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Telefone: (62) 3243-8000 MARIA CRISTINA DE MIRANDA
Promotora de Justiça
12ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA
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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO, DA __ FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE GOIÂNIA – GO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por
intermédio da Promotora de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições
constitucionais e legais, com supedâneo nos arts. 129, inciso III, da Constituição da República,
25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n.º 8.625/93, 81, 82, inciso I, 83, 84, e 90, do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), 5º e 21 da Lei n.º 7.347/85, vem,
perante Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO LIMINAR em desfavor de:
SANEAMENTO DE GOIÁS S/A (SANEAGO), inscrita no CNPJ
nº 01616929/0001-02, Sociedade de Economia Mista constituída
da Lei Estadual nº 6680/67, com sede na Avenida Fued José
Sebba, nº 1.245, Jardim Goiás, Goiânia/GO, pelos fundamentos
fáticos e jurídicos adiante elencados.
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DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação civil pública tem como escopo demonstrar a
ilegalidade praticada pela SANEAGO ao não realizar de forma completa e segura o tratamento
do esgoto sanitário na ETE Seixo de Brito. A SANEAGO apesar de receber compensação
financeira específica pelo tratamento de esgoto sanitário não realiza tarefa a contento,
configurando-se claro locupletamento indevido, bem como agravando exponencialmente a
poluição do Rio Meia Ponte o que, consequentemente aumenta os custos da produção de água
para distribuição à população.
I – DOS FATOS
O Ministério Público do Estado de Goiás por meio da 12ª
Promotoria de Justiça instaurou Inquérito Civil Público 005/2018 (201800116934) para apurar
irregularidades na prestação de serviço de tratamento de esgoto e sobre as falhas na
informação ao consumidor sobre este serviço.
No bojo do Inquérito Civil Público acostou-se laudo pericial
emitido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (fls. 48/108), no qual
demonstra-se evidente que a Estação de Tratamento de Esgoto Dr. Hélio Seixo de Brito (ETE
– HSB ou também ETE Goiânia) que atende 91.6% dos 75,1% dos consumidores que tem
esgoto tratado na cidade de Goiânia, está operando com eficiência abaixo do esperado, fato
este que além de causar sérios danos ambientais e à saúde, não é devidamente informado ao
consumidor e usuário dos serviços da SANEAGO, que paga pelo tratamento de esgoto ainda
que este não ocorra a contento.
A perícia da Polícia Técnico-Científica da Secretaria de Estado da
Segurança Pública do Estado de Goiás, concluída em 25 de maio de 2018 aponta que o
tratamento sanitário realizado na ETE Seixo de Brito é apenas primário.
O tratamento de esgoto consiste em três níveis, os quais são
classificados da seguinte forma (fls. 58):
Primário: remoção de sólidos em suspensão grosseiros, sólidos
sedimentáveis e parte de matéria orgânica.
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Primário avançado: incremento da remoção de sólidos em
suspensão e da matéria orgânica a partir da adição de química e
filtração.
Secundário (convencional): remoção de matéria orgânica e
eventualmente nutrientes.
Terciário (avançado): remoção de nutrientes e poluentes
específicos, tais como metais pesados e elementos tóxicos.
Na ETE Goiânia o esgoto é assim acolhido (fls. 56/58):
1) Tratamento Primário Quimicamente Assistido (CEPT), é
dizer que o esgoto chega à ETE Goiânia e passa por uma grade grossa que retém os sólidos
maiores, e depois por um segundo gradeamento fino. Os dejetos recolhidos são armazenados
em contêineres e conduzidos ao Aterro Sanitário de Goiânia.
2) Em seguida o esgoto passa por um procedimento de
desarenação no qual é insuflado ar ao esgoto de modo a gerar movimento turbilhonar que
favorece a separação entre areia e matéria orgânica. A areia resultante deste processo também
é encaminhada ao Aterro Sanitário de Goiânia. Neste processo também há adição de
coagulante e polímero pra remoção da matéria orgânica e dos sólidos em suspensão. A matéria
que decanta-se é chamada “lodo primário” o qual é desidratado, higienizado e sujeito à
disposição final no aterro de Goiânia.
Todo este processo foi documentado pela polícia científica do
estado de Goiás, inclusive com fotos, conforme consta às fls. 63/74. Às Fls. 74 há juntada de
imagem do rio Meia Ponte no exato ponto no qual são lançados os efluentes da ETE Seixo de
Brito (ETE Goiânia). É possível visualizar com clareza a mudança de cor do rio, que se torna
marrom escuro, conforme se pode verificar na imagem a seguir, na qual se indica com uma
seta vermelha o ponto de descarga dos resíduos sanitários da ETE:
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Imagem retirada do Google Earth em 04/06/2018. Disponível em https://earth.google.com/web/@-
16.63452844,-49.26206254,704.60555716a,3757.34139934d,35y,18.721737h,0.08010351t,-0r
Ou seja, o esgoto da ETE Seixo de Brito apenas recebe
tratamento primário de forma incompleta, não sendo realizadas as duas etapas seguintes. A
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ETE foi inaugurada em 2003 e entrou em operação no ano de 2004, e reformada em
2010/2011. Desde então, não se tem notícia da instalação das etapas subsequentes de
tratamento sanitário, e embora haja a previsão de tratamento secundário biológico naquela
ETE, ainda não foi implantado (fls. 60).
Sabe-se que foi firmado TAC em 2008, no qual a SANEAGO se
compromete a instalar e implementar o tratamento secundário bioquímico da ETE Dr. Hélio
Seixo de Brito, de forma a atender os parâmetros e condições exigidas pela Resolução 357 do
CONAMA.
Entretanto, até a presente data a SANEAGO não cumpriu as
obrigações compromissadas com o Ministério Público na seara ambiental, e, ainda assim,
continua cobrando do consumidor por serviço ineficiente.
Como agravante, a ETE Seixo de Brito vem recebendo esgoto
proveniente de limpa fossa e chorume do Aterro Sanitário de Goiânia (fls. 76). Além de não
realizar o tratamento do esgoto domiciliar a SANEAGO recebe outros dejetos na ETE, que
igualmente, não são tratados, e que tem capacidade de majorar exponencialmente o grau de
contaminação à população.
A SANEAGO encaminha os resíduos sólidos que são retirados no
tratamento primário do esgoto pela ETE ao Aterro Sanitário, e, depois, recebe o chorume do
Aterro Sanitário na ETE. Ou seja, há um grande ciclo de perpetuação da poluição, que
apenas pode ser resolvido mediante cuidado adequado do esgoto pela própria SANEAGO, com
cumprimento das etapas secundaria e terciária de tratamento de esgoto.
O recebimento e não tratamento do chorume que não é tratado
pela ETE é gravíssimo, considerando-se que, conforme informado pela Superintendente de
Licenciamento e Qualidade Ambiental da SECIMA, o chorume não se decompõe de forma
espontânea (fls. 20/21), o que causa graves prejuízos tanto ao corpo hídrico quanto a fauna
aquática e aos usuários do rio. Destaque-se que o rio Meia Ponte é um rio urbano, ou seja, há
contato direto da população com toda essa poluição em diversos pontos.
A despeito da ineficiência do tratamento de esgoto, a SANEAGO
é remunerada por este serviço que não presta a contento. A tarifa de esgoto da SANEAGO
é constituída por dois fatores, o primeiro deles é um percentual de 80% do consumo de água
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exclusivamente pela retirada do esgoto da casa do consumidor. O segundo fator, é de 20%
da tarifa de água e esgoto pelo tratamento efetivo deste material sanitário, conforme
estabelece a Resolução 042/2005 da AGR.
É evidente que existem duas prestações de serviço
separadas. A primeira delas, a coleta do esgoto, a segunda, o efetivo tratamento.
Em Goiânia, a coleta de esgoto é praticamente integral, entretanto, o tratamento
não é satisfatório.
De acordo com a SANEAGO, 92,4% da população da capital é
atendida com coleta de efluente e 75,1% é atendido com coleta e tratamento. Ocorre que,
desta população que é atendida com “tratamento” de esgoto 91,6% é destinado a ETE Seixo
de Brito, que, conforme já foi demonstrado, não realiza adequado tratamento do esgoto (fls.
111).
Para calcular a eficiência do tratamento de esgoto são utilizados
alguns fatores, dentre eles a Determinação da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). Este
fator é analisado em dois parâmetros. Há um valor máximo de 120mg/L para lançamento
direto dos efluentes oriundos de sistemas de tratamento de esgoto sanitário, valor este que
só poderia ser excedido caso a SANEAGO comprovasse eficiência de remoção mínima de 60%
na diminuição do DBO. (art. 21, I, d da Resolução 430/2011 do CONAMA).
No caso da ETE Seixo de Brito (ETE Goiânia) verifica-se que a
SANEAGO vem apresentando redução de apenas 38,65% da DBO, reduzindo-se nas amostras
coletadas pela Polícia Científica de Goiás de 368,10 O2/L para 225,83 O2/L (fls. 90), ou seja, o
valor não atinge nenhum dos parâmetros exigidos: está acima de 120 O2/L e não reduz em
pelo menos 60% a quantidade de DBO.
Ademais, a carga poluidora microbiológica da ETE Seixo de Brito,
ETE Goiânia é ineficiente, visto que, conforme constatado por perícia “não foram
constatadas alterações nos níveis de coliformes termotolerantes das amostras,
mesmo posteriormente ao tratamento dado” (fls. 101).
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II — DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O vigente Texto Constitucional confere ao Ministério Público a
legitimidade para zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados na Constituição Cidadã, promovendo as medidas necessárias
a sua garantia e ao mesmo tempo, assegura, como função institucional, a promoção da ação
civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos - artigo 129, II e III , da Constituição Federal.
Sobressai neste caso, a presença de interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos que estão a exigir a devida proteção judicial, sendo
indiscutível que o Ministério Público é o Órgão detentor de poderes legais para promover a
defesa de tal direito.
Com efeito, além da regra Constitucional acima mencionada, o
artigo 1°, IV e artigo 5°, da Lei n° 7.347/85, aliado agora ao artigo 25, IV, “a”, da Lei n°
8.625/93, asseguram ao Ministério Público a legitimidade ativa para a propositura de ação civil
pública que venha a requerer em Juízo a preservação de mencionados direitos.
O Código de Defesa do Consumidor traz em seu artigo 81,
parágrafo único, I,II,III o conceito de direitos difusos como sendo “os transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato”.
Depreende-se dos fatos narrados que toda a população da
cidade de Goiânia está sendo atingida direta e indiretamente pela falta de tratamento
adequado de esgoto pela ETE Seixo de Brito. Trata-se de situação absurda, na qual o
consumidor paga por um serviço que não é prestado e, ainda, é abastecido com água do
mesmo rio que recebe esgoto sanitário praticamente não tratado. É impositivo portanto cessar
a cobrança irregular destes valores, até que se tenha uma prestação de serviço adequada e
segura por parte da SANEAGO.
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III-DA DISTINÇÃO NECESSÁRIA AOS PRECEDENTES DO STJ
Certo é que existe precedente jurisprudencial do STJ informando
que a mera disponibilidade de sistema de esgoto já autoriza a cobrança da taxa de esgoto,
ainda que não exista efetivo tratamento. Conforme se pode ler:
2. À luz do disposto no art. 3º da Lei 11.445/2007 e no art. 9º
do Decreto regulamentador 7.217/2010, justifica-se a cobrança
da tarifa de esgoto quando a concessionária realiza a coleta,
transporte e escoamento dos dejetos, ainda que não promova o
respectivo tratamento sanitário antes do deságue. (REsp
1339313/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 21/10/2013)
Ocorre que, no Estado de Goiás a situação das tarifas de
tratamento de esgotamento sanitário é regulada pela Agência Goiana de Regulação, a qual
estabelece normativa específica sobre o tema, prevendo que o pagamento é escalonado a
depender do serviço efetivamente prestado ao consumidor. A Resolução 042/2005 da AGR
especifica que:
Art. 2º Aprovar, nos termos dos §§3º e 5º do art. 57 da Lei 14.93,
de 15 de setembro de 2004, a cobrança pela empresa de
Saneamento de Goiás S/A – SANEAGO das Tarifas de Coleta e
Afastamento de Esgotos e de Tratamento de Esgotos da seguinte
forma:
I – coleta e afastamento de esgotos correspondente a 80 %
(oitenta por cento) do valor da tarifa de água;
II – tratamento de esgotos correspondente a 20% (vinte por
cento) do valor da tarifa de água a ser cobrado na proporção do
esgoto efetivamente tratado.
Parágrafo único. As tarifas previstas nos incisos I e II somente
incidirão sobre as faturas dos usuários em que o esgoto
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produzido esteja sendo efetivamente coletado e afastado e
tratado.
Ou seja, a normativa da AGR é nítida em seu parágrafo primeiro,
e estabelece que os valores devem ser cobrados se, e apenas se, o serviço estiver sendo
realizado. No município de Goiânia, dados os índices de efetividade e de atendimento da ETE
Seixo de Brito (ETE Goiânia), é de se notar que há efetivo recolhimento do material de esgoto
nas residências, entretanto não há tratamento deste esgoto, ou se há, o tratamento é
ineficiente, atestando a perícia que tem eficiência de 38,65% da DBO, ou seja, muito abaixo
dos 60% de eficiência mínima preconizados pelo CONAMA na Resolução 430/2011.
Além do mais, existe normativa estadual, a qual a SANEAGO vem
descumprindo reiteradamente. O Decreto Estadual 1745/79 estabelece em seu art. 22, inc. V
que os efluentes de qualquer fonte poluidora poderão ser lançados direta ou indiretamente
nas coleções de água obedecendo as condições de:
DBO 5 dias, 20°C no máximo de 60 mg/1 (sessenta miligramas
por litro). Este limite somente poderá ser ultrapassado no caso
de efluentes de sistema de tratamento de águas residuárias, que
reduza a carga poluidora em termos de DBO 5 dias, 20°C do
despejo em no mínimo 80% (oitenta por cento).
Ou seja, a legislação estadual estabelece critérios ainda mais
rígidos que a regulamentação do CONAMA. E a SANEAGO não cumpre a nenhum dos dois
parâmetros legais para lançamento de esgoto no Rio Meia Ponte.
Neste sentido, inaplicável a previsão do STJ porque a SANEAGO
está sendo remunerada em 80% da tarifa de água exclusivamente por retirar o esgoto
sanitário da residência dos consumidores e dirigi-lo à ETE Seixo de Brito. Os demais 20% são
devidos apenas se o tratamento for realizado a contento, ou seja, dentro dos parâmetros
estabelecidos pelo CONAMA e do Decreto Estadual sobre o tema. O que, conforme se leu
exaustivamente, não está sendo realizado pela SANEAGO.
O sistema de coleta e tratamento de esgotos consiste em serviço
público de competência própria dos Municípios, prestado, no Estado de Goiás, através do
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regime de concessão por uma pessoa jurídica de direito privado, no caso, uma sociedade de
economia mista, a SANEAGO, criada por meio da Lei Estadual nº 6.680/671.
Sabe-se que a prestação desse serviço público estabelece relação
jurídica regida pelo direito público, posto que presente o interesse público na prestação
adequada do serviço, que, por sua vez, deve concretizar o direito à plena cidadania;
principalmente em se tratando de serviço vital à manutenção da saúde pública (art. 6º, CF).
De registrar, nesses domínios, a imposição de que tal serviço
público seja prestado de forma adequada pela SANEAGO, que recebe contraprestação
pecuniária através da tarifa paga pelo consumidor final.
Sobre o tema, a Constituição da República prevê que:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente
ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei
disporá sobre: (...) IV - a obrigação de manter serviço
adequado.
A Lei Federal nº 8.987/95 (Lei de Concessões), que
regulamentou o dispositivo constitucional acima transcrito, assim conceitua o serviço
adequado, em seu art. 6º e art. 31, inciso I:
Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de
serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme
estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo
contrato.
§ 1º - Serviço adequado é o que satisfaz as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
1 Art. 2º. A SANEAGO atuará como prestadora de serviços de saneamento básico no Estado, por meio de
concessão e gestão associada na forma constitucional prevista, cumprindo-lhe efetuar estudos, elaborar projetos,
realizar obras, operar e praticar a exploração de serviços de saneamento básico, na forma da lei, considerada
como conjunto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água potável,
esgotos sanitários, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, bem como drenagem e manejo de águas pluviais
urbanas. (grifou-se).
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generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das
tarifas”.
Art. 31. Incumbe à concessionária:
I – prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas
normas técnicas aplicáveis e no contrato; (…). (grifou-se).
Já o artigo 6º, inciso X, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), ao estabelecer norma geral, reza ser direito básico do consumidor: “a
adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.
Em consonância com tal mandamento, o artigo 22 da lei
consumerista é enfático:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial,
das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma
prevista neste código.
Extrai-se, portanto, dos dispositivos legais acima descritos, que
o serviço adequado é aquele regular, contínuo, eficiente, fornecido com segurança e
generalidade e que, havendo descumprimento, deve o fornecedor reparar os danos.
No caso em tela, o serviço de saneamento prestado pela ré
não é adequado porque não preenche os requisitos de regularidade, eficiência e
segurança.
Sobre tais requisitos, confira-se o entendimento doutrinário:
Não se pode olvidar que, malgrado o detalhamento pela Lei
8.987/95 (art. 6º, § 1º), a ideia de serviço adequado ainda é tida
como um conceito jurídico indeterminado, que somente será
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aferido diante das circunstâncias pessoais de cada caso concreto,
à luz da razoabilidade e das condições técnicas disponíveis à sua
prestação. (…)
A regularidade diz respeito à realização do serviço nos
termos das normas técnicas preestabelecidas para sua
prestação. Para Diógenes Gasparini, “a REGULARIDADE
exige que os serviços sejam prestados segundo padrões
de qualidade e quantidade impostos pela Administração
Pública tendo em vista o número e as exigências dos
usuários, observando-se, ainda, as condições técnicas
exigidas pela própria natureza do serviço público e as
condições de sua prestação” (Direito Administrativo, 7º ed.
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 268). (…) Quando se pensa em
EFICIÊNCIA, logo vem à mente o sentido de correção,
satisfação, qualidade. Esses são os sentidos que devem
revestir o princípio em comento, quando estiver orientando
a prestação dos serviços públicos, eis que tais devem ser
desenvolvidos de maneira correta, apta a atender
integralmente e com qualidade os anseios dos
consumidores, vindo estes a ficarem satisfeitos com os
serviços que lhe são prestados. (…)
Este princípio [da SEGURANÇA] é, de certa forma, uma
decorrência lógica dos princípios da eficiência e da
regularidade da prestação dos serviços públicos, uma vez
que estes, além de serem prestados, devem ser
revestidos da maior segurança possível ao usuário
consumidor, de modo a possibilitar maior conforto e
confiabilidade na utilização. – grifou-se2.
2 Flávio de Araújo Willeman. R. Dir. Proc. Geral, Rio de Janeiro, (56), 2002, pp. 134-155.
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Além disso, o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2017,
p. 272), em sua recente obra, aponta que o alvo mais importante da concessão é, de
fato, a prestação de serviço adequado:
O alvo mais importante da concessão é, de fato, a
prestação de serviço adequado. A matéria não é apenas
legal, mas, ao contrário, está prevista na Constituição.
Com efeito, ao prever a lei disciplinadora do regime de
concessões e permissões, a Lei Maior impôs expressamente que
deveria ela dispor sobre a obrigação de manter serviço
adequado. De fato, o serviço delegado é prestado em
favor da coletividade. Assim sendo, maior deve ser o
cuidado do Poder Público e do prestador na qualidade do
serviço. Daí ter o Estatuto de Concessões definido serviço
adequado como aquele que satisfaz as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Veja-se que o legislador atrelou à noção de serviço
adequado à observância dos princípios que devem
nortear a prestação de serviços públicos, demonstrando
claramente sua intenção de beneficiar e garantir os
destinatários dos serviços – os usuários3. (grifou-se).
Com efeito, diante do princípio da regularidade, não basta que
o serviço público seja prestado sem interrupção (continuidade); deve ainda ser prestado nos
termos e condições técnicas previamente estabelecidos para o seu funcionamento, para que
o usuário/consumidor possa recebê-lo de maneira regular.
No caso em apreço, contudo, a SANEAGO, por meio de
empreendimento que desatende às exigências técnicas, posto que a ETE Seixo de Brito não
apresenta a eficiência mínima esperada de tratamento do esgoto sanitário de Goiânia, presta
serviço inadequado.
3 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo:
Atlas, 2017, p. 272.
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A SANEAGO também opera em evidente ofensa ao princípio da
segurança que rege os serviços públicos, tendo em vista que, conforme os laudos técnicos
juntados ao feito não atende aos níveis mínimos de tratamento do esgoto, causando graves
riscos à saúde de toda a população goiana, pois inclusive recebe chorume, material tóxico que
não se degrada espontaneamente (fls. 21 e 111) e jogando-o de volta ao rio.
Registre-se, nesses domínios, o art. 6º, inciso I, da Lei nº
8.078/90 que estabelece que é direito básico do consumidor “a proteção e segurança
contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos”.
Da mesma forma, dispõe o art. 8º da lei consumerista que “os
produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à
saúde ou segurança dos consumidores”.
Portanto, é incabível a cobrança de tarifa de esgoto dos
consumidores atendidos pela ETE Seixo de Brito, tendo em vista que o serviço público prestado
pela concessionária SANEAGO está totalmente inadequado, por descumprir os requisitos
da regularidade, eficiência e segurança.
Verifica-se que o julgado paradigma do STJ possui diversas
diferenças ao caso aqui apresentado, que justificam a sua não aplicabilidade. A primeira delas
é a previsão normativa pela Agência Goiana de Regulação da separação dos valores a título
de coleta (correspondente a 80% da tarifa de esgoto) e de tratamento (20% da tarifa de
esgoto).
O distinguish é cabível porque, embora exista aproximação entre
o caso em comento e o paradigma, algumas peculiaridades da situação concreta afastam a
aplicação dos precedentes.
Com efeito, embora haja comprovação de que o tratamento dos
dejetos é insatisfatório (eficiência) e que isso implica em riscos à saúde pública (segurança),
a causa de pedir da presente demanda estriba-se, principalmente, na prestação inadequada
do serviço em razão da ausência de licença ambiental de funcionamento, ou seja,
desobediência das normas técnicas (regularidade).
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Estabelecidos esses lindes e demonstrada a prestação de serviço
público de forma inadequada, com clara ofensa ao art. 175 da CF, arts. 6º e 31, inciso I, da
Lei Federal nº 8.987/95 e, ainda, aos arts. 6º, inciso X, e 22, ambos do CDC, impõe-se a
suspensão liminar tarifa tratamento de esgotamento sanitário imposta aos consumidores
goianienses atendidos pela ETE Seixo de Brito.
Vislumbra-se ainda que a SANEAGO opera sem oferecer qualquer
informação clara ao consumidor. Depreende-se das fls. 144 do Inquérito Civil Público que a
SANEAGO informa apenas as duas cobranças que realiza ao consumidor, pela coleta e pelo
tratamento de esgoto. Entretanto, não presta contas do serviço efetivamente realizado, ou,
do grau de eficiência esperado da sua atividade.
O dever de informar é um dos pilares dos direitos consumeristas,
uma vez que é ele que pode garantir a efetividade e segurança no trato sucessivo das relações
de consumo. A informação, como direito básico do consumidor, está prevista no art. 6º inc.
III do CDC “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos
incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
Todos os meses a SANEAGO abre um canal de comunicação com
o consumidor e usuário, que é a fatura de consumo, entretanto neste documento, não consta
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nenhuma informação sobre o que efetivamente está sendo cumprido e prestado acerca do
tratamento de esgoto. Esta informação é de difícil acesso, ao contrário da clareza que se
espera de uma concessionária de serviços públicos essenciais como é a SANEAGO.
Acrescente-se que, conforme vem sendo noticiado
rotineiramente pela mídia, Goiás tem a tarifa de água mais cara do país. Ainda assim, a
prestação de serviço de tratamento de esgoto é ineficiente, potencialmente poluidora e causa
enormes riscos sociais, uma vez que o Rio Meia Ponte, no qual são jogados os efluentes da
ETE Seixo de Brito passa por diversas cidades do estado, levando consigo a contaminação que
recebe, e inclusive é uma das fontes utilizadas pela própria SANEAGO para oferecer
fornecimento aos consumidores.
V – DA TUTELA PROVISÓRIA
Diante da nova sistemática em torno da tutela provisória que
pode fundamentar-se em urgência ou evidência (art. 294, CPC), vale lembrar que a tutela
provisória de urgência (satisfativa/antecipada ou cautelar) pressupõe a demonstração de
probabilidade do direito e a demonstração do perigo de dano ou de ilícito, ou ainda, do
comprometimento da utilidade do resultado final que a demora do processo representa,
conforme art. 300 do CPC4.
Sobre o tema, Fredie Didier (2017, p. 569) ensina que: “(...) a
tutela provisória satisfativa antecipa os efeitos da tutela definitiva satisfativa, conferindo
eficácia imediata ao direito afirmado. (...) A tutela provisória cautelar antecipa os efeitos de
tutela definitiva não-satisfativa (cautelar), conferindo eficácia imediata ao direito à cautela.
Adianta-se, assim, a cautela a determinado direito”5.
4 Percebe-se, assim, que “a redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a
tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos
comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada” (Enunciado nº 143 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis).
5 Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão,
precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela I. -10 . ed.- Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.2, p.
569.
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A tutela provisória de urgência satisfativa (antecipada) exige
também o preenchimento de pressuposto específico, consistente na reversibilidade dos efeitos
da decisão antecipatória (art. 300, § 3º, CPC).
No presente caso, é imperiosa a concessão da tutela provisória
de urgência satisfativa (antecipada), de modo a suspender imediatamente a tarifa
de tratamento de esgoto cobrada pela SANEAGO dos consumidores do município
de Goiânia, até a regularização da situação apresentada, ou seja, até que sejam
implementados o tratamento secundário e terciário do esgoto na ETE.
Necessário pontuar, ainda, que a possibilidade de concessão de
medida acautelatória liminar, em sede de ação civil pública, é expressamente prevista no artigo
12 da Lei nº 7.347/85: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
No caso em tela, há provas bastante robustas dos fatos narrados,
sobretudo da ausência de licença de funcionamento, bem como existe a subsunção dos fatos
às normas invocadas, conduzindo aos efeitos pretendidos (probabilidade do direito).
Por seu turno, há elementos que evidenciam o perigo que a
demora na suspensão da tarifa de esgoto representa para a efetividade da jurisdição e a eficaz
realização do direito (perigo da demora), uma vez que a própria lógica do processo coletivo
é impedir a perpetuação do dano coletivo traduzida pela dificuldade de os consumidores,
principalmente dos atuais onerados pela cobrança, depois de julgada a demanda, obterem o
ressarcimento de tarifas pagas desde agosto/2015 por um serviço público prestado
inadequadamente.
Consequentemente, o perigo do dano é concreto/certo
(pagamento de tarifa de esgotamento sanitário pelos consumidores da SANEAGO por serviço
público não adequado), atual (está acontecendo), grave (afeta inúmeros consumidores e
possui aptidão para prejudicar ou impedir a fruição de direito constitucional e legal) e, enfim,
de difícil reparação (o longo decurso do tempo até o julgamento da demanda, sem a suspensão
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da tarifa de esgoto cobrada por serviço inadequado, aumenta a chance dos consumidores,
principalmente dos atuais, não serem ressarcidos)6.
Além disso, a suspensão da tarifa de esgoto dos consumidores
de Goiânia é perfeitamente reversível, ou seja, é possível retornar-se ao status quo ante caso
se constate, no curso do processo, que deve ser alterada ou revogada.
Oportuno mencionar, no entanto, que a doutrina adverte que
essa exigência da reversibilidade “deve ser lida com temperamento, pois, se levada às
últimas consequências, pode conduzir à inutilização da tutela provisória satisfativa
(antecipada); devendo ser abrandada, de forma que se preserve o instituto”7. Assim, havendo
direitos fundamentais em choque – efetividade versus segurança –, deve-se invocar a
proporcionalidade, para que sejam devidamente compatibilizados.
No mérito, é imperioso reconhecer e possibilitar aos
consumidores o ressarcimento do valor indevidamente cobrado e pago, que deverá ser
restituído em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.
Assim, tendo em vista que a SANEAGO não tem realizado a
contento o serviço de tratamento de esgoto, faz-se necessária a restituição em dobro dos
valores pagos a título de tratamento de esgoto nos últimos 05 anos, bem como a suspensão
desta cobrança até que seja realizado o tratamento secundário e terciário do esgoto sanitário
de Goiânia.
Inclusive, conforme ensina o doutrinador Carvalho Filho: “ao
executar o serviço, o concessionário assume todos os riscos do empreendimento.
Por esse motivo, cabe-lhe responsabilidade civil e administrativa pelos prejuízos que
causam ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros”8.
6 Importante é registrar que o que justifica a tutela provisória de urgência é aquele perigo de dano: i) concreto
(certo), e, não, hipotético ou eventual, decorrente de mero temor subjetivo da parte; ii) atual, que está na iminência
de ocorrer, ou esteja acontecendo; e, enfim, iii) grave, que seja de grande ou média intensidade e tenha aptidão
para prejudicar ou impedir a fruição direito. Além de tudo, o dano deve ser irreparável ou de difícil reparação.
Idem nota de rodapé “13” (p. 597).
7Idem nota de rodapé de item “09” (p. 601). 8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2006, p.
319.
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Noutro giro, a prestação de serviço público essencial nos moldes
delineados nesta ação gerou inquestionável lesão ao direito de todos os
consumidores/usuários do serviço de esgotamento sanitário, ensejando a aplicação de “dano
moral coletivo”9 – perfeitamente aplicável às pessoas jurídicas10 e, ainda, expressamente
cabível nos moldes do art. 1º, caput, da Lei nº 7.347/85.
Sabe-se que o “dano moral coletivo” é a lesão na esfera moral
de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, que nada
mais são do que os valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a
envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade.
Conforme ensinamento doutrinário e pretoriano, o serviço de
esgotamento sanitário pela SANEAGO constitui “serviço público essencial”, pois atende a
uma das necessidades básicas dos cidadãos e é primordial a uma vida saudável e digna.
Desse modo, a prestação desse serviço de maneira inadequada
pela ré ocasionou lesão na esfera moral da comunidade goianiense, contribuindo para a
perda da qualidade de vida da população e, consequentemente, para a alteração danosa
do meio ambiente titularizado de forma indeterminada pela própria sociedade.
De observar que a jurisprudência do TJGO indica que “para o
arbitramento do dano moral [coletivo] deve o julgador fazê-lo atento ao princípio da
razoabilidade e proporcionalidade, de modo a considerar a repercussão econômica
do dano (no caso, social), a capacidade financeira do lesado e do agente, o grau de
9 “(…) O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação
antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo
menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em
última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial”. (Carlos Alberto Bittar Filho. Do dano
moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, in Direito do Consumidor, vol; 12 – Ed. RT).
10 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. FORNECIMENTO DE
ÁGUA FORA DOS PADRÕES NORMAIS DE QUALIDADE. DANO MORAL COLETIVO. 1. Caracteriza
dano moral coletivo o fornecimento de água fora dos padrões de qualidade, pondo em risco a saúde dos
consumidores. 2. Contribui para a caracterização da má prestação do serviço com o consequente dano moral a
ausência de prévia informação ao consumidor bem como a cobrança do consumo sem qualquer deferência. 3. Valor
arbitrado que atende aos ditames legais. 4. Apelo conhecido e desprovido. (TJGO, APELACAO CIVEL 187560-
61.2013.8.09.0048, Rel. DR(A). MARCUS DA COSTA FERREIRA, 6A CAMARA CIVEL, julgado em
10/05/2016, DJe 2034 de 25/05/2016; grifou-se).
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dolo ou culpa deste último e, por fim, a dor experimentada pela vítima
(sociedade)”11.
Nesse ponto, vale observar que o dano material ao meio
ambiente não é objeto desta demanda. A questão ambiental está e continuará recebendo
tratamento nas Promotorias de Justiça com atribuição ambiental.
Fixadas essas premissas, a fixação do quantum a ser pago a
título de dano moral coletivo a ser revertido ao Fundo Municipal de Defesa do Consumidor
deverá levar em conta o número de consumidores da rede de esgoto de Goiânia atendidos
pela ETE Seixo de Brito, o consumo mensal, o valor total mensal da tarifa, dentre outros
aspectos; todas informações que se encontram em poder da ré.
V – DO PEDIDO DE TUTELA LIMINAR
Diante do exposto requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE GOIÁS:
a) o deferimento da tutela provisória de urgência antecipada
(inaudita altera pars), para que a SANEAGO suspenda imediatamente a tarifa de
tratamento de esgoto imposta aos consumidores do município de Goiânia
atendidos pela ETE Seixo de Brito, até que passe a cumprir os parâmetros de tratamento
de esgoto dispostos na Resolução 430/2011 do CONAMA e Decreto Estadual 1.745/79 em
especial no que se refere aos níveis de DBO para lançamento de efluentes no Rio Meia Ponte,
fixando-se, em caso de descumprimento da medida concedida, a multa diária à ré, nos moldes
dos arts. 537, caput, do CPC; 84, § 4º, do CDC; e arts. 11 e 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, no
valor equivalente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da responsabilização criminal
11 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO.
SELEÇÃO PÚBLICA. PROFISSIONAIS DA SAÚDE. 1. LEGITIMIDADE PASSIVA DO PREFEITO. (…) 7.
DANO MORAL COLETIVO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. A condenação em dano moral coletivo se
justifica, uma vez que os atos praticados violam os princípios constitucionais da administração pública e de
garantias de acessibilidade a cargos e empregos públicos a todos os cidadãos com observância da regra
fundamental da isonomia, caracterizando-se como dano difuso. Para o arbitramento do dano moral deve o julgador
fazê-lo atento ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a considerar a repercussão econômica
do dano (no caso, social), a capacidade financeira do lesado e do agente, o grau de dolo ou culpa deste último e,
por fim, a dor experimentada pela vítima (sociedade). APELO E REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDOS E
PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJGO, DUPLO GRAU DE JURISDICAO 138213-24.2009.8.09.0105, Rel.
DES. ORLOFF NEVES ROCHA, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 14/06/2016, DJe 2054 de 24/06/2016;
grifou-se).
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por crime de desobediência (art. 330, CP) e, ainda, incidência das medidas de apoio vertidas
no art. 84, § 5º, do CDC;
b) A imediata inserção de informações claras, precisas e
compreensíveis ao cidadão nas contas de água dos consumidores, informando o grau de
eficiência de tratamento de esgoto no município de Goiânia, especificando, a cada consumidor
a qual ETE são destinados os resíduos sanitários recolhidos pela SANEAGO, fixando-se, em
caso de descumprimento da medida concedida, a multa diária à ré, nos moldes dos arts. 537,
caput, do CPC; 84, § 4º, do CDC; e arts. 11 e 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, no valor equivalente
a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da responsabilização criminal por crime de
desobediência (art. 330, CP) e, ainda, incidência das medidas de apoio vertidas no art. 84, §
5º, do CDC;
VII – DOS PEDIDOS PROCESSUAIS E DO PEDIDO FINAL
Em observância dos postulados processuais e materiais, por
derradeiro, requer o Ministério Público:
1) o recebimento da presente ação, devendo ser autuada e
processada de acordo com o rito ordinário, com a observância das regras vertidas no
microssistema de proteção coletiva (inaugurado pela conjugação dos arts. 21 da Lei nº
7.347/85 e 90 da Lei nº 8.078/90);
2) a publicação de edital no órgão oficial a fim de que os
interessados possam intervir no feito como litisconsortes, conforme disposição da norma no
art. 94 do CDC;
3) a citação da SANEAGO na pessoa de seu representante legal
para contestar a presente ação, sob pena de revelia;
4) condenação definitiva da SANEAGO nos termos da tutela
provisória para que permaneça suspensa a cobrança de tarifa de tratamento de esgoto
imposta aos consumidores do município de Goiânia atendidos pela ETE Seixo de
Brito, até que passe a cumprir os parâmetros de tratamento de esgoto dispostos na Resolução
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430/2011 do CONAMA e Decreto Estadual 1.745/79 em especial no que se refere aos níveis
de DBO para lançamento de efluentes no Rio Meia Ponte, fixando-se, em caso de
descumprimento da medida concedida, a multa diária à ré, nos moldes dos arts. 537, caput,
do CPC; 84, § 4º, do CDC; e arts. 11 e 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, no valor equivalente a R$
5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da responsabilização criminal por crime de
desobediência (art. 330, CP) e, ainda, incidência das medidas de apoio vertidas no art. 84, §
5º, do CDC;
5) A condenação definitiva da SANEAGO nos termos da tutela
provisória para que passe a informar de forma claras, precisas e compreensíveis ao cidadão
sobre o grau de eficiência de tratamento de esgoto no município de Goiânia, especificando, a
cada consumidor a qual ETE são destinados os resíduos sanitários recolhidos pela SANEAGO,
fixando-se, em caso de descumprimento da medida concedida, a multa diária à ré, nos moldes
dos arts. 537, caput, do CPC; 84, § 4º, do CDC; e arts. 11 e 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, no
valor equivalente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da responsabilização criminal
por crime de desobediência (art. 330, CP) e, ainda, incidência das medidas de apoio vertidas
no art. 84, § 5º, do CDC;
6) condenação da ré a pagar indenização a título de danos
morais coletivos, com destinação dos recursos ao Fundo Municipal do Consumidor a ser
fixada em sede de sentença definitiva.
7) condenação da ré a devolver/restituir em dobro
(repetição de indébito) todos os valores arrecadados pelas tarifas de esgotamento sanitário
dos últimos 05 anos, desde junho de 2013, até o cumprimento da tutela de urgência pleiteada
nos termos doart. 42, parágrafo único, do CDC; e
8) a condenação da ré a pagar, multa diária no valor de R$:
5.000,00 (cinco mil reais) por cada descumprimento das obrigações, cujo valor deve ser
revertido para o Fundo Municipal de Defesa do Consumidor;
9) a inversão do ônus da prova, com base no art. 6º, VIII, do
CDC, uma vez que plenamente verossímil a postulação e/ou a hipossuficiência dos
consumidores ora tutelados;
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10) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e
quaisquer outros encargos, desde logo, esclarecendo, desde já, que o Ministério Público não
faz jus a honorários advocatícios, nem se lhe imporá sucumbência, em vista do disposto no
art. 18 da Lei n.º 7.347/85.
VIII – DAS PROVAS
A presente Ação Civil Pública é instruída por meio do Inquérito
Civil Público 201800116934), que teve curso no âmbito desta Promotoria de Justiça.
Outrossim, protesta-se provar o alegado por todos os meios de
prova admitidos em direito, tais como apresentação de documentos, oitiva de testemunhas e
inspeções judiciais, caso estas se façam necessárias.
IX – DO VALOR DA CAUSA
Atribui-se à causa o valor de R$: 1.000,00 (mil reais).
Goiânia, 11 de junho de 2018.
MARIA CRISTINA DE MIRANDA
Promotora de Justiça
MARISIA SOBRAL COSTA MASSIEUX
Promotora de Justiça