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68ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA
PROMOTORIA DA SAÚDE DO TRABALHADOR
Sede do Ministério Público - Rua 23, esq. c/ Av. B, Qd. 06, Lt. 15/24, Sala T-35/ Ala B,
Jardim Goiás, CEP 74.805-100 - Fone: 3243-8107/3243-8108/ Fax:3243-8091 1
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA
COMARCA DE GOIÂNIA.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por sua
Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde do Trabalhador – 68ª Promotoria de Goiânia, no
uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento na Lei 7.347, de 24 de julho
de 1985 (Lei da Ação Civil Pública); na Constituição Federal do Brasil, arts. 6º, 196 e 39 § 3º
c/c art. 7º inciso XXII; na Constituição do Estado de Goiás, art. 95, XV; nas Lei Estadual nº
19.145, de 29/12/2015 (dispõe sobre a Política de Saúde e Segurança no Trabalho do Servidor
do Estado); na Lei Federal nº 8.080/90, art. 6º, § 3º, inciso VI; e, ainda com fulcro nos
documentos anexos, extraídos dos autos do PA n° 201400093066 da 68ª Promotoria de
Goiânia (Promotoria de Saúde do Trabalhador), vem respeitosamente perante Vossa
Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO
NO SERVIÇO PÚBLICO com pedidos de obrigações de fazer e não fazer
contra o ESTADO DE GOIÁS, Pessoa Jurídica de Direito Público
Interno, com sede na Praça Cívica (Praça Pedro Ludovico Teixeira), nº 03, Setor Central, nesta
Capital, representado pelo Sr. PROCURADOR GERAL DO ESTADO, Dr. ALEXANDRE
EDUARDO FELIPE TOCANTINS, com base nos fatos e fundamentos a seguir aduzidos:
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I. FATOS QUE ENSEJARAM A PROPOSITURA DA PRESENTE AÇÃO CIVIL
PÚBLICA.
Ao longo dos últimos anos o Governo do Estado de Goiás tem
realizado concursos que são insuficientes para recompor as baixas na tropa da Polícia Militar
do Estado de Goiás, o que provocou a paulatina e drástica redução de contingente para o
patamar em que se encontra atualmente, em que vivenciamos uma gigantesca distância entre
o que é necessário para realizar as atividades policiais de segurança pública e o contingente
com o qual efetivamente se pode contar.
O atual Governo, contrariando as recomendações do Ministério
Público, tentou impor a contratação inconstitucional do Serviço de Interesse Militar Voluntário
Estadual – SIMVE, o que foi refutado pelo Poder Judiciário (Protocolo PROJUDI nº 446485-
57.2013), cuja ação interposta pelo MPGO encontra-se, atualmente, em fase executória, porém
o Estado continua utilizando-se de brechas recursais (Ag. Instr. Protoc. PROJUDI nº
5208727.91.2016) para protelar ao máximo o cumprimento do julgado.
O resultado disso são os índices de violência classificados entre
os mais altos do país e do mundo, as notícias cotidianas dessa violência na mídia escrita e
televisiva e também noticiadas nas relações interpessoais dos cidadãos, vez que quase todos
conhecem alguém de seu círculo que já foi vítima dessa violência. Veja exemplos das inúmeras
notícias sobre o tema:
“EFETIVO MENOR, POPULAÇÃO MAIOR. De 2007 para cá, contingente da PM na capital caiu a menos da metade e voltou a patamar de 30 anos atrás. (…) Passou de 3,5 mil policiais exclusivos, em 2007, para 1,5 mil este ano (…) no mesmo período, a capital recebeu quase 200 mil pessoas a mais e já soma cerca de 1,4 milhão de habitantes (…) Para o coronel Pacheco, a quantidade de policiais abre margem para a criminalidde (…) Como consequência da redução do efetivo, as horas extras aumentam. A questão também foi tratada na audiência pública (realizada pela OAB-GO). 'Essa foi uma das demandas trazidas à OAB. Os próprios agentes nos revelaram a falta de efetivo e a sobrecarga dos policiais em jornadas extenuantes', detalhou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, Rodrigo Lustosa. A situação foi mostrada em reportagem do POPULAR na última sexta-feira. Um cabo com 13 anos de serviços prestados revelou, sem se identificar com medo de represálias, que mesmo de licença médica é obrigado a fazer
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hora extra.” (Fonte: www.opopular.com.br, matéria de 18/02/2016 – grifos nossos).
“O efetivo da Polícia Militar do Estado de Goiás, composto por 12.700 homens, sofre com um déficit de aproximadamente 18 mil policiais. (…) o Comando da PM tenta suprir a falta de militares oferecendo atividade extra remunerada. (…) A informação foi repassada pelo assessor de comunicação da PM, coronel Anésio Barbosa da Cruz (...) A previsão do governo é de que o quadro da corporação salte para 30 mil policiais militares no prazo de dez anos (…) 'A maioria dos policiais que exercem atividade ostensiva trabalham além da carga horária', disse Anésio. (…) Mas, com a prática de horas extras, alguns policiais chegam a cumprir 60 horas semanais. 'Alguns precisam ficar de 24 a 48 horas trabalhando devido ao tipo de operação em que estão inseridos', esclareceu” (Fonte: http://.sindepol.com.br , notícia de 04/03/2013 – grifos nossos). (Impresso das matérias: DOCs. 01-A e 01-B)
O que em 2013 eram “alguns” policiais, passou a ser a regra,
conforme reconhecido pela própria PMGO, nos depoimentos abaixo transcritos (DOCs. 02 e
03), bem como constatado pelas Comissões de Segurança Pública e Política Criminal, de
Direitos Humanos e de Direito do Trabalho, todas da OAB-GO, atendendo solicitação de
posicionamento feita por esta 68ª Promotoria de Justiça. Assim, no ano de 2014 a OAB-GO
aprovou a manifestação e o parecer anexos, expedindo ofício ao Governador do Estado
solicitando providências, dentre elas : “o aumento do número de policiais militares, por meio de
concurso público, a fim de evitar sobrecarga de trabalho, que hoje é acima das 60 horas
semanais”; “assegurar a todos os servidores militares do Estado de Goiás o cumprimento da
jornada de 42 horas semanais estabelecidas na portaria 22550 de 2012”; dentre outras (DOC.
11).
O que tem ocorrido, de forma escamoteada, é que agora o policial
tem que escolher entre conviver com sua família ou dormir. O GOVERNO DO ESTADO DE
GOIÁS USURPOU DELES O DIREITO FUNDAMENTAL DE CONTAR COM TEMPO
RAZOÁVEL DE DESCANSO, SUBTRAINDO-LHES SIGNIFICATIVO TEMPO DE SONO, O
QUE CARACTERIZA TRABALHO ESCRAVO, POR SE TRATAR DE SITUAÇÃO
DESUMANA E DEGRADANTE, ASSIM RECONHECIDA PELA COMISSÃO ESTADUAL
PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO (DOC. 07).
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Ou seja, ao longo dos últimos anos, para tentar estancar a
avalanche de notícias negativas sobre a violência, o Governo do Estado anunciou
programas sem contundo enfrentar a raiz do problema, que é a falta de contingente.
Somente agora, no final dessa gestão, desencadeou concurso, que todavia será
insuficiente, conforme afirmado pelo Comandante Geral da PMGO (vide depoimento
abaixo transcrito). Tais programas, adotam a filosofia de “vamos colocar os homens (policiais)
nas ruas”, o que, à primeira vista, parece correto, mas, conforme veremos, está sendo feito de
forma a sonegar direitos fundamentais desses servidores, vez que os homens já estavam nas
ruas, ou seja, já estavam atuando em escalas ordinárias de serviço superiores a 40 horas
semanais (12X36 ou 12X24/12X48), sendo que a frase mais correta para a situação seria
“vamos usar o tempo mínimo de descanso e de convivência do policial com sua família
para colocá-lo nas ruas”!
Assim, as jornadas que já eram exaustivas tornaram-se
insuportáveis, aumentando o índice de transtornos mentais entre os policiais militares numa
espiral que inviabiliza a recomposição da tropa, aumentando a sobrecarga daqueles que ainda
não se adoeceram. Tal fato foi constatado pela própria equipe de saúde da PMGO:
“Em relação às escalas de serviço... o efetivo da PMGO tem se mostrado pequeno
em relação ao crescimento urbano acelerado dos últimos anos, e também em
relação ao aumento da violência em geral na sociedade. Assim, por vezes, o
militar cumpre uma escala desumana, não sendo respeitado seu direito
de descanso... Algumas vezes ocorre que o policial militar cumpriu sua escala, e
por algum motivo, não há substituto para a próxima escala, sendo comum que
ele não seja dispensado para seu descanso... Esta situação revela a
desvalorização que o militar é vítima, não só pela corporação a que pertence, mas
também pela sociedade... É de conhecimento geral que a OMS (Organização
Mundial de Saúde) reconhece a profissão policial como uma das mais
estressantes... O sofrimento mental tem estreita relação com a violência
policial (VP): - A VP é uma expressão do sofrimento psíquico dos policiais... - O
sofrimento psíquico decorre também da violência da organização do
trabalho...” Destaquei. (PROGRAMA DE PROMOÇÃO E CUIDADO EM SAÚDE
MENTAL PARA POLICIAIS DA POLÍCIA MILITAR DE GOIÁS – MAIO DE 2004 -
DOC. 05)
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“O índice de reformas na PM pela psiquiatria no patamar de 57% das
aposentadorias conforme estudo realizado entre os anos de 2009 a
2013. O número crescente de aposentadorias precoces impacta tanto o
aspecto financeiro previdenciário quanto o serviço prestado pela
Polícia Militar, uma vez que diminui o efetivo em uma escala que não é
possível ser reposta por meio da realização de concursos públicos.”
(PROSPAM – PROCESSO DE ANÁLISE PROSPECTIVA DE POLICIAIS
MILITARES EM LICENÇA PARA TRATAMENTO DA SAÚDE MENTAL –
OUTUBRO/2015 – DOC. 06). Destaques nossos.
De fato, hoje a exceção converteu-se em regra, praticando-se
escalas de 24 (horas de serviço) por 48 (horas de descanso) e escalas de 24 (horas de serviço)
X 72 (horas de aparente descanso), pois DURANTE AS 72 HORAS É EXIGIDO,
OBRIGATORIAMENTE, MAIS UM OU DOIS SERVIÇOS DE 12 HORAS.
Na escala de 24X48 o policial cumpre 10 serviços em 30 dias, o
que gera um total de 240 horas mensais, equivalente a 56 horas semanais. Ou
seja, 16 horas a mais que qualquer outro trabalhador e 14 horas a mais do
que a jornada máxima semanal prevista para os próprios Policiais Militares
na Portaria 2.550/2012 do Comando-Geral (DOC. 04-A).
Já na escala de 24X72, em que ainda são praticadas
convocações durante a folga, teremos duas possibilidades: Se o policial for convocado
uma vez durante as 72 horas, ele cumprirá aproximadamente 276 horas mensais, o
que é equivalente a 69 horas semanais. E, se o policial for convocado por duas
vezes, ele cumprirá aproximadamente 360 horas mensais, o que é equivalente a 90
horas semanais !
Diante de reclamações sobre excesso de jornada dos policiais
militares de Itaberaí, o Comandante do 34º BPM confirmou a prática dessas escalas vedadas:
“- Atualmente, o efetivo de pronto emprego está distribuído nas 6 (seis) cidades … trabalhando em uma escala de 24 horas trabalhadas por 48 horas de folga;
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- Na sede da Unidade temos uma equipe de serviço de Radio Patrulha e uma de Copom, ambas em escala de 24 horas trabalhadas por 72 horas de folga; - A escala de 24X48 é praticada … acreditamos que em todo o interior do Estado de Goiás. Todavia, não é a escala adequada à Portaria nº 2550/2012... que regula a carga horária na PMGO. (...) Porém, em virtude do déficit de efetivo no Estado, a jornada do Policial Militar tem sido gerida com base no artigo 5º da própria Portaria, uma vez que nenhum comando, tem seu efetivo adequado a sua necessidade real” (DOC. 02)
De fato, a Portaria 2.550/2012 veda a prática ordinária
das escalas supradescritas. Contudo, conforme informado pelo Comandante no trecho
supratranscrito, elas têm sido praticadas ordinária e indiscriminadamente em todo o Estado,
com algumas situações agravantes: 1ª) Na escala de 24X48, em que o policial trabalha 14
horas a mais por semana, não lhe é paga a gratificação pelo Serviço Extra Remunerado –
SER; 2ª) Na escala de 24X72 horas, que está prevista especificamente para alguns batalhões,
mas está sendo praticada em outros nos quais não é permitida, são realizadas convocações
extraordinárias em excesso, além do máximo previsto na citada Portaria do Comando-
Geral; 3º) Em ambas as escalas estão sendo praticados serviços de 24 horas contínuas,
quando na Portaria o serviço máximo permitido, já incluído o serviço extraordinário, é de
18 horas contínuas (12 horas ordinárias + 6 extraordinárias antes do início ou após o
final do serviço ordinário).
A Portaria 3507/2013, que introduziu modificações na Portaria
2550/2012, (vez que seu art. 8º já previa que “os casos específicos serão objeto de estudo de
situação”), fixou a escala do Comando do Entorno em 12X48. Nos considerandos que explicam
seus motivos, consta: “Considerando que no Comando do Entorno a especificidade da
situação em que a maioria dos militares não residem na cidade sede do comando,
recomendando espaçamento entre os serviços para reduzir os deslocamentos casa-
trabalho, combinada com a impossibilidade de descanso intra-jornada (serviço de RP =
Rádio Patrulha), o que inviabiliza jornada de 24 (vinte quatro) horas seguidas” (DOC. 04-
B). OU SEJA, O ESTUDO TÉCNICO CONTRA-INDICOU AS ESCALAS QUE ATUALMENTE
PASSARAM A SER PRATICADAS.
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O Comandante Geral da PMGO, ouvido nesta Promotoria,
confirmou a situação de ilegalidade, afirmando que seria necessário “repensar a Portaria
2.550/2012”:
“Foi aberta a audiência pelo Promotor de Justiça, que passou a tratar com o Comandante Geral da PMGO sobre o fato de que houve um aumento significativo de reclamações relativas ao excesso de jornadas, acima do previsto na Portaria 2550/2012, tendo o Comandante explicado que ao longo dos anos houve uma redução significativa do contingente da PMGO, sendo que, paralelamente a isso, a sociedade clama por segurança, motivo pelo qual não está sendo possível cumprir a Portaria 2550/2012 em sua integralidade, sendo necessárias convocações extraordinárias; que, a maioria dos policiais são voluntários para tais escalas, mas há uma parte que é convocada em decorrência da necessidade do serviço; que, portanto, o Comandante Geral considera que, na atual conjuntura, aquilo que antes era considerado situação normal de serviço, passou a ser situação extraordinária, a exigir as convocações, sendo necessário repensar a Portaria 2550/2012; que, mesmo com o concurso, cuja publicação do edital está prevista para o mês de agosto/2016, ainda serão necessárias as convocações (obrigatórias) para o serviço extra-remunerado, podendo haver uma redução na quantidade de tais convocações;”
(DOC. 03)
Se, como disse o Comandante Geral, a maioria dos policiais
cumprem voluntariamente as escalas extraordinária, e mesmo assim não está sendo suficiente
para cobrir as necessidades do serviço, constata-se o fenomenal descompasso entre o
contingente e a demanda!
Verifica-se, Excelência, que apesar do jogo de palavras utilizado
pelo Comandante Geral, na verdade o mesmo reconheceu que não há mais contingente
suficiente para atender às “situações normais de serviço” e por isso a PMGO está
aplicando indevidamente às situações normais o disposto no art. 5º da Portaria nº
2550/2012, que rege apenas as “situações extraordinárias”. Aliás, o Comandante de
Itaberaí foi expresso ao reconhecer que tal situação não está adequada à Portaria.
Vejamos, então, o que ela dispõe:
“Art. 2º - (…) § 1º Para o emprego operacional e administrativo do policial militar, em situações normais, fica definida a jornada máxima de 42 (quarenta e duas) horas semanais. § 2º O policial militar, empregado no servio de telefonia e teleatendimento, cumprirá jornada de 7 (sete) horas de trabalho diário, com um intervalo de (vinte)
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minutos e uma folga semanal, sendo uma vez por mês, no domingo, nos termos seguintes: I- 6 (seis) horas para emprego na efetiva atividade de telefonia e teleatendimento, com duas pausas de 10 (dez) minutos para descanso; II- 1 (uma) hora para emprego em preleções de entrada e saída de serviço, instruções, bem como outras atividades relacionadas ao serviço; (...) Art. 3º- Fica estabelecida, no âmbito desta Corporação, a jornada máxima diária de 12 (doze) horas trabalhadas com, no mínimo, 12 horas de descanso. § 1º O efetivo operacional da Corporação obedecerá escalas uniformes de 12X24 por 12X48 em rodízio de escala (diurna e noturna), respeitadas as exceções constates nesta Portaria. § 2º A escala de serviço para o Comando da 8ª CIPM, o Comando Ambiental, o Comando Rodoviário e para os destacamentos da Polícia Militar – DPM será de 24X72. § 3º A escala de serviço para o Comando de Operações de Divisa será de 72X144 horas, garantindo o descanso de 10 (dez) horas diárias intercaladas durante o serviço. § 4º na jornada de 12X24 por 12X48 em rodízio de escala (diurna e noturna) o serviço extra-remunerado poderá ser cumprido antecipando 6 (seis) horas do serviço quando a escala ordinária for noturna, bem como prorrogando 6 (seis) horas de serviço ao final da escala ordinária diurna. § 5º A escala do Comando do entorno será de 12X48 horas. § 6º Qualquer outro tipo de escala que, por sua natureza, não se enquadrar às normas aqui estabelecidas, estará sujeita à autorização expressa do Comando da Corporação. § 7º A responsabilidade pelo cumprimento da presente portaria é do Comandante imediato do Policial Militar, respondendo solidariamente os demais níveis de comando. Art. 5º – Em caráter excepcional e em razão da necessidade do serviço em que haja o pronto emprego ou mobilização da tropa, a carga horária, os turnos e as folgas decorrentes poderão sofrer modificações, excedendo a carga horária estabelecida nesta Portaria, desde que fundamentada por escrito.” (DOC. 04-A)
Portanto, é fácil visualizar a ilegalidade da aplicação do art. 5º às
escalas ordinárias, vez que o próprio dispositivo estabelece que o mesmo somente pode ser
aplicado “em caráter excepcional”.
Já o art. 2º, § 1º c/c o 3º e seus parágrafos 1º, 4º e 6º,
estabelecem as seguintes regras para as escalas ordinárias:
1) A jornada máxima semanal é de 42 horas e a
jornada máxima diária é de 12 horas, com mais 6 (seis) horas de SER,
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podendo alcançar o teto máximo de 18 horas ao todo, desde que
devidamente remunerado o SER, conforme previsão legal.
2) A única escala prevista para o serviço
ordinário é a de 12X24 por 12X48, ressalvadas apenas as exceções
expressamente previstas na própria portaria (art. 3º, § 1º) ou autorização
expressa do Comandante-Geral da PM (art. 3º, § 6º). Essa autorização,
naturalmente, deve se dar por decisão escrita e fundamentada no
interesse público, atendendo aos dispositivos constitucionais da
moralidade, publicidade e eficiência, bem como a proteção à saúde dos
servidores (Constituição do Estado de Goiás, art. 100, § 9º c/c art. 95, XV).
Como se não bastasse, o Estado frequentemente deixa
de pagar o Serviço Extra Remunerado, conforme reconhecido pelo
Comandante de Itaberaí: “referente a informação... de que os Policiais estão sendo
escalados na segunda folga, sem remuneração, parece estar dizendo o fato da escala ser
24X48 e não 24X72, o PM está trabalhando na segunda folga (sem receber) o que de fato
ocorre, uma vez que após as 48 horas de folga o PM teria mais 24 horas de folga, caso a
escala fosse 24X72” (DOC. 02 - destaque nosso). Tal raciocínio está corretíssimo, posto que a
escala de 24X48 não existe oficialmente na regulamentação da PMGO e ultrapassa em 14
horas o teto máximo semanal de 42 horas estabelecido na Portaria 2.550/2012. Aliás, o
valor do SER - ao contrário da lógica jurídica de indenizar em valor
maior o trabalho realizado em horário de descanso - é pago em valor
menor do que a remuneração habitual do policial.
Assim, foi instituída uma política de VERDADEIRO
LOCUPLETAMENTO DO ESTADO À CUSTA DA SAÚDE DOS POLICIAIS, viabilizada pela
manutenção de contingente muito aquém do necessário e com a prática de jornadas
extraordinárias em face da necessidade de combater a violência, obrigando os Comandos a
exigirem jornadas exaustivas dos integrantes da tropa, cujos direitos constitucionais à saúde
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(CF, art. 6º), a condições dignas de trabalho (CF, art. 1º, III) e à saúde e segurança no trabalho
(Constituição do Estado de Goiás, art. 100, § 9º c/c 95, XV) tem sido permanentemente
sonegados, apesar de serem de aplicação imediata, por se tratar de direito à saúde (CF, art. 5º,
§ 1º)!
Conforme vimos acima, estudos da própria equipe de saúde
da Polícia Militar já concluíram que as jornadas excessivas de trabalho contribuem para
o estresse que gera violência policial e reduz a produtividade do militar.
A Portaria 2.550/2012 foi fruto desses estudos coordenados
pelo Comando de Saúde da PMGO. As atas dos estudos realizados e os considerandos
insertos em sua parte introdutória esclarecem as razões da jornada diária máxima e da
regulamentação das escalas, na forma como foi feita:
“Aos cinco dias do mês de março do ano de dois mil e doze ... Foi sugerida a definição de carga horária mínima e máxima de forma a garantir a saúde física e mental do policial militar... ficou definido que a Ten. Cel. Vera irá trazer proposta de escalas de serviço e a Cap Rosana elaborar proposta fundamentada para definição da carga horária com sugestões de escalas que permitam a garantia de saúde ocupacional...” (ATA DA 2ª REUNIÃO DA COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE A JORNADA ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DE TRABALHO DO POLICIAL MILITAR – DOC. 08-B)
“Aos dezenove dias do mês de março do ano dois mil e doze... Assim, o documento elaborado como resultado dos estudos apresentou o seguinte texto: 1) Jornada de Trabalho semanal de 42 horas. 2) Período de descanso de 12 horas entre turnos de trabalho contínuo. (…) 6) Do ponto de vista de saúde ocupacional é contraindicado o turno de trabalho de mais de 12 horas contínuas, independente da função. Como anexo, foi encaminhada justificativa das orientações elencadas, por meio de parecer técnico relacionado à Saúde Ocupacional e Mental elaborada pela equipe de saúde da PM-GO” (ATA DA 4ª REUNIÃO DA COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE A JORNADA ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA DE TRABALHO DO POLICIAL MILITAR – DOC. 08-D)
“ Considerando os resultados da Comissão composta por profissionais de saúde da Polícia Militar que realizaram estudos sobre a jornada de trabalho do policial militar e da Comissão composta por policiais militares do quadro de combatente que realizou estudos sobre as escalas de serviço aplicadas na Corporação; Considerando os resultados de levantamento e apresentação de sugestões realizadas junto a todas as unidades da Corporação; Considerando a existência de disparidades entre as cargas horárias de Policiais Militares empregados nas diversas frentes de serviço da Polícia Militar do Estado de Goiás; (…)
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Considerando que o Estatuto dos Policiais Militares (Lei 8033/75) estabelece a jornada semanal mínima de 40 (quarenta) horas semanais, sem, contudo, definir o limite máximo; Considerando a necessidade de estabelecimento de critérios uniformes para a jornada de trabalho e do descanso;” (PORTARIA 2550/2012 - DOC. 04-A). “Considerando que o Comando recebeu por parte da tropa e dos representantes das associações a reivindicação de viabilizar o serviço extraordinário evitando novos deslocamentos residência-trabalho; Considerando que os estudos sobre índices de acidente de trajeto recomendam que se minimize, sempre que possível, tais deslocamentos; Considerando que os estudos realizados pela Organização Mundial do Trabalho orientam que a vontade do trabalhador deve ser considerada no momento de definir sua jornada de trabalho; Considerando que na 8ª CIPM a especificidade do serviço de guarda de muralha... Considerando que no Comando de Operações de Divisas a especificidade do serviço de patrulhamento em rodovias nas proximidades das divisas entre Estados... Considerando que no Comando do Entorno a especificidade da situação... Considerando que o objetivo principal da presente regulamentação é não extrapolar a jornada máxima de 42 (quarenta e duas) horas semanais, na média mensal, nas escalas ordinárias.” (PORTARIA 3507/2013 DOC. 04-B)
Do teor dos dispositivos das Portarias e dos
seus considerandos, extrai-se SUA MOTIVAÇÃO:
1- Fixar a jornada máxima semanal em quantidade
aceitável/saudável de horas;
2- Levar em consideração não só a manifestação dos
profissionais de saúde, mas também a opinião dos comandos operacionais, quadro de
combatentes, da tropa e de seus representantes classistas, por ocasião da definição da
jornada máxima (42 horas) e das escalas a serem praticadas;
3- Orientar-se pelas recomendações da equipe de saúde,
para:
3.1- evitar escalas fixas de trabalho noturno;
3.2- estabelecer descansos mínimos entre as jornadas;
3.3- flexibilizar, diante de um risco maior (acidentes de
trajeto), mas impondo certos limites, como, por exemplo, evitando a flexibilização para
além das 12 horas diárias quando é impossível o descanso intra-jornada, como no
serviço de rádio-patrulha (RP).
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Diante da motivação do ato (Portaria 2.550/2012), voltada para a
proteção da saúde dos militares, constituindo assim um regulamento do Direito Constitucional
estabelecido no art. 100, § 9º c/c 95 XV da Constituição do Estado de Goiás, que dispõe que
aos servidores militares é garantido o direito de “redução dos riscos inerentes ao trabalho por
meio de normas de higiene, saúde e segurança”, não pode o Comando-Geral da PMGO
simplesmente desconsiderar tal norma ou pretender modificá-la, de modo a suprimir a proteção
à saúde dos militares, motivado pelo fato de que o Governo do Estado não tem realizado
concursos públicos para recompor o contingente necessário à prestação dos serviços inerentes
à corporação. Isto porque tal conduta seria obviamente inconstitucional, à luz dos dispositivos
supra referidos.
Contudo, o Ministério Público tem recebido frequentes denúncias
nas quais policiais militares do Estado de Goiás reclamam de excesso de jornada de trabalho
(DOCS. 10-A a 10-F). A título de ilustração, transcrevemos alguns trechos:
“...alterou a escala de serviço para 24/72, escala essa desumana com o policial militar tendo em vista que: 1- os supervisores de serviço exigem que o policial rode dentro das viaturas as 24 horas; 2- … durante o serviço de 24 horas não temos aonde tomar banho, não temos alojamento e nem vestiário dignos. … Sem falar que a escala escolar o Cap Arraes obriga aos policiais a fazer hora extra. (...) Encaminho cópia da escala comprovando ser 24/72 … sendo obrigatório o policial tirar o serviço extra … na sexta-feira … Encaminho também uma ordem de serviço evento privado o cap obriga os policiais a fazerem a segurança.” (DOC. 10-A).
“...no último mês de março fui escalado em onze serviços de 24 horas e em três escalas extras das 14:00 às 20:00 horas, que dá um total de 294 horas”
(OU SEJA, 73,5 HORAS POR SEMANA ! - DOC. 10-B)
“... os profissionais (policiais militares) estão sendo massacrados e sobrecarregados com horas extras de trabalho. (…) Exemplificando estas atrocidades, os policiais que trabalham no serviço administrativo, cumprem uma jornada de 40 a 42 horas semanais, e ainda assim estão sendo escalados involuntariamente em escalas de operações no serviço operacional. Cumprindo jornada dupla de serviço. Atualmente estas operações estão sendo desencadeadas entre quarta-feira a domingo das 17h às 00h e quando o dia seguinte é dia de serviço normal, o militar tem que se apresentar para o trabalho, em diversos casos não se tem tempo nem mesmo de repousar, pois não havendo contratempos, é liberado das operações às 00h, gasta um tempo para deslocar-se até sua residência e alguns assumem
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serviço novamente às 6h30min (Colégios), outros às 8h (unidades administrativas). No período ... de carnaval … apresentaram-se para o serviço na sexta-feira (05-02) e só retornaram para suas casas na quarta-feira (10/02), não bastasse todo este tempo longe de sua convivência familiar, na quinta-feira (11/02) já estavam em suas escalas normais de expediente e na sexta-feira(12/02) escalados em operações extras nos batalhões da capital.” (DOC. 10-C - destacamos). OBS: Após a jornada de 8 horas do expediente, somando-se mais 7 horas (das 17 às 00h), totaliza 15 HORAS DIÁRIAS DE SERVIÇO, TENDO O POLICIAL QUE SE APRESENTAR NO DIA SEGUINTE ÀS 6:30 ou às 8:00 HS !
“...Sou policial militar e trabalho no Batalhão de Choque, na escala de 24x72, porém está acontecendo com muita frequência a obrigatoriedade de trabalhar na folga de 72 horas. Ou seja, trabalho um dia inteiro e uma noite e folgo três dias inteiros, porém estão me obrigando a tirar um serviço remunerado obrigatório de 12 horas, na segunda folga. (…) fui obrigado a sair de serviço de 24 horas e trabalhar até as 16:00 horas do dia seguinte sem almoço e sem descanso.”
(DOC. 10-D - destacamos). OBS: No caso, o policial terminou a escala de 24 às 07:00 hs da manhã e trabalhou mais 9 hs, totalizando 33 horas seguidas!).
“DE: Policiais Militares do Regimento da Polícia Montada (...) - Os policiais estão sendo coagidos a trabalhar na folga, sob pena de perseguição e injúria; - A escala dos policiais é 12/60, as folgas devem ser respeitadas, pois o serviço com o animal é penoso, levando em consideração que são 08:00 horas montado no dorso do cavalo.(...) - CB QPPM Lauro Lucio Martins trabalhou com a seguinte carga horária: (…) Observa-se que esse policial no dia 21 saiu do serviço às 01:00 e entrou novamente as 07:00, não teve 12 horas de folga conforme o regulamento da polícia militar. A folga não foi respeitada; - SD QPPM 34338 Diego Pereira Gonçalves trabalhou com a seguinte carga horária: (…) Observa-se que este policial no dia 22 saiu do serviço as 01:00 e entrou novamente as 08:00, não teve 12 horas de folga conforme o regulamento da polícia militar. (…) - Problema do tipo: trabalho extra sem folga posteriormente e trabalho extra sem receber o extra remunerado, virou rotina. Triste realidade. (...)” (DOC. 10-E)
O problema evidenciado nas reclamações supratranscritas é que
quando se pratica ordinariamente escala de 24 horas, o policial sai todos os dias do serviço em
seu limite de esgotamento físico e mental, sendo que ao surgirem verdadeiras situações
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emergenciais, o mesmo não tem mais condições humanas de continuar no trabalho, mas,
ainda assim, é obrigado a atender à convocação.
E desse modo os militares são privados do convívio com suas
famílias, seus filhos crescem sem a presença paterna ou materna, contribuindo decisivamente
para os altos índices de afastamento por transtornos mentais, num círculo vicioso, que
sobrecarrega os colegas em atividade e aumenta os registros de casos de violência policial,
não raro praticada contra si ou seus próprios colegas, em casos de suicídio e homicídio,
conforme registrado em estudo feito pela própria PMGO: “A VP (Violência Policial) pode
se voltar contra o policial (suicídio) ou a corporação / outros policiais” (DOC. 05).
Em face do exposto, o Ministério Público do Estado de Goiás
postula a fixação das obrigações de fazer e de não fazer voltadas para garantir a saúde e
segurança no trabalho dos militares do Estado de Goiás, especificadas nos pedidos desta
ação.
II- DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO.
II.1. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL, LEGAL E NORMATIVA DA SAÚDE NO TRABALHO
DOS MILITARES (ART. 100, § 9º C/C 95, XV, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE
GOIÁS).
O Legislador Constituinte do Estado de Goiás fez constar na
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL que aplica-se aos servidores militares a mesma norma de
proteção do meio ambiente de trabalho dos servidores civis. VEJA:
“Art. 95. São direitos dos servidores públicos civis do Estado, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social:
XV – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
Art. 100. Os integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar são
servidores militares estaduais, regidos por estatutos próprios.
§ 9º – Aplicam-se aos servidores de que trata este artigo e seus pensionistas o
disposto nos arts. … e os preceitos dos incisos … XV … do art. 95 desta
Constituição.”
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Visando dar cumprimento aos citados dispositivos constitucionais, o
Estado de Goiás editou o Decreto 5.757/2003, que instituiu o “Programa Saúde no Serviço
Público”, sendo que os militares firmaram TAC com o Ministério Público
comprometendo-se em aplicar tal decreto no âmbito das corporações militares, com
as adaptações necessárias (DOC. 09). O TAC foi firmado no âmbito do ICP Nº 03/2004,
influenciado pela ocorrência de uma tragédia, em que um policial ceifou a vida de
colegas após um ataque de insanidade.
Em cumprimento ao TAC, à Constituição Estadual, e com o
acompanhamento feito pela 68ª Promotoria de Justiça em diversos procedimentos, as
Corporações Militares do Estado de Goiás editaram os seguintes regulamentos, dentre
outros, visando “reduzir os riscos inerentes ao trabalho” conforme previsto no texto
constitucional e no Decreto 5.757/2003:
1º) PORTARIA Nº 4547 do Comando-Geral da PMGO, de 24/02/2014, que “Aprova a Regulamentação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais da PMGO” - PPRA/PMGO, que está previsto também na legislação infraconstitucional para trabalhadores estatutários e celetistas; 2º) PORTARIA Nº 54/2008-PM/1 (ICP nº 11/2010), publicada no BGE nº 07, de 14/01/2009, que criou o Centro de Saúde Integral do Policial Militar – CSIPM, que é responsável pela realização dos exames ocupacionais periódicos no âmbito da PMGO, dando cumprimento ao TAC, no qual estava prevista essa obrigação, que corresponde a direito idêntico previsto para servidores civis e trabalhadores celetistas; 3º) PORTARIA Nº 2.550 do Comando Geral da PMGO, de 09/07/2012 que “Institui o sistema de controle da jornada de trabalho do policial militar” e oferece o suporte normativo para a humanização das escalas de serviço, estabelecendo limites máximos diário e semanal para serviços ordinários (ICP nº 11/2010); 4º) PORTARIA Nº 5206, de 16/06/2014, do Comando Geral da PMGO, publicada no DOEPM de 20/07/2014, instituindo e regulamentando o Núcleo Integrado de Atuação Biopsicossocial - NIAB na PMGO (PA 201300397456). Esse núcleo tem atuado na implementação de Programa de Saúde Mental, também previsto na Lei 19.145/2015, art. 7º, II, alínea “b”, para os servidores civis; 5º) PORTARIA Nº 002/2014, do Comando de Saúde da PMGO, publicada no DOEPM de 30/01/2015, criando e instalando o Grupo de Epidemiologia e Pesquisa do Complexo de Saúde da PMGO - GEP-PMGO (PA 201300397456), que identificou o índice de 57% de reformas (aposentadorias) por transtornos mentais; 6º) PORTARIA Nº 4159/2013 do Comando-Geral da PMGO, instituindo o Procedimento Operacional de Segurança – POS, tratando-se de documento similar às “Ordens de Serviço Sobre Segurança e Saúde no Trabalho” previstas
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nos arts. 17, II e 18, III, da Lei Estadual 19,145/2015 e no item 1.7 da NR-1 do MTE, ou seja, proteção idêntica à dos servidores públicos e dos trabalhadores celetistas; 7º) PORTARIA Nº 032/2007 - GRH, do Comando do CBM/GO, constituindo a equipe do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT/CBM (ICP 10/2008); 8º) ORDEM DE SERVIÇO SOBRE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO DO CBM/GO, informando sobre os riscos e determinando as respectivas medidas de prevenção – Publicada no Boletim Geral (BG) Nº 172, de 05/10/2010 (ICP 10/2008); 9º) PORTARIA Nº 120/2016-CG do Comando Geral do CBM-GO, que “institui grupo de avaliação em epidemiologia no âmbito da Corporação e designa integrantes” (PA nº 201600262788).
Recentemente foi editada a Lei 19.145, de 29/12/2015, que atualizou
o regulamento dos supratranscritos dispositivos constitucionais, eis que “dispõe sobre a
política de segurança e saúde no trabalho dos servidores públicos do Poder Executivo” do
Estado de Goiás. Nela estão os princípios e diretrizes que devem ser seguidos pela
Administração Pública quanto à saúde e segurança dos servidores. Vejamos:
“Art. 2º As ações da Política de Segurança e Saúde no Trabalho dos Servidores Públicos devem observar os seguintes princípios, diretrizes e estratégias: I – princípios: b) integralidade das ações; c) equidade; d) efetividade e eficácia; h) proteção; II – diretrizes: c) utilização de critérios técnicos definidos na legislação sanitária, de proteção contra incêndio, explosão, pânico e desastres, nas Normas Regulamentadoras (Nrs) sobre segurança e saúde no trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, legislação ambiental e demais atos normativos congêneres que disciplinam matéria de interesse para a proteção dos riscos diretos ou indiretos à segurança e à saúde do servidor, com resolução de conflito aparente de normas a partir do recurso ao princípio da proteção; § 1º Para os efeitos da Política de Segurança e Saúde no Trabalho dos Servidores Públicos, ficam estabelecidos os seguintes conceitos: c) equidade: princípio que garante a aplicação uniforme das normas de segurança e saúde em cada atividade exercida por agente público, seja qual for o seu vínculo jurídico, com a consideração de que todos são iguais quanto ao direito à saúde no trabalho;
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d) efetividade e eficácia: princípios que garantem que os objetivos previstos nesta Lei sejam efetivamente alcançados e implementados por ações concretas que assegurem a real proteção à segurança e saúde do servidor;
h) proteção: princípio com base no qual serão resolvidas situações de conflito aparente de normas técnicas de saúde, higiene e segurança no trabalho, de modo a sempre se conferir maior proteção ao trabalhador público.”
E, quanto aos deveres dos gestores públicos relativos às medidas
necessárias à efetiva redução dos riscos inerentes ao trabalho, conforme orientado pelas
equipes técnicas, dispõe a citada Lei:
“Art. 18. Os dirigentes dos órgãos ou das entidades estaduais são partícipes da
Política de Segurança e Saúde no Trabalho competindo-lhes: I – diligenciar para a inclusão no Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no Orçamento Anual das dotações necessárias às ações da Política de que trata esta Lei; II – cumprir e fazer cumprir as disposições técnicas e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho; VII – assumir, após receber a comunicação oficial e orientação por parte de profissional técnico do SESMT Público ou profissional legalmente habilitado pela GESPRE, a responsabilidade pela paralisação de máquinas, equipamentos, setores de serviço ou obras e a desocupação de imóvel, onde considere haver risco grave e iminente à segurança e saúde dos servidores; XI – desempenhar outras competências inerentes às suas funções, pertinentes à proteção da segurança e saúde dos servidores, previstas em regulamentos e outros atos normativos ou orientativos.
Portanto, observa-se, que no sistema jurídico atualmente vigente no
Estado de Goiás, há previsão constitucional, legal e normativa, além de TAC firmado com o
Ministério Público, obrigando o Estado a reduzir os riscos inerentes ao trabalho dos
servidores militares, sendo que, especificamente quanto às jornadas de trabalho, já
foram realizados estudos pela própria PMGO, a partir dos quais foram editadas
“disposições regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho” (art. 18, II,
supratranscrito) específicas para o serviço policial militar, editadas na forma da
Portaria nº 2.550/2012 do Comando-Geral da PMGO.
O excesso de jornada de trabalho constitui afronta ao direito à própria
personalidade, conforme comentários da doutrina constitucionalista ao art. 7º, XIII da CF:
“Objetiva-se, com o inciso (XIII), proteger a saúde do trabalhador, evitando explorações e
agressões à sua própria personalidade. Daí a jornada normal de trabalho durar oito horas
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diárias, lapso temporal sujeito a reduções através de acordo ou convenção coletiva de
trabalho.” (UADI LAMMÊGO BULOS, Constituição Federal Anotada, 9ª edição, 2009, Saraiva –
destacamos).
Disso conclui-se, naturalmente, que se a jornada extrapola os
limites Constitucionais, legais e/ou normativos, há agressão aos direitos de personalidade, e,
por consequência, também há infração ao disposto no art. 1º, inciso III da Constituição Federal,
que protege a “dignidade da pessoa humana” incluindo-a entre as Cláusulas Pétreas, posto
que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Tratando-se de um dos fundamentos da República e da proteção
do direito universal à saúde (art. 6º, caput, da CF), tal princípio é aplicável a todas as pessoas
e/ou instituições existentes em nosso território, sejam civis ou militares, e não há como negar
que um trabalho ordinariamente exercido sem limite máximo de tempo afronte tal princípio.
A criação desse limite se deu – conforme estudos realizados pela
própria PMGO - em face da necessidade de fixar um tempo máximo de trabalho diário e/ou
semanal recomendável para preservação da saúde física e mental do ser humano, incluindo,
naturalmente, o tempo necessário para que o ser humano possa ter saudável convívio familiar,
para preservação de sua saúde mental/emocional e de sua família.
Os estudos do Comando de Saúde da PMGO estão em sintonia
com estudo da Organização Internacional do Trabalho sobre o tema em pauta:
“ Quase um século se passou desde a adoção da primeira norma internacional sobre jornada de trabalho, que estabelece o princípio das oito horas por dia e 48 horas por semana; e 70 anos desde que a semana de 40 horas foi adotada como padrão que os países deveriam almejar. (...) “7.2.2 Duração salutar do trabalho Preservar a saúde do trabalhador e a segurança do local de trabalho é o mais fundamental dos objetivos subjacentes às políticas de duração do trabalho e tem sido, desde o início, um dos propósitos centrais das medidas que tratam das jornadas longas. De fato, a limitação da jornada semanal pode ser vista como a resposta básica à advertência da literatura sobre saúde e segurança contra jornada regular de trabalho superior a 50 horas por semana, tanto na forma de um limite de 48 horas com restrições severas ao trabalho extraordinário quanto na de um limite mais baixo (ver, p. ex., SPURGEON, 2003; DEMBE et al., 2005). Como vimos no Capítulo 2, houve progresso importante, ao redor do mundo, na decretação de limite para a jornada estatutária durante o século passado. Como resultado, a maioria dos países tem agora limites legais abaixo de 48 horas e a semana de 40 horas é uma realidade em cerca de metade deles. Entretanto, como vimos no Capítulo 3, informação mais ampla sobre os países em desenvolvimento, disponibilizada pelo recente exercício de
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coleta de dados da OIT sobre a distribuição das jornadas de trabalho, confirmou que desvios dos limites das jornadas de trabalho são generalizados em muitos países e podem ser relacionados com jornadas muito extensas. (...)Quando acrescentamos o fato de que o trabalho em turnos, incluindo o noturno, é utilizado de modo extensivo nos serviços – particularmente nos subsetores em que as jornadas já são extensas, como comércio, hotéis e restaurantes –, os impactos negativos potenciais, tanto na saúde dos trabalhadores quanto na segurança do local de trabalho, se mostram substanciais e necessitam, portanto, constituir um foco das políticas destinadas a promover a “duração salutar do trabalho”. (...) é necessário encorajar a adesão a limites básicos de jornadas. De modo claro, leis e regulamentos que estabelecem limites para as jornadas de trabalho – como o limite de 48 horas da Convenção sobre as Horas de Trabalho (Indústria), 1919 (n.º 1) e da Convenção sobre as Horas de Trabalho (Comércio e Escritórios), 1930 (n.º 30), e o limite de 40 horas da Convenção sobre as Quarenta Horas, 1935 (n.º 47) – representam uma condição mínima necessária para restringir jornadas de trabalho excessivamente longas. Exceções e exclusões em legislações nacionais que permitam desvios substanciais dos limites das jornadas são raras atualmente, e o princípio da universalidade da proteção ao trabalhador deve ser preservado. Ademais, esse princípio se estende além da jornada normal, para esforços para impedir frequentes recursos ao trabalho extraordinário. Está claro que o trabalho além do normal ou até dos limites das horas extras deve ser permitido em certas circunstâncias, como o é tanto pelos padrões internacionais quanto pelas legislações nacionais, para enfrentar circunstâncias tais como sobrecargas de trabalho, acidentes ou emergências inesperadas ou excepcionais. Mas além dessas exceções, e se for necessário impedir jornadas longas, o trabalho em horas extraordinárias, de forma regular e substancial, deve ser evitado, como parte de esforço conjunto para reduzir jornadas em toda a economia ou em setores e ocupações nos quais se mostram elevadas. (...) É, portanto, indispensável salientar que as jornadas regulares longas, e a competição nelas baseada, são improdutivas e ao mesmo tempo danosas para os trabalhadores. (…) (...) ganhos de produtividade resultam não apenas de fatores fisiológicos, como redução da fadiga (no caso de trabalhadores que cumprem jornadas longas em bases regulares), mas também da melhoria nas atitudes e no estado de espírito dos empregados. Os maiores ganhos potenciais de produtividade podem resultar da diminuição de jornadas de trabalho “excessivas” – isto é, de mais de 48 horas por semana –, o que igualmente ajuda a promover os outros objetivos da duração decente do trabalho. Há robusta evidência empírica de que reduções em jornadas de trabalho “excessivamente” longas – vinculadas, tipicamente, a mudanças na organização laboral, nos métodos de produção e em fatores similares – têm resultado em ganhos expressivos de produtividade ao longo dos anos (ver, p.ex., BOSCH e LEHNDORFF, 2001; WHITE, 1987). (Duração do trabalho em todo o mundo: tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada, livro editado pela Secretaria Internacional de Trabalho. − Brasília: OIT, 2009, subscrito por Sangheon
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Lee, Deirdre McCann e John C. Messenger – http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/work_hours/pub/ duracao_trabalho_284.pdf)
Conforme referido no estudo da OIT, no caso dos trabalhos em
turno e noturno (ex: militares), a ocorrência de jornadas extenuantes é ainda mais preocupante,
pois a associação dessas duas condições de risco faz haver uma sobreposição de fatores
danosos à saúde. Vejamos o que diz a doutrina:
“ O trabalho em turnos e noturno está associado a efeitos negativos na saúde e no trabalho. Os sintomas vão desde sinais sub-clínicos... (como as variações não normais dos ritmos biológicos … mal-estar, insônia, sonolência excessiva durante o trabalho, dor de cabeça, irritabilidade, lapsos de memória, …) até o desenvolvimento de doenças crônico degenerativas (COSTA, 1996). Estes sintomas e doenças, ao longo dos anos de trabalho não diurno, vão se agravando (COSTA e DI MILIA, 2008).
“Há numerosos estudos publicados a respeito na literatura sobre as repercussões à saúde causadas pelo trabalho noturno (…) e, cada vez mais, só fazem confirmar que novos problemas de saúde acrescentam-se aos já conhecidos. Nas décadas de 70 e 80, os trabalhos de pesquisa narravam que os distúrbios gastrointestinais e distúrbios do sono eram os mais frequentemente observados (…) A estas revisões somam-se muitas outras publicações, concluindo que os trabalhadores em turnos e noturnos também estão sob maior risco de desenvolver outras doenças crônico-degenerativas, tais como : diabetes tipo II; doenças cardiovasculares; particularmente infarto do miocárdio (KNUTSSON et al., 1986 e 1999); distúrbios psiconeuróticos (COLE, LOVING e KRIPKE, 1990). Mais recentemente, estudos mostraram que também câncer de mama tem sido observado em mulheres que trabalham à noite (MEGDAL et al., 2005) ...” (FISCHER, FRIDA MARINA, et al; Trabalho em Turnos e Noturno: Repercussões Sobre a Saúde e Medidas de Intervenção. SAÚDE MENTAL NO TRABALHO: Coletânea do Fórum de Saúde e Segurança no Trabalho do Estado de Goiás, 2013).
Em caso de infração a tais direitos, a Administração Pública está sujeita
ao controle do Poder Judiciário, conforme os seguintes precedentes:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PUBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
NECESSIDADE DE REFORMA DA DELEGACIA DE POLÍCIA CONSTATADA.
PRECARIEDADE DAS INSTALAÇÕES. COMPROMETIMENTO DA
INTEGRIDADE FÍSICA DOS SERVIDORES PÚBLICOS E DEMAIS
CIDADÃOS QUE FREQÜENTAM O LOCAL. OMISSÃO ESTATAL. I - A ação
civil pública, aludida no art. 129, III da Constituição Federal, reportado à
competência do Ministério Público para promovê-la, é um instrumento utilizável,
cautelarmente, para evitar danos ao meio ambiente, ao patrimônio público e social, e
demais interesses difusos e coletivos, ou, então, para promover a responsabilidade de
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quem haja causado lesão a estes mesmos bens. II - Garantir condições de trabalho
para o servidor público, incluindo a estrutura física do prédio em que funciona o
órgão público, é uma das atribuições do administrador, o qual não pode negar
tal direito ao argumento simplório de que não há previsão em orçamento e que
o judiciário não pode adentrar no mérito administrativo. III - Não se trata de
uma opção da Administração Pública primar pelos direitos sociais dos
trabalhadores, e sim um dever imposto pela Constituição Federal (art. 7o e 39) e
Constituição do Estado de Goiás (art. 95). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONFIRMADA. DUPLO GRAU DESPROVIDO.
(TJGO, 6ª CÂM. CÍVEL, Duplo Grau de Jurisdição nº 360816-07, Rel. Des.
NORIVAL SANTOMÉ, julgado em 13/01/2015).
Assim sendo, considerando que a norma foi editada respaldada em
critérios técnicos e adaptada à realidade militar, para assegurar um direito
constitucionalmente protegido, não pode o Comando das Corporações Militares
e o Governo do Estado decidir simplesmente descumprir ou revogar tais
normas, alegando falta de contingente, vez que tal alegação também
constitui afronta ao disposto no art. 18, I, da Lei 19.145/2015, que determina
que o dirigente público deve diligenciar a inclusão no PPA, LDO e LOA das
dotações necessárias à efetivação das medidas de proteção à saúde e
segurança dos servidores, o que já deveria ter sido feito, portanto, desde o
ano de 2012, quando foi editada a Portaria nº 2.550/2012.
Nesse sentido, uma vez estabelecido tecnicamente o procedimento
de trabalho adequado para garantir a saúde e a segurança do servidor público militar, não
pode o Comando-Geral da Corporação decidir revogar ou modificar tal procedimento, por
questões de contingenciamento financeiro, deliberadamente expondo a saúde do servidor
a risco, por se tratar de direito fundamental da pessoa humana, indisponível e de aplicação
imediata (CF, art. 6º c/c 5º, § 1º c/c CEG art. 95, XV c/c 100, § 9º). A revogação do
dispositivo feriria mortalmente não só os já citados dispositivos
constitucionais, como também os princípios da juridicidade e moralidade
dos atos da Administração Pública (CF, art. 37), estando, portanto, sujeita
ao controle jurisdicional.
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De fato, o poder discricionário encontra certos limites, conforme
ensinamentos da doutrina especializada:
“Como já tivemos oportunidade de afirmar, (a) o ato, apesar da liberdade outorgada em relação à aferição de alguns dos seus elementos (v.g.: o objeto), deve estar em estrita harmonia com os aspectos vinculados contemplados no ordenamento (v.g.: a competência); (b) o preenchimento do espaço de liberdade deixados às autoridades administrativas deve se dar em harmonia com a noção de juridicidade; (c) é relevante aferir a presença de limites que decorram de uma autovinculação da Administração, como os regulamentos por ela editados ou uma prática constante indicativa de comportamentos e entendimentos já sedimentados; (d)... (e) a aferição da compatibilidade do ato com o Direito e a realidade, conforme enunciado nas alíneas anteriores, pressupõe sejam declinados os motivos que justificaram a sua prática, o que necessariamente exige a sua motivação” (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. In IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, 8ª edição, Saraiva, 2014).
Nesse diapasão, não pode a autoridade administrativa, a título de uso
de seu poder discricionário, emitir ato (no caso, destinado à revogação ou modificação da
essência protetiva da Portaria nº 2.550/2012) que afronte o direito fundamental da pessoa
humana à proteção de sua saúde no ambiente e processos de trabalho, infringindo toda uma
“autovinculação” criada através de “regulamentos por ela editados”, a partir de
“entendimentos (técnicos) já sedimentados”.
No mesmo sentido são o entendimento jurisprudencial do TJGO:
“ E, ainda, que pese a vedação imposta ao Poder Judiciário no sentido de pronunciar-se sobre o mérito do ato Administrativo, poderá fazê-lo, contudo, no que refere aos motivos determinantes, estes sim passíveis de verificação em juízo na medida em que , em nome da legalidade, examinará o cabimento e a regularidade formal do ato administrativo: 'Para que o Judiciário bem possa verificar se houve exata aplicação da lei, força é que se examine o mérito da sindicância ou processo administrativo, que encerra o fundamento legal do ato' (TJSP, RDA 27/214). Em assim sendo, abraço o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 227.480/RJ, segundo o qual, ainda que a convocação de candidatos aprovados em concurso público sujeite-se à conveniência e oportunidade da Administração, não menos verdadeiro é que essa discricionariedade deva ser exercida legítima e motivadamente, produzindo efeitos diretamente relacionados à moralidade.” (TJGO, AP. CÍVEL Nº 446485-57.2013, julgada em 19/05/2015, pela 3ª CÂM. CÍVEL,
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REL. DES. GERSON SANTANA CINTRA. Trecho do voto do Relator – destaque nosso).
Quanto ao pedido de medida acautelatória de
urgência, verifica-se que as medidas abaixo pleiteadas não são irreversíveis e
não causam maiores prejuízos ao Estado, vez que se destinam apenas a fazer
cumprir um Ato já editado pela Administração Pública, com finalidade de proteção
da saúde dos policiais militares. Se tal ato foi editado e está vigente, significa que
não tem potencialidade de causar danos irreversíveis ao Estado, pois, caso contrário,
não teria sido sequer editado. Aliás, diz respeito tão somente à forma de
convocação dos policiais militares, o que pode perfeitamente retornar ao status
quo ante, em caso de sua revogação.
Aplica-se, assim, ao caso, o seguinte precedente do TJGO:
“1 - O PARAGRAFO 3, DO ART. 1 DA LEI N. 8.437/92, AO ESTABELECER QUE 'NÃO SERÁ
CABÍVEL MEDIDA LIMINAR QUE ESGOTE, NO TODO OU EM PARTE, O OBJETO DA AÇÃO
ESTÁ SE REFERINDO TÃO SOMENTE ÀS LIMINARES SATISFATIVAS IRREVERSÍVEIS,
OU SEJA, AQUELAS CUJA EXECUÇÃO PRODUZ RESULTADO PRÁTICO QUE
INVIABILIZE O RETORNO AO STATUS QUO ANTE, EM CASO DE SUA REVOGACAO.”
(TJGO, 2ª CÂM. CÍVEL, 57120-6/180 - AGRAVO DE INSTRUMENTO, REL. DR(A). RONNIE PAES
SANDRE, DJ 15131 de 26/11/2007).
III. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer o Ministério Público:
1. O recebimento da presente ação, seu processamento na forma e
rito comum (art. 318 e seguintes do Novo Código de Processo Civil),
juntando, para tanto, os documentos anexos;
2. A citação do Estado de Goiás, na pessoa do Procurador-Geral do
Estado, no endereço indicados no segundo parágrafo desta exordial,
nos moldes dos artigos 212 e 242, § 3º, ambos do Novo Código de
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Processo Civil, para, querendo, contestar aos termos da presente
ação no prazo legal.
3. A concessão de tutela de urgência (art. 300 CPC), face
aos danos evidenciados à saúde dos militares diante do índice de 57% de
aposentadorias precoces por transtornos mentais (DOC. 06), dos prejuízos
financeiros resultantes dessas aposentadorias precoces, bem como diante dos
danos à coletividade decorrente dos altos índices de afastamentos por esses
mesmos transtornos (cf tópico I desta exordial) ou tutela de evidência (art. 311
CPC), por se tratar de fazer cumprir ato vigente – Portaria 2.550/2012 (DOC. 04-A)
– do Comando-Geral da PMGO, para determinar ao Estado de Goiás, pelo Comando-
Geral da PMGO, as obrigações de fazer e de não fazer consistente em:
3.1. não revogar ou modificar, antes do trânsito em
julgado da sentença da presente ação, a Portaria nº 2.550, de 09 de julho de 2012,
editada pelo próprio Comando-Geral da PMGO;
3.2. no prazo de 10 (dez) dias contados a partir da
citação/intimação do Estado: a) não fazer convocações para escalas ordinárias
de serviço de 24 horas contínuas de trabalho, permitida apenas a jornada de 12
horas, acrescida de 6 horas de serviço extra remunerado (SER); b) não fazer
convocações para escalas ordinárias que excedam 42 horas semanais (na média
trimestral), excetuado apenas o excesso decorrente do SER nos limites fixados
na Portaria 2.550/2012 e mediante a respectiva remuneração;
3.3. informar qual o contingente ainda é necessário para
evitar as convocações de policiais, para o Serviço Extra Remunerado – SER,
acima dos limites permitidos pela Portaria 2.550/2012 do Comando-Geral da
PMGO, com as modificações que lhe foram feitas pela Portaria nº 3.507/2013, sem
prejuízo da prestação dos serviços inerentes à segurança pública no Estado de Goiás;
3.4. Considerar como situações de normalidade (serviço
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ordinário), para efeito da aplicação das escalas de serviço dos militares do Estado de
Goiás, as convocações para eventos que estão inseridos no calendário anual das
atividades realizadas no Estado de Goiás, tais como eventos esportivos, musicais
religiosos, comerciais, bem como a participação em cursos, reuniões de trabalho,
atividades físicas, dentre outras inerentes ao serviço militar;
3.5. pagar multa mensal de R$ 500.000,00 (quinhentos
mil reais) em caso de descumprimento de qualquer das obrigações supra
relacionadas, sem prejuízo de responsabilização por crime de desobediência e
fixação de multa pessoal ao Administrador Público responsável pelo
cumprimento da ordem;
4. Sejam os pedidos da presente ação julgados
procedentes, com o fim de:
4.1. Condenar o Estado de Goiás a obrigação de fazer
consistente em:
a) garantir aos policiais militares do Estado de Goiás
proteção da saúde, adotando procedimentos saudáveis de trabalho por ocasião
da elaboração e edição das escalas ordinárias de serviço, especificamente
mediante cumprimento dos limites estabelecidos como adequados em grupo
técnico de trabalho formado por militares do Estado de Goiás dos quadros de
saúde, operacional e de gerenciamento das escalas, consolidados na Portaria
2.550, de 09/07/2012, com as modificações que lhe foram feitas pela Portaria nº
3507, de 25/06/2013.
b) realizar a recomposição do contingente da polícia
militar do Estado de Goiás, mediante concurso público, até alcançar o
contingente suficiente a garantir que as convocações “para o emprego operacional
e administrativo do policial militar, em situações normais” (ou seja, para as escalas
ordinárias de serviço) não ultrapassem a jornada máxima de 42 horas semanais; bem
como para garantir a aplicação da regra de jornada diária máxima de 12 horas,
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ressalvadas as exceções previstas na Portaria nº 2.550/2012 do Comando-Geral da
PMGO, com as modificações que lhe foram feitas pela Portaria nº 3.507/2013; criando
assim condições adequadas de trabalho sem prejuízo da prestação dos serviços
inerentes à segurança pública no Estado de Goiás;
c) manter, mediante realização de concursos públicos,
contingente suficiente para evitar que sejam ultrapassados os limites da jornada
ordinária de trabalho referida nas alíneas anteriores, como medida de saúde e
segurança do policial militar, sem prejuízo da prestação dos serviços inerentes à
segurança pública no Estado de Goiás;
d) pagar multa mensal de R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais) em caso de descumprimento de qualquer das obrigações supra
relacionadas, a partir da data de vencimento dos seus respectivos prazos,
executável mediante bloqueio de verba, sem prejuízo da aplicação de multa
pessoal ao(s) Administrador(es) Público(s) com atribuições para adotar(em) as
providências necessárias ao cumprimento do julgado, na fase de cumprimento
de sentença, em caso de desobediência à ordem judicial e mediante prévia
intimação, estabelecendo-se o devido contraditório.
4.2. Declarar como situações de normalidade (serviço
ordinário), para efeito da aplicação das escalas de serviço dos militares do
Estado de Goiás, as convocações para eventos que estão inseridos no
calendário anual das atividades realizadas no Estado de Goiás, tais como
eventos esportivos, musicais religiosos, comerciais, bem como a participação
em cursos, reuniões de trabalho, atividades físicas, dentre outras inerentes ao
serviço militar.
5. REQUER, AINDA:
A comunicação pessoal dos atos processuais a este Representante do
Ministério Público, nos termos dos arts. 180, caput, c/c 183, § 1º do NCPC e do
art. 5º, § 6º da Lei nº 11.419/06.
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A produção de todas as provas legalmente admitidas, tais como testemunhais,
periciais, documentais e, especialmente, seja expedido ofício ao Comandante
Geral da PMGO, para que preste a informação postulada no item 3.3 dos
pedidos formulados no tópico anterior.
Embora seja de valor inestimável a causa, dá-se à presente
o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para efeitos legais.
Goiânia, 11 de novembro de 2016.
Vilanir de Alencar Camapum Júnior Promotor de Justiça
68ª Promotoria de Goiânia – Saúde do Trabalhador Assinado Eletronicamente