expansão portuguesa na região oriental do prata-dissertação 1997
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O trabalho trata da ação do Estado Português em direção ao sul do Brasil Colonial, evidenciando conflitos ocorridos e tratados que se firmaram ao longo do tempo até o Tratado de Badajós, assinado em 1801.TRANSCRIPT
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
A EXPANSO PORTUGUESA NA REGIO ORIENTAL DO PRATA: A AO DO ESTADO
LUSO
lvaro de Souza Gomes Neto
Dissertao apresentada no Curso de Ps-Graduao em Histria no Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, para a obteno do grau de Mestre em Histria. rea de concentrao Histria das Sociedades Ibero-Americanas.
Porto Alegre
1997
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SUMRIO
Introduo......................................................................................4
Cap.1 Estado Luso: Estrutura e Funcionamento....................8
Cap.2 Sacramento: confronto e envolvimento.......................19
Cap.3 Aorianos no processo de ocupao do sul colonial....44
Concluso.......................................................................................60
Bibliografia....................................................................................64
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Introduo
O estudo que ora se apresenta aborda o processo ocupacional portugus em uma
determinada parte da regio platina oriental. Responsvel pela expanso e a permanncia do
elemento portugus em algumas reas ao sul do Brasil-Colonial, nos sculos XVII e XVIII, o
Estado luso empreendeu uma ao que atuou como fator externo nessa dinmica.
O tema abordado neste trabalho diz respeito ao do Estado portugus durante o
processo de ocupao de reas, e a movimentao de alguns dos grupos sociais participantes
dessa ao. Analisa-se o grau de intensidade do poder estatal luso sobre estes grupos sociais.
Ressalte-se que dentro do trabalho realizado no foi inteno enfatizar a histria
da formao do que se denominou posteriormente de Rio Grande do Sul, mas apenas relacion-lo
como fazendo parte do processo de ocupao de reas e de conflitos entre Espanha e Portugal.
Neste sentido, as referncias objetivam ressaltar a ao do Estado luso, como conseqncia da
expanso portuguesa em parte da regio platina oriental.
O territrio que serve como ponto referencial deste trabalho refere-se parte da
rea situada no lado oriental do Rio da Prata. Assim, a Colnia do Sacramento e reas adjacentes,
incluindo as terras que formam o atual estado do Rio Grande do Sul, definem-se como sendo
parte da regio platina oriental. As referncias feitas a Buenos Aires so apenas na inteno de
ilustrar ou reforar determinadas situaes surgidas ao longo da anlise. Ressalte-se que no se
leva em considerao, portanto, a regio platina como totalidade, excluindo-se o lado ocidental
espanhol e o Chaco platino, por no serem objeto deste estudo.
Em funo do exposto, pode-se afirmar que os objetivos que balizam esta
pesquisa so: estudar a ao do Estado luso, agindo como fora externa em relao ao processo
de ocupao de reas na regio platina oriental e o carter dinmico desta regio em funo de
alguns grupos sociais participantes que, pelas suas prprias caractersticas, interagiam,
escapando, muitas vezes, ao controle estatal. Alm disso, buscou-se tambm demonstrar que o
processo de ocupao e de luta nesta regio, em relao ao Estado luso, foi resultado de foras
internas e externas, que, combinadas, ocasionaram a permanncia do portugus em determinadas
reas do sul-colonial.
Ressalte-se que o estudo dos fatores econmicos imprescindvel nesta
abordagem, na inteno de melhor entender o processo interativo scio-poltico que se apresenta.
Dentro deste contexto, admite-se como grupos sociais no apenas os aorianos em
particular, mas tambm jesutas, luso-brasileiros, espanhis e indgenas, no levando em
considerao qualquer outra classificao que estes grupos possam adquirir.
Em Sociologia um grupo social uma reunio definida de indivduos, dotada de
certa permanncia, cujos membros possuem relaes explcitas entre si.1 Nessa medida,
qualquer dos grupos anteriormente citados podem ser classificados como sendo grupos sociais.
Chinoy define grupo social como um certo nmero de pessoas cujas relaes se
fundam numa srie de papis e status interligados.2 Interagindo de forma relativamente
padronizada, so determinadas, em grande parte, pelas normas e valores que aceitam. Essas
pessoas so unidas e mantm-se juntas por um sentido de identidade comum ou mesmo uma
semelhana de interesses, permitindo distinguir-se entre os que so e os que no so membros.
Conforme Chinoy, o grupo social identifica-se por trs atributos: interao padronizada, crenas
e valores partilhados ou semelhantes e uma conscincia de espcie.3 Os grupos sociais tm sido
1RUNNEY Jay e MAIER, Joseph. Manual de Sociologia. Zahar : Rio de Janeiro, 1963, p. 89. 2CHINOY, Ely. Sociedade. Uma introduo Sociologia. Cultrix : So Paulo, 1973, p. 76. 3Idem, p. 76.
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classificados de diferentes maneiras.4 Tambm podem ser divididos quanto proximidade fsica,
objetivos comuns e funes simblicas. Alm disso, podem sofrer uma classificao mais
elaborada, como: a famlia, grupos por idioma e raa, grupos territoriais, grupos de conflito e
grupos de acomodao.5
Os agrupamentos humanos citados nesse trabalho podem ser classificados como
grupos sociais na medida em que possuem, mesmo diferenciadamente, caractersticas
mencionadas que os justificam como tais. A inteno, nessa abordagem, a percepo
diferenciada entre os vrios grupos humanos agindo em um processo de interao, o que
demonstra o carter dinmico existente na regio estudada.
Lembrando que em qualquer trabalho histrico o passado decomposto e as suas
realidades cronolgicas so escolhidas conforme preferncias e excluses conscientes.6 Dessa
forma, a delimitao cronolgica adotada define-se a partir da Restaurao do Estado portugus
(1640), estendendo-se ao perodo pombalino (iniciado em 1750 e findo em 1777). Justifica-se
pelo reaparecimento de um Estado independente, que assume certa caracterstica (carter
patrimonialista) e a transforma posteriormente a partir do reinado de D. Jos I (carter
burocrtico).
Para atingir os objetivos propostos apresentam-se trs captulos. No primeiro deles
estuda-se o Estado portugus na sua organicidade. Tido como atpico em relao aos outros
Estados absolutistas da Europa, segundo alguns autores, agiu conforme suas caractersticas
particularizadas. Se durante o sculo XVII o Estado luso imps uma poltica imperialista
territorial, mudou seus objetivos a partir da segunda metade do sculo XVIII. Tal transformao
foi acompanhada de mudanas organizacionais internas, nas quais o patrimonialismo cedeu lugar
ao Estado burocrtico.
Estas caractersticas so evidenciadas, nesta linha de anlise, na inteno de
identificar tipicamente o Estado, a fim de compreender suas aes no Prata. A ao poltica
empreendida pelo Estado portugus ao longo dos sculos XVII e XVIII na regio platina oriental,
foi resultante do processo de transformao sofrido por ele durante este perodo. Esta mudana
fez com que seus objetivos fossem alterados, passando da ao blica s relaes diplomticas.
No segundo captulo desenvolve-se um estudo sobre o estabelecimento e a
importncia poltico-econmico-social da Colnia do Sacramento. Fundada por portugueses
margem esquerda do Rio da Prata, em fins do sculo XVII, tornou-se o radical lusitano na regio
platina. Cumprindo vrias funes, entre elas, a de garantir a presena lusa, Sacramento foi de
vital importncia na expanso e ocupao portuguesa no sul-colonial.
Aglutinadora, mediadora, divergente, a Colnia do Sacramento cumpriu, durante o
tempo em que foi ponto de discusso entre Espanha e Portugal, diversas funes. Nessa medida,
tornou-se a legtima representante das aes na parte oriental da regio platina, coadjuvando
movimentaes de diversos grupos sociais, e servindo como instrumento de reivindicaes
polticas entre as duas naes ibricas.
Finalmente, no terceiro captulo, enfatiza-se o papel dos colonos aorianos como
instrumentos do Estado, na ao deste durante o processo ocupacional. Instrumentalizados a
partir do poder do Estado, esses imigrantes cumpriram funes especficas que garantiram a
presena portuguesa em determinadas reas do sul colonial. A preocupao governamental em
manter a posse de certas reas, direcionou os imigrantes a cumprirem funes polticas
prioritrias, em detrimento de outras, sociais e econmicas, evidenciando-se o exerccio do poder
estatal, nesta ao.
4KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia. Zahar : Rio de Janeiro, 1976, p. 242. 5Op. cit, p. 244. 6BRAUDEL, Fernand. Histria e Cincias Sociais. Presena : Lisboa, 1986, p. 9.
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O estudo se conclui na medida em que se demonstra, ao longo do trabalho, a ao
do poder estatal portugus interagindo com os grupos sociais que o representavam, mais
particularmente os luso-brasileiros de Sacramento e adjacncias, assim como os colonos
aorianos, durante o processo de ocupao lusa de algumas reas da regio platina oriental.
A dinamicidade social o tema central desse estudo. A interao entre o processo
ocupacional do Prata oriental e a formao da prpria regio, torna o territrio um emaranhado
social onde os diversos grupos humanos interagem, causando uma dinmica especfica regio
platina. Essa especificidade, a partir dos contatos entre os grupos sociais, com maior ou menor
participao dos Estados ibricos, mais especialmente o portugus, o que se tenta demonstrar
nos captulos seguintes.
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CAPTULO 1
Estado Luso: estrutura e funcionamento
Os sculos XVII e XVIII foram marcados por importantes transformaes, no que
tratou da histria de Portugal. A Restaurao, realizada em 1640, reinstalou a autonomia poltica
do Estado luso. A partir da, iniciou-se a busca pela consolidao do novo governo, tendo como
conseqncia lgica, um perodo de instabilidade, gerado pela transio. O reaparecimento de um
Estado Nacional politicamente independente, em Portugal, inaugurou uma nova fase de
monarquias absolutas, representadas por reis que, em maior ou menor intensidade, exerceram um
poder centralizado.
Ascenderam ao trono, no perodo entre a Restaurao e o Tratado de Santo
Ildefonso, os seguintes reis: D. Joo IV (1640-1656), Dna. Lusa de Gusmo (1656-1662), D.
Afonso VI (1662-1667), D. Pedro II (1668-1706), D. Joo V (1706-1750) e D. Jos I (1750-
1777).7
Esta abordagem no objetiva uma anlise mais aprofundada do processo de
formao dos Estados Modernos. inteno, no entanto, expor algumas caractersticas,
direcionando o estudo para as monarquias portuguesas dos sculos anteriormente citados.
A transio do feudalismo ao capitalismo um dos temas mais polmicos,
existentes entre os historiadores. Controverso, possibilitou, e ainda hoje o faz, amplas discusses
entre especialistas no assunto.8 No ocaso desse processo, define-se o Estado Moderno, tambm
chamado Estado Nacional, ou Estado Absolutista, como resultado de idias ainda divergentes.
Dessa forma, encontrar uma definio fechada para o termo absolutismo, no se torna possvel,
em funo do que foi exposto. No entanto, procurou-se exemplificar com algumas opinies, na
inteno de se chegar a uma generalidade, resultado do senso comum.
Alm da questo da definio do que foi o absolutismo na Europa, questiona-se o
tempo de permanncia em que este vigorou. Esta problemtica incide exatamente sobre o
conceito de absolutismo, visto alguns autores acharem que este sistema terminou com a
Revoluo Francesa, e outros, no entanto, no concordarem.
...no h tal meio temporal uniforme: pois os tempos dos absolutismos mais
importantes da Europa - Oriental e Ocidental - foram , precisamente, caracterizados por
uma enorme diversidade, constitutiva ela mesma de sua natureza respectiva, enquanto
sistemas estatais. [...]...a histria do absolutismo tem mltiplos e sobrepostos pontos de
partida e pontos finais dspares e escalonados. A sua unidade subjacente real e
profunda, mas no a de um continuum linear.9
O absolutismo na Espanha foi derrubado, pela primeira vez, em fins do sculo
XVI, mas o absolutismo russo s desapareceu no incio do sculo XX.10
Os historiadores
marxistas vem o absolutismo ligado a pontos que garantiram, em outros moldes, a permanncia
do feudalismo. O regime poltico da monarquia absoluta ligava-se a novas formas polticas, que
garantiam o controle e a explorao feudal. Isto se dava atravs de uma economia mercantil.11
7WEHLING, Arno e Maria Jos C. de. Formao do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994, p.153. 8Em relao a isso ver SWEEZY, Paul, DOBB, Maurice, e outros. Do Feudalismo ao Capitalismo. So Paulo : Martins Fontes,
1977. 9ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. So Paulo : Brasiliense, 1985, p. 194. 10Idem, p. 194. 11Lous Althusser. Montesquieu, a Poltica e a Histria. In : ANDERSON, ibidem, p. 19.
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Esta idia ratificada por Hill, quando diz que a monarquia absoluta foi uma forma de
monarquia feudal diferente das monarquias dos Estados medievais que a precedera.12
Para Engels, o poder do Estado, nos sculos XVII e XVIII, serviu como mediador,
mantendo o equilbrio entre a nobreza e o povo.13
Na opinio de Perry Anderson, o advento do
absolutismo apareceu como uma mudana importante, ocorrida na estrutura do Estado
aristocrtico.14 Nesse sentido, o autor considera que a resultante foi um aparelho real reforado,
tendo por funo poltica permanente reprimir as massas, dos campos e das cidades.15
Outros
historiadores, no marxistas, consideram o absolutismo formado a partir da desestruturao do
sistema feudal. Nessa medida, percebem uma transferncia do poder feudal para a realeza,
afastando-se de uma continuidade necessria. Sob esta tica, Serro afirma o absolutismo como
um sistema poltico dos Estados nascidos com a Idade Moderna, onde se atribua realeza uma
autoridade plena e de cariz divino.16 Assim , a autoridade do rei passou a controlar toda a
estrutura poltico-institucional. A centralizao poltica na pessoa do rei torna-se o ponto comum
entre as diversas correntes historiogrficas.
No entanto, o conceito de absolutismo revela-se mais complexo, se for entendido
em toda a sua dimenso poltica e sociolgica. Isto acontece devido complexidade dos fatores
que o formaram e que acabaram aparecendo na sua prpria estrutura. Esses fatores no surgiram
com igual qualidade e intensidade, nem no mesmo instante. Seria mais correto falar em
absolutismos do que em absolutismo, embora idnticas, so diversificadas as estruturas polticas
absolutistas e at por vezes muito afastadas no tempo.17
As transformaes econmicas ocorridas a partir dos fins da Idade Mdia, aliadas
a outros fatores, acabaram por centralizar a renda feudal no rei. Em vista disso, o absolutismo
apareceu com funes econmicas prprias (no apenas no sistema de tributos), ampliando-se a
partir da expanso martima e da formao de colnias. Esse sistema poltico aprofundou razes
na fora dos Estados, retirando os lucros da revoluo econmica, fruto da expanso ultramarina.
Os Estados autoritrios, portanto, passaram a representar o Antigo Regime, baseados na
centralizao poltica e no colonialismo.18
importante ressaltar o fator religioso, atinente ao sistema absolutista nos pases
catlicos. Na fundamentao do poder do rei encontrava-se a religio, que apareceu como ltima
base da ao poltica. O cetro que o rei detm deriva em ltima anlise de Deus e a religio ,
para ele, o que d a essncia atuao rgia.19 Em funo disso, o absolutismo veio imbudo,
em certos pases, de uma concepo poltica relacionada religio catlica romana. Portugal
inseriu-se nesse contexto. O binmio poltica-religio, atinente a estes Estados, caracterizou-se
no sculo XVII, aliado s mudanas econmicas e sociais.
Em Portugal, o Estado exerceu seu poder sobre a Igreja atravs do padroado.
Colocado sob a forma de proteo, o catolicismo foi a religio oficial e nica vigente no pas.
Traduzido como uma forma tpica de compromisso, entre a Igreja e o Estado portugus, o
padroado foi aceito por Roma como um acordo, e no como uma dominao poltica. Atravs da
unio dos direitos polticos da monarquia com os ttulos de gro-mestre de ordens religiosas, os
reis portugueses acumulavam o direito civil e religioso, principalmente nas reas coloniais.20
Tal
12Christopher Hill. Cincia e Sociedade In : ANDERSON, ibidem, p. 18. 13ENGELS, Friederich. A Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro : Civilizao Brasileira,
1979, p. 194. 14Op. cit. , p. 19. 15Idem, p. 20. 16SERRO, Joaquim Verssimo. Histria de Portugal. Lisboa : Verbo, 1980, vol.5, p. 193. 17TORGAL, Lus Reis. Ideologia Poltica e Teoria do Estado na Restaurao. Coimbra : Biblioteca Geral da Universidade,
1982, p. 155. 18SERRO, op. cit. , p. 193. 19
Op. cit. , pp. 234-235. 20
HOORNAERT, Eduardo e outros. Histria da Igreja no Brasil. Petrpolis : Vozes, 1979, p. 163.
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sistema dava aos reis o direito de cobrana e administrao dos dzimos eclesisticos. A partir do
sculo XVI a cobrana passou a ser realizada diretamente pela pessoa do rei de Portugal, alm de
zelar tambm pelo bem-estar espiritual dos habitantes das colnias lusas. Os reis portugueses
tornaram-se, na prtica, os chefes efetivos da Igreja, cabendo ao Papa, confirmar as atividades
religiosas praticadas por eles.21
Em nvel estrutural, foi instituda a Mesa da Conscincia e Ordens, para auxiliar
na administrao religiosa das colnias. Este rgo funcionava como uma espcie de
departamento religioso do Estado.
Constava de um tribunal composto de um presidente e cinco telogos
deputados juristas. Iniciou suas atividades em 1532. Seus despachos
informativos ao rei diziam respeito a estabelecimentos piedosos de
caridade, capelas, hospitais, universidades, resgates de cativos, parquias
etc. O provimento de todos os cargos eclesisticos e os assuntos
religiosos necessitavam o parecer jurdico da Mesa.22
Neste perodo criou-se uma situao de transio, que realmente caracterizou o
sculo XVII na generalidade, e pareceu salientar-se tambm em Portugal, por razes estruturais e
conjunturais.23
Em relao ao absolutismo existente em Portugal, sabe-se que este manteve-se fiel
concepes mais conservadoras. Se pelo lado econmico, o Estado luso conseguiu evoluir, em
certa medida, manteve-se esttico e conservador em nvel de estrutura poltica.24
Assim, marcado
por certas caractersticas, o Estado Nacional portugus assumiu, a partir de 1640, um tipo prprio
de definio. O Estado portugus, de 1640 a 1750, tomou a forma de uma monarquia
centralizada, sem, contudo, os reis exercerem poder de carter ilimitado. Cercados por uma
estrutura de apoio, esses monarcas criaram diversos rgos consultivos que acabaram por
influenciar em suas decises. Os reis portugueses tiveram sempre apoio de rgos de poder para
consulta ou execuo da poltica interna, externa e ultramarina.25 Essa realidade vem
demonstrar que os reis no exerciam um poder sem limites.
Essa cumplicidade no uso do poder, entre o rei e seus rgos consultivos,
descaracterizou, para muitos historiadores, a existncia do absolutismo em Portugal. No entanto,
importante perceber que, apesar das opinies serem levadas em considerao, a palavra final
sempre era do rei. Essa questo, portanto, , no mnimo, discutvel. Como no governo de D. Joo
V, acontecido entre 1706 e 1750, o poder real, em Portugal, foi resultado de uma poltica de
21
Op. cit. , p. 163. 22
Idem, p. 164. 23
Op. cit. , p. 236. 24
Informa Falcon sobre o absolutismo em Portugal : Muito mais atuante no campo econmico, [...], esse Estado mercantil, ao
mesmo tempo, converte os lucros do empreendimento colonial em fontes de sustentao, direta ou no, da aristocracia feudal em
crise. FALCON, Francisco Jos Calazans. A poca Pombalina. So Paulo : tica, 1982, p. 173. 25
Conforme Serro: Assim sucedeu com o Conselho de Estado, que no tempo de D. Pedro II, era formado por 10 membros, e
com os Secretrios de Estado, cujo nmero, at o reinado de D. Joo V, variou entre dois e trs membros. O voto dos
conselheiros era sempre tomado em conta pelo monarca. Sabe-se tambm que os secretrios de D. Pedro II, votavam em todos os
negcios que iam despachar.[...]...far-se- meno dos vrios conselhos e juntas que ajudavam o monarca na resoluo de
problemas financeiros, judiciais, militares e econmicos, um sistema que afastava o exerccio do poder exclusivo por parte de D.
Pedro II e, mais tarde, do seu filho e sucessor. SERRO, op. cit. , p. 194.
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fortalecimento contnuo, embora tenha sofrido oscilaes e vicissitudes vrias, acabando por
avanar decisivamente nos fins do sculo XVIII.26
A inexistncia de uma base doutrinria oficial no governo joanino certamente
contribuiu para dificultar a manuteno do poder decisrio, em nvel centralizado. Na medida em
que foi um governo de carter prtico, ensejou oportunidades para o surgimento de obstculos ao
exerccio do poder real. Isto no significa que a autoridade real e o poder absoluto no se
mantivessem, mas enfrentaram, como conseqncia, uma variao na intensidade do mando.
A reao obstaculizao do poder se fazia sentir, muitas vezes, de modo
violento. Em alguns casos a autoridade do rei D. Joo V sofreu indisciplina e desrespeito. Prises
e desterro da corte corresponderam preocupao de punir abusos e violncias. Afirmando o
carter flutuante do poder real destacam-se tambm os privilgios e as concesses dadas pelo rei,
principalmente s ordens eclesisticas, no que tange a impostos, sem, no entanto, aboli-los
totalmente.
Em relao Teoria Divina dos Reis, de Bodin, ressalte-se que, apesar de embasar
o poder das monarquias catlicas, era contraditria e limitava, na prtica, o exerccio do poder.27
Na verdade, a monarquia portuguesa mantinha uma estreita relao com a sociedade, em funo
da necessidade de defender a independncia ps-1640. Nesse sentido, a divindade dos reis no
cabia em Portugal, em virtude da aproximao entre o corpo social e o rei.28
Em relao a essa
questo alguns autores defendem uma monarquia mais liberal: 29
...havia em Portugal uma conscincia terica e prtica juspoltica que
se inseria numa tradio cultural escolstica, caracteristicamente
ibrica, onde se salientava a teoria da origem popular do poder
rgio.[...], esta teoria no chocava propriamente com as tendncias
centralizadoras do Estado e com um certo realismo e empirismo poltico
caracterstico do mundo moderno que desabrochava, que tambm em
Portugal se ia verificando dentro da sua prpria dinmica.30
Neste sentido, enfatiza-se que absolutismo no significa necessariamente
despotismo ou arbitrariedade.31 A limitao, porm, no caso do rei D. Joo V, se dava
justamente pelo fato do monarca ser vigrio de Deus, que, mesmo em um grau mais fraco,
desempenhava uma funo de promoo do bem comum e realizao da justia. Nessa medida, o
26
ALMEIDA, Lus Ferrand de. Pginas Dispersas. Estudos de histria moderna de Portugal. Coimbra : Faculdade de Letras,
1995, p.183. 27
DE CICCO, Cludio. Dinmica da Histria. So Paulo : Palas Athena, 1985, p. 83. Esse autor esclarece que a Teoria do
Direito Divino dos Reis foi obra do pensamento de Jean Bodin. Teoricamente concedia ao rei direito ilimitado de governo.
Contudo, havia uma diferena entre justia e lei, sendo que uma implica a eqidade enquanto a outra implica o mando. O rei
detinha o direito de mandar executar as leis da natureza ordenadas por Deus, mas no tinha o direito de cobrar arbitrariamente de
seus sditos, ou de tomar posse de suas terras, conforme mandasse sua vontade. 28
SERRO, op. cit. , p. 236. 29
Diz esse autor que tal concepo de monarquia radicava-se na Idade Mdia uma repblica christiana, organizada na base
da famlia e da propriedade; uma monarquia em que o rei, atravs de um pacto feito com o povo, reconhece e respeita as
liberdades, dos municpios, das corporaes, das famlias; uma monarquia em que o poder rgio, apesar de autoritrio,
limitado pelas liberdades existentes, no se afirmando no absoluto e no arbitrrio, mas s interfere para estabelecer a ordem e a
justia; uma monarquia em que apesar de existir uma centralizao poltica h tambm uma descentralizao administrativa. Op. Cit. , p. 30 30
Idem, p. 189. 31
ALMEIDA, op. cit. , p. 194.
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poder do soberano limitava-se pela moral e pelo prprio direito divino, assim como pelo direito
natural e das gentes. 32
Em realidade, o que se poder afirmar, pelas contradies aqui expostas, que D.
Joo V enfrentou, ao longo do seu governo, uma srie de obstculos que no puderam cercear em
definitivo o exerccio e o fortalecimento do poder real. Por ter sido um sistema de governo
desorganizado, agindo conforme as circunstncias, as dificuldades foram maiores.
Contudo, na continuidade desse processo, o aparelho de Estado ir se fortalecer,
chegando a atingir um rompimento poltico-ideolgico em relao aos governos anteriores,
quando no reinado de D. Jos I. O que no invalida as tentativas de manter e conservar o poder
centralizado, acontecidas desde a Restaurao.
Assim, o Estado portugus enquadrava-se dentro dos parmetros conceituais do
Estado Absoluto sui generis, por possuir uma estrutura administrativa diferenciada, em que os
diversos rgos criados pelos monarcas atuavam efetivamente na feitura e execuo das ordens
da Coroa, mas, onde a divinizao dos monarcas no se sustentava, em funo do carter popular
destes.
Uma das caractersticas fundamentais do feudalismo, que ele no criou, no
sentido moderno, um Estado.33 No sistema feudal, os poderes polticos foram corporificados,
caracterizando o Estado corporativo. O contrrio aparece no Estado Absolutista. O Estado que se
formou em Portugal passou a assentar-se em uma caracterstica patrimonialista, onde os
servidores desse Estado, integrados estruturalmente, eram vinculados ao poder centralizado. Foi
a partir do incremento do comrcio que o Estado patrimonial tomou corpo. O rei, ao centralizar o
poder, criou uma estrutura que foi conservada em conjuno com a economia e a administrao.
O sistema patrimonial, ao contrrio dos direitos, privilgios e
obrigaes fixamente determinadas do feudalismo, prende os servidores
numa rede patriarcal, na qual eles representam a extenso da casa do
soberano.34
A rede patriarcal pressupe um posicionamento de fidelidade. No entanto, a
fidelidade referida ao cargo de funcionrio patrimonial no exatamente aquela que faz com que
esse dito servidor pblico execute suas tarefas objetivamente, mas sim uma fidelidade natureza
pessoal, vinculado ao seu senhor, em grande parte baseada numa relao de afeto e devoo ao
seu rei.35
No patrimonialismo, o funcionrio escolhido de acordo com a confiana pessoal,
e no pela capacidade deste em exercer determinada funo, 36
. Nesse sentido, a Coroa passou a
exercer uma poltica de poder, quando, ao escolher os componentes dos diversos rgos
governamentais, f-lo pela confiana pessoal. Houve, na verdade, uma influncia sobre a
distribuio do poder, no interior do Estado. O monarca tornou o escolhido um membro poltico,
ao esperar por uma resposta adequada ao seu grau de confiana.
32
ALMEIDA, op. cit. , p. 194. 33
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Porto Alegre : Globo, 1979, vol.1, p. 18. Para este autor, o que acontece no
feudalismo a corporificao de um conjunto de poderes polticos, separados de acordo com o objeto de domnio, sem que as
diversas funes, privativas, sejam levadas em considerao. 34
Idem, p. 20. 35
WEBER, Max. Economia y Sociedad. Mxico : Fondo de Cultura Econmica, 1944, pp. 775-776. 36
Idem, p. 837.
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Dentro do Estado patrimonialista o poder se tornou uma realidade tangvel,
dividido entre o rei e seus representantes. Nessas circunstncias, o campo de poder atingiu no
apenas a unidade central, mas espalhou-se, delegando, subjetivamente, autoridade. Esta, mesmo
que no levada a termo, a nvel poltico, foi compartilhada, durante certo tempo. O poder a partir
de relaes de fora entre as posies sociais, garante aos seus ocupantes um quantum de fora
social.37
Assim, mesmo com possibilidade de lutas pelo monoplio do poder, reforou-se,
em Portugal, a presena do Estado absolutista existente que legitimou o poder centralizado,
mesmo lanando mo de instrumentos auxiliares. O Estado luso dividiria o poder, at o momento
em que sofresse ameaa de enfraquecimento, ou perda deste, o que, de fato, no aconteceu.
Essa afirmao poderia ser contestada, caso se levasse em considerao a
concentrao de poder ocorrida durante o governo do ministro Pombal, no reinado de D. Jos I.
Contudo, sem querer aprofundar discusses, ressalte-se que, mesmo aglutinando funes
poltico-administrativas, em nenhum momento a Coroa foi ameaada de deposio. Nessa
medida, a ao do Marqus de Pombal visou sempre o mantenimento e o fortalecimento do
poder centralizado, representado pelo rei D. Jos I.
Percebe-se, portanto, que, mesmo o rei respeitando e levando em considerao os
vrios pareceres de seus representantes, estes estavam diretamente vinculados ao seu bem-estar e
preservao do Estado. Em Portugal, o Estado passou por dois estgios distintos e importantes:
o patrimonialista e o burocrtico. Embora o segundo tenha conservado traos do primeiro, a
diferena aparece atravs da ao administrativa e econmica.
O Estado patrimonialista surgiu a partir do desenvolvimento do comrcio,
expandindo-se com a expanso martima e a formao de colnias. Dessa forma, a chamada
monarquia territorial preocupou-se mais especificamente com a expanso, ocupao e
preservao de reas coloniais, do que com a administrao das mesmas. Explica-se, dessa
maneira, porque Coroa interessava mais funcionrios leais a ela, que garantissem com sua
pessoa a preservao territorial.
Em relao regio platina, a prpria fundao da Colnia do Sacramento
demonstra essa idia, e tambm na medida em que, nessa ao, foram designados militares para
proteg-la. claro que o constante estado de guerra em que Sacramento se encontrava, assim o
exigia, mas, no sculo XVIII, ao preocupar-se com a administrao colonial, o Estado acabou
cedendo a Colnia aos espanhis.
Assim, a ao do Estado foi permeada pela tentativa de conquista e ocupao de
territrios no sul-colonial, desde fins do sculo XVII at a metade do sculo XVIII. A partir da, a
poltica administrativa apareceu mais fortemente, com o surgimento do Estado burocrtico.
Portugal expandiu-se economicamente a partir do sculo XVI, originando, nessa ao, um Estado
monopolista, atuando como elemento reforador do poder. No sculo XVII, ps-Restaurao,
Portugal comeou a atravessar uma crise econmica e territorial. Em vista disso, verificou-se o
desejo de um controle da economia e das finanas por parte do Estado, caracterstico do
absolutismo.38
Como foi salientado, a Coroa criou uma estrutura organizacional, visando buscar
apoio, tanto poltico quanto administrativo. A partir de 1640, os monarcas portugueses
estabeleceram prioridades administrativas. Foram criados o Conselho de Guerra (1640), a Junta
37
BOURDIEU, R. O Poder Simblico. Lisboa : Difel, 1989, p. 27. 38
Op. cit. , p. 247.
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dos Trs Estados (1643), o Conselho Ultramarino (1643), a Junta do Comrcio (1649), alm de
ser reformado, em 1642, o Conselho da Fazenda.39
Foi restabelecido, tambm, o cargo de Secretrio de Estado, alm da presena de
ministros, para auxiliarem nos despachos. Nessa continuidade, surgiram as Secretarias de Estado
e das Mercs e Expedientes. Somados a isso, foram aumentados os rgos consultivos, em
Conselhos, Mesas e Juntas, com a finalidade de apoiarem a administrao do sistema
ultramarino, cujo rei centralizava o poder.40
Criado em 1642 e efetivado em 1643, o Conselho Ultramarino ocupava-se da
administrao e das finanas do imprio colonial portugus. Os interesses comerciais lusos,
resultantes do comrcio ultramarino, passaram a ser representados atravs do Conselho. A
existncia de tal rgo demonstra que o Estado luso iria, a partir da, ocupar-se com mais
seriedade dos negcios do ultramar, mais precisamente a frica e o Brasil.41
Os membros da presidncia do Conselho eram escolhidos pelo rei, entre a alta
nobreza. Destacaram-se os condes de Vale de Reis (1674), de Alvor (1693), de So Vicente
(1708), e de Tarouca (1749). O nmero de conselheiros oscilou entre trs e seis membros.
Quanto aos conselheiros, alguns tiveram notadas atuaes, tais como Bernardim Freire de
Andrade (1694), Gonalo Manuel Galvo de Lacerda (1724), Martinho Mendona de Pina e de
Proena (1738), e o mais conhecido, pela sua atuao na elaborao do Tratado de Madri,
Alexandre de Gusmo (1743). 42
Em 1736, o Conselho Ultramarino passou a ser subordinado Secretaria de
Estado dos Negcios da Marinha e Domnios Ultramarinos. O perodo de maior poder de atuao
situou-se entre os anos de 1750 e 1770, em virtude da grande documentao despendida,
conforme informa Hellosa Bellotto.43
A crescente importncia atribuda ao Conselho, ao longo
do tempo, atestou a influncia deste na poltica e na administrao do Estado, sobre as colnias
lusas. As decises e as ordens emitidas, com o aval da Coroa, atuaram na movimentao do
processo de ocupao. A fundao da Colnia do Sacramento, a sua manuteno, e a vinda de
colonos aorianos ao sul colonial, foram exemplos marcantes dessa participao.
A conjuno poltico-administrativa impediu o desenvolvimento de setores que,
por interesses privados, quisessem desvincular-se do poder central. Assim, conjugando a
economia e a administrao, a Coroa exerceu um maior controle sobre os segmentos sociais. A
estrutura patrimonial estabilizou a economia, expandindo o capitalismo comercial, mas, de certa
maneira, estancou o desenvolvimento do capitalismo industrial. O patrimonialismo no ofereceu
condies para o desenrolar desse processo. O monoplio, mesmo fomentando intensamente as
trocas, reduziu a burguesia nascente a simples intermediria, na compra e venda de produtos.44
O
monoplio era fruto do mercantilismo. Nesse sentido, a arte de governar, praticada pelo monarca,
revelou-se mais fortemente quando este racionalizou o poder que o Estado lhe conferiu.
39
Na seqncia, Serro informa que o Conselho de Guerra tinha por funo a expedio de ordens para os exrcitos (terra e
mar), opinando junto ao rei na ocupao de cargos militares e julgando os crimes dessa jurisdio. A Junta dos Trs Estados
administrava os recursos usados na guerra contra a Espanha, os soldos, o abastecimento das tropas e materiais necessrios
mesma. Era composta por seis membros, eleitos em Cortes. A Junta do Comrcio garantia a navegao comercial com o Brasil.
Competia-lhe a nomeao de generais, almirantes e capites das frotas mercantes, alm do provimento dos armazns, cobrana de
direitos alfandegrios e pagamento dos encargos respectivos. Op. cit. , pp. 332-333. 40
Idem, p. 125. 41
Ibidem, p. 88. 42
Ibidem , p. 277. 43
Cf. Hellosa Liberalli Bellotto. O Estado portugus no Brasil: sistema administrativo e fiscal. In : SERRO, Joel e
MARQUES, A.H. Oliveira. Nova Histria da Expanso Portuguesa. O Imprio Luso-Brasileiro 1750-1822. Coordenao de
Maria Beatriz Nizza da Silva. Lisboa : Estampa, 1986, vol.8, p. 289. 44
FAORO, op. cit. , p. 201.
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O mercantilismo tornou-se um instrumento para que o Estado se identificasse
como tal, e pudesse ser utilizado como ttica de governo. Ao mesmo tempo em que isso
aconteceu, o processo acabou por ser cerceado, quando a fora do rei tornou-se o principal
objetivo.45
Assim, por se ter desenvolvido um grande aparelho de Estado,46
o cerceamento da
economia, pelo exerccio do poder centralizado, justificava a posio subordinada da burguesia
portuguesa, afastada das decises econmicas. 47
No que tratou da ocupao da rea platina, das constantes lutas entre luso-
brasileiros e espanhis, a realidade evidenciou-se nas caractersticas do Estado portugus, no
perodo. Preocupado com o apossamento de territrios, no sculo XVII, principalmente, o Estado
luso tratou de justificar a ao ocupacional atravs da guerra defensiva. A Colnia do
Sacramento, s margens do Rio da Prata, era defendida militarmente, em funo da agressividade
do imperialismo espanhol.
Ideologicamente, a partir de Sacramento, a preservao do territrio conquistado
assentou-se no mantenimento de uma rea que, por direito, pertencia ao Estado luso, segundo a
sua prpria concepo. Os autores portugueses do sculo XVII percebiam a violncia do
imperialismo espanhol, que no respeitava direitos e agredia Estados cristos europeus. A
Espanha, para esses autores, tinha um desejo ambicioso de expanso militar e econmica no
ultramar.48 No rastro, portanto, de um Estado patrimonialista, estruturado organicamente para
servir a uma monarquia centralizada, seguiu a teoria da defesa das gentes, dos direitos e dos
pases cristos.
Ao aproximar-se a segunda metade do sculo XVIII, a composio orgnica do
Estado luso mudou. Ao reinado de D. Jos I (1750-1777), alinhou-se a crise econmica colonial,
com o declnio da produo de ouro e o cerceamento da expanso territorial, esboada no
Tratado de Madri e sancionada em tratados posteriores.
A poltica de conquista de territrios deu lugar administrao e preservao das
reas conquistadas, e negociao diplomtica, envolvendo espaos ainda no oficializados. O
antigo Estado patrimonialista, composto por agentes da confiana do rei, cedeu lugar ao Estado
burocrtico, tecnicamente mais capacitado, preservando, ao mesmo tempo, o bem-estar da
monarquia, no sentido poltico-administrativo.
Todavia, com a invaso espanhola aos atuais territrios do Rio Grande e Santa
Catarina, compunha-se o Estado luso, paralelamente ao intento administrativo, reao armada.
Esse enfrentamento militar, sob ordens governamentais, justifica-se na poltica mantenedora de
reas j ocupadas, e consideradas parte da colnia brasileira. Dessa forma, mesmo parecendo
descaracterizar-se, dentro da nova poltica estatal que viria adotar, agia o Estado burocrtico
pombalino, de acordo com esses novos objetivos. Era primordial manter espaos j preenchidos
por portugueses, em funo do prprio processo administrativo dessas reas coloniais. O governo
do ministro Pombal (1750-1777), iniciou o sistema burocrtico, quando tecnocratas de nuances
estrangeiradas procuraram desembaraar a rede de cargos e funes, formada em governos
anteriores.49
A monarquia e a burocracia constituram uma verdadeira superestrutura, garantindo
45
FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 1992, p.284. 46
Segundo Foucault, ...a partir dos sculos XVII e XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnolgico da produtividade
do poder. Nesse perodo, as monarquias instauraram procedimentos, fazendo circular os efeitos do poder de modo contnuo, em todo o corpo social. Idem, p. 288. 47
Utiliza-se o termo aparelho de Estado segundo a concepo althusseriana, sem levar-se em conta, conforme o prprio
Althusser, a comprovao de tal conceito. Conforme este autor, no aparelho de Estado, a coero fsica condio imanente,
exceto na coero administrativa, que pode tomar formas no fsicas, agindo, neste caso, o poder de Estado sob forma indireta.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideolgicos de Estado. Rio de Janeiro : Graal, 1983, p. 70. 48
Op. cit. , p. 339. 49
Op. cit. , p. 267.
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ao Estado o controle sob os mais diversos nveis.50
Dessa maneira, a formao desse extenso
poder de controle, por parte do Estado, atingiu todas as reas do imprio, alm daquelas que
poderiam ser anexadas a ele.
Em relao ao Brasil, o Estado instituiu uma rede burocrtica que acabou por
constituir-se no instrumento de controle do Despotismo Esclarecido. Sob a administrao de
Pombal, o Estado passou a controlar seus aparelhos, tanto religiosos como os relativos censura,
educao, assim como polticos e econmicos.51
Foi em funo dos novos tempos enfrentados
pela Metrpole, que mudou o rumo do Estado luso. O pombalismo responsabilizou-se por essas
mudanas, assumindo, de certa forma, os destinos da nao. O governo de Pombal teve,
concretamente, o objetivo de salvar economicamente o pas, e desprend-lo da economia inglesa.
Isto significou a virada do absolutismo, que deixou de condicionar-se na nobreza,
transformando-se na afirmao de uma burguesia intelectual e mercantil. Alm disso, fez surgir
um novo clero e uma nova nobreza.
Este processo de transformao caracteriza concretamente uma mudana poltica e
ideolgica, iniciada j a partir do incio do sculo XVIII. Apesar do esplendor e do luxo vivido
pela corte de D. Joo V, assentada num fluxo aurfero crescente, os primeiros indcios
aconteceram em meados deste sculo, marcado pelo volumoso contrabando e o crescimento do
aparelho burocrtico. O aumento dos funcionrios estatais, ao longo do sculo XVIII, acabou por
constituir um grupo independente em relao camada nobre, fazendo crescer a especializao
funcional, o que fez por favorecer a burguesia que competia com a nobreza pela ocupao dos
cargos pblicos. Efetivou-se num crescendo a modernidade, anunciando-se sob D. Joo V e
desencadeando-se, como processo, sob D. Jos I. 52
No entanto, apesar do Estado se diversificar
internamente, no deixou de gerar conflitos e divergncias em sua estrutura. 53
Dessa maneira, estruturou-se o Estado burocrtico alinhando a aristocracia
senhorial, a nobreza e o clero com os integrantes do aparelho burocrtico, que passaram a dividir
o poder com aquelas camadas dominantes. A conjuntura poltica do Estado burocrtico, desta
forma, caracterizou-se pela constituio deste novo bloco de poder, onde interesses econmicos
e/ou comerciais, aliam-se aos polticos na preservao no apenas da eficcia de um Estado cada
vez mais tecnicista, mas na administrao e definio de reas perifricas, tanto a nvel de
colnias constitudas, como de territrios disputados em perodos precedentes.
O pombalismo representou a primeira grande tentativa - que as
prprias circunstncias graves haviam criado - de encarar de frente os
grandes problemas econmico-polticos do pas...A nvel ideolgico, tal
absolutismo orientou-se sua maneira, pelas vias do despotismo
50
Idem, p. 267. 51
Op. cit. , vol.1, p. 7. 52
FALCON, op. cit. , p. 152. 53
Falcon refora e explica em parte esta questo: Na prtica, portanto, o processo de debilitao
do poder do Estado, com suas inevitveis seqelas, traduzidas sob a forma de inrcia, ineficincia e aumento da
corrupo no aparelho burocrtico abriu caminho aos descontentamentos e s pretenses daquelas camadas ou
grupos da burguesia mais diretamente prejudicados, ou mais dispostos a contestar o crescimento relativo da
aristocracia. Desse modo, o poder do Estado tendia, na prtica, a tornar-se objeto de disputas, incessantes e renhidas,
entre as diversas fraes de classes a ele mais diretamente ligadas, ou seja, o prprio bloco no poder apresentava
fissuras que o comprometiam e paralisavam, em termos gerais. Op. cit. , p. 372.
-
esclarecido, afirmando assim, sem subterfgios, a origem divina do
poder real e a concentrao total da soberania no poder.54
Assim, atravs da especializao de funes do Estado burocrtico, o governo
pombalino passou a controlar mais amplamente tudo o que, de uma maneira ou de outra, estava
ao alcance do poder do Estado. Enfatiza-se aqui uma ruptura concreta com a ideologia vigente
at ento, que se pode considerar tradicional, enraizada ps-Restaurao. Neste raciocnio, se
permite pensar que na verdade o Estado burocrtico, consolidado sob Pombal, no pode ser
colocado sob uma perspectiva continuista, pois renovou-se ideologicamente, caracterizando-se
mais firmemente como um perodo que se inicia, com nuances prprias, do que ligado ao perodo
que o precedeu.
Na medida em que no pombalismo o Estado manteve slidas caractersticas no
nvel econmico, radicalizou-se em outros nveis.55
Pensa-se, neste caso, a ao administrativa
colonial e a poltica externa adotada pelo Estado luso, que traduziu-se em tratados bilaterais e
jogos diplomticos, no lugar do constante e crescente estado de beligerncia e territorialidade.
Atenta-se que no plano poltico a ao se revelou com posicionamentos radicais,
marcando cada vez mais o fortalecimento do Estado em seus aparelhos e em suas bases sociais.
Isto no seria possvel sem a ruptura com o poder eclesistico e com a ideologia desse poder.56
O
choque com o poder jesutico era inevitvel, eliminando a autonomia da Inquisio, e abrindo
para uma metamorfose das mentalidades inseridas nesses conflitos, alm de possibilitar o
reformismo que acabou por caracterizar o governo pombalino.57
Neste sentido, os discursos do Estado pombalino revelaram-se com uma relativa
diversidade de perspectivas, pois expressaram formas de pensamento e nveis de conscincia
que se contrapunham ideologia oficialmente defendida pelo aparelho ideolgico dominante - a
Igreja - e seus aparelhos subsidirios.58 A Igreja passou, dessa forma, a assumir vrias
atribuies dentro do Estado.59
Caracterizou-se, na prtica, as disposies do governo que se instaurava, sob a
coroa de D. Jos I e sob a gide do Marqus de Pombal. Nessa medida, se reorganizou e se
reforou o aparelho de Estado, visando no apenas definir funes internas, mas recuperar as
rendas nacionais atravs da eliminao dos canais burocrticos que impediam e/ou diminuiam a
circulao comercial e a arrecadao fiscal. A preocupao em fazer funcionar a mquina do
governo em novas bases organizacionais atingia diretamente o mantenimento das reas coloniais.
E aqui aparece uma questo fundamental, que diz respeito ao do poder do
Estado luso sobre territrios em disputa e reas coloniais sob seu domnio. Questionou-se nesse
momento a eficcia desse poder, ameaado de deslocamento, ao menos em potencial, dessas
reas perifricas. O Estado perdia progressivamente a sua presena nos territrios perifricos,
54
Op. cit. , vol 1, p. 7 55
FALCON, op. cit. , p. 225. 56
Idem, p. 225. 57
Ibidem, p. 226. 58
Ibidem , p. 227. 59
Cf. Althusser: ...no perodo histrico pr-capitalista [...] evidente que havia um aparelho ideolgico de Estado dominante,
a Igreja, que reunia no s as funes religiosas, mas tambm as escolares e uma boa parcela das funes de informao e de
cultura. No foi por acaso que toda a luta ideolgica do sculo XVI ao XVIII, desde o primeiro abalo da Reforma, se concentrou numa luta anti-clerical, anti-religiosa. Foi em funo mesmo da posio dominante do aparelho ideolgico do Estado
religioso. Ressalte-se que aparelhos ideolgicos de Estado, segundo Althusser, definem-se por funcionarem principalmente atravs da ideologia, e secundariamente atravs da represso (atenuada, dissimulada ou simblica). ALTHUSSER, op. cit. , p.
78.
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mais precisamente no ultramar. Isto era reflexo de uma certa incapacidade de ao eficaz do
aparelho de Estado produzindo resultados altamente negativos, sob vrios aspectos. A ameaa
dos pases rivais, que aumentavam sua audcia e ambio, como o caso dos espanhis na regio
oriental platina, preocupava muito o Estado portugus.60
Alm disso, isolava grupos sociais, instituindo veleidades autonomistas que
comprometiam a prpria estabilidade das reas perifricas, e do sistema colonial como um todo.
Isto afetava no apenas a ecomonia estatal, pelo aumento dos contrabandos, reduo dos quintos
e diminuio de rendimentos, mas atingia diretamente o poder poltico do Estado luso, que
enfraquecia-se e at mesmo, em certos momentos, desaparecia totalmente.
Na ao direta da transformao, aparece novamente a violncia e a coero como
fatores e instrumentos caractersticos do Estado burocrtico, que se impunha. Se fazia presente
...a eliminao sistemtica de todas as formas de oposio ao poder do Estado absolutista luso
[...] alm de corrigir abusos e modernizar a estrutura administrativa, centralizando decises em
escala crescente.61 A coerso mantida tambm sobre os jesutas. 62 Essa violncia processou-
se fora dos limites teoricamente aceitos pelo poder de Estado absolutista, envolvendo grupos e
instituies suspeitos de desafiarem, de alguma forma, o poder do Estado. Refora-se aqui o uso
desta violncia sobre determinados grupos sociais na regio platina oriental e no sul do Brasil
colonial, especificamente os colonos aorianos, instrumentalizados como frutos deste poder.
No plano diplomtico, os tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777),
foram significativos, por retratarem os novos objetivos do Estado luso, e representarem
definies que se enquadravam com suas novas necessidades administrativas. Na verdade,
politicamente o Tratato de Madri iria representar, caso fosse levado a cabo, o incio do trmino
das lutas armadas e dos conflitos fronteirios hispano-portugueses. Tal atitude coadunava-se
ideologicamente com o Estado que se concretizava, em bases mais administrativas e
preservadoras de reas. Contudo, apesar deste Tratado ter sido anulado pelo de El Pardo (1761),
a poltica de reconciliao com a Espanha no cessou, mas concretizou-se com o Tratado de
Santo Ildefonso.
preciso dizer que quando o Marqus de Pombal assumiu o ministrio luso em 3
de agosto de 1750, o Tratado de Madri j havia sido assinado em 13 de janeiro do mesmo ano; e
tambm a sada de Pombal do governo acontecida em 4 de maro de 1777 precedeu a assinatura
de Santo Ildefonso, que foi em outubro deste ano.63
Isto quer dizer que no se pode atribuir ao
governo pombalino exclusivamente, a responsabilidade pelas atitudes geradas pela mudana
ideolgico-poltica ocasionada neste perodo. Na verdade, o Estado constituiu-se numa estrutura
muito maior que os desmandos de um nico ministro. Destaque-se a importncia de Pombal, mas
insira-se tal governo como fazendo parte do processo de transformao por que sofreu o Estado
luso, a partir da segunda metade do sculo XVIII.
Ressalte-se tambm que a luta armada empreendida pelos portugueses, contra as
invases espanholas, entre 1762 e 1777, inter-relaciona-se poltica de preservao de reas j
conquistadas, para oportunizar uma organizao administrativa mais eficaz. O estado de
beligerncia foi de ocasio, originado pela agressividade castelhana, desprendendo-se da
ideologia imperialista e territorial anterior. Revela-se assim uma mudana expressiva realizada
no Estado luso, no plano poltico-administrativo, onde os tratados firmados a partir de 1750
60Op. cit. , p. 373. 61Ibidem, p. 374. 62Ilustre-se aqui a questo da violncia sobre os jesutas, embora estes no sejam objeto deste estudo. Cita Avellar: fase restritiva ir seguir-se outra, repressiva precedendo punitiva. AVELLAR, Hlio de Alcantara. Histria Administrativa do Brasil. Administrao Pombalina. Braslia : FUNCEP, 1983, p. 27. 63
RODRIGUES, Jos Honrio e SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma Histria Diplomtica do Brasil (1531-1945). Rio de Janeiro :
Civilizao Brasileira, 1995, p. 96.
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expressavam estes objetivos, complementando de uma maneira transformadora o processo de
ocupao de reas meridionais. O que interessou ressaltar, todavia, foi a necessidade de se
identificar que tipo de Estado atuou no processo de expanso e ocupao portuguesa, na rea
platina oriental, e no sul do Brasil-colonial.
Mostrou-se, num primeiro momento, o ressurgir do Estado Nacional portugus,
ps-Restaurao, assim como sua composio orgnica e seu pensamento poltico-
administrativo; posteriormente, exps-se as mudanas ocorridas, em funo da crise econmica e
territorial e de uma nova ideologia poltica. Nas prximas abordagens aparece esse Estado agindo
de acordo com o perfil aqui apresentado, onde, de certo modo, so justificadas suas aes
poltico-administrativas, e diplomticas.
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CAPTULO 2
Sacramento: confronto e envolvimento
No inteno recuar ao tempo do Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494, mas
ressaltar que a regio localizada ao sul do Brasil - Colonial era, desde esse perodo, objeto de
discusso de posse, na medida em que a linha demarcatria no mais definia limites polticos
respeitveis. Apesar de causar conflitos entre os colonos que vieram para a regio, foi com a
fundao da Colnia do Santssimo Sacramento que esta questo agravou-se perigosamente.
Qualquer ao lusitana nessa rea justifica-se teoricamente em funo do significado que passa a
ter um territrio colonial para um Estado. Passa a ser, quando conquistado ou incorporado na sua
comunidade poltica, um espao a ser salvaguardado, defendido e usufrudo, estando refletidas
nessa rea, suas linhas de ao poltica, caracterizando seu domnio e ao mesmo tempo,
permitindo seu desenvolvimento e prestgio.
Ressalte-se que o jogo diplomtico empreendido pelos reis espanhis e
portugueses no foi capaz de dirimir antigas rivalidades, no sendo o Tratado de Tordesilhas o
instrumento esperado que permitisse estabelecer concordncias mtuas, principalmente em
relao bacia do Rio da Prata.64
Desde antes da fundao de Sacramento, o Estado portugus
preocupava-se com a expanso territorial rumo ao sul. O bandeirantismo, em seu avano
irregular e no-oficial tomara a iniciativa, mesmo que no intencional, de aumentar o territrio,
onde a presena portuguesa passou a fazer-se sentir.65
O esprito bandeirante foi o responsvel
pelo avano do Brasil para o Oeste. Se num primeiro momento, esta ao foi devastadora, em
seguida transformou-se em colonizao, pondo em prtica uma dilatao fronteiria irreversvel.
Esta realidade tornou-se um imperativo econmico, reconhecido pelo Prncipe D. Pedro, atravs
de atos polticos e administrativos.66
Um imperativo econmico que iria, forosamente,
transformar-se em um imperativo poltico. Nessa dilatao seriam atingidos os interesses do
lado espanhol. Os antecedentes da luta que se travou, a partir da Colnia do Sacramento,
atestaram a importncia da expanso territorial. O papel do Estado luso neste sentido foi
decisivo, corroborado por doaes de terras na regio:
Em 1676, apagado o pesadelo da era dos Filipes, o Regente D. Pedro
doou ao Visconde de Asseca e a Joo Correa de S, neto e filho,
respectivamente de Salvador Correa de S e Benevides, dois largos
64CESAR, Guilhermino. Histria do Rio Grande do Sul. Perodo Colonial. So Paulo : Editora do Brasil, 1970, p. 49.
65Srgio Buarque de Holanda informa: Em relatrio de 1647 onde advogara a convenincia de se redigirem as capitanias do
sul numa unidade administrativa independente da autoridade do governador da Bahia, maneira do Estado do Maranho,
Salvador Correia de S e Benevides tinha proposto a criao de uma nova capitania hereditria, com seu centro em Santa
Catarina, destinada a ele prprio, que se comprometia a coloniz-la e aument-la sem nus para a Real Fazenda. [...] Embora
levadas as peties ao Conselho Ultramarino, tiveram consulta favorvel em maro de 1658 e meses mais tarde foram apoiadas
por uma informao do Provedor e Procurador da Fazenda Real, Salvador Correia de S no tomou posse, e nem seu oponente
Agostinho Barbalho Bezerra, a quem teria sido concedida a referida Capitania. Conforme HOLANDA, Srgio Buarque de. (direo) Histria Geral da Civilizao Brasileira. - A poca Colonial - Do Descobrimento Expanso Territorial. So Paulo
: Difel, 1976, vol.1, p. 323. 66
Op. cit. , p. 49.
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quinhes de terra nessa faixa at ento abandonada da costa brasileira.
Ao faz-lo tomou como limite setentrional a Laguna (que era, por sua
vez, o ponto mais meridional da primitiva Capitania de Santana, doada a
Pero Lopes de Souza) e mencionando que a propriedade correria da
para baixo at a boca do Rio da Prata.67
Havia uma extensa rea de terras sem donatrios estendendo-se da costa do Rio
Grande do Sul at a boca do Rio da Prata. As terras, cerca de trinta lguas, deveriam ser
ocupadas por doao do Estado, em continuidade outras terras anteriormente cedidas.68
O
interesse em receber doaes de reas localizadas ao sul, por particulares, deveu-se
principalmente ao comrcio mantido por estes com os centros urbanos espanhis, localizados s
margens do Rio da Prata. A importncia desse comrcio era to grande, que se fazia necessrio
um meio de ligao entre os centros urbano-comerciais platinos e os grandes centros de comrcio
e escoamento de produtos, localizados no Brasil.69
Dessa forma, a prata extrada das minas
espanholas, e o lucro advindo do comrcio realizado com estes centros, despertava ambies de
indivduos que tinham alguma influncia junto ao poder central.
Buenos Aires encontrava-se numa situao peculiar em relao ao Imprio
Espanhol. Servindo como porto de escoamento da prata que vinha do Peru pela rota de Crdoba,
era alvo de grande atividade comercial e criao de gado. Buenos Aires h muito tempo vinha
mantendo relaes comerciais ilegais, do ponto de vista oficial, com cidades brasileiras como
So Vicente e Rio de Janeiro. Havia contatos entre Buenos Aires e comerciantes do Rio de
Janeiro, alm do prprio Salvador Correia de S e Benevides, antigo governador, membro do
Conselho Ultramarino de 1644 a 1680 e grande proprietrio territorial.70
Essa questo refora um
ponto importante, isto , o interesse de particulares em estender o Imprio luso at s margens do
Prata, baseado em adquirir benefcios prprios ou continuar, e melhorar, atividades que j
vinham desenvolvendo anteriormente. Na verdade, no se pode negar a influncia desses
indivduos sobre as decises do Estado, que mesmo no demonstrando oficialmente, por certo
no as ignorou por completo. Contudo e apesar disso, coube Coroa a iniciativa de pr em
prtica essa expanso, com a fundao de Sacramento, alguns anos depois. Assim, apesar da
posse no ter-se efetivado, e tendo as terras voltado ao poder real, atesta-se aqui a preocupao e
o interesse da Coroa lusa em fazer povoar uma rea que apesar de no estar bem definida, era
tida como de propriedade portuguesa.
A expanso territorial at o Rio da Prata era significativa pela importncia que o
referido rio tinha em relao navegao, ao transporte de mercadorias, ao contrabando e ao
comrcio que se estabeleceu na regio. O Rio da Prata continuou sendo, a partir desse momento,
67
Idem, p. 49. 68
Conforme Jos Honrio Rodrigues, a Carta Rgia de 17 de julho de 1674, que faz esta doao, encontra-se in Documentos
Histricos, transcrita por Capistrano de Abreu in Nota 9, p.17, da introduo Histria Topogrfica e Blica da Nova Colnia do Sacramento do Rio da Prata, de Simo Pereira de S. Rio de Janeiro, 1900. Op. cit. , pp. 82-83. 69
Segundo Srgio B. de Holanda, Salvador Correia de S redige um memorando em 1643, em resposta indagao de Sua
Majestade sobre o melhor meio de reabrir-se o comrcio entre o Brasil e Buenos Aires, tendo em vista a prata que vinha
antigamente atravs desse porto. A soluo encontrada foi, sem mais nem menos, a da remessa de uma camada para tomar o
porto, com o apoio por terra dos paulistas que marchariam com o mesmo destino atravs do Paraguai. Assim facilitava-se o
intercmbio desejado, assegurava-se grande proveito em carnes para o sustento do Brasil e em couramas finalmente ganharia Portugal alm do esturio do Prata, o caminho seno o prprio tesouro de Potosi. Op. cit. , p. 324. 70
Op. cit. , pp. 124-125. Vale ressaltar que o rei D. Joo V havia morrido, estando no trono de Portugal D. Lusa de Gusmo,
como Rainha Regente, at a ascenso de D. Afonso VI. Na questo acima fica claro o intento dos polticos influentes na inteno de estender o territrio portugus at o Prata. Apesar do no atendimento imediato das idias e sugestes advindas desses
homens, que tinham tambm interesses comerciais bastantes fortes, a presso exercida certamente foi importante nas aes
posteriores do Estado luso.
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o ponto de referncia e de interesse dos Estados Ibricos. A mudana de direcionamento, ao se
tratar da regio platina, fez a Coroa lusa buscar apoio na Igreja Catlica:
Muitos fatos, nesse perodo, atestam a mudana de orientao da
Metrpole no que respeita ao recuo do meridiano de Tordesilhas. [...] E
ao mesmo tempo se pode dizer da bula Romani Pontificis, que erigiu o
Bispado do Rio de Janeiro, dando-lhe como limites austrais o Rio da
Prata.71
A possibilidade do Estado luso ter sofrido forte influncia pela elaborao da bula
Romani Pontificis, e decidido estender seus domnios at o Rio da Prata confirmada pela quase
imediata cogitao da realizao desse projeto, logo aps sua assinatura pelo Papa.72
O apoio
indireto da Santa S ao Estado luso, permitindo, por ordem do Papa, o prolongamento territorial,
atestava a importncia da relao entre a Igreja e o Estado. Essa relao acabou por influenciar,
mesmo que indiretamente, no andamento da ao ocupacional em geral, e at em relao
instalao de Sacramento, no extremo-sul. Na verdade, o Tratado de Tordesilhas, firmado no fim
do sculo XV, passou a ter influncia sobre Sacramento, nos fins do sculo XVII. Fronteiras
renovaram-se a partir da fora e da presena marcada do portugus e do espanhol. Isto aconteceu
devido impreciso e no mantenimento do referido Tratado, pelas partes interessadas.73
Essa
flutuao acabou por atingir a Colnia do Sacramento, obstculo ampliao territorial
castelhana a partir de 1680:
Na Amrica do Sul, muito antes de haver uma fronteira entre os
imprios coloniais, houve apenas um limite, representado pela linha
imaginria de Tordesilhas. Somente no sculo XVII, de uma maneira
gradual, a fronteira se delineou, com todos os problemas correlatos de
oposio e coexistncia que lhe so tpicos. Isto ocorre desde o vale
amaznico at o esturio do Prata. Foi, entretanto, no sul, que a
problemtica fronteiria tornou-se complexa...[...], a partir da dcada de
80, portugueses e espanhis derramaram o sangue de seus exrcitos
frente aos muros da Colnia do Sacramento.74
Em relao questo Estado-Igreja, pode-se dizer que, na verdade, houve um
fortalecimento de ambas as partes, a partir do mtuo apoio. O Estado Absolutista necessitava da
Santa S para reforar seu poder poltico atravs do controle ideolgico.75
Naturalmente que o
interesse antes apenas superficial por parte do Estado luso, e que passou a ser convertido em
ao, com a fundao de Sacramento, explica-se no apenas pelo que foi afirmado pelo autor
antes citado, mas tambm em funo de uma conjuntura econmica em crise por que passava a
71
Op. cit. , p. 49. 72
Op. cit. , p. 327. 73
Op. cit. , p. 48. 74
Idem, p. 149. 75
Na verdade o poder do Estado se fortalece em relao Igreja, a partir do ponto de vista poltico. Arno Kern afirma que
quando mais tarde o Papa tentou recuperar suas prerrogativas, isto foi impossvel. O absolutismo luso-espanhol no cedeu. E chegou mesmo a atingir o auge do Real Patronato na Espanha ou Real Padroado em Portugal, quando da expulso da Companhia
de Jesus, no sculo XVIII. Op. cit. , p. 83.
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Metrpole portuguesa. Dessa forma os pedidos do Estado luso que foram atendidos e
amparados pela Santa S, viriam a completar-se pela ao das armas, com a fundao da praa
forte da Colnia do Sacramento (1680).76 Ressaltando a importncia da fundao de
Sacramento, percebe-se que em pleno sculo XVII, eram os portugueses os grandes
comerciantes desse rio (Prata) e, decerto, os seus melhores prticos.77 A significao da
expanso territorial portuguesa explica-se de muitas maneiras. A questo fundamental em relao
ao Prata era a comercial, conforme dito anteriormente, mas no se totalizava nesse enfoque:
...as relaes internacionais de Portugal no Brasil visavam acumular poder e torn-lo uma
nao do HAVE....78
A poltica do Estado portugus direcionou-se no apenas visando o
enriquecimento da Metrpole (riqueza imediata atravs do contrabando e do comrcio
legalizado), mas tambm pela posse de maiores reas coloniais, objetivando o engrandecimento
desse Estado, assentado na soberania colonialista, atravs do aumento do territrio.
O interesse do governo luso em relao a tudo o que dissesse respeito ao Brasil
passou tambm a acentuar-se a partir da Restaurao. Ao recuperar sua independncia poltica,
livrando-se do domnio espanhol, Portugal necessitava reerguer-se tanto poltica quanto
economicamente. Depauperado pela poltica beligerante dos Habsburgos na Europa, a nao
portuguesa estava beira do colapso. Havia fortes sinais da decadncia de Portugal, no campo
econmico, com perdas sofridas ao longo do tempo e uma situao de fragilidade. Nesse quadro,
Portugal encontrava-se com a sua marinha destruda e ia perdendo aos poucos seu imprio
colonial. A Inglaterra e a Espanha se apossaram de grandes reas antes controladas pelos
portugueses. Em relao aos contratos comerciais com o Oriente, o autor afirma estarem em
franca diminuio, no sendo mais renovados. Na sia, se conservaram apenas algumas colnias
sem maior importncia monetria.
Na realidade, o que restou a Portugal do antigo imprio do ultramar foram o Brasil
e umas poucas possesses africanas, fornecedoras de escravos.79
Essa situao trouxe profundas
modificaes poltica portuguesa, que dependia exclusivamente de um melhor direcionamento
do governo, junto ao futuro incerto que se vislumbrava. Em vista disso, a imigrao ocorreu em
grande escala, com a transferncia de contingentes significativos da Metrpole (sem recursos)
para a sua colnia americana, que abria possibilidades de sobrevivncia e prosperidade. As
conseqncias para o Brasil foram enormes. Houve um rpido aumento da populao e estendeu-
se a colonizao. Isto fez com que houvesse tambm um avano territorial e invases de reas
que pertenciam efetivamente ao Estado espanhol.80
Cita-se aqui a rea platina oriental, que, se
no era oficialmente espanhola, to pouco era portuguesa. Nesse sentido, em funo da mudana
da orientao poltica do Estado, oriunda da crise por que passava a Metrpole, a colonizao
iniciou-se mais concretamente, atingindo, dessa forma, o sul colonial que se apresentava no
contexto ocupacional portugus, inserido como rea despovoada.
importante abordar a questo relativa condio econmica de Portugal, que
mudou de direo a partir da Restaurao, conforme foi salientado anteriormente. Enquanto
estavam unidas as duas Coroas, Portugal aproveitava-se amplamente da riqueza gerada pela
Amrica Espanhola, exercendo atividade comercial por todo o imprio espanhol. Tanto o
comrcio regular quanto o contrabando beneficiaram amplamente os portugueses nesse perodo,
76
Op. cit. , p. 49. 77
Op. cit. , p. 83. 78
Idem, p. 28. 79
PRADO JNIOR, Caio. Histria Econmica do Brasil. So Paulo : Brasiliense, 1962, p. 49. 80
Idem, p. 50.
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e, naturalmente, o Estado obteve suas vantagens. Havia portugueses instalados na Espanha, que
acabaram por controlar o comrcio interno. Ao mesmo tempo, os comerciantes lusos exploravam
o trfico de escravos negros, bastante lucrativo, alm do comrcio hispano-americano, atravs de
Buenos Aires, estendendo essas atividades Europa.81
As rotas de contrabando, formadas a partir
de Buenos Aires, acrescentaram ainda mais vantagens econmicas a Portugal. Assim, Buenos
Aires se assemelhava a uma colnia portuguesa, e atravs dela penetravam os lusitanos at a
fonte da prata: Potosi.82 A importncia do Rio da Prata era tanta que o seu mantenimento, para o
Estado luso, significava um acrscimo volumoso no numerrio gerado pelas atividades
comerciais. Havia grandes afinidades econmicas entre as duas regies, Rio da Prata e Brasil,
com uma importao muito grande e diversificada de produtos. Alm disso, vinham produtos
manufaturados europeus, somando-se ao escravo, ao acar, ao tabaco e aos produtos
alimentcios. Portugal levava grandes vantagens nessas trocas, recebendo como produto de troca
couros e prata.83
Na verdade, ainda durante o perodo de domnio espanhol, foi tentada a obteno
do trmino desse comrcio, ficando proibida a exportao da prata para alm da cidade de
Crdoba, que ficava entre Buenos Aires e a regio das minas do Potos. O contrabando
intensificou-se, reagindo a esta proibio. Buenos Aires justificava sua ao pela necessidade de
sobrevivncia, e de continuidade das atividades comerciais. O Estado espanhol manteve o porto
buenairense preso ao complexo Pacfico-Carabas, ignorando sua capacidade de sada pelo
Atlntico. As autoridades de Buenos Aires, por sua vez, acabaram por no impedir e at mesmo
colaborar com este comrcio ilegal. 84
A Espanha tentou por todos os meios obstaculizar pelo menos o comrcio legal,
na medida em que emitiu uma grande legislao. Era objetivo do Estado espanhol preservar o
mximo possvel o comrcio colonial com a metrpole. Em relao a isso, criou as cdulas reais,
que impediam as atividades comerciais entre os que no fossem cristos e espanhis. Essa atitude
visava no apenas os comerciantes portugueses, como tambm os ingleses. A partir da surgiram
vrias modalidades de fiscalizao, restringindo cada vez mais o comrcio na regio.85
O permanente comrcio, tanto legal como ilegal, com vantagem portuguesa, teve o
seu perodo de estabilidade. No entanto, a decadncia foi inevitvel, principalmente devido a
alguns aspectos ressaltados. Um dos obstculos foi a penetrao dos holandeses no Atlntico Sul.
Conquistando reas como Pernambuco (1630), Elmina (1637) e Luanda (1641), os batavos
desorganizaram o comrcio afro-americano, atingindo no somente Portugal, mas abalando as
transaes comerciais entre as colnias portuguesa e espanhola. Tambm a prata comeou a ser
adquirida com dificuldade. A situao econmica portuguesa tendeu a agravar-se com a
Restaurao devido aos gastos com a reinstalao do Estado portugus (j tratados no primeiro
captulo desse trabalho), e tambm pela sensvel diminuio da produo de prata da Amrica.86
Medidas foram tomadas pelo governo luso para tentar estabilizar o quadro em
declnio. Essas medidas revelaram-se frgeis, em funo de uma realidade mais complexa. Havia
problemas com a balana de comrcio do imprio, agravando a situao monetria. Vtima de um
contnuo dficit, gerava uma crise que atingia os vrios setores da economia metropolitana, e
diminua os mercados consumidores. Para contrabalanar as perdas, a diferena na balana de
81
E. DOliveira Frana. Portugal na poca da Restaurao. In : PINTO, Virglio Noya. O Ouro Brasileiro e o Comrcio Anglo-
Portugus. So Paulo : Nacional, 1979, p. 6. 82
Alice P. Canabrava. O Comrcio Portugus no Rio da Prata (1580-1640). In : PINTO, idem, p. 7. 83
PINTO, ibidem, p. 8. 84
Ibidem, p. 9. 85
Op. cit. , p. 351. 86
Op. cit. , p. 8.
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comrcio ocasionava a fuga de numerrio para o exterior. O dficit de metal precioso foi a
constante de toda a segunda metade do sculo XVII.87 A necessidade da preservao de uma
rea lucrativa para a Coroa lusa era de extrema importncia, principalmente nesse perodo de
crise aguda. A situao econmica do imprio portugus no sculo XVII colocava de sobreaviso
a Coroa, posicionando-a para determinadas decises em relao s suas colnias, notadamente o
Brasil.88
O quadro apresentava-se deficitrio em todos os setores da economia, com retrao na
agricultura, a partir da exportao do vinho, concorrente com os fabricados na Frana e Espanha,
atingindo at o mercado interno. Alm disso, havia uma recesso de preos, apesar de o acar
ajudar a diminuir o dficit comercial. Tal situao estava levando a um perodo de crise e
afetando os demais segmentos. A crise comercial associava-se crise de metais preciosos,
depauperando o imprio portugus.89
Com a expulso dos holandeses do Brasil em 1654, iniciou-se o perodo de
declnio da produo aucareira. Impossibilitado de concorrer em igualdade de condies com o
acar holands produzido na Amrica Central (Ilhas Antilhas), e ainda tendo que enfrentar o
acar de beterraba produzido na Europa a baixo custo e preo menor, a decadncia tornou-se
inevitvel, dadas as condies econmicas da Metrpole nesse momento. A regio aucareira, ao
enfrentar tal queda, afetou o comrcio escravista, indo tal fenmeno atingir tambm a regio
sulina, que necessitava de produtos comerciais. O comrcio de couros aumentou de importncia,
fixado nas exportaes pelos portos sulinos, fazendo com que a criao preocupasse cada vez
mais a Coroa lusa.
A crescente importncia do Prata como grande centro criatrio. Portugueses e
espanhis investiram na produo de couros e organizaram-se, visando disputar o mercado
nascente. Nessa tica, a penetrao lusa no Prata apresentava-se, com a fundao da Colnia do
Sacramento, como conseqncia da decadncia da economia aucareira. Portugal objetivava um
mercado que se havia mantido, apesar do movimento antilhano.90
Assim, Sacramento faria com
que Portugal se fortalecesse nos negcios do couro, alm de continuar contrabandeando com o
porto de Buenos Aires, um dos principais das colnias americanas. Era uma etapa em que a
Espanha perdera praticamente a sua frota e persistia em manter o monoplio do comrcio com
suas colnias.91
Dentro da perspectiva do econmico, o Estado portugus no se permitia outra
alternativa a no a ser a de tentar dirimir a difcil situao financeira por que passava. Em vista
disso, tornou-se prioritrio o mantenimento de centros de comrcio que, de alguma forma,
gerassem lucros Coroa. Conforme foi ressaltado, o Prata era, at 1680, um foco comercial onde
os portugueses, em atividades diversas, auferiam dividendos, tanto a nvel particular, quanto, em
certa medida, a nvel de Estado. Manter a regularidade, ou pelo menos, tentar no perder essa
capacidade lucrativa seria ento, nesse particular, o objetivo do Estado luso.
87
Idem, p. 8. 88
Conforme Celso Furtado: Na medida em que cresciam em importncia relativa os setores de subsistncia no norte , no sul e
no interior nordestino, - reduzindo-se concomitantemente a participao das exportaes no total do produto da colnia -
tornava-se mais e mais difcil para o governo portugus transferir para a Metrpole o reduzido valor dos impostos que
arrecadava. Devendo liquidar-se em moeda portuguesa tais impostos, sua transferncia impunha uma crescente escassez de
numerrio na colnia, cujas dificuldades tambm por esse lado se viam agravadas. Em Portugal eram ainda mais srias as
vicissitudes. A queda no valor das exportaes de acar, por um lado, criava dificuldades ao errio e, por outro, impunha a
necessidade de reajustar todo o sistema econmico a um nvel de importaes bem mais baixo. As repetidas desvalorizaes
cambiais (o valor da libra sobe de mil-ris para trs mil e quinhentos ris entre 1640 e 1700) refletem a extenso do desequilbrio
provocado na economia lusitana. Op. cit. , pp. 68-69. 89
Op. cit. , p. 9. 90
Op. cit. , p. 69 91
Idem, p. 68.
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A Colnia do Sacramento passou a significar a permanncia da produo do
numerrio portugus na regio sulina, alm de garantir outras vantagens, como a expanso
territorial. Sob o ponto de vista financeiro, em funo da crise metropolitana e, alm do mais, em
funo de continuar lucrando com as atividades que se oportunizavam no Prata, o Estado luso
tratava de avalizar a fundao de Sacramento. H, dessa forma, vrios ngulos de anlise, para se
tentar justificar Sacramento, sendo fortemente embasada a sua fundao sobre a tica econmica.
O Estado patrimonialista portugus agiu, assim, de acordo com suas caractersticas. O Estado
patrimonialista estava ligado questo dos privilgios, mas tambm, prximos essa questo,
aparecia de um lado uma cobertura de necessidade de carter lucrativo-monopolizador, e de
privilegiado, por outro.92
A ao empreendedora da Coroa lusa estava, assim, embasada na
caracterstica do Estado patrimonialista e justificava pensar Sacramento como, no apenas um
ponto-futuro de fronteira lusa, mas uma garantia de carter lucrativo. Essa ao era refletida no
apenas pela necessidade gerada pela crise financeira da Coroa, mas obedecendo a critrios mais
complexos, que caracterizavam o Estado absolutista portugus visto como um todo, a partir da
sua formao poltica.
Na prtica, a fundao de uma povoao s margens do Rio da Prata no era tarefa
fcil. O processo de deciso tomou vrios rumos, at que realmente o fato se concretizou.
Diversos pedidos de doaes de terras foram enviados ao soberano portugus. Contudo, os
problemas advindos de povoao e fortificao de uma futura colnia a ser fundada, eram
muitos. Por isso, a tomada de deciso partiu diretamente do governo luso: Na tentativa de
estabelecer os limites do Brasil, e de buscar as fronteiras naturais, o prncipe regente, futuro
Pedro II, ao nomear Manuel Lobo governador do Rio de Janeiro, incumbiu-o de dirigir-se ao
Prata e fundar uma nova colnia.93 Simo Pereira de S ilustra tal fato, destacando as gentes que
acompanharam D. Manuel Lobo. Diz ele que acompanhando o Corpo militar havia alguns
presos, condenados por delitos graves e que haviam tido sua pena comutada para trabalhos
forados na Colnia.94
A composio social de Sacramento, dessa forma, era formada, alm do
contingente recrutado por D. Manuel Lobo, por presidirios e prias da sociedade lusa.
A Colnia do Santssimo Sacramento foi fundada a 01 de Janeiro de 1680, s
margens do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires. Estava criado um marco avanado da
presena portuguesa na regio platina oriental e, ao mesmo tempo, nascia o ponto de maior atrito
entre Portugal e Espanha, na referida regio. O surgimento de Sacramento, tida para os
portugueses como a sua ltima fronteira, explica-se aqui a partir de dois pontos de vista: a
expanso territorial e as atividades comerciais, j existentes anteriormente. A fundao de
Sacramento tomou caractersticas diferentes do processo de expanso lusa, na formao
territorial brasileira. O poder do Estado sancionou e fortaleceu a ao privada. No sendo este
poder o responsvel pela ao inicial. No caso da Colnia do Sacramento, a colonizao foi
antecedida pela iniciativa governamental, que preparou terreno ao privada. Em vista disso,
questiona-se o interesse da Coroa lusa com a fundao de Sacramento. Antes do aparecimento da
Colnia, o ponto mais avanado dos portugueses era a vila do Desterro (Florianpolis). O que
justificaria o estabelecimento de uma colnia distante mais de mil quilmetros deste ponto e
colocada em frente cidade espanhola de Buenos Aires? Talvez o motivo mais importante, sob
o ngulo governamental, fosse o desejo de estender o domnio portugus at o Rio da Prata,
projeto longamente acalentado...95
92
WEBER, op. cit. , p. 835. 93
Op. cit. , p. 19. 94
S, Simo Pereira de. Histria Topogrfica e Blica da Nova Colnia do Sacramento do Rio da Prata.1737. Porto Alegre :
Arcano 17, 1993, p. 11. 95
Op. cit. , p. 124.
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Percebe-se a peculiaridade da iniciativa do Estado luso em relao fundao de
Sacramento, mas, principalmente, a importncia da ao do governo em relao iniciativa da
prpria expanso e colonizao como um todo. O papel desempenhado pelo Estado foi
fundamental para o fortalecimento da presena portuguesa na regio platina oriental. Se em
outras reas coloniais a Coroa deixava, de certa maneira, particulares agirem por conta prpria,
para posteriormente sancionar suas conquistas, no sul esse processo se apresentou de modo
inverso, com o Estado encabeando a expanso. claro que, muitas vezes, as ordens reais no
coincidiam com o que estava acontecendo naquele momento, porm, sempre que podia, o Estado
impunha seu poder poltico para direcionar o processo ocupacional. A integrao comercial entre
portugueses e espanhis no Rio da Prata, importante para ambos os lados, e j ressaltada
anteriormente, traz um outro aspecto a ser colocado. Trata-se da influncia mtua entre ambos os
grupos sociais, a partir desse contato, mesmo que puramente econmico.
A simples presena freqente de ambos, em transaes que obrigaram tais
elementos a trocar informaes, idias, e, conseqentemente, trazer a sua viso de mundo,
permitiu, mesmo que inconscientemente, certa influncia entre eles. Essa troca recproca, mesmo
que no transformada em aculturao, revelava a dinamicidade entre os grupos sociais atuantes, e
projetava futuros grupos que j no teriam as mesmas caractersticas individuais de antes dos
contatos. As herdades seriam hbridas. A inter-relao entre o elemento humano na regio platina
oriental tambm se constituiu historicamente a partir de uma relao comercial, gerando
influncias culturais transformadoras, a serem vislumbradas posteriormente em futuros grupos
sociais. Na verdade, os embries existiam, apesar da lentido do processo de formao. Os
homens mantm uma inter-relao contnua no espao e no tempo, originando uma determinada
ao, formadora dessas foras. A cultura se desenvolve atravs desses processos, que so
constitudos pela acumulao e pela continuidade. Importante ressaltar que os resultados do
processo interativo humano progridem, atravs do tempo, em um grau cada vez maior. Assim,
qualquer contato entre indivduos o ponto de partida para novos contatos sociais mais
complicados.96
Sacramento afirmou-se como referencial para posteriores acordos de fronteira
mas, at que as definies chegassem, o que ocorreu no sculo XVIII, sua importncia tambm
foi afirmada pelo despertar de divergncias entre espanhis e portugueses:
A questo exata da jurisdio da Espanha ou de Portugal na Amrica
s viria a reavivar-se com a fundao da problemtica Colnia do
Sacramento em 1680. At a, vinham-se dilatando, sem maiores
restries a conquista e a colonizao: do lado luso, pela posse de
sucessivas pores do litoral, posse conseguida pelos embates contra
ndios hostis ou estrangeiros usurpadores (o caso dos ingleses, franceses
e holandeses); ou pela empresa agrcola da cana-de-acar ou, ainda,
no interior, pela ao dos padres missionrios de diferentes ordens
religiosas ou pela dos bandeirantes, nas suas atividades de caa ao ndio
ou prospeo metalfera. Tudo isto a partir do litoral atlntico. Do lado
espanhol, a penetrao fazia-se desde o Prata, das costas do Oceano
Pacfico ou do Caribe, e a conquista efetivava-se mediante a procura e a
96
Leopoldo Von Wiese. Os processos de Interao Social. In : CARDOSO, Fernando Henrique e IANNI, Octavio. Homem e
Sociedade. Leituras bsicas de sociologia geral. So Paulo : Nacional, 1976, p. 216.
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explorao da prata, na sujeio dos imprios altamente civilizados dos
Incas, Aztecas e Maias ou, ainda, no rastro do pastoreio.97
Havia um movimento contnuo, tanto de lusitanos quanto de espanhis,
demonstrando assim que os espaos estavam sendo ocupados. O homem foi-se fixando terra no
entrechoque de foras, na sobreposio de grupos, na organizao comercial, ou mesmo na
procura da sobrevivncia. Surgiram, nesses contatos, ncleos urbanos, propriedades agrcolas
ou ganadeiras, tanto quanto centros de minerao, de pesca ou de artesanato.98 Pouco a pouco,
o territrio foi sendo preenchido, mesmo que no de imediato na sua totalidade. Esses focos de
atividades das mais diversas transformaram-se em um processo de entrelaamento, entre os
indivduos que praticavam tais aes.
Embora os espaos territoriais no fossem, nesse momento, grandemente tomados,
lgico pensar que, a par