver que a Portaria nº 21, de
21.3.95, do Ministério da Saúde, já recomendava a
utilização da combinação de novos medicamentos
com o então conhecido AZT, de modo que, somente
atribuível à incúria da Administração não Ter ela já
licitado, - inclusive com previsão orçamentária – de
modo a permitir, de modo continuado, o
fornecimento de tais medicamentos aos dele
necessitados, em quantidades adrquadas. Portanto,
não socorre a agravante o argumento de
necessidade de licitação prévia ou previsão
orçamentária, muito menos cabe-lhe colocar em
dúvida a eficácia dos remédios em questão, os
quais, aliás, são sempre receitados pelos médicos” (
Agravo de Instrumento nº 82.036-5, 8ª Câm. Dir.
Público do TJSP, Rel. José Santana).
Como se percebe, mostra-se irrelevante eventual
falta de prévia dotação orçamentária prevendo o atendimento integral
dos doentes, ou seja, o cumprimento da Lei. Consoante enfatiza com
lucidez João Angélico (contabilidade Pública, Ed. Atlas, pág. 35),
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
28
“durante a execução orçamentária, o Poder Executivo pode solicitar
ao Legislativo, e este conceder, novos créditos orçamentários. Eles
serão adicionados aos créditos que integram orçamento em vigor. Por
essa razão, denominam-se créditos adicionais. Os créditos adicionais
aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento”.
Por fim, vale transcrever parte da obra de Germano
Schwartz (Direito à Saúde – Efetivação em uma Perspectiva
Sistêmica, pág. 80/81, Ed. Livraria do Advogado):
“...Não é por falta de aporte financeiro que o Estado
poderá se eximir de seu dever. A saúde reclama
prestação sanitária tão-somente. Sarlet (1998), a
respeito da negação das prestações sanitárias com
base na ausência orçamentária estatal, refere que:
“em relação aos habituais argumentos da ausência
de recursos e da incompetência dos órgãos
judiciários para decidirem sobre a alocação e
destinação de recursos público, não nos parecer que
esta solução possa prevalecer, ainda mais nas
hipóteses em que está em jogo a preservação da
vida humana” (p. 298). Ora, a hipótese de não-
existência de previsão orçamentária não pode ser
alegada pelo Estado, até porque não se pode
antever com eficácia as necessidades da população,
ou ainda, de outa banda, não se pode favorecer a
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
29
omissão do ente responsável, premiando-o por sua
negligência e/ou inércia. Ao se referir ao Sistema
Único de Saúde e à sistemática sanitária brasileira
instalada pela CF/88, Cláudio Barros Silva (1995) se
posiciona expressamente quanto à impossibilidade
de condicionantes para o exercício do direito à
saúde: “Como consequência do sistema, o acesso à
assistência, à saúde, passou a ser universal e
igualitário, não havendo, por ser direito subjetivo do
cidadão, qualquer condicionante ao exercício. O
papel do Estado é garantir a satisfação desse direito
público subjetivo” (p.100).
O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão nos
autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0
(Julgado em 16.11.99), no voto do Relator Ministro Marco Aurélio,
quando provocado a se pronunciar sobre a matéria, afirmou que a
falta de dispositivo legal para o custeio e distribuição de remédios
para AIDS não impede que fique comprovada a responsabilidade do
Estado, pois “decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito
assegurado em lei”. E, esclareça-se desde já, com base no art. 23 da
CF/98, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos entes
federados na busca da proteção de saúde:
“SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO
DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE PÚBLICA
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
30
MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS.
CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM
PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER
COMUM DOS ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 E
198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PRECEDENTES PRETORIANOS. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE
PENALIZAR O CIDADÃO. AGRAVO NÃO
PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. As entidades
federativas têm o dever ao cuidado da saúde e da
assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadores de deficiência de saúde, a teor
do disposto no art. 23 da Constituição Federal.
Assim, não se pode prestar à fuga de
responsabilidade a mera argüição de violação ao
princípio do orçamento e das normas de realização
de despesa pública, quando verificado que o Estado,
na condição de instituição de tributo especial dirigido
a suplementar verbas da saúde, não o faz com
competência devida”. (Agravo de Instr. Nº
1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel.: Des.
Marcus Tullius Alves, Julgado em 02.05.2000)”.
Assim, não há óbice jurídico ao deferimento do
pedido aqui formulado.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
31
IV. A TUTELA ANTECIPADA.
A concessão da tutela antecipada constitui-se em
ferramenta de extrema necessidade neste pleito, exigindo para tanto,
a presença de dois requisitos essenciais: prova inequívoca do alegado
e verossimilhança da alegação.
Para a agilização da entrega da prestação
jurisdicional, não subsiste qualquer dúvida quanto à existência – mais
do que provável na espécie – do direito alegado, consoante se infere
dos argumentos e dispositivos legais mencionados. Ademais, tal
afirmativa parte do reconhecimento de que prova inequívoca não é
aquela utilizada para o acolhimento final da pretensão, mas apenas o
conjunto de dados de convencimento capazes de, antecipadamente,
através de cognição sumária, permitir a verificação da probabilidade
da parte requerente ver antecipados os efeitos da sentença de mérito.
Na hipótese vertente, a prova material inequívoca
pode ser inferida por meio de toda a documentação coligida nos
autos, e pelas razões de direito supra invocadas.
Quanto à verossimilhança do direito pleiteado,
entendida como um juízo de probabilidade que, conjugada à
necessidade de prova inequívoca, conduz-nos à ideia de que se trata,
em verdade, de uma probabilidade em grau máximo – destaque-se,
não uma certeza, embora, in casu, pelo material probatório coligido,
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
32
se pudesse dizer que ela existe -, é possível concluir através dos
laudos médicos apresentados e depoimento prestado.
O direito à assistência à saúde e seu efetivo
atendimento são impostergáveis, inderrogáveis, irrenunciáveis,
indisponíveis e urgentes, porque deles dependem a própria existência
humana com dignidade.
Com efeito, se a tutela pretendida for postergada
para o final da lide, quando da prolação da sentença, o dano à saúde
da criança Isabelly Vitória Machado poderá ser irreversível, dado a
imprescindibilidade da imediata utilização do alimento/medicamento
pela pequena paciente. Note-se, a respeito, a declaração da mãe de
Isabelly, que informa que não possui condições de obter tal leite
especial, se não for fornecido pelo poder público.
Ao persistir essa situação, viola-se o direito
fundamental do homem, que é o direito à vida e elimina-se a
relevância pública das ações e serviços de saúde.
A relevância do fundamento da lide está imanente,
em última análise, à manutenção da vida, da saúde e do bem estar de
uma criança, que depende do Poder Público para custear-lhe a
assistência e o atendimento à saúde.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
33
É clara a necessidade da concessão da tutela
antecipada dentro de um prazo reduzido, porque quando se trata de
saúde de um ser humano, o tempo é algo fundamental, sendo a
medida juridicamente possível:
TJRS-257587) DIREITO PÚBLICO NÃO
ESPECIFICADO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO
NECESSÁRIO A PACIENTE PORTADOR DE
ARTROSE SEVERA DO QUADRIL ESQUERDO.
DEVER DO ESTADO E DO MUNICÍPIO DE
TRAMANDAÍ DE SUPORTAR A DESPESA.
Responsabilidade, em litisconsórcio passivo, que
decorre das relações de direito público
surpreendidas, mormente a partir da municipalização
da saúde em gestão semiplena do SUS.
Possibilidade de ser deferida tutela antecipada
contra o poder público, mormente quando está em
risco a saúde e a vida humana, bens juridicamente
tutelados como superdireitos na Carta Política da
República.
Agravo improvido.
(Agravo de Instrumento nº 70007302508, 3ª Câmara
Cível do TJRS, Tramandaí, Rel. Des. Nelson Antônio
Monteiro Pacheco. j. 11.03.2004, unânime).
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
34
Relembre-se ainda o princípio constitucional da
razoabilidade, ínsito no princípio do devido processo legal substancial,
eis que os direitos da criança que se encontram ameaçados (vida e
saúde) pela demora na prestação jurisdicional são muito mais
importantes do que o interesse patrimonial do Estado, sendo que os
gastos do Requerido nem serão tão altos em comparação com sua
arrecadação.
Dessa forma, presentes os requisitos necessários,
requer o Ministério Público seja concedida a medida liminar,
determinando a antecipação dos efeitos da sentença de mérito para
que seja fornecido, no prazo máximo de 05 dias, o
alimento/medicamento Leite Aptamil (Danone) à criança Isabelly
Vitória Machado, nos termos prescritos por sua médica assistente (04
latas por mês).
V. O PEDIDO.
Em face do exposto, requer-se de Vossa Excelência:
a) LIMINARMENTE, inaudita altera pars, a
antecipação de tutela, com o fim de ordenar judicialmente o
fornecimento do alimento/medicamento Leite Aptamil (Danone) à
criança Isabelly Vitória Machado, enquanto dele necessitar, conforme
prescrição médica (04 latas por mês);
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
35
b) fixação de multa diária, no valor de R$ 2.000,00
(dois mil reais), para garantia da execução da tutela concedida
antecipadamente, a ser depositado no Fundo para a Infância e
Adolescência (FIA);
c) a citação do réu para que, querendo, conteste
a presente ação e a acompanhe, até final sentença, sob pena de
revelia;
d) a produção de todas as provas admitidas em
direito, especialmente inquirição de testemunhas, juntada de
documentos e exames periciais que se fizerem necessários;
e) ao final, a procedência do pedido, nos termos
da antecipação de tutela retro, com a condenação do réu, consistente
na compra e dispensação do alimento/medicamento Leite Aptamil
(Danone) à criança Isabelly Vitória Machado, enquanto esta dele
necessitar, conforme prescrição médica (04 latas por mês);
f) a dispensa do pagamento de custas,
emolumentos e outros encargos, nos termos do art. 18, da Lei Federal
nº 7347/85.
Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais),
ainda que inestimável o objeto tutelado, apenas para efeitos fiscais.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MATELÂNDIA
- AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
36
Nestes termos,
Pede deferimento.
Matelândia, 20 de novembro de 2012.
HAROLDO NOGIRI
1º PROMOTOR DE JUSTIÇA