explorando o conceito de webdocumentário
DESCRIPTION
Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi apresentado na UFSC em 2013 e tem como objeto a problematização do conceito de webdocumentário. Ter a rede como suporte permite o reforço de linguagens não-lineares, o hibridismo e o uso de recursos interativos. O que vemos hoje é uma gama de produções que são categorizadas desta maneira, mas que possuem características diferentes entre si. Isso sinaliza que há uma variedade de entendimentos do que pode ser definido. A proposta desta monografia é discutir conceituações, recorrendo a autores brasileiros e internacionais que tratem da problemática ou que sugiram compreensões e novas definições para o termo.TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)
CENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO (CCE)
DEPARTAMENTO DE JORNALISMO
MARIANA DUTRA DELLA JUSTINA
EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTRIO
Florianpolis
2013.
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MARIANA DUTRA DELLA JUSTINA
EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTRIO
Trabalho de Concluso de Curso
(TCC) apresentado ao curso de
Jornalismo da Universidade Federal de
Santa Catarina como requisito parcial
para a obteno do ttulo Bacharel em
Jornalismo. Orientadora: Prof. Dr.
Maria Jos Baldessar.
Florianpolis
2013.
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Mariana Dutra Della Justina
EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTRIO
Este Trabalho de Concluso de Curso (TCC), apresentado ao Curso de
Jornalismo da UFSC, foi julgado adequado para a obteno do Ttulo de
Bacharel em Jornalismo.
Florianpolis, 15 de julho de 2013.
Banca Examinadora
__________________________________________________
Prof. Dr. Maria Jos Baldessar
Orientador
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
__________________________________________________
Prof. Dr. Crlida Emerim
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
__________________________________________________
Prof. Mestre Cristiane Fontinha Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
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AGRADECIMENTOS
Deus, por sempre me acompanhar.
famlia pelo apoio e dedicao incondicional.
Dr. Maria Jos Baldessar pela orientao.
Aos professores do Curso de Jornalismo da UFSC por terem contribudo
com a minha formao pessoal e profissional.
E a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para que eu conclusse
esta etapa.
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RESUMO
Este Trabalho de Concluso de Curso (TCC) tem como objeto a
problematizao do conceito de webdocumentrio. Ter a rede como suporte
permite o reforo de linguagens no-lineares, o hibridismo e o uso de
recursos interativos. O que vemos hoje uma gama de produes que so
categorizadas desta maneira, mas que possuem caractersticas diferentes
entre si. Isso sinaliza que h uma variedade de entendimentos do que pode
ser definido. A proposta desta monografia discutir conceituaes,
recorrendo a autores brasileiros e internacionais que tratem da problemtica
ou que sugiram compreenses e novas definies para o termo.
Palavras-chave: Webdocumentrio. Internet. Documentrio. Audiovisual.
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ABSTRACT
This coursework is engaged in questioning the concept of webdocumentary.
Having the web as a platform allows the reinforcement of nonlinears
languages, hybridism and the use of interactive resources. What we see
today is a range of productions that are categorized this way whereas they
bear different characteristics. This emphasizes that there are different
understandings of what can be defined. The main goal of this monography
is to discuss different conceptualizations, appealing to Brazilian and
international authors who deal with the problem or who suggest
comprehensions to new definitions of the term.
Palavras-chave: Webdocumentary. Internet. Documentary. Audiovisual.
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SUMRIO
1 INTRODUO............................................................................9
2 TRANSFORMAO DAS MDIAS NO MEIO
DIGITAL.......................................................................................15
2.1 PRINCPIOS E PROPRIEDADES ESSENCIAIS.......................16
2.2 CONVERGNCIA, INTERATIVIDADE E HIPERMDIA........19
2.3 A ESTTICA DOS NOVOS MEIOS.........................................24
2.4 NOVAS E VELHAS NARRATIVAS.........................................26
3. MUDANAS NA FORMA DE CONSUMIR MDIAS...............28
3.1 CAPTAO DE PBLICO PELA AGNCIA E SENSAO DE
IMERSO......................................................................................30
3.1.1 Mdias compartilhadas.........................................................31
3.2 O PAPEL DA AUDINCIA NA CRIAO E MANUTENO DE
CONTEDO..................................................................................33
3.2.1 Participao das redes sociais..............................................34
3.3 AUDINCIA, CONSUMO E CRIAO DE VDEO.................36
4 O DOCUMENTRIO NA INTERNET.......................................40
4.1 APROXIMAES E DIFERENAS PARA A TV E PARA O
CINEMA........................................................................................42
4.2 PLURALIDADE DE PRODUTOS AUDIOVISUAIS.................44
4.2.1 Webdocumentrio: influncias e contribuies....................46
4.3 DEFINIES, DISCUSSES E HISTRIA..............................48
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4.3.1 Alguns mtodos de categorizao........................................58
5 CONSIDERAES FINAIS.......................................................63
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................67
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1 INTRODUO
Este estudo tem como objeto a problematizao do conceito de
webdocumentrio, narrativa com imagens-cmera que estabelece
asseres sobre o mundo (RAMOS, 2008, p. 22) concebido e produzido para web e que nela difundido (CROU, 2010).
Falar sobre este tema buscar compreender como as narrativas
so modificadas pelas novas tecnologias e como ambientes de
experimentao permitem o surgimento de maneiras inovadoras de se
contar histrias (MURRAY, 2003). Para tanto, necessrio entender
no s as concepes do cinema documental, mas tambm as
caractersticas que propiciam esses novos formatos.
Se o documentrio coubesse dentro de fronteiras fceis de estabelecer, certamente no seria to rico e fascinante em suas mltiplas
manifestaes (DA-RIN, 2006, p. 15). A frase, que consta na introduo do livro Espelho Partido, define bem a dificuldade que prender os conceitos na rea a afirmaes simplistas. Nichols (2005, p.
47) chega a comparar a definio com a palavra amor, que apenas
adquire significado se analisada em contraponto ao dio ou
indiferena. Para ele, o documentrio o que pode ser chamado de
conceito vago, pois nem todos os filmes assim classificados se parecem e nem todos apresentam um nico conjunto de formas ou estilos.
Ainda assim, h caractersticas que podemos elencar. Nichols
(2005, p. 28) pondera que os documentrios de representao social normalmente chamados de no-fico, em contraponto aos
documentrios de satisfao de desejos, chamados de fico engajam-se no mundo por meio de trs maneiras: 1) oferecem uma representao
reconhecvel da realidade (por meio da capacidade de registrar pessoas,
lugares e situaes comuns ao cotidiano), o que contribui para a base de
crenas do tipo ele estava l, deve ser verdade; 2) significam ou representam os interesses de outros. Nesse caso, os realizadores podem
falar em favor do pblico ou de seus patrocinadores; 3) podem advogar
por uma causa ou cliente. Desse modo, intervm mais ativamente nos
fatos que apresentam ao buscar consentimentos ou tentar influenciar opinies.
Ramos (2008) afirma que documentrio uma narrativa
fundamentalmente formada por imagens-cmera, seguidas muitas vezes
de animao, tomadas de rudos, msica e fala, para as quais ns,
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espectadores, olhamos em busca de asseres sobre o mundo que nos
exterior, seja esse mundo coisa ou pessoa.
A no-fico um campo em constante mudana e j teve
tantas escolas e estilos to diferentes entre si que convida os seus
integrantes a uma reflexo sobre o novo. Conforme o tempo passa e
novas tecnologias surgem, podem mudar tambm as formas de se fazer
cinema. Prottipos tem a potencialidade de desafiar convenes e
redefinir os limites da prtica (NICHOLS, 2005, p. 48).
Neste sentido, porque no encarar as novas mdias como
espaos de experimentao? Ter a web como suporte permite aos
produtores de audiovisual o reforo de linguagens no-lineares, o
hibridismo e o uso de recursos interativos.
Manovich (2006, p. 72) reduz os princpios dos novos meios em
cinco: 1) representao numrica as mdias se tornam programveis, ou seja, podem ser descritas por funes matemticas e ser submetidas a
manipulaes algortmicas; 2) modularidade os elementos miditicos apresentam sempre a mesma estrutura modular. Eles podem combinar-
se dando origem a objetos maiores, porm, sem perder a sua
independncia; 3) automatizao os dois primeiros princpios permitem automatizar muitas operaes de criao, manipulao e
acesso. Assim, a intencionalidade humana nos processos criativos pode,
em parte, ser eliminada; 4) variabilidade nos novos meios, os objetos podem existir em diferentes verses. possvel criar diferentes
interfaces a partir dos mesmos dados; e 5) transcodificao cultural como novas mdias so criadas, distribudas, armazenadas e arquivadas
em sistemas computacionais, de se esperar que a lgica do computador
influencie de maneira significativa a tradicional lgica cultural dos
meios.
Para o campo do jornalismo estas caractersticas tambm so
levadas em conta, assim como a possibilidade de mesclar recursos
tcnicos e de captao dos sentidos (audio e viso) do espectador.
Para Ramn Salaverra, a convergncia multimdia abriu novas
possibilidades s linguagens jornalsticas:
At a chegada da internet, no existia nenhuma
plataforma que permitisse difundir mensagens
informativas que combinassem cdigos textuais e
audiovisuais, e com os quais, tambm, o usurio
pudesse interagir. Neste sentido, a revoluo
digital abriu novos horizontes para a expresso
jornalstica: estabeleceu o desafio de criar uma
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retrica jornalstica multimdia. (SALAVERRIA,
2003).
Murray (2003) classifica os ambientes digitais como
procedimentais, participativos, espaciais e enciclopdicos:
As duas primeiras propriedades correspondem, em
grande parte, ao que queremos dizer com o uso
vago da palavra interativo; as duas propriedades
restantes ajudam a fazer as criaes digitais
parecerem to explorveis e extensas quanto o
mundo real, correspondendo, em muito, ao que
temos em mente quando dizemos que o
ciberespao imersivo (MURRAY, 2003, p. 78).
A autora enfatiza que essas propriedades so fatores de suma
importncia para a criao de tipos de narrativas, no s relacionados ao
favorecimento da criao literria, mas a de games, produtos de
entretenimento e documentais.
Isso engloba a produo do webdocumentrio que para
Broudoux um novo gnero em que a identificao do leitor com a
narrativa se torna mais substancial. Para ela, enquanto os gneros cinematogrficos constroem processos em que diferenciam o ponto de
vista do autor e do espectador, o aumento da interatividade com o
pblico constri uma relao participativa com a audincia (BROUDOUX, 2011).
Esse tipo de narrativa se difere de projetos feitos para TV ou
para o cinema (em grande nmero lineares), que encontram na internet
mais um espao de divulgao, pois pode ser considerado uma espcie de extenso do que so os CD-ROM ou DVD-ROM: uma obra que
utiliza as tecnologias da web e seus diferentes recursos multimdia (CROU, 2010).
Tanto realizadores, quanto um novo pblico para as produes
audiovisuais se forma na internet e se utiliza de equipamentos cada vez
mais acessveis tcnica e financeiramente, o que para Camargo e Possari
(2011) transforma a cultura do documentrio:
A nova base dessa cultura, proporcionada pela
cibercultura, ampliar as plataformas digitais que
promovam a participao, colaborao, interao
textual, e de certa forma, rev o conceito da
democracia quando se tem acesso s redes, e est
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diretamente ligada a organizao de grupos que
saem da passividade para a produo de
contedos expressivos e que pretendem atingir
uma finalidade. (CAMARGO, POSSARI, 2011, p.
7).
A utilizao de recursos fotogrficos na captao do filme
atraiu fotgrafos para produes audiovisuais na web. Como destacam
Freire e Barbalho (2012), na medida em que o webdocumentrio se
apresenta como um campo em desenvolvimento, aberto a incorporar
diversas possibilidades de expresso online (o que inclui a imprensa), o
fotojornalismo encontra neste ambiente uma maneira de se incorporar.
O que se v hoje uma gama de produes que se
autodenominam webdocumentrio, mas que possuem caractersticas
diferentes entre si. Bauer (2011, p. 1) destaca o carter incerto dos
aspectos tcnicos e mercadolgicos como atuantes nesse contexto, assim
como o fato de que as novas tecnologias aguam a busca por possibilidades narrativas diferenciadas.
Broudoux (2011) elenca alguns aspectos que podem ser
encontrados em grande parte dos webdocumentrios: 1) um
documentrio realizado em vdeos, udio, textos e imagens; 2) que leva
em conta a interatividade por meio de narrativas fragmentadas e de uma
interface grfica; 3) e que possui uma comunicao personalizada com o
internauta.
Ao procurar estabelecer parmetros entre os autores, Bauer
(2011) considera que a no linearidade do discurso narrativo e o uso de
outras formas de expresso alm do vdeo so encontrados tanto em
webdocumentrios interativos quanto em participativos.
Existem ainda conceitos que se avizinham ao do objeto de
estudo, como documentrios interativos. Isso sinaliza que h diferentes
entendimentos do que pode ser definido ou conceitualizado, e demonstra
o quo mutante esse campo. Afinal, a explorao de transmdia est apenas em sua infncia; o seu potencial criativo e suas ricas
possibilidades atraem cada vez mais o interesse de cineastas
(OBSERVATOIRE DU DOCUMENTAIRE, 2011, p. 2).
H que se ter em conta tambm a contrapartida. Assim como o
cinema (no caso, documental) pode se apropriar dos recursos advindos
da internet, os criadores de contedo para web tm muito a aprender
com ele. Isso o que acredita Lev Manovich (2006, p. 313). O autor
enfatiza a obra Um Homem com uma Cmera (1929), de Dziga Vertov (1896 1954) como exemplo a ser seguido ao integrar os dados
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e a narrativa de novas maneiras. Isso porque, no filme, o cineasta russo
atribui sentido aos efeitos que utiliza e apresenta diversas tcnicas de
forma dinmica. Para os novos realizadores, fica o desafio de no
somente conhecer as ferramentas que surgem constantemente, mas
utiliz-las com propsitos bem definidos. Dominar as tecnologias
tambm saber quais delas se apropriar e quais so apenas modas
passageiras.
Outro questionamento preponderante apontado por Broudoux
o papel do documentarista nesse ambiente, que perpassam as fronteiras
da fico e da no-fico. O interesse dos artistas visuais, fotgrafos,
escritores e jornalistas em publicaes multimdia e online anuncia
ensaios narrativos em que os internautas participam mais ativamente,
deixando de ser apenas leitores. Tendo em conta este cenrio, a autora
questiona qual a distncia necessria para a reflexo se o contrato de leitura simplesmente o usurio investir em uma "histria da qual ele
o heri" entre as sesses de navegao na web (BROUDOUX, 2011, p. 16).
Nesta monografia, discutimos diferentes conceituaes de
webdocumentrio, recorrendo a autores brasileiros e estrangeiros que
direta ou indiretamente tem compreenses e definies para o termo. A
abordagem adotada foi a terica, pois ela permite contrapor teorias,
explicar a problemtica e extrair o que comum a todas elas. Para tanto,
nos utilizamos de um levantamento de bibliografia que trate ou faa uso
de noes relacionadas ao objeto de estudo, e a sistematizao dos
diferentes conceitos.
O trabalho est dividido em trs captulos, introduo e
concluso. No primeiro, discorremos sobre as caractersticas estticas da
internet e as novas formas de se pensar as narrativas que permitiram o
surgimento do webdocumentrio. A convergncia dos meios de
comunicao, a navegao hipermdia e a possibilidade de uma relao
mais interativa com o pblico esto inseridas neste contexto.
A mudana na forma de se consumir as mdias e a participao
da audincia na construo e manuteno de contedo online o tema
do segundo captulo. Nele, falamos a importncia das plataformas de
vdeo e das redes sociais na divulgao e captao de pblico.
No terceiro, o foco de discusso o documentrio e como esse
se adapta/modifica na web. Ressaltamos as suas diferenas quando
pensado para outros meios, a pluralidade de produtos audiovisuais no
ciberespao e as contribuies da fotografia para novas narrativas.
Ainda nesse captulo, exemplificamos a correlao existente entre
cinema documental e webdocumentrio.
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Este captulo focado, tambm, nas particularidades do
webdocumentrio. Enumeramos as caractersticas principais
apresentadas por diversos autores, tais como forma, contedo e
ferramentas, e ensaiamos as possibilidades de categorizao.
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2 TRANSFORMAO DAS MDIAS NO MEIO DIGITAL
"Toda mdia nova passa por um processo de transio" (PAUL,
2007)*1. Assim como os tipos mveis de Gutenberg revolucionaram a
impresso e permitiram a reprodutibilidade em massa dos textos, o que
alargou o acesso informao; ou como a TV apropriou-se das
linguagens do rdio para depois desenvolver a sua prpria; necessrio
pensar no ambiente digital e em suas maneiras de comunicar e informar
como resultantes de narrativas anteriores. Isso sem deixar, claro, de
especificar as potencialidades que o diferem dos meios que o
precederam como a sua capacidade de agrupar todas elas. Para entender
o contexto em que se insere o webdocumentrio enquanto narrativa
preciso traar um retrospecto dos meios digitais, alm de situar os
fenmenos e conceitos j estabelecidos.
Entre a inveno da prensa tipogrfica, em 1455, at o
surgimento do livro como o conhecemos, foram necessrios mais de 50
anos. Nesse meio tempo, teve-se os conhecidos incunbulos2, que nada
mais so do que livros de experimentao (MURRAY, 2003, p. 41).
O mesmo fenmeno ocorreu com o cinema, que aps as
primeiras imagens exibidas em cinematgrafo por Edson, em 1984, por
Max Skaladanowsky, em 1985, e pelos irmos Lumire, em Paris, em
1895, teve um perodo de filmes berrios3. Os cineastas,
coletivamente, construram os principais elementos de narrao
1 Este texto faz parte de uma obra sem paginao. Todas as vezes em que forem
utilizadas citaes do tipo, identificaremos com o smbolo *. 2A palavra incunbulo (do latim incunablum) utilizada para designar aquilo
que serve de ornato para o bero, local de nascimento. Por remeter ao
nascimento, foi adotada modernamente para referir-se as primeiras produes
tipogrficas (anteriores a 1500). A tecnologia ainda estava em sua infncia
(MURRAY, 2003, p. 41) e muitas das publicaes eram apenas cpias de
manuscritos (MCLUHAN, 1972, p. 192). 3Murray (2003) chama de filmes berrios os photoplays (ou fototeatro tidos
como mera forma de arte aditiva. Da-Rin (2006) comenta que o primeiro perodo do cinema tambm era caracterizado pelas atualidades lutas de boxe, filmes de viagem, filmes de guerra. Tanto ele quanto Machado (2011),
ponderam que o cineasta David Wark Griffith, nos filmes que fez para a
produtora Biograph, entre 1908 e 1913, teve papel fundamental para a histria
do cinema. Com Griffith, convencionaram-se princpios sequenciais plenamente reconhecidos pelo espectador o sistema de filmagem-montagem-fruio que at hoje, com pequenos acrscimos, costumamos chamar de
linguagem cinematogrfica (DA-RIN, 2006, p. 38).
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cinematogrfica baseados, primeiro, nas propriedades fsicas, como
movimentos de cmera.
2.1 PRINCPIOS E PROPRIEDADES ESSENCIAIS
No final do sculo XX e incio do XXI, muitos autores
elencaram as caractersticas do meio digital, e outros se apropriaram
destas para sugerir categorizaes. Murray (2003) pondera que quando
deixamos de pensar no computador como mera conexo multimdia,
podemos identificar suas propriedades essenciais e torn-lo um
poderoso veculo para a criao literria. A autora define os meios digitais como procedimentais, participativos, espaciais e enciclopdicos:
O computador tem uma distinta capacidade de executar regras. Ele capaz de incorporar comportamentos complexos e aleatrios, e no serve simplesmente para transmitir informaes
estatsticas. Isso o caracteriza como procedimental. Murray (2003)
destaca que ser um cientista da computao pensar em termos de algoritmos e heurstica, ou seja, identificar constantemente as regras
exatas ou gerais de comportamento que descrevem qualquer processo, do mais simples ao mais complexo.
So atraentes ao pblico os meios conduzidos por regras que
geram interpretaes que reconhece do mundo, e que permitem induzir
comportamentos, reagindo s informaes inseridas neles. Essa a
propriedade participativa, que junto com a procedimental, o que
entendemos, na maioria das vezes, como interatividade. Ela possibilita
que programadores e desenvolvedores de narrativas criem percursos
ramificados, com vastas interaes possveis. O usurio se torna, ento,
um interator4. Quanto mais esquemtico o roteiro, melhor ele poder ser
assimilado e correspondido; E quanto mais flexvel, maior ser a gama
de comportamentos do leitor.
Outra caracterstica nica dos ambientes digitais a imensa
capacidade de armazenamento de dados. Essa propriedade permite criar
4Para Murray (2003), interatores so os usurios que exercem agncia em
ambientes interativos. Eles podem exercer um papel criativo dentro de espaos
digitais, mas tem suas possibilidades de atuao limitadas ao que foi
programado pelo autor da obra.Murray (2003, p. 149) exemplifica que eles
podem experimentar estratgias, construir cidades simuladas, atuar por meio de
avatares, mas todas as encenaes possveis do interator sero chamadas existncia do autor original;
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histrias em hipertexto, com tramas compostas e enredos entrecruzados.
por meio dela tambm que somos capazes de elencar contedos
adicionais narrativa central e remeter o pblico, por meio de
hiperlinks5, a outros materiais. No s a possibilidade de armazenar,
mas a de conexo permite o desenvolvimento de uma grande e nica
biblioteca global, com filmes, sries, livros, pinturas.
Porm, a grandeza enciclopdica tambm apresenta pontos
negativos: podemos encontrar informaes incompletas ou inverdicas e
as buscas podem ser cansativas. Alm disso, ela incentiva narrativas de grande flego e sem formato definido e deixa os leitores/interatores
imaginando qual dos pontos finais , de fato, o final e como podem ter
certeza de que viram tudo o que havia para se ver (MURRAY, 2003, p. 91).
Os ambientes digitais tambm podem representar espaos
navegveis pelo qual podemos nos mover. Isso o difere de meios
lineares, que retratam locais com descries verbais, ou por imagens. A
espacialidade permite, por exemplo, o desenvolvimento de ambientes
como o Second Life e pode ser muito bem explorada em webdocumentrios. Apesar disso, ela independe de criaes grficas,
como peas tridimensionais, ou comunicativas (conectando lugares
distantes entre si). Sua questo central que a qualidade espacial do computador criada pelo processo interativo de navegao (...), que
exclusivo do ambiente digital (MURRAY, 2003, p. 85). Desde a sua descoberta na dcada de 1970
6, a capacidade espacial foi desenvolvida
de tal forma que o domnio digital, anos mais tarde, foi conceituado
como ciberespao7.
A imerso, caracterstica esttica das novas mdias, resultante
dos princpios enciclopdico e espacial. Manovich (2006) tambm
considera a relao entre ambos complementares. Diferente de Murray
5Conexo disponvel entre um elemento de hipertexto (palavra, smbolo,
imagem etc.) e outro elemento desse texto ou outro hipertexto. Um hiperlink oferece um mtodo de passar de um ponto do documento para outro ponto do
mesmo documento ou em outro documento (FERRARI, 2007) *. 6A primeira interface do usurio (que base para a que utilizamos ainda hoje)
utilizava elementos grficos encontrados em um escritrio, como uma
escrivaninha e pastas, para representar o armazenamento de dados. Murray
(2003) contextualiza o seu surgimento, e Manovich (2006) comenta o fato o
citando como o paradigma original da interface grfica do usurio (GUI); 7 Para Murray (2003), o ciberespao um ambiente com sua prpria geografia
no qual experimentamos a transformao de documentos em nosso monitor
como uma visita a um lugar distante na grande teia mundial.
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(2003), que os situa como propriedades essenciais, o autor destaca os
espaos navegveis e o banco de dados do meio digital como formas
culturais. Ele as destaca como modos gerais que a cultura utiliza para representar a experincia humana, o mundo e a vida humana neste
mundo (MANOVICH, 2006, p. 280). Para compreender as convenes, padres e formas dos
ambientes digitais, Manovich (2006) diferencia os velhos meios dos
novos ao elencar as principais tendncias da cultura da informatizao.
Ao invs de fazer isso identificando as suas propriedades, ele optou
como ponto de partida, em identificar os princpios, que divide em
cinco: representao numrica, modularidade, automatizao,
variabilidade e transcodificao cultural, como j comentado na
introduo.
A representao numrica tem a ver com a maneira como os
objetos so identificados nos novos meios. Cada um deles possui um
cdigo digital, seja originrio de um computador ou convertido de um
meio analgico. Assim, o autor elenca duas consequncias desse
aspecto: o primeiro que todo objeto dos novos meios pode ser descrito
em termos matemticos, por meio de funes; o segundo, que um
objeto dos novos meios est submetido a uma manipulao algortmica.
Os meios se tornam programveis.
Os elementos miditicos apresentam sempre a mesma estrutura
modular. O autor salienta que sejam imagens, sons, formas ou comportamentos, so representados como colees de amostras
discretas (pixels, polgonos, voxels, caracteres ou scripts), cujos
elementos se agrupam em objetos de maior escala, sem perder a sua
individualidade (MANOVICH, 2006, p. 75). Objetos tambm podem ser unidos e formar outros maiores e assim por diante, sempre mantendo
a sua independncia. A prpria web tambm modular, quando suas
vrias pginas se juntam, mas os elementos de cada uma delas podem
ser acessados separadamente.
Somados, a codificao numrica dos meios e a estrutura
modular permitem a automatizao (ou automao) de processos. A
palavra, em seu sentido mais literal, remete a aplicao de tcnicas que
visem a diminuio da mo de obra. No caso dos ambientes digitais isso
se d, segundo o autor, de duas maneiras principais: as automatizaes
de baixo nvel e as de alto nvel. As primeiras se relacionam a
procedimentos mais simples, como os corretores ortogrficos de
processadores de texto, ou os softwares de edio de imagem que,
automaticamente, podem corrigir a cor, o contraste. J as segundas, tem
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mais a ver com o uso de inteligncia artificial em procedimentos.
Buscadores para a web, como o Google, tambm so automatizados.
Enquanto nos velhos meios um mesmo documento podia ter
vrias cpias a serem distribudas, mas todas idnticas, nos meios
digitais os objetos podem ter muitas verses. Esse o princpio de
variabilidade. Ou seja, um objeto no ambiente digital no fixo, ele
pode ser mutvel. Dentro das possibilidades que esse oferece, Manovich
(2006, p. 83) elenca sete casos particulares:
1. Os elementos miditicos so armazenados em banco de
dados;
2. Pode-se criar distintas interfaces a partir dos mesmos dados;
3. A informao sobre um usurio pode ser empregada por um
software para adapt-lo automaticamente a composio do meio, e
tambm para criar os prprios elementos;
4. A interao e tipo arbreo;
5. A hipermdia8;
6. Atualizaes peridicas;
7. Escalabilidade.
Para Manovich (2006), a consequncia mais importante da
informatizao dos meios o quinto princpio, a transcodificao. Isso
porque ela resultante das quatro anteriores. O autor destaca que os
novos meios so separados por duas camadas, a cultural e a informtica,
que convivem e se modificam entre si. Isso significa que a lgica dos
computadores tem a capacidade de interferir na lgica cultural at ento
predominante. Assim, como os novos meios se criam, se distribuem, so
salvos e arquivados em computadores, a organizao cultural, os
gneros emergentes e seus contedos sofrem essa influncia.
2.2 CONVERGNCIA, INTERATIVIDADE E HIPERMDIA
Jenkins (2008) considera positivas as mudanas de padres
culturais advindas com a interferncia dos meios digitais. A internet
trouxe de volta o improviso e a participao do pblico. Com a popularizao do rdio e da TV, a cultura tradicional dos povos havia
sido substituda pela comercial. Com as artes mais industrializadas, se
empunha um padro tcnico e esttico que dificilmente no profissionais
8 Da qual trataremos melhor a seguir.
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alcanavam. Para o autor, esse foi um aspecto importante da
convergncia dos meios, a qual ele se refere como:
Fluxo de contedos atravs de mltiplos suportes
miditicos, cooperao entre mltiplos mercados
miditicos e ao comportamento migratrio dos
pblicos dos meios de comunicao, que vo a
quase qualquer parte em busca das experincias
de entretenimento que desejam. Convergncia
uma palavra que consegue definir transformaes
tecnolgicas, mercadolgicas, culturais e sociais,
dependendo de quem est falando e do que
imaginam estar falando (JENKINS, 2008, p. 27).
Em relao ao campo do jornalismo, Salaverra (2010) pondera
que a convergncia pode ser estruturada em quatro reas fundamentais:
as tecnologias, as empresas, os profissionais e os contedos (sendo os
trs primeiros a base para que o quarto ocorra).
O autor refora que, no jornalismo atual, uma mesma pea
informativa tende a ser consumida atravs de mltiplos canais e
suportes, frequentemente de maneira simultnea. A isso, soma-se a
rpida evoluo dos dispositivos mveis, que tanto podem ser
empregados num jornalismo cidado, quanto permitem a reproduo de
contedo em diferentes formatos e a qualquer momento. Tais
caractersticas "se convertem automaticamente em demandas de servios
que os meios esto obrigados a satisfazer", o que impulsiona adaptaes
nos processos de produo e nas configuraes internas de empresas de
comunicao. Isso caracteriza a convergncia tecnolgica.
Com as mudanas tecnolgicas, as empresas precisaram
reconfigurar estruturas e processos para responder aos novos desafios, o
que levou convergncia empresarial. Salaverra argumenta que essa
resposta se d por duas sendas de desenvolvimento: uma centrfuga,
com a diversificao miditica, em que corporaes passaram a ser
multiplataformas, com presena em negcios editoriais, audiovisuais e
de internet; e outra centrpeta, estratgia que contempla a concentrao
dos meios de comunicao e acarreta em novas formas de organizao
logstica, como a integrao das redaes9.
9Salaverra salienta que integrao de redaes e convergncia periodstica no
so sinnimos, apesar da importncia da primeira para a segunda. De acordo
com ele, "La fusin de redacciones es un fenmeno de concentracin
-
21
As empresas de hoje cada vez mais procuram jornalistas que
exercem diferentes tarefas nas redaes, e que sejam versteis para
trabalhar em diferentes meios simultaneamente. Isso caracteriza a
convergncia profissional. Essa polivalncia possui trs possveis
variantes: 1) funcional, ou tecnolgica, que se refere a multiplicao de
tarefas dentro e fora da redao; 2) temtica, que consiste na prtica de
um jornalismo no especializado; e 3) miditica, relativa a trabalhar para
vrios meios ao mesmo tempo, principalmente plataformas de uma
mesma marca.
O perfil polivalente dos profissionais, assim como mudanas
logsticas e tecnolgicas surtiram efeito direto na convergncia dos
contedos, que se destacam pela multimidialidade. Ela no uma
caracterstica exclusiva dos cibermeios, mas nele pode alcanar um
nvel muito maior do que nos meios anteriores. Os efeitos da
convergncia de contedos englobam coberturas informativas
coordenadas em distintos meios so impulsionadas, favorecimento da
hibridizao dos contedos e formatos oferecidos ao pblico atravs de
diversas plataformas.
Para adaptar-se ao meio digital, no basta focar na convergncia
tecnolgica e comercial, preciso investir em mudanas nas reas social
e cultural e, principalmente, ter em conta as demandas do pblico.
Jenkins (2008, p. 28) refora que a convergncia no ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que eles venham a ser. A
convergncia ocorre dentro dos crebros de consumidores individuais e
em suas interaes sociais com outros. Muito antes dos computadores, CD-ROM e da internet, j
haviam relacionamentos interativos10
. De certa forma, tem-se interao
empresarial, en su fase productiva, que atiende a dos objetivos principales: 1) la
modernizacin de las estructuras de produccin, con el fin de satisfacer mejor
las demandas de unas audiencias cada vez ms multiplataforma; y 2) el
incremento de la productividad" (SALAVERRA, 2010, p. 35). 10
Tcnicas de teatro, de pintura e de escultura em que o espectador move seu corpo para conferir a sua estrutura j permitiam que o pblico interagisse com a obra. A partir dos anos 1920, o cinema e a fotografia permitiam que o pblico
fizesse ligaes entre imagens incoerentes. A montagem cinematogrfica
permitia que o espectador saltasse de um quadro a outro identificando as
representaes. Por vezes, essas novas tcnicas narrativas permitiam que o
crebro humano completasse imagens fragmentadas por exemplo, a sombra de um jarro em um filme associada ao fato de que deve haver um jarro ali.
Segundo Manovich (2006), as instalaes participativas de futuristas e dadastas
-
22
nas artes clssicas e modernas, nas elipses em narraes literrias, nos
detalhes ausentes em objetos de arte visual (MANOVICH, 2006, p.
104). E at mesmo as discusses sobre o termo na rea da comunicao
no so recentes. Em 1932, Bertold Brecht j falava sobre o assunto ao
escrever sobre como o sistema de rdio alemo deveria ser: com a
participao direta dos cidados por meio de uma insero democrtica
dos meios de comunicao na sociedade (MACHADO, 2011, p. 225).
Sheizaf Rafaeli um dos primeiros pesquisadores a trabalhar a interatividade relacionada a novas mdias a definiu como "uma expresso da medida que, numa dada srie de trocas de comunicao,
cada transmisso (ou mensagem) futura refere-se ao grau a que trocas
anteriores se referiam a transmisses ainda mais antigas". A partir de
ento, outros autores passaram a tambm definir a interatividade como
funo da comunicao. Cho e Leckenby a definem como "interao
entre usurios e computadores" e Roeham e Haugtvedt a definem como
"dilogo em tempo real" em que tanto o usurio quanto o web site
desempenham o papel de emissor e receptor. (In PAUL, 2007) *11
.
Manovich (2006, p. 103) considera que denominar os meios
cibernticos de interativos uma redundncia, pois a interface dos
usurios no computador j interativa, uma vez que se pode manipular
as informaes que aparecem na tela em tempo real12
. Ao invs de se
falar neste por si mesmo, que se descreva as diferentes classes de
estrutura e de operaes interativas. Para se chegar a isso, ele prope
empregar conceitos como a interatividade por menus, a escalabilidade, a
simulao, a interface de imagem e a imagem instrumento.
A discusso sobre a interatividade no surgiu com a
informtica. A novidade no est exatamente na liberdade ou autonomia
que concede ao receptor por meio de processos interativo. Na verdade,
no anos 1960, influenciaram as instalaes interativas feitas por computador por
artistas dos anos 1980. 11
Trecho pertencente a e-book em formato Kindle no paginado. Todas as
vezes que uma obra do mesmo tipo for citada, aparecer ao lado do ano o *; 12
Manovich (2006) contesta essa interpretao do digital como interativo pois
considera que muitos autores, por empregarem o conceito de meios interativos
apenas relativos ao computador, limita o termo ao seu sentido literal, fsico.
Para ele, preciso levar em conta os aspectos cognitivos como interacionais. O
autor considera que h, tambm, uma interao psicolgica que independe da
tecnologia digital. Manovich traz mais exemplos no captulo El mito de la interatividad, em El lenguaje de los nuevos medios de comunicacion (2006, p. 103-109).
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23
essa condio s possibilitada por uma arquitetura mltipla e
combinatria, caractersticas da hipermdia (MACHADO, 2011, p. 226).
Resultante do princpio de variabilidade, ela possibilita que os
elementos multimdia que compem um documento sejam conectados
por hiperlinks, de modo que so independentes da estrutura ao invs de
ficarem imveis, como nos meios tradicionais (MANOVICH, 2006).
Enquanto Jenkins (2008) considera que a recuperao do
pblico por seu espao na cultura foi garantido pela convergncia,
Machado (2011) atribui a retomada do leitor ao seu papel de co-criador
ao texto hipermiditico. Esse o possibilita, assim como nas narrativas
orais primitivas, contribuir de maneira mais contundente na realizao
da obra. O autor ressalta que:
A disponibilidade instantnea de todas as
possibilidades articulatrias do texto verbo-
audiovisual permite conceber obras no
necessariamente acabadas, obras que existem em estado potencial, mas que pressupem o
trabalho de finalizao provisria do leitor/espectador/usurio. O autor concebe no
exatamente a obra, mas os seus elementos e o seu
algoritmo combinatrio, ao passo que cabe ao
leitor realizar a obra, ainda que cada leitor a
realize de uma forma diferente. Com base na
arquitetura no linear das memrias de
computador, pode-se hoje conceber obras em que
textos, sons e imagens estariam ligados entre si
por elos probabilsticos e mveis, podendo ser
configurados pelos receptores de diferentes
maneiras, de modo a compor possibilidades
instveis em quantidades infinitas. Isso
justamente o que chamamos de hipermdia
(MACHADO, 2011, p. 226).
A abertura, a imprevisibilidade e a multiplicidade so
caractersticas destacadas pelo autor para definir a narrativa
hipermiditica. Lcia Leo (1999) argumenta que o que distingue a
hipermdia a sua capacidade de estabelecer conexes entre diferentes documentos, formando uma rede. Tanto um quanto o outro, comparam
esse tipo de navegao com as experincias que se tem ao percorrer um
labirinto, por sua estrutura intrincada e descentrada.
Para melhor ilustrar essa metfora, Machado elenca os trs
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24
traos do labirinto definidos por Rosenstiehl (1988 apud MACHADO,
2011, p. 228), que define como aspectos bsicos da hipermdia. O
primeiro que o labirinto convida explorao, o encantamento est em
esgotar at o menor dos detalhes; o segundo a explorao sem mapa e
vista desarmada, em que o navegante faz clculos de curto prazo para
definir o seu percurso na hipermdia, isso sofre alteraes, ao passo que muitos trajetos possuem coordenadas, mas as decises locais no se
invalidam; e a terceira a inteligncia astuciosa do usurio para avanar
sem andar em crculos no adianta, por exemplo, ficar clicando nos mesmos botes esperando aes diferentes, cada deciso precisa ser
pensada.
Lcia Leo (1999, 2005, p. 16) atesta que um leitor em hipermdia um leitor ativo, que est a todo o momento estabelecendo
relaes prprias em diferentes caminhos. Como um labirinto a ser
visitado, a hipermdia nos promete surpresas, percursos
desconhecidos... Mais do que chegar at a sada (que nos meios digitais pode ser
dar em apenas um clique ou fechar de janela), o desafio percorrer o
maior nmero de lugares sem repeti-los. Conhecer todo o labirinto ,
ento, resolve-lo (MACHADO, 2011, p. 228).
2.3 A ESTTICA DOS NOVOS MEIOS
A forma labirntica relacionada por Murray (2003, p. 129) aos
prazeres de navegao. Independente de o ambiente ser real ou virtual,
se orientar por pontos de referncia e passear por novos espaos que vo
surgindo uma atividade agradvel. Isso quando h a intencionalidade
do usurio, quando ele decide percorrer esses percursos. A satisfao do
pblico, neste caso, se relaciona a dois dos aspectos estticos das novas
mdias: a imerso e a agncia, sendo a primeira relacionada aos passeios
e a segunda ao poder de deciso. O terceiro a transformao.
Os espaos navegveis e o detalhamento enciclopdico do
computador permitem a criao de lugares em que sempre sonhamos
visitar. Ser transportado para um ambiente simulado, sendo o contedo
fantasioso ou no, uma experincia prazerosa em si mesma. A autora utiliza o termo imerso por se tratar de uma metfora da experincia
fsica do ato de mergulhar. Submergir no oceano ou numa piscina nos
transporta a um mundo novo, o qual nos causa estranhamento e nos
envolve. Isso desperta a ateno de todo o nosso sistema sensorial. Num
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25
meio participativo, precisamos aprender a nadar. Entender a lgica de funcionamento dos ambientes para ter a participao o mais plena
possvel:
Quanto mais persuasiva for a representao de
sensaes no ambiente virtual, mais nos
sentiremos presentes no mundo virtual e maior
ser a gama de aes que procuraremos realizar
nele. A facilidade com que os participantes de
MUDs13
e dos LARPs14
assumem e descartam
personas sugere o crescimento de um pblico
treinado em personificao. Lentamente, todos
nos tornamos parte de uma grande companhia
mundial de repertrio, prontos para assumir
papis em histrias participativas cada vez mais
complexas. Pouco a pouco estamos descobrindo
as convenes de participao que se constituiro
na quarta parede desse teatro virtual, os gestos
expressivos que iro aprofundar e preservar o
encantamento de imerso (MURRAY, 2003, p.
125).
A vontade dos usurios de se sentirem ativos em ambientes
digitais proporcional a habilidade dos criadores de faz-los imergirem
em sua histria. Quanto mais integrados, maior ser a busca por
resultados palpveis dessa participao, e quanto mais esses veem suas
aes surtindo o efeito esperado, maior ser o sentido de agncia. A
autora define este segundo prazer caracterstico dos meios digitais como
a capacidade gratificante de realizar aes significativas e ver os resultados de nossas decises e escolhas. (MURRAY, 2003, p. 127)
Um exemplo simples o fato de que, quando clicamos duas
vezes em um arquivo do computador, esperamos que ele se abra. Apesar
disso, vale ressaltar que a agncia no simplesmente uma ao de
apertar um boto, ou clicar com o mouse. O prazer est e ver realizado
aquilo o que desejamos, ao passo que, do contrrio, ficamos impacientes
quando as opes ofertadas pelo meio so limitadas. Murray atesta que:
Queremos uma estrada aberta, com vasta
liberdade para explorar e mais de um caminho
para chegar a qualquer lugar. Queremos a rede
13
Multi-User Domains, ou Domnios Multiusurio; 14
Live-Action Role-Playing, ou jogo de representao com ao ao vivo.
-
26
pululante descrita por Borges, em constante bifurcao, com todas as ramificaes passveis
de serem exploradas em profundidade
(MURRAY, 2003, p. 132).
Os inmeros jeitos de mudar as formas caracterizam o terceiro
prazer do ambiente digital: a transformao. A autora observa que o
computador est sempre sugerindo processos aos usurios, mesmo
quando s exibe informaes. Os ambientes digitais so susceptveis de
mudana, e se caracterizam pela plasticidade de seus elementos, sejam
eles imagens, sons ou textos. So sedutoras a variedade de
representaes por meio de jogos, por exemplo, e a possibilidade de
recomear e ter outra verso da experincia.
O ambiente fluido e as mutaes tambm podem confundir os
interatores, que se perdem nas diferentes possibilidades de um final, sem
saber se aquele realmente o fim da sua experincia. Assim como precisamos definir novas convenes narrativas para entrar no mundo
imersivo e para exercer agncia dentro dele, tambm necessitamos de
um novo conjunto de convenes formais para lidar com a
mutabilidade (MURRAY, 2003, p. 154). Isso se torna possvel com a investigao e experimentao de novas tcnicas, e que essas sejam to
eclticas quanto as propriedades do meio digital. Afinal, apenas novas
formas de escrever podem exigir novas modalidades de leitura
(MACHADO, 2011).
2.4 NOVAS E VELHAS NARRATIVAS
Frmulas inovadoras de se contar histrias nem sempre so
provenientes de novas tecnologias, por vezes a histria tem nos
mostrado justamente o contrrio, que o movimento se inicia nos meios
anteriores. Um exemplo disso so os livros do sculo XIX, que j
traziam narrativas com caractersticas flmicas antes mesmo dos irmos
Lumire comearem os seus experimentos. No sculo passado, o conto
O jardim dos caminhos que se bifurcam (1941), de Borges, traa uma narrativa labirntica que ganha espao hoje nos ambientes
hipermiditicos.
Alm de se analisar com afinco as caractersticas dos meios, por
vezes vale a pena olhar para trs para encontrar as sadas para a
reinveno. Afinal, pensar em formas desvinculadas do contexto
histrico um dos motivos pelos quais, muitas vezes, encontra-se
-
27
dificuldade em estabelecer conceitos em reas emergentes. Para
exemplificar a necessidade de uma sistematizao, Paul (2007) pondera
que termos muito empregados, como a interatividade, ainda no
possuem uma definio inteiramente aceita.
Neste sentido, Manovich (2006, p. 390) avalia que s vamos
consolidar a esttica dos meios digitais ao, simultaneamente, atentar
para a histria cultural e para as possibilidades especficas do
computador para gerar, organizar, manipular e distribuir os dados.
Para tentar aperfeioar pesquisas relacionadas aos elementos
dos ambientes digitais, Paul (2007) desenvolveu uma taxonomia para as
narrativas digitais, dividida em cinco elementos bsicos (a maioria
herdados de outras mdias, mas que se modificaram em ambientes
digitais): mdia, ao, relacionamento, contexto, e comunicao. A
autora enfatiza que:
Se a mdia digital for examina com vista ao tipo
de efeitos de audincia como os jornais e a
televiso fazem, haver um melhor entendimento
sobre o que forma essa audincia e o que funciona
para ela. Esse entendimento ajudar a informar os
artfices do novo espao de narrativa digital,
auxiliando-os a desenvolver os melhores esforos
para obter os melhores efeitos (PAUL, 2007)*.
Mais do que analisar como o pblico recebe informaes, hoje
necessrio tambm entend-lo enquanto participante do processo.
Talvez seja essa uma das mudanas mais importantes relacionadas s
potencialidades dos meios digitais e da internet.
-
28
3. MUDANAS NA FORMA DE CONSUMIR MDIAS
Quando falamos de produtos feitos para internet, desde a sua
concepo, importante ter em vista, assim como nos demais meios, o
pblico ao qual estamos nos dirigindo. Independente da abrangncia do
mundo online, no nos permitido esquecer a quem destinamos aquilo
que criamos. Alm do alcance preciso pensar na qualidade do
consumo. As particularidades do meio tem ligao direta com a forma
com que o pblico consome entretenimento e informao. Por sua vez,
os idealizadores dos contedos precisam dominar as linguagens,
ferramentas e, acima de tudo, a narrativa. O objetivo prender a ateno
do consumidor em meio as mltiplas possibilidades de navegao
propiciadas pela internet, o que ainda um desafio. Nesse sentido,
Jenkins enfatiza que:
Produtores de mdia s encontraro a soluo de
seus problemas atuais readequando o
relacionamento com seus consumidores. O
pblico, que ganhou poder com as novas
tecnologias, que est ocupando um espao de
interseco entre os velhos e os novos meios de
comunicao, est exigindo o direito de participar
intimamente da cultura. Produtores que no
conseguirem fazer as pazes com a nova cultura
participativa enfrentaro uma clientela declinante
e a diminuio dos lucros. As contendas e as
conciliaes resultantes iro redefinir a cultura
pblica do futuro (JENKINS, 2008, p. 51).
Para o campo do jornalismo, Gilmor (2010) mais pragmtico.
O autor analisa que por estarmos acostumados a um campo dominado
por oligoplios, tendemos a pensar que apenas um pequeno grupo de
grandes instituies vai sobreviver ao que chama de quebra dos
negcios em jornalismo. Segundo ele, isso no est acontecendo, pois
estamos a caminho de um:
Perodo incrivelmente confuso, mas tambm
maravilhoso, de experimentao e de inovao
que vai combinar tecnologia e pessoas com ideias
deslumbrantes e estranhas. O resultado ser um
grande nmero de fracassos, mas tambm muitos
sucessos (GILMOR, 2010, p. 10, traduo
-
29
nossa)15
.
Contedos que possibilitem a participao da audincia so de
importncia vital para a sobrevivncia das novas mdias. Diferente de outros meios em que os espectadores se sentem confortveis em apenas
assistir (como no cinema e na TV analgica) o espectador aparece na
internet como partcula atuante, com vontade e necessidade de intervir
naquilo o que consome. No bastam apenas hiperlinks, o leitor quer
mais do que escolher qual o contedo que quer ver um aps o outro. Ele
quer a possibilidade de modificar o que v. Pode ser por um comentrio,
com a possibilidade de compartilhamento em redes sociais,
acrescentando uma informao, mandando uma foto.
H que se ter em conta tambm que sentir vontade e
necessidade de intervir no contedo no sinnimo de investir apenas
em produtos no lineares, que dependam sempre dos cliques da
audincia para esboarem alguma reao. preciso pensar cada produto
para o seu pblico alvo e do tipo de ao que se quer.
A narrativa digital criou uma mudana de
paradigma da narrativa tradicional, que era
controlada pelo responsvel pelo desenvolvimento
de contedo, para uma narrativa que conta com a
contribuio do usurio. A chave para entender
essa mudana e utilizar com sucesso o ambiente
digital como um novo espao de narrativa
conhecer a prpria audincia. necessrio um
entendimento mais aprofundado sobre que tipo de
narrativa melhor servir a audincia, usando todo
o leque de tcnicas de narrativa digital, e quando
as narrativas analgicas podem ser utilizadas (PAUL, 2007)*.
Paul (2007) destaca que usurios de narrativas no lineares
sentem que tem maior controle sobre sua experincia de leitura em
relao a usurios de narrativas lineares, porm, no h diferena
significativa em relao ao envolvimento com o contedo.
15
"As I said earlier, were heading into an incredibly messy but also wonderful period of innovation and experimentation that will combine technology and
people who push ideas both stunning and outlandish into the world. The result
will be a huge number of failures, but also a large number of successes"
(GILMOR, 2010, p.10).
-
30
3.1 CAPTAO DE PBLICO PELA AGNCIA16
E SENSAO DE
IMERSO
A cada nova tecnologia que se avizinha o sonho do que vir no
futuro aumenta, como que indicando o caminho que h a percorrer nos
trajetos da memria. O pensamento vai ao longe com as possibilidades
que se abrem a cada novo aparato. So quebras de paradigmas que
causam frisson e medo. Basta pararmos para pensar no surgimento da
fotografia, do rdio, da televiso, da internet e o que causaram no
desenvolvimento da humanidade.
Isso tudo para dizer que o surgimento de novos recursos nos
motiva a imaginar o que vir a seguir. Nos sentimos Leonardos da Vinci que projetam avies, helicpteros e submarinos muito antes destes existirem. E quem dir que o que escrevemos e pensamos no se
torna real adiante pelo fato de termos compartilhado ou pensado
coletivamente em determinada ideia? Podem servir como metas a seguir
ou modelo de inspirao para outros, anos mais tarde.
Murray (2003) demonstra por meio de comparaes que a
interatividade e a sensao de imerso no so fruto do computador, dos
jogos ou da internet. Tais caractersticas esto presentes em livros e
sries televisivas, como Jornadas nas Estrelas, muito antes destes se
proliferarem. O que no diminui a importncia de tais fatores para as
novas tecnologias, apenas demonstra que essas nada mais so do que a
evoluo do pensamento humano. como se precisssemos passar pelos
tipos grficos e por narrativas em suportes de natureza linear (que
ensaiavam a no linearidade) para que a experincia digital possa um dia
ser completa.
Jenkins questiona os muitos crticos que falam sobre um
colapso da narrativa. preciso desconfiar de tais declaraes, contesta
ele, pela dificuldade de imaginar que o pblico tenha perdido o
interesse:
Histrias so fundamentais em todas as culturas
humanas, o principal meio pelo qual estruturamos,
compartilhamos e compreendemos nossas
experincias comuns. Em vez disso, estamos
16
Agncia a capacidade gratificante de realizar aes significativas e ver os resultados de nossas decises e escolhas (MURRAY, 2003, p.127).
-
31
descobrindo novas estruturas narrativas, que criam
complexidade ao expandirem a extenso das
possibilidades narrativas, em vez de seguirem um
nico caminho, com comeo, meio e fim
(JENKINS, 2008, p. 165).
Cada poca vivencia a sua tecnologia conforme a capacidade
dos homens e mulheres que a habitam. Independente do ano em que se
produz contedos sujeitos a apreciao de outros, os anteriores no se
invalidam. Podem ser reinventados, reapropriados em novos suportes,
mantendo a essncia de interao, mas se calcando em novos recursos
para tal.
3.1.1 Mdias compartilhadas
As redes sociais tem papel fundamental na propagao de
contedos. No para menos que o uso das ferramentas tema de
cursos e os profissionais que dominam suas linguagens tem isso como
um diferencial. Cada vez mais empresas criam pginas especficas em
redes como o Facebook, com profissionais aptos ao contato com o
pblico.
Para alm do interesse comercial, h o interesse dos indivduos
em compartilhar desejos, frases, pensamentos como forma de mostrar
aos demais o que pensam o que resulta em uma construo coletiva. No
livro Spreadble Media (2013), Henry Jenkins, Sam Ford e Joshua Green, repensam a nomenclatura do ato de compartilhar, to comum nas
redes sociais.
Com o termo spreadability (prximo a capilaridade em portugus)
17, os autores se referem ao potencial tanto tcnico quanto
cultural que as audincias tem de compartilhar contedos de acordo com os seus prprios propsitos, s vezes com a permisso dos
detentores do direito autoral, s vezes contra a sua vontade (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.3, traduo nossa)
18.
17
Spreadability significa aquilo o que se espalha rapidamente e por longa
extenso; a capacidade de disseminar e difundir notcias. Optamos por utilizar
o termo capilaridade, que por metfora aquilo o que tende a ascender, a
crescer ao percorrer por determinado meio.
18 "'Spreadability' refers to the potential both technical and cultural for
audiences to share content for their own purposes, sometimes with the
-
32
Outros termos j se referiam a mdias que se espalham
rapidamente e com grande alcance na internet. Um deles stickiness19
,
que surgiu no marketing, relacionado a sucessos em comrcio online, e
se popularizou a partir de 2000 com o livro The Tipping Point, de Malcolm Gladwell (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p. 4). O autor
utilizava a expresso para descrever os aspectos das mdias que
gerassem profundo engajamento do pblico e o motivasse a
compartilhar com outros o que aprendeu. Enquanto um valoriza o ato, o
outro enfatiza o produto.
Spreadability se diferencia de stickiness em relao a postura
adotada na captao de audincia. O primeiro se "preocupa" em como o
usurio quer experimentar os materiais online. O segundo busca formas
de sustentar e capitalizar negcios. Investindo em recursos para atrair os
usurios para o seu contedo e ento contar a audincia que chega at
ele. Isso caracteriza o que Jenkins, Ford e Green (2013) destacam como
a dualidade migrao de indivduos e fluxo de ideias.
Outra expresso bastante usual a viralizao. A diferena
principal entre os termos spread e viral a intencionalidade do usurio. Enquanto o primeiro d uma conotao ativa, o ato de
espalhar/compartilhar, em que denota a inteno do usurio de mostrar a
outras pessoas coisas que considera interessantes; o segundo se prende a
uma palavra com conotao negativa, como um vrus que contamina
uma pessoa atrs da outra, espalhando uma ideia, sendo um interlocutor
passivo durante o processo.
Para ilustrar, podemos falar em abaixo-assinados, como o que
pedia a criao da Lei da Ficha Limpa, em que milhares de pessoas
utilizaram as redes sociais para propagar um interesse ativista e
reuniram mais de 1 milho de assinaturas20
. Na viralizao, um exemplo
o uso que aplicativos fazem de redes sociais para publicar na timeline
dos usurios aquilo o que esto lendo, ouvindo ou jogando (aps ele
permitir em termo de consentimento na instalao).
permission of rights holders, sometimes against their wishes" (GREEN, FORD,
JENKINS, 2013, p.3). 19
No sentido literal da palavra, stickiness significa pegajoso, grudento, no
metafrico est mais para aquilo o que pega;
20Mais sobre a Lei da Ficha Limpa aqui
e aqui
.
-
33
Para quem produz contedo para a internet, preciso ter bem
claro a diferena de postura adotada em relao a audincia. Se as empresas seguirem pensando que vo produzir contedos que faro algo
para as audincias (infect-las) e no para o pblico fazer algo com ele
(compartilhar) podem iludir a si mesmas pensando que controlam as
pessoas (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.23, traduo nossa)21
.
Os autores defendem o uso da nova terminologia, spreadable
media em detrimento de termos como viralizao, ou mdia viral, pois estas remetem a significados como infeco, pandemia, contaminao.
Segundo eles, estas expresses superestimam o poder das companhias
de mdia e subestimam o poder de agncia das audincias. A questo
que eles levantam pensar nas metforas utilizadas, mesmo que
impensadas, para definir a atuao do pblico na web.
3.2 O PAPEL DA AUDINCIA NA CRIAO E MANUTENO
DE CONTEDO
Nos novos meios, todos podem escrever, criar, postar vdeos.
Os criadores de entretenimento e informao de qualidade para a
internet tem que aproveitar essa caracterstica. Os usurios querem
sentir que o movimento iniciado por eles encontra respaldo nos portais e
sites que acessam. E mais, que eles so parte atuante do processo.
Gilmor enfatiza que h um empoderamento dos usurios. Mais
do que o acesso ao conhecimento, sentem a necessidade de traduzir o
que sabem em aes, e veem a participao no como obrigao, mas
como um ato vital de gratificao:
Assim como a democratizao das mdias torna
meros consumidores em criadores em potencial,
outra coisa tambm est acontecendo. Ns
estamos nos tornando colaboradores, porque
muitas das ferramentas de criao so
inerentemente colaborativas. Ns apenas
comeamos a explorar o significado, menos ainda
o potencial, dessa realidade (GILMOR, 2010, p.
21
"Further, if companies set out thinking they will make media texts that do
something to audiences (infect them) rather than for audiences to do something
with (spread it), they may delude themselves into thinking they control people"
(JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.23).
-
34
12, traduo nossa)
22.
Voltamos a ento para o pensar no relacionamento com o
pblico desde a concepo da narrativa at a manuteno dos contedos.
Ao permitir as intervenes da audincia, seja ela em um espao
delimitado ou para alm de onde o produto est postado, o contedo
pode ser reinventado e ter valores agregados a ele. O que caracteriza
este ambiente participativo que a internet. H que se ter em conta,
porm, que esta participao relativa agncia, e no produo.
Murray destaca que h diferena entre encenar um papel criativo dentro
de um ambiente autoral e ser o autor do prprio ambiente, isso porque a
autoria nos meios eletrnicos procedimental:
Autoria procedimental significa escrever as regras
pelas quais os textos aparecem tanto quanto
escrever os prprios textos. Significa escrever as
regras para o envolvimento do interator, isto , as
condies sob as quais as coisas acontecero em
resposta s aes dos participantes. Significa
estabelecer as propriedades dos objetos e dos
potenciais objetos no mundo virtual, bem como as
frmulas de como eles se relacionaro uns com os
outros. O autor procedimental no cria
simplesmente um conjunto de cenas, mas um
mundo de possibilidades narrativas (MURRAY,
2003, p. 149).
A autora destaca o espectador como interator, que pode realizar
uma performance original, mas desde que coreografada pelo prprio
autor da obra. Ou seja, a interveno do pblico se d de acordo com o
que foi delimitado no momento da programao do ambiente.
3.2.1 Participao das redes sociais
Produtores de contedo podem se apropriar das redes sociais
22
"As media democratization turns people from mere consumers into potential
creators, something else is happening. We are becoming collaborators, because
so many of the new tools of creation are inherently collaborative. We have only
begun to explore the meaning, much less the potential, of this reality"
(GILMOR, 2010. p.12).
-
35
para divulgar trabalhos participativos. Os realizadores encontram a uma
maneira de chegar ao seu pblico realizador, ou seja, de angariar co-
criadores para a sua obra ou at mesmo pea publicitria. Em 2011, a
Lacta lanou uma campanha que provocava os usurios do Twitter a
dizer o que pensavam quando liam a expresso entregue-se. Com as 25 frases vencedoras, a cantora Ti comps a msica Entregue-se
23.
Quando falamos da relao das redes sociais, dos usurios e dos
produtos audiovisuais, podemos constatar que o espao uma vitrina a
novos contedos e ambiente de experimentao. O produtor tem ali um
lugar para divulgar o seu trabalho ao pblico de forma ampla, gratuita e
que bem pensada pode ser de repercusso e alcance bastante expressivo.
Um exemplo o webdocumentrio Prison-Valley (2010), que alm de
ter uma pgina no Facebook, permitia que usurios logados pela rede
social sassem da experincia imersiva do documentrio e voltassem ao
mesmo ponto onde haviam parado quando bem entendessem.
O Observatoire du Documentaire destaca o poder que as redes
tem em estabelecer audincias engajadas desde o comeo da produo; e
a capacidade de aumentar a audincia exponencialmente a cada nova
visualizao, j que, aps assistir, os usurios difundem informaes
relativas a ele. Outro aspecto relevante est relacionado a concepo das
obas:
Um nmero crescente de projetos utilizam as
redes sociais na fase de pesquisa para fisgar a
audincia. Sem ter de recorrer s mais recentes
aplicaes interativas, alguns produtores lanam
blogs em que diferentes membros da produo
descrevam seus processos criativos, at mesmo
antes das filmagens comearem. Isso permite que
o pblico experimente o contedo de outra forma,
e que explore as suas possibilidades
(OBSERVATOIRE DU DOCUMENTAIRE,
2011, p. 25, traduo nossa)24
.
23
O videoclipe da msica est disponvel na pgina da Lacta no Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=KwbYyf7kzik.
24 "A growing number of projects use the social networks in the research phase
to hook an audience. Without having to resort to the latest interactive
applications, some producers launch blogs in which different members of the
production crew describe their creative approach even before shooting starts.
This permits the audience to experience the content in another way, and to
-
36
O pblico no somente espectador. Alm de ler, assistir, ouvir
e poder passar adiante aos seus amigos (mesmo que apenas curtindo),
pode agregar valores por meio de comentrios, breves anlises ou at
juzos de valor. Aquilo o que lhes interessante, compartilham, o que
no lhe desperta, fica ignorado. Mais ignorado ainda ficam os contedos
que no apresentam opes de interao. Traando um paralelo, Jenkins,
Ford e Green (2013) concluem que:
Os chamados consumidores no apenas
consomem; eles recomendam aquilo o que gostam
para os seus amigos, que recomendam para os
seus amigos, que continuam recomendando. Eles
no s compram bens culturais; eles compram em uma economia cultural que premia a sua participao (JENKINS, FORD, GREEN, 2013,
p.294, traduo nossa)25
.
Tanto de maneira individual quanto coletiva, os usurios
exercem agncia. Transformam os contedos com sua participao, seja
por meio de uma crtica ou da co-criao propriamente dita.
3.3 AUDINCIA, CONSUMO E CRIAO DE VDEO
Quem poderia dizer, h alguns anos, que um vdeo caseiro26
, em
que um pai filma o filho de um ano e 11 meses cantando Beatles seria
visto em mais de 10 pases e reproduzido mais de cinco milhes de
vezes? Christian Diego Mello e Diogo Mello protagonizaram uma cena
explore its possibilities" (OBSERVATOIRE DU DOCUMENTAIRE, 2011,
p.25). 25
"Similarly, so-called consumers do not simply consume; they recommend
what they like to their friends, who recommend it to their friends, who
recommend it on down the line. They do not simply 'buy' cultural goods; they
'buy into' a cultural economy which rewards theirs participation" (JENKINS.
FORD, GREEN, 2013, p.294). 26
O vdeo original foi postado na conta do pai do menino no Youtube:
. Saiba mais em
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/06/video-de-
menino-de-criciuma-cantando-beatles-torna-se-viral-na-internet-4159318.html.
-
37
cotidiana, com apelo popular, mas que em outras pocas ficaria junto a
outras gravaes dentro de uma gaveta da sala. No mximo, seria
assistida por familiares e amigos em dias de festa. E isso s foi possvel
devido ao acesso aos meios e a popularizao das ferramentas.
At a sociedade pr-industrial, o ser humano tinha o costume de
produzir msicas, de passar histrias de gerao para gerao. Era autor
do que consumia. Tais caractersticas foram, aos poucos, tornando-se
marginalizadas com a cultura de massa (JENKINS, 2008; MURRAY,
2003; BURGES E GREEN, 2009). Jenkins comenta que, neste ponto a
internet foi um auxiliar ao retorno da visibilidade da cultura tradicional.
Com equipamentos de captao e softwares de edio de
imagens com preos mais acessveis e intuitivos, somados a sites que
possibilitam a veiculao de vdeos por parte de qualquer usurio, as
produes de baixo custo conseguiram um espao que at ento no
possuam. Agora, produtores independentes, grandes corporaes e o
pblico, que antes s assistia a tudo isso, esto juntos em um mesmo
ambiente.
Plataformas de vdeo, com destaque para o Youtube, permitem
que usurios se vejam tanto como consumidores de contedo quanto se
sintam convidados a participar como produtores. So, ao mesmo tempo,
sintomas e atores da transio dos modelos econmicos e culturais
advindos das tecnologias digitais, da internet, e da maior atuao do
pblico.
Burges e Green consideram participantes todos aqueles que
postam, comentam, assistem e criam contedo para a plataforma. Para
entender a cultura popular dessa rede social que inclui desde vdeos caseiros, produtos jornalsticos, mdia independente, at a reproduo de
obras feitas para outros suportes mais proveitoso parar de pensar em produo, distribuio e consumo e pensar no Youtube em termos de
um espao de participao cultural (BURGES E GREEN, 2009, traduo nossa)*
27.
Poucas dcadas atrs, duas eram as razes por que
muita gente no produzia sucessos
cinematogrficos: (1) no ter acesso s
ferramentas necessrias e (2) no ter talento. Hoje,
s resta uma desculpa e mesmo essa j no to convincente quanto antes (ANDERSON, 2006,
27
It is more helpful to shift from thinking about media production, distribution, and consumption to thinking about Youtube in terms of a continuum of cultural
participation (BURGES E GREEN, 2009). Livro no paginado.
-
38
p. 61).
A democratizao do acesso aos meios e a viabilidade
financeira de produo por meio de cmeras mais baratas, programas de edio gratuitos, manuais com linguagem acessvel
28 supre a
primeira razo elencada pelo autor do livro A Cauda Longa (2006). Talvez no para filmes de propores hollywoodianas, mas com certeza
so a base para sucessos online.
Ainda nesse sentido Jenkins (2006, 193) lista os aspectos
alterados pela produo digital de filmes: (1) a web forneceu um ponto
(ou vrios pontos grifo nosso) de exibio, levando o cineasta amador
29 ao espao pblico; 2) a edio digital muito mais simples do
que a feita em suportes anteriores, facilitando a montagem a artistas
amadores; 3) o computador pessoal permitiu a criao de efeitos
especiais.
Em relao ao campo do webdocumentrio, os custos mais
baixos de equipamentos, os softwares mais acessveis e a evoluo
tecnolgica das cmeras fotogrficas, foram essenciais para que
profissionais (e amadores) com perfis variados se interessassem pelo
estudo e produo de narrativas em vdeo para a internet. Isso
28
O pblico interessado em audiovisual tem a sua disposio uma srie de
manuais na internet. Tanto o Youtube (http://www.youtube.com/yt/playbook/)
quanto o Vimeo (http://vimeo.com/videoschool) possuem guias prticos que
envolvem processos de produo, captao, edio, postagem e relao com a
audincia. Para quem busca algo um pouco mais especializado, h o DSLR Cinematography Guide (http://nofilmschool.com/subscribe/), tambm gratuito. Entre as opes pagas, h o Media Storm Field Guide (http://mediastorm.com/train/product/field-guide), disponvel para leitura em
IPad, e o livro Webdocs. A survival guide for online filmmakers (http://www.lulu.com/spotlight/mlietaert), que pode ser lido em aplicativos para
e-book;
29 O amador (do latim amator, amante) enquanto agente na web um dos
resultados dos usurios terem deixado de ser consumidores passivos para se
tornarem produtores ativos (ANDERSON, 2006, p. 61). aquele pblico que,
em essncia, faz as coisas por que gosta. interessante observar como Jenkins e
Anderson de certa forma conversam em suas maneiras de definir, ou ao menos
comentar, a participao do pblico. O uso dos significados costuma ser
positivo. Ao enfatizar a origem do termo amador, Anderson foge da palavra
amadorismo, que possui conotao negativa.
-
39
influenciou na pluralidade das obras, que apresentam caractersticas
bastante distintas entre si.
Pesquisa publicada em 2012 pelo Nielsen30
, que foi realizada
em 56 pases, chegou concluso de que, pela primeira vez, to
comum assistir vdeos online quanto pela TV. A empresa chegou a essa
concluso depois de constatar que consumidores com acesso internet
assistem mais a vdeos online do que pela televiso. Em 2010, 90% dos
entrevistados disseram assistir a contedos pela TV, enquanto 86%
disseram assistir pelo computador. No ano seguinte, os nmeros
mudaram para 83% e 84% respectivamente.
Vale ressaltar, porm, que o nmero de pessoas que tem apenas
acesso a televiso ainda muito maior, mas o acesso das populaes a
internet sobe exponencialmente. O IBOPE Media constatou que, em
2013, 56% da populao brasileira tinha acesso web, o que representa
um crescimento de 115% em relao a 200331
.
O pas tambm um dos que mais assiste vdeo por celulares32
.
Num perodo de 30 dias, 43% dos usurios de smartphones brasileiros
disseram ter utilizado o aparelho para este fim. Desses, perto da metade
informou utilizar recursos de reproduo audiovisual no mnimo uma
vez ao dia.
30
A Nielsen Company uma empresa de mensurao de audincias, com base
em Nova York (EUA), mas com atuao em mais de 100 pases, inclusive no
Brasil - em que tambm atua em parceria com o IBOPE. Desde 2008, o grupo
realiza pesquisas relacionadas ao consumo de vdeos em diferentes suportes. A
pesquisa referida no pargrafo a Global Report: multi-screen media usage, lanada em maio de 2012, que entrevistou mais de 28 mil pessoas, em 56
pases, entre agosto e setembro de 2011;
31 O IBOPE Media realizou a pesquisa em abril de 2013 como parte de um
roadshow na Colmbia. Saiba mais em: ;
32 Os dados so da pesquisa Mobile Consumer Report, feita publicada pela
Nielsen no incio de 2013. No Brasil, a pesquisa foi feita por telefone e online,
entre abril e maio de 2012. Foram 986 entrevistados por telefone e 1.603 pela
internet, dos quais 748 eram usurios de smartphones. Os participantes tinham
entre 16 e 64 anos. Mais informaes em:
.
-
40
4 O DOCUMENTRIO NA INTERNET
Os meios digitais e o cinema possuem uma relao intrnseca de
apropriaes e de desenvolvimento. Enquanto o primeiro tem como base
histrica a evoluo de narrativas cinematogrficas (MANOVICH,
2006), o segundo encontra na web e nos recursos interativos
possibilidades de experimentao. O webdocumentrio originrio
desse dilogo entre os meios.
H que se observar que propostas narrativas advindas da
combinao entre cinema e web no invalidam as formas flmicas
anteriores. Elas coexistem (GIFREU, 2010a), e a linguagem documental
feita para a internet pode apresentar alternativas para obras lineares em
outros suportes. Daly (2008) comenta que, devido ao uso cotidiano do
computador, a relao do pblico com projetos digitais mudou a
expectativa em relao ao cinema.
Manovich (2006) aponta a insatisfao das audincias quando o
imenso banco de dados, que inerente aos ambientes digitais, apenas
utilizado para fins enciclopdicos e catalogrficos. As pessoas querem
interconexes, percursos prprios e inovadores. Nesse sentido, Daly
(2008, p. 185, traduo nossa) ressalta que tal caracterstica implica em uma forma diferente de cinema menos concentrada em narrativas e
visualizaes e mais interessada em processos cognitivos e de
navegao. Tal opinio tambm compartilhada por Manovich (2006) e por Reno (2011), para quem a narrativa (e dentro dela, os percursos
interativos) apenas um dos desafios do cinema no meio digital.
Para se sustentar enquanto nova proposta, falta ao
webdocumentrio estabelecer a prpria linguagem e se balizar em
princpios prprios. Mas ser essa a sada para um estilo de produo
com fronteiras to alargadas? Se considerarmos o tempo desde os
primeiros experimentos na rea at agora, sustentado pela constante
evoluo tecnolgica e hibridismos, ainda assim se pode correlacionar
com os princpios do cinema:
Se Flaherty considerava o cinema como "um ato
da imaginao" e os ingleses entendiam que o
documentrio era o "tratamento criativo da
realidade", estas antigas expresses encerram
valores que hoje ressoam com mais intensidade do
que algumas dcadas atrs, durante a vigncia de
uma crena excessiva no poder evidente da
imagem. Estas constataes mostram que as
-
41
balizas fincadas pelos fundadores da tradio do
documentrio, embora mveis, continuam
delimitando as margens por onde corre sua
transformao (DARIN, 2006, p. 222).
Ainda traando um paralelo com o incio do cinema, a
importncia dos percursos estticos e tericos de pensadores como
Dziga Vertov tem papel fundamental para a busca de linguagens e
narrativas inovadoras. O autor apresentava questes que antecederam e
que foram problematizadas ao longo da histria do cinema (DARIN,
2006), considerado um dos precursores da criao baseada em banco
de dados (MANOVICH, 2006), e da montagem cinematogrfica
(RENO, 2011).
Apesar de algumas opinies mais inclinadas para o surgimento
de um novo gnero, considero o webdocumentrio ainda muito
enraizado no cinema no-ficcional quando se leva em conta a sua
concepo e objetivos. Como bem observa Nichols (2005), quando
afirma que cada documentrio possui uma voz distinta, considero que o
concebido para web possui a sua prpria, independente do novo
ambiente de veiculao.
E to heterogneas sero suas manifestaes
quanto maior for o nmero de cineastas dispostos
a abraar o gnero. Para que essa 'voz flmica' se
realize plenamente, espera-se que cada criador
siga na tarefa de encontrar o seu pblico, agora
convertido em espectador participativo (e por
vezes co-autor) (BAUER, 2011, p. 98).
Tal mudana no comportamento do pblico pode gerar
questionamento pelo fato de que, no computador, o usurio tem o poder
de agncia e faz o seu prprio caminho, o que no ocorre nos
documentrios em outros meios. Filmes feitos para o cinema e para a
TV podem ser assistidos no meio digital, mas ainda no vemos
possibilidades do contrrio acontecer. Com a TV digital, recursos
interativos j esto disponveis, mas os modelos aplicados
comercialmente ainda apresentam opes limitadas; Ao passo que no
cinema, em que fisicamente dezenas e centenas de pessoas
compartilham a mesma tela, isso fica mais difcil de ser concretizado.
Isso nos leva a buscar quais so os pontos de interseo e de
divergncia entre produtos feitos para os ditos novos meios e para os
velhos meios.
-
42
4.1 APROXIMAES E DIFERENAS PARA A TV E PARA O
CINEMA
As tenses entre o real e a fico so caractersticas que irrompem tambm no formato analisado neste trabalho. Broudoux
(2011) ressalta que as diferenciaes entre obras inventadas e realidades reinventadas continuam importantes nos meios digitais para manter a identidade do gnero documentrio. Porm, com a
multimidialidade e interatividade caracterstica dos meios digitais e as
modificaes que estas provocam no relacionamento do usurio com a
obra, corre-se o risco de abolir o distanciamento necessrio para a reflexo, necessria para traduzir o real (BROUDOUX, 2011, p. 5).
Considerando webdocumentrio enquanto evoluo do gnero
documental, Gregolin, Sacrini e Tomba (2002) entendem que ele
tambm deve ser focado em preocupaes sociais e de formao do
pblico. Eles percebem, ento, que os recursos multimdia que lhe so
caractersticos podem ser utilizados em ambientes de aprendizagem, o
que contribuiria para prender a ateno do usurio, que interage com o produto de forma criativa e ldica (GREGOLIN, SACRINI, TOMBA, 2002, p. 46). Gifreu (2010b) concorda com tal percepo:
Uma das premissas essenciais do documentrio
tradicional a vontade de organizar uma histria
de maneira que seja, ao mesmo tempo,
informativa e que entretenha. O formato
interativo, neste sentido, deve seguir a tradio e
buscar oferecer experincias similares que
mesclem de maneira mais eficiente, original e
atrativa o possvel, uma proposta ldica (de
entretenimento) com uma didtica e/educativa
(conhecimento) (GIFREU, 2010B, p. 13).
A vida til do webdocumentrio apontado por Ribas (2003, p.
111) como diferena desse para os documentrios para outros suportes.
Enquanto o destinado a outros meios "morre" e sua vida til o tempo de exibio o novo tipo sofre constante mudana, "configurando-se como uma obra aberta construda no tempo dos acontecimentos, pelo
autor e pelo receptor. A questo de autor/autoria modificada em produtos
audiovisuais interativos (GIFREU 2010; RENO, 2011) e o olhar
dominante deixa de ser o do realizador (BROUDOUX, 2011). Esses so
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43
aspectos que podem ser definidos como diferenciais perante os
documentrios feitos para outros suportes, como a TV e o cinema.
Ambos resultam da mudana de relacionamento com o pblico, que
deseja (para no dizer exige) exercer agncia por meio de uma
navegao interativa. As audincias tornaram-se usurios e, embora a transio no seja exclusiva para o documentrio, os impactos tendem a
ser significativos para a teoria de tal gnero (NASH, 2012, p. 196). Fazendo uma comparao com o pensamento de Nichols (1991,
p. 12) para quem o documentrio pode ser analisado de acordo com trs pontos de vista, o do realizador, o do texto e o do espectador Gifreu (2010a) considera que o novo cenrio tecnolgico propiciou
grandes mudanas no cinema documental em trs tendncias:
1) Em determinado momento o autor perde o controle do seu
trabalho, s vezes de forma diferente da que pretendia. A transmisso
no depende mais dele;
2) A construo da narrao e a ordem do discurso muda de
uma estrutura fechada para uma aberta. Assim, um recurso que linear e
sequencial inserido em um cenrio caracterizado pelo multi-desenvolvimento de abordagens, servidores e resultados;
3) o interator torna-se um divulgador e colaborador do contedo
criado pelo autor. Ele pode ser parte do sistema e, em alguns casos, at
mesmo modific-lo:
Ele assume conotaes associadas a autoria e at
certo ponto torna-se o criador de seu prprio
documentrio ao assumir o controle da navegao
(da ordem do discurso) e ao usar o grande poder
garantido pela interatividade (o recurso definidor
das mdias digitais, graas a interface e a
habilidade de se relacionar com os outros) (GIFREU, 2010a, p. 145).
consenso entre os autores pesquisados o papel de destaque da
navegao interativa. Nash (2012, p. 203) aponta que o que difere o
webdocumentrio dos documentrios para o cinema e para a TV
estrutural, e no de objetivo. Nos trs, h uma necessidade em discutir
um fato ou problema e engajar o pblico. Porm, enquanto a
preocupao dos realizadores para os outros meios com a recepo,
para ambientes digitais preciso pensar em termos de disposio de
elementos (pois as oportunidades de interao impactam em como esses
se relacionam entre si).
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44
A interatividade importante desde a concepo dos projetos.
Assim como Manovich (2006), Nash (2012) considera que essa no
deve ser analisada apenas do ponto de vista tecnolgico, mas tambm
retrico. Estudar e criar webdocumentrios partindo do que
tecnicamente possvel ser feito pelo usurio (em relao a interaes)33
apenas uma das facetas34
.
4.2 PLURALIDADE DE PRODUTOS AUDIOVISUAIS
A multimidialidade tambm um aspecto relevante quando se
fala em veiculao em ambientes digitais, mas tal caracterstica est
presente em outros suportes. Ela pode ser vist