experiencias de consumo contemporaneo

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  • Patricia BiegingRaul Incio Busarello

    organizadores

    Experincias de consumo

    contemporneo pesquisas sobre mdia e convergncia

    So Paulo, 2013

  • Copyright Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.

    Raul Incio Busarello, MSc.Capa e Projeto Grfico

    Patricia Bieging, MSc.Editorao Eletrnica

    Prof. Dra. Gilka Elvira Ponzi GirardelloComit Editorial

    Prof. Dra. Marlia Matos Gonalves

    Prof. Dra. Vania Ribas Ulbricht

    Ligia Stella Baptista Correia, MSc.

    Patricia Bieging, MSc.

    Raul Incio Busarello, MSc.

    Autores e OrganizadoresReviso

    Patricia Bieging, MSc.Organizadores

    Raul Incio Busarello, MSc.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Esta obra licenciada por uma Licena Creative Commons: Atribuio Uso No Comercial No a Obras Derivadas (by-nc-nd). Os termos desta licena esto disponveis em: . Direitos para esta edio cedidos Pimenta Cultural pelos autores, conforme as normas do edital da chamada pblica de trabalhos realizada em 2012 para esta obra. Qualquer parte ou a totalidade do contedo desta publicao pode ser reproduzida ou compartilhada. O contedo dos artigos publicados de inteira responsabilidade de seus autores, no representando a posio oficial da Pimenta Cultural.

    PIMENTA COMUNICAO E PROJETOS CULTURAIS LTDA MESo Paulo SP Fone: (11) 96766-2200 (11) 96777-4132www.pimentacultural.comE-mail: [email protected]

    2013

    E964 Experincias de consumo contemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia / Patricia Bieging, Raul Incio Busarello, organizadores. - So Paulo: Pimenta Cultural, 2013. 221 p..

    Inclui bibliografia ISBN: 978-85-66832-00-6

    1. Convergncia da Mdia. 2. Transmdia. 3. Consumo. 4. Redes Sociais. 5. Comunicao. 6. Identidade. 7. Criana. 8. Publicidade. 9. Novas Mdias. I. Bieging, Patricia. II. Busarello, Raul Incio. III. Ttulo.

    CDU: 659.3 CDD: 300

  • Sumrio

    Prefcio ............................................................................................................................ 05

    Captulo I

    Convergncia e eroso de espaos no meio rural portugus atravs do consumo das novas mdias ................................................................ 08 Ana Melro e Ldia Oliveira

    Captulo II

    Territrio hipermediatizado e convergncias multilocalizadas: dialtica entre terra e nuvens .................................................................................. 28Vania Baldi e Ldia Oliveira

    Captulo III

    Visualizao da informao por meio da infografia digital: uma anlise sob o ponto de vista da semitica peirceana ..................................... 47Mariana Lapolli, Tarcsio Vanzin e Vania Ribas Ulbricht

    Captulo IV

    Publicidade infantil nos indicadores de sustentabilidade para agncias .......................................................................................................................... 63Rosemri Laurindo e Aline Francielle dos Santos Oliveira

    Captulo V

    Consumo, infncia e marcas: estabelecendo vnculos atravs das redes sociais digitais ........................................................................................... 81Brenda Lyra Guedes e Slvia Almeida da Costa

  • Captulo VI

    A mdia e o envolvimento das crianas na produo de contedo cultural ............................................................................................................................. 106Ligia Stella Baptista Correia

    Captulo VII

    Aprendendo a (vi)ver com a Capricho: no evento NoCapricho .................. 117Gabriela Falco Klein

    Captulo VIII

    Virei um Big Mac: as classes CD e a vaidade fast food .................................... 135Maria de Lourdes Bacha e Celso Figueiredo Neto

    Captulo IX

    Fanfiction: possibilidade criativa nos ambientes digitais ............................. 155Beatriz Braga Bezerra

    Captulo X

    A subverso do sujeito: o produsurio nas interaes em redee relaes de consumo .............................................................................................. 173Felipe Jos de Xavier Pereira

    Captulo XI

    Telenovela e transmidiao: o caso da temporadaMalhao Conectados ............................................................................................... 191Patricia Bieging e Raul Incio Busarello

    Sobre os autores .......................................................................................................... 212

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    sumrio

    Prefcio

    Em uma poca em que a convergncia das mdias e as novas formas de consumo e prticas culturais mudam a relao entre os sujeitos, tanto em um contexto dentro ou fora da rede, torna-se essencial entendermos mais profundamente como este fenmeno da convergncia miditica contribui e abre espao para a participao, apropriao e produo de novos contedos pelos indivduos.

    Considerando as formas contemporneas de produo e de expanso dos contedos gerados pelos veculos de comunicao, pelos departamentos de marketing das empresas e tambm pelos mais variados programas de rdio, de televiso, pelo cinema e pelos dispositivos mveis, busca-se com este livro o compartilhamento de pesquisas realizadas nas reas de consumo, convergncia e novas mdias.

    Apresenta-se nos diferentes captulos reflexes sobre o que vem sendo produzido, sobre as inovaes e sobre as formas de interao com o pblico. Alm de estudos que evidenciam a participao ativa dos usurios nas redes sociais. Neste livro so relacionados aspectos tericos por meio de um olhar que abrange o mercado, a cultura e as prticas de consumo. Os captulos trazem o vis inter e transdisciplinar de pesquisadores de campo da comunicao e reas afins. Refletindo acerca dos fenmenos da comunicao, os quais transitam por diferentes pensamentos terico-metodolgicos.

    No captulo Convergncia e eroso de espaos no meio rural portugus atravs do consumo das novas mdias, os autores abordam a questo do consumo de novas mdias/crans por sujeitos nascidos nas dcadas de 60 e 70 e residentes no meio rural portugus. Analisou-se o uso destas mdias em ambientes como: trabalho, escola, lazer e famlia.

    Com enfoque nos dispositivos mveis o captulo Territrio hipermediatizado e convergncias multilocalizadas: dialtica entre terra e nuvens, traz uma reflexo acerca das relaes com o espao e as implicaes dos servios georreferenciados nas dinmicas de apropriao do territrio. A pesquisa traz de uma anlise do que os autores entendem como efeito boomerang. Partindo deste

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    conceito, os autores fazem associaes dos contedos aos territrios de onde os mesmo foram gerados e vinculados, os quais atravs de dispositivos tecnolgicos voltam a materializar estes mesmos territrios, ganhando novos valores no mbito comunicional e contextual.

    Partindo do ponto de vista da semitica peirceana o captulo Visualizao da informao por meio da infografia digital: uma anlise sob o ponto de vista da semitica peirceana, traz a interpretao dos signos da tela inicial de um infogrfico digital, demonstrando as ambiguidades e as contradies presentes no objeto.

    Nos trs prximos captulos Publicidade infantil nos indicadores de sustentabilidade para agncias, Consumo, infncia e marcas: estabele-cendo vnculos atravs das redes sociais digitais e A mdia e o envolvimento das crianas na produo de contedo cultural, a questo do relacionamento das crianas e das mdias posta em debate. Na primeira pesquisa so refletidas as questes da publicidade e do merchandising direcionado ao pblico infantil, assim como a discusso acerca dos Indicadores de Sustentabilidade da Comunicao. Na segunda so analisadas as estratgias das aes publicitrias adotadas por empresas de grande destaque nacional, especialmente, com foco nas redes sociais para chamar a ateno do pblico. Na ltima apresenta-se a reflexo sobre o papel do consumo de produtos culturais e na possibilidade da participao ativa das crianas na produo de contedos. O captulo Aprendendo a (vi)ver com a Capricho: no evento NoCapricho traz a pesquisa e vivncia da autora durante o evento anual de msica realizado pela Revista Capricho. Questes como consumo, convergncia e identidades so problematizadas atravs da experienciao e observao da pesquisadora frente a este meio e, principalmente, junto s jovens leitoras.

    Na sequncia o captulo Virei um Big Mac: as classes CD e a vaidade fast food traz uma pesquisa realizada com 420 indivduos da cidade de So Paulo, onde so abordadas as questo da aparncia e da vaidade por consumidores das

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    classes C e D. O estudo avalia a relao e as noes de beleza, sucesso profissional, autopercepo do corpo, autoclassificao do peso e prtica de atividades fsicas e a relao entre percepo de sucesso profissional e importncia do cargo exercido e materialismo pelos indivduos entrevistados.

    Fanfiction: possibilidade criativa nos ambientes digitais traz uma reflexo sobre as redes digitais provenientes de filmes brasileiros, tendo como objetivo analisar as possibilidades de participao e interao dispostas pelos produtores aos fs. Alm das aes de marketing adotadas que visam tal iniciativa.

    A partir do conceito de produsurio, o captulo A subverso do sujeito: o produsurio nas interaes em rede e relaes de consumo apresenta uma reflexo sobre as novas formas de interao, participao e produo dos sujeitos frente s aes promocionais realizadas por grandes empresas, tanto do Brasil quanto do exterior.

    O ltimo captulo Telenovela e transmidiao: o caso da temporada Malhao Conectados analisa como a narrativa apresentada na mdia televisiva serve de apoio para que o telespectador utilize o ambiente da web como agente de motivao e solidificao do produto miditico. A pesquisa tem como foco refletir sobre as possibilidades de interao entre o espectador e as formas narrativas apresentadas.

    Percorrendo diversas mdias e conceitos relacionados convergncia miditica, s novas mdias e ao consumo, este livro convida os leitores a um mergulho em estudos empricos e estudos de caso, que buscam contribuir para a reflexo e a discusso sobre a participao ativa dos sujeitos na construo coletiva de novos contedos. Entender estas apropriaes e a nsia dos sujeitos por espaos que permitam variadas formas de participao tambm entender a metamorfose pela qual a sociedade contempornea, as mdias e os sujeitos experienciam as prticas culturais e de consumo nos dias de hoje.

    Patricia Bieging e Raul Incio Busarello

  • ana melro e ldia oliveira

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    sumrio

    A utilizao de novas mdias, como a televiso, o computador e o celular, comea a ser um ato constante e irrefletido por parte dos indivduos. Usam-se esses artefatos para trabalhar, conviver, fomentar discusses, reunir com algum, alimentar tempos mortos Um infinito nmero de motivos que conduzem a que seja cada vez mais difcil passar tempos prolongados sem se estar em contato com um desses artefatos.

    A relao persistente entre dispositivos e indivduo origina alteraes profundas na vida deste, nos seus modos de trabalhar, passar momentos de lazer e familiares, tais que, por vezes, nem as fronteiras se encontram bem definidas entre esses diferentes tempos e espaos. Alis, Urry (2000) considera mesmo que esta disrupo temporal ocorre de um modo mais profundo, onde () o futuro cada vez mais parece dissolver-se num presente alargado. (URRY, 2000, p. 128, traduo nossa).

    Para se adaptar, o indivduo precisou redefinir os seus tempos e espaos, bem como integrar as novas mdias em todas as atividades e tarefas. Ver o e-mail, consultar as redes sociais, atender telefonemas de trabalho ou de familiares e amigos, assistir televiso, aceitar o convite para uma festa, uma exposio, uma pea de teatro ou mesmo comprar bilhetes para estas ltimas, todas elas deixaram de ser atividades que apenas se podero desempenhar num local especfico, mas de uma forma que esses locais agora convergem todos num s, aquele onde o indivduo se encontra, seja ele qual for e a que altura do dia for.

    No meio rural portugus o panorama no muito diferente. H algumas vantagens associadas ao fato de no se viver preso a tantos tempos vazios, como o tempo no trnsito, ou de se poder ainda usufruir de atividades mais no exterior, mas a apropriao das novas mdias tem sido realizada de forma bastante intrusiva, com o celular e o computador (associados internet) a acompanhar os ritmos dirios dos seus residentes que se encontram numa fase de vida ativa profissional, familiar e socialmente.

    Ser abordada a questo da redefinio dos tempos e espaos, devido utilizao das novas mdias, no cotidiano da gerao dos indivduos nascidos entre 1960 e

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    1970, ou seja, que tm entre 34 e 53 anos de idade. Esta redefinio dos tempos e espaos origina uma alterao nas relaes sociais, pelo que tambm se iro analisar as transformaes nas relaes sociais desses indivduos, residentes no meio rural, decorrentes da utilizao frequente das novas mdias. Para o enriquecimento deste estudo contribui a anlise de questionrios aplicados no territrio rural (Portugal Continental e Ilhas).

    Redefinio de tempos e espaos atravsda utilizao das novas mdias

    Desde finais da dcada de 1950 que, em Portugal, tm ocorrido mudanas profundas nos modos de fazer, viver e sentir. A integrao das novas mdias no cotidiano primeiro a televiso, seguida do computador e, por ltimo, do celular provocou uma mudana de prticas e uma nova compreenso do que efetivamente importante acompanhar e manter atualizado. Para alm disso, com a utilizao desses dispositivos, os indivduos tm uma noo diferente das distncias, logo, do espao, da sua disponibilidade imediata e, por isso, do tempo. Assiste-se, assim, a uma reorganizao individual e, consequentemente, social.

    Thompson (1998, p. 36) afirma que esta reorganizao social e societal uma forma dos indivduos atingirem os seus objetivos, na medida em que a adaptao s novas mdias uma obrigao presente e real, no permitindo que quem se queira manter atualizado se desligue desta imposio. De um modo geral, diz o autor que antes do desenvolvimento das indstrias da mdia, a compreenso que muitas pessoas tinham de lugares distantes e passados era modelada basicamente pelo intercmbio de contedo simblico das interaes face a face (THOMPSON, 1998, p. 38). Harvey (1990) tem, inclusivamente, uma forma de representar esta reestruturao global, que se poder aplicar configurao das relaes sociais, laborais e familiares, designado de mapa de reduo do mundo, que pode ser verificado na Figura 1.

    O autor define a diminuio do mundo atravs das velocidades mdias atingidas pelos meios de transporte mais utilizados em cada uma das pocas, ou seja, a

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    forma como a evoluo tecnolgica permite fazer-se o caminho de forma mais clere, logo encurta as distncias entre espaos e diminui o tempo de viagem e de encontro. Como refere,

    Como o espao parece encolher numa aldeia global de telecomunicaes e numa nave espacial terrestre de interdependncias econmicas e ecolgicas e como o horizonte temporal encurta a um ponto em que o presente tudo o que existe, temos que aprender a lidar com um esmagador sentido de compresso dos nossos mundos espaciais e temporais. (HARVEY, 1990, p 240, traduo nossa)

    A internet veio acelerar de forma exponencial este efeito de reduo do mundo. Sendo que, apesar de todas as suas especificidades, o mundo rural no fica de fora desta dinmica. No que diz respeito ao meio rural, caracterizado pela sua pluralidade de sentidos (FIGUEIREDO, 2011) e pelo seu carter idlico (FIGUEIREDO, 2003; BAPTISTA, 2011), a viso do construtivismo social considera que h uma

    Figura 1: Mapa de reduo do mundo atravs das inovaes nos transportes que aniquilam o espao atravs do tempo. Fonte: Harvey (1990, p. 241)

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    fluidez e hibridez de espaos e lugares, bem como da sua relao com o tempo neste meio (BRYANT E PINI, 2011, p. 5). O rural percebido como um espao onde se pode ter um estilo de vida exterior, com harmonia, segurana, valores familiares e coeso da comunidade, aqui entende-se o contraste com o estilo de vida urbano (BRYANT E PINI, 2011, p. 6), considerado bem mais agitado. No entanto, no que diz respeito utilizao das novas mdias, os residentes nos meios rural e urbano no apresentam tantas diferenas assim. Como refere Fidalgo (1999), pode-se dizer com propriedade que se assiste a uma libertao do homem relativamente s distncias geogrficas. (FIDALGO, 1999, p. 94), e essa libertao decorre da utilizao dos meios tecnolgicos ao seu dispor, que tambm o empurra para a parafernlia de exigncias simultneas que transportam consigo.

    Na Figura 2 pode analisar-se um organograma do tempo realizado por Silva (2010), no qual o tempo absoluto, enquanto construo social se divide em tempo de trabalho e tempo livre absoluto. Este, por sua vez, subdivide-se em tempo livre comprometido, semi-lazer e tempo de lazer descomprometido. Entre o tempo livre e o de lazer surge, segundo o autor, um tempo online e no cran (SILVA, 2008, p. 4).

    Figura 2: Organograma do Tempo. Fonte: Silva (2010, p. 288)

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    Apesar da existncia destes diferentes tipos de tempos, provavelmente os indivduos no sentem estes limites entre uns e outros. A portabilidade associada s novas mdias est na origem desta diluio de limites e fronteiras. A portabilidade faz com que os dispositivos se tornem cada vez mais ubquos, transparentes e invasivos, transportando com eles quaisquer que sejam os espaos e os tempos para todo o lado. Por exemplo, o celular, nas palavras de Ganito (2007), proporciona novos usos do tempo, novas formas de interaco social e o esbater das barreiras espaciais (GANITO, 2007, p. 13). Ou, como refere Ilharco (2007, p. 72, traduo nossa) o celular promete tornar tudo o que importa permanentemente disponvel. Todo o espao uma localizao apropriada quer para trabalho ou lazer. E para Dias (2007), o celular permite a fuso do espao pblico com o privado, do real com o virtual e do local com o global (DIAS, 2007, p. 83), nos quais o utilizador pode estar sem se encontrar efetivamente em algum deles. Assim, h uma () possibilidade de prescindir do corpo, ou seja, poder estar em dois locais ao mesmo tempo: o local fsico, onde se encontra, e o local onde est atravs da conversa mediada (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, p. 75).

    Estas potencialidades so associadas aos celulares, mas tambm aos computadores, sobretudo, aos portteis, ainda mais quando a eles se junta a internet. Aliado s comunicaes telefnicas, surge a consulta do e-mail e das redes sociais quer pessoais, quer profissionais; a pesquisa de pginas de internet, ou seja, d-se uma deslocalizao de todas as tarefas que antes se encontravam bem definidas no tempo e no espao, sendo que o que se perde em corpo ganha-se em rapidez e capacidade de disseminar o eu no espao-tempo (SILVA, 1999, p. 1) na medida em que

    A Internet simultaneamente real e virtual (representacional), informao e contexto de interaco, espao (site) e tempo, mas que altera as prprias coordenadas espacio-temporais a que estamos habituados, compactando-as, ou seja, o espao e o tempo na rede existem na medida em que so construo social partilhada. (SILVA, 1999, p. 1)

    Atualmente, o tempo como antes era definido e ocupado, deixa de fazer sentido.

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    dada a possibilidade ao indivduo de estar constantemente conectado, sendo esta flexibilidade temporal apenas quebrada pela rigidez dos contatos com outros pases, por exemplo, com fusos horrios diferentes. Vilhelmson (1999) apresenta uma proposta das atividades mais fixas e das mais flexveis em termos de tempo e espao.

    Figura 3: Aplicao do esquema de classificao de atividades de acordo com os requisitos do tempo e do lugar: exemplos de atividades estacionrias. Fonte: Vilhelmson (1999, p. 181)

    Pode, ento, dizer-se que o espao fsico tem sofrido alteraes no sentido da integrao do ciberespao, o tempo delimitado deu lugar a um tempo hbrido, quer no meio urbano, quer no meio rural. O tempo j no marcado pelo relgio, mas pelas novas mdias e pelas atividades que necessrio realizar recorrendo aos meios tecnolgicos, ou seja,

    A ordem das aes esto desconectadas da linearidade do tempo e reestruturadas no presente, e as funes de estrutura e sincronizao do tempo-relgio so reduzidas e substitudas pela disponibilidade. Atravs da conexo e disponibilidade a necessidade de coordenar atividades ou aes de acordo com um padro comum conhecido como tempo-relgio reduzido, e o tempo , por isso, entendido como algo imediato. (JOHNSEN, 2001, p. 67, traduo nossa)

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    sumrio

    Redefinio das relaes sociais atravs da utilizao das novas mdias

    Com todas as alteraes em termos de espao e tempo que foram analisadas na seco anterior, quase que se torna bvio que ocorram tambm mudanas nas relaes sociais, uma vez que estas se desenrolam sempre num determinado tempo e espao (delineados com antecedncia ou no). Alis, ao contrrio das indicaes, de certa forma, fatalistas, de que os indivduos estariam a se isolar por detrs dos crans (GENTILE E WALSH, 2002), Arajo e outros investigadores (2009) consideram que a Sociedade em Rede potencia as relaes de convivialidade existentes, ao mesmo tempo que acrescenta novas formas de sociabilidade, reforando mesmo as relaes sociais. (ARAJO, ESPANHA et al., 2009, p. 248).

    Quando, virtualmente, um indivduo conversa com algum on-line ou procura comunidades de partilha de contedos (blogs ou pginas de facebook, por exemplo) essas aes so bastante objetivas para esse indivduo e para os que o acompanham no ciberespao. A procura da partilha nesses espaos sempre baseada num interesse e esse comum a todos os que o procuram e se mantm. Isso seria mais complicado de ocorrer no mundo fsico, na rua, no trabalho, em casa de familiares, amigos, ou outros locais mais pblicos como cafs, bibliotecas, cinemas, por exemplo, os designados terceiros lugares (OLDENBURG, 1999), onde o indivduo se integra nas conversas que ocorrem, sem ter sido, muitas das vezes, ele a procurar os tpicos sobre os quais recai a conversa. Logo, nos cenrios de comunicao mediada pelas crans, h uma conexo entre pessoas que evolui ao longo do tempo, mas que dificilmente passa para o mundo off-line (CRUMLISH E MALONE, 2009).

    A fora dos laos sociais , ento, uma associao entre o tempo que se disponibiliza relao, a intensidade emocional, a intimidade e a reciprocidade dos atos relacionais (GRANOVETTER, 1973, p. 1361), fatores vistos de forma positiva e simtrica. Com os contornos que tm, na sociedade contempornea, as relaes sociais, na qual os indivduos interagem com quem conhecem ou desconhecem, no sendo necessrio deterem informao acerca do seu passado

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    para que uma conversa e contatos frequentes sejam estabelecidos, como era nas sociedades tradicionais (ALMEIDA, SILVA et al., 2011, p. 414), aquelas caractersticas dos laos sociais passam a fazer sentido atravs de mediao tecnolgica.

    Naqueles laos ou relaes sociais esto, por isso, sempre, includas relaes tecnolgicas, em perfeita simbiose, de tal forma que, como dizem Law e Bijker (1992), relaes puramente sociais so encontradas somente na imaginao dos socilogos, entre os babunos, ou possivelmente, em praias de nudistas; e relaes puramente tcnicas so encontradas somente nas descobertas selvagens da fico cientfica (LAW E BIJKER, 1992, p. 290, traduo nossa). Talvez esta viso seja tecnicista demais, no entanto, no possvel considerar muitas das relaes sociais que ocorrem com recurso s novas mdias sem que se pensem que antes delas ocorre uma relao tecnolgica e que, por isso, esto ambas intimamente ligadas. E como de pessoas que se fazem as relaes sociais, ento, nas relaes tecnolgicas esto tambm includas essas mesmas pessoas. uma trade que, sendo virtual, no sobrevive sem um dos seus elementos.

    Atualmente, as conexes so mais intensas, porque tambm so mais ilimitadas, constantes e contnuas. So, por isso, provavelmente, mais hiper-reais (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, pp. 56-57). O estudo Social Isolation and New Technology. How the internet and mobile phones impact Americans social networks (HAMPTON et al., 2009), analisa a forma como a tecnologia e outros fatores esto relacionados com a dimenso, a diversidade e o carter das redes sociais. Este estudo, cuja amostra foi de 2.512 adultos, residentes nos Estados Unidos concluiu que, a utilizao da internet e de redes sociais contribuiu para aumentar e diversificar as relaes sociais dos envolvidos (HAMPTON et al., 2009), ou seja, para alm da realidade associada aos contatos no mundo fsico, junta-se uma hiper-realidade, a das redes sociais virtuais, que transforma as relaes sociais em algo mais abstrato e difuso.

    Assim, as relaes sociais podem, hoje, ser desenvolvidas atravs de chamadas de voz ou vdeo, por escrito, atravs do e-mail, salas de chat ou mensagens de texto (SMS"1"); os contatos podem, por isso, ser sncronos ou assncronos; e podem

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    ser desenvolvidos enquanto o ou os indivduos esto num local fixo (computador ou telefone fixo) ou quando esto em movimento (celular, computador porttil ou tablet) (VAN DEN BERG, ARENTZE et al., 2012, p. 990). Estas relaes, apesar de modernizadas, porque se modernizaram os meios que as sustentam, mantm caractersticas tradicionais, como a reciprocidade. Se algum envia uma SMS espera uma resposta, como espera tambm que a outra pessoa retribua a chamada que no conseguiu atender, por exemplo (TEIXEIRA-BOTELHO, 2011, p. 64).

    Conclui-se que, apesar dos inmeros estudos que vm sendo realizados em torno desta temtica das relaes e das redes sociais, este um tpico que ainda ter de ser mais explorado, no s para entender a forma como os indivduos agem em determinadas situaes, como esperam que o outro o faa. Como se referiu, so fenmenos sociais que j possuem caractersticas das sociedades modernas, sobretudo, o meio que as alimenta e lhes d vida (os suportes onde ocorrem), mas que ainda no se libertaram das caractersticas mais tradicionais das sociedades indgenas (como o potlatch (sistema de trocas) de Marcel Mauss) e isso confere-lhes um carter de ritual, no qual apenas os envolvidos se entendem e entendem o que se passa e o que devem fazer a seguir para que tudo decorra dentro da normalidade que esto habituados.

    Apresentao dos resultados

    Na investigao aplicaram-se questionrios. Foram selecionados 13 municpios rurais: Macedo de Cavaleiros, Vieira do Minho Norte; Sabugal, Penela Centro; Nisa, Odemira, Mrtola Alentejo; Vila do Bispo, Alcoutim Algarve; Nordeste, Lajes do Pico Regio Autnoma dos Aores; e, Porto Moniz, Santana Regio Autnoma da Madeira, dos quais se fez um estudo das escolas existentes. A partir das escolas, e da aplicao dos questionrios aos alunos dos 2 e 3 ciclos e secundrio"2", foi solicitado que os seus pais e avs tambm preenchessem o questionrio. No total foram validados 1.151 questionrios de trs geraes, dos quais se apresentam os resultados referentes aos pais, a gerao dos indivduos nascidos nos anos 1960 at finais dos anos 1970, um total de 401 questionrios.

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    Relativamente caracterizao sociodemogrfica dos respondentes, das 401 respostas, 100 eram de indivduos do sexo masculino e 291 do sexo feminino. 15 eram solteiros, 338 pertenciam ao grupo dos casados ou que viviam em unio estvel, 160 estavam divorciados ou separados e 122 eram vivos. Em relao escolaridade, a maior parte dos respondentes afirmou ter o 9 ano (74 indivduos), 70 respondentes disserem ter o ensino secundrio, 61 o 6 ano, 57 a 4 classe e com licenciatura havia 53 respondentes.

    A situao profissional dos respondentes era, na sua maioria, de funcionrio pblico (99 respostas), seguida de empregado por conta prpria (67 respostas), em situao de desemprego estavam 54 indivduos e trabalhadores administrativos ou dos servios eram 42. A opo Outra situao fora mencionadas em 68 respostas.

    Os Pais tinham entre 24 e 62 anos (esto aqui includas respostas dadas de indivduos nascidos nas dcadas de 1950 e 1980, no entanto, so pouco significativas estatisticamente). A mdia das idades situa-se nos 44 anos (desvio padro de 6,041). A Tabela 1 mostra a distribuio dos respondentes de acordo com as faixas-etrias.

    Idade N %

    21 a 30 4 1,0

    31 a 40 111 27,7

    41 a 50 222 55,4

    51 a 60 40 10,0

    61 a 70 3 0,7

    No respostas 21 5,2

    Total 401 100,0

    Tabela 1: Faixa-etria dos respondentes

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    sumrio

    Analisando agora a aquisio das novas mdias pelos respondentes, verifica-se pelo Grfico 1 que a maior parte deles adquiriu o computador, a internet e o celular j na dcada de 2000, enquanto que a televiso 34,2% dos indivduos Sempre se lembra de ter em casa. Este aspecto poder ter influncia na forma como as mdias so utilizadas, em conjunto com outras caractersticas como a portabilidade, a localizao no espao casa, entre outras.

    Para a compreenso da opinio sobre as relaes sociais dos respondentes, procedeu-se a uma anlise descritiva dos questionrios. Conclui-se que apenas 9,2% (37 respondentes) considera que as relaes sociais nos dias de hoje, com a utilizao das novas mdias esto mais presenciais, no entanto, 58,9% considera que esto mais virtuais (236 respondentes). Alis, 158 respondentes (39,4%) da opinio de que, no s as relaes sociais esto diferentes do passado, como esto piores, contra 93 indivduos (23,2%) que considera que essa diferena foi para melhor. Nesta anlise ainda importante incluir a opinio dos respondentes relativamente s relaes intergeracionais familiares. Dos dados recolhidos possvel verificar que a maior parte dos respondentes considera que as relaes entre avs e netos, pais e filhos e entre irmos se mantm iguais ao perodo em que no utilizavam as mdias. No entanto, h ainda uma percentagem bastante

    Grfico 1: Ano da primeira mdia (adquirido ou oferecido), em %.

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    experinCias de Consumo Contemporneo: pesquisas sobre mdia e ConvergnCia 20

    sumrio

    elevada que da opinio de que essas relaes esto mais prximas ou prximas. Por exemplo, nas relaes dos avs e netos so 19,2% e 20,7% que se incluem nestas opes de resposta, em oposio a 35,4% que as considera iguais. Nas relaes entre pais e filhos so 28,2% e 19,2% contra 28,7% e, por ltimo, quanto s relaes entre irmos, 25,9% e 22,7% consideram-nas muito prximas e prximas, respetivamente, e 29,2% iguais. A percentagem de indivduos que considera as relaes intergeracionais familiares distantes ou muito distantes nunca ultrapassa os 10%.

    No que respeita ementa diria de consumo das mdias, a maior parte dos respondentes utiliza a televiso (93,3%), o computador (48,4%), a internet (43,4%) e o celular (89,5%) diariamente. E, durante o dia, a utilizao da televiso realizada pela maior parte dos respondentes, entre 1 e 3 horas (56,9%), do computador, da internet e do celular menos de 1 hora (31,2%, 39,2% e 59,6%, respetivamente). Para alm disso, os respondentes consideram ainda que se residissem em meio urbano, a utilizao da televiso (58,1%), do computador (54,9%), da internet (52,4%) e do celular (66,3%) seria igual.

    A convergncia de espaos e tempos devido utilizao das novas mdias foi outro dos tpicos que se pretendeu explorar com a aplicao do questionrio. Numa escala entre Concordo totalmente e Discordo totalmente, os indivduos deveriam assinalar a opo que melhor se aplicava sua situao relativamente s frases que lhes eram facultadas. Na Tabela 2 so apresentados os resultados.

    Contexto CT C D DT NO NA NS/NR

    O fato de ter computador porttil faz com que traga muitas vezes trabalho para casa

    29 51 82 38 9 150 19 N.

    7,2 12,7 20,4 9,5 2,2 37,4 4,7 %

    Respondo a e-mails pessoais no trabalho 11 60 69 53 7 154 21 N.

    2,7 15,0 17,2 13,2 1,7 38,4 5,2 %

    Acesso s redes sociais no trabalho 6 27 73 71 18 161 18 N.

    1,5 6,7 18,2 17,7 4,5 40,1 4,5 %

    Vejo televiso no trabalho 3 30 79 87 18 144 15 N.

    0,7 7,5 19,7 21,7 4,5 35,9 3,7 %

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    sumrio

    Verifica-se que a opo mais assinalada foi a NA (No se aplica minha situao) para todas as frases. Tal poder significar que, no desempenho da atividade profissional, os respondentes no precisam recorrer utilizao das novas mdias e, como foi possvel perceber na caracterizao sociodemogrfica, um elevado nmero de respondentes encontrava-se em situao de desemprego, logo era difcil responder a algumas destas questes. Seguidas destas respostas, as mais facultadas situam-se na opo de discordncia, o que significa que os respondentes no so da opinio de que ocorra uma convergncia entre espaos to acentuada como esperado, exceto quando em frias vem informao sobre trabalho na internet, em que 15,7% afirmam fazer; ou quando afirmam que interrompem a atividade que esto realizando no trabalho para atender o celular, a opo que teve 20% de concordncia.

    Discusso dos resultados e consideraes finais

    Os resultados apresentados mostram que o consumo das novas mdias bastante frequente (numa base diria) na gerao dos indivduos nascidos nas dcadas 60 e 70. Na realidade, se pensarmos que so pais, indivduos em idade ativa (de trabalho) e com uma rede de contatos diversa, compreende-se que assim seja, uma vez que necessitam estar atentos s necessidades dos filhos, responder a responsabilidades laborais e estar a par do que se passa com a sua rede de amigos e familiares.

    Ao se refletir sobre as mudanas que esta utilizao diria das novas mdias trouxeram, uma das mais evidentes a interferncia nas dinmicas de percepo do tempo e do espao. De forma mais explcita, o dia tem as mesmas 24 horas

    Quando vou de frias vejo informao sobre o trabalho na internet

    16 63 70 57 14 142 15 N.

    4,0 15,7 17,5 14,2 3,5 35,4 3,7 %

    Quando estou trabalhando interrompo o que estiver a fazer para atender o celular

    20 80 89 59 18 92 17 N.

    5,0 20,0 22,2 14,7 4,5 22,9 4,2 %

    Tabela 2: Opinio relativamente utilizao das mdias nos diferentes contextos"3"

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    que tinha antes da disseminao do uso das novas mdias em grande escala pelos indivduos, estes passaram a ter acesso a computadores fixos e portteis, celulares, tablets, leitores de livros (e-book readers), jogos fixos e portteis, televiso, leitores de msica e de vdeo portteis e fixos, ou seja, um grande nmero de opes de hardware que podem utilizar para realizar as tarefas laborais, familiares e de lazer, sobretudo se se considerarem igualmente as possibilidades de software que lhes esto associados (aplicaes, pginas de internet, redes sociais, programas, etc.). Sendo o tempo que tm disponvel o mesmo, tendencialmente, deixaro de existir momentos mortos ou invisveis, na medida em que as rotinas passaram a usufruir das potencialidades de cada meio tecnolgico, que alarga o horizonte cognitivo e relacional.

    O que antes eram atos contnuos, sem interrupes, agora so cada vez mais tarefas permanentemente interrompidas pelo celular, por alguma notificao recebida na agenda ou na rede social, um novo e-mail. Estas suspenses so cada vez mais frequentes e, por isso, como refere Boaventura de Sousa Santos (2002 [2000]), as rupturas e as descontinuidades, de to frequentes, tornam-se rotina e a rotina, por sua vez, torna-se catastrfica. (SANTOS, 2002 [2000], p. 39). Os indivduos comeam a se habituar a esta nova agitao, algo que tambm acontece a quem reside no meio rural. A televiso ocupa a maior parte dos momentos familiares, ou ento serve como pano de fundo quando esto realizando outra qualquer tarefa, o computador ocupa o dia de trabalho, bem como o celular e a internet. A necessidade da multitarefa est tambm associada a esta parafernlia de meios ao dispor dos indivduos, que na urgncia de usufruir de tudo e de fazer tudo, acaba por precisar emparelhar vrias tarefas.

    A multitarefa est associada eroso dos espaos, como se verificou, sobretudo utilizao do celular. Alis, este dispositivo vive com os indivduos como uma segunda pele, como diz Ilharco (2007), como o celular porttil, pode-se dizer que est localizado com o nosso corpo. () o celular est acoplado a ns e pertence nossa acoplao no mundo (ILHARCO, 2007, p. 69, traduo nossa). Esta caracterstica potencia a noo de disponibilidade imediata quer para quem entra em contato, quer para quem est com o celular ou o e-mail, sempre

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    comunicveis, deixando de ser necessrio esperar por horas especficas para falar com algum. O que cria a necessidade de cruzar contextos e perodos temporais, interromper tarefas numa base constante e adaptar-se multitarefa.

    As relaes sociais so tambm um bom indicador dos tempos. Provavelmente, os indivduos no esto mais isolados, procuram menos o exterior da casa, os terceiros lugares, como cafs, bares, locais de encontro para conversar. No entanto, como foi possvel ver nos resultados dos questionrios, as relaes mantm-se na opinio dos respondentes, e, hipoteticamente, nada seria diferente se residissem num meio urbano.

    Para terminar, pode concluir-se que os habitantes do meio rural portugus, nascidos nas dcadas 1960 e 1970, possuem os dispositivos tecnolgicos caractersticos da contemporaneidade e incorporaram o seu uso das rotinas cotidianas. Contudo, os dados mostram que ainda mantm uma separao significativa entre os espaos: domstico, laboral e de lazer. As novas mdias no potencializaram de forma significativa, para estes indivduos, a eroso das fronteiras reais e simblicas entre esses espaos-contextos. Os dados denotam que h uma coabitao entre especificidades dos lugares que no so violentadas pela presena das novas mdias. Esta caracterstica denota uma especificidade do contexto rural onde o ndice de mobilidade substancialmente inferior ao dos contextos urbanos onde as pessoas tm de fazer grandes e/ou demoradas deslocaes entre o lugar onde habitam e o lugar onde trabalham, com migraes pendulares que geram grandes perodos de tempos intermdios relativos espera dos transportes pblicos, numa viagem de txi, numa fila de trnsito, etc. em que os indivduos ocupam esses tempos intermdios com o uso de dispositivos mveis conectados internet que permitem aceder a informao e estabelecer comunicao, redefinindo o significado do lugar, que passa a coincidir com o prprio indivduo, que satura o tempo intermdio com prticas sociais mediadas tecnologicamente.

    No contexto rural, a conectividade ubqua no demonstra ter um forte impacto na redefinio dos espaos, podendo assim os seus habitantes usufruir dos

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    espaos de lazer para se divertirem e reporem as energias, dos espaos domsticos para fortalecer os laos fortes familiares e dos espaos de trabalho para se focalizarem nas tarefas profissionais. A lgica dos espaos hbridos promovidos pela saturao do tempo pela tecnologia ainda no caracteriza o ecossistema social do contexto rural. A comunicao mvel ainda no conseguiu homogeneizar os espaos no contexto rural.

    Notas

    1. Short Message Service. (p. 16)

    2. Em Portugal, os primeiros nveis de ensino so divididos em ensino bsico e secundrio. O ensino bsico contempla 3 ciclos: 1 ciclo de ensino bsico com a durao de 4 anos (do 1 ao 4 ano escolaridade - dos 6 aos 10 anos de idade); 2 ciclo de ensino bsico com a durao de 2 anos (5 e 6 anos de escolaridade - dos 11 aos 12 anos) e 3 ciclo de ensino bsico com a durao de 3 anos (7, 8 e 9 anos de escolaridade - dos 13 aos 15 anos). O ensino secundrio tem a durao de 3 anos (10, 11 e 12 anos de escolaridade - dos 16 aos 18 anos de idade). (p. 17)

    3. Legenda: CT: Concordo totalmente; C: Concordo; D: Discordo; DT: Discordo totalmente; NO: No tenho opinio; NA: No se aplica minha situao; NS/NR: No sei/No respondo. (p. 21)

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  • vania baldi e ldia oliveira

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  • TerriTrio hipermediaTizado e convergncias mulTilocalizadas: dialTica enTre Terra e nuvens

    experincias de consumo conTemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia 29

    sumrio

    O vestido duma mulher de Lhassano seu lugar um elemento visvel daquele lugartornado visvel

    Wallace Stvens

    Do espao ao territrio, do territrio ao lugar

    No nos relacionamos com o espao puro, mas com o espao construdo simbolicamente. Mesmo os espaos de natureza so apropriados a partir de um quadro geocultural e geoemocional que vincula o indivduo ao territrio enquanto lugar de sentido. O GeoCMS (Geospatial Content Management System) cria a possibilidade de gerao de servios que suscitam um contexto a partir do qual o usurio pode partilhar as suas experincias dos lugares, pode conhecer o que os outros usurios sentiram, pensaram, sugerem numa lgica de cultura de convergncia e participao (HAMILTON, 2009). Mas, tambm usufruir de servios de realidade aumentada e de realidade acelerada que lhe permitem fruir de modo intensivo das dinmicas fenomnicas do lugar (JESUS, 2009). Assistir festividade que apenas ocorre num dado momento do ano, aceder s tradies e aos objetos culturais que foram povoando historicamente o lugar, assistir s metamorfoses arquitetnicas do lugar. Enfim, um lugar aumentado significar um lugar que se pode explorar como quem explora um quadro com a tcnica do palimpsesto, em que se vai explorando camada a camada e se vo compreendendo as redes e espessuras culturais, histricas, polticas e sociais de um dado ambiente social. Ampliando as potencialidades de fruio esttica do lugar "Camadas de dinmicas e dados contextuais sobre o espao fsico um caso particular de um paradigma esttico geral: como combinar diferentes espaos juntos (MANOVICH, 2006, p.266, traduo nossa).

    A proposta de lugar aumentado que se apresenta, prope lgicas dialticas entre vinculao territorial e usufruto de contedos digitais, entre participao amadora dos usurios (User-generated content - UGC) e participao especializada com a criao de contedos especializados produzidos pelas indstrias culturais (Specialist-generated content SGC) (KEEN, 2008) (FLICHY, 2010). A convergncia assume-se numa pluralidade semntica (JENKINS, 2009)

  • TerriTrio hipermediaTizado e convergncias mulTilocalizadas: dialTica enTre Terra e nuvens

    experincias de consumo conTemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia 30

    sumrio

    enquanto horizontalizao da comunicao em que especialistas e amadores confluem num mesmo espao, mas tambm convergncia de meios e linguagens utilizadas para expressar a relao com o lugar e a fruio cultural do mesmo (LEMOS, 2007; SANTAELLA, 2008); bem como, convergncia participativa com a hibridao das funes de produtor/consumidor de contedos e convergncia colaborativa no sentido da autoria coletiva efetivada na dinmica da rede, em que no se trata apenas da relao usurio-contedo, mas usurio-usurio da qual nasce o capital social como camada imaterial-relacional do lugar aumentado (MEIKLE; YOUNG, 2012).

    As pessoas transformam o espao em territrio e povoam o territrio de lugares. Este trabalho de domesticao/apropriao do espao para o transformar em lugares passa por um processo de povoamento do espao com artefatos que cristalizam a cosmoviso dos indivduos, dos grupos, das sociedade. Assim, o espao passa a territrio deixando de ser uma entidade homognea e ganhando diferentes espessuras simblicas, que criam assimetrias, que diferenciam e que do sacralidade, no sentido em que atribuem significao e valor. O espao profano homogneo no existe, existem territrios povoados de lugares de diferentes densidades, com diferentes capacidades de habitar e atrair capitais (financeiros, culturais, sociais, etc.). A proposta promover estratgias de comunicao baseadas em servios georeferenciados que acrescentem camadas ao territrio, aos lugares, que os tornem mais competitivos por serem multiplexos. A reflexo vai no sentido da gerao dos lugares aumentados multiplexos, por uma estratgia de duplo enraizamento: um enraizamento na terra, no contexto material produtor de diferena e um enraizamento nas nuvens em que a partir do lugar material tenho acesso a um territrio complementar que aditiva positivamente a experincia dos lugares. A convergncia nas mdias com georefernciao permite criar este cenrio de lugares aumentados multiplexos.

    Os dispositivos mveis, os crans pessoais, conectados internet em permanncia (celulares, tablets, laptops, etiquetas RFID, Wi-Fi, bluetooth, etc.) e que esto com cada sujeito, abrem uma nova porta para o territrio criando novas formas de

  • TerriTrio hipermediaTizado e convergncias mulTilocalizadas: dialTica enTre Terra e nuvens

    experincias de consumo conTemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia 31

    sumrio

    relao e gesto das redes sociais com os indivduos que geram/agregam valor ao lugar e com as memrias do lugar, com a sua identidade. Mais nuvens significar mais terra. Mais terra incrementar a nuvem, a espessura imaterial do lugar, graa s lgicas mltiplas da convergncia dos meios e da compulso para a proximidade (BODEN; MOLOTCH, 1994), com os lugares e com as pessoas.

    Autctone ao mesmo tempo um atributo de soberania e submisso

    Emmanuel Lvinas

    Orientaes, destinos, sentidos: informar o espao

    A nossa relao com o mundo vem da nossa relao com o espao e o ambiente. A dimenso espacial aquela a partir da qual e dentro da qual procuramos, desde sempre, orientaes significativas. Damos sentido s nossas preferncias escolhendo percursos, e atravs destes nos aproximamos, duma forma ciberntica, ao que fulcral, ou central, para ns. O sentido dos lugares nunca ingnuo, embora nos preexistam, uma vez que com estes nos deparamos, teremos que nos situar nestes espaos, material e simbolicamente.

    Como nos encontros entre seres humanos precisamos constantemente de uma avaliao acerca do contexto de interao, para testar e entrever todas as possveis implicaes presentes no processo comunicacional que se vai desenvolvendo. Necessitamos de coordenadas, embora que invisveis, para poder assim entender e supor o destino de qualquer relao.

    Relativamente aos ambientes fsicos, fica ainda mais urgente a sensao, antropologicamente fundamentada e inesgotvel, de dever promover uma capacidade de familiarizar com tais espaos, e com muito mais evidncia quando uma espacialidade se apresenta como alheia. Instituir e aplicar coordenadas ao ambiente circunstante, apesar de evocar uma atitude normativa, acaba por resultar em uma atitude naturalmente tcnica de codificao do circundante. Algo de necessrio, mas que proporciona um certo gozo no aproveitamento semntico do habitat.

  • TerriTrio hipermediaTizado e convergncias mulTilocalizadas: dialTica enTre Terra e nuvens

    experincias de consumo conTemporneo: pesquisas sobre mdia e convergncia 32

    sumrio

    Esta tcnica de adaptao ao ambiente nos leva prtica do habitar, sem esta hermenutica espacial, sem esta procura de orientao no conseguiramos criar um centro (um centro relativo, em dilogo com outros centros, mas o nosso centro), um lugar que nos faa sentido. Esta habilidade antropolgica no imediata, nem nos dada, mas vem sempre de uma relao entre um aqui e um fora, onde se perdem os confins desta relao, mas constantemente recriam-se no confronto com um exterior que no deixa de exercer a sua presena. Orientar-se no ambiente, seja ele urbano ou desabitado, tem a ver com a procura de presenas, com a descodificao destas e com o deixar sinais (mais ou menos duradouros) de presenas.

    Esta atitude cognitiva, mas tambm emocional e afetiva, de orientao ao mesmo tempo geral e particular, porque sempre nos localizamos atravs de um pensamento e de uma sensibilidade localizada, conforme a superfcie do ambiente circunstante. Para cumprir uma tarefa to essencial desenvolvemos uma sensibilidade heurstica ligada ao espao, a georeferenciao, que um dos efeitos desta nossa sensibilidade. Mas com sensatez podemos considerar e destacar como provvel de que a nossa mente funcione mesmo por localizaes, assim como a nossa memria chegue a ficar vinculada e condicionada pelos lugares, como se estes fossem invocadores de experincias maneira de uma madeleine proustiana, configurando assim as lembranas como mais que um passado, isto , como um espao passado (PEREC, 1974).

    Foram mile Durkhiem e Marcel Mauss os estudiosos que, no comeo do sculo passado, avanaram com a hiptese de que a lgica dos sistemas de classificao fosse toponomstica, e os conceitos se encontrassem localizados em um milieu de relaes em rede com outros conceitos (DURKHEIM; MAUSS, 1903). Neste sentido, os conceitos vm sempre de uma figurao espacial projetada pela nossa mente, de uma localizao ideal, remetendo a lugares comuns esquematizados (os topoi aristotlicos), as formas espaciais de grupos ou de afastamentos de ideias.

    A psicologia da evoluo nos explica tambm de como o feto j muda de posio

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    vinte vezes por cada hora, este movimento permanente corresponde primeira experincia de si mesmo atravs de uma explorao espacial, de propriocepo, que a base do equilbrio (PERRIN, 1991).

    Neste sentido, um dos fundadores da psicologia ambiental, Kevin Lynch, no seu livro A imagem da cidade (LYNCH, 2009/1960) explica como o sentido de orientao que se forma atravs do envolvimento com os territrios representa a base das nossas representaes mentais, dos nossos mapas cognitivos que, fundamentalmente, acabam para constituir o nosso ethos.

    Um autor heterodoxo como George Perec, no seu livro Espces d'espaces (PEREC, 1974), antecipou sem querer a idealizao das aplicaes digitais de geolocalizao por sistemas mveis. A sua reflexo abre com uma constatao banal: todos tm e andam com um relgio pessoal, mas no encontra ningum andando com bssolas. Na poca em que Perec escrevia no havia o mnimo indcio sobre as futuras mdias locativas. Esta curiosa diferena entre o uso dirio do relgio e a total ausncia da bssola remonta a um conhecimento do espao que mais intuitivo, concreto e referido nossa sensibilidade e individuao corprea, enquanto o tempo depende de coordenadas independentes de ns e da nossa adaptao a ele.

    s vezes, teremos que perguntar-nos "aonde estamos: fazer o ponto da situao: no apenas sobre o nosso humor, o estado de sade, as ambies, as convices e motivaes, mas somente sobre a nossa posio topogrfica, e no apenas em relao aos eixos (latitude, longitude) j mencionados, mas em relao a um lugar ou a um ser cuja pensar, ou pensar-se-. Por exemplo [], questionar-se, num momento certo do prprio dia, sobre a posio que ocupam, uns em relao aos outros e vs, alguns dos vossos amigos: pensar os seus caminhos, imaginar as suas deslocaes no espao. (PEREC, 1974, p.112, traduo nossa)

    Hoje em dia existem aplicaes de georeferenciao que desempenham mesmo este exerccio de orientao espacial constante (ALMEIDA; ABREU et al., 2011). O

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    que ser interessante questionar e referir se as aplicaes interativas so capazes de criar contextos de interao e familiaridade com os lugares. Aprendemos que vivemos mergulhados no espao e que atravs do espao exterior que chegamos ao nosso centro e nossa produo de habitat familiares e ntimos. Ser que as mdias locativas permitem estabelecer relaes comunicativas, e no apenas informativas, acerca da tangibilidade dos lugares e dos habitat?

    Sobre a toalha de gua, luz de um sol real,dana e respira, respira e dana a vida,o seu corpo um barco que o prprio mar modela.

    Antnio Ramos Rosa

    A mapa no o territrio

    O ambiente e o espao devem ser traduzidos em lugares. Sendo, os humanos, antropologicamente desorientados na sua englobante e unilateral exterioridade acabamos por vivenci-la como um desafio cognitivo e afetivo, abrigando-nos ento a uma abertura, a reagir e a familiarizar com as suas presenas criando mapas informativos e cdigos significativos, incitados assim a injetar cultura na natureza e a projetar mundos alfabticos na superfcie do ventrloquo espao terrestre.

    A troca e a transposio entre mente e geografia, a assimilao recproca entre lugares e culturas locais, so as condies que os antroplogos nos indicam para termos um aproveitamento saboroso do mundo. Em castelhano existe uma expresso que explica este processo at fsico de ambientao: Hacerse con un sitio. Este processo pressupe e gera uma competncia especial, a construo de um mapa cognitivo visado localizao. Os habitantes no so utentes de um territrio, mas competentes situados nele e, ao mesmo tempo, construtores dele. Estamos enraizados nos lugares, essa vinculao enraizada aos lugares gera o crescimento da pessoa e dialeticamente o crescimento e enriquecimento do

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    lugar. Este processo dialtico pode ser fertilizado pelas nuvens, que acrescentam novas camadas informativas e comunicacionais nos e com os lugares.

    A nossa mente, explicou um estudioso como Gregory Bateson, ecolgica e cinestsica, e tende a criar, de forma interativa com o espao, representaes e mapas dos territrios, que todavia nunca so isomrficas com estes, mas representam necessariamente a significao cultural destes, isto , a tentativa de objetivar e tornar visvel o invisvel desta relao geocultural e geoemocional. Neste sentido, podemos entender os nossos dispositivos tecnolgicos locativos como herdeiros das nossas primeiras cartografias. Estas, de fato, mapearam, mensuraram e analisaram os nossos trajetos nos espaos percorridos. Mas qual que a natureza destes espaos codificados?

    O elemento temporal, diacrnico, o da familiarizao com os lugares subjaz aquisio da competncia antropolgica do habitar, competncia entremeada, como fcil entender pelo j referido, com a faculdade de representar e codificar uma especfica rea geogrfica. Mas qual que a forma mais pertinente de representar um lugar vivenciado no tempo, aquela mais adequada e conforme experincia sentida duma especfica rea geogrfica? Como podemos passar dum mapa mental para um mapa exteriorizado?

    Narrar a presena e as presenas envolventes num contexto socioambiental remete a mais uma habilidade, aquela da evocao e da traduo da materialidade e da sensorialidade do espao vivido numa alegoria grfica de signos e smbolos, hoje em dia sempre mais dinmicos e interativos por meio de softwares e webwares (MANOVICH, 2008).

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    Semelhante imvel transparncia inesgotvel face pedra larga onde o olhar repousa

    Antnio Ramos Rosa

    Remediar as relaes com os territrios De fato, a experincia contempornea dos lugares sempre mais uma experincia hipermediatizada. Os lugares sempre mudaram por meio das nossas intervenes e das nossas redes de relaes atuantes neles. Hoje estas redes relacionais no (e com) os territrios atravessam e desfrutam novos suportes tecnolgicos que, por sua vez, proporcionam vrias camadas de experincias scio-espaciais. Olha-se no cran e na rua, fica-se na praa, mas ao p do hotspot Wi-Fi, se ouve o ritmo da cidade e a voz do GPS, se procuram amigos e se encontram notcias com comentrios, entra-se num meio de transporte e pergunta-se ao smartphone o percurso. Os relacionamentos com o territrio tornam-se multiplexos, densificam-se, h recombinao de elementos numa estrutura caleidoscpica, ressignificando os lugares.

    As mdias sempre estruturaram a dimenso espaciotemporal e perceptiva da nossa experincia: elas organizam o frame atravs do qual mediamos cognitiva e afetivamente a nossa interao com a realidade. O frame, como a familiaridade com um habitat, resulta geralmente invisvel para quem fica dentro dele e incompreensvel para quem est no seu exterior.

    Neste sentido, McLuhan fala de auto-amputao, isto , o que ocorre quando aceitamos como bvio um sistema que medeia e que filtra as nossas relaes com o mundo. Redimensionando a relao com o espao fsico dos territrios redimensionamos, tambm, a possibilidade de perder-nos (facilmente) nele, para posteriormente reencontrar-nos (felizmente) como seres situados. Ao mesmo tempo, ganhando tecnicamente um posicionamento e uma orientao algortmica e instantnea, ganhamos tambm, novas informaes e novos estmulos para sentirmo-nos multi-situveis, ou potencialmente situados, pr-situados, pelo programa locativo informatizado (SANTAELLA, 2007).

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    Os frames que antigamente produziam, com muita eficcia, as instituies polticas e religiosas, hoje so produzidos pelas mdias. Mas no pelas mquinas mediticas, no mais o hardware a condicionar a forma comunicacional, mas o software, as regras de funcionamento dos programas e as convenes desafiadas pelas aplicaes interativas. O frame a mensagem, ele a matriz da significao, significao desencadeada por caixas pretas 2.0!

    Estudar a cultura do software no significa analisar apenas as prticas de programao, os valores e a mission dos programadores e das empresas; assim como no seria suficiente analisar a cultura que atravessa os contextos de produo. Para completar o estudo sobre a cultura contempornea deveramos esclarecer como o software readapta, remodela, remedia os objetos e os contedos aos quais se aplica, determinando o nosso processo de fruio.

    Foi mrito de estudiosos como Bolter e Grusin (BOLTER; GRUSIN, 2000) ter recuperado e reconfigurado a centralidade do conceito de remediation em McLuhan: o contedo de um medium sempre um outro medium. O contedo da escritura o discurso, assim como a palavra escrita o contedo da imprensa, e o da imprensa o telgrafo (MCLUHAN, 1964). A remediao hoje em dia uma hipermediao que pretende ser imediao. Neste sentido, o tempo consubstancial ao habitar fica transfigurado pela remediao constante do espao em cones digitalizados.

    Mudam as coordenadas cognitivas e perceptivas nas relaes com o mbito cultural atingido pelo software, isso , quase todas as prticas sociais da nossa vida cotidiana esto sujeitas a transcodificarem-se na rede das relaes intersticiais entre cidados-territrios-Web-utilizadores.

    Porm, os software studies no so os code studies, porque o que interessa a uma anlise cultural a experincia medial proporcionada pelo software, a interatividade com os documentos digitais. A leitura em suporte digital de um documento PDF, ou a viso de uma fotografia determinada pelo software que define as opes para a navegao, o editing e a partilha do documento. No

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    apenas o documento em si, o seu contedo, que determina a sua recepo.Para entender e participar na cultura contempornea essencial um estudo das premissas tcnicas e dos princpios culturais implicados no funcionamento do software; ao mesmo tempo necessrio focar a ateno na customizao (as apropriaes dos meios nas suas diferentes utilizaes) dos artefatos programados.

    A experincia com as mdias digitais, a interpretao dos seus produtos, no permite pressupor os seus contedos (como na cultura analgica) como completos e definidos. De fato, os contedos digitais so inacabveis e constantemente alterveis: Google Earth atualizado diariamente, mas tambm um arquivo PDF ou um arquivo de msica nos disponibiliza e desafia uma fruio tecnicamente flexvel.

    A terra tambm se tornou lquida e flexvel? Pensar e experimentar os territrios atravs destas novas lentes muda a relao com os mesmos, mas no a necessidade de dever familiarizar-se com eles. No ser com um cran ou com um interface grfico que familiarizaremos e aprenderemos a habitar, mas sempre com um contexto espacial, geocultural e geoemocional.

    Os lugares aumentados multiplexos

    O mapa ele prprio um dispositivo cultural que foi tendo a sua metamorfose do proto-mapa aos mapas flexveis em suporte digital. O mapa um interface cultural, poltico, geoestratgico, clssico entre o sujeito e o territrio. O mapa permite relacionar agentes e sobrepor diversas camadas de informao: o modelo estrutural do mapa composto por trs nveis de base: o mapa sinttico, o mapa semntico, e o mapa pragmtico. Os diversos nveis permitem ao mapa expressar-se como ferramenta de conhecimento, poder e comunicao. (NEVES, 2011,p.1). A passagem do paradigma analgico para o paradigma digital trouxe tambm ao mapa novas identidades e novas potencialidades. O mapa digital passa a ser dinmico, permitindo usufruir da gesto de dados geogrficos e ambientais complexos que os Sistemas de Informao Geogrfica (SIG) passaram

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    a permitir. Desde o surgimento da geographic information science passaram-se mais de 20 anos (GOODCHILD, 2012), neste perodo deu-se uma mudana radical nos nveis de conectividade internet, na computao ubqua, na miniaturizao dos dispositivos de comunicao que permitiu a sua portabilidade. neste contexto em que os dispositivos mveis conectados em rede e apetrechados de aplicaes que usam informao georeferenciada, em que o mapa surge como interface no qual se partilham contedos e se estabelecem redes sociais, que interessa pensar a relao entre mapa e territrio: onde acaba o mapa e comea o territrio? A terra como interface (NEVES, 2011). E onde comea o territrio e acaba o mapa? H uma dupla textualidade.

    O mapa como plataforma geomedia multifuncional e multidimensional (NEVES, 2011) abre, num efeito quase paradoxal, a oportunidade de ter o territrio a desempenhar a funo de interface, de mapa que remete para o mapa. O territrio passa a estar embutido de sensores, de etiquetas RFID, etiquetas QR Code, etc., que o tornam num corpo implantado de dispositivos que o convertem em agente. Simbiose entre biolgico, ecolgico e a codificao, um meio saturado de capacidade computacional (KANG; CUFF, 2005). A ideia do cyborg, com a incorporao da tecnologia no prprio corpo, salta agora para o territrio Cyborguizao do territrio (Cyborgeo) o territrio como organismo ciberntico, corpo implantado de dispositivos que o tornam agente. Os trs atores natureza (espao), ambiente construdo (territrio) e subjetividade (usurio/lugar) interatuam tendo como pele o mapa sensitivo e o territrio sensitivo que permitem ampliar as relaes no cotidiano: O territrio humano o espao povoado de artefatos tecnolgicos. (...) um mundo de tecnologias infiltradas, das tecnologias que, quanto mais poderosas, mais invisveis. (FIRMINO; DUARTE, 2012, p.71).

    O territrio cran, o prprio territrio o elemento desencadeador da interao devido sobreposio de territorialidades, o mesmo lugar pode ser desdobrado em camadas virtuais customizveis graas computao ubqua, realidade aumentada, aos interfaces tangveis, aos smart objects (objetos conectados com a internet), wearable computers (dispositivos de computao e telecomunicaes

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    embebidos no vesturio), etc.

    Nasce e incrementa-se uma nova dinmica de relacionamento com o territrio, de possibilidade de antropologicamente nos situarmos, em que o territrio ganha novas camadas atuantes e em que o usurio se relaciona consigo, com o territrio e com os outros numa lgica de convergncia e participao.

    A anlise deve ser realizada em trs eixos: a representao, a semntica e a participao (ORELLANA; BALLARI, 2009, p.29).

    Muitos termos tm sido usados para tentar definir este novo papel ativo dos cidados: neogeografia, informao geogrfica voluntria, ambientes de participao e de colaborao, as pessoas como sensores. Em suma, o que esses termos representam que a produo de informao geogrfica, bem como, os servios e aplicaes baseados em localizao j no so atividades exclusivas de organismos oficiais e de empresas privadas de cartografia. Neste contexto, cada um de ns tem em suas mos a oportunidade de participar ativamente na captao de informao e partilhar os seus prprios dados com outros possveis usurios. (ORELLANA; BALLARI, 2009, pp.38-39, traduo nossa)

    Assim, os LBSM (Location Based Social Media) como os LBSM criam um novo tipo de visibilidade e de memria sobre lugares, pessoas e atividades eu argumento que eles so significativos para a atribuio subjetiva de laos de elevado sentido com o lugar. (FISCHER, 2008, p.586, traduo nossa) permitem gerar novas dinmicas de fruio do territrio, com uso de dispositivos mveis usando GeoCMS (Geospatial Content Management System), como por exemplo: Layar (www.layar.com), Wikitude (http://www.wikitude.com/), Foursquare (https://pt.foursquare.com/), Citysense (www.citysense.com), Sense Networks (https://www.sensenetworks.com/retail-retargeting/), Tripit (https://www.tripit.com/), Google Latitude (http://www.google.com/mobile/latitude/), Facebook Places (https://www.facebook.com/about/location), UberTwitter (http://m.ubertwitter.com/).

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    A comunicao em rede v a sua dinmica enriquecida pela percepo do contexto que se passa a ter. O enraizamento da comunicao na territorialidade abre novas fronteiras na cultura da mobilidade, que deixa de ser apenas mobilidade virtual, navegao no ciberespao, para ser navegao entre terra e nuvens. Sobre a imagem captada da realidade o utilizador pode obter novas camadas de informao sobre esse lugar, camadas de experincia e relao que no estariam ao seu alcance, criando ambientes mistos aumentados baseados na colaborao ACME Augmented Collaboration in Mixed Environments (LUCAS, 2012).

    Trata-se de uma ecologia miditica hbrida (SANTAELLA, 2008) novas espacialidade / hipercomplexidade cultural e comunicacional dos lugares memria e esquecimento, individual e coletivo.

    De fato, as mdias locativas esto criando oportunidades para se repensar e re-imaginar o espao cotidiano. Embora conectados imaterialidade das redes virtuais de informao, no poderia haver nada mais fsico do que GPS e sinais Wi-Fi que trazem consigo outras maneiras de pensar o espao e o que se pode fazer nele. Uma nova espacialidade de acesso, presena e interao se anuncia: espacialidades alternativas em que as extenses, as fronteiras, as capacidades do espao se tornam legveis, compreensveis, prticas e navegveis, possibilitando, sobretudo, prticas coletivas que reconstituem os modos como nossos encontros com os lugares especficos, suas bordas e nossas respostas a eles esto fundados social e culturalmente. (SANTAELLA, 2008, p.97)

    Ler e escrever nos lugares ficar com a sua narrativa para uso pessoal ou partilha MIM (Mapeamento Interativo Mnsico) o rastro, a memria, as marcas interpretativas do lugar, a complementaridade subjetiva do lugar, recupervel pelo MIM. Diz-me por onde andas dir-te-ei quem s! a experincia dos lugares como elemento estruturante da identidade e da capacidade de explorao futura de novos lugares - os lugares passam a dialogar, o sujeito pode fazer anotaes no espao o contexto ganha um novo valor.

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    A informao geogrfica (GIS), a internet das coisas dadas pelas tags de radiofrequncia (RFID) e a linguagem de marcao geogrfica (GML Geographic Markup Language), entre outras tecnologias, criam a oportunidade de desenvolvimento de servios que permitem gerar uma relao afetiva e sensorial com o lugar (sensorizao do espao -> sensibilidade do lugar). Os elementos dos lugares passam a ser atores que dinamizam o usufruto e a fruio esttica, emotiva, histrica, poltica e cultural do lugar. A questo central no a tecnologia que rapidamente se torna obsolescente, a questo central o ontos do lugar, a sua essncia, o que o torna particular, ou seja, a dimenso geocultural e geoemocional que central as pessoas tm no essencial uma relao esttica com os lugares, gostam dos stios. Mais do que um clculo racional de um clculo relacional, afetivo que se trata. Deixam-se afetar pelo lugar. Esta sensorialidade projetada na prpria tatilidade dos dispositivos que interatuam com o territrio.

    Cada lugar esconde um conjunto de informaes, de relaes potenciais, de desafios, mistrios e oportunidades, com os servios de informao e comunicao georeferenciados abre-se a oportunidade de tornar visvel o invisvel dos lugares, de tornar patente o latente. Rede de pontos quentes do lugar (hotspots places) rede de geotags que permite transformar/adicionar ao lugar uma camada que est nas nuvens, mas se cola ao lugar ampliando o potencial de relao. O lugar como um corpo com histria e com histrias.

    A comunicao em rede v a sua dinmica enriquecida pela percepo do contexto que se passa a ter. O enraizamento da comunicao na territorialidade abre novas fronteiras na cultura da mobilidade, que deixa de ser apenas mobilidade virtual, navegao no ciberespao, para ser navegao entre terra e nuvens.

    O territrio interface, desafios futuros

    A criao de novos servios em que a componente cultural e social seja central o desafio principal. O envolvimento das instituies e organizaes culturais a participarem na criao de contedos culturais de qualidade, que potenciem a

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    riqueza histrica, cultural, social, poltica e cientfica de um lugar. Para alm desta componente formal de participao de especialistas, os servios tm a ganhar com a participao amadora dos habitantes e visitantes dos lugares que adicionam informao emotiva e sensitiva relativa sua experincia dos lugares.

    Vive-se numa realidade mista a realidade mista define a partilha de um espao-tempo entre o real e o mundo virtual. (LUCASA; CORNISHB et al., 2012, p.277, traduo nossa) na confluncia da fruio do territrio com a fruio da territorialidade imaterial da camada cultural e social desse territrio.

    Mark Weiser (1991), o pai da expresso computao ubqua (ubiquitous computing) sublinha a ideia da transparncia das tecnologias no cotidiano - as tecnologias mais profundas so aquelas que desaparecem. Elas tecem-se no tecido da vida cotidiana at que se tornam indistinguveis a partir dele. (WEISER, 1991, p.94, traduo nossa), essa transparncia uma das caractersticas centrais dos dispositivos mveis, que passam a ter uma presena naturalizada no cotidiano.

    Os desafios para alm de tecno-sociais so tambm ticos e polticos. Levantam-se questes como: quem e como garantir a proteo da informao? Se estamos disponveis para ser vigiados a todo o momento e em todos os lugares? Como so utilizadas as informaes recolhidas sobre os hbitos das pessoas, nomeadamente, para fins publicitrios e comerciais? (ORELLANA; BALLARI, 2009, p.49). E novas oportunidades como aprendizagem informal ubqua (SANTAELLA, 2010) com base em servios de realidade aumentada e MEIS (Mobile Environmental Information Systems) que abrem novas formas e estratgias de relao com o territrio e com as sua histria e redes de sentido.

    Estamos face a lugares plissados, que mostram e escondem conforme os movimentos do usurio, em que a terra (os objetos, as materialidades) so a interface para as nuvens (a camada digital de informao e comunicao) potencializadas pelo lugar.

    Estar e ser entre terra e nuvens, num jogo dialtico.

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  • mariana lapolli, tarcsio vanzin e vania ribas ulbricht

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  • Visualizao da informao por meio de infografia digital: uma anlise sob o ponto de Vista da semitica peirceana

    experincias de consumo contemporneo: pesquisas sobre mdia e conVergncia 48

    sumrio

    Introduo

    A infografia uma forma de visualizao da informao, que exibe dados por meio de representaes visuais. Esse recurso existe h muitos anos, sendo que com o passar do tempo e a evoluo das tecnologias, as representaes visuais foram se tornando cada vez mais complexas. Os novos suportes digitais permitiram o surgimento da infografia digital, que possui uma linguagem multimdia e interativa, instigando a participao do usurio.

    Esta pesquisa apresenta um exemplo de infogrfico digital publicado no site da Revista Superinteressante - Editora Abril. O objetivo analisar a tela inicial deste infogrfico digital sob o ponto de vista da semitica peirceana. Assim, a teoria semitica de Charles Sanders Peirce, que aponta o signo como aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para algum (PEIRCE, 2010, p.46), tomada como base para a realizao da anlise do objeto de estudo: o infogrfico digital intitulado o homem nunca pisou na lua.

    Visualizao da informao

    A informao pode ser definida como dados dotados de relevncia e propsito, enquanto que os dados se definem como uma simples observao sobre o estado do mundo (DAVENPORT; PRUSAK, 1999). Com a enorme quantidade de dados disponveis atualmente, sobretudo em meios digitais, preciso organiz-los no intuito de possibilitar a anlise dos mesmos. Neste contexto, surge a visualizao da informao, que tem como principal objetivo representar graficamente informaes a fim de facilitar a compreenso de conjuntos de dados.

    Card, Mackinlay e Shneiderman (1999) entendem a visualizao como o processo de mapeamento de dados, formando representaes visuais que so apresentadas a um observador humano. Neste sentido, Carvalho e Marcos (2009) citam a cor, a forma, o tamanho, a noo de distncia e do movimento como caractersticas bsicas de apreenso do sistema perceptivo humano. Todas as aplicaes orientadas a Visualizao da Informao tm como base estas caractersticas,

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    experincias de consumo contemporneo: pesquisas sobre mdia e conVergncia 49

    sumrio

    que combinadas e utilizadas de forma adequada, podem maximizar em muito a percepo da informao (Ibidem., p.22).

    Para Dias (2007, p.7) o avano das tecnologias de informao, dos equipamentos de imagem em geral e dos computadores permite a construo de sistemas cada vez mais complexos, que podem oferecer