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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIANA RÊIS MARIA
Explorando o desenho de políticas públicas mais
sustentáveis: é possível a transição energética de baixo-
carbono?
Campinas 2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIANA RÊIS MARIA
Explorando o desenho de políticas públicas mais
sustentáveis: é possível a transição energética de baixo-
carbono?
Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza – orientador
Prof. Dr. Renato de Castro Garcia – co-orientador
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Ciências Econômicas. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA RÊIS MARIA, ORIENTADA PELO PROF. DR. PAULO SÉRGIO FRACALANZA E COORIENTADA PELO PROF. DR. RENATO DE CASTRO GARCIA.
CAMPINAS
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FUNCAMP, 787/15
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia Célia Maria Ribeiro - CRB 8/3492
Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Exploring the design of more sustainable public policies : is it possible the low-carbon energy transition? Palavras-chave em inglês: Environmental economics Carbon lock-in Energy policy Clean energy Área de concentração: Teoria Econômica Titulação: Mestra em Ciências Econômicas Banca examinadora: Paulo Sérgio Fracalanza [Orientador] Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha José Eduardo de Salles Roselino Júnior Célio Hiratuka Data de defesa: 17-11-2017 Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIANA RÊIS MARIA
Explorando o desenho de políticas públicas mais sustentáveis: é possível a transição energética de baixo-
carbono?
Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza – orientador
Prof. Dr. Renato de Castro Garcia – co-orientador
Defendida em 17/11/2017
COMISSÃO JULGADORA
Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza Instituto de Economia / UNICAMP Prof.ª Dr.ª Anapatricia de Oliveira Morales Vilha Universidade Federal do ABC (UFABC) Prof. Dr. Célio Hiratuka Instituto de Economia / UNICAMP Prof. Dr. José Eduardo de Salles Roselino Júnior Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da
Comissão Examinadora, consta no processo de
vida acadêmica da aluna.
AGRADECIMENTOS
Escrever uma dissertação de mestrado é um grande desafio. São meses de muito
estudo, leituras, debates, questionamentos, dúvidas e escrita. Com toda certeza esse processo
seria mais difícil sem a presença de todas as pessoas que estiveram ao meu lado.
Agradeço primeiramente ao meu querido orientador Paulo Sérgio Fracalanza com que
venho trabalhando há mais de quatro anos. Foram duas iniciações científicas, uma monografia
e uma dissertação em que pude usufruir de seu grande estusiamo com os temas e sua
impressionante inteligência. Um intelectual capaz de transitar por vários assuntos complexos
com grande facilidade e clareza, sem medo de alçar vôos mais altos e muito fiel àquilo que
acredita. Com ele pude aprender muito, não só intelectualmente, mas também com o grande
coração que possui, tratando com respeito e estima todos que o cercam. Sem ele, com certeza,
esse trabalho não seria o mesmo.
Agradeço também ao meu também querido co-orientador Renato de Castro Garcia que
tornou a confecção desse trabalho muito mais leve e prazerosa. Devo imensamente esse
trabalho a sua dedicação nas leituras de cada capítulo, nas inúmeras conversas que tivemos
sobre o tema e sobre a vida acadêmica e também a sua disposição em organizar seminários e
apresentações para que meu trabalho pudesse ser compartilhado. Sua alegria e disposição
fizeram a diferença em cada página aqui escrita.
Ao meu marido, Douglas, os mais sinceros agradecimentos. Sem ele meus dias não
seriam tão alegres. Agradeço à paciência, o amor e o sempre incondicional apoio.
À minha família, especialmente aos meus amados pais Edson e Sirlei, agradeço
primeiramente o sacrifício de vida que fizeram para que eu chegasse até aqui. Meus pais
abriram mão de qualquer luxo e muitas vezes até do básico para que eu me formasse na
melhor universidade da América Latina e hoje, graças a eles, estou terminando um mestrado
na mesma universidade.
Não posso deixar de agradecer a todos os professores do Instituto de Economia da
UNICAMP, que participaram da minha formação, tanto da graduação quanto do mestrado,
especialmente aos professores Célio Hiratuka e Antônio Carlos Diegues que compuseram
minha banca de qualificação e cujos comentários e sugestões enriqueceram muito essa
dissertação. Além da qualificação, agradeço imensamente pela disposição e prontidão de
ambos sempre que precisei coversar sobre o tema. Além dos professores do Instituto de
Economia, gostaria de agradecer a professora Rosana Corazza pelo carinho, conversas e
auxílio nos momentos mais difíceis desse processo e aos professores José Roselino e
Anapatrícia Moraes Vilha pelos comentários feitos a esse trabalho, que foram de fundamental
importância para o aprofundamento e constante melhora do debate.
Aos meus amigos da pós-graduação, Larissa, Christian, Lucas, Carol, Rafael Cattan,
Rafael Gava, Lílian, Nathalie, Elias, Felipe, Daniel, Ana, Fernanda, Thomáz, Guilherme e
muitos outros, agradeço pelos inúmeros almoços no restaurante universitário, pelas diversas
pausas para o café, pelas inúmeras risadas e pelos intermináveis questionamentos e mais
profundas conversas desses mais de dois anos de mestrado. Aos meus amigos da graduação,
Marcos, Fabiana, Sandro, Luís, Bárbara, Fábio, Dennis, Mariana, Leonardo, Lucila também
dirijo o meu imenso carinho e agradecimento pela presença constante e apoio que
transcenderam a vida acadêmica. Além da UNICAMP, devo um grande agradecimento
especial aos meus amigos Erivania, Henrique, Tiago, Abner, Paula, Ariane, Elisabeth e
Marina por me aguentarem tagarelar sobre o meu tema em diversos momentos desses meses e
por sempre estarem com os ouvidos abertos a ouvir meus questionamentos do mundo.
Agradeço também aos funcionários do Instituto de Economia da Unicamp, sempre
atenciosos no dia-a-dia e na resolução de grandes e pequenos problemas. Agradeço
especialmente à Lorenza, Jonathan, Fátima e Camila e também aos funcionários da Biblioteca
Lucas Gamboa.
Gostaria de agradecer também a FAEPEX que tornou possível minha dedicação
exclusiva a esse projeto nos meus dois anos de mestrado.
Agradeço por último e acima de tudo a Deus pelo dom da vida e pelo carinho que tem
guiado meus passos.
“A lógica que dificulta a tomada de decisões
drásticas para inverter a tendência ao
aquecimento global é a mesma que não permite
cumprir o objetivo de erradicar a pobreza” (Papa
Francisco, Laudato Si).
RESUMO
A discussão acerca da necessidade da transição para uma economia de baixo-carbono tem
sido cada vez mais presente no meio acadêmico e político. O entendimento de que ações
inteligentes precisam ser tomadas em um espaço cada vez mais curto de tempo e a percepção
de que as transformações necessárias se dão em ritmo mais lento do que deveria devem lançar
luzes sobre a necessidade de entender quais são as barreiras existentes ao crescimento e
dominância de energias mais limpas no sistema energético dos países e de que maneira essas
barreiras, cujo conjunto é denominado de lock-in do carbono, podem ser rompidas. A
dominância de determinadas tecnologias e o surgimento de novos paradigmas estão
intimamente relacionados a uma trajetória de desenvolvimento em que muito importam a
história e as escolhas políticas realizadas em seu caminho. A transição para uma economia de
baixo-carbono somente será acelerada quando se tornar uma escolha dos policy-makers e da
sociedade. Assim, essa pesquisa buscou discutir o arcabouço teórico necessário para entender
os entraves colocadas pela Sociedade do Hidrocarboneto à transição, o papel das políticas
públicas na construção de um Sistema de Inovação Sustentável e o regime político para a
transição construídos por dois países que têm declarado e realizado medidas concretas em
direção a um futuro mais limpo: Alemanha e China.
Palavras-chave: Economia ambiental; Lock-in do carbono; Política energética; Energia
limpa.
ABSTRACT
The debate about the need of a transition toward a low-carbon economy has been increasingly
present in the academia and politics. The acquaintance that intelligent actions must be taken in
a progressively shorter period and the realization that the required transformations occur at a
slower course that it should must throw lights on the understanding of what kind of barriers
exist to the growth and dominance of cleaner energies and how these barriers, called carbon
lock-in, can be broken. The dominance of certain technologies and the emergence of new
paradigms are closely related to a developmental trajectory in which the political choises and
history matters. The transition to a low-carbon economy will only be accelerated when it
becomes a choice of the society and policy-makers. Thus, this research sought to discuss the
theoretical framework needed to understand the obstacles posed by the ‘Hydrocarbon Society’
to the transition, the role of public policies in the construction of a Sustainable Innovation
System and the political regime for the transition tha has been built by two countries that have
declared and implemented concrete measures toward a cleaner future: Germany and China.
Keywords: Environmental economy; Carbon lock-in; Energ policy; Clean energy.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1-Comparação entre os projetos orientados para uma missão, antigos e novos ...................................... 86
Quadro 2- Linha do Ttempo da Energiewende, 1974-2011, fatos selecionados. ............................................... 106
Quadro 3- Redução de emissões, medidas selecionadas, Alemanha. ................................................................. 120
Quadro 4- Medidas selecionadas: fontes renováveis e eficiência energética. .................................................... 123
Quadro 5- Da abertura econômica à transição energética chinesa, 1978-2007, fatos selecionados. .................. 136
Quadro 6- Metas de eficiência energética nos planos quinquenais. ................................................................... 148
Quadro 7- Eficiência Energética, China, Políticas. Selecionadas. ..................................................................... 150
Quadro 8- Evolução da Política Climática Chinesa, 1988-2015. ....................................................................... 152
Quadro 9- Energia Renovável na China, Políticas Selecionadas. ...................................................................... 158
Quadro 10- 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, principais metas. ............................... 162
Quadro 11- Características Principais dos Sistemas Nacionais de Inovação Sustentável. Alemanha e China... 165
LISTA DE TABELAS
Tabela 1-Evolução da emissão de CO2 global, 1920-1965 ................................................................. 40 Tabela 2– Fluxos de investimento em energias renováveis, segundo regiões, 2005-2015 ................................... 56
Tabela 3- Relação Reserva-Produção (R/P) (1), 2014 ........................................................................................ 147
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1– Variação da emissão de CO2 e do PIB mundial, 1961-2013 .............................................................. 44
Gráfico 2-Participação por país na emissão total de CO2 (excluindo uso da terra e silvicultura), 2013 .............. 45
Gráfico 3- Distribuição das emissões globais de gases do efeito estufa, segundo setor, 2010. ............................ 46
Gráfico 4-Consumo de energia primária, segundo combustível, 2015 ................................................................. 46
Gráfico 5-Total de gás carbônico (CO2 ) emitido pelo consumo de energia, 1980-2040 .................................... 47
Gráfico 6- Consumo total de energia global, segundo combustível, 2011-2040 .................................................. 49
Gráfico 7- LCOE médio global (1) para energias renováveis, 2010 e 2016 (2) ................................................... 54
Gráfico 8- Fluxo de investimento (bilhões de US$), segundo tecnologia, 2005-2015 ......................................... 57
Gráfico 9- Capacidade instalada global acumulada de energia renovável, segundo fonte, 2000-2015 ................ 58
Gráfico 10- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia eólica, 2016. ................................. 60
Gráfico 11- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia solar, 2016. ................................... 61
Gráfico 12- Maiores produtores de turbinas eólicas (onshore) por capacidade encomendada, 2016. .................. 62
Gráfico 13- Maiores produtores de módulos fotovoltaicos por capacidade encomendada, 2016. ........................ 63
Gráfico 14- Intensidade energética global (Koe/US$2005) (1), 1990-2015. ........................................................ 64
Gráfico 15- Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, 2015. ........................................................ 65
Gráfico 16- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1973.
............................................................................................................................................................................. 109
Gráfico 17- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1985.
............................................................................................................................................................................. 109
Gráfico 18- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1997.
............................................................................................................................................................................. 111
Gráfico 19- Emissão Anual de CO2 (1), Alemanha 1975-2013. ........................................................................ 119
Gráfico 20- Geração de Energia Elétrica na Alemanha, Total e Renovável (GW/h) . ....................................... 126
Gráfico 21- Capacidade Elétrica Instalada em Energia Renovável (GW) na Alemanha, 2000-2015. ................ 128
Gráfico 22- Consumo Energético Primário (Mtoe) e Intensidade Energética (1). .............................................. 129
Gráfico 23- Produção de Eletricidade por Fonte Nuclear (% do total), Alemanha, 1970-2014. ........................ 131
Gráfico 24- Importação de energia em relação ao total de energia primária consumida. ................................... 132
Gráfico 25- Número de Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, Alemanha, 2015. ................. 134
Gráfico 26- Variação anual do PIB, Variação do Consumo de Energia Final e Variação da Emissão anual de
CO2, China, 1975-2013. ...................................................................................................................................... 138
Gráfico 27- Produção Energética Primária (Mtoe) China, 1970-2006. ............................................................. 140
Gráfico 28- Consumo de Energia Primária (1970-2015) em Mtoe (1). ............................................................. 146
Gráfico 29- Intensidade Energética, China, 1990-2014. ..................................................................................... 146
Gráfico 30- Importações líquidas de energia como porcentagem do uso energético, 1971- 2013. .................... 148
Gráfico 31- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2005 . ................................................. 155
Gráfico 32- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2015. .................................................. 156
Gráfico 33- Tendência de investimento em energia renovável, excluindo hidrelétrica, China, 2004-2015. ...... 160
Gráfico 34- Capacidade elétrica renovável instalada (GW) na China (hidrelétrica, solar e eólica), 2004-2015. 161
Gráfico 35- - Número de Empregos Acumulados, Indústria de Energia Renovável, China. .............................. 163
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 ALTERNATIVAS TEÓRICAS E O LOCK-IN TECNOLÓGICO ............................................... 23
1.1 Conceitos de Lock-in Tecnológico e Institucional ................................................................................ 26
1.2 O Lock-in do Carbono e a Necessidade de Descarbonização ............................................................... 33
1.2.1 Entendendo a Sociedade do Hidrocarboneto ........................................................................................ 34
1.2.2 A Necessidade de Transição ................................................................................................................. 41
1.2.3 As Energias Renováveis e Economia de Energia: a descarbonização do sistema energético ............... 52
CAPÍTULO 2 COMO PROMOVER A EMERGÊNCIA DE ALTERNATIVAS DE BAIXO-CARBONO?...... 67
2.1 “A Nova Razão do Mundo” e o Estado versus Mercado ...................................................................... 71
2.2 O Estado e o Sistema Nacional de Inovação ........................................................................................ 75
2.3 O Sistema de Inovação Sustentável e o Sistema Político de Transição Energética .............................. 82
2.3.1 Políticas Públicas para a Transição Energética ..................................................................................... 90
2.3.1.1 Políticas de Demanda ........................................................................................................................... 90
2.3.1.2 Políticas de Oferta ................................................................................................................................ 95
2.3.1.3 Outras Políticas ................................................................................................................................... 100
2.3.2 Além das Políticas Públicas: a transformação de “baixo para cima”.................................................. 101
CAPÍTULO 3 ALEMANHA E CHINA: DESENHOS DO SISTEMA POLÍTICO PARA A TRANSIÇÃO
ENERGÉTICA .................................................................................................................................................... 103
3.1 O Caso Alemão................................................................................................................................... 105
3.1.1 Do Movimento Ambientalista e Antinuclear ao Energiewende ......................................................... 105
3.1.2 Princípios da Energiewende e as Políticas em Vigor.......................................................................... 117
i) Combate à mudança climática ............................................................................................................ 118
ii) Estímulo ao desenvolvimento das energias renováveis e eficiência energética.................................. 122
iii) Redução e eliminação dos riscos da energia nuclear .......................................................................... 130
iv) Importação de energia e segurança energética ................................................................................... 131
v) Fortalecimento das economias locais e justiça social ......................................................................... 132
3.2 O Caso Chinês .................................................................................................................................... 134
3.2.1 Da Abertura Econômica ao Novo Século ........................................................................................... 135
i) Segurança energética doméstica ......................................................................................................... 145
ii) Desenvolvimento sustentável ............................................................................................................. 151
iii) Liderança no mercado de baixo-carbono ............................................................................................ 153
3.3 Alemanha e China: discussão sobre o desenho de políticas mais sustentáveis ................................... 164
4. CONCLUSÃO................................................................................................................................................. 171
5. REFERÊNCIAS .............................................................................................................................................. 177
15
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis capazes de
mitigar os danos causados pelo homem ao meio ambiente sem, entretanto, frear o
desenvolvimento econômico1 retomou fôlego, mostrando-se novamente como uma questão
indispensável para aqueles que pretendem tratar os problemas recentes e seus desdobramentos
futuros. O debate presenciado nos anos 1970 que trouxe à tona a preocupação com a mudança
climática e a possibilidade de escassez de recursos volta a figurar como vital para o
entendimento profundo dos desafios colocados.
Esse debate teve origem com o trabalho publicado por Meadows et al. (1972),
pesquisadores do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) em 1972 – que previa a
insustentabilidade do crescimento econômico mediante os recursos naturais limitados e
propunha o crescimento zero como solução – fez nascerem no âmbito acadêmico posições
otimistas e pessimistas quanto à possibilidade da humanidade encontrar caminhos inteligentes
de ação para enfrentar o problema ambiental.
Christopher Freeman, um dos principais expoentes desse debate, afirmava que o
pessimismo representado pelo grupo de pesquisadores do MIT não levava em conta que,
mediante as evidências de catástrofes ambientais e falta de recursos futuros, a sociedade
poderia responder de forma adaptativa aos efeitos deletérios da ação humana sobre o meio
ambiente e complementa que “não deveríamos cair no erro de alguns ecologistas pessimistas:
falhar ao considerar o tremendo potencial da mudança técnica em relação aos sistemas sociais
humanos” (FREEMAN, 1973, p. 11).
Além disso, na periferia do sistema, autores como Furtado (1974) e Herrera et al.
(1976) advogavam que as hipóteses do modelo World 32 não levavam em conta a substancial
desigualdade produtiva e de consumo dos países centrais e periféricos. Furtado vai além,
afirmando que a hipótese de generalização do padrão de consumo do centro – uma das
principais hipóteses do modelo – representava um mito de desenvolvimento “vendido” pelo
centro e muitas vezes aceito pelos países periféricos e por seus estudiosos.3
Mais de 30 anos após esse debate, os problemas e os questionamentos não
diminuíram, podendo-se dizer que aumentaram de tamanho e de complexidade e imaginar
1 Sem demais considerações por ora sobre o tema, qualifico que “desenvolvimento econômico”, nesse trabalho, é
muito mais do que crescimento econômico e, mediante as necessidades ecossistêmicas que temos presenciado,
coloca-se em questionamento se o crescimento econômico como conhecemos atualmente, medido pelo PIB, seja
condizente com essas necessidades. Sobre isso ler Jackson (2009). 2 Como ficou conhecido o modelo do trabalho de Meadows et al. (1972). 3 Esse debate será aprofundado no segundo capítulo desse trabalho.
16
caminhos de ação se tornou uma tarefa mais árdua. Isso porque o problema ambiental e seus
efeitos sobre a sociedade estão tomando grandes proporções e o tempo de ação frente às
grandes transformações necessárias fica cada vez menor. Atualmente há inúmeras evidências
de que a ação antropogênica de facto é o principal fator das mudanças ecossistêmicas
especialmente pela emissão de gases do efeito estufa 4que suas principais atividades
econômicas geram, algo que ainda era uma possibilidade nos anos 1970. A partir da gravidade
das evidências, o problema fica um pouco mais claro do que era nos anos 1970. Realmente os
recursos são limitados e a capacidade da Terra em absorver os impactos também, mas se as
transformações correntes têm como principal motor a ação humana, a sociedade não teria a
obrigação e a capacidade de revertê-las?
Uma das grandes contribuições desse primeiro debate foi trazer a questão
ambiental para as discussões acadêmicas e principalmente inseri-las no âmbito econômico e
tecnológico. Com as evidências crescentes de que a questão ambiental se tornava um tema
inescapável, duas eram as principais posturas existentes: advogar por um crescimento zero em
um mundo extremamente desigual em que grande parte das pessoas não tinha acesso aos
recursos básicos de subsistência ou acreditar que a sociedade poderia reverter o quadro
catastrófico mediante escolhas inteligentes que, além de mitigar os problemas ambientais,
permitiria incrementos nos padrões de vida dos países menos desenvolvidos.
Esse trabalho vai em direção à segunda opção, mas de uma maneira crítica,
considerando as ressalvas que ela possa exigir, especialmente ressaltando que não é possível
acreditar que somente o desenvolvimento tecnológico será responsável por solucionar os
problemas apresentados. A mudança do paradigma tecnológico para evitar que catástrofes se
realizem, como a prevista por Meadows et al. (1972), envolve a esfera tecnológica e
social/institucional. Mediante as mudanças ecossistêmicas que a sociedade tem presenciado e
a ineficácia de grande parte das ações realizadas nas últimas décadas para combater essas
mudanças, coloca-se o desafio de retomar e redesenhar esses caminhos que possam ser
seguidos, especialmente quanto à possibilidade de transição para uma economia de baixo-
carbono. A partir desses apontamentos, as duas grandes perguntas desse trabalho são: por que
a diminuição das emissões através do desenvolvimento de alternativas tecnológicas mais
limpas, especialmente na infraestrutura energética, se dá de maneira tão lenta mesmo
mediante tantas evidências que apontam a necessidade latente de sua realização? E, dada a
4 Segundo a The Royal Society and the US National Academy of Sciences (2010, p. 2) “Gases do efeito estufa
como o 𝐶𝑂2 absorvem o calor (radiação infravermelha) emitidos pela superfície terrestre. O aumento da
concentração desses gases na superfície terrestre causa um maior aquecimento da Terra por atuar como um
cobertor que segura o calor”.
17
inércia que se verifica, quais os arranjos, atores e instituições são necessários para acelerar
esse processo?
De fato, os desafios são muitos e buscar desvendar essas questões não é trivial. As
mudanças ecossistêmicas em curso se caracterizam especialmente pela ultrapassagem das
fronteiras dos limites operacionais seguros para a Terra nas quais as mudanças climáticas
desencadeadas são as mais conhecidas. As consequências da ação deletéria do ser humano
irão afetar elementos básicos da vida, como o acesso à água, a produção de alimentos, a saúde
e o meio ambiente (ROCKSTRÖM et al., 2009). Nossas ações correntes e futuras podem
causar riscos de grande ruptura econômica e sociais semelhantes à escala das grandes guerras
e da grande depressão da primeira metade do século XX, e essas rupturas poderão ser muito
difíceis ou impossíveis de reverter caso mudanças profundas não sejam feitas (STERN, 2007).
Dentre os afetados por essas mudanças, os países mais pobres serão os mais
atingidos. Trabalhos como os de Burke, Hsiang e Miguel (2015) trazem previsões de efeitos
assimétricos para os países. Os impactos macroeconômicos da mudança climática trariam
uma queda do PIB per capita mundial de 23% ao longo do século XXI e dependeriam da
temperatura média inicial de cada região, ou seja, as regiões mais quentes – com temperatura
média anual maior que 13ºC – sofreriam queda no crescimento econômico com o aumento da
temperatura; o efeito não-linear das mudanças climáticas traria novos deslocamentos de
riqueza, afastando-a das regiões mais quentes, tradicionalmente mais pobres e concentrando-a
nas regiões mais frias.
A 21ª Conferência das Partes (COP21) em Paris, em 2015, a maior conferência
sobre o clima já realizada, retomou o estado de urgência e a necessidade de diminuir a
emissão de gases poluentes provenientes da queima de combustíveis fósseis, a fim de evitar
consequências econômicas e sociais drásticas provenientes das mudanças climáticas. Metas
mais duras, como tentar limitar em até 1,5ºC o aumento da temperatura média global em
relação à era pré-industrial (ao invés de 2ºC) foram colocadas em ampla discussão,5 além do
acordo de auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento para lidar com os
problemas climáticos e promover uma economia mais sustentável.
Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC (2014a), a
redução significativa das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa é vista como a
única saída para evitar a elevação da temperatura mundial e a consequente ocorrência de
catástrofes ambientais. Neste sentido, aconselha-se que o nível de dióxido de carbono (CO2
5 Apesar da ampla discussão, a meta acordada na COP21 foi de 2°C até o fim do século, mas com o
compromisso de buscar uma meta menor.
18
)na atmosfera, estimado em 270 partes por milhão (ppm) na era pré-industrial e registrado em
400 ppm atualmente, não deva ultrapassar 450 ppm (IPCC, 2014a).
Portanto, as respostas a esses desafios exigem transformações estruturais
organizadas e planejadas se a sociedade não quiser ser “surpreendida” por grandes
transformações que, inclusive colocam ainda mais pressão sobre o meio ambiente. Estima-se
que uma grande mudança estrutural, econômica e social, já em curso, deslocará dois terços da
população mundial para áreas urbanas até 2050, e aumentará a demanda por energia em 70%
em média até o mesmo ano (IEA, 2016a). Outras previsões são ainda mais preocupantes:
estima-se que em um mundo de 9 bilhões de habitantes, em que todos aspirem a estilos de
vida ocidentais, a intensidade de carbono a cada unidade em dólar do PIB terá que alcançar,
em 2050, pelo menos 130 vezes os níveis atuais (JACKSON, 2009). Níveis incompatíveis
com a vida da Terra.
Como afirmou o secretário-geral da ONU na cerimônia de assinatura do Acordo
de Paris sobre mudança climática “a era do consumo sem consequências acabou”6 e é preciso
uma reestruturação da sociedade em várias frentes para que as graves consequências em curso
não sejam irreversíveis.
Vivemos na “Era do Antropoceno”, na qual os seres humanos são agentes
determinantes nas mudanças a nível planetário e o esforço para rever ou minimizar os
impactos já não são suficientes: há a urgência de ações que abram janelas para inovação e há
necessidade latente de novos paradigmas, que não quebrem somente as fontes de energia
fósseis, mas o padrão de consumo sem limites (ROCKSTRÖM et al., 2009). Portanto, ao se
tratar da necessidade da transição para uma economia de baixo-carbono não é suficiente lidar
apenas com a redução dos gases do efeito estufa, mas da transformação do modo de vida
contemporâneo que subestima a importância dos recursos ecossistêmicos, excluindo-os dos
cálculos básicos de manutenção do sistema.
Feitas essas considerações, essa dissertação busca endereçar as duas perguntas
anteriormente apresentadas em três frentes: 1) explorar o arcabouço teórico necessário para
entender os problemas apresentados; 2) entender como o papel do Estado pode estar
relacionado à saída da dependência existente no uso intensivo do carbono e 3) a partir de dois
exemplos concretos (Alemanha e China), explorar o desenho de políticas desses dois países
6 SECRETÁRIO-GERAL da ONU: “a era do consumo sem consequências acabou”. Rádio ONU, 22 abril 2016.
Disponível em: <http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2016/04/seceretario-geral-da-onu-a-era-do-
consumo-sem-conquencias-acabou/#.V30KfrgrKUk>. Acesso em: 15 jun. 2016.
19
que declaram estar comprometidos com uma transição para uma economia e, especialmente,
com um sistema energético de baixo-carbono.
Nesse ínterim, as políticas endereçadas à infraestrutura energética e seu papel na
redução das emissões será o foco desse trabalho, apesar de que os desafios são muito maiores
do que “apenas” reduzir as emissões de CO2 no meio ambiente. Busca-se aqui entender de que
maneira o Estado pode estimular o desenvolvimento e difusão de energias renováveis por
meio de políticas públicas que procurem aliar a busca por inovações com a questão ambiental,
ou seja, a busca por um sistema nacional de inovação sustentável,7 sem, entretanto
desconsiderar as questões bastante complexas que estão envolvidas, procurando sempre
mantê-las como questionamentos presentes nessa dissertação.
Trata-se aqui, especialmente, da transformação de uma das maiores infraestruturas
já existentes e de fundamental importância para a transição para uma economia de baixo-
carbono: a matriz energética na sociedade contemporânea e maneiras mais eficientes de
utilizá-la. Com políticas públicas fortes e deliberadas, acredita-se ser possível reduzir
emissões nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, e por essas políticas passa o
incentivo ao desenvolvimento e difusão de inovações em tecnologias de baixo-carbono, como
as energias renováveis.
Entretanto, os desafios para a promoção dessa transição não são nada triviais.
Existe uma estrutura de custos irrecuperáveis, riscos e incertezas muito grandes quanto ao
sucesso dessas tecnologias mais limpas (HOPKINS; LAZONICK, 2012; MAZZUCATO,
2011; MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015). Além disso, as várias tentativas de
introdução de inovações tecnológicas sustentáveis têm esbarrado em barreiras previamente
estabelecidas que compõem o que chamaremos aqui de lock-in do carbono8.
Assim, para entender a dificuldade apresentada no desenvolvimento de
tecnologias renováveis é necessário entender como as tecnologias se consolidam e, mais que
isso, como elas podem impedir que alternativas a elas se desenvolvam, por isso se justifica a
exploração teórica do desenvolvimento e difusão de tecnologias.
7 O termo sustentável, inclusive, também é fonte de debates acadêmicos, isso porque ele tem sido largamente
utilizado e tem adquirido tantas significações que fica bastante difícil entender realmente do que se trata. Nesse
caso, o termo é derivado da definição de desenvolvimento sustentável que é o “desenvolvimento que satisfaz as
necessidades da geração corrente sem comprometer a capacidade das futuras gerações a fazer o mesmo”
(WCED, 1987, p. 47), ou seja, um sistema de inovação sustentável busca contribuir tecnologicamente e
institucionalmente para esse objetivo. Para um maior aprofundamento desse debate ler Corazza, Bonacelli e
Fracalanza (2013). 8 O termo lock-in do carbono será largamente discutido nesse trabalho. Por ora, entende-se por lock-in do
carbono é o aprisionamento das economias em estruturas complexas que se estabelecem pelo uso intensivo de
combustíveis fósseis e impedem que alternativas, como energias limpas, se deselvolvam e se difundam. Essas
estruturas só podem ser verdadeiramente compreendidas, segundo Unruh (2000, 2002) a partir da consideração
de que os mesmos estão imersos em um contexto não só tecnológico e social.
20
À luz dessa inspiração, a proposta desse trabalho é também analisar a existência
de obstáculos em direção ao uso de tecnologias energéticas mais sustentáveis, e as
possibilidades de quebrar essas barreiras. Unruh (2000, 2002) afirma que as economias
industriais, e cada vez mais as em desenvolvimento, estão presas a uma economia baseada em
combustíveis fósseis através de um processo de co-evolução tecnológica e institucional
alimentado pelos retornos crescentes auferidos dessas atividades já consolidados. Essa
dependência, chamada de lock-in do carbono, emerge da combinação de forças sistemáticas
que perpetuam infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis, apesar de suas
externalidades ambientais conhecidas e também em detrimento de alternativas
economicamente viáveis e socialmente superiores.
O sucesso de uma inovação e da adoção de uma tecnologia depende de sua
trajetória de desenvolvimento, além de características iniciais do mercado, de fatores
institucionais e regulatórios que governam sua introdução e da expectativa dos consumidores
(FOXON, 2002, p. 2). Entretanto, o fato de tecnologias dominantes proporcionarem retornos
crescentes de escala, devido ao que Arthur (1990) chama de positive-feedbacks, possibilita o
aprisionamento de economias, mesmo as desenvolvidas, em trajetórias inferiores de
desenvolvimento, ainda que frente a alternativas potencialmente superiores.
Assim, aponta-se que o “aprisionamento” das economias industriais em trajetórias
intensivas em carbono é, de forma similar, resultado de barreiras criadas pelo
desenvolvimento de infraestruturas baseadas em tecnologias previamente adotadas.
Entender de que maneira essas relações preservam a estrutura da economia
baseada em carbono e como podem ser quebradas é a inquietação de muitos estudiosos
contemporâneos que acreditam na introdução de tecnologias renováveis como uma alternativa
viável e de urgência para evitar desastres ambientais com graves consequências sociais e
econômicas, como já colocado.
Políticas públicas são o principal instrumento para superar o lock-in do carbono
estabelecido, especialmente aquelas ligadas ao desenvolvimento tecnológico e difusão das
energias mencionadas (HOPKINS; LAZONICK, 2012; MAZZUCATO, 2011;
MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015; UNRUH; CARRILLO-HERMOSILLA,
2006; UNRUH, 2000, 2002). Os autores afirmam que essas políticas podem agir no sentido
de promover retornos crescentes em políticas mais sustentáveis e assim promover o
desenvolvimento e estabelecimento dessas tecnologias, atuando tanto na pesquisa e
desenvolvimento de tecnologias de baixo-carbono, quanto no setor produtivo como market-
21
maker, permitindo o aprendizado, a redução das incertezas e a aceitação de novas tecnologias
sustentáveis pelas firmas e famílias.
Entender que políticas públicas são importantes tanto na manutenção quanto na
quebra de trajetórias tecnológicas e institucionais é atribuir ao Estado um papel muito além
daquele atribuído pela lógica mainstream. Ao invés de meramente criar as condições para o
funcionamento do mercado, admite-se, nesse trabalho, que o Estado tem um papel ativo na
construção, manutenção e destruição de trajetórias tecnológicas. Apesar de considerar esse
papel importante do Estado e das políticas públicas, não se pretende estabelecer uma visão
ingênua do Estado, mas sim, discutir as suas possibilidades e limites de ação.
Assim, a partir dessas questões levantadas e dos objetivos do trabalho, essa
dissertação é composta de três capítulos.
O primeiro capítulo buscou inicialmente retomar o arcabouço teórico-conceitual
que serviu de base para o trabalho: visão evolucionária da economia e dos processos
tecnológicos, apresentados na seção 1.1. Essa retomada era importante justamente para fazer
frente a construtos teóricos convencionais que não estão abertos ao entendimento tecnológico
e institucional de forma dinâmica e orgânica e impedem o entendimento de fenômenos
complexos e não lineares como os aprisionamentos tecno-institucionais. A seção 1.2
desenvolve o conceito de lock-in na teoria evolucionária e o aplica para o lock-in do carbono,
especialmente o lock-in energético que envolve as grandes estruturas mantenedoras do
sistema capitalista contemporâneo. Além do conceito de lock in do carbono, realiza-se um
retomado histórico da formação do lock-in do carbono e da origem da “Sociedade do
Hidrocarboneto” e posteriormente, ao analisar o lock-in do carbono e a formação dessa
sociedade, faz-se um panorama da possibilidade de transição energética para uma economia
de baixo-carbono, levantando alguns pontos importantes concernentes às energias renováveis,
bem como algumas barreiras presentes em seu desenvolvimento.
O segundo capítulo dessa dissertação teve o intuito principal de discutir as
possibilidades de ação do Estado, mediante políticas públicas, na ruptura do lock-in
energético intensivo em combustíveis fósseis. Buscou-se, nesse capítulo apresentar
primeiramente na seção 2.1 a discussão Estado versus mercado, cuja visão dominante (a da
existência dessa divisão) tem promovido consequências graves em vários setores por limitar
ou mesmo impedir uma ação mais profunda do Estado em questões fundamentais do
desenvolvimento econômico e social – no qual a questão ambiental tem ganhado cada vez
mais destaque e cujo tratamento e entendimento parecem inevitáveis atualmente. Feita essa
22
discussão, o capíitulo segue apresentando o conceito de sistemas nacionais de inovação na
seção 2.2, demonstrando com exemplos históricos a importância da formação de sistemas
nacionais maduros para a superação de desafios de desenvolvimento em que a questão
tecnológica tem papel central e o Estado exerce um papel fundamental. Posteriormente,
apresenta-se na seção 2.3, inspirado na discussão de sistemas nacionais de inovação, um
possível desenho de um sistema de inovação sustentável, conceito recente cujo desenho vem
sendo montado por economistas e demais estudiosos que acreditam que a busca da inovação
não pode mais ser separada das políticas ambientais. De forma complementar, sistematizam-
se alguns tipos de políticas púbicas possíveis (oferta, demanda e outras) para promoção de
energias renováveis, bem como o uso mais eficiente da energia existente, discutindo por fim a
necessidade de que essas políticas sejam acompanhadas de mudanças além das tecnológicas.
Já o terceiro capítulo buscou, a partir do caso Alemão e Chinês, entender como
esses países pretendem atingir as ambiciosas metas e objetivos que se colocaram nos últimos
anos quanto à transição energética. Pretende-se, portanto, entender a situação energética atual
desses países bem como traçar um perfil de ação de cada um, descobrindo qual a importância
das políticas públicas nesse processo e de que maneiras essas políticas se projetam na
sociedade como um todo (nas empresas, famílias e no próprio Estado); a primeira parte
exploratória dessa busca está presente na seções 3.1 e 3.2 referente à Alemanha e China,
respectivamente, onde trabalhou-se um pouco do histórico energético desses países e seus
resultados nas ações atuais. Pretendeu-se, posteriormente, sistematizar as ações envolvidas,
levando-se em conta as especificidades históricas, sociais e econômicas, bem como realizar
um panorama de “lições aprendidas” ou possíveis exemplos de ação inteligente, mais uma vez
não se esquecendo das especificidades nacionais, buscando identificar a presença do que se
chamou no segundo capítulo de um sistema nacional de inovação sustentável. Essas reflexões
estão presentes na seção 3.3.
Finalmente, a conclusão apresenta a retomada de alguns dos principais pontos
tratados nos capítulos precedentes, abrindo espaço para a discussão e aperfeiçoamento do
debate até aqui apresentado.
23
CAPÍTULO 1
ALTERNATIVAS TEÓRICAS E O LOCK-IN TECNOLÓGICO
Entender como uma tecnologia se consolida é importante para o presente trabalho,
isso porque só é possível entender como sua presença elimina alternativas se entendermos que
vantagens estão envolvidas em sua permanência. Ao se deparar com manuais de
microeconomia, é possível perceber que parte significativa dos construtos teóricos
convencionais representam a economia como um sistema newtoniano, linear, com um único
equilíbrio determinado pela disposição de recursos naturais, geográficos, populacionais, pelos
gostos dos consumidores e pelas possibilidades tecnológicas.9 Essas abordagens têm como
hipótese principal os retornos decrescentes, já que as ações econômicas ocasionam feedbacks
negativos que no longo prazo levam a economia para um equilíbrio de preços e de divisão do
mercado – qualquer choque ou mudança gerará de forma automática o ajuste e a volta para o
inevitável equilíbrio (ARTHUR, 1990).10
Nesse tipo de economia, o futuro, ou seja, os caminhos tecnológicos e a
disposição de preços e quantidades de bens podem ser previstos por meio de distribuições
probabilísticas verdadeiras, de forma que os agentes saibam ex ante os riscos tomados, já que
as possibilidades tecnológicas são dadas, a racionalidade é absoluta e o equilíbrio – que
representa o melhor resultado possível – é calculável. O mercado, por si, seleciona dentre as
alternativas a melhor possível e a história não é determinante, já que significa unicamente que
no longo prazo o equilíbrio é o caminho. Qualquer choque nesse sistema virtuoso afasta-o
temporariamente de sua “vocação natural” ao equilíbrio, mas não de forma permanente, já que
o mesmo é capaz de compensar as perturbações externas, através do livre funcionamento do
mercado, de maneira a reestabelecer o equilíbrio anterior.
Os defensores dessas abordagens convencionais não acreditam, entretanto, que o
“mundo” funcione dessa maneira, mas acreditam que a assunção de pressupostos tão fortes é a
maneira mais acertada de analisar problemas complexos. A crítica abordada aqui é justamente
apontar que a adoção de muitos desses pressupostos traz incoerências grandes com a realidade
9 Aqui estamos a nos referir especialmente aos modelos neoclássicos em sua versão mais consagrada dos
manuais de Microeconomia. 10 Arthur utiliza o exemplo clássico do choque do Petróleo nos anos 1970 para explicar o funcionamento do
sistema econômico pela teoria convencional. Segundo os teóricos convencionais, o aumento do preço do
petróleo encorajou a economia de energia e aumentou a busca por novas fontes de petróleo, promovendo uma
queda dos preços nos anos 1980. Essa teoria explicaria esse fenômeno através do reestabelecimento do inevitável
equilíbrio. O próprio choque do petróleo, pelas forças da oferta e da procura, seria esgotado por retornos
decrescentes, que direcionariam novamente a economia para o estágio anterior. Nesse contexto não se
consideram os efeitos do que podemos chamar de histerese, termo emprestado da física para designar a
dependência de uma nova posição de equilíbrio em relação ao passado recente, ou seja, eventos durante o
processo de ajuste dinâmico de um sistema afetam o “resultado final” (BLACK, 2002).
24
e, por mais que suas limitações sejam reconhecidas, muitas vezes são usados
indiscriminadamente como verdade econômica, afetando substancialmente as ações dos
policy-makers.
Se esse tipo de abordagem dos manuais de microeconomia pode ser adequada a
uma economia manufatureira e agrária do século XIX, ela não encontra aderência na realidade
tecnológica-intensiva que observamos em nossos dias. Numa realidade marcada pelos ventos
da destruição criadora11 e de concorrência entre grandes grupos empresariais, as condições
futuras colocam-se na medida em que são tomadas as decisões no presente, de forma que o
sistema parece evoluir.
Portanto, para entender a dinâmica do sistema capitalista contemporâneo,
precisam-se assumir hipóteses que permitam a inserção da complexidade de um sistema
orgânico, no qual o todo não é a soma de partes atômicas – que não se relacionam entre si –
mas sim o resultado da co-interação de partes que influenciam e que se deixam influenciar. A
assunção dessas hipóteses permite incorporar à análise que o desenvolvimento e difusão de
inovações e novas tecnologias fazem parte de um sistema maior composto por fatores técnicos
e sociais.
Dessa forma, alternativamente à teoria tradicional, esse trabalho parte de uma
concepção evolucionária do sistema econômico, tendo como base diversos autores (
ARTHUR, 1990; DAVID, 1985; FREEMAN, 1984; PEREZ, 1983; DOSI, 1982). A
observação da realidade demonstra que não é possível aceitar a hipótese de um único
equilíbrio resultante dos retornos decrescentes de escala, já que as “forças estabilizadoras” do
mercado na seleção de caminhos tecnológicos não se verificam. Ao contrário, feedbacks
positivos reforçam pequenas mudanças na economia e não geram, pela força automática do
mercado, estabilizadores como propõe a teoria convencional. Em uma economia de feedbacks
positivos, não há um único equilíbrio possível, mas vários, e não há garantia de que o
equilíbrio estabelecido é o melhor em relação a alternativas.
Portanto, o sucesso de uma inovação ou de uma nova tecnologia pode não
depender unicamente de seus fatores técnicos, mas de seu caminho de desenvolvimento, o
chamado path-dependency que inclui as características iniciais do mercado, as características
regulatórias presentes na introdução de uma inovação ou tecnologia e as expectativas dos
consumidores (DAVID, 1985) e que determinam se ela será ou não um projeto dominante
(UTTERBACK, 1996).
11 Schumpeter (2008).
25
Também nessa perspectiva, as inovações – que são motores da dinâmica
econômica – não são analisadas e entendidas como parte de um processo linear que começa
com o P&D e termina com a comercialização de um novo produto/tecnologia, mas sim como
um processo de combinações de possibilidades técnicas e de oportunidades de mercado que
envolve múltiplas interações e tipos de aprendizado (FREEMAN; SOETE, 2008).
A dinâmica de cumulatividade de vantagens ou retornos dentro dos sistemas
tecnológicos dá origem – e realimenta – estruturas maiores denominadas paradigmas tecno-
institucionais,12 que colocam fronteiras institucionais implicitamente delimitadas para o
florescimento de trajetórias tecnológicas. Esse arcabouço teórico é muito mais coerente com a
física não-linear (em contraponto com a física newtoniana) e com a visão não-ergódiga, que
incorpora a incerteza fundamental da economia, um dos motivos pela qual têm sido ignorada
por muitos economistas. É, para muitos, bastante difícil se desvincular de um sistema de um
único equilíbrio, que preserva a economia de anomalias e permite que a mesma possa ser
analisada com o auxílio de um arcabouço matemático mais “simples” (ARTHUR, 1990).
O arcabouço evolutivo que busca uma maior aderência com a realidade empírica
permite entender que os caminhos tecnológicos estabelecidos em uma economia podem não
ser ótimos; mais que isso, permite o desafio teórico de entender a dificuldade que a economia
pode ter para escapar de caminhos tecnológicos específicos, ou seja, de promover rupturas
tecnológicas. Esse processo de inércia é o que se convencionou chamar de lock-in ou
aprisionamento tecnológico.
A constatação de que as economias podem estar aprisionadas em determinados
lock-in’s é consequência, portanto, da incorporação das influências sociais e culturais na
análise do desenvolvimento de tecnologias, que vai além dos fatores técnicos e econômicos
(KEMP, 2000). E com o lock-in do carbono não é diferente. O lock-in do carbono tem origens
no padrão de produção e consumo que move a sociedade capitalista e que atende às diversas
necessidades do homem contemporâneo – transporte, vestuário, moradia, alimentação, entre
outras.
Para Unruh (2000, 2002), o conceito de lock-in do carbono é determinado pelo
que o autor chama de Complexo Técnico-Institucional (CTI). O CTI surge como arcabouço
conceitual para entender profundamente o estabelecimento e permanência de sistemas
tecnológicos complexos – como a geração, distribuição e uso de energia elétrica. Esses
sistemas complexos, segundo Unruh, só podem ser verdadeiramente compreendidos a partir
12 Nos termos de Dosi (1982) e, especialmente de Perez (1983) e Freeman (1984).
26
da consideração de que os mesmos estão imersos em um contexto social, de instituições
públicas e privadas condicionantes, uma vez que “o CTI é desenvolvido através do path-
dependency instituído a partir de feedbacks positivos entre as infraestruturas tecnológicas, as
organizações e instituições que as criam, as difundem e as empregam” (UNRUH, 2000,
2002).13 Uma vez estabelecidos, esses complexos são de difícil dissolução e, como já visto,
impedem o estabelecimento de alternativas com grande potencial. Essa condição cria erros de
política e mercado que dão suporte a lock-in’s tecnológicos como o do carbono (muitas vezes
como consequência de projetos de segurança nacional, serviço universal, segurança
energética, criação de demanda efetiva) ao mesmo tempo em que inibe a difusão de
alternativas socialmente e ambientalmente melhores, como as tecnologias renováveis.
1.1 Conceitos de Lock-in Tecnológico e Institucional
Alguns estudiosos vêm tentando entender, de maneira formalizada, como se dão
os lock-in’s tecnológicos desde meados dos anos 1980 (ARTHUR, 1990; COWAN, 1990;
DAVID, 1985; LIEBOWITZ; MARGOLIS, 2016) e mais recentemente como se dá a relação
entre mudança técnica e mudança ecológica (ELLIOTT, 2000; FOXON, 2002; FREEMAN,
1996; UNRUH, 2002).
Como visto, as tecnologias seguem caminhos de desenvolvimento específicos as
quais podem atribuir ao sistema uma grande dificuldade de mudança. Esses caminhos podem
persistir por longos períodos, mesmo quando confrontados com alternativas substitutas
potencialmente superiores. Quais seriam os fatores responsáveis por esse aprisionamento
tecnológico?
Basicamente, a literatura aponta dois instrumentos teóricos de análise para a
ocorrência de lock-in’s tecnológicos, ambos intimamente relacionados e não claramente
divisíveis: paradigmas tecno-institucionais e retornos crescentes de adoção. A divisão aqui
colocada tem o propósito de expor de forma didática os principais conceitos relacionados a
cada instrumental.
Paradigma tecnológico foi definido por Dosi (1982) como um conjunto de
soluções, um “modelo” para determinados problemas tecnológicos, “baseados em
determinados princípios derivados das ciências naturais e em determinadas tecnologias
materiais” (DOSI, 1982, p. 22).14 Esse conjunto de soluções é definido pelos membros da
comunidade tecnológica (engenheiros, firmas, institutos tecnológicos, instituições
13 Tradução própria. 14 Tradução própria.
27
acadêmicas, policy-makers, etc.) e molda a natureza e a direção da mudança tecnológica.
Todavia, prefere-se nesse trabalho chamar esse padrão de solução de paradigma tecno-
institucional inspirado em Perez (1983) e Freeman (1984), pois se entende que um padrão
somente se torna dominante e aufere retornos crescentes quando está colado a uma
institucionalidade que o suporta. Segundo Freeman:
The widespread profitable generalization of the new paradigm throughout the
system is possible only after a period of change and adaptation of many social
institutions to the potentialities of the new technology. (FREEMAN, 1984, p. 499).
Dentro de um paradigma tecno-institucional existem ainda as trajetórias
tecnológicas que são evoluções das diferentes tecnologias dentro do padrão de solução pré-
estabelecido, derivadas das aplicações efetivas ou potenciais desse paradigma, isto é, a “[...]
atividade ‘normal’ de solução de problemas determinada pelo paradigma pode ser
representada pelo movimento de ‘trade-offs’ multidimensionais entre as variáveis
tecnológicas que o paradigma define como relevantes” (DOSI, 1982, p. 22).
O problema desse conjunto de soluções compartilhadas entre a comunidade
tecnológica é que ele acaba por realimentar recorrentemente esse mesmo padrão, de forma
que a evolução tecnológica se dá nos domínios das fronteiras pré-estabelecidas. Assim, os
avanços tecnológicos serão direcionados para trajetórias que estejam dentro do limiar do
paradigma, ou seja, serão realizadas inovações incrementais e não grandes rupturas
tecnológicas.
Agora, quando se trata do processo de manutenção e quebra de paradigmas,
atribui-se destaque à inovação como motor da dinâmica econômica. As inovações, que são
novos produtos, processos entre outras novas mercadorias seriam as responsáveis pelas
transformações tecnológicas e por novos ciclos de crescimento econômico. A mudança
técnica genericamente pode ser classificada de três maneiras: inovações incrementais,
inovações radicais e revoluções tecnológicas (FREEMAN, 1984).
As inovações incrementais estão relacionadas ao desenvolvimento “normal” do
progresso tecnológico dentro do paradigma estabelecido. Elas ocorrem de forma mais ou
menos contínua, mas estão presentes assimetricamente em diferentes indústrias. Não
apresentam grandes efeitos econômicos quando analisadas de forma individual, mas seus
efeitos conjuntos são importantes para o crescimento da produtividade. As inovações radicais
são eventos descontínuos e estão associadas a longos ciclos da economia, tendo grande papel
nos momentos de revoluções tecnológicas. Já as revoluções tecnológicas são os “ventos de
28
destruição criativa” de Schumpeter, representando vários clusters de inovações incrementais e
radicais que têm efeitos pervasivos sobre a economia, ou seja, esse tipo de mudança técnica
não deve somente liderar a emergência de uma nova gama de produtos e serviços por si
próprio, mas deve afetar outros ramos da economia, mudando a estrutura de custo de insumos
e as condições de produção e distribuição do sistema (FREEMAN, 1984, p.497-498).
Ainda segundo Freeman (1984) podemos identificar uma revolução tecnológica a
partir da presença de cinco elementos. O primeiro deles é a drástica redução de custos de
muitos produtos e serviços. Essa redução pode não se dar de forma uniforme, mas de certa
maneira possibilitar uma maior percepção favorável de oportunidades para novos
investidores. O segundo elemento verificado é uma profunda melhora nas características
técnicas de produtos e processos em termos de confiabilidade, precisão, velocidade e demais
elementos de desempenho. O terceiro elemento que diferencia uma revolução tecnológica das
demais mudanças técnicas, de fundamental importância, é a aceitabilidade social e política.
Mesmo se os dois primeiros elementos estiverem presentes, é a aceitação social e política que
garante a verdadeira difusão de um novo paradigma tecnológico, “mudanças legislativas,
educacionais e regulatórias devem estar envolvidas [no processo de transformação
tecnológica] bem como mudanças fundamentais no gerenciamento de processos e da postura
dos trabalhadores” (FREEMAN, 1984, p. 498). Como um sub-elemento do terceiro, a
aceitabilidade ambiental é o quarto elemento citado pelo autor como um fator cada vez mais
importante para o sucesso de novas tecnologias. E por último, mas não menos importante, é a
presença de efeitos pervasivos pelo sistema econômico como enunciado, ou seja, novas
tecnologias que representam revoluções tecnológicas devem ter efeitos não somente dentro de
sua classe original de aplicação, mas provocar efeitos sobre as decisões de investimento em
todo o sistema econômico.
Voltando às raízes do lock-in, tem-se na literatura uma segunda fonte de
aprisionamento tecno-institucional: os retornos crescentes de adoção que determinadas
tecnologias propiciam. Como já afirmado anteriormente, feedbacks positivos são capazes de
reforçar a atratividade de adoção de uma tecnologia quanto maior a própria adoção,
aprisionando o mercado nessas tecnologias pioneiras e impedindo que outras tecnologias, por
vezes potencialmente melhores, compitam. Esse fator decorre diretamente do primeiro, mas
ao mesmo tempo o alimenta, o que mais uma vez é um motivo para olharmos a economia e os
fatores tecnológicos na perspectiva de processos dinâmicos e evolutivos.
29
Segundo a teoria convencional, na disputa de mercado por duas tecnologias com a
mesma função, o mercado seleciona as tecnologias de acordo com suas potencialidades, ou
seja, as duas tecnologias acabam dividindo o mercado numa proporção previsível que melhor
explore o potencial de cada uma. Entretanto, a realidade empírica nos mostra algo diferente.
Os clássicos exemplos do QWERTY15 de David (1985), do VHS versus Betamax16 de Arthur
(1990) e mais recentemente dos reatores nucleares de Cowan (1990)17 demonstram que, dada
duas ou mais tecnologias disputando o mercado com condições semelhantes, um pequeno
ganho de parcela do mercado por qualquer uma delas frente às outras poderia levar a mesma a
uma posição competitiva mais elevada, promovendo uma liderança na competição que tem
vantagens cumulativas com o tempo.
As razões para os retornos crescentes de certas tecnologias podem ser divididas
em quatro grandes classes principais: economias de escala, efeitos de aprendizagem,
expectativas adaptativas e economias de rede (ARTHUR, 1990).
15 O estabelecimento do QWERTY – teclado como a tecnologia dominante para a datilografia – traz esses
aspectos de uma economia complexa, “determinada” por elementos muito mais variados do que a disposição de
recursos. Segundo David (1985), a história importa e não pode ser ignorada. Isso porque as mudanças
econômicas têm uma trajetória de dependência, um path-dependency, na qual os resultados podem ser
extremamente influenciados e modificados por eventos temporários, não levando os processos aleatórios à
convergência para um ponto de equilíbrio racionalmente determinado. Com a ilustração do QWERTY, David
demonstra três fontes do lock-in que estão dentro das classes que descreveremos acima: inter-relacionamento
tecnológico; economias de escala e quase-irreversibilidade dos investimentos. O inter-relacionamento
tecnológico, no caso do QWERTY, refere-se à compatibilidade entre o hardware e o software, ou seja,
utilizando uma linguagem moderna o autor trata da necessidade de compatibilidade entre a máquina e o
conhecimento sobre a máquina (nesse caso dos datilógrafos). Isso significa que a o uso do QWERTY,
primeiramente como teclado de datilografia, foi possibilitado pela existência de pessoas sendo treinadas para
utilizar esse tipo de teclado e isso reforçou as vantagens de utilizar esse tipo de tecnologia e não outra. Ao
mesmo tempo, a presença de um maior número de datilógrafos treinados nesta competência reforçou o ensino da
datilografia no padrão QWERTY e não quanto a outra tecnologia. A maior aceitação desse sistema frente aos
outros levou ao aumento de sua demanda e produção, o que por sua vez trouxe consigo ganhos de escala,
reforçando ainda mais as vantagens (de custo e difusão/aceitação) de sua adoção e promovendo uma tendência à
padronização para esse sistema cada vez mais dominante. O aprisionamento em certa tecnologia é ainda
reforçado pelo quase-irreversibilidade dos investimentos, ou seja, a dificuldade e o alto custo para “converter” os
ativos tangíveis e intangíveis para outra tecnologia. 16 A história da disputa entre o VHS e o Beta é, segundo Arthur, um exemplo simples de uma economia baseada
em feeedbacks positivos. Inicialmente, as duas tecnologias disputavam o mercado de VCR de forma muito
parecida, com preços muito semelhantes, qualquer uma das duas tecnologias poderia ter auferido de retornos
crescentes, mas a VHS começou a auferir desses retornos primeiro, o que inclinou o mercado para essa
tecnologia. Vários podem ter sido os fatores que levaram a isso, talvez “sorte” ou algum tipo de manobra
coorporativa, mas o certo é que a tecnologia VHS passou a propiciar primeiramente de retornos crescentes,
reduzindo seus custos, reduzindo a incerteza dos produtores e consumidores quando à sua eficácia e longevidade
e espraiando seu uso. Essas características fizeram com que essa tecnologia dominasse o mercado em detrimento
da Beta. 17 O caso dos reatores nucleares é um dos mais recentes exemplos utilizados pelos estudiosos para representar as
falhas de escolha pelo mercado. Reatores nucleares de água leve são considerados inferiores a outras tecnologias,
entretanto representam a tecnologia dominante. Segundo Cowan (1990), grande parte disso é responsável pela
adoção e desenvolvimento, na Marinha americana, do submarino com propulsão de água leve. Quando houve o
crescimento da demanda por energia nos anos 1980 essa tecnologia tinha auferido de muitas vantagens de
desenvolvimento e redução de custos em relação às demais devido a essa adoção.
30
A primeira, e mais conhecida, são as economias de escala, que representam
basicamente a queda do custo unitário de produção de um produto na medida em que se
amplia a escala produtiva. Elas estão ligadas especialmente à diluição dos custos fixos com o
ganho de escala. Geralmente, uma tecnologia/projeto dominante possui grandes “custos
represados” provenientes dos investimentos nela realizados anteriormente. Assim, os
incentivos para investir em tecnologias alternativas serão diminutos se a tecnologia dominante
ainda proporcionar retornos financeiros provenientes de economias de escala.
A segunda fonte de retornos crescentes são os efeitos pelo aprendizado ou
learning-by-doing (ARROW, 1971) que reduzem os custos ou promovem melhorias dos
produtos conforme ocorre o acúmulo de habilidades e conhecimentos específicos sobre a
própria produção e o mercado.
A terceira fonte, que reforça as duas primeiras seriam as chamadas expectativas
adaptativas, que surgem da diminuição da incerteza quanto ao futuro de certa tecnologia
quando produtores e consumidores se encontram mais confiantes em relação a sua qualidade,
performance e longevidade.
E a última – e mais importante por ser a principal associada ao lock-in tecnológico
– são os efeitos de rede ou coordenação, que ocorrem quando o uso de dada tecnologia por
mais de um agente traz vantagens para aqueles que a utilizam (KATZ; SHAPIRO, 1985).
Neste caso temos como exemplo as tecnologias de telecomunicação: quanto mais pessoas
possuem, diga-se, um telefone celular, maior a vantagem de se ter um destes aparelhos, já que
o quadro de pessoas que podem se comunicar é maior. Isso ocorre porque as tecnologias não
são unidades físicas isoladas, mas parte de uma ampla rede que consiste em infraestruturas
múltiplas que as suportam e tecnologias interdependentes, resultando em uma rede não
somente física, mas técnica, econômica e institucional que permite a sobrevivência das
tecnologias.18
Segundo Arthur (1990), em um modelo de competição simples entre duas
tecnologias, esses efeitos sobre os retornos crescentes podem ampliar pequenas diferenças
aleatórias entre as tecnologias, ou seja, dado que uma tecnologia aufere de retornos maiores
ou previamente em relação a outras tecnologias, existe uma grande probabilidade que essa
tecnologia atinja a dominância completa do mercado em detrimento da outra. É importante
ressaltar que essas fontes de retornos crescentes não são necessariamente correspondentes às
18 As externalidades de rede são uma classe de retornos crescentes bastante estudadas na literatura. Para saber
mais sobre a co-evolução de tecnologias em clusters, resultantes das externalidades de rede consultar Freeman e
Perez (1988). Sobre clusters históricos uma importante referência é Grübler (1998).
31
potencialidades das tecnologias, inclusive, não garantindo que a tecnologia estabelecida para
um determinado mercado seja a melhor entre todas as alternativas possíveis e é isso que se
procura enfatizar: a falácia da seleção ótima pelo mercado.
Como a competição entre tecnologias é determinado pelas vantagens crescentes
que surgem entre elas, o mercado não é capaz de selecionar a tecnologia com maior potencial
ou, revelar as limitações potenciais daquela tecnologia. E isso é mais do que esperado, uma
vez que o processo de desenvolvimento e pesquisa, uso e aprendizagem posteriores é que
serão capazes de revelar as potencialidades e limitações da tecnologia selecionada até porque
a economia está embebida no que se chama de incerteza knightiana, em que o futuro não pode
ser exatamente previsto por meio de probabilidades verdadeiras. Porém, chama-se a atenção
justamente para o fato de que, como os benefícios de adoção são crescentes, pode ser que os
avanços no uso de tal tecnologia tornem praticamente impossíveis o desenvolvimento de
alternativas. É mais fácil continuar com o padrão adotado do que partir para um novo padrão,
uma nova trajetória tecnológica. Isso ocorre não só devido a incerteza quanto às novas
tecnologias, mas devido a ativos imobilizados presentes na adoção da tecnologia estabelecida
que torna muito custosa a mudança.
Segundo Arthur:
A technology that improves slowly at first but has enormous long-term potential
could easily be shut out, locking an economy into a path that is both inferior and
difficult to escape […] Technologies typically improve as more people adopt them
and firms gain experience that guides further development. This link is a positive-
feedback loop: the more people adopt a technology, the more it improves and the
more attractive it is for farther adoption. When two or more technologies (like two
or more products) compete, positive feedbacks make the market for them unstable.
If one pulls ahead in the market, perhaps by chance, its development may accelerate
enough for it to corner the market. A technology that improves more rapidly as more
people adopt it stands a better chance of surviving- it has a “selection advantage”
(ARTHUR, 1990, p. 92).
Esse raciocínio está em linha com o conceito de projeto dominante de Utterback
(1996). Ao aprofundar exemplos históricos de modo a entender o papel na inovação na
estratégia de competição das firmas o autor procurou demonstrar dois momentos principais do
processo de inovação pelas firmas em determinado mercado. A primeira fase, caracterizada
pela inovação de produto se caracteriza por um ambiente com inúmeras empresas e diversos
projetos distintos; um ambiente de intensa e fluida gama de experimentações. Todavia em
algum momento do tempo alguma inovação se torna o “centro de gravidade” por algum
32
retorno crescente que proporciona. A partir desse momento o universo de empresas é menor e
os produtos são muito semelhantes. Nessa fase, denominada inovação de processo, a
concorrência das empresas passa a ser a busca incessante por melhorias para aquele projeto já
definido de modo a promover reduções de custo e aumento da qualidade. Como o projeto
dominante fideliza o mercado, não há muitos caminhos de sobrevivência a não ser se render a
ele e essa dominância se perpetua através dos feedbacks positivos que a adoção de
determinado produto proporciona (UTTERBACK, 1996, p. 26).
Como anteriormente adiantado, as instituições exercem papel fundamental nesse
processo e também podem estar submetidas a um lock-in institucional. Elas se relacionam de
forma íntima com o estabelecimento das trajetórias tecnológicas e, por meio de lock-in
institucionais, desenvolve-se uma dinâmica de mútuos reforços.
Todos os tipos de retornos crescentes identificados na adoção de tecnologias
podem ser encontrados também nas instituições. O surgimento de novas instituições ou novas
formas de organização institucional sempre encontram grandes barreiras nos custos fixos que
emergem das estruturas já existentes. Há também efeitos de aprendizado importantes, efeitos
de coordenação diretos com outras organizações e indiretos por meio de investimentos
realizados e expectativas adaptativas de um determinado “modelo institucional” – o qual se
expressa por meio de conduta, contratos, entre outros fatores padrões – que reduzem a
incerteza quando esse mesmo modelo continua vigente (NORTH, 1990; FOXON, 2007).
As instituições também auferem de retornos crescentes, segundo Pierson (2000)
devido a quatro razões: i) o papel central que exerce a ação coletiva nos contextos
institucionais; ii) a alta densidade das instituições; iii) as possibilidades de usar da autoridade
política como forma de reforçar assimetrias de poder; iv) e a complexidade e opacidade das
políticas.
A ação coletiva requer coordenação entre os agentes, fazendo com as
consequências das decisões políticas sejam extremamente dependentes do conjunto. Essas
ações coordenadas necessitam da construção de instituições formais que, uma vez
estabelecidas, devem ser seguidas por todos, o que dificulta a mudança. Além das instituições
formais, políticas públicas respaldadas por leis e apoiadas pelo poder coercitivo do Estado
sinalizam para os agentes o que pode e o que não pode ser feito, estabelecendo ganhos e
perdas também para atividades privadas,
[...] em contextos de interdependência social complexa, novas instituições e políticas
têm custos altos de criação [...] quando os agentes sociais estabelecem
33
compromissos baseados nas instituições e políticas existentes, o custo para sair desse
arranjo estabelecido cresce dramaticamente (PIERSON, 2000, p. 259).
Quanto às políticas, a complexidade das instituições torna quase impossível sua
mensuração. É muito difícil medir os aspectos da performance política, o que leva a grandes
dificuldades de entender os elementos que funcionam e os que devem ser ajustados para se
chegar na gama de objetivos perseguida inicialmente (PIERSON, 2000). Além disso, como as
instituições formais e políticas públicas colocam extensos limites legais à construção de
comportamentos, eles também estão sujeitos ao aprendizado, coordenação e efeitos
expectacionais, que tornam a possibilidade de mudança bastante difícil e lenta (UNRUH,
2000, 2002; FOXON, 2002).
Esses quatro fatores criam segundo Foxon (2007) path-dependency e lock-in
também de instituições políticas, bem como de quadros regulatórios específicos.
This helps to explain significant features of institutional development: specific
patterns of timing and sequence matter; a wide range of social outcomes may be
possible; large consequences may result from relatively small or contingent events;
particular courses of action, once introduced, can be almost impossible to reverse;
and, consequently, political development is punctuated by critical moments or
junctures that shape the basic contours of social life. (FOXON, 2007, p. 144).
Freeman (1984) já percebera a relação entre tecnologia e instituições, ao apontar o
papel fundamental das instituições para compreender a aceitação, difusão e aperfeiçoamento
de determinadas tecnologias, o que condicionaria ainda mais sua adoção. Como mencionado,
um descompasso entre institucionalidade e desenvolvimento tecnológico poderia resultar em
incompatibilidade e não aceitação político-social de um novo paradigma tecnológico.
Portanto, se um novo paradigma tecnológico deve tomar o lugar do paradigma
anterior, não é possível somente buscar estimular o desenvolvimento tecnológico de
alternativas que rompam esse lock-in, mas é fundamental que mudanças institucionais/sociais
profundas também ocorram. Esse raciocínio é importante para se desenvolver as próximas
seções.
1.2 O Lock-in do Carbono e a Necessidade de Descarbonização
Como examinado acima, o aprisionamento tecnológico e institucional de uma
economia pode levá-la a suprimir alternativas mais vantajosas. Muitos estudiosos têm
buscado entender como se dão essas barreiras tecnológicas e institucionais para um paradigma
34
extremamente importante na sociedade capitalista contemporânea: o uso intensivo de
combustíveis fósseis, o lock-in do carbono.
As economias industriais – e cada vez mais as em desenvolvimento – estão presas
a um path-dependency tecnológico e institucional intensivo em carbono, em todos ou quase
todos os setores da sociedade contemporânea. Para entender o lock-in do carbono, é preciso
qualificar que existem estruturas denominadas por Unruh (2000, 2002) de Complexos Tecno-
Institucionais (CTI’s) compostos por sistemas tecnológicos e instituições públicas e privadas
que governam a difusão e uso desses sistemas e que se tornam interligadas, se realimentando
e reforçando a dependência do todo a esse mesmo referencial tecnológico.
Como exposto, uma vez que tecnologias auferem retornos crescentes em relação
às demais e se estabelecem também institucionalmente, elas ganham uma estabilidade
sistêmica e grande resistência à mudança. Essa composição de benefícios favorece mudanças
incrementais dentro das trajetórias pré-estabelecidas enquanto desencoraja mudanças radicais
que necessitariam de uma mudança sistêmica. Portanto, complexos como o elétrico,
transporte, construção entre outros, baseados intensivamente em combustíveis fósseis que se
beneficiam por muito tempo de retornos crescentes estão aprisionados a essa condição
“favorável” e impedem que alternativas como sistemas energéticos de baixo-carbono
baseados em energias renováveis se desenvolvam (UNRUH, 2000, 2002; FOXON, 2007).
Essa dependência cria um paradoxo político, tecnológico e institucional: ao
mesmo tempo em que existe um profundo consenso científico quanto às ameaças reais da
mudança climática para os seres humanos e para as demais espécies, bem como crescentes
evidências de que essas ameaças já estão em curso, as transformações necessárias não estão
ocorrendo na velocidade que os problemas demandam (UNRUH; CARRILLO-
HERMOSILLA, 2006). O conjunto de barreiras políticas, tecnológicas e institucionais
existentes no lock-in do carbono têm uma origem bastante complexa; emergem da formação
de uma sociedade contemporânea baseada em combustíveis fósseis, a “sociedade do
hidrocarboneto”.19
1.2.1 Entendendo a Sociedade do Hidrocarboneto
Segundo Unruh (2000), o problema climático que o ser humano enfrenta
atualmente tem suas raízes no padrão de produção e consumo dominantes no sistema
capitalista. A mudança climática tem sua origem – especialmente em países industrializados,
mas cada vez mais também na periferia do sistema – na busca pela produção de bens e
19 Nomenclatura utilizada por Yergin (2010).
35
serviços para suprir um determinado padrão de consumo, através de tecnologias e sistemas
baseados em energia fóssil. As fontes primárias de energia que poluem o meio-ambiente
através dos gases do efeito estufa estão presentes nos principais setores dos países
desenvolvidos: transporte, eletricidade, indústria e construção. Esses setores, por sua vez,
fazem frente às necessidades de consumo da sociedade através da locomoção, aquecimento,
luz, abrigo, entre outros (UNRUH, 2000, 2002). A montagem da dependência da sociedade
para com os combustíveis fósseis, especialmente o petróleo, tem raízes históricas profundas,
ligadas a três grandes temas subjacentes: i) a ascensão e desenvolvimento do capitalismo e
dos negócios modernos; ii) o petróleo como produto intimamente relacionado às estratégias
nacionais, no poder e nas políticas globais (desenvolvimento, militar, segurança energética,
etc.); iii) “sociedade do hidrocarboneto” ou “homem hidrocarboneto” criados a partir do
motor de combustão interna, levando a sociedade industrial a depender de um novo
combustível e gerando uma nova civilização (YERGIN, 2010, p. 13).
A maneira como a Primeira Revolução Industrial transformou a vida do homem
ocidental não tem precedente. Em um intervalo de duas gerações, a revolução iniciada na
Inglaterra no final do século XVIII mudou completamente a relação do ocidente com a sua
sociedade, com o mundo e com o meio-ambiente. Profundas transformações tecnológicas
inter-relacionadas foram realizadas como a substituição da habilidade humana pelas
máquinas, das matérias-primas vegetais e/ou animais por minerais e, especialmente, das
fontes animadas de energia – animais e homens – por fontes inanimadas que foram capazes de
transformar calor em trabalho (PINTO JUNIOR et al., 2007). Essas mudanças-chave
promovidas pela Revolução Industrial desencadearam uma reorganização do trabalho, da
produção, do consumo e grande parte dessas transformações se deram mediante a capacidade
de máquinas, como a máquina à vapor, em transformar calor em energia de forma rápida e
intensa. O desenvolvimento da indústria mecanizada e a emergência de grandes fábricas só
poderia ser possível mediante a presença de uma fonte de energia mais vigorosa,
“independente” das intempéries da natureza e, de início, aparentemente ilimitada, e essa nova
força foi encontrada no carvão mineral e altamente explorada até o século XX (LANDES,
2005).
Assim, a partir da Revolução Industrial, o progresso, o desenvolvimento
econômico e o bem-estar social passaram a ser positivamente relacionados ao acesso à
energia, sendo o contrário também verdadeiro. Com o ingresso do petróleo na matriz
36
energética mundial, essa dependência se tornou ainda maior e energia passou a ser origem de
conflitos políticos ainda maiores.
O “óleo de pedra”, como era chamado o petróleo no início de sua exploração, é
um velho conhecido do ser humano. Segundo Yergin (2010), há relatos da utilização do
betume (um produto do petróleo) a.C. na região do Oriente Médio, relatos de conhecimentos
árabes milenares sobre o refino do petróleo. Na história mais recente, o óleo era usado para
fins medicinais entre povos indígenas norte-americanos e antes de dominar o mercado de
iluminação em meados do século XVII, era usado de maneira rudimentar na Galícia e na
Romênia para a fabricação de querosene.
A exploração e comercialização do petróleo para a fabricação do querosene nas
terras norte-americanas, mais precisamente no Estado da Pensilvânia é considerado o
momento de criação da indústria do petróleo norte-americano e posteriormente mundial.
Segundo Yergin (2010), a necessidade de encontrar petróleo de forma abundante estava
relacionada à necessidade crescente da industrialização e urbanização que exigia a presença
de um iluminante e lubrificante mais acessível e mais seguro que a gordura animal e que o
“óleo de carvão”.
É fato que o carvão já tinha proporcionado uma profunda transformação na matriz
energética da sociedade industrial no século XX, entretanto, seu uso ocasionava diversos
inconvenientes que dificilmente possibilitariam sua difusão da mesma forma que o petróleo
faria posteriormente.20 O petróleo ganhou mercado em meados do século XIX com a
descoberta de grandes jazidas no nordeste dos Estados Unidos momento em que houve a
difusão do óleo de querosene para lampiões para a iluminação, um produto de seu refino. O
preço do querosene desbancou os concorrentes e se tornou dominante no mercado do norte
americano tendo sido favorecido também pela Guerra Civil (1861-1865) que cessou o
transporte de um concorrente bastante acessível, o canfeno.
O potencial de disponibilidade do petróleo levaria milhares de aventureiros a se
direcionaram especialmente para o Estado da Pensilvânia, mas dentre eles se destacaria John
D. Rockfeller, o nome mais importante da indústria petroleira. Com seu plano de monopolizar
o mercado desde seus fornecedores até a comercialização em um contexto histórico bastante
favorável de criação de mercado com a abertura do oeste americano, Rockfeller foi um dos
pioneiros da grande empresa moderna,
20 Yergin (2010) afirma que além da poluição extrema causada pela queima de carvão que impossibilitava a vida
nas cidades, o carvão era fonte de grandes problemas sindicais, sua extração era dificultosa e sua potencialidade
energética muito inferior ao petróleo.
37
a Standard Oil [como veio a se chamar a grande empresa exploradora e refinadora
de petróleo após se tornar uma sociedade por ações], pretendendo ter a hegemonia e
o total controle sobre o comércio mundial de petróleo, evoluiu para uma empresa
global complexa que levava iluminação barata [...] para os lugares mais remotos da
terra. (YERGIN, 2010, p. 37).
O grande salto de Rockfeller, com a ajuda de seu sócio Henry Flagler, foi
substituir o antigo sistema de distribuição da indústria por sistema vertical próprio que
permitiu economias de escala gigantescas para a empresa. Em 1879, a Standard Oil
controlava 90% da capacidade de refino dos EUA, e também tinha sob seu controle os
oleodutos e os sistemas de coleta, além das ferrovias que faziam o transporte. A sua
grandiosidade e seus instrumentos suspeitos levantaram a ira dos demais produtores,
população americana e do governo; Rockfeller e a Standand Oil foram alvo de diversos
processos judiciais, especialmente pela administração de Theodore Roosevelt que promoveu
uma verdadeira “caça aos trustes”, o que sucumbiu no desmembramento da empresa em 1911
(YERGIN, 2010).21
O final do século XIX e início do século XX trariam consigo uma grande perda,
mas a abertura da maior oportunidade para a indústria petrolífera: o advento da eletricidade
tomaria completamente o lugar do querosene no mercado de iluminação, mas o motor à
combustão interna daria a essa indústria uma nova e grande oportunidade.
No início deste novo século, a eletricidade virou o paradigma da iluminação nos
Estado Unidos e na Europa, muito mais prático e seguro que o óleo a querosene. A indústria
petroleira via seu principal mercado consumidor sendo “roubado” pela invenção de Thomas
Edison. À época, a gasolina era um subproduto do petróleo bastante inferior sem valor de
mercado, além disso, o motor a combustão interna estava muito longe de concorrer com
demais alternativas de propulsão automotiva, era um meio de transporte barulhento, nocivo e
não muito confiável. Segundo Mowery e Rosenberg (2005), em 1900 os automóveis movidos
à gasolina eram bastante inferiores em números do que os carros elétricos e movidos à vapor
nos EUA. Todavia, já em 1905 se tornava a tecnologia dominante. Essa dominância no país
possibilitaria sua dominância mundial posteriormente.
Vários fatores pareciam estar a favor do automóvel de combustão interna. Um dos
principais era a presença abundante de petróleo barato e o significativo aprendizado no refino,
21 Em 1911, após uma intensa batalha judicial em que a Suprema Corte Americana decidira pela dissolução da
Standard Oil, a empresa foi dividida em várias companhias. A principal delas era a Exxon, que correspondia a
antiga Standard Oil of New Jersey, a segunda maior a Mobil Oil que correspondia a antiga Standard Oil of New
York e a terceira a Chevron que era a antiga Standard Oil of California, entre outras que continuaram dominando
o mercado de petróleo americano de forma separada, mas em sintonia com a antiga estruturação.
38
transporte e comercialização dos derivados do petróleo auferido pelas empresas no Nordeste
americano. A indústria petroleira soube aproveitar a abertura de novas portas enquanto a porta
da iluminação se fechava, estimulando uma transformação da imagem do automóvel à
gasolina.22
Além da disponibilidade facilitada de combustível, outros fatores fundamentais
influenciaram o sucesso da nova tecnologia. Na segunda metade do século XIX, os EUA
desenvolveram uma densa produção de maquinaria especializada no trato com metais. A
produção de máquinas e ferramentas metálicas era essencial para o desenvolvimento de outras
indústrias importantes como a maquinaria têxtil, equipamentos ferroviários, armas de fogo,
equipamentos agrícolas, máquinas de costura e bicicletas. A demanda crescente de tais
produtos industriais, especialmente de bicicletas permitiu o aprimoramento dos processos e
produtos e permitiu que o país se destacasse na produção de baixo custo de produtos finais
padronizados. A bicicleta, inclusive, que sofreu quedas drásticas com a ascensão da indústria
automobilística, teve uma contribuição maior do que somente o refino de insumos, mas
“emprestou” seus profissionais a nova indústria e, literalmente abriu caminho para os carros
através da infraestrutura deixada pela demanda dos ciclistas por pavimentação (MOWERY;
ROSEMBERG, 2005, p. 65).
Outro fator fundamental para a dominância do motor à combustão interna movido
à gasolina foi o melhoramento drástico dos métodos de sua produção. Henry Ford introduziu
à indústria automobilística um sistema de produção em massa pautado na planificação da
produção e fragmentação do trabalho, o modelo “fordista” que dominaria o sistema de
produção capitalista no segundo pós-guerra, sendo aplicado para uma grande gama de
produtos.
Essa “nova tecnologia de produção” permitiu uma linha de produção mais rápida
e mais precisa que a dos concorrentes e em 1908, um carro relativamente barato foi lançado
por Ford no mercado e se tornaria um novo bem de consumo durável das massas: o Modelo T.
Os EUA se tornaram rapidamente os maiores produtores mundiais de automóveis e pós a I
Guerra Mundial o modelo fordista de produção foi aplicado a novos bens de consumo da
indústria elétrica americana – motores, máquinas de lavar, geladeiras, telefones, rádios –
produtos que revolucionaram o estilo de vida americano (MOWERY; ROSEMBERG, 2005).
22 A falta da confiabilidade no carro propelido à gasolina foi paulatinamente sendo combatido. Yergin (2010)
afirma que o marco para o fim do questionamento a esses veículos foi o terremoto de São Francisco em 1906.
Nesse episódio, 200 carros particulares foram solicitados e ajudaram no socorro e assistência das vítimas,
abastecidos por 15 mil galões de gasolina doados pela Standard Oil.
39
Por último e não menos importante, o automóvel se converteu em um símbolo de
status, “o símbolo da idade moderna” segundo Yergin (2010) e foi fundamental para a
construção do American way of life, vendido para o resto do mundo no pós-guerra como o
novo ideal de vida da sociedade.
O motor a combustão interna não se limitou somente ao meio de transporte
individual, mas a tecnologia também possibilitou que caminhões, ônibus e outros veículos
comerciais e equipamentos agrícolas se tornassem acessíveis, bem como possibilitou o
surgimento de aviões para fins comerciais (MOWERY; ROSEMBERG, 2005).
Cabe ressaltar ainda que a indústria do petróleo não revolucionou somente o meio
de transporte, mas no pós-guerra foi responsável por uma profunda mudança tecnológica na
indústria de produtos químicos. A indústria petroquímica conduziu o desenvolvimento de
novos produtos e processos a partir do processamento de produtos químicos baseados em
petróleo, destacando-se a produção de plástico que passou a substituir materiais tradicionais
(MOWERY; ROSEMBERG, 2005).
No século XX, o petróleo foi determinante para as vitórias e as derrotas das duas
Guerras Mundiais e ainda é central em conflitos contemporâneos; foi pilar principal da
urbanização; esteve no centro do modo de produção capitalista do pós-guerra, na reconstrução
dos países europeus e nas tentativas de emancipação produtiva e tecnológica da periferia. E
mais do que isso, criou um novo estilo de vida, uma nova era chamada por Yergin de a “Era
do Hidrocarboneto”.
A tabela 1 exemplifica um pouco esse movimento histórico que estamos
descrevendo. É possível observar que a emissão de 𝐶𝑂2 no século XX já estava bastante
interligada aos altos e baixos momentos econômicos e políticos. Em 1935, com a grande crise
de 1930, apresenta-se uma queda de 2% na emissão de 𝐶𝑂2 global, com grande recuperação
no entre guerras (26%) e nova queda em 1945 (-17%) como consequência do fim da II Guerra
Mundial que diminuiu a demanda por combustíveis em gás, líquidos e sólidos quando
comparados com o ano de 1943 de plena guerra. Também, é possível perceber o alto
crescimento das emissões totais (40%) de 1950 em relação a 1945 e a manutenção de um
expressivo crescimento até a década de 1960. Esse momento é marcado pela recuperação do
pós-guerra e pelo desenvolvimento dos países europeus a convite dos Estados Unidos, na
vigência da Guerra-fria que teve como grande aliado o preço extremamente baixo do petróleo.
É o período de “exportação” do padrão fordista americano para o resto do mundo e representa
40
a inflexão nos padrões de produção e consumo mundiais que deram origem à “Sociedade do
Hidrocarboneto”.
Muitos governos incentivavam sua utilização para atingir a pujança no crescimento
econômico, bem como atingir os objetivos sociais e ambientais [...] todo país
exportador queria vender volumes cada vez maiores de seu petróleo a fim de obter
rendimentos cada vez mais altos [...] Todos os números – produção, reservas e
consumo – apontavam para uma só realidade: escalas cada vez mais altas”
(YERGIN, 2010, p. 611).
Tabela 1-Evolução da emissão de CO2 global, 1920-1965
Milhões de toneladas
Anos Total Gás Líquidos Sólidos Produção de
cimento Outros
1920 932 11 78 843 - -
1925 975 17 116 842 - -
1930 1.053 28 152 862 10 -
1935 1.027 30 176 811 9 -
1940 1.299 42 229 1.017 11 -
1943 (1) 1.391 50 239 1.092 10 -
1945 1.160 59 275 820 7 -
1950 1.630 97 423 1.070 18 23
1955 2.042 150 625 1.208 30 31
1960 2.569 227 849 1.410 43 39
1965 3.130 337 1.219 1.460 59 55
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Carbon Dioxide Information Analysis Center (CDIAC).
(1) Este ano foi adicionado para demonstrar melhor os efeitos da guerra sobre a emissão de CO2.
O petróleo representava uma “batalha” que envolvia poder e vaidade entre os
países. O consumo de energia mundial triplicou de 1949 a 1972 – período no qual o consumo
de petróleo contribuiu com a maior parte, quintuplicando sua participação relativa. O rápido
crescimento no pós-guerra estimulado pelos EUA se alimentou do petróleo e o petróleo dele.
A vida do homem contemporâneo foi totalmente permeada pela sua produção.
Ele [o petróleo] é o sangue vital das comunidades suburbanas. É (junto com o gás
natural) o componente fundamental da fertilização da qual depende a agricultura;
possibilita o transporte de alimentos para as megacidades do mundo, totalmente não
autossuficientes. Também fornece os plásticos e os elementos químicos, que são
tijolos e a argamassa da civilização contemporânea, uma civilização que
desmoronaria caso os poços de petróleo secassem subitamente (YERGIN, 2010, p.
15).
41
A complexidade do lock-in do carbono se dá, portanto, porque o petróleo é o
“sangue vital” da sociedade contemporânea. É importante ressaltar o fato do modo de vida
pautado no consumo intensivo em combustíveis fósseis ser uma construção. Mediante a
necessidade latente da redução dos gases do efeito-estufa, entender que o modo de vida
contemporâneo é uma construção e não algo natural abre caminhos para a sua transformação.
Ao mesmo tempo, traz à análise a dificuldade em pensar a descarbonização além dos fatores
técnicos, visto que a “Sociedade do Hidrocarboneto” está totalmente ligada a mecanismos de
poder difíceis de serem rompidos.
1.2.2 A Necessidade de Transição
O montante de estudos e informações científicas quanto às consequências
ecossistêmicas da ação do homem sobre o ambiente é cada dia maior e ganhou novo impulso
desde o início do século (STERN, 2007). Grandes mudanças ecossistêmicas estão ocorrendo
além das mudanças climáticas, como o buraco na camada de ozônio, os ciclos de nitrogênio e
fósforo, a acidificação dos oceanos, o esgotamento de água potável, as mudanças no uso do
solo, a carga de aerossol na atmosfera, a perda de biodiversidade e a contaminação química
(ROCKSTRÖM et al., 2009).
Muitas são evidências das mudanças ecossistêmicas e da ação fundamentalmente
antropogênica nessas transformações. O United Nations Intergovernmental Panel on Climate
Change (IPCC) que reúne mais de 2.500 cientistas de mais de 130 países declara que “a
influência humana na mudança climática é clara, e as emissões antropogênicas recentes de
gases do efeito estufa são as maiores da história” (IPCC, 2014a, p. 2). O IPCC, a referência
mais utilizada quanto à mudança climática, por reunir uma grande gama de pesquisadores do
tema, não está sozinho ao fazer essa afirmação. Desde 2001, 34 academias nacionais de
ciência, 3 academias regionais e o Internacional Council of Academies of Engineering and
Technological Sciences fizeram declarações ressaltando as evidências do aquecimento global
e da ação humana deletéria (MARQUES FILHO, 2016).
Segundo a Royal Society and the US National Academy of Sciences (2014), a
superfície da Terra aqueceu 0.8ºC (com erro de ± 0.2ºC) desde 1850. Entretanto, o que mais
chama atenção é a distribuição temporal desse aumento. O aumento da temperatura média
verificada nesse período de tempo não foi gradual, mas se concentrou em dois períodos, de
1910-1940 e especialmente de 1975-2000. Esse aquecimento tem sido cientificamente
associado a maior presença de CO2 na atmosfera, o gás do efeito estufa mais comum e
42
intimamente relacionado às atividades humanas. A concentração de CO2 saiu de 270 partes
por milhão (ppm) em meados do século XIX para 400 ppm atualmente, tendo metade desse
aumento ocorrido nos últimos 30 anos. Para a manutenção do aumento médio de temperatura
abaixo dos 2ºC – limite colocado pelo Acordo de Paris – a concentração máxima estimada
deve ser de 450 ppm. Grande parte do CO2 emitido nos últimos é proveniente da combustão
de combustíveis fósseis (gás, carvão e petróleo).
It is now more certain than ever, based on many lines of evidence, that humans are
changing Earth’s climate. The atmosphere and oceans have warmed accompanied by
sea-level rise, a strong decline in Arctic sea ice, and other climate-related changes
(THE ROYAL SOCIETY; US NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2014).
Estamos na “Era do Antropoceno” segundo Steffen, Crutzen e Mcneill (2007) era
em que os seres humanos constituem força de mudança dominante no Sistema Terrestre. A
estabilidade presente na era no Holoceno o período interglacial que se iniciou
aproximadamente dez mil anos atrás, está sendo agora ameaçada pela grande capacidade
humana de conduzir a condição planetária a uma terra incógnita, em que as mudanças têm se
dado de maneira rápida e profunda e de difícil mensuração (STEFFEN; CRUTZEN;
MCNEILL, 2007).
A transição da era do Holoceno para o Antropoceno tem grandes chances de
mudar o mundo como o conhecemos hoje. A relativa estabilidade do Holoceno permitiu ao
homem a produção agrícola e a formação e desenvolvimento de sociedades complexas.
Entretanto, essa estabilidade planetária – representada pela pouca variabilidade de parâmetros
bioquímicos e atmosféricos chave – tem sido colocada em xeque em um período muito
recente de tempo. Desde a Revolução industrial, os seres humanos vêm forçando o planeta
fora dos limites de estabilidade do Holoceno e isso está intimamente relacionado à expansão
do uso de combustíveis fósseis (ROCKSTRÖM et al., 2009).
Apesar das inúmeras e substanciais evidências das mudanças ecossistêmicas, com
destaque para a mudança climática, ainda existem correntes de céticos que se dividem em dois
grupos principais: os que acreditam que a mudança climática é uma farsa e os que acreditam
que é uma realidade, mas o ser humano não teve nenhuma ação sobre ela. O grande problema
é que esses dois grupos não conseguem apresentar nenhuma evidência cientificamente
relevante de seus argumentos, geralmente ganhando apoio crescente entre pessoas que já têm
posições políticas mais conservadoras (BAIN et al., 2012). Um estudo realizado por Anderegg
et al (2010) demonstra que aproximadamente 97% dos cientistas climáticos que mais
publicam ativamente concordam com a tese da mudança climática causada pela ação
43
antropogênica e vai além ao afirmar que aqueles que são céticos quanto a essa afirmação são
substancialmente menos qualificado que os demais. Entretanto, a influência desse pensamento
sobre a população e sobre a política não é negligenciável, vide a crescente emergência política
mundial de partidos bastante conservadores que negam a existência da mudança climática, o
que pode retardar ou impedir ações concretas contra à permanência e aprofundamento dessas
mudanças.23
Antes de aprofundar esses custos e projeções econômicas, convém analisar alguns
fatores importantes do lock-in do carbono existe.
As emissões antropogênicas de gases do efeito estufa estão relacionadas ao padrão
de produção e consumo corrente da sociedade capitalista e especialmente ao padrão
energético que sustenta essa produção, como visto. Por mais de um século, as economias
desenvolvidas e em desenvolvimento se basearam no uso intensivo de combustíveis fósseis
para a geração de energia elétrica e combustível para o transporte, entre outras atividades
essenciais para o modo de vida corrente. Grande parte do crescimento econômico dessas
economias depende do acesso e preço desses combustíveis (HOPKINS; LAZONICK, 2012).
Assim, a emissão de CO2 o principal gás do efeito estufa emitido pelo homem, também tem
grande relação com a atividade econômica global. Grosso modo, essa relação pode ser
verificada no gráfico 1.
No gráfico, levando-se em conta e existência de lags temporais, existe um
movimento muito próximo da variação do crescimento do PIB com a variação da emissão de
𝐶𝑂2.
23 Dado à saída dos EUA do Acordo de Paris sob a administração Trump, a influência dos céticos tem se
mostrado ainda mais preocupante.
44
Gráfico 1– Variação da emissão de CO2 e do PIB mundial, 1961-2013
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial.
Já no gráfico 2, é possível verificar que as maiores economias do mundo também
são as maiores emissoras de 𝐶𝑂2. A segunda maior economia do mundo em termos de PIB, a
China, concentrou em 2013 29,6% do total de emissões de 𝐶𝑂2, excluindo-se as emissões
proveniente de uso da terra e silvicultura. Os EUA vêm em segundo lugar com 15%. Portanto,
as duas maiores economias mundiais, EUA e China, somaram juntas 44,6% das emissões em
2013. A Índia se destaca em terceiro com 5,8%.
-6.00%
-4.00%
-2.00%
0.00%
2.00%
4.00%
6.00%
8.00%1
96
1
19
63
19
65
19
67
19
69
19
71
19
73
19
75
19
77
19
79
19
81
19
83
19
85
19
87
19
89
19
91
19
93
19
95
19
97
19
99
20
01
20
03
20
05
20
07
20
09
20
11
20
13
Emissões de CO2 (toneladas métricas per capita) Crescimento anual PIB (%)
45
Gráfico 2-Participação por país na emissão total de CO2 (excluindo uso da
terra e silvicultura), 2013
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAIT Climate Data Explorer.
A sociedade está imersa em sua dependência dos combustíveis fósseis. Os grandes
Complexos Tecnológicos-Institucionais (energia elétrica, transporte, construção, indústria,
agricultura, entre outros) têm grandes dificuldades de se desvencilhar do carbono.
O gráfico 3 demonstra, por exemplo, para 201024 que esses complexos foram
responsáveis pela maior parte das emissões globais de gases do efeito estufa na atmosfera. O
complexo elétrico e de aquecimento foi responsável por 25% dessas emissões; agricultura,
silvicultura e uso da terra por 24%; indústria 21%; transporte 14%; outros em energia, que se
refere a emissões do sistema do setor energético que não estão diretamente associados à
eletricidade ou produção de calor (extração de combustível, refino, processo e transporte) a
10%; e construção a 6%.
24 Quanto às emissões por setor, os dados mais atualizados são de 2010, o que não prejudica a análise uma vez
que essas estruturas possuem uma taxa de mudança bastante lenta.
Brasil, 1.4%Canada, 1.6%
China, 29.6%
Alemanha, 2.3%
Índia, 5.8%Japão, 3.7%
México, 1.4%
Rússia, 4.6%
Reino Unido, 1.3%
Estados Unidos, 15.0%
46
Gráfico 3- Distribuição das emissões globais de gases do efeito estufa,
segundo setor, 2010.
Fonte: IPCC (2014b). Baseado nas emissões globais de 2010.
Nota: Detalhes de cada categoria podem ser encontrados no relatóriodo IPCC citado.
O sistema energético que contém “todos os processos de extração, conversão,
armazenamento, transmissão e distribuição que levam energia para os setores finais (indústria,
transporte, construção, bem como agricultura e silvicultura)” é uma das principais grandes
estruturas que devem ser qualitativamente modificadas para a redução das emissões de CO2,
sendo o foco desse trabalho. O sistema energético converte 75% da Oferta Total de Energia
Primária (OTEP) em outras formas como eletricidade, calor, produtos derivados do petróleo,
do carvão e gás natural. Os principais consumidores finais dessa energia são os setores da
indústria, transporte e construção (IPCC, 2014b, p. 516-519).
É dentro do sistema energético que as tecnologias limpas e energias renováveis
têm grande atuação. O investimento em energias limpas parece ser o grande aliado dos policy-
makers na transformação da matriz energética intensiva em combustíveis fósseis para uma
matriz energética de baixo-carbono.
O quadro da energia primária global é intensivo em combustíveis fósseis (gráfico
4) essa dependência é crescente, e se mantido o business as usual, existem previsões de que o
CO2 emitido pela matriz energética mundial continuará a crescer, como demonstra o gráfico 5.
Gráfico 4-Consumo de energia primária, segundo combustível, 2015
25%
24%
21%
14%
10%
6%Eletricidade e Aquecimento
Agricultura, Silvicultura e Uso da terra
Indústria
Transporte
Outras energias
Construção
47
Fonte: Elaboração própria a partir do British Petroleum (BP, 2016a).
Gráfico 5-Total de gás carbônico (CO2 ) emitido pelo consumo de energia, 1980-2040
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados históricos da EIA (2016b) e previsões do Annual Energy Outlook
EIA (2016a).
* Previsão.
32.6%
37.0%
29.3%
23.7%26.1%
22.0%
30.0%
19.1%
38.1%
4.4%
8.2%
1.7%
6.8% 5.7%7.6%
2.5%3.9%
1.4%
0.0%
5.0%
10.0%
15.0%
20.0%
25.0%
30.0%
35.0%
40.0%
Mundo OCDE Não-OCDE
Petróleo Gás Natural Carvão Energia Nuclear Energia hidrelétrica Renováveis
0
5,000
10,000
15,000
20,000
25,000
30,000
35,000
40,000
45,000
50,000
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2020* 2025* 2030* 2035* 2040*
Não-OCDE OCDE Mundo
Milhões de toneladas
48
No gráfico 4, além de ser possível verificar a grande participação de combustíveis
fósseis na matriz energética global, destaca-se entre eles a alta participação dos países não
membros da OCDE, especialmente quanto ao carvão. O consumo do carvão tem sido forte na
China que foi responsável em 2015, sozinha, por 50% do consumo global total de carvão,
seguida pela Índia (10,6%) e pelos EUA (10,3%). Já o maior consumidor de petróleo em 2015
foram os EUA (19,6%), seguida pela China (12,9%) e Índia (4,5%). E para o gás natural os
EUA são os maiores consumidores mundiais (22,8%), seguidos pela Rússia (11,2%) e pela
China (5,7%) (BP, 2016b).
Em razão de sua fundamental importância para o funcionamento da economia
mundial, a transformação do sistema energético é uma das grandes apostas para a promoção
de uma economia de baixo-carbono, principalmente mediante as previsões de aumento
significativo da demanda por energia nas próximas décadas.
Como é possível verificar no gráfico 6, o International Energy Outllook da
Energy Information Administration (EIA, 2016a)25 prevê um crescimento do consumo de
energia global de 549 quadrilhões de BTU26 em 2012 para 815 quadrilhões de BTU em 2040
(aumento de 48%), dada as políticas, regulações e metas dos países no ano de 2012. Um fator
importante é a previsão de que maior parte desse crescimento (cerca de 70%) se dará em
países não membros da OCDE. As previsões trazem ainda que grande parte do consumo de
energia global se daria por combustíveis fósseis (líquidos,27 carvão e gás natural), apesar do
crescimento expressivo das energias renováveis (gráfico 6).
25 Esse relatório promove previsões energéticas até 2040 tendo a partir das políticas correntes, leis e regulações
dos países tendo como base o ano de 2012. 26 British Thermal Unit (BUT) é uma unidade de medida não-métrica equivalente a 252,2 calorias ou
1055,05585 joules. 27 Grande parte dos combustíveis líquidos é fóssil (gasolina, diesel e querosene, principalmente), mas nessa
categoria também estão inclusos combustíveis mais sustentáveis como etanol e biodiesel.
49
Gráfico 6- Consumo total de energia global, segundo combustível, 2011-2040
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados históricos da EIA (2016b) e previsões do Annual Energy Outlook
EIA (2016a).
* Previsão.
O fato é que está cada vez mais claro que a redução ou a estabilização das
emissões do sistema energético em patamares mais baixos no longo-prazo requer a
substituição das estruturas existentes por alternativas de baixo-carbono. O limite de aumento
da temperatura global em 2ºC em comparação a níveis pré-industriais, acordado na COP21,
exige que a emissão líquida global de gases do efeito estufa tenda a zero no longo-prazo e,
infelizmente, apenas melhorar a eficiência energética das plantas de combustíveis fósseis ou
promover substituições entre combustíveis fósseis mais ou menos “limpos” não será
suficiente (IPCC, 2014b).
Diversos estudos econométricos reunidos em Stern (2007)28 estimam que a falta
de ações para mitigar à mudança climática pode trazer muitos efeitos negativos para o
crescimento e desenvolvimento econômico através de seus efeitos sobre a terra, os alimentos,
a água, as espécies, a infraestrutura urbana especialmente para os países em desenvolvimento.
28 O relatório de Stern é uma grande referência no campo da mudança climática. O autor reúne nesse extenso
trabalho estudos quanto aos impactos econômicos, sociais e ambientais da mudança climática. Devido a isso, não
se faz referência a trabalhos econométricos específicos no texto sobre impactos da mudança climática, salvo
algumas exceções, mas às conclusões do relatório de Stern a partir da compilação de vários resultados
econométricos.
2011 2012 2020* 2025* 2030* 2035* 2040*
Combustíveislíquidos
180.3 183.6 204.2 212.5 221.8 233.2 246.0
Gás Natural 121.6 124.2 138.3 154.8 173.1 192.5 211.4
Carvão 152.0 153.3 168.6 173.2 174.4 176.9 180.2
Nuclear 26.2 24.5 30.9 34.6 40.2 43.4 46.0
Renováveis 60.4 63.8 87.0 98.8 108.1 119.5 131.4
0.0
50.0
100.0
150.0
200.0
250.0Quadrilhões de BTU
50
Esses já são mais vulneráveis às mudanças climáticas devido à exposição geográfica, baixas
rendas e maior dependência dos efeitos climáticos sobre a agricultura, setor do qual deriva
grande parte das suas rendas.
Estima-se que para um aumento médio da temperatura global em 2ºC-3ºC em
relação aos níveis pré-industriais possa ocasionar a perda permanente do PIB global até 3%
comparado a um mundo sem aquecimento global. Entretanto, cada vez mais os cientistas vêm
considerando a possibilidade de um aumento de 5ºC-6ºC, dado a grande possibilidade de
permanência das emissões em níveis correntes (business as usual). Mediante um aumento
dessa magnitude, a queda do PIB global, considerado somente os efeitos climáticos extremos,
pode chegar a 5% e quando os demais efeitos sobre o ecossistema – desertificação do solo,
perda de biodiversidade, entre outros – são considerados, essa perda pode alcançar em média
10% para os países desenvolvidos e 20% para os em desenvolvimento em relação a um
mundo sem aquecimento global.
Os custos da transição para uma economia mais sustentável são bastante
consideráveis – cerca de 1% a.a do PIB – mas quando comparados aos custos da inação, são
significativamente menores (STERN, 2007, p. 143). Todavia, Stern (2007) ainda ressalta que
os impactos da mudança climática ocasionada pelo business as usual podem ser bastante
superiores devido a muitos riscos não incorporados nos modelos atuais e a novas descobertas.
Entre eles, a inclusão dos impactos diretos na saúde humana e meio-ambiente (fatores não
mercadológicos); a possibilidade de que o sistema climático seja mais suscetível aos gases do
efeito estufa do que se pensa e a desproporcionalidade dos impactos entre regiões ricas e
pobres, o que colocaria as perdas em patamares bem superiores.
A partir dessas constatações, as tensões quanto à urgência das ações se
intensificam e se revelam nas grandes conferências climáticas, necessitando progressivamente
do comprometimento dos países com a mitigação da ação predatória sobre o ecossistema. A
COP21 trouxe evoluções em relação às conferências anteriores, conseguindo o
comprometimento voluntário de todos os países participantes a fim de promover uma redução
da emissão de gases do efeito estufa, buscando emissões líquidas iguais a zero na segunda
metade do século XXI. Esse novo sistema de participação caracteriza uma nova fase do
combate à mudança climática, um sistema do tipo bottom-up em que todos os países têm
metas claras de comprometimento ao invés do sistema anterior estabelecido pelo Protocolo de
51
Quioto que se caracterizou por ser do tipo top-down em que importantes países não se
comprometeram.29
Os principais pontos do acordo estão no comprometimento global de manter o
aquecimento do planeta abaixo dos 2ºC acima dos níveis pré-industriais, perseguindo esforços
para limitá-lo a 1,5ºC,30 e estimular instrumentos de adaptação e mitigação dos impactos
ambientais adversos, especialmente nos países mais pobres, promovendo o desenvolvimento
de tecnologias mais eficientes e renováveis – o acordo prevê um repasse de US$ 100 bilhões
por ano dos países desenvolvidos para os em desenvolvimentos. Um dos grandes
catalisadores de investimentos para essas tecnologias é o recém-criado Mission Innovation
and the Breakthrough Energy Coalition. Além do compromisso em âmbito nacional dos
países com as metas climáticas, mais de 500 instituições – que contabilizam ativos em US$
3,4 trilhões – assumiram compromissos de retirar aplicações de seus capitais de empresas e
atividades econômicas intensivas em carbono (NAÇÕES UNIDAS, 2015; IEA, 2016a).31
Apesar dos avanços conquistados pela COP21, ela já nasce com duras críticas as
suas metas e formas de comprometimento dos países. Isso porque se todos os 160 países
cumprirem rigorosamente suas iNDCs (intended Nationally Determined Contributions), ainda
teríamos um aumento da temperatura média da Terra entre 2,6ºC e 3,1ºC em 2100 no cenário
mais otimista (ROGELJ et al., 2016). O grande feito do Acordo de Paris foi o reconhecimento
da gravidade do problema. Todavia, o limite de 2ºC colocado pelo acordo não é
cientificamente compatível com as ações propostas (MARQUES FILHO, 2016). Além de
insuficiente, é preciso lembrar que o acordo é voluntário, podendo os países não cumprirem
plenamente ou mesmo romperem totalmente com suas iNDCs sem que nenhuma punição
formal seja aplicada.32
29 O Protocolo de Quioto não conseguiu a participação dos Estados Unidos e Canadá em sua primeira fase e do
Japão e da Rússia na segunda fase. 30 Com a revisão do progresso dessas metas a cada cinco anos. 31 Nesse sentido, o anúncio da Rockfeller Brothers Fund em 2015 afirmando que deixaria de investir no mercado
de petróleo e carvão e passaria a apostar na economia verde movimentou o mercado de fósseis e sinaliza grandes
mudanças também no meio corporativo. É interessante lembrar que a família Rockfeller foi uma das grandes
responsáveis pela dominância do petróleo no século XX. Disponível em:
<http://www.p22on.com.br/2016/06/29/campanhas-de-desinvestimento-em-fosseis-aumentam-a-relevancia-de-
estrategias-corporativas-de-combate-a-mudanca-do-clima/>. Acesso em: jul. 2016. 32 Os EUA, a partir da administração Donald Trump já dão claros sinais de que desejam desmantelar as políticas
concernentes ao meio ambiente construídas na administração anterior. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2017/03/21/climate/trump-climate-change.html?ribbon-ad-
idx=4&rref=climate&module=ArrowsNav&contentCollection=Climate&action=swipe®ion=FixedRight&pgt
ype=article>. Acesso em: abr. 2017.
52
1.2.3 As Energias Renováveis e Economia de Energia: a descarbonização do sistema
energético
Diversos caminhos para a redução das emissões do sistema energético mundial
têm sido apresentados, sendo um dos mais conhecidos as energias renováveis, com destaque à
energia solar e eólica, mas também o melhoramento da eficiência energética e da conversão,
transmissão e distribuição da energia.
Existe uma grande dificuldade em definir o que são energias limpas ou
renováveis, isso porque todos os tipos de energia, mesmo as consideradas limpas têm efeitos
colaterais sobre o meio ambiente. Utiliza-se, geralmente, o termo energias renováveis que se
referem às energias provenientes de fontes naturais que se renovam constantemente e segundo
o IPCC (2014b) incluem bioenergia, energia solar direta, energia geotérmica, energia
hidrelétrica, energia oceânica ou de marés e energia eólica.33 Existe também uma ampla
discussão se é propício considerar a energia nuclear como uma alternativa. Apesar de ser
considerada uma energia limpa por não emitir 𝐶𝑂2 diretamente, os custos e riscos envolvidos
na produção da energia nuclear podem ultrapassar muito os seus benefícios; entre os
principais malefícios estão a possibilidade de acidentes e o passivo ambiental que o lixo
nuclear deixa para as próximas gerações. Além do mais, a energia nuclear não é uma energia
renovável, pois seu principal insumo é o urânio, um metal que leva bilhões de ano para se
formar. De qualquer maneira, os países têm considerado ou não a utilização da energia
nuclear de maneira distinta. Como veremos no capítulo 3, a Alemanha promove uma transição
energética em que a saída de energia nuclear se constitui como um dos principais objetivos. Já
o contrário ocorre na China.
Uma das grandes dificuldades impostas ao desenvolvimento e, principalmente, à
difusão de energias renováveis e de processos energeticamente mais eficientes é estabilidade
proporcionada pela infraestrutura energética consolidada e madura.
Há décadas o mercado se moldou institucionalmente e industrialmente em tipos
de tecnologias energéticas intensivas em carbono e isso representa um enorme montante de
capital fixo, uma longa história de desenvolvimento tecnológico que traz retornos crescentes
diversos (diminuição de incerteza, ganhos de aprendizado, ganhos de escala) e uma grande
estrutura de incentivos disposta a encorajar sua perpetuação (ELLIOTT, 2000; HOPKINS;
LAZONICK, 2012).
33 A energia eólica se divide em solar fotovoltaica e solar concentrada (CSP). Em grande parte desse trabalho a
energia solar será analisada agregando esses dois tipos de tecnologia.
53
Além disso, o lock-in é reforçado pelo longo tempo de vida útil dos investimentos
em sistemas energéticos – uma usina termelétrica média possui um tempo de vida útil entre 30
e 40 anos, por exemplo. O abandono prematuro dessas estruturas é geralmente muito custoso
e isso constitui uma barreira importante à transição energética de baixo-carbono (IPCC,
2014).
Essa condição dificulta muito a disponibilidade de empresários dispostos a
investir em novas tecnologias, que trazem consigo uma grande incerteza e muitas vezes taxas
de retorno muito pequenas ou nulas a curto e médio prazo. Soma-se a isso o fato de novas
estruturas energéticas mais limpas representarem grandes ameaças aos conglomerados
energéticos dominantes que auferem grandes recursos do controle das estruturas existentes.
Segundo Hopkins e Lazonick (2012) para conseguir competir com as tecnologias
correntes, as energias renováveis devem não somente alcançar um desenvolvimento
tecnológico que aumente sua eficiência em relação às demais tecnologias, bem como devem
ganhar participação no mercado para que seus custos unitários possam ser reduzidos e elas
possam atingir níveis comparáveis com as tecnologias dominantes. Para que isso ocorra é
necessária inovação tecnológica para produzir tecnologias mais eficientes e acessíveis para
que mais empresários sejam estimulados a produzir painéis solares ou turbinas eólicas, por
exemplo.
O custo de produzir energia renovável vem caindo nos últimos anos. Segundo o
REN21 (2016, p. 81), o Levelised Cost of Eletricity (LCOE) ou “Custo Nivelado de
Energia”34 – um dos principais índices utilizados para medir custo de novos investimentos em
energia – demonstra que novos projetos em 2015 em energia eólica terrestre custaram em
média entre US$0,06/kWh e os projetos mais competitivos em painéis solares chegaram a
operar eletricidade pelo custo US$0,08/kWh sem apoio financeiro, enquanto o valor das
energias provenientes de combustíveis fósseis variam entre US$0,045/kWh e US$0,14/kWh
(excluindo os custos das externalidades negativas). Isso demonstra que, em termos de preço,
as energias renováveis estão atingindo um patamar competitivo em relação às energias
fósseis, mas as barreiras são muito maiores que somente técnicas e de custo.
O gráfico 7 traz informações mais atualizadas sobre os LCOE’s das energias
renováveis e também sua evolução com dados preliminares de 2016 em relação a 2010.
34 O LCOE é calculado contabilizando todos os custos esperados ao longo da vida de uma usina. Nesses custos
são incluídos construção, financiamento, combustível, manutenção, impostos, seguros, incentivos e inflação. O
valor total é dividido pela potência (kWh) que é esperado que a usina produza no total de sua vida útil.
Informações disponíveis no site de Energia Heliotérmica do governo brasileiro,
<http://energiaheliotermica.gov.br/pt-br/glossario/lcoe>. Acesso em: abr. 2017.
54
Gráfico 7- LCOE médio global (1) para energias renováveis, 2010 e 2016 (2)
Fonte: IRENA.
(1) Todos os custos são calculados em dólares de 2016. O custo médio do capital é de 7,5% para os países da
OCDE e China e 10% para o resto do mundo.
(2) Dados preliminares.
É possível perceber que as energias solares (painéis solares e térmica) bem como
as energias eólicas (especialmente a onshore) sofreram quedas consideráveis de custos,
chegando cada vez mais próximo dos valores competitivos das energias fósseis. Enquanto
isso, as energias por biomassa, geotérmica e hidroelétrica tiveram seus LCOEs aumentados
nesses anos, o que pode refletir um menor investimento nessas alternativas e uma migração
cada vez maior para as energias solares e eólicas.
Além da mudança da matriz energética mundial, alguns estudos apontam que a
transição energética de baixo-carbono exige também grandes transformações da logística da
energia. Enquanto as fontes fósseis compõem estruturas bastante centralizadas de geração,
distribuição e comercialização, energias mais limpas e eficientes tendem a exigir estruturas
mais descentralizadas. Portanto, a mudança não se limite às estruturas de geração de energia,
o que torna a transição energética de baixo-carbono ainda mais complexa (ELLIOTT, 2000).
0.056 0.047 0.035
0.347
0.301
0.071
0.133
0.081
0.064 0.051
0.131
0.242
0.056
0.123
-
0.050
0.100
0.150
0.200
0.250
0.300
0.350
0.400
Biomassa Geotérmica Hidroelétrica PainéisSolares
Solar térmica Eólica(onshore)
Eólica(offshore)
US$/kWh
2010 2016
55
No ambiente macroeconômico, a transição energética de baixo-carbono também
encontra muitas barreiras. O sistema energético intensivo em combustíveis fósseis tem sido
um instrumento polivalente dos governantes desde o século XX. A energia não só representa
um insumo fundamental na atividade econômica, mas tem papel estratégico na soberania
nacional, na geração de emprego e crescimento econômico e, sendo a estrutura energética
intensiva em carbono dominante, o desinvestimento em combustíveis fósseis é visto por
muitos policy-makers como uma ameaça à atividade econômica.
A barreira mais importante, e a mais abstrata delas são os aspectos culturais e
institucionais, como vimos na seção “Sociedade do Hidrocarboneto”. Sovacool (2009) ao
estudar o caso da difusão das energias renováveis nos Estados Unidos, chegou à conclusão de
que se os políticos continuarem tratando a transição energética como uma questão meramente
técnica, elas continuarão a ter uma participação muito pequena na matriz energética dos
países, isso porque enormes barreiras sociais e culturais permanecerão impedindo que elas se
desenvolvam plenamente. A transição energética somente faz sentido mediante uma profunda
mudança social, pois o consumo de combustíveis fósseis está enraizado no padrão de vida
corrente da sociedade capitalista. Cada vez fica mais claro que a resolução do problema
climático e ambiental está em oposição aos padrões de consumo vigentes. Mais difícil do que
produzir energia renovável talvez seja promover a mudança do uso da energia (ELLIOTT,
2000).
A junção dessas condições faz com que os desafios a serem enfrentados sejam
bastante complexos. Como mencionado, o lock-in nunca é somente tecnológico, e sempre seu
aspecto institucional é de fundamental importância não só para entender suas origens, mas
para sistematizar seus limites e para tentar – por mais complexo que seja – desenhar possíveis
saídas.
Alguns dados podem ser úteis para entender de forma panorâmica como se
encontra o desenvolvimento das energias renováveis atualmente.
A tabela 2 expõe o fluxo de investimentos totais para cada tipo de energia
renovável no período de 2010-2015 e permite perceber algumas tendências de investimento
em relação a esse tipo de energia. O investimento em energias renováveis – sem considerar
projetos hidrelétrico >50 MW – cresceu na primeira década do século XX, saindo de menos
de US$100 bilhões em 2005 para mais de US$250 bilhões em 2011 e chegando a US$285,9
bilhões em 2015. Além disso, o que chama bastante a atenção é a concentração desse
investimento na China. A segunda maior economia mundial foi responsável em 2015 por 36%
56
dos investimentos totais, enquanto os Estados Unidos detiveram 15,4% desse montante e o
continente europeu em conjunto por 17%. Pela primeira vez na história, o fluxo de
investimento em energia renovável nos países em desenvolvimento ultrapassou o fluxo de
investimento nos países desenvolvidos. Ao consideramos China, Índia e Brasil temos um total
de US$ 156 bilhões de investimentos em 2015, 42% do total nesse ano. Já o investimento nos
países desenvolvidos como grupo no ano de 2015 caiu 8%, com destaque para Europa (menos
21%).
Tabela 2– Fluxos de investimento em energias renováveis, segundo regiões, 2005-2015
Bilhões de US$
Regiões 2005 2007 2009 2011 2013 2015
China 8,3 16,7 38,8 47,4 62,0 102,9
Europa 33,3 66,8 82,7 122,9 60,0 48,8
Ásia e Oceania (excluindo China e Índia) 9,0 12,4 13,9 23,8 44,4 47,6
EUA 11,9 33,2 23,9 49,1 35,3 44,1
América (excluindo EUA e Brasil) 3,3 5,0 5,5 9,3 12,0 12,8
Oriente Médio e África 0,8 1,8 1,6 3,0 9,3 12,5
Índia 3,0 6,7 4,3 12,8 6,6 10,2
Brasil 3,2 11,4 7,9 10,2 4,4 7,1
Total 72,8 154,0 178,6 278,5 234,0 285,9
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de IRENA (2016b), Global Trends in Renewable Energy
Investment 2016.
Além da clara concentração dos fluxos de investimento na China, grande parte
desses investimentos têm sido realizados para energia solar e eólica, respectivamente. A
energia solar foi responsável em 2015 por US$161 bilhões (56% do total) dos novos
investimentos e a eólica por US$109 (38,9% do total), enquanto todas as demais tecnologias
apresentaram declínio de investimento (gráfico 8).
57
Gráfico 8- Fluxo de investimento (bilhões de US$), segundo tecnologia, 2005-2015
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de IRENA (2016), Global Trends in Renewable Energy Investment
2016.
Os maiores investimentos em energias renováveis vieram acompanhados de um
crescimento também da capacidade instalada. O gráfico 9 demonstra que a capacidade
energética das energias renováveis tem crescido nos últimos 15 anos, tendo mais que dobrado
entre 2000 e 2015. Assim como a concentração de investimentos, os dados expõem uma
concentração, dessa vez tecnológica, em energias hidrelétrica, eólica e solar. Mesmo com o
crescimento muito expressivo das energias solares (559%) e eólicas (228%) de 2015 em
relação ao ano de 2010, a energia hidrelétrica respondeu ainda nesse ano por 30% do total de
capacidade elétrica instalada por energias renováveis no ano de 2015.
Mesmo com a concentração da capacidade em energia hidrelétrica, solar e eólica,
os outros tipos de energia obtiveram algum desenvolvimento, apesar da dificuldade em
concorrer com os baixos preços dos combustíveis fósseis e com a queda do preço de outras
energias renováveis – como a eólica e solar – bem como as incertezas de políticas. A energia
geotérmica teve 315MW de nova capacidade no ano de 2015, elevando a capacidade
acumulada para 12,35GW, sendo a Turquia a líder do mercado geotérmico, adicionando mais
da metade dos novos acréscimos. A bioenergia que inclui biomassa e biocombustíveis
apresentou crescimentos consideráveis de 2015 em relação a 2010 (42%). No ano de 2015 a
produção de bioenergia térmica para prédios e usos industriais cresceu 3% em relação a 2014.
O uso de eletricidade de biomassa cresceu 8%, com destaque para China, Japão, Alemanha e
Reino Unido. Já a produção de etanol obteve um aumento em relação a 2014 de 4%, com
destaque para produção no Brasil e Estados Unidos. A energia proveniente de marés, apesar
-
50.0
100.0
150.0
200.0
250.0
300.0
350.0
2005 2007 2009 2011 2013 2015
Bilhões de US$
De Marés
Geotérmica
Hidrelétrica (pequenas plantas)
Biomassa
Biocombustíveis
Solar
Eólica
58
de ter dobrado a capacidade em 2015 em relação a 2010 ainda apresenta um crescimento
bastante tímido; a capacidade total acumulada é 530 MW em 2015. Grande parte das
implantações de energia de marés foram projetos de demonstração o que ressalta o caráter
bastante inicial da tecnologia (REN21, 2016).
Gráfico 9- Capacidade instalada global acumulada de energia renovável, segundo fonte,
2000-2015
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de IRENA (2016b), Renewable Energy Statistics 2016.
Ainda que tenham obtido crescimento do investimento na última década e da
capacidade energética instalada, as energias renováveis detêm um crescimento lento em
participação na matriz energética global continuando a representar muito pouco da oferta de
energia primária total. As energias renováveis cobriram somente 3,8% do total de oferta de
energia primária global no ano de 2014 (dos quais 2,4% é somente energia hidrelétrica). Os
combustíveis fósseis continuam a representar 80% da oferta de energia primária total (IEA,
2000 2005 2010 2015
Eólica 17.33 58.51 182.74 416.64
Geotérmica 8.29 8.60 9.95 12.35
Bioenergia 32.67 45.25 72.24 102.85
Solar 1.22 4.89 40.05 223.95
Marés 0.27 0.27 0.27 0.53
Hidrelétrica 782.64 869.47 1025.18 1207.66
Total Energia Renovável 842.45 987.07 1330.60 1964.69
0.00
500.00
1000.00
1500.00
2000.00
2500.00
3000.00
3500.00
4000.00
4500.00GW
59
2016b). Já os dados quanto ao consumo global final de energia são mais otimistas. No ano de
2014, as energias renováveis atenderam a uma porcentagem estimada dede 19,2% do
consumo final (REN21, 2016).
Para comparação, os combustíveis fósseis obtiveram, em 2013, um investimento
conjunto próximo a US$1 trilhão (em dólares de 2012). Apesar do esforço inédito em
tecnologias de baixo-carbono, o gasto de capital em petróleo, gás natural e carvão mais que
dobrou nos últimos anos em relação aos anos 2000. Nesse ínterim, o continente norte-
americano se destacou visto o crescimento nos Estados Unidos de fontes fósseis não
convencionais como o gás e petróleo de xisto (IEA, 2014). Os EUA vêm desenvolvendo
técnicas de exploração de combustíveis fósseis não convencionais há mais de uma década e
diversos outros países como China, índia, Rússia, Reino Unido entre outros estão em fase
inicial de mapeamento de reservas e investimento em técnicas de exploração. Nos EUA, a
exploração de gás e petróleo de xisto é para muitos a grande revolução energética do século
XXI no país. Além de parar o declínio da produção de gás natural nos EUA, a possibilidade
de exploração do gás não convencional trouxe aumento da produção e estimativa de mais de
100 anos de oferta energética de gás ao país. A China, o maior detentor de reservas de gás de
xisto do planeta parece seguir o mesmo caminho (WANG et al., 2014).
Dessa maneira, as novas formas de exploração de gás natural e petróleo podem
significar uma ameaça ao combate de emissões de gases de efeito-estufa. Apesar de emitir
menos 𝐶𝑂2 que o carvão, o gás de xisto, por exemplo, emite volumes consideráveis de
metano (𝐶𝐻4), gás que causa um efeito de aquecimento vinte vezes maior que o 𝐶𝑂2, além de
outros efeitos ambientais bastantes sérios como a contaminação de águas superficiais e
lençóis freáticos por contaminação de metano e outros produtos químicos adotados no
“fraturamento hidráulico”, a técnica que tornou possível sua exploração (FRIENDS OF THE
EARTH EUROPE, 2014). Além dos problemas ambientais, existe a possibilidade de essas
novas formas de exploração de combustíveis fósseis não convencionais desloque
investimentos que poderiam ser direcionados às energias renováveis.
Retomando a produção global de energias renováveis, pode-se verificar nos
gráficos 10 e 11 os países com maior capacidade elétrica instalada em 2016 em energias
eólica e solar, respectivamente. Novamente, a China se destaca em ambas as tecnologias. O
país tem atualmente um total de 148,64 GW de capacidade eólica instalada, sendo que 19,3
GW foram adicionados somente em 2016. Em seguida, em um distante segundo lugar estão os
EUA com 81,3 GW (com 5,7GW adicionados em 2016) e em terceiro lugar Alemanha com
60
45 GW (dos quais 4,8 GW foram adicionados em 2016). O Brasil está presente no ranking em
nono lugar com uma capacidade instalada de 10,74 GW, tendo adicionado 2GW em 2016.
Gráfico 10- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia eólica, 2016.
Fonte: Elaboração própria a partir de IRENA (2016b).
-20
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
China EUA Alemanha Índia Espanha ReinoUnido
Canadá França Brazil Itália
GWAcumulado 2016 Capacidade adicionada em 2016
61
Gráfico 11- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia solar, 2016.
Fonte: Elaboração própria a partir de IRENA (2016b).
A China também se destaca na produção de energia solar. A capacidade
energética solar instalada chegou em 2016 a 77,43 GW com 34,24 GW adicionados somente
em 2016. Em segundo lugar se encontra o Japão com 41,6 GW (sendo 8,3 GW adicionados
em 2016) e em terceiro lugar novamente a Alemanha com 40,98 GW (1,32 GW adicionados
em 2016).
Olhando para os maiores produtores no mercado eólico (gráfico 12) é possível
perceber a grande presença da China e da Alemanha na produção de turbinas eólicas.
Dentro os dez maiores produtores de turbinas eólicas em 2016 – tendo como base
a capacidade encomendada – quatro são chineses (Goldwind, Guodian, Mingyang e Envision)
sendo uma delas estatal (Guodian) e três alemãs (Enercon, Nordex-group e Siemens).
Destacam-se também a Dinamarca, possuindo a maior produtora de turbinas em 2016, a
veterana Vestas, que voltou ao primeiro lugar após ser ultrapassada pela Goldwind em 2015.
Os EUA em segundo lugar com a GE Wind, que tem subido no ranking junto com o
crescimento do mercado norte-americano e com a aquisição da francesa Alstom em 2015. Em
terceiro está a Goldwind que é chinesa e caiu do primeiro lugar em 2015 para o terceiro em
2016, o que não significa maus resultados visto que a companhia é bastante nova, data de
1998, e escalou rapidamente o mercado de turbinas nos últimos anos, se tornando a maior
produtora chinesa. A Gamesa, que é espanhola, vem em quarto lugar e em quinto aparece a
primeira empresa alemã do ranking, a Enercon, que galgou uma posição em relação a 2015, e
-
20.00
40.00
60.00
80.00
100.00
120.00
China Japão Alemanha EUA Itália ReinoUnido
índia Espanha França Austrála
GW
Acumulado 2016 Capacidade adicionada em 2016
62
é uma das empresas precursoras na produção de turbinas, reflexo do pioneirismo da
Alemanha no desenvolvimento dessa tecnologia e a partir do quinto lugar, as posições são
divididas entre China e Alemanha.
As dez maiores produtoras de turbinas eólicas obtiveram em 2016 mais de 70%
do mercado.
Gráfico 12- Maiores produtores de turbinas eólicas (onshore) por capacidade
encomendada, 2016.
Fonte: elaboração própria a partir de dados da Bloomberg New Energy Finance. Disponível em:
<http://www.renewableenergyworld.com/articles/2016/04/2015-top-ten-pv-cell-manufacturers.html>.
A presença da China é ainda maior quanto à produção de painéis solares. A cadeia
produtiva da energia solar é muito mais fragmentada e de difícil mensuração, dado que
existem diferentes empresas que realizam os diversos processos individuais de fabricação.
Todavia, a mensuração das maiores produtoras pode ser dada pela capacidade encomendada
referente à produção dos módulos solares, que são o coração dos painéis e estão presentes as
células fotovoltaicas responsáveis pela transformação da energia solar em energia elétrica
(gráfico13).
No gráfico 13, pode-se verificar que dentre as oito maiores empresas produtoras
de módulos fotovoltaicos no mundo em 2016, seis são chinesas (Jinko Solar, Trina Solar, JA
Solar, Hawha Q-Cells, GCL, Firt Solar, Yingli Solar), uma canadense (Canadian Solar) e uma
estadunidense (First Solar).
8.7
6.5 6.4
3.7 3.52.7
2.2 2.1 1.96 1.94
0123456789
10GW
63
Gráfico 13- Maiores produtores de módulos fotovoltaicos por capacidade encomendada,
2016.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do site Clean Technica. Disponível em:
<https://cleantechnica.com/2017/02/15/jinko-solar-surpasses-trina-solar-worlds-leading-solar-pv-module-
supplier-2016/>.
Além do desenvolvimento de energias renováveis, a busca por uma maior
eficiência energética também pode ser um aliado na busca pela redução da emissão dos gases
do efeito estufa. Energias renováveis devem ser estimuladas e desenvolvidas simultaneamente
com sistemas energéticos mais descentralizados, eficientes e inteligentes. A medida padrão de
eficiência energética é a intensidade energética.
IE =𝑐𝑜𝑛𝑠𝑢𝑚𝑜 𝑑𝑒 𝑒𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎
𝑃𝐼𝐵
O índice IE geralmente é expresso pelo consumo de energia primária, mas pode
ser realizado também para o consumo de energia final. É a expressão do PIB em termos de
petróleo, carvão, gás natural e outras fontes. Uma redução desse índice indica uma maior
eficiência dos recursos energéticos. O gráfico 14 apresenta a série de intensidade energética
global do último quinze anos. Houve uma redução da intensidade energética de
aproximadamente 0,23 Koe (Kg equivalente em petróleo) por dólar para 0,15 Koe por dólar, o
que pode sinalizar um maior esforço das economias em promover um uso mais eficiente dos
recursos energéticos.
6.6 6.4
5 4.9 4.8 4.6
2.8
2.1
0
1
2
3
4
5
6
7
JinkoSolar
(China)
TrinaSolar
(China)
CanadianSolar
(Canadá)
Ja Solar(China)
HanwhaQ-Cells(China)
GCL(China)
FirstSolar(EUA)
YingliSolar
(China)
64
Gráfico 14- Intensidade energética global (Koe/US$2005) (1), 1990-2015.
Fonte: Elaboração da autora a partir de Global Energy Statistical Yearbook 2016. Disponível em:
<https://yearbook.enerdata.net>.
(1) Koe (Kg equivalentes em petróleo).
Uma maior eficiência energética pode ser conquistada especialmente através de
uma melhor conversão, distribuição e transmissão de energia. Uma alternativa que vem sendo
desenvolvida são as smart grids.
Smart grids são redes elétricas inteligentes e descentralizadas que adotam recursos
de tecnologia de informação (TI) e de elevado grau de automação o que aumenta muito a
eficiência operacional. Através dessas redes inteligentes é possível ter maior acesso e
controlar o fluxo de energia mediante a presença de medidores eletrônicos inteligentes. As
redes inteligentes coordenam as necessidades e capacidades de todos os geradores, operações
de rede, usuários finais e demais partes interessadas do setor elétrico para que operem da
maneira mais eficiente possível, reduzindo custos e impactos ambientais, enquanto buscam
maximizar a confiança, resiliência e estabilidade da rede (IEA, 2011). A construção dessas
redes de transmissão e distribuição inteligentes requerem investimentos e planejamentos
substanciais, além de significar uma grande mudança em relação ao sistema anterior
centralizado e pouco aberto a avaliações exteriores, o que pode gerar conflitos e barreiras a
sua implantação.
O desenvolvimento e difusão de energias renováveis, bem como da eficiência
energética precisam ser verdadeiramente incentivados, com projetos orientados para esse fim,
em que o Estado tenha participação ativa e condutora nesse processo, como será discutido no
segundo capítulo. Por ora, podem ser destacados os benefícios da transição energética de
baixo-carbono e da maior eficiência energética.
0.050
0.070
0.090
0.110
0.130
0.150
0.170
0.190
0.210
0.230
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
Koe/US$2005
65
A primeira grande vantagem do desenvolvimento de tecnologias limpas em geral
e de energias renováveis é a redução de gases do efeito estufa emitidos no meio-ambiente. Em
grande parte dos países, a produção de energia junto com o transporte são os maiores “vilões”
do aquecimento global, ou seja, são os setores que mais emitem esses gases. Sem uma
profunda mudança nesses setores não se pode esperar grandes avanços no combate às
mudanças climáticas (HOPKINS; LAZONICK, 2012). Segundo IEA (2015a, p.44), o carvão
foi responsável em 2013 por 46% das emissões de CO2 o petróleo por 33,6% e o gás natural
por 19,8%, contabilizando as demais fontes de energia 0,6% dessa emissão.
Outra grande vantagem das energias renováveis é a maior possibilidade de
independência energética. Fontes de energia fósseis são finitas, enquanto fontes de energia
como o sol e o vento são virtualmente fontes infinitas de energia (HOPKINS; LAZONICK,
2012). Todavia, é preciso pontuar que a possibilidade de suprimento energético por essas
fontes é heterogênea a cada país, dependendo da disponibilidade menor ou maior dessas
fontes, bem como de condições adequadas para a instalação de usinas.
Hopkins e Lazonick (2012) apontam ainda um terceiro ponto positivo das
energias renováveis: a criação de empregos. Mediante a crise de 2008, alguns países viram na
produção dessas energias um novo espaço de criação de demanda efetiva. Em 2015, o setor de
energia renovável chegou a 8,1 milhões de empregos direitos e indiretos com destaque para a
energia solar, hidrelétrica, biocombustíveis e eólicas, além de 1,3 milhões de empregos
adicionais contabilizando as grandes usinas hidrelétricas (gráfico 15).
Gráfico 15- Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, 2015.
8,079.0
3,725.0
2,882.0
1,504.0
1,081.0
160.0
3.7
- 1,000.0 2,000.0 3,000.0 4,000.0 5,000.0 6,000.0 7,000.0 8,000.0 9,000.0
Total
Solar
Biocombustíveis
Hidrelétrica (pequeno…
Eólica
Energia geotérmica
Marés
Número de Empregos (em milhares)
66
Fonte: Elaboração da autora a partir de IRENA (2016b).
Vistas algumas vantagens do incentivo às energias renováveis, discute-se no
capítulo 2 o papel do Estado na transição para uma economia de baixo-carbono.
67
CAPÍTULO 2
COMO PROMOVER A EMERGÊNCIA DE ALTERNATIVAS DE BAIXO-
CARBONO?
Uma das grandes justificativas que sustentam a oposição contra alternativas de
baixo-carbono, a incerteza científica quanto às suas consequências ambientais, sociais e
econômicas tem cada vez menos força mediante as evidências de mudanças correntes. Como
ressaltado, academias nacionais de ciência, academias regionais e diversas instituições de
pesquisa afirmam que a influência humana na mudança climática é clara, sendo as emissões
antropogênicas de gases as maiores já registradas na história. Existem muitas evidências de
que os efeitos já estão presentes e se agravam a cada dia, e a mudança do paradigma
energético, produtivo, bem como do padrão de consumo vem ganhando mais destaque à
medida que se buscam soluções no médio e longo-prazo.
A história dá exemplos de que mudanças tecnológicas e institucionais ocorrem
repetidamente num longo período de tempo, dando sinais de que, no longo-prazo, mesmo a
estabilidade causada por paradigmas estabelecidos pode ter um fim. Todavia, não é só a
mudança científica que preocupa, já que alternativas tecnológicas mais sustentáveis aparecem
diariamente, mas também a inércia presente nas formas institucionais e organizacionais, sem
as quais as tecnologias não podem se difundir. Assim, corre-se o risco da mudança inevitável
se dar tarde demais.
As desvantagens de esperarmos a mudança serão muito maiores que as dores de
acelerá-la, até porque dessa transformação depende a disponibilidade de recursos não só
materiais, mas de serviços ecossistêmicos35 para as gerações futuras. Logo, o grande desafio é
facilitar a transição para uma economia de baixo-carbono antes que as consequências sejam
irreversíveis. Essa transição acelerada não se dará por forças internas devido às barreiras
impostas às energias mais limpas; são necessárias forças “exógenas”36 para a mudança do
paradigma tecnológico baseado intensivamente em combustíveis fósseis (UNRUH, 2002).
Tendo consciência de que boa parte da “solução” para os problemas apresentados
passa pela ruptura da economia intensiva em combustíveis fósseis, deve-se qualificar de que
forma ela pode ocorrer e que forças são capazes de promovê-la.
35 Tratam-se dos benefícios que o ser humano obtém direta ou indiretamente e que são essenciais para a vida no
planeta, como a absorção de CO2 pelas árvores. 36 Utilizaremos o adjetivo “exógena” aqui, mas se adianta que há uma discussão quanto à exogeneidade de facto
das políticas públicas. Mais adiante será discutida a grande participação do Estado na construção e manutenção
do lock-in do carbono, bem como as críticas e limites ao seu papel.
68
Mencionamos que Freeman (1984, p. 498-499) afirma que revoluções
tecnológicas estabelecem novos paradigmas quando se observa os seguintes fatores: i)
redução drástica no custo de muitos produtos e serviços; ii) incremento drástico nas
características técnicas de produtos e serviços; iii) aceitação político-social, o que envolve
mudanças institucionais para receber a nova tecnologia; iv) aceitação ambiental, a qual pode
ser parte da institucionalidade anterior; v) e a presença de efeitos pervasivos por todo o
sistema econômico.
Os resultados dos grandes processos de transformação não podem ser exatamente
previstos ex ante, sendo as consequências calculadas e sentidas ex post. Dada a incerteza
quanto aos resultados de um novo paradigma tecnológico, quais seriam os agentes e/ou
fatores responsáveis por levar esse processo adiante?
Vários aspectos devem ler levados em conta para responder a essa pergunta,
dentre elas, considera-se: i) os interesses econômicos das corporações que se beneficiam das
tecnologias vigentes; ii) o caminho traçado, o histórico dessas novas áreas tecnológicas; iii)
variáveis institucionais como as “políticas públicas”; e iv) o surgimento de novos
competidores.37
O surgimento de novos competidores se mostra fundamental em processos de
mudança técnica, isso porque geralmente as infraestruturas tecno-institucionais tendem a criar
estabilidade para aqueles que utilizam as tecnologias dominantes, mas especialmente para
seus produtores e gerenciadores. Utterback (1996, p. 197-198) chama a atenção para a
relutância das empresas estabelecidas em adotar uma tecnologia radical o que faz que a
presença de “forasteiros” seja uma característica de momentos de quebra tecnológica;
momentos que em novas lideranças surgem quando as empresas líderes não realizam os saltos
das descontinuidades tecnológicas.
É difícil imaginar que as corporações as quais se beneficiam da estrutura intensiva
em combustíveis fósseis irão estimular de fato o surgimento de alternativas a sua própria
dominância, mesmo que tenham feito alguma intenção declarada. Portanto, motores de
mudança virão provavelmente de forças “exógenas”. Unruh (2002) ressalta que a dificuldade
é justamente encontrar essas forças em meio a um sistema energético dominado pelo uso de
combustíveis fósseis, mas ressalta que na sociedade os “grupos” por mais homogêneos que
pareçam sempre possuem elementos de divergência. Para representar essa ideia ele afirma que
“na realidade, é claro, os indivíduos [...] e governos representam interessem múltiplos e
37 Essas variáveis foram inspiradas em Dosi (1982, p. 155).
69
muitas vezes conflituosos (como expandir a produção agrícola e proteger áreas naturais do
desmatamento)” (UNRUH, 2002, p. 321 tradução própria). Ao mesmo tempo em que grandes
economias se beneficiam do próprio lock-in do carbono, existem indivíduos e organizações
dentro dessas economias que buscam um combate à mudança climática e a transição para uma
economia de baixo-carbono.
Nesse ínterim, as “políticas públicas” têm papel fundamental por apresentarem a
possibilidade de ser a expressão da coalizão de interesses com um determinado fim específico
e por poderem permitir, justamente, a emergência de novos competidores dentro de um
mercado em que muitas barreias lhe são colocadas. Historicamente, elas têm desempenhado
um importante papel de catalizadoras da mudança técnica, como nos programas militares e
espaciais nos EUA, que definiram metas tecnológicas, além de providenciar o financiamento
para o P&D; o surgimento da indústria química alemã intimamente apoiada pelo governo; as
experiências de catching up dos países asiáticos coordenadas pelo Estado e mais recentemente
o desenvolvimento da bioquímica, da nanotecnologia e das telecomunicações nos EUA
(DOSI, 1982; FREEMAN, 1996; KIM; NELSON, 2005; MAZZUCATO, 2011).38 Em um
mundo dinâmico como o capitalista as práticas de políticas industriais, por exemplo, são
inevitáveis, mesmo nos países que defendem uma retórica de Estado diminuto; o que pode
variar é se essas políticas são feitas de maneira implícita ou explícita e sua forma de execução
(SUZIGAN, 2014).
É fundamental dizer que nesse trabalho considera-se que o agente capaz de reunir
e coordenar os fatores determinantes para a promoção da ruptura tecnológica necessária na
transição para uma economia de baixo-carbono é o Estado, através de políticas públicas tanto
para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de baixo-carbono, quanto no setor
produtivo, permitindo o aprendizado, a redução das incertezas e a aceitação de novas
tecnologias sustentáveis pelas firmas e famílias (FOXON, 2002; HOPKINS; LAZONICK,
2012; MAZZUCATO, 2011; MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015; UNRUH,
2000, 2002). Além, é claro, da possibilidade dessa instituição em estimular mudanças nos
padrões de consumo correntes. Todavia, não se considera que o Estado sozinho promoverá
essas mudanças, mas que ele pode coordenar a iniciativa privada e a sociedade para esse fim.
Assim, duas perguntas-chave devem ser feitas: que tipo de políticas e formas de
execução das mesmas é atualmente possível e quais os limites (econômicos, políticos e
institucionais) dessas políticas?
38 Exemplos que serão explorados posteriormente.
70
Em relação ao tipo de políticas, pode-se adiantar que políticas científicas e
tecnológicas para promover as metas ambientais necessárias diferem dos mission-oriented
projects adotados nos anos 1950 e 1960 para apoiar o desenvolvimento nuclear, de defesa,
espacial, etc., que focavam em certas indústrias de maneira isolada do resto da economia. A
mudança em direção a uma economia de baixo-carbono requer uma abordagem política
sistêmica, reunindo simultaneamente vários atores como o governo, as firmas privadas e os
grupos de consumidores (FREEMAN, 1996; SOETE; ARUNDEL, 1993). É uma abordagem
muito mais complexa, pois requer a coordenação de inúmeros agentes no âmbito nacional e
internacional.
Quanto aos limites dessas políticas, é importante ressaltar que não há um
“endeusamento” do Estado, até porque ele se alimenta e é alimentado por arranjos
tecnológicos estabelecidos. Instituições, especialmente o Estado, têm um papel fundamental
na aceitação, difusão e aperfeiçoamento de determinadas tecnologias, o que gera uma grande
inércia, vale dizer, ainda maior do que a tecnológica, já que aquelas têm mais dificuldade de
serem transformadas do que essas (UNRUH, 2002).
Apesar de estar imerso a institucionalidade que apoia e realimenta uma economia
intensiva em combustíveis fósseis, o Estado mostrou ser historicamente capaz de reorientar
transformações tecnológicas e institucionais e é preciso entender como essa capacidade pode
ser canalizada para as demandas sociais e econômicas atuais, que não se dissociam das
questões ambientais. Como visto, o efeito das mudanças climáticas já podem ser sentidos em
grande parte do globo pelo crescimento de doenças relacionadas ao aumento da temperatura,
como a malária e têm afetado as populações historicamente mais marginalizadas e com menor
responsabilidade quanto às emissões (PATZ et al., 2007) O grande desafio é enfrentar os
problemas coletivos além dos limites impostos pelo lock-in, ou seja, se a mudança climática é
real e afeta todos em escala global e, especialmente, os mais pobres e as gerações futuras,
como estabelecer um consenso político-econômico que promova ações concretas em relação
ao problema? As forças potenciais de mudanças são, além de tecnológicas, sociais e
institucionais, até porque a tecnologia dissociada da institucionalidade não se torna
dominante.
O segundo capítulo, portanto, trabalha com a ideia de que a ação do Estado
através das políticas públicas é fundamental para a transição energética de baixo-carbono e
busca discutir seus limites e formas. Primeiramente, realizando uma crítica à visão antagônica
de Estado e mercado (seção 2.1) e apresentando exemplos históricos da visão e ação
71
direcionada do Estado por meio dos sistemas nacionais de inovação (seção 2.2). Como
formato de ação de políticas, a ideia de sistemas nacionais de inovação direcionados à questão
ambiental foi colocada, o que se chamou de sistema de inovação sustentável (FOXON;
PEARSON, 2008) cuja possibilidade de desenho se apresenta na seção 2.3, na qual se
sistematizam também algumas políticas públicas (de demanda, de oferta e outras) que podem
fazer parte de um esforço de transição energética.
2.1 “A Nova Razão do Mundo”39 e o Estado versus Mercado
Nos últimos anos o papel protagonista do Estado na superação de desafios
econômicos, tecnológico, sociais e ambientais é alvo de intensas críticas. O ataque ao Estado
positivo criou raízes bastante profundas com a lógica neoliberal, levando à negação de seu
importante papel que existe independente das inúmeras falhas éticas ou políticas que ocorrem
e mesmo quando sua presença é fundamental na implantação dos conjuntos de práticas e
normas que regem a própria corrente neoliberal. O entendimento breve da origem desse
movimento é necessário para lhe fazer oposição e propor um papel importante do Estado na
promoção de um desenvolvimento mais sustentável.
Retomando brevemente o contexto histórico, a onda “neoliberal” renasceu da crise
do welfare state na década de 1970. O Estado “keynesiano” resultante do Acordo de Bretton
Woods já não era mais capaz de dar à economia americana e europeia o dinamismo de outrora
e foi atribuído a sua forma de governabilidade a responsabilidade pelo insucesso econômico
do período. Como complemento, os governos africanos e latino-americanos com seus aparatos
inchados, sua burocracia gananciosa e egoísta e muitas vezes antidemocrática serviam como
exemplos do mal causado pela presença de um Estado que ultrapassava os limites “aceitáveis”
e “as burocracias governamentais foram consideradas estranguladoras do espírito
empreendedor ou desviadas em atividades improdutivas [...]” (EVANS, 2004 p. 51).
Nos anos 1980, os grandes nomes desse renascimento foram Ronald Reagan e
Margareth Thatcher, que “simbolizavam o rompimento com o ‘welfarismo’ da social-
democracia e a implantação de novas políticas que supostamente poderiam superar a inflação
galopante, a queda dos lucros e a desaceleração do crescimento”, que em suas visões eram
consequências diretas de um Estado ineficiente. Suas políticas
pareciam uma resposta à regulação keynesiana macroeconômica, à propriedade
pública das empresas, ao sistema fiscal progressivo, à proteção social, ao
39 “A nova razão do mundo” faz referência ao título do livro de Dardot e Laval (2016).
72
enquadramento do setor privado por regulações estritas. [...] A política de demanda
destinada a sustentar o crescimento e realizar o pleno emprego foi o principal alvo
desses governos [...] (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 189).40
As “novas regras do jogo” estavam no caminho da disciplina monetária do Estado
e da desregulação da economia de forma a privilegiar a concorrência. Nela os atores privados,
que supostamente melhor conhecem a situação dos negócios e seus interesses, fariam melhor
alocação dos recursos.
Políticas públicas visando proteger indústrias ou tecnologias infantes se
encontravam no “pacote” considerado ineficiente, devendo ser fortemente evitadas. Indústrias
e tecnologias seriam selecionadas de acordo com a lógica da concorrência, evitando a
seletividade operada pelo Estado – característica do modo de governabilidade anterior, fonte
de distorções, improdutividade e ineficiência econômica e social, segundo essa corrente.
Nesse processo, o Estado desempenharia papel fundamental de incorporar e reorientar as
políticas numa nova direção, criando outra forma de governabilidade a partir de um novo
arcabouço normativo.
Essa constatação é fundamental para esse trabalho, pois demonstra que o
movimento neoliberal não se caracteriza basicamente por uma retirada do Estado e crença
cega no mercado, como comumente se afirma. As novas formas políticas se opõem às
anteriores no sentido de implantar uma nova lógica normativa, uma nova estratégia que para
atingir seus objetivos – desmantelamento do Estado de bem-estar social, privatização de
empresas públicas – precisa e se utiliza também de um Estado forte. O Estado continua sendo
forte no sentido de que é fundamental para a implantação de novas bases, novas regras de
funcionamento econômico e novas relações sociais pautadas pelo primado da concorrência
generalizada em todas as esferas da vida social.
A confusão se dá, pois existe sim uma luta ideológica que estabelece uma retórica
dessa natureza. A ilusão de o capitalismo de mercado poder existir sem o Estado tomou nova
forma a partir dos anos 1960 e 1970 sob duas frentes ideológicas, de um lado a oposição total
ao Estado e às políticas públicas sobre a égide da “desobrigação do Estado” e de outro uma
apologia ao capitalismo como ordem natural baseada na “incomparável eficiência dos
mercados”; ideias que construíram a ideologia do capitalismo livre a qual obteve grande
sucesso e se espalhou pela política e pelas universidades (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 205).
40 O “neoliberalismo” dos anos 1980 não representa a volta do liberalismo tradicional; sua estruturação é muito
mais complexa do que as definições que o caracterizam como um retorno ao laissez-faire (DARDOT; LAVAL,
2016, p. 71).
73
Nos anos 1980, o mercado autoregulador parecia estar de volta, mesmo que para isso fossem
necessárias as políticas públicas do Estado neoliberal, o que representava uma contradição
entre o discurso e a prática. O que se constata de fato não é a retirada do Estado a partir da
razão neoliberal, ao contrário, o que se observa é uma “Economia livre, Estado forte”.41
O que é importante para a continuidade da argumentação aqui proposta é que o
Estado não deixou de ser essencial apesar da intensa “propaganda” contrária a essa afirmação.
O Estado neoliberal é fundamental para atingir o objetivo máximo de implantar a lógica da
concorrência em todos os domínios da vida social e da empresa como modelo de
subjetivação.42
Portanto, em divergência com a retórica neoliberal, coloca-se que a própria
existência e manutenção do mercado estão totalmente relacionadas ao intervencionismo
Estatal. O mesmo foi o responsável pela imposição das condições necessárias para o
surgimento de uma economia de mercado (POLANYI, 2012). A ideia de que há uma oposição
entre ambos – uma separação do mercado com as demais instituições sociais na tentativa de
torná-lo uma esfera autônoma – é falaciosa (MAZZUCATTO, 2011). Muitos são os teóricos
que perceberam essa relação de simbiose. Um dos grandes nomes da economia, John
Maynard Keynes, acreditava que devido à instabilidade intrínseca às economias capitalistas o
governo tinha um papel fundamental, através do gasto público, de compensar nos períodos de
crise a escassez dos investimentos privados.
A variável investimento (I) para Keynes é a principal responsável pela criação e
manutenção do emprego e consequentemente da renda. Como a economia capitalista é por
regra incerta, os investimentos empresariais estão constantemente sujeitos a uma volatilidade
extrema.43 Portanto, flutuações do investimento fazem parte da economia monetária da
produção44 e a não intervenção do Estado no equilíbrio dessa variável fundamental pode levar
41 “Lema” real do neoliberalismo segundo Andrew Gamble, professor da Universidade de Cambridge. 42 Além da retórica construída nos países desenvolvidos, organizações internacionais como o FMI e o Banco
Mundial se encarregaram de disciplinar os países mais frágeis à nova cartilha chamada Consenso de
Washington, atrelando seu “desenvolvimento” à atração de capitais externos mediante a disciplina
macroeconômica e a abertura de seus mercados. A difusão dessa norma ganhou aliados na liberalização
financeira e na globalização tecnológica havendo, a partir dos diversos mecanismos de desregulamentação, um
boom das finanças mundiais a partir dos anos 1980, cujo movimento parece ser autônomo à esfera produtiva e
comercial (CHESNAIS, 2005; DARDOT; LAVAL, 2016). Sobre a discussão de uma autonomia da esfera
financeira em relação à produtiva e comercial ler Braga (2000). 43 Para aprofundamentos ler Keynes (2007). Dillard (1993) esmiúça os raciocínios de Keynes de uma maneira
bastante didática. 44 Segundo Keynes, o objetivo dos capitalistas na produção não é trocar mercadorias, mas sim trocar dinheiro
por uma quantia ainda maior de dinheiro, tendo as mercadorias apenas o papel social de gerar mais dinheiro (D-
M-D’). Para Keynes, assim como para Marx, fica claro que o objetivo final do sistema é a valorização monetária.
Portanto, o detentor do dinheiro o aliena com a intenção de se apoderar dele novamente e nessa circulação o
valor originalmente adiantado não só se mantém na circulação, mas altera nele sua grandeza, ou seja, gera o
74
à queda do emprego e da renda e, consequentemente, do consumo o que catalisaria quebras no
mercado e depressões. Assim, o investimento é uma variável muito importante para ser
deixada nas mãos apenas do mercado e em suma, a própria manutenção do capitalismo passa
pela intervenção do Estado.
Inúmeros são os exemplos históricos dessa íntima relação entre Estado e mercado.
Em julho de 2008, o governo americano despejou, frente ao colapso da crise financeira,
US$200 bilhões para estatizar duas gigantes empresas de empréstimos e hipotecas: Fannie
Mae e Freddie Mac. Algo que se não fosse feito poderia mergulhar o país e o resto do mundo
em uma crise ainda mais profunda. Mesmo assim, o presidente Bush, à época, anunciou o
gigante passo de estatização como apenas mais uma intervenção necessária e pontual frente ao
“mar” de livre empreendedorismo em que repousava a economia norte-americana: claramente
mais um exemplo da retórica política-ideológica de qual papel o Estado deveria ter na
sociedade capitalista, mesmo que não corresponda à realidade e mesmo que os seus
defensores não a anunciem como uma posição política, mas como uma verdade econômica
natural e objetiva (CHANG, 2013).
Além dos seguidores de Keynes – que advogam pela importância do gasto público
– outros economistas heterodoxos de inspiração schumpteriana defendem que o Estado não só
deve investir como direcionar esses investimentos para áreas e atividades propensas a gerar
capacidades de inovação para as economias. No que tange a essa questão, é importante
entender e buscar construir uma ponte que interligue as esferas micro e macroeconômica e a
associação entre as inspirações de Keynes e Schumpeter45 podem ser um caminho interessante
(MAZZUCATTO, 2011).
lucro. As consequências dessas constatações são muito importantes para o entendimento da economia capitalista.
Primeiramente porque demonstra uma não neutralidade da moeda. Ao contrário, a busca pela valorização
monetária é o maior objetivo dessa economia, por isso denominada economia monetária da produção. E a
constatação mais importante é que as decisões capitalistas de investimento não têm como meta criar renda e
emprego e sim valorizar o capital. A decisão de investimento, apesar de ser a principal variável para a criação de
emprego e renda, é especialmente um meio para a valorização e não será realizado se não houver perspectivas de
valorização, mesmo se isso significar desemprego. 45 O papel do Estado é um grande ponto de divergência entre Keynes e Schumpeter. Enquanto Keynes buscava
soluções para eliminar os problemas de uma economia monetária de produção, colocando o Estado como um
agente fundamental que – através dos gastos públicos – compensaria as deficiências de demanda efetiva em
momentos oportunos, Schumpeter acreditava que não havia necessidade de intervenção estatal na economia. Na
crítica que esse faz à concorrência perfeita, ele afirma que o único papel do Estado seria a manutenção dessa
concorrência, mas como ela (a intervenção) é incompatível com o progresso, não há essa necessidade. O ajuste
se dá pela “Destruição Criadora” conduzida pelo grande capital, e uma intervenção estatal somente dificultaria
esse processo. Os autores de inspiração schumpeteriana, especialmente os neo-schumpeterianos conciliam a
importância dada à inovação por Schumpeter para a dinâmica capitalista, com o papel fundamental do Estado,
entendendo que o papel do capital está embebido em fatores institucionais e políticos indissociáveis da análise.
75
A partir da constatação de que a oposição “Estado versus capitalismo” de mercado
é uma falácia, e que o papel do Estado pode estar relacionado não só a geração de
investimento, mas ao direcionamento desse investimento para atividades específicas, pode-se
buscar entender como o Estado está ligado ao desenvolvimento tecnológico e de inovação das
economias.
2.2 O Estado e o Sistema Nacional de Inovação
No século XIX, Alexander Hamilton nos EUA e Friedrich List na Alemanha
reconheceram a importância da condução do Estado das estruturas necessárias ao
desenvolvimento nacional por meio do desenvolvimento industrial e tecnológico. List (1986),
ao buscar as possibilidades de desenvolvimento da Alemanha atrasada constatou que o
processo de desenvolvimento requeria não só a proteção das empresas infantes, mas uma
gama de políticas desenhadas e direcionadas para permitir ou acelerar a industrialização e o
crescimento econômico, estrutura institucional que ele denominou de “sistema nacional de
economia política”, um precursor do “sistema nacional de inovação”.
Por sistema nacional de inovação se entende “a rede de instituições nos setores
público e privado cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem
novas tecnologias” (FREEMAN, 1995). Os três principais agentes que compões esse sistema
são: 1) o Estado: que é responsável por desenhar e aplicar políticas públicas, especialmente de
ciência e tecnologia; 2) as universidades e institutos de pesquisa: responsáveis por realizar
pesquisas e criar conhecimento; 3) as empresas: que são responsáveis por realizar
investimentos para transformar o conhecimento em produto.
Segundo Jacobsson e Johnson (2000) os sistemas nacionais de inovação têm como
principais funções:
1) Criar e difundir “novo” conhecimento;
2) Guiar a direção do processo de demanda e oferta entre usuários e ofertantes das
tecnologias, ou seja, influenciar a direção na qual os atores empregam seus
recursos;
3) Ofertar recursos, incluindo capital, competências e outros;
4) Criar externalidades econômicas através da troca de informações,
conhecimentos (aprendizado) e concepções;
5) Facilitar a formação de mercados.
Assim, esses três agentes e suas interações são fundamentais para realizar essas
funções e para as diferentes composições dos diversos sistemas. Um sistema nacional de
76
inovação maduro é aquele capaz de produzir um ambiente favorável ao desenvolvimento e
florescimento de inovações e para isso, o Estado tem um papel fundamental. O Estado reúne
os recursos e a “paciência” necessária para permitir que atividades científicas de pesquisa e
desenvolvimento – que envolvem longos períodos de pesquisa e se caracterizam por um
processo de ‘tentativa e erro’ – tenham tempo suficiente para amadurecer e produzir
conhecimento para a sociedade. Por isso, o papel das políticas públicas em apoiar o
desenvolvimento científico é tão importante.
Dentro do sistema nacional de inovação, a relação Estado-empresa é importante
porque o Estado deve garantir um ambiente macroeconômico favorável aos novos
investimentos. Além disso, ele tem o papel essencial de risk-taker em novas atividades
consideradas muito arriscadas e para as quais a iniciativa privada não estaria disposta a se
inserir até o surgimento de expectativas mais favoráveis (MAZZUCATTO, 2011).
A história traz diversos elementos que confirmam a presença da mão-visível do
Estado em situações de grandes interesses nacionais. Grande parte dos países desenvolvidos
teve um Estado protagonista no desenvolvimento de sistemas nacionais capazes de superar
barreiras tecnológicas aparentemente “inquebráveis”, com exemplos bastante significativos
nos EUA, Alemanha e Japão, bem como nas experiências de industrialização recente dos
países asiáticos.
Não se nega aqui a importância da iniciativa privada, ao contrário, acredita-se que
é preciso haver uma forte interação público-privada para desenvolvimento de projetos
tecnológicos, conjugando um sistema simbiótico de inovação em que o setor privado trabalhe
com o Estado e reconheça sua importância, ao invés de um sistema parasitário no qual a
iniciativa privada se aproveita dos benefícios do Estado e alimenta um discurso de repúdio ao
mesmo (MAZZUCATTO, 2011).46
É preciso, portanto, reconhecer que a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)
empregado pelas empresas é uma parte importante das transformações tecnológicas, mas não
é seu único determinante: o P&D empresarial está embebido em estruturas muito maiores
determinadas pela configuração do sistema nacional de inovação do qual faz parte.
46 Mazzucato reafirma que é preciso saber qual a contribuição do setor privado e do setor público. Existe um
discurso dominante de que o setor público pode, no máximo, incentivar inovações que seriam realizadas somente
pelo setor privado. Todavia, segundo a autora, essa visão ignora os inúmeros exemplos históricos em que o a
força principal veio no Estado. A falta de entendimento desses fenômenos afeta as parcerias público-privadas
que podem ocasionar uma relação parasitária entre o Estado e o setor privado tornando os sistemas de inovações
menos eficientes (MAZZUCATO, 2011, p. 256).
77
A partir desses elementos, é interessante elencar alguns exemplos históricos da
importância de um sistema nacional de inovação para a superação de barreiras tecnológicas e
institucionais.
Os Estados Unidos têm uma história marcada pela presença de um Estado líder de
projetos de desenvolvimento, desempenhando um papel preponderante no desenvolvimento
nacional tecnológico, desde a doação de terras para empresas privadas, construção de
rodovias até suporte financeiro à pesquisa agrícola no século XX, mobilização de recursos ao
desenvolvimento e auxílio à indústria aeronáutica, espacial, entre outras. A P&D pública
estadunidense foi ainda responsável pelo financiamento da ciência pura, da indústria
farmacêutica e mais recentemente da nanotecnologia, biotecnologia e energia limpa
(MAZZUCATO, 2011).
Mowery e Rosemberg (2005) destacam as mudanças estruturais do sistema de P&D
americano que possibilitaram a institucionalização da inovação no país no século XX. Os
desenvolvimentos em várias áreas do conhecimento são atribuídos à rápida exploração das
firmas norte-americanas da “invenção da arte de inventar”, mas também aos papéis
fundamentais da indústria, do governo e das universidades como financiadoras e realizadoras
do P&D.
Os autores ressaltam que o papel das despesas federais nos períodos de guerra e
fora deles, alocando recursos e pesquisa através de suas agências e departamentos, foi de
extrema importância. O governo americano promoveu, pós II Guerra Mundial, massivos
investimentos públicos em instituições públicas de ensino superior. De 1953 a 1996, a
pesquisa básica realizada por universidades e centros de P&D financiados pelo governo saiu
de um terço para 61% do total (MOWERY; ROSEMBERG, 2005, p. 43).
Um dos grandes exemplos recentes da importância do Estado norte-americano na
formação do sistema nacional de inovação é o Silicon Valley, que se beneficiou do surgimento
da internet, desenvolvida pelo Departamento de Defesa americano (ARPANET) no período
da guerra-fria. O conjunto de gastos federais incentivaram parcerias universidade-indústria e
serviram de demanda para um conjunto de novas tecnologias.47
47 Mazzucato (2011) expõe quatro grandes iniciativas de ação do Estado como empreendedor inovador nos
Estados Unidos: DARPA (Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas), que além de financiar a ciência básica,
direciona recursos para áreas específicas, cria novas oportunidades, intermedia a relação entre agentes públicos e
privados e facilita a comercialização de tecnologias desenvolvidas. Essa agência teve papel fundamental na
indústria de informática nos anos 1960 e 1970; SBIR (Programa de Pesquisa para Inovação em Pequenas
Empresas), um decreto de 1982 que exigia que as agências do governo que auferiam de grandes recursos para
pesquisa, destinassem uma parte desses recursos para apoio à pequenas empresas; a Orphan Drug Iniciative
(1983), que incluía incentivos fiscais, subsídios clínicos e também em Pesquisa e Desenvolvimento, bem como
78
Dos grandes exemplos que temos da atuação do Estado podemos citar também o
caso japonês como um dos mais impressionantes do século XX. Vários estudiosos atribuem o
sucesso de desenvolvimento japonês a três pilares: ao Ministério da Indústria e Comércio
Internacional (MICI), à academia e ao P&D empresarial (CHANG, 2013; EVANS, 2004
FREEMAN, 1995). O sucesso do Japão em meados do século XX não está somente ligado à
quantidade impressionante de P&D empregado pelas empresas e centros de pesquisa
japoneses,48 mas à orientação desse P&D dada pelo Estado caracterizando um sistema
nacional de inovação voltado para o desenvolvimento de setores importantes, como a
microeletrônica.
Segundo Freeman (1995), um exemplo de que fatores institucionais influenciam
inovação, sua difusão e ganhos de produtividade tanto quanto o montante de P&D (ou mais)
vem da comparação dos sistemas nacionais de inovação japonês e soviético nos anos 1970.
Enquanto a relação de Despesas Internas Brutas em P&D em relação a Produto Interno Bruto
(PIB) soviético era de 4% (nível considerado bastante alto), essa relação para o Japão era de
2,5%. Isso não garantia à União Soviética um crescimento tecnológico sustentável no longo-
prazo. Essa diferença seria explicada, segundo o autor, por fatores institucionais como:
direcionamento da P&D pelo Estado; nível de integração desse P&D com a produção e
importação de tecnologia no nível da firma; relações entre os produtores e usuários das
tecnologias, bem como das empresas subcontratadas; do grau de incentivo para as firmas
inovarem, não só tecnologicamente, mas em gerenciamento e em pessoal e a experiência
proveniente da competição em mercados internacionais.
Vários autores destacam também o papel relevante das políticas públicas na
transformação de economias de industrialização recente (EIR’s) – Coréia do Sul, Taiwan,
Cingapura e Hong Kong – moldando o processo de progresso tecnológico desses países. De
maneira geral eles contaram com amplos incentivos do governo como proteção de indústrias
específicas e direcionamento de investimentos. Especialmente em relação à Coréia do Sul, o
governo foi responsável por grande parte das decisões de investimento, pelo controle de
mercado e proteção que favoreceram firmas estratégicas, deixando “os preços relativos no
direitos de comercialização para medicamentos desenvolvidos para o tratamento de doenças raras; por fim, a
Nanotechnology Iniciative, criada no final da década de 1990, foi uma atuação de várias agências
governamentais para a dinamização o que se esperava ser a grande revolução tecnológica após a internet, a
nanotecnologia. 48 Segundo Freeman (1995), o salto em P&D dado pelo Japão em relação aos EUA foi bastante significativo. Em
1970, o Japão ultrapassou os EUA em despesas industriais em P&D como proporção do produto industrial civil
líquido, e o total de despesas internas em P&D japonês em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassou o
dos EUA em 1980.
79
lugar errado”, política que possibilitou o desenvolvimento tecnológico do país (CHANG,
2013; KIM; NELSON, 2005 AMSDEN, 1989).
O papel do Estado, especialmente no que tange à inovação, tem se mostrado
muito mais importante do que querem os economistas, políticos e especialistas advogados do
livre-mercado. A história apresenta em muitos momentos um “Estado empreendedor”, que
assume a etapa de alto risco e incerteza dos novos investimentos, anteriormente inclusive à
ação da iniciativa privada. As áreas de mais alto risco, intensivas em tecnologia e capital, são
tipicamente evitadas pela iniciativa privada – especialmente em suas etapas mais iniciais de
desenvolvimento – sendo necessário o financiamento e a visão de longo prazo do setor
público (MAZZUCATTO, 2011).
O tipo de Estado presente nos exemplos apresentados de rompimento de barreiras
tecnológicas, especialmente no século XX, é denominado pelos autores citados de “Estado
Desenvolvimentista”, nomenclatura responsável há décadas por muitos debates e
controvérsias e cujo entendimento e definição passam pela necessidade latente de atualização
às demandas sociais e econômicas contemporâneas.49 O termo “Estado Desenvolvimentista”
não é só usado para denominar o tipo de Estado presente na industrialização dos países
centrais, mas especialmente para indicar o “mecanismo essencial” que reúne as políticas
necessárias para a superação do subdesenvolvimento na periferia do sistema (FONSECA,
2014, p. 4). Outra nomenclatura mais contemporânea e mais voltada à inovação é o “Estado
Empreendedor” cunhado por Mazzucato (2011), utilizado pela autora para caracterizar um
tipo de Estado que não somente tem a disposição de liderar iniciativas de alto risco (como a
transição energética), mas que mantém o apoio a tecnologias novas e transitórias até que a
indústria apossa “amadurecer” e competir com as tecnologias existentes (como os
combustíveis fósseis).
O Estado desenvolvimentista ou empreendedor deve ser capaz, em linhas gerais,
de i) coordenar a ação dos agentes privados para viabilizar financiamento e permitir a
realização de investimentos; ii) deve ter “visão de futuro” ou uma “estratégia de
desenvolvimento nacional”; iii) deve construir instituições com intuito de promover um
ambiente favorável ao desenvolvimento e sua manutenção através de “veículos institucionais”
e iv) deve saber administrar conflitos que estão na essência do processo de desenvolvimento
por sempre envolver ganhadores e perdedores (CHANG, 1999).
49 Para aprofundamento do conceito de desenvolvimentismo e Estado desenvolvimentista ler Fonseca (2014).
80
Mais especificamente, segundo Fonseca (2014), um possível núcleo comum das
diversas definições de “desenvolvimentismo” ou de um “Estado desenvolvimentista” passa
pela existência de um projeto nacional, pela intervenção consciente e deliberada do Estado
com o intuito de atingir esse projeto nacional e pela industrialização como caminho para
acelerar esse processo por meio do aumento da produtividade e difusão do progresso técnico.
O presente trabalho empresta desse núcleo comum especialmente as duas
primeiras características e requalifica a terceira. Acredita-se que, assim como o desenho de
um projeto nacional bem delineado conduzido pela intervenção do Estado foi fundamental
para promover as transformações produtivas e/ou tecnológicas necessárias para a promoção
do desenvolvimento em economias avançadas, a promoção de um desenvolvimento
sustentável que é um “desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração corrente sem
comprometer a capacidade das futuras gerações a fazer o mesmo” (WCED, 1987, p. 47)
exigirá essas condições. Exigirá porque o desenvolvimento sustentável, que tem como
condição sine qua non a descarbonização da economia, tem pela frente grandes barreiras
construídas pela queima de combustíveis fósseis; barreiras perpetuadas pelos retornos
crescentes envolvidos com essas atividades e que não desaparecerão no tempo necessário
pelas mãos do business as usual. É preciso, portanto, a intervenção do Estado não somente
guiando investimentos em direção à descarbonização, mas promovendo um “plano nacional”
em que esse objetivo faça parte de um projeto de desenvolvimento econômico.
Ainda é preciso qualificar que esse desenvolvimento sustentável que está sendo
considerado não está de acordo com o padrão de desenvolvimento correntemente presente nas
economias avançadas e muitas vezes vislumbrado pelos países em desenvolvimento. Esse
padrão de desenvolvimento atual foi construído e continua sendo sob o uso intensivo de
combustíveis fósseis e é preciso lembrar que as experiências consideradas
“desenvolvimentistas” não se preocuparam muito com um desenvolvimento sustentável no
sentido ambiental. Por isso, a terceira característica, “a industrialização” precisa ser
requalificada (questão discutida na seção 2.3). Assim, entender o papel do Estado na transição
energética para a descarbonização passa também por rediscutir qual o desenvolvimento
desejado.
Debater qual é a forma de desenvolvimento desejável, todavia, não é o objetivo
principal desse trabalho, mas é impossível não sinalizar algumas discussões presentes. Como
afirmado, em 1972, Meadows et al. apresentavam ao mundo um trabalho projetivo, The
Limits to Growth, que atestava a insustentabilidade do crescimento econômico mediante o
81
padrão de crescimento corrente. Segundo esse trabalho, a escassez de recursos naturais e a
degradação do meio ambiente seriam os principais limitadores do crescimento econômico e os
avanços tecnológicos não seriam capazes de frear as pressões ambientais decorrentes da ação
humana (CORAZZA, 2005). Esse trabalho deu origem à uma polarização do debate entre
otimistas e pessimistas tecnológicos.
Limits to Growth trouxe à tona a discussão acerca do meio ambiente, mas sofreu,
é claro, várias críticas à construção de seu modelo dado que a principal conclusão era a
necessidade de crescimento zero. Na época, a discussão foi muito direcionada pelas respostas
dos pesquisadores da Science Policy Research Unit (SPRU) especialmente representada por
Christofher Freeman que frisavam a possibilidade de escolhas inteligentes para evitar o
cenário catastrófico do modelo de Meadows et al. através do avanço tecnológico. O modelo
do MIT suscitou, como discutido, críticas de pensadores latino-americanos como Herrera et
al. (1976) que apontavam que as hipóteses do modelo World 3 tinham consequências muito
graves para os países em desenvolvimento, dado que sua análise não considerava que o
principal problema da humanidade era a presença de distúrbios sociopolíticos que levavam a
distribuição desigual do poder entre e dentro das nações, prejudicando especialmente parcela
mais pobre da população e não os limites de recursos
Em 1973, em meio ao alvoroço do debate ambientalista, Furtado (1974) também
deu sua contribuição, afirmando em O mito do desenvolvimento econômico que o
desenvolvimento econômico nos moldes dos países avançados não podia ser uma realidade
para os países do Terceiro Mundo e que a generalização desse padrão, como supunha a equipe
do MIT era fisicamente impossível. Mais preocupado em discutir o subdesenvolvimento do
que a questão ambiental, Furtado apresenta uma de suas mais interessantes teses: o
desenvolvimento econômico é um mito, pois existe um limite de recursos naturais não
renováveis que impede que a população da periferia do mundo tenha o mesmo padrão
produtivo e de consumo do centro. Esse limite físico real impediria que catástrofes ambientais
– como as previstas em Limits to Growth – acontecessem.
A partir da tese de Furtado, podem-se fazer duas constatações principais: i) a
afirmação de Furtado quanto à impossibilidade do desenvolvimento nos moldes das
economias avançadas para todo o resto do globo continua sendo uma verdade e ii) não só o
esse modelo de desenvolvimento não é possível para todos, como as evidências hoje presentes
demonstram que esse padrão não será mais possível como um todo, como já apresentado
anteriormente.
82
Mediante essas conclusões, entender como possibilitar a melhora dos padrões de
vida os países menos desenvolvidos aliando a questão ambiental é um grande desafio.
A resposta não é facilmente encontrada e parece ser mais difícil de ser respondida
do que nos anos 1970. Saes e Miyamoto (2012) afirmam que a polarização presente nos 1970
entre otimistas e pessimistas tecnológicos se apresenta hoje menor do que antes, isso porque
há a percepção de que as que as questões são muito mais complexas do que ambos os grupos
imaginavam. As divergências entre a SPRU e o MIT continuam, mas os pesquisadores de
Sussex tem cada vez mais percebido a necessidade do aprofundamento das questões
ambientais e de um novo paradigma que os solucione e os pesquisadores do MIT têm
admitido que se posicionar contra ou a favor do crescimento econômico não é uma postura
suficiente para evitar a catástrofe que seus modelos preveem, já que a complexidade da
questão exige soluções mais elaboradas e as desigualdades substanciais entre os países do
globo não permitem que somente o controle de índices de crescimento ou eficiência possam
ser apresentados como resposta.
2.3 O Sistema de Inovação Sustentável e o Sistema Político de Transição Energética
Um dos grandes desafios da atualidade e das gerações futuras é a promoção de um
desenvolvimento sustentável. Esse desafio tem como um dos principais espaços de ação a
questão energética, mais especificamente a transformação da matriz energética atual. A
infraestrutura energética atual, bastante consolidada, traz altos custos irrecuperáveis e grande
dificuldade de florescimento de alternativas mais sustentáveis, como se ressaltou
anteriormente. Portanto, não é necessário somente suporte às novas tecnologias e empresas
que desejem desenvolver projetos inovadores na área, mas a criação de mercado e apoio na
competição em mercados já existente (HOPKINS; LAZONICK, 2012).
O presente trabalho defende que o papel do Estado deve ser transformado de
modo a entender que não há desenvolvimento quando se ignora a questão ambiental. E que,
dificilmente, a busca por resoluções ou ao menos mitigações dos problemas ambientais se
dará sem um Estado capaz de reunir, regulamentar e coordenar as ações em prol desse
desenvolvimento mais sustentável.
A história tem nos mostrado que transformações sociais e tecnológicas profundas
raramente se dão por forças automáticas do mercado, tendo o Estado um papel vital nesses
processos. A transição em direção a uma economia de baixo-carbono infelizmente não se dará
de maneira automática de acordo com as necessidades do ambiente econômico. Caso o
mercado fosse capaz de incorporar em suas análises os riscos embutidos na continuidade de
83
um padrão de produção e consumo nos moldes atuais, as dezenas de previsões e evidências
científicas quanto à degradação do meio-ambiente já seriam suficientes para promover as
mudanças.
Assim, limitar a ação das políticas públicas às externalidades negativas causadas
pela ação antropogênica no meio ambiente parece não ser o caminho ideal. Quando se trata de
questões em que o retorno social sobre o investimento é maior do que o retorno privado, é
muito difícil esperar que a iniciativa privada sozinha busque soluções.
Entretanto, esperar que o Estado aja somente sobre essas “falhas de mercado”,
seja tentando mitigar os efeitos no estilo end of pipe50 ou apenas financiando pesquisa básica
de forma difusa não levará a uma transformação profunda. Considera-se que o papel do
Estado pode e deve ser maior do que isso, especialmente na questão ambiental em que “o
Estado pode agir como força de inovação e mudança, não apenas reduzindo o risco
econômico para os atores privados avessos ao risco, mas também audaciosamente liderando
[...]” (MAZZUCATO, 2011, p. 3).
A corrente convencional geralmente desencoraja o investimento público por se
basear na tese de que ele impede que o investimento privado seja realizado (crowding-out
system).51 Todavia, no presente caso, existem muitos riscos no cenário econômico que os
negócios não estão dispostos a assumir. Quando o risco é muito elevado, mas a não ação afeta
profundamente o bem-estar social, como na questão ambiental, cabe ao Estado agir, mesmo
em momento de plena utilização da capacidade (ou de não-crise). Portanto, mesmo que a
teoria de crowding-out seja válida, apenas resolver falhas de mercado não é uma opção em
situações de incerteza muito elevada, que impossibilite qualquer ação substancial do mercado.
As in the early stage of IT, biotech and nanotech industries, there is little indication
that the business sector alone would enter the new ‘green’ sector and drive it
forward in the absence of strong and active government policy (MAZZUCATO,
2011, p. 9).
Após a Conferência do Clima de Paris (COP21) (NAÇÕES UNIDAS, 2015), em
que os Estados se comprometeram com metas mais duras de combate às mudanças climáticas
e promoção de energia limpa, grandes corporações anunciaram projetos de desinvestimento
50 Políticas que buscam reduzir os efeitos poluidores no final da cadeia, como por exemplo, filtrar a fumaça de
uma chaminé, sem, entretanto, dar um salto qualitativo resolvendo a raiz daquela poluição. 51 Esse argumento teórico afirma que o aumento dos gastos públicos diminue o incentivo de investimento da
iniciativa privada. Isso porque o setor privado disputaria o mesmo montante de poupança (empréstimos) e uma
maior quantidade de empréstimos do Estado poderia resultar em uma maior taxa de juros, reduzindo a disposição
do setor privado em tomar emprestado e, portanto, investir.
84
em energias fósseis, ações de grandes petroleiras despencaram, entre outros fatores que só
seriam possíveis mediante o comprometimento oficial dos governos com políticas de
descarbonização da economia. É claro que não se pode esperar que daqui para frente essas
transformações sejam facilmente realizadas, mas a sinalização dos governos e a cooperação
internacional é fundamental para que essas ações se mantenham. Isso nem deveria ser
diferente, já que as empresas movem suas decisões de investimento e/ou desinvestimento pelo
cálculo de rentabilidade futura dentro de um patamar aceitável de risco.52
Não se pode, todavia, ter uma visão ingênua da capacidade de ação do Estado.
Segundo Dardot e Laval (2016) a predominância da governamentalidade neoliberal veio
acompanhada de um intenso processo de financeirização da economia, resultante do conjunto
de mudanças da relação entre o setor financeiro e o setor real da economia, ganhando a esfera
financeira cada vez maior destaque. Esse processo vem transformando a capacidade de ação
do Estado, bem como facilitando a seu cooptação por interesses financeiros e essa condição
não foi transformada pela crise de 2008 como esperavam muitos economistas.
Marques Filho (2016) tem uma visão bastante cética da capacidade dos Estados
conseguirem promover as transformações necessárias para evitar um colapso ambiental. Ele
nos lembra de que as condições que permitiram a presença de um Estado com “senso público”
no século XIX e XX – capazes de aprovar leis trabalhistas e ambientais mediante a pressão de
movimento sociais e ambientais – não estão mais postas atualmente.
Segundo Marques Filho (2016) o Estado como “mediador da dinâmica conflituosa
da sociedade” existia a partir uma diferença de identidade entre Estado e corporações que,
desde os anos 1980, vem desaparecendo a passos largos, processo corroborado ainda por três
grandes fatores: i) a maior mobilidade do capital e mercadorias, o que diminui a capacidade
de movimentos ambientais e sociais influenciarem as políticas públicas; ii) a defesa de que o
déficit fiscal e endividamento público dos Estados devem constantemente serem limitados,
que constrangem sua capacidade de investimento e subordina suas políticas à lógica de
mercado; iii) o sistema político tornou-se mais dependente de recursos das grandes
corporações, como o financiamento de campanhas. O Estado seria então um Estado-
corporativo, “de modo que se torna por vezes impossível precisar onde termina o Estado e
52 Novamente fazendo referência à saída dos EUA do Acordo de Paris, existe uma grande preocupação se o
Acordo conseguirá se manter de pé sem o apoio da 2ª maior economia do mundo. Todavia, a divisão política
presente hoje nos EUA pode agir em favor do Acordo, pois nem todos os americanos e seus representantes
federais e municipais parecem concordar com o atual presidente Trump e algumas cidades e Estados estão
declarando apoio individual ao Acordo. Informação disponível em:
<https://www.nytimes.com/2017/06/01/climate/american-cities-climate-standards.html>. Acesso em: 12 ago.
2017.
85
onde começa o grande capital corporativo” e “os Estados não têm mais o poder, nem o
interesse e nem mesmo a percepção de que lhes caberia agir como poder público, em nome da
preservação do mais universal dos bens – o patrimônio natural [...]” (MARQUES FILHO,
2016, p. 33-38).
Essas constatações pertinentes de Marques provocam um debate mais realista dos
limites impostos ao Estado atualmente na atuação de qualquer transformação social e
ambiental. Sem desconsiderar essas limitações, observa-se que a urgência das transformações
necessárias exige uma organização das políticas públicas em direção à questão ambiental.
Alternativas à organização da sociedade atual e do sistema econômico, como propõe
Marques, podem levar mais tempo do que a resiliência53 do meio-ambiente pode suportar.
Mas se as políticas públicas são fundamentais para a promoção de uma economia
de baixo-carbono, quais os desenhos de políticas são necessários para que os objetivos, como
a transição energética, sejam atingidos?
Para responder essa questão, primeiramente precisamos fazer um breve
comparativo com os projetos históricos de desenvolvimento e transformação industrial e
tecnológica que citamos para defender a importância das políticas públicas orientadas para um
fim específico.
Retomando as décadas de 1950-60, temos os mission-oriented projects, que
consistiam em grandes projetos coordenados pelo Estado com o intuito de atingir objetivos
públicos. Esses grandes projetos – por exemplo, a defesa nuclear, programas aeroespaciais,
segurança energética, etc. – tinham o objetivo de desenvolver tecnologias novas em setores
específicos, mesmo que sua difusão afetasse um grande número de setores através dos efeitos
pervasivos dessas tecnologias. Ao contrário, os projetos ambientais precisam ser mais
abrangentes, incluindo muitos atores e setores diversos da sociedade, ou seja, requer uma
abordagem de políticas sistêmicas. Seu controle também é diferenciado dos projetos antigos.
O Estado continua coordenando os novos objetivos, mas as decisões devem ser feitas em
conjunto com uma ampla gama de interessados, bem como os resultados devem ser acessíveis
a toda a sociedade (FREEMAN, 1996, p. 36).
53 Todos os ecossistemas são submetidos às mudanças climáticas graduais e a natureza geralmente absorve essas
mudanças de maneira “suave”. Entretanto, a resiliência, ou seja, a capacidade de um ecossistema permanecer em
um estado estacionário mediante choques é limitada. Estudos científicos têm constatado que a capacidade da
Terra absorver as mudanças abruptas consequentes da mudança climática acelerada pode estar próxima do fim.
A analogia que pode ser feita é com um rio em processos de assoreamento. Quando sedimentos se acumulam no
fundo de um rio por falta de uma mata ciliar protetora, esse processo, com o tempo, levará a formação de bancos
de areia até que em algum momento a água escorrerá para fora. A resiliência faz com que o estado estacionário
permaneça, mas não de forma infinita, dado que a cada adaptação do ambiente, a capacidade futura diminui
(SCHEFFER et al., 2001).
86
O quadro a seguir, retirado de Freeman (1996, p. 37) faz um comparativo entre as
antigas e as novas necessidades dos mission-oriented projects:
Quadro 1-Comparação entre os projetos orientados para uma missão, antigos e novos
Antigos: defesa, nuclear e aeroespacial Novos: tecnologias ambientais
Definição
A missão é definida em termos do número e
dos tipos de resultados técnicos, sem muita
preocupação com sua viabilidade
econômica.
A missão é definida em termos de
soluções técnicas economicamente
viáveis, relativas a problemas
ambientes específicos.
Agentes
Os objetivos e a direção do
desenvolvimento tecnológico pretendido
são previamente definidos por um pequeno
grupo de especialistas
A direção da mudança técnica é
influenciada por uma ampla gama de
agentes, incluindo governos, firmas
privadas e grupos consumidores.
Controle Controles centralizados dentro de uma
administração governamental
Controle descentralizado, com um
grande número de agentes envolvidos.
Difusão das ideias
Difusão dos resultados fora do núcleo de
participantes é de menor importância ou
ativamente desencorajada.
A difusão dos resultados constitui um
objetivo central e é ativamente
encorajada
Grupos
participantes
Apenas um pequeno grupo de firmas pode
participar, devido à ênfase no pequeno
número de tecnologias fundamentais.
Dá-se ênfase ao desenvolvimento de
inovações tanto radicais como
incrementais a fim de permitir a
participação de um grande número de
firmas.
Desenhos das
políticas
Projetos autocontidos, com pouca
necessidade de políticas complementares e
escassa atenção prestada à coerência.
As políticas complementares são vitais
ao sucesso e muita atenção é prestada
à coerência com relação a outros
objetivos.
Fonte: Freeman (1996).
Os novos projetos necessitam criar um ambiente favorável para o
desenvolvimento de alternativas energéticas de baixo-carbono e para isso é necessário a
construção de um sistema de inovação sustentável, ou seja, que favoreça inovações
tecnológicas e institucionais que direcionem o sistema para o uso apropriado dos recursos
ambientais, respeitando seus limites e gerando justiça social. Esses novos sistemas de
inovação precisam conciliar, portanto, a busca por inovações e as questões ambientais.
Geralmente, essas duas questões fazem parte de sistemas distintos, baseados em distintas
análises, tipos de políticas e diferentes racionalidades de intervenção política. O desafio que
se coloca é pensar as políticas públicas de inovação voltadas para atingir objetivos ambientais
(FOXON, ; PEARSON, 2008).
A racionalidade que envolve a intervenção pública em questões ambientais está,
na maioria das vezes, relacionada a duas “falhas de mercado” que, grosso modo, envolvem a
não disponibilidade das firmas em investirem no desenvolvimento de conhecimento com
87
retorno social maior que privado e na tentativa de “internalizar” os impactos ambientais não
precificados na economia (as externalidades negativas).
Essa abordagem desconsidera, em primeira instância, a inter-relação entre as duas
esferas, ou seja, desconsidera a relação tecnológico-institucional que envolve as decisões das
empresas e que estão dentro de um lock-in tecno-institucional, como discutido. Como
consequência, essas duas “falhas” são, em grande parte das vezes, combatidas por políticas
públicas distintas – ou voltadas à inovação ou voltadas às políticas ambientais (FOXON;
PEARSON, 2008).
Além dessa separação, essa abordagem considera “linear” o ambiente de
inovação, dando origem a políticas limitadas a incentivar o P&D em tecnologias limpas,
enquanto espera que isso seja suficiente para que elas cheguem ao mercado. Também o foco
limitado às externalidades negativas estreita as ações, geralmente estimulando ações
adaptativas das firmas (como políticas do tipo end-of-pipe) ou favorecendo somente
tecnologias que já estão próximas de um estado de comercialização, não permitindo o
florescimento ou desenvolvimento de um maior leque de alternativas (FREEMAN, 1996).
Parece, assim, uma alternativa interessante aliar a ideia de sistemas nacionais de
inovação, apresentada anteriormente, com a necessidade de promover a inovação sustentável.
Essa conciliação resultaria na criação de um regime político de inovação sustentável
(FOXON; PEARSON, 2008). Por meio dela, a concepção da complexidade do processo de
inovação – levando em conta sua dinâmica não-linear e incerta – seria contemplada no projeto
de transição para uma economia de baixo-carbono.
Apesar de recente, essa ideia de um regime político de inovação sustentável vem
obtendo algum desenho teórico nos últimos anos, sendo construída simultaneamente com
algumas experiências de busca pela transição energética. Foxon e Pearson (2008) apontam,
através das experiências de alguns países, especialmente a Alemanha, Nova Zelândia e Reino
Unido o que pode ou não caracterizar esse regime. As constatações quanto ao regime político
de inovação podem ser resumidas, por ora, em termos gerais, nos seguintes elementos:54
1) Possui o objetivo explícito de promover inovação sustentável. Isso exige a
construção de conhecimento em inovações e políticas públicas sistêmicas,
dentro de um processo dinâmico em que a incerteza deve ser enfrentada e não
se tornar uma desculpa para a inação. Para isso, a formulação de metas claras e
de longo-prazo pelos policy-makers é essencial;
54 Esse “guia” geral dos sistemas nacionais de inovação sustentável foi retirado de Foxon e Pearson (2008).
88
2) Busca promover mudanças sistêmicas nas tecnologias, sistemas institucionais e
sociais correntes a fim de permitir que metas de longo-prazo sejam atingidas e
não barradas pelo lock-in do carbono.
3) Há necessidade da presença de um mix de instrumentos políticos que possam
permitir a paciência necessária para o desenvolvimento de novas tecnologias
que vão desde instrumentos de mercado (taxas, licenças negociáveis) para
internalizar as externalidades ambientais, o incentivo ao desenvolvimento
científico de alternativas de baixo-carbono (contratos de P&D, etc.) até a
criação de nichos de mercado55 para que as novas tecnologias tenham tempo
hábil de se desenvolverem e reduzirem seus custos para competirem com as já
estabelecidas.
A existência de metas claras e de longo-prazo é o primeiro grande passo de um
sistema de que se pretende promover uma transição sustentável. Essas metas devem ser
guiadas por avaliações de custos e benefícios econômicos, sociais e ambientais, bem como
estudos sobre o desenvolvimento tecnológico e de institucional necessários para que as metas
colocadas sejam atingidas. Entretanto, devido à incerteza inerente a esse processo, a
formulação de metas deve ter também um forte componente participativo e deliberado das
políticas públicas, como visto.
A complexidade da transição para regimes mais sustentáveis exige também que a
abordagem de políticas seja sistêmica. No lugar da estratégia de “falhas de mercado” a
intervenção pública deve ser baseada nas “falhas sistêmicas”, isto é, a identificação de
barreiras sistêmicas à transição em que o governo deve atuar. Foxon e Pearson (2008, p. 157)
identificam quatro delas: i) falhas de infraestrutura, provisão e investimento que se referem às
infraestruturas que são embebidas de grande incerteza e longos períodos de operação
impossibilitando o provimento de investimentos privados, como por exemplo, a infraestrutura
energética e de comunicação, de ciência e tecnologia (universidades, centros de pesquisa e
agências regulatórias) que exigem a intervenção e investimento público para seu provimento;
ii) falhas de transição que fazem referência às dificuldades das firmas existentes em
responder à mudança tecnológica (mudança de padrão de demanda ou grandes alterações de
regimes e paradigmas tecnológicos) que necessitam de políticas públicas para ajudar as
55 Alguns estudiosos da transição energética de baixo-carbono como Foxon e Pearson (2008) acreditam que a
criação de nichos de mercado é a principal medida para possibilitar a transição. Política que será discutida
adiante.
89
empresas a promover as transformações e/ou incentivar e criar mercado para novos entrantes;
iii) falhas de lock-in que aprisiona o sistema em tecnologias estabelecidas e impede que novas
tecnologias concorram, o que exige um gama de incentivos públicos para as novas tecnologias
e novos sistemas tecnológicos a fim de romper essas barreiras; iv) falhas institucionais que
também fazem parte do lock-in tecnológico e representam o conjunto de instituições públicas,
sistemas regulatórios e políticos que impõem barreiras às novas tecnologias.
Para endereçar essas falhas, é necessário um conjunto de políticas que possam não
somente promover aprendizado das novas tecnologias, mas criar redes de conhecimento e
expectativas futuras positivas de mercado (FOXON; PEARSON, 2008). O ponto 3, das
características de um Sistema Nacional de Inovação Sustentável pode ser aprofundado pela
necessidade de uma estratégia industrial de baixo-carbono, ou seja, dentro desse sistema, há a
necessidade de “um conjunto de ideias que influenciam o formato e a construção de políticas
relacionadas à produção e ao consumo” (BUSCH; FOXON; TAYLOR, 2017, p. 7). Esse
grande conjunto de ideias chamado “estratégia industrial” depende da maneira como o papel
do Estado é construída, como trabalhado em seção anterior, e é constituído pelas políticas
industriais que descrevem as formas específicas de intervenção que o governo deve utilizar
para adotar tal estratégia.
A estratégia industrial de baixo-carbono deve conter um conjunto de objetivos
estratégicos concernentes à redução das emissões, ao interesse público (desenvolvimento
econômico, bem-estar social), bem como indicar e/ou escolher tipos de atividades econômicas
que são tidas como fundamentais para os objetivos estabelecidos. A estratégia industrial de
baixo-carbono deve criar e moldar mercados, ou seja, o papel do governo em identificar e
ajudar na identificação de setores industrial chaves no processo de transição dada a
consideração de que a mudança tecnológica não é automática, é o primeiro passo
fundamental.
As políticas industriais presentes no sistema nacional de inovação sustentável
devem ser desenhadas a partir de um projeto orientado para uma missão como afirmado por
Freeman (1996) e devem fazer parte de um conjunto de políticas diretamente desenhadas para
o desenvolvimento de novos mercados (desde seu desenvolvimento científico até a sua
difusão), mas também capazes de regulamentar mercados existentes e emergentes. Dividiu-se
aqui essas políticas, grosso modo, em políticas de demanda e oferta. A próxima seção buscou
listar alguns exemplos de políticas existentes.
90
2.3.1 Políticas Públicas para a Transição Energética
Antes de analisar duas experiências correntes de transição energética, objeto do
terceiro capítulo, pretende-se identificar na literatura os diversos tipos de instrumentos
políticos que são ou que possam vir a ser utilizados pelas economias que desejam promover
uma transição energética de baixo-carbono. Esses instrumentos serão apresentados aqui de
forma isolada, ou seja, sem levar em conta nesse momento o arranjo sistêmico necessário para
caracterizar um sistema de inovação sustentável. O intuito aqui é analisar os principais
instrumentos conhecidos que possam fazer parte de projetos reais de transição.
As políticas foram divididas em três grandes grupos: políticas de demanda,
políticas de oferta e outras. O agrupamento dessas políticas foi realizado levando-se em conta,
especialmente, se elas atuam sobre o padrão de demanda e tendem a não alterar o padrão
existente ou se atuam especialmente sobre o padrão de oferta, alterando as estruturas
existentes. As demais são políticas que não se encaixam em nenhum os dois grupos
anteriores.
2.3.1.1 Políticas de Demanda
Políticas de demanda foram aqui consideradas o conjunto de políticas públicas
que se utilizam de órgãos reguladores, poder legislativo e/ou instrumentos econômicos para
“moldar” o padrão de demanda de energia. Esse conjunto de políticas não estabelece uma
intervenção direta na oferta de energia, mas estabelece normas energéticas e/ou ambientais
que podem ou não afetar qualitativamente as estruturas ou mesmo se utiliza de taxas,
subsídios e isenções que se encontram no lado da demanda.
Algumas críticas a essas políticas têm origem justamente nessa natureza. Apesar
de fundamentais, elas não se mostram suficientes para a promoção da transição energética
necessária, pois tendem a atuar sobre estruturas já consolidadas, não incentivando mudanças
qualitativas que surgiriam com novas estruturas de baixo-carbono, além de considerar, muitas
vezes, que a mudança virá de um pequeno diferencial de custos – desconsidera a
complexidade do lock-in do carbono – ou de uma sugestão do Estado ou da comunidade
internacional. Há décadas, milhares de políticas energéticas de demanda vêm sendo
implantadas em vários países, partindo da tese principal de que elas seriam suficientes para
“empurrar” a iniciativa privada para novos investimentos mais limpos.
Muitos [...] esquecem que até que as turbinas e painéis solares fotovoltaicos possam
produzir energia a um custo igual ou inferior ao dos combustíveis fósseis,
provavelmente continuarão a ser tecnologias marginais que não conseguem acelerar
a transição necessária para aliviar a mudança no clima [...] O apoio do Estado para
91
as energias limpas deve continuar até que elas superem a vantagem dos custos
irrecuperáveis das tecnologias existentes, e em alguns casos esses custos
irrecuperáveis levam um século. (MAZZUCATO, 2011, p. 159).
Consideradas suas limitações, as políticas de demanda atuam de forma
complementar às demais políticas – especialmente as de oferta – tendo um caráter
fundamental nesse processo, sendo importantes para estabelecer uma direção tecnológica.
Os sub-grupos de políticas de demanda destacados aqui atuam basicamente em
duas frentes: normas e leis que afetam indiretamente o portfólio de produção das empresas de
energia; instrumentos econômicos que afetam, especialmente, a demanda secundária e final de
energia (leia-se a eficiência energética e o consumo de energia final por produtores e
consumidores finais).
Os principais tipos de políticas indiretas/ regulatórias são as seguintes:
1) Metas de redução de gases do efeito-estufa
São metas estabelecidas por cada país (ou por um bloco deles, como a União
Europeia) que se comprometem com a redução das emissões nacionais de
gases do efeito-estufa. Geralmente, essas metas estão alinhadas com grandes
negociações e acordos internacionais como o Protocolo de Quioto e, mais
recentemente, o Acordo de Paris. São fundamentais para sinalizar aos agentes
a direção das políticas nacionais e internacionais no médio e longo-prazo e
são consideradas o ponto de partida das demais políticas. A partir dessas
metas, os países estabelecem ou deveriam estabelecer ações concretas nos
planos nacionais.
2) Sistema de cotas para energias renováveis e metas de capacidade instalada
para energias renováveis
A partir da definição de metas para a redução dos gases do efeito-estufa, as
ações podem ser voltadas para várias frentes, especialmente para o estímulo à
produção de energia renovável. O sistema de cotas para energias renováveis é
um tipo de política que estabelece que um percentual mínimo (que varia de
1% a 20%) de toda a energia comprada pelas concessionárias de energia seja
proveniente de fontes renováveis. As empresas que cumprem essas metas
podem ser certificadas e essas certificações podem ser vendidas para outras
empresas que não conseguiram atingir o percentual mínimo.
Esse tipo de política tem sido largamente utilizado na Europa e nos Estados
Unidos e tem suscitado algumas críticas que provêm de sua natureza. A
92
determinação de um percentual mínimo não estimula, necessariamente, a
mudança qualitativa da infraestrutura energética e acaba, muitas vezes, se
aproveitando de tecnologias renováveis já comercialmente mais avançadas,
não promovendo avanços em outras possibilidades tecnológicas (FOXON;
PEARSON, 2008).
Além dos sistemas de cotas, cabe aos governos traçarem metas, em nível
nacional, para a capacidade instalada de cada energia renovável, como forma
de sinalizar e direcionar os investimentos.
3) Imposto de carbono
O imposto de carbono é uma maneira de “internalizar” os custos não
contabilizados provenientes das externalidades negativas geradas pelo uso de
energia intensiva em carbono. É uma forma de limitar a poluição, cobrando
uma taxa sobre a produção, distribuição ou uso final de combustíveis fósseis
a partir da quantidade de carbono que essa atividade libera na atmosfera. O
Estado decide um preço por tonelada de carbono56 e o converte em imposto
sobre diversas atividades (como o uso de gás natural ou petróleo, ou mesmo
sobre eletricidade gerada por combustíveis fósseis).
Existem grandes benefícios da aplicação de um imposto dessa natureza, como
a redução imediata de emissão, aumento da competitividade de combustíveis
alternativos e previsibilidade econômica, já que, diferentemente das políticas
de limitação e negociação de emissões, o preço da tonelada do carbono não
varia conforme mudanças econômicas e climáticas, dando alguma
previsibilidade maior aos investimentos. Além disso, os recursos arrecadados
pelo governo podem ser direcionados para projetos sustentáveis dos mais
diversos tipos.
Entretanto, alguns inconvenientes podem ocorrer nesse tipo de política.
Apesar de a taxação poder ocorrer em diferentes pontos da produção e do
consumo, esse custo “extra” é direta ou indiretamente repassado ao
consumidor final, o que pode gerar conflitos entre questões ambientais e
consumo de bens e serviços. Além disso, não necessariamente, um imposto
sobre o carbono significa uma mudança qualitativa da infraestrutura
56 O preço da tonelada de carbono varia conforme a fonte (gás natural, carvão, petróleo). Para refletir de maneira
justa os impactos de cada combustível, o preço se baseia em unidades calóricas de BTU, unidade de medida
padronizável e mensurável. O preço seria maior quanto mais “sujo” o combustível.
93
energética. Sabe-se que o investimento e o uso de energia fóssil se mantêm
não somente por um diferencial de custos, mas por barreiras institucionais
consolidadas que, em contrapartida, também alimentam custos mais baixos. A
medida seria, assim, uma política complementar a outras ações. Por esse e
outros conflitos, o imposto do carbono não é uma medida amplamente aceita
pelos Estados, sendo sua aplicação causa de diversos debates entre os
especialistas.
4) Metas de intensidade energética
As metas de intensidade energética buscam reduzir a intensidade energética
(IE) – índice que mede a quantidade de energia utilizada para cada dólar do
PIB e promover um melhor uso dos recursos energéticos, como mencionado
no primeiro capítulo. As metas de intensidade energética são, assim como as
metas de redução de emissão de gases, grandes sinalizadores de médio e
longo-prazo da direção buscada pelos governos, mas não funcionam sozinhas,
tendo que desencadear políticas que transformem em realidade as metas
colocadas, como o incentivo a processos e produtos mais eficientes. Dentre
elas estão incentivo do consumo de produtos energeticamente mais eficientes.
Uma maneira de moldar o consumo em direção a padrões mais sustentáveis é
promovendo políticas que levem ao consumidor final a possibilidade de
escolher produtos energeticamente mais eficientes. A rotulagem de produtos
(certificações, selos) que explicitem o consumo de energia dos produtos, bem
como mecanismo fiscais de financiamento e isenção de impostos para esses
produtos podem impulsionar o mercado a produzi-los. Essa é um tipo de
política indireta bastante consolidada e utilizada por vários países, mas que
promove mudanças marginais no padrão de consumo, muito aquém das
transformações qualitativas necessárias.
i. Incentivos à eficiência energética na indústria
Existem alguns mecanismos que podem incentivar a busca pela eficiência
energética nos processos produtivos: auditorias e relatórios de avaliação voltados a
dimensionar os efeitos produtivos de cada firma e apontar as áreas com maiores ganhos
potenciais de eficiência (IEDI, 2011). Nos EUA, o Departamento de Energia (DOE) realiza
esse tipo de procedimentos em setores específicos e tem exercido uma pressão crescente nas
organizações para que se preocupem com os impactos de suas atividades – da produção ao
94
pós-consumo – e busquem estabelecer metas de redução do consumo. Essas medidas
geralmente vêm acompanhadas de recompensas para as empresas que cumprirem as metas
e/ou punições para que as não obtiverem êxito.
Outro mecanismo – aplicado na China – é a negociação de incentivos fiscais para
que as empresas consigam atingir metas de eficiência energética, mediante monitoramento
constante das mesmas (e punições bastante severas, no caso chinês).
ii. Promoção de eficiência energética em construções novas e antigas
Dentro das possibilidades de melhoramento da eficiência energética, pode-se
encontrar desde a promoção de construções energeticamente mais eficientes e a adaptação de
edificações antigas para tal propósito. Um dos principais mecanismos para tal objetivo é o uso
de legislação e regulação que estabelecem códigos para obras. Os códigos para obras são leis
que determinam o que deve ser respeitado na elaboração de projetos arquitetônicos e devem
incluir o processo de construção e operação das construções.
Esses códigos envolvem a utilização mais racional de recursos para a construção
(matérias-primas ambientalmente melhores) e, principalmente, a fase de operação das
construções, ou seja, de seu funcionamento. Nessa fase, o foco são tecnologias que diminuam
o gasto com energia ao longo da vida útil das edificações, utilizando de luminosidade natural,
ventilação natural e isolamento térmico, reaproveitando água da chuva, utilizando de sistemas
de energia solar, podendo chegar à autossuficiência de residências (IEDI, 2011).
O sucesso desses códigos depende, especialmente, de duas variáveis: a formação
adequada de arquitetos e engenheiros que entendam a importância dessas modificações e a
força da legislação que estabelece esses códigos. Além desses fatores, outra forma de garantir
os investimentos em eficiência enérgica nas edificações é por meio de isenções e/ou reduções
de impostos para a cadeia de suprimentos de construção e para as edificações. Ademais, esses
incentivos têm o poder de sinalizar ao mercado a direção de novos investimentos na área da
construção (IEDI, 2011).57
Essas adaptações e novas construções mais sustentáveis devem incluir também as
edificações públicas que deve inserir na construção de prédios públicos e licitações padrões
mínimos obrigatórios de eficiência energética.
iii. Estímulo à eficiência energética nos transportes
57 Projetos do tipo podem ser encontrados na França, Espanha, Alemanha, China que estabeleceram incentivos
para o financiamento facilitado de adaptações de edificações antigas em conjunto com incentivos à energias
renováveis e produtos verdes.
95
Políticas direcionadas à mobilidade urbana como a priorização do transporte
público e de veículos que utilizam energias mais limpas são essenciais para atingir o objetivo
de eficiência energética.
Dentre os mecanismos possíveis estão a redução de tributação sobre automóveis
com baixos níveis de poluição e/ou tributação sobre os automóveis mais poluidores, nos
moldes do que foi instituído no Japão desde 2001. A aplicação de subsídios para o
desenvolvimento e produção de carros híbridos, elétricos, movidos de etanol e de outras
alternativas limpas também faz parte de um projeto que pretenda o uso de energia final mais
limpa.
iv. Estímulos à eficiência energética na transmissão, distribuição e consumo de
eletricidade na rede
O estímulo à eficiência no setor elétrico pode ser feito em duas frentes:
minimização das perdas de energia em estruturas já operantes e por meio da reorganização e
construção de sistemas de redes inteligentes, as smart grids.
A perda de eficiência no processo de transmissão e distribuição de energia se dá,
especialmente, por dois aspectos: i) a perda técnica, referente às limitações físicas da rede e ii)
por fraudes e adulteração de medidores. Minimizar esses percalços no processo levam a um
menor peso na necessidade de geração de energia elétrica e esse efeito não é marginal. Em
2015, a perda de distribuição registrada pela Associação Brasileira de Distribuidores de
Energia Elétrica (ABDEE) para o Brasil foi de 13,5% do total de energia distribuída.58
Entretanto, as iniciativas de mais destaque – por aliarem-se à necessidade de
descentralização exigida pelas energias mais limpas – são aquelas relacionadas à pesquisa e
desenvolvimento de smart grids.59
2.3.1.2 Políticas de Oferta
As políticas de oferta são consideradas o conjunto de políticas que representam
uma intervenção do Estado mais direta na oferta de energia. São tipos de políticas que atuam
especialmente sobre a estrutura de oferta, permitindo a geração de novas estruturas ou
transformação qualitativa de estruturas existentes. Essas políticas vão desde o investimento
em pesquisa até a difusão da tecnologia e várias delas atuam como criadoras de mercado para
as novas tecnologias.
58 Dados na página da ABDEE. Disponível em: <http://www.abradee.com.br/setor-de-distribuicao/perdas/furto-
e-fraude-de-energia>. Acesso em: maio 2017. 59 O primeiro capítulo traz a explicação do que são smart grids.
96
Políticas do lado da oferta são importantes para pôr o discurso em prática,
financiando as empresas direta ou indiretamente por meio de subsídio de
crescimento do mercado ao longo prazo, esperando que ele acelere a formação de
empresas inovadoras [...] (MAZZUCATO, 2011, p.161).
As políticas de oferta são bastante utilizadas pelos governos que pretendem
promover uma transformação tecnológica. Imbuída de uma lógica de longo prazo, esse tipo de
política pode proporcionar às novas tecnologias recursos e tempo hábil para se
desenvolverem, reduzirem custos e incerteza e competir no longo prazo com as estabelecidas
Alguns especialistas defendem, inclusive, uma política sistêmica de nichos que configuram
mercados de “teste”, protegidos e incentivados pelo governo como forma de promover a
transição para novas estruturas (KEMP, 2000; FOXON; PEARSON, 2008).60
As principais políticas de oferta consideradas são:
1) Garantias de preço ao produto de energias renováveis (tarifas feed-in)
É um mecanismo que garante que o produtor de energias renováveis possa
vender a energia a um preço fixo contratado por um período de tempo
determinado (que tem variado entre 5 a 20 anos). Parte dos custos é assim
pulverizada entre os consumidores, não sendo arcada somente pelos produtores
de energia renovável, o que representa um grande incentivo para a produção. É
um dos instrumentos mais conhecidos (implantados por mais de 40 países) e
utilizados para incentivar a produção de energias limpas e uma das principais
políticas utilizadas nas estratégias de nichos.
Elas podem ser tarifas fixas ou prêmio. As tarifas fixas dão a garantia de preço
mínimo de energia elétrica às produtoras independente das variações do
mercado de eletricidade. Já as tarifas prêmio pagam ao produtor um valor
adicional acima daquele de mercado, as quais variam de acordo com fatores de
mercado, incorporando os riscos referentes à variação dos custos de produção,
entre outros.61
O preço ou prêmio devem cobrir os custos de produção, mas também
proporcionar um lucro atraente para os produtores, além de repassar ao
consumidor um adicional que não seja muito alto.
60 A estratégia de criação de nichos será discutida dentre as políticas de oferta. 61 O pagamento de prêmios no lugar do estabelecimento de tarifas fixas é, inclusive uma evolução a partir das
críticas feitas às tarifas feed-in. Preços fixos trazem mais dificuldades de refletir mudanças nos custos de
produção das tecnologias renováveis. Esse tipo de política criada na Alemanha e seus desenvolvimentos são
tratados com mais detalhamento no terceiro capítulo.
97
De forma geral, o estabelecimento da tarifa fixa ou do prêmio dependem do
tipo de energia, tamanho e localização da produção. Além disso, existem
algumas implementações que promovem garantias de acesso a redes elétrica,
para que a energia de geração possa ser distribuída. Alguns países também
colocam obrigações de compra dessa energia injetada no sistema (KLEIN et
al., 2006; MENDONÇA; JACOBS, 2009).
As tarifas feed-in diminuem a incerteza devido a estabilidade financeira que
proporciona aos investidores a partir dos contratos de compra e venda, bem
como as possíveis garantias de acesso à rede e de venda preferencial de
energia. Além de incentivar muito a produção de energias renováveis, essa
medida tem sido uma grande aliada do planejamento energético dos países que
a adotam por ser um grande instrumento de realização de metas de energia
renovável estabelecidas pelos países.
2) Sistemas de licitação e leilão
Os processos de licitação e leilões podem ser usados também para apoiar os
beneficiários em termos de investimento, produção ou outros direitos limitados
– locais para a produção eólica, solar, etc. Antes dos processos de licitação,
devem ser selecionados e determinados os critérios quanto ao nível desejado de
nova energia gerada, a potência a ser instalada por cada fonte de energia
(eólica, solar, hidrelétrica, etc.), taxa de crescimento de cada energia gerada,
entre outros parâmetros que podem auxiliar no cumprimento de metas de
crescimento de geração de energia mais limpa. O grande ponto negativo de
processos de licitação é que acaba não atraindo grandes investimentos pela
própria característica instável e de longo-prazo do setor e a não efetivação dos
projetos cumpridos, o que necessita amplo acompanhamento e avaliação dos
órgãos públicos (GREENPEACE BRASIL, 2008)
No sistema de leilões o regulador define previamente as reservas de mercado
que serão leiloadas para uma determinada quantidade de energia renovável. Os
produtores realizam propostas que são classificadas em ordem crescente de
custos até que o total da reserva de mercado seja atingida. Com os preços finais
dos leilões se elaboram contratos de longo prazo com garantias de pagamento
de energia para cada produtor de energia renovável. Podem ser realizados para
98
a construção de projetos específicos ou para suprir uma capacidade fixa de
energia renovável em um país ou Estado (GREENPEACE BRASIL, 2008).
3) Subsídios, incentivos fiscais e linhas de financiamento especiais para
energias renováveis
Os subsídios, incentivos fiscais (isenções tributárias, créditos fiscais) e
empréstimos a taxas favorecidas são um dos instrumentos bastante importantes
para possibilitar a superação de barreiras impostas pelas estruturas já
estabelecidas e tornam realidade políticas de demanda como o sistema de cotas
e metas de capacidade instalada de energias renováveis. Isso por possibilitarem
que o custo inicial elevado de novos projetos, como a produção de energia
renovável, sejam, pelo menos em parte, reduzidos. Eles podem ter diversos
arranjos e níveis de incentivo, mas são largamente utilizados por países que
têm metas ambiciosas de transição energética.
É interessante e importante que os subsídios, incentivos fiscais e financiamento
especial se estendam a toda a cadeia de componentes e que sejam
arbitrariamente direcionados pelo Estado. É preciso que o aporte de recursos
facilitado pelo Estado seja alocado realmente na produção de energias
renováveis, sendo necessária a exigência de aprovação de projetos e de
resultados.
Um grande aliado em vários países para a concessão de financiamento
facilitado têm sido os bancos públicos que podem providenciar recursos de
longo-prazo e juros bem menores do que os bancos comerciais, algo essencial e
determinante para o sucesso de projetos mais arriscados.
Os instrumentos mencionados podem ser aliados a pagamentos por produção
de energias renováveis. Além de receber incentivos para construir novas usinas
de energia renovável, os produtores podem ter apoio financeiro posterior na
fase comercial dessa energia. Eles podem ser feitos por pagamentos diretos por
kWh gerado.
Políticas de crédito fiscal são utilizadas nos EUA, no Canadá, República
Tcheca, Reino Unido, Alemanha, Finlândia, entre outros.
4) Apoio à pesquisa e desenvolvimento em energias renováveis, eficiência
energética
99
O apoio à pesquisa e desenvolvimento de energias limpas e eficiência
energética são parte importante do processo de transição energética.
Paralelamente à difusão de tecnologias mais maduras, deve-se fomentar a
pesquisa em alternativas que estão na franja do conhecimento, bem como no
aprimoramento de tecnologias mais consolidadas. Programas governamentais
específicos de P&D para a energia limpa que destinam recursos pré-
determinados diretamente a esse fim têm sido utilizadas por alguns países
como Alemanha, França, Espanha, China, Coréia do Sul, Japão Estados
Unidos, entre outros. No que tange ao P&D, o Estado pode atuar desde a
pesquisa básica e aplicada até a demonstração em energias renováveis através
de projetos-piloto que permitem testar as novas tecnologias em menores
escalas possibilitando aprendizado, redução de custos, aprimoramento e
prospecção para escalas maiores.
Além de programas específicos direcionados ao P&D em energias mais limpas
e eficiência energética, alguns países estão criando fundos públicos voltados
especialmente para esse fim. A criação de fundos públicos é politicamente e
juridicamente mais complexa e deve ser constitucionalmente planejada, mas se
mostra bastante interessante por prover uma fonte específica de longo-prazo
para a transição energética.
5) Criação de nichos de mercado
A criação de nichos de mercado não pode ser caracterizada como uma única
política, mas sim como um gama de políticas integradas a fim de permitir o
desenvolvimento e difusão de uma determinada tecnologia. Um programa
governamental de transição energética deve se utilizar dos nichos de mercado
como um dos principais instrumentos para possibilitar o florescimento de
alternativas de baixo-carbono. Por meio de políticas públicas coordenadas que
mudem os custos marginais de determinadas tecnologias, com metas claras de
redução de emissões de gás-carbônico, mas principalmente através da
formulação de metas de longo-prazo e de redes de suporte as novas trajetórias
tecnológicas, esses nichos podem permitir a redução das incertezas quanto à
viabilidade desses novos projetos que seriam de outra forma, evitados. Esse
conjunto de políticas voltadas à criação de nichos permite inclusive entender
mais profundamente que tipos de barreiras (econômica, técnica, social e
100
institucional) impedem que essas tecnologias compitam em um ambiente de
mercado e dá espaço e tempo para que elas possam se desenvolver, criar
retornos de aprendizado e reduzir custos (KEMP, 1994).
2.3.1.3 Outras Políticas
Novamente, é importante lembrar que as políticas não podem ser totalmente
separadas e a divisão realizada aqui é para uma sistematização didática. Por isso, alguns
fatores mais complexos, que estão presentes nos diversos tipos de políticas listadas, serão
colocadas separadamente das demais em “outras políticas”. Esses fatores são podem ser
chamados de “vínculos sociais”, que “são influências que delimitam os tipos de tecnologias
tanto social quanto economicamente viáveis” (SCHOT, 1994 apud FREEMAN; SOETE,
2008, p. 713).
1) Programas educacionais
Para que as transformações necessárias ocorram é preciso ter mão-de-obra
qualificada e não só qualificada, mas com consciência dos problemas
ambientais. A inclusão de cursos em profissões estratégicas (engenheiros,
gestores, economistas, etc.) que tratem o meio-ambiente e a transição
energética como uma demanda presente e futura pode impulsionar a
emergência da gama de profissionais capazes de endossar metas colocadas pelo
governo através das demais políticas públicas.
Os programas educacionais que coloquem em destaque a questão ambiental
não devem, é claro, se restringir ao ensino superior e podem e devem ser
introduzidos no ensino primário e secundário, permitindo aos alunos o contato
com os problemas e percepção das consequências da ação humana sobre o
meio-ambiente, bem como das alternativas possíveis.
2) Apoio às organizações públicas e privadas que exerçam papel regulador
sobre o setor privado e público
Além da implantação de metas de redução de emissões de gás-carbônico e de
eficiência energética, é importante a criação de organizações e fortalecimento
das já existentes (agências, secretarias, ministérios, institutos de pesquisa,
ONG’s, etc.) que promovam pressão sobre empresas e governos para que os
objetivos ambientais sejam de fato buscados e atingidos e também divulguem
conhecimento e informação dos problemas a serem enfrentados e do papel que
a sociedade pode exercer em relação aquilo que a afeta diretamente. Além
101
disso, essas organizações podem auxiliar no processo de autocrítica da
sociedade no que tange ao padrão de produção e consumo contemporâneos que
se tornam cada vez mais insustentáveis e que para serem transitados a um
padrão ambientalmente melhor precisam contar com a disposição social de
mudança.
2.3.2 Além das Políticas Públicas: a transformação de “baixo para cima”
Mencionou-se algumas vezes nesse trabalho que muito provavelmente o maior
desafio presente em relação ao lock-in do carbono não seja o de estimular tecnologias mais
limpas, como as energias renováveis ou tecnologias que promovam a eficiência energética,
mas mudar profundamente a maneira como a energia é utilizada.
A “infraestrutura social” talvez seja, segundo Elliott (2000), o mais complexo
fator de mudança. Para que uma tecnologia se desenvolva de fato, ela tem que ser bem aceita
pela sociedade, especialmente devido ao impacto em escala global que a saída das tecnologias
energéticas convencionais acarretaria.
O uso de energias renováveis poderia exigir mudanças do uso da terra e também
levar a uma descentralização da geração de energia, muito mais pautada em suprir
necessidades locais a partir de fontes locais de energia. Esse tipo de mudança pode, por
exemplo, provocar uma redistribuição de localidades das indústrias de acordo com a
disponibilidade de energia, o que poderia causar impactos econômicos gigantescos para
determinadas regiões, além é claro dos impactos locais relacionados à instalação, por
exemplo, de turbinas eólicas que podem se tornar um incômodo real para populações que
vivem em seu entorno (ELLIOTT, 2000).
Mencionou-se que as energias renováveis podem ser entendidas como parte de
uma estrutura maior, um paradigma mais sustentável, no qual tanto as tecnologias quanto os
padrões institucionais e sociais devem ser transformados a partir do objetivo de transitar para
uma economia de baixo-carbono. Assim, tecnologias mais limpas como as renováveis só
fazem sentido em um cotexto de significativa mudança social, isto é, da mudança do estilo de
vida, dos padrões de consumo e isso pode representar um grande obstáculo. A geração e uso
da energia são fundamentais para a sociedade e representam os padrões de produção e
consumo.
The key question is therefore, what scale of social change is likely to be needed to
achieve an environmentally sustainable future? [...]From the purely ‘technical fix’
point of view, a move to energy sustainability would seem to be technically feasible
without the need for significant social change. (ELLIOTT, 2000, p. 268).
102
A grande dificuldade é que a sociedade continua a acreditar que a postura de
combate pessoal às mudanças climáticas continua a se limitar à economia de energia
doméstica (e demais recursos naturais, como água) e à reciclagem de materiais. Entretanto,
parece cada vez mais provável que a mudança de um padrão de consumo seja de fato
necessária. Dentre essas mudanças, pode-se ressaltar o padrão de transporte individual como
um dos mais relevantes, mas também o consumo de roupas,62 alimentos, eletrodomésticos e
eletrônicos de forma mais sustentável, o que pode acarretar mudanças significativas no modo
de vida de parte crescente da população mundial, especialmente a dos países industrializados.
Caso os problemas ambientais sejam de fato enfrentados, dificilmente os hábitos de consumo
e produção correntes sairão ilesos desse processo.
Portanto, políticas de oferta e demanda para incentivar o desenvolvimento,
comercialização e difusão de energias renováveis e produtos e processos energeticamente
mais eficientes não podem ocorrer de forma separada da conscientização da gravidade do
problema e das possibilidades reais de uma mudança social profunda.
62 Especialmente em relação ao consumo de roupas, existe um debate concernente não só a questão ambiental,
mas moral da produção do que se chama de fast fashion. Esse padrão de produção dominante na moda que tem
como mote a produção da maior quantidade de peças, em menor quantidade de tempo e pelos menores custos
envolve grandes problemas ambientais como a produção cada vez maior de peças descartáveis que aumentam as
quantidades de resíduos produzidos, mas também sociais como precarização do trabalho e inclusive uso de
trabalho escravo.
103
CAPÍTULO 3
ALEMANHA E CHINA: DESENHOS DO SISTEMA POLÍTICO PARA A
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
Discutiu-se até aqui que as mudanças tecnológicas se configuram como
fenômenos complexos que não dependem somente de questões técnicas de um conjunto de
tecnologias, mas envolve uma face institucional ainda mais profunda. Discutiu-se também que
as sociedades capitalistas estão presas no que se chama de lock-in do carbono e que sua
quebra depende da ação ativa de governos não somente mediante a importante cooperação
internacional, mas também por políticas domésticas indispensáveis para que a transição para
uma economia de baixo-carbono se dê de forma mais aceleradas. Para isso, foram ressaltados
o papel dos Estados e buscou-se definir algum desenho possível para um regime político
capaz de suportar a transição. De forma adicional, considerou-se que o conjunto de ações
institucionais capazes de promovê-la podem ser denominadas de Sistema Nacional de
Inovação que pretende aliar os objetivos ambientais, com os tecnológicos, integrando a
redução das emissões com o consumo e produção e, consequentemente, com o
desenvolvimento socioeconômico dos países. Pretende-se agora realizar uma análise de duas
experiências correntes de transição, que apesar das características históricas e políticas
bastantes distintas, guardam bastantes semelhanças quanto à construção de seus Sistemas
Nacionais de Inovação.
Esses dois países têm se destacado quanto ao desejo de promoção de uma
transição energética em direção a uma economia de baixo-carbono. A Alemanha pelo seu
longo histórico ambientalista, que fez com que o país se tornasse pioneiro no mundo na
promoção de eficiência energética e suporte às energias renováveis e se tornasse um líder, no
Bloco Europeu, no desenho e condução de metas conjuntas de redução de emissões e de
alternativas tecnológicas mais limpas.63 A China, por sua vez, que se destaca pela sua guinada
recente e bastante poderosa em direção à transição energética, desperta grande interesse da
comunidade internacional em razão dos esperados efeitos econômicos, sociais e ambientais
que as políticas do maior emissor de gases do efeito-estufa mundial podem ocasionar.
Esse capítulo tem o objetivo de entender o que o governo Alemão e Chinês tem
feito para promover a transição energética que declaram almejar de forma a caracterizar o
regime político existente. Para tal, a metodologia consistiu na análise de relatórios divulgados
pelo governo alemão e chinês e pela International Energy Agency (IEA) e International
63 Atualmente, existem diversos países que adotam medidas ambiciosas de transição energética na Europa, mas o
país continua sendo a referência na construção de um sistema político para energias renováveis e combate às
mudanças climáticas entre os países desenvolvidos.
104
Renewable Enery Agency (IRENA), bem como na análise qualitativa de dados disponíveis nos
mesmos veículos. A partir desses dados, o presente trabalho buscou dividir a análise das
políticas de cada país por meio de eventos importantes na história política de cada um que
estiveram intimamente relacionados às políticas energéticas. Esses eventos estão devidamente
indicados em quadros temporais. Para a Alemanha,a análise temporarl parte de 1974, quando
da criação da Agência Federal do Meio- Ambiente Alemã até os dados atuais disponíveis que
são de sua maioria do ano de 2016. Para a China, o horizonte temporal considerado se inicia
em 1978, quando da abertura externa do país até os dados atuais disponíveis. Tanto o
histórico de políticas da Alemanha quanto da China são influenciados por eventos políticos e
ambientais, como a emergência do Partido Verde na Alemanha e o Acidente Nuclear de
Fukushima quanto as variações de intensidade do controle do governo chinês sob o setor
energético e o fato do país ter se tornado o maior emissor de CO2 do mundo. Os principais
eventos que influenciaram a direção dos diferentes momentos políticos são abordados.
É importante salientar que há uma dificuldade característica dos dados
energéticos que dificulta bastante o trabalho do pesquisador: grande parte dos dados
desagregados por países são privados. Outra dificuldade encontrada nesse trabalho foi,
especialmente para o caso chinês, a pouca disponibilidade de relatórios e dados em língua
inglesa. Dados mais específicos do sistema energético tanto alemão quanto chinês se
encontravam, em grande parte, na língua nativa desses países. Por isso, existe certa
desigualdade de análise de alguns fatores entre os países – como por exemplo a
indisponibilidade gratuita de dados sobre investimento total alemão em energias renováveis
nos últimos anos. Houve, entretanto, um esforço de padronização da análise para os dois
países, buscando-se, sempre que possível, lançar o olhar sobre os mesmos pontos analisados.
É válido ressaltar que o objetivo do capítulo não é analisar resultados dos regimes
políticos para transição existentes nesses países – apesar de algumas vezes esses resultados
serem expostos e utilizados para reforçar decisões políticas – mas sim de analisar a construção
e desenho corrente das ações políticas desses dois países com respeito à transição energética.
O resultado dessa busca se apresenta em quadros sistemáticos de algumas das principais
políticas recentes de cada país endereçadas aos problemas ambientais/energéticos e também
na discussão acerca da intencionalidade expressa por cada um na resolução dos problemas
apresentados que pode ser inferido da composição de suas políticas.
A partir dessas considerações, esse capítulo é dividido em duas partes principais (
seção 3.1- O caso Alemão e 3.2- O caso Chinês). Cada uma dessas seções apresentam os
105
principais pontos da escolha de ambos esses países para o presente trabalho, apontam o
histórico das políticas marcados por movimentos políticos/sociais/ambientais que
determinaram ações posteriores e também elenca as características e principais objetivos
presentes nos projetos de transição energéticas apresentados atualmente para cada país.
3.1 O Caso Alemão
A Alemanha é mundialmente conhecida como um dos principais países que
mantém metas ambiciosas de política energética e que assume um papel de liderança na
transformação do sistema energético em direção às energias renováveis. Segundo Hake et al.
(2015) seus instrumentos políticos e econômicos têm sido observados pela sua efetividade e
eficiência por diversos países do globo e estão presentes constantemente no debate global
sobre a necessidade de descarbonização. Em 2010/2011, o governo alemão, ao comando de
Angela Merkel, anunciou um novo pacote de medidas, o Energy Concept que estabeleceu os
princípios para um caminho energético integrado e de longo-prazo e que pretende levar o país
a um futuro (2050) em que as energias renováveis sejam sua principal fonte energética (IEA,
2013).
O esforço promovido pela Alemanha para a transição energética tem como
medida mais conhecida e copiada a Renewable Energy Sources Act (RESA) ou a
Erneuerbare-Energien-Gesetz (EEG), o maior instrumento de apoio às energias renováveis.
Todavia, a Energiewende, como é chamado o conjunto de ações para a transição energética
adotados desde 2011 vai muito além da RESA e constitui umas das mais complexas estruturas
político-institucionais e econômicas de reestruturação da matriz energética de um país. O
termo, entretanto, não surgiu no período recente, ele carrega um significado bastante caro aos
alemães pelo seu simbolismo e por sua relação com a luta histórica ambiental e antinuclear
(MORRIS; PEHNT, 2017).
3.1.1 Do Movimento Ambientalista e Antinuclear ao Energiewende
O arcabouço político e institucional para a transição de baixo-carbono presente
hoje na República Federal da Alemanha é resultado de pelo menos cinquenta anos de
conflitos políticos, coalisões partidárias e movimentos sociais que abriram caminho e
consolidaram novas ideias e ações. O início dessa história é reconhecidamente o final dos
anos 1960 e toda a década de 1970, períodos que fizeram emergir diversos movimentos que
mudaram a estabilidade social em relação ao padrão de consumo e produção como o
movimento ambientalista e antinuclear global que tiveram grande influência sob o país e cujos
representantes alemães se tornaram figuras importantes no movimento global.
106
Na década de 1960, a Alemanha Ocidental,64 assim como outros países, buscou na
energia nuclear uma nova fonte energética. O governo alemão criou nesse período o
Ministério de Assuntos Nucleares e junto a esse movimento a Atomic Energy Act (AEA),
instrumento legal que pretendia promover a pesquisa, o desenvolvimento e uso da nova
energia. Esse movimento contou com suporte financeiro do governo e com a disposição de
corporações como a Siemens, AEG e ThussenKrupp. Em 1967, o governo alemão lançou o 3º
Programa Nuclear Alemão como consequência da busca pelo desenvolvimento nuclear.
Todavia, nos anos 1970, os questionamentos quanto aos malefícios dessa nova energia,
especialmente relacionados ao lixo residual de sua produção fizeram emergir uma parcela
crescente da população contra seu desenvolvimento (JAHN; KOROLCZUK, 2012).
O movimento antinuclear desejava a promoção de energias alternativas à energia
nuclear devido aos riscos que esse tipo de energia representava, sendo também críticos das
energias fósseis. Ele estava intimamente ligado ao pacifismo e ao ambientalismo e recebia
grande influência de obras que debatiam os limites ao crescimento como Limits to Growth
(1972) e Small is Beautiful (1973). O próprio termo Energiewende é o nome dado à
publicação do cientista Florentin Krause para o Instituto de Ecologia Aplicada em 1980;
estudo que advogava pela necessidade de transição energética para além das energias
estabelecidas, como o carvão e o petróleo, além da oposição à energia nuclear. O movimento
ganhou força e apoio de progressistas e conservadores, de grupos de estudantes e de cientistas
importantes, tendo se ramificado em diversas organizações ambientalistas e antinucleares
(HAKE, et al., 2015).
O quadro 2 coloca em perspectiva os principais acontecimentos que marcaram a
formação política da Energiewende e que serão discutidos com mais detalhamento nesta
seção.
Quadro 2- Linha do Tempo da Energiewende, 1974-2011, fatos selecionados.
Anos Acontecimentos
1974 • Criação da Agência Federal do Meio Ambiente
1977-78
1986
• Decreto de “Isolamento Térmico” e “ Controle do calor” entram em vigor e
criação das etiquetas Blauer Engel.
• Acidente Nuclear de Chernobyl.
64 É importante ressaltar que a análise que será aqui apresentada até 1989 se refere exclusivamente à Alemanha
Ocidental. As políticas energéticas concernentes à Alemanha Oriental sob o regime soviético não estão aqui
representadas.
107
1988 • Desenho dos programas de criação de mercado: “100 MW de energia eólica”;
“1000 tetos fotovoltaicos”.
1980 • Publicação do estudo Energiewende pelo Instituto de Ecologia Aplicada;
Fundação do Partido Verde.
1991 • Lei Feed-in é adotada.
1998 • O mercado de energia alemão é “liberalizado” pela Energy Supply Industry
Act (Gesetz zur Neuregelung des Energiewirtschaftsrechts) separando as
empresas geradores e distribuidoras de energia.
1999 • Lançamento do programa “100 mil tetos fotovoltaicos”; Programa de
Incentivo de Mercado.
• Adoção da “eco-taxa” que adicionou alguns centavos ao litro da gasolina e ao
KWh de toda a eletricidade gerada por combustíveis fósseis.
• Mais um programa de criação de mercado é adotado: “100.000-tetos”
2000 • A Renewable Energy Sources Act (RESA) substitui Lei Feed-in.
2007 • Criação do Integrated Climate and Energy Programme.
2010 • Criação do Energy and Climate Act.
• O governo lança o Energy Concept
2011 • O acidente nuclear de Fukushima reforça e acelera a corrida pela eliminação
da energia nuclear.
Fonte: Elaboração própria com base em Morris e Pehnt (2017), Hake et al. (2015) e Lauber e Mez (2006).
Além do movimento antinuclear/ambientalista, as crises do petróleo que
marcaram a década de 1970, ocasionadas pelo choque de oferta promovido pela Organização
dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), foram outros acontecimentos que alimentaram a
necessidade da busca por alternativas e levantaram outra importante questão: a de que a
segurança energética podia ser profundamente prejudicada pela instabilidade do preço dos
combustíveis fósseis. Afetando profundamente a questão econômica, as sucessivas crises do
petróleo de 1973 e 1979 expuseram, segundo Morris e Pehnt (2017, p. 60), ainda mais a
divergência entre os anseios da população alemã e as políticas energéticas tradicionais do
governo.
Em resposta às pressões populares, a Alemanha promoveu na década de 1970
algumas políticas de pesquisa e ações especialmente voltadas à questão energética. Essa fase
da política energética alemã, governada pela coalizão Social-liberal,65 foi marcada pela
criação da Agência Federal do Meio-Ambiente (1974), pelos decretos de isolamento térmico e
controle do calor com vistas a limitar o consumo e eficiência máxima de construções e
65 Coalizão formada Partido Social Democrata da Alemanha com o Partido Democrata Livre. Essa coalizão
mantinha os objetivos de expandir energia nuclear na Alemanha, estratégia construída no pós II Guerra Mundial.
108
sistemas de aquecimento e também pela criação das etiquetas Blauer Engel66 primeiro
instrumento do tipo no mundo voltado à classificar produtos e serviços de acordo com seu
impacto sobre o meio ambiente (SAVADKOUHI, 2012).67 Algumas políticas pontuais em
relação às energias renováveis também foram realizadas. Em 1974, o governo Alemão,
inspirado pela administração Carter nos EUA, lançou através do Ministério de Pesquisa e
Tecnologia um programa de P&D para o desenvolvimento de energias renováveis, além de
incentivos individuais para algumas tecnologias, especialmente painéis fotovoltaicos, mas
nada que pudesse representar um objetivo claro de desenvolvimento dessas fontes (HAKE et
al., 2015, p. 546).
Essas ações, somadas a algumas medidas em relação ao lixo nuclear e a poluição
do ar e da água, tinham como principal objetivo acalmar os ânimos do crescente movimento
ambientalista e antinuclear. Entretanto, as principais medidas energéticas do período foram
ainda o aprofundamento dos investimentos em energia nuclear. Durante a década de 1970, as
crises do petróleo somadas a crescente dependência de importações energéticas e a maior
integração comercial e financeira da Alemanha ocidental levaram os governantes a elegerem a
energia nuclear como o principal pilar da segurança energética doméstica e o 3º Programa
Nuclear Alemão, iniciado em 1967, permaneceu tendo pleno apoio da burocracia estatal
(HAKE et al., 2015, LAUBER; MEZ, 2006).
O gráfico 16 ilustra um pouco esse movimento, a energia nuclear representava em
1973 1% (3,15 Ktoe) da Oferta Total de Energia Primária (OTEP), percentagem bastante
pequena quando comparada à participação do carvão e petróleo bruto na OTEP, que
representavam respectivamente 42% (139,9 Ktoe) e 40% (135,3 Ktoe). Um grande salto,
entretanto, é dado na década de 1980. Em 1985, a energia nuclear já representava 10% da
matriz energética alemã (36,1 Ktoe), o carvão mantinha sua participação praticamente estável
(41%) e o petróleo bruto sofria uma queda bastante elevada chegando a 25% da OTEP. É
interessante ressaltar a pouca participação das energias renováveis nesses dois momentos,
representando 1% em 1973 e 2% em 1985.
66 Anjo Azul, em uma tradução livre. 67 As etiquetas alemãs se tornaram um grande sucesso e viraram referência mundial das chamadas etiquetas eco-
friendly.
109
Gráfico 16- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária
(OTEP), Alemanha, 1973.
Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da International Energy Agency (IEA), Energy Balance of OCDE
Countries, 2015.
Gráfico 17- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária
(OTEP), Alemanha, 1985.
Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da International Energy Agency (IEA), Energy Balance of OCDE
Countries, 2015.
Todavia, os políticos que apoiavam a manutenção dos combustíveis fósseis e o
crescimento da energia nuclear sofreriam um importante choque na década de 1980. Pode-se
42%
40%
7%
9%
1%1% e
Carvão
Petróleo bruto
Derivados do petróleo
Gás Natural
Nuclear
Renováveis
Total: 333,7 Ktoe
41%
25%
8%
14%
10%
2%1985
Carvão
Petróleo bruto
Derivados do petróleo
Gás Natural
Nuclear
Renováveis
Total: 356,9 Ktoe
110
considerar que os principais feitos do movimento ambientalista/antinuclear foram o
amadurecimento da insatisfação da população quanto ao estado corrente da política
energética, o que gerou instabilidade social e uma pressão enorme sob as autoridades do país,
bem como o surgimento de uma importante força política, o Partido Verde, fundando em
1980 e que elegeu representantes para o Parlamento Alemão (Bundestag) já em 1983 com
5,6% dos votos nas eleições nacionais (HAKE et al., 2015) . Esses fatores construíram as
bases para as primeiras políticas de transição energética iniciada no final dos anos 1980. Isso
porque, pela primeira vez, um partido ambientalista e antinuclear teria influência direta nas
decisões do governo alemão.
O movimento antinuclear tinha agora também se tornado uma voz explícita e um
importante fator dentro do parlamento nacional, mesmo o Partido Verde ainda
enfrentando a linha de batalha dos três partidos pró-nucleares, União Democrática
Cristã/ União Social Cristã, Partido Social Democrata da Alemanha e Partido
Democrata Livre, que juntos tinham 95% dos assentos (HAKE et al., 2015, p. 536,
tradução própria).
O Partido Verde encontrou em seus primeiros anos de representação no
Parlamento a resistência de partidos pró-nucleares que desejavam manter a produção do
carvão e expandir a produção energética nuclear. Essa barreira enfrentada pelo partido na
busca de alternativas para além das energias fósseis e nuclear arrefeceu com o acidente de
Chernobyl, que ocorreu na Ucrânia em 1986. O acidente aumentou a oposição da sociedade
alemã à energia nuclear e pressionou as autoridades a tomarem medidas efetivas para reduzir
drasticamente a energia proveniente dessa fonte. Frente aos acontecimentos, convencer a
população de que as usinas nucleares alemãs eram seguras ficou cada vez mais difícil. Além
disso, o movimento ambientalista se fortaleceu mediante novas evidências de danos
ambientais causados pelos combustíveis fósseis – como a morte de florestas pela “chuva
ácida” e o aprofundamento das evidências científicas quanto ao aquecimento global. Ainda
segundo Hake et al. (2015, p. 236) as consequências de Chernobyl não quebraram somente o
já frágil ‘consenso carvão-nuclear’ na sociedade, mas também acabou com o consenso nuclear
entre os três partidos estabelecidos que tinham moldado a política energética alemã nas
últimas três décadas”, sendo que o Partido Social Democrata da Alemanha, historicamente
pró-nuclear, mudou de lado e passou a atuar ao lado do Partido Verde em prol das energias
renováveis.
111
A administração Kohl,68 que governou a Alemanha de 1982 a 1998, continuou a
ter a energia nuclear como um pilar importante da oferta energética do país como demonstra o
gráfico 18; em 1997, a energia nuclear já representava 13% da OTEP. Todavia, Kohl não
conseguiu salvar o status da energia como uma tecnologia inovadora. Os novos projetos
nucleares foram um a um sendo abandonados mediante a grande pressão da população agora
representada por dois partidos relevantes no Parlamento, o Partido Verde e o Partido Social
Democrata da Alemanha. Ainda assim, as plantas em funcionamento continuaram tendo sua
manutenção defendida pelos conservadores. Essa rixa entre pró e antinucleares quanto à
duração das plantas em funcionamento só seria resolvida muito mais tarde com o acidente
nuclear de Fukushima em 2011.
Gráfico 18- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária
(OTEP), Alemanha, 1997.
Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da International Energy Agency (IEA), Energy Balance of OCDE
Countries, 2015.
Nessa administração, a representação antinuclear/ambientalista promovida agora
pelo Partido Verde e pelo Partido Social Democrata possibilitou que importantes medidas
fossem adotadas para desenvolver um novo mercado para as energias renováveis. Ainda que
essas energias não fossem consideradas como a prioridade energética para a maioria do
Parlamento, esses partidos foram aos poucos formando alianças para abrir espaços para o
crescimento de alternativas tecnológicas não fósseis e não nucleares.
68 A administração Kohl era proveniente da coalização entre a União Cristã Democrática e o Partido Liberal.
25%
30%8%
21%
13%
3%1997
Carvão
Petróleo bruto
Derivados do petróleo
Gás Natural
Nuclear
Renováveis
Total: 345 Ktoe
112
Dentre essas iniciativas, as principais foram os programas “100 MW de energia
eólica” e “1000 tetos fotovoltaicos” que foram possíveis a partir do convencimento do
Parlamento pelo grupo político antinuclear/ambientalista de que era preciso permitir a
experiência prática de novas tecnologias energéticas. A partir desses programas, 100 MW de
energia eólica foram subsidiados pelo governo (através de uma transferência de €0,04/kWh) e
2250 tetos foram equipados com painéis solares (correspondendo 5MW de nova capacidade
instalada). Os inscritos no programa de “1000 tetos fotovoltaicos”, por exemplo, receberam
no período de 1991-1995 50% dos custos de investimento do governo federal e 20% do
governo estadual (LAUBER; MEZ, 2006).
Além dessas primeiras políticas de criação de mercado para as energias
renováveis, dois momentos ainda devem ser destacados no governo de Kohl. O primeiro deles
foi a criação, em 1990, por parte dos conservadores69 e pelo Partido Verde e Partido Social
Democrata a Lei Feed-in de Eletricidade, o embrião da Renewable Energy Sources Act, o
principal instrumento atual de suporte às energias renováveis. A Lei Feed-in exigia que as
instalações energéticas conectassem geradores de energias renováveis à rede. Além disso, essa
lei obrigava as empresas que operavam a rede elétrica pública a pagar prêmios (tarifas feed-
in) pela energia suprida pelas plantas de energia renovável. Esses prêmios seriam calculados
anualmente como uma porcentagem (de 60 a 90%) do preço médio da energia paga pelos
consumidores para cada tipo de energia (solar, eólica, biomassa, hidrelétrica, etc.). Um dos
objetivos declarados da Lei era “munir” as energias renováveis de instrumentos favoráveis
para a competição com as energias estabelecidas (LAUBER; MEZ, 2006).
Segundo Jacobsson e Lauber (2006, p. 264), juntamente aos programas de criação
de mercado e aos diversos subsídios estaduais e regionais existentes, a Lei das tarifas Feed-in
significou um grande montante de incentivo financeiro aos investidores de energias
renováveis que estimulou a formação de mercados e encorajou o aprendizado tecnológico e
político do setor. Em 1997, as energias renováveis chegavam a representar 3% da Oferta Total
de Energia Primária (gráfico 17).
As grandes empresas de energia, que foram diretamente afetadas pela nova lei,
demoraram em se mobilizar contra a medida por dois motivos principais. O primeiro foi a
subestimação da importância da lei e o segundo foi a prioridade colocada na possibilidade de
ocupação do mercado que se abriu com a reunificação da Alemanha. A oposição foi tardia,
69 Um pequeno grupo formado por membros da União Democrática Cristã e União Social Cristã provenientes de
áreas do país que se beneficiavam do uso de turbinas eólicas e de plantas hidrelétricas formaram um lobby junto
ao Partido Verde.
113
mas ocorreu. Em 1996, a Associação da Indústria de Eletricidade da Alemanha entrou com
uma reclamação junto a Comissão Europeia alegando que as tarifas feed-in representavam
uma violação das leis comercias europeias significando uma ajuda estatal indevida. A Corte
Europeia definiu que as tarifas não constituíam subsídios ilegais e estavam de acordo com as
metas europeus de combate à mudança climática. A partir desse momento, com o aval da
Comissão Europeia, as energias renováveis na Alemanha sofreram um boom suportado pelas
tarifas feed-in.
No último ano da administração Kohl, ocorreu o segundo movimento de destaque
no setor energético na década de 1990: a Reforma Energética de Liberalização do setor pela
Energy Supply Industry Act (1998). Até a década de 1990, o Tratado de Roma protegia da
competição diversos setores nacionalmente estratégicos para os países-membros do Bloco
Europeu, visão que foi se transformando conforme a liberalização de setores como o de
telecomunicações e de energia em alguns países do bloco (NEWBERY, 2002). Segundo
Brunekreeft e Keller (2001), uma liberalização total do mercado elétrico foi colocada em
prática em 1998 e tinham como justificativa a necessidade de submeter o setor a uma maior
competição e um controle público mais efetivo. Seus defensores criticavam as práticas
monopolistas praticadas na indústria e a a separação entre geração e distribuição estava como
uma das principais exigências desse grupo. A reforma somente foi verdadeiramente efetivada
em 1999, devido à resistência da nova administração formada pelo Partido Social Democrata
e o Partido Verde (coalizão red-green) em aceitá-la.70
A coalizão red-green,71 com Gerhard Schöder como primeiro ministro, substituiu
a administração Cristã-liberal72 no poder depois de 16 anos de maioria no Bundestag.73 Pela
primeira vez na história um partido que tinha como foco a temática ambiental (Partido Verde)
se tornava parte do governo federal. Essa nova coalisão tinha como propósito coordenar a
saída da energia nuclear do portfólio energético alemão, eliminando novos projetos nucleares
e regulando duramente as unidades em funcionamento, ao mesmo tempo em que pretendia
não só convidar as companhias de energia a buscarem alternativas limpas como garantir por
70 Para o aprofundamento dessa política e das críticas a sua adoção ler Brunekreef e Keller (2001), Newbery
(2002) e Klessmann, Nabe e Burges (2008). 71 Assim chamada por caracterizar uma visão política de centro-esquerda. Partidos Sociais Democratas, devido a
suas raízes de esquerda são geralmente caracterizados pela cor vermelha, já Partidos Verdes, devido a suas raízes
progressistas e ambientais são ligados à cor verde. 72 Formada pelo União Democrática Cristã, a União Social Cristã e o Partido Democrata Livre. 73 Nesse momento, a Alemanha Ocidental e Oriental haviam acabado de se reunificar. Nesse movimento, o
Partido Verde se fundiu à Aliança 90, um partido que surgiu como resistência ao regime comunista.
114
meio de leis o acesso não discriminatório à rede e a criação de oportunidades de mercado
justas às energias renováveis domésticas (HAKE et al., 2015, p. 539).
Nos primeiros anos do novo governo, algumas iniciativas importantes foram
lançadas como o programa de “100 mil tetos solares” (1999), um novo programa que tentava
impulsionar o ainda insipiente mercado solar que não respondeu com a mesma velocidade às
tarifas feed-in como a energia eólica, o Programa de Incentivo de Mercado (1999), um
programa financeiro de grande porte que pretendia apoiar sistemas de aquecimento renovável
e a “eco-taxa” que introduziu uma taxa sob o consumo de eletricidade74 e taxas crescentes
sobre a gasolina,75 produtos do petróleo e gás natural no período de 1999-2003. Todavia, o
maior destaque vai para a substituição da Lei das Tarifas Feed-in pela Renewable Energy
Sources Act (RESA).
O grupo Social Democrata junto ao Partido Verde pressionava o congresso
alemão para que condições mais favoráveis fossem dadas às energias renováveis. Enquanto a
manutenção ou não das plantas nucleares continuava promovendo separação dentro do
parlamento alemão, a necessidade de desenvolver alternativas renováveis ia se tornando cada
vez mais um consenso. Segundo Lauber e Mez (2006), a mudança para a RESA também era
consequência da queda brusca dos preços gerais de eletricidade pela “liberalização” do
mercado promovida em 1998. A Reforma de Liberalização tornou muitos renováveis ainda
menos lucrativos que antes. Isso porque sob a Lei Feed-in, as tarifas estavam vinculadas ao
preço médio da eletricidade e com a liberalização e queda do preço médio, as tarifas
destinadas às energias renováveis também ficaram menores. A nova Lei RESA promoveu a
alteração dessa vinculação; ao invés de as tarifas feed-in se basearem no preço de varejo, elas
passaram a ser uma porcentagem do custo do investimento de acordo com o tamanho das
instalações e do tipo de tecnologia adotada.
Outra diferença correspondia à duração da taxa de remuneração. Enquanto as
tarifas não tinham garantia de duração sob a lei anterior, a RESA garantia taxas fixadas por
vinte anos, com exceção da energia eólica.76 Contudo, as taxas teriam uma redução geral
anual para novas plantas a fim de incorporar de alguma forma a curva de aprendizado das
tecnologias. A RESA ainda tinha como fator-chave a redistribuição dos custos das tarifas
feed-in, passando a exigir que todos os ofertantes de energia elétrica tivessem a mesma 74 Adição de €0,0206/kWh para residências em cinco etapas de 1999-2003. Com taxas menores para indústria
(LAUBER; MEZ, 2006). 75 Adição de €0,1535/L também em cinco etapas no período (LAUBER; MEZ, 2006). 76 As energias eólicas receberiam cinco anos de taxas fixas, após esse período as taxas decresceriam de acordo
com a qualidade da localização da planta. Por exemplo, as plantas com localização menos privilegiada, leia-se
com local de menor incidência solar, teriam uma redução menor das tarifas ao longo do tempo.
115
percentagem de energia proveniente de fontes renováveis. Desde sua adoção, a Renewable
Energy Sources Act sofreu várias emendas (2004, 2009, 2012, 2014, 2017) que promoveram
renovações das metas e modificações no texto da lei.77 Junto a outras leis, a RESA continua
sendo atualmente um dos principais pilares da transição energética alemã.
Outra medida importante da coalizão red-green foi a alteração nos anos 2000 da
Atomic Energy Act.78 Essa alteração buscava promover um acordo com as companhias elétrica
para retirar a Alemanha da produção nuclear. A nova emenda continha duas medidas
principais: a proibição de construção de novas usinas nucleares e a determinação de um tempo
de vida útil de máximo 32 anos para as já existentes. Ela representava a promessa da coalizão
em acabar com a produção de energia nuclear no país (HAKE et al., 2015).
No período mais recente, mudanças políticas importantes não arrefeceram as
políticas de apoio às energias renováveis, mas promoverem mudanças de postura em relação à
energia nuclear. Nas eleições de 2005, a coalisão red-green foi substituída por uma coalisão
conservadora,79 chamada de grande coalizão e formada por União Democrática Cristã/ União
Social Cristã e Social Democrata da Alemanha sob o comando da Chanceler Angela Merkel.
A nova coalizão conservadora, diferentemente da coalizão conservadora anterior
(Cristã-liberal) não colocou empecilhos ao desenvolvimento do sistema político em prol das
energias renováveis, ao contrário, mantiveram a RESA e expandiram o compromisso com as
novas energias.
Relatórios como o de Stern (2007) e do IPCC sobre a mudança climática
influenciaram a política alemã fortemente no período, tendo o governo assumido, inclusive,
um papel de destaque nas decisões europeias sobre como agir para combater o aquecimento
global. A Alemanha coordenou, por exemplo, a criação do Emissions Trading System
Europeu (EU-ETS), um sistema do tipo cap and trade.80
Medidas ambiciosas como o Integrated Energy and Climate Program (2007) e a
Energy and Climate Act (2010), inspiradas em iniciativas semelhantes em âmbito europeu
coordenadas pela Alemanha, foram destaques dos primeiros anos da administração Merkel. A
primeira buscou, através de 29 medidas,81 um desenvolvimento profundo das energias
77 As alterações e informações mais relevantes na RESA serão discutidas na seção 3.1.1. 78 Como discutido no início da seção, a Atomic Energy Act foi criada na década de 1960 para desenvolver a
energia nuclear na Alemanha. 79 Apesar da presença do Partido Social Democrata, essa coalizão foi caracterizada por conservadora por ser
liderada pela chanceler Angela Merkel cuja filiação é da União Democrática Cristã/União Social Cristã, um forte
partido de centro-direita que obteve a maioria no Parlamento. 80 Tipo de política explicada no item 2.3.1.1. 81 Dentre essas 29 medidas estão a criação de novas leis e alteração de leis existentes a fim de aprimorar o
suporte ao desenvolvimento do setor de energia renovável e eficiência energética.
116
renováveis, eficiência energética e modernização das plantas energéticas com o intuito de
reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa. A segunda, estabeleceu a criação
de um Fundo Climático e Energético, inicialmente a partir dos recursos provenientes dos
leilões de certificados alemães de emissões dentro do EU-ETS e de recursos provenientes de
contratos com os operadores de energia nuclear.82 O intuito do fundo é promover recursos
para um sistema energético favorável ao meio-ambiente (IEA, 2017). Durante a grande
coalizão “a proteção climática e a política energética se tornaram finalmente questões
políticas dominantes” (HAKE et al., 2015, p. 540, tradução própria).
O padrão de comportamento dessa coalizão em relação às questões ambientais e
energéticas se manteve no mandato seguinte da chanceler Merkel, eleita novamente em 2009.
Um importante passo da segunda administração de Merkel foi a instituição, em 2010, do
Energy Concept, um grande pacote de medidas desenhado para garantir segurança energética
e proteger o meio ambiente, além de reunir medidas de competividade e crescimento da
indústria alemã reconhecendo nos renováveis e demais tecnologias verdes como caminho
inevitável e desejável para isso, bem como a eficiência energética. O Energy Concept, o atual
plano que orienta as ações do governo alemão em relação à transição energética teve, todavia,
dois momentos divididos pelo acidente nuclear de Fukushima.
O debate quanto à manutenção das usinas nucleares em funcionamento continuou
dividindo as opiniões políticas em dois campos durante os anos 2000 e início da década de
2010: um lado, representado pelo Partido Social Democrata, Partido Verde e o partido Die
Linke,83 a favor da manutenção da Atomic Energy Act (2000), que determinava o fechamento
das usinas nucleares em 32 anos, e de outro a União Democrática Cristã/União Social Cristã e
o Partido Democrático Livre a favor da adoção da energia nuclear como uma fonte barata e
segura para a transição em direção aos renováveis. A administração Merkel, diferentemente
da anterior, queria ter na energia nuclear um aliado para a transição energética, estratégia
exposta, por exemplo, pela emenda em 2010 da Atomic Energy Act , expandindo a vida útil
das usinas nucleares por mais 12 anos (HAKE et al., 2015, p. 541). Entretanto, essa postura
iria mudar em meados do segundo mandato de Merkel com o advento do acidente nuclear de
Fukushima, Japão.
Após o acidente, a estratégia dos conservadores sofreu um novo choque. A mídia
e os movimentos sociais geraram grande pressão sobre o governo que tornou insustentável
82 Em uma segunda fase, a partir de 2012, esses recursos passaram a fluir somente dos leilões de certificados de
emissões. 83 Die Linke, em uma tradução literal, significa “a esquerda”. É um partido político considerado extrema-
esquerda.
117
qualquer ação favorável a esse tipo de energia. Merkel foi obrigada a decretar uma “moratória
nuclear” que parou imediatamente o funcionamento das sete usinas nucleares mais antigas,
que nunca voltariam a funcionar; o aumento da vida útil das usinas, decretado anteriormente,
foi suspenso. Foi acordado entre o parlamento que a saída da energia nuclear era inevitável e
deveria se dar o mais rápido possível, mais precisamente até 2022 (HAKE, et al., 2015, p.
542). Desde então, o conjunto de medidas para a transição energética tem sido chamada pela
comunidade científica de Energiewende em clara referência à publicação antinuclear do
Instituto de Ecologia Aplicada, que apontava que a transição energética deveria excluir a
energia nuclear como descrito anteriormente.
O Energy Concept, que estabelece os princípios para a transição de maneira
integrada atingiu sua primeira versão, portanto, em 2011(BMWI; BMU, 2011). Ele é o atual
plano que absorveu todos os planos subsidiários, programas, leis e decretos ainda em vigor e
os novos estabelecidos após sua criação. O Energy Concept determinada estratégias básicas
para a transição energética, eficiência e segurança energética, e oferta de energia de forma
sustentável e competitiva através de diversas medidas complementares (MORRIS; PEHNT,
2017). A seção seguinte tem o intuito de apresentar os princípios do Energy Concept como o
plano de desenvolvimento energético atual da Alemanha e também apresentar seu
desenvolvimento e alterações até o ano de 2016/2017.
3.1.2 Princípios da Energiewende e as Políticas em Vigor
Até o momento, identificaram-se alguns períodos importantes da história alemã
que sedimentaram um cenário político e legal favorável à transição energética em direção às
energias renováveis no país. Como afirmado, os mais de cinquenta anos de debates dentro da
burocracia política e fora dela (movimentos sociais, academia, mídia) possibilitaram à
Alemanha a construção de um plano de longo-prazo bastante claro, o Energy Concept.
Como afirmado, o Energy Concept foi estabelecido em 2010 e alterado pela
primeira vez já em 2011 com o advento do acidente nuclear de Fukushima. O plano tem como
grandes objetivos tornar a Alemanha uma das economias mais “verdes” e energeticamente
eficientes do globo ao mesmo tempo que desejar manter uma base industrial competitiva no
longo-prazo através do aumento da produtividade e modernização do setor energético
(BMWI; BMU, 2011, p. 3). Para que isso ocorra, a estrutura de oferta energética do país deve,
segundo o governo, passar por uma profunda transformação no médio e longo-prazo, cujas
diretrizes foram desenhadas no plano.
118
Os princípios imbuídos na transição energética alemã, segundo Morris e Pehnt
(2017) são o combate à mudança climática, especialmente através da redução das emissões, a
segurança energética, a redução da importação de energia, o estímulo à inovação tecnológica
e à economia verde, a redução e eliminação dos riscos da energia nuclear e o fortalecimento
das economias locais e promoção de justiça social. Pretende-se nessa seção, descrever os
principais pontos de cada eixo, bem como listar algumas das políticas mais importantes em
vigor para cada grande objetivo buscado pela transição energética.
De forma resumida, o Energy Concept tem como metas principais:
1) Reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 40% até 2020, 55% até 2030 e
entre 80%-90% até 2050 tendo 1990 como ano-base;
2) Atingir 60% do consumo final de energia proveniente de energias renováveis até
2030 (em 2015 esse percentual correspondeu a 12,5%);
3) Em relação a 2008, deve haver uma queda de 20% no consumo de energia
primária em 2020, e 50% em 2050;
4) Aumentar a participação das energias renováveis no consumo final para 60% em
2050;
5) Fechar as operações das nove plantas nucleares ainda em funcionamento até o ano
de 2022.
As relações dessas metas com o perfil energético atual e as políticas relacionadas
serão discutidas nas subseções a seguir:
i) Combate à mudança climática
A redução das emissões de gases do efeito estufa é um dos principais objetivos da
transição energética alemã e um dos grandes instrumentos no combate às mudanças
climáticas. O país foi o 6º maior emissor de CO2 no mundo em 2013 e, na Europa, somente
ficou atrás da Rússia segundo dados de 2013 (CAIT, 2016). Entretanto, seus níveis de
emissão estão em queda desde os anos 1990, o que tem diminuído sua contribuição no total de
emissões mundiais de CO2 (gráfico 19). O país se comprometeu no Acordo de Paris,
juntamente com a União Europeia, em reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 40%
até 2030 (1990 como ano-base), segundo as Intended Nationally Determinded Constributions
(iNDCs) do bloco. Ademais, o país se comprometeu com esforços para buscar uma redução
das emissões de 80-95% até 2050, segundo o Energy Concept.
119
Gráfico 19- Emissão Anual de CO2 (1), Alemanha 1975-2013.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAIT- Country Greenhouse Gas Emissions Data.
(1) Emissões totais de CO2 excluindo uso da terra e uso florestal.
A principal instituição alemã responsável por coordenar as políticas de combate às
mudanças climáticas é o Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e
Segurança Nuclear (BMU). Esse Ministério tem sob seu controle as políticas ambientais,
promovendo também a interação destas com as políticas energéticas. O BMU também tem
sob sua responsabilidade as políticas de proteção da saúde da população alemã no que tange
aos problemas ambientais e ainda é responsável pela cooperação internacional do país na
promoção de redução de emissões e adaptação climática (IEA, 2013).
Como ressaltado, o forte movimento antinuclear no país caminhou junto com o
movimento ambientalista e fez amadurecer na sociedade alemã uma consciência ambiental
bastante apurada. Segundo a pesquisa realizada pelo Pew Research Center (STOKES; WIKE;
CARLE, 2015), 55% dos alemães acreditavam em 2015 que a mudança climática global era
um “problema muito sério”, percentual abaixo somente da França (56%) entre os países
desenvolvidos, além disso, 87% dos alemães apoiavam o engajamento do país em acordos de
limitação de emissões de gases de efeito estufa. A percepção da população sobre a questão
ambiental é bastante relevante e o governo alemão tem buscado traduzir em ações as
reivindicações de seus cidadãos, não só se comprometendo com metas de redução de gases do
0.0%
1.0%
2.0%
3.0%
4.0%
5.0%
6.0%
7.0%
0
200
400
600
800
1000
1200
Alemanha % em relação ao mundo
Milhões de toneladas
120
efeito estufa em seu Energy Concept, mas promovendo incentivos fortes às tecnologias
energéticas alternativas e à eficiência energética.
O quadro 3 faz referência a algumas das principais medidas e políticas
promovidas pelo governo alemão que têm como intuito diminuir as emissões de gases do
efeito-estufa.
Quadro 3- Redução de emissões, medidas selecionadas, Alemanha.
Medidas Descrição
Eco-taxas A primeira versão das eco-taxas foi promovida pela reforma fiscal
em 1999. Em 2003, a Act on the Further Development of the
Ecological Tax Reform expandiu a reforma. Uma série de taxas
foram colocadas sobre os preços de energia e especialmente sobre
o preço de combustíveis fósseis.
Emissions Trading System (ETS) A Alemanha faz parte do sistema europeu do tipo cap and trade
para redução das emissões. As instalações que fazem parte do
sistema recebem ou compram “certificados de emissões”. Ao
final de cada ano, as companhias devem ter certificados
equivalentes a suas emissões anuais cujo não cumprimento
incorre em multas.
Climate Change Action Plan 2050 Controlado pelo Federal Ministry of Environment, Nature
Conservation, Building and Nuclear Sefaty (BMUB) promove
uma série de orientações para diversos setores a fim de atingir as
metas climáticas comprometidas no Acordo de Paris.
International Climate Iniciative Desde 2008 o BMUB tem financiado projetos de biodiversidade e
combate às mudanças climáticas em países em desenvolvimento.
Os financiamentos são do Special Energy and Climate Fund.
Fonte: elaboração da autora a partir do IEA (2013, 2017).
Uma das principais medidas direcionadas à redução da emissão de carbono são as
eco-taxas e as taxas sobre veículos. O país foi um dos primeiros a adotar taxas ecológicas. A
primeira versão da eco-taxa foi adotada em 1999 com a Ecological Tax Reform Act que
aumentou de forma gradual as tarifas sobre combustíveis fósseis e implantou uma taxa sob o
consumo de eletricidade. O objetivo da reforma das tarifas era, segundo o governo alemão,
diminuir as emissões de CO2 e estimular a criação de empregos pela inovação em energias
alternativas. Desde então, ela tem ajudado a reduzir o consumo de energia e
consequentemente as emissões, especialmente no setor de transporte. Um dos tipos de taxas,
as que são incididas sobre veículos de combustão interna, foram se aprimorando com os anos.
Em 2009 o governo lançou o New Vehicle Car Tax System obrigando os novos carros
121
registrados a partir de julho daquele ano a se enquadrarem em um novo sistema
correspondente à capacidade do motor e às emissões do veículo.
A tolerância para com os veículos mais poluentes parece estar, todavia, chegando
ao fim. Em outubro de 2016 o Conselho Federal alemão aprovou uma resolução para banir
motores de combustão interna a partir de 2030 (SCHIMTT, 2016). Essa medida depende
ainda da aprovação da União Europeia para ser efetivada, mas deixa claro as reais intenções
do governo alemão quanto às emissões provenientes de veículos. É preciso lembrar que o
esforço para diminuição das emissões na Alemanha não só está alinhado com as políticas do
Bloco Europeu, mas exerce o papel de referência no bloco, tendo o governo alemão um
grande papel na aprovação de metas e políticas em nível europeu. Se essa influência se
mantiver, medidas como a interdição de motores à combustão interna podem se espalhar pelo
continente.
A Europa apresenta as metas de redução de emissões de forma conjunta, isto é, o
Bloco Europeu determina as principais medidas a serem tomadas pelos países-membros para
atingir as metas, por exemplo, do Acordo de Paris, ratificado pelo bloco no ano de 2016. Uma
das grandes políticas desse tipo é o Emissions Trading System (ETS) que coloca um limite
para as emissões de gases do efeito-estufa no longo prazo. O ETS europeu foi estabelecido em
2013 e é um sistema do tipo cap-and-trade que foca os dez maiores setores intensivos em
energia: instalações à combustão (geradoras de eletricidade e calor), processos de refino,
fornos de coque, minérios metálicos, cimento e aço, vidro, cal, cerâmico, papel e celulose. As
instalações que exercem esses tipos de atividade têm duas formas principais de cumprir com
as obrigações: promover medidas próprias de emissão e comprar certificados de outras
instalações que também estão dentro do sistema.
Além das metas compartilhadas, a Alemanha possui alguns planos em nível
nacional, relacionados às emissões, mas integrados a um conjunto de medidas de eficiência
energética e desenvolvimento de energias renováveis como o Climate Change Action Plan
2050 (2014) que determina medidas adicionais para atingir as metas acordadas pelo Acordo
de Paris para 2020 e para 2050. O Bloco Europeu se comprometeu em reduzir a emissão de
gases do efeito estufa em 40% até 2020, 55% até 2030 e entre 80%-90% até 2050 tendo 1990
como ano-base. A fim de atingir essas metas, a Alemanha planeja uma série de medidas extras
que estão relacionadas especialmente com a colaboração internacional, expansão de
renováveis a nível nacional, eficiência energética, reestruturação das construções, melhor
122
gestão da água, lixo, terras e transporte, bem como o investimento em Pesquisa &
Desenvolvimento (IEA, 2017).
Além das ações coordenadas ao Bloco Europeu e ações nacionais, a Alemanha
promove também suporte financeiro para redução das emissões e adaptação climática em
países em desenvolvimento, o International Climate Initiative, criado em 2008. A Alemanha
financiou, entre 2008 e 2016, 289 projetos de mitigação das emissões de gases do efeito estufa
(totalizando um financiamento de € 1,08 bilhões) e 98 projetos para adaptação às mudanças
climáticas (€ 481 milhões), além de projetos para preservação de florestas e da diversidade
biológica. Nos primeiros anos da iniciativa, os recursos para o financiamento de projetos eram
provenientes dos leilões de certificados de emissões do Emission Trading Scheme. Para
assegurar a continuidade dos financiamentos, recursos adicionais são provenientes do Special
Energy and Climate Fund, fundo especial criado em 2010 através da Energy and Climate Act.
Os dois mecanismos de financiamento estão atualmente vinculados ao orçamento do Federal
Environment Ministry (BMUB, 2017).84
ii) Estímulo ao desenvolvimento das energias renováveis e eficiência energética
A mudança tecnológica e a promoção de eficiência energética são as grandes
apostas da Energiewende e para promovê-las a Alemanha possui um conjunto de medidas
centrais e complementares que estão dentro dos seus últimos grandes planos e programas
energéticos e que, desde a criação do Energy Concept, são parte integrante dele.
É importante ressaltar que o mesmo ministério que é o principal responsável pelas
políticas de combate à mudança climática, o BMU, também foi eleito o órgão responsável
pelas políticas concernentes aos renováveis, o que sinaliza uma preocupação com a integração
das políticas ambientais e energéticas. O BMU tem duas agências federais subordinadas que
oferecem suporte ao ministério no que se refere às energias renováveis. A Agência Federal do
Meio Ambiente é responsável por oferecer suporte científico ao governo federal, observar a
adoção das leis ambientais e informar o público em geral sobre questões ambientais. E a
Agência de Conservação da Natureza (BfN) é a autoridade central do governo para
conservação nacional e internacional da natureza (IEA, 2013, p. 113).
O projeto de transição energética alemã conta também com banco público alemão:
o kfW Bankengrupp. O sistema político para a transição atribuiu ao banco a tarefa de
direcionar financiamento para projetos com a missão de promover eficiência energética e
desenvolver fontes de energia renovável (MAZZUCATO; PENNA, 2015). Entre outros
84 Informações presentes no site do Federal Ministry for the Environment, Nature Conservation, Building and
Nuclear Safety.
123
serviços, o banco cria programas de financiamento de projetos nos quais são oferecidos
recursos de longo-prazo e com juros baixos para cobrir até 100% do montante de seus custos
(IEA, 2013), como o Renewable Energies Programme85 descrito no quadro 4.
O quadro 4 traz algumas medidas que compõem o cenário recente de políticas
para transição energética alemã no que tange à promoção de fontes renováveis e eficiência
energética, divididos em leis, fundos, programas do banco KfW, pesquisa, desenvolvimento e
difusão de tecnologias e monitoramento.
Quadro 4- Medidas selecionadas: fontes renováveis e eficiência energética.
Tipos Medidas Propósito
Leis
Renewable
Energy Sources
Act – (EEG)
A última versão da Lei, promulgada em 2016 com validade a partir
de 2017, mantém o objetivo principal de estabelecer prioridade no
acesso à rede por energias renováveis e garantias fixas de
pagamentos para energia renovável. Estabelece também a meta de
renováveis em sua matriz elétrica em 40%-45% em 2015, 50%-60%
em 2035 e um mínimo de 80% em 2050.
Energy
Industry Act
(Energiewirtsc
haftsgesetz)
Conjunto de medidas que buscam aumentar a competição, segurança
e oferta de produtos/serviços energéticos.
Também tem o objetivo de estimular a oferta de energia limpa,
estipulando provisões suplementares para o acesso da rede elétrica
por energia proveniente de fonte renovável, bem como a construção
de redes inteligentes.
Renewable
Energies Heat
Act
(Erneurbare-
Energien-
Wärmegeset-
EEWärmeG)
Com o objetivo de aumentar a proporção de energia renovável no
consumo final para aquecimento e resfriamento em 14% até 2020 a
lei determinada que donos de certas categorias de construções devem
ter parte de seu aquecimento e resfriamento proveniente de energias
renováveis sob a multa de €50000 por descumprimento.
Energy Saving
Act
(Energieeinspa
rungsgesetz-
EnEG)
Implantada a primeira vez em 1976 para aumentar a eficiência
energética e diminuir as importações energéticas a lei serve
atualmente de arcabouço legal para a promoção de eficiência
energética em construções (edifícios, residências, etc.)
Law on Energy
Consumption
Labelling
(EnVKG)
A lei criada a partir da EU Framework Directive 2010/30/EU exige
que informações sobre o consumo energético e de outros recursos
relacionados à energia de produtos estejam claramente disponíveis
para os consumidores por meio de etiquetas elétricas. Ela cobre não
somente produtos residenciais, mas comerciais e industriais.
Fundos
Fundo do
Clima e
Energia
(EKFG)
Cria um fundo especialmente para projetos ambientais e promoção
de oferta energética. Inicialmente os recursos viriam de parte dos
lucros e sobretaxas das usinas nucleares, mas com o fechamento das
usinas o fundo está sendo composto pelos fluxos do Emissions
Trading System europeu.
Fundo de
Eficiência
Energética
Fundado em 2011 com o orçamento de €89 milhões, teve um
aumento de sua provisão em 2013 para €100 milhões. O fundo tem o
intuito de dar suporte a uma gama variada de medidas para
85 KfW-Programm Erneuerbare Energien.
124
promoção de eficiência energética para pequenas e médias empresas
e indústrias, consumidores privados e municípios. Dentre as
iniciativas financiadas estão: melhor informação ao consumidor,
inovação de produtos, lançamento ao mercado de produtos mais
eficientes e medidas municipais de eficiência energética.
Programas
KfW
KfW-
Programme
Energy-
Efficient
Rehabilitation
(Enerfieeffizien
t Sanieren)
É um programa destinado às construções residenciais que oferecem
financiamento de longo prazo com taxas favorecidas para
reabilitação ou reforma de construções. Há também a possibilidade
de reembolso caso a casa siga os padrões do KfW Efficiency House
Standards.
KfW
Renewable
Energies
Programme
(kfW-
Programm
Erneuerbare
Energien)
É um programa de suporte aos investimentos em energia renovável
composto de duas categorias: “standard” e “premium”. O “standard”
disponibiliza financiamento favorável para investimentos em
eletricidade solar, biomassa, biogás, eólica, hidrelétrica, geotérmica
e também para eletricidade renovável que combina energia elétrica e
aquecimento (CHP). O programa “premium” oferece financiamento
favorável e reembolso para plantas maiores que gerem eletricidade e
calor por meio de fontes renováveis
Pesquisa,
Desenvolviment
o e Difusão de
Tecnologias
Financiamento
para o Centro
de
Desenvolvimen
to de Energia
Solar
Disponibilidade de €11,2 milhões para o provimento de teste de
instalações e equipamentos em escala de produção industrial.
Através do Photovoltaic Tecnology Evaluation Center (PV-tec) os
produtores de painéis e sistemas solares que tenham objetivos de
desenvolver e produzir industrialmente podem testar seus novos
produtos.
6º Programa de
Pesquisa
Energética
Estabelece princípios e prioridades do governo alemão no que tange
à inovação energética: energias renováveis, eficiência e
armazenamento e integração energética, tecnologias de redes. O foco
é apoiar inovação tecnológicas imaturas ou a exploração de novas
tecnologias. O orçamento previsto para o período de 2011-2014 foi
de € 3,4 bilhões.
Programa
Piloto
Einsparzähler
Promover incentivos financeiros e aconselhamento técnico para a
implantação de projetos de eficiência energética no setor industrial,
comercial e residencial por meio de tecnologias digitais.
Programa
“Show Cases
Eletricity
Mobility”
O governo federal estabeleceu em 2011 um número limitado “testes”
para mobilidade elétrica como um programa de P&D aplicado à
mobilidade. Desde sua criação, 4 regiões foram escolhidas para
testar os veículos: Bavaria/Saxony, Baden-Württemberg, Lower
Saxony, Berlin/Brandenburg.
Monitoramento
Processo de
monitoramento
“Energy of the
Future”
Processo de monitoramento do Energy Concept e de seu pacote de
medidas e metas. O Ministério Federal de Economia e o Ministério
do Meio-Ambiente devem elaborar relatórios anuais e trianuais sobre
os resultados do Energy Concept que devem ser disponibilizados à
comunidade.
Fonte: Elaboração própria a partir do IEA (2013, 2017).
Dentre as medidas descritas acima, a Renewable Energy Resource Act (RESA)
tem sido o principal e mais conhecido instrumento político alemão para o desenvolvimento de
fontes renováveis. A lei RESA que sofreu várias emendas desde a sua criação especifica em
termos gerais que as energias renováveis têm prioridade na rede de distribuição e que aqueles
que investem em energias renováveis devem receber uma compensação que promova um
retorno para seu investimento independentemente dos preços da energia elétrica (tarifas feed-
in). A eletricidade produzida sob a lei RESA é geralmente vendida no modelo de mercado
125
day-ahead86 pelos Transmission System Operators (TSOs), as concessionárias de distribuição
de energia. As concessionárias são obrigadas a pagar aos geradores de energia renovável um
valor por kWh de energia produzida acima do calor de mercado, mecanismo garantido em
contrato por 20 anos. A diferença de custos entre esses pagamentos obrigatórios e as receitas
obtidas no mercado de energia com a venda de eletricidade pelas concessionárias são
repassados ao consumidor na forma de tarifas. Essas tarifas variam de acordo com a
capacidade de geração e fonte geradora e declinam anualmente a fim de levar em conta a
queda dos custos associados às tecnologias (IEA, 2013, p. 114-115).
A última emenda da lei foi realizada em 2016, mas mudanças mais substanciais
foram feitas em 2014. O principal instrumento de incentivo de mercado – as tarifas feed-in –
foi mantido, entretanto pela primeira vez foi instituído que a nova capacidade energética
renovável será atingida por meio de leilões – inicialmente para a energia solar por meio de um
projeto piloto e, a partir de 2017 para energia eólica e biomassa. Essas mudanças foram
justificadas pelo governo como uma forma de transitar no longo-prazo de tarifas feed-in para
um mecanismo orientado pelos preços de mercado. Três leilões por ano foram planejados para
o período de 2015-2017 e metas de capacidade (nomeadas como ‘corredores de expansão’)
foram colocadas para cada ano. Além de estabelecer pela primeira vez leilões de energia, a
alteração da lei em 2014 determinou que novas grandes instalações geradores de energia
renovável (>500kW comissionadas a partir de 1º de Janeiro de 2016) são responsáveis por
negociar diretamente a energia renovável no mercado, portanto sem o intermédio das
concessionárias, recebendo assim um “prêmio de mercado” correspondente a valor da tarifa
fixa estabelecida para cada tecnologia menos o valor mensal de mercado para cada tecnologia.
Essa mudança tem como justificativa a necessidade de promover maior integração das
geradoras ao mercado elétrico (BMWi, 2017a).87
A emenda de 2016, além de estender os leilões públicos para outras energias,
atualizou os limites de capacidade disponíveis e reafirmou as metas para o total de energia
renovável postas em 2014, isto é, uma porcentagem de 40-45% de renováveis na produção de
energia elétrica total para 2025, 50-55% em 2035 e o alcance de um mínimo de 80% até 2050.
Atualmente esse percentual se encontra em torno de 30%, como mostra o gráfico 20.
86 Esse modelo de mercado é típico dos países europeus em que as empresas operadoras do sistema negociam
preços e quantidades de energia em leilões no curto-prazo, mais precisamente para o dia seguinte à demanda. 87 Informações disponíveis em: <http://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Dossier/renewable-energy.html>. Acesso
em: 14 mar. 2017.
126
Gráfico 20- Geração de Energia Elétrica na Alemanha, Total e Renovável (GW/h) .
Fonte: Energy Environment Forecast Analysis.
Essas mudanças recentes na lei são consequências de anos de críticas ao
instrumento mais utilizado pelo governo alemão para promover energias renováveis no país.
Deve-se lembrar de que o primeiro formato da lei foi estabelecido em 1991 com a Lei das
tarifas feed-in. Nesse momento, a adoção da lei foi atacada frontalmente pela Sociedade da
Indústria de Eletricidade Alemã e por setores mais conservadores da sociedade com o apoio
dos partidos de centro-direita. A grande justificativa era que essas tarifas constituíam uma
ajuda do governo a determinados tipos de energia o que feriria as leis comerciais europeias.
Entretanto, a corte europeia não viu a política da mesma maneira e seu uso foi autorizado e
até incentivado como forma de atingir as metas ambientais e energéticas do bloco. Mesmo
assim, essa medida é até hoje bastante criticada por estudiosos que acreditam que sua ação
permite a existência de uma indústria artificial que não se sustentaria sozinha. Alguns desses
críticos, como Frondel et al. (2010, p. 4048) acreditam que esse tipo de política “falhou em
criar os incentivos de mercado necessários para assegurar uma introdução das energias
renováveis que fossem economicamente viáveis” e além disso “resultou em gastos massivos
0.0
5.0
10.0
15.0
20.0
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0
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20
14
20
15
%GW/h
% de Energia Renovável Total Energia Renovável
127
que mostram pouca promessa e longo-prazo para estimular a economia, proteger o meio-
ambiente e aumentar a segurança energética”.88
A RESA apesar de ser o principal, não é o único instrumento legislativo utilizado
pelo governo alemão para promover a transição energética. Dentre 24 leis e diversos decretos
que compõem o sistema de oferta energético alemão, destaca-se no quadro 3.2, além da
RESA, a Energy Industry Act que atua especialmente na regulação da oferta de eletricidade e
de gás natural a fim de garantir a competição seja efetiva e sem distorções de preços. Ela
garante a Directive Internal Eletricity Market (Diretiva 2009/72/EC) estabelecida pela União
Europeia e que exige que o mercado elétrico seja desregulado e descentralizado (separação
efetiva entre geração e distribuição) com o objetivo de criar um mercado europeu único de
eletricidade. Essa lei tem importantes consequências para a oferta energética alemã, porque a
partir dela é permitido que qualquer cidadão ou empresa seja produtor de energia, com poucas
restrições existentes e que cada cidadão ou empresa possa escolher seu fornecedor de energia.
Outra lei voltada ao estímulo de energias renováveis, mas no aquecimento e
resfriamento é a Renewable Energies Heat Act que atua especialmente sobre o uso de energia
para aquecimento e resfriamento, obrigando certas categorias de construção a terem parte de
seu uso energético por aquecimento/resfriamento proveniente de fontes renováveis, sendo o
não cumprimento passível de multa de até € 50 mil. Esse esforço está relacionado à meta de
atingir 14% de consumo final para aquecimento e resfriamento proveniente de fontes
renováveis até 2020.
O pacote de medidas do Energy Concept voltado ao desenvolvimento de energias
renováveis conta ainda com fundos especiais de financiamento para desenvolvimento de
energias renováveis e promoção de eficiência energética, programas do grupo KfW, medidas
de pesquisa e desenvolvimento, bem como de difusão de tecnologias e um programa de
monitoramento, o Energy for the future. Essa e mais algumas medidas foram detalhadas no
quadro 4.
Independentemente das críticas à natureza das políticas alemãs ou a sua
capacidade em gerar competitividade industrial no setor de baixo-carbono, as evidências
quanto ao crescimento das energias renováveis no país são significativas. Desde 1991, com a
introdução da primeira versão da Lei das tarifas feed-in as energias renováveis ganharam
grande fôlego. Um dos indícios desse movimento pode ser constatado pela participação desse
tipo de energia na geração elétrica total (gráfico 20). No momento da adoção da Lei das
88 Tradução própria.
128
Tarifas Feed-in em 1990, as energias renováveis representavam menos de 5% do total da
geração elétrica do país. Na década de 1990, após a lei, essa parcela começou a crescer, ainda
que de forma moderada, chegando a 6,6% nos anos 2000. Após a Renewable Energy Sources
Act (2000) que corrigiu algumas distorções importantes citadas anteriormente, a contribuição
da energia renovável disparou, chegando em 2015 aos 30% do total de energia elétrica gerada
no país. Como afirmado no capítulo 1, empresas alemãs também estão entre as maiores
produtoras mundiais de turbinas eólicas onshore (gráfico 12).
Outro indício importante desse desenvolvimento é o crescimento da capacidade
elétrica instalada das energias renováveis. De acordo com o gráfico 21, a capacidade instalada
da indústria de energia renovável está em ritmo crescente desde os anos 2000, com grande
destaque para a energia solar e, especialmente, eólica. Em 2015, a capacidade elétrica em
energia eólica e solar chegou próximo aos 45 GW e 40 GW respectivamente, o que
corresponde a 80% de toda a capacidade em energia renovável do país (105 GW). A
Alemanha se encontra atualmente em 2º lugar na produção e capacidade instalada em energia
solar (atrás da China) e em 3º lugar em energia eólica (atrás de China e Estados Unidos),
segundo dados de 2015 (IRENA, 2015).
Gráfico 21- Capacidade Elétrica Instalada em Energia Renovável (GW) na Alemanha,
2000-2015.
Hidrelétrica Eólica Solar Bioenergia Geotérmica Marinha
2000 9,49 6,10 0,11 1,11 0,00 0,00
2005 10,86 18,38 2,06 3,53 0,00 0,00
2010 11,22 27,18 17,55 6,61 0,01 0,00
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14
20
15
Energia Renovável Total
Hidrelétrica
Eólica
Solar
Bioenergia
Biocombustíveislíquidos
GW
129
2015 11,23 44,95 39,64 9,13 0,04 0,00
Fonte: IRENA (2016b).
A Alemanha tem na eficiência energética outro importante caminho para a
transição. Diversos planos recentes como o 3º Plano de Ação Nacional para Eficiência
Energética (2014) e o Plano Nacional de Eficiência Energética determinam, por exemplo, a
diminuição do consumo de energia primária em 20% até 2020 (2008 ano-base). No ano de
2014 houve uma queda do consumo primário de energia em 4,5% quando comparado a 2008
(gráfico 22), o que indica que os esforços ainda precisam ser intensos para que a meta seja
atingida até 2020.
Gráfico 22- Consumo Energético Primário (Mtoe) e Intensidade Energética (1).
Fonte: BP (2016a) e Banco Mundial (2013).
(1) Consumo Energético Primário (MJ)/ PIB ($2011 PPP).
Para que isso ocorra, o governo alemão estabeleceu algumas leis especialmente
relacionadas ao uso energético em construções e à etiquetagem de produtos e serviços
energéticos; leis que derivam ações nesse mesmo sentido. Destacam-se assim a Energy Saving
Act e a Energy Conservation Ordinance. A Energy Saving Act cria a base legal para que o
decreto de Conservação Energética possa atuar. Sua atuação é especialmente sobre o objetivo
de promover eficiência energética em construções (prédios, residências, entre outras). A
última versão da lei, estabelecida em 2013, introduz a obrigação para que novas construções
0.000
0.020
0.040
0.060
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20
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20
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20
14
Intesidade Energética Consumo Energético Primário
130
tenham consumo líquido de energia próximo de zero, ou seja, que a diferença entre consumo e
produção de energia seja cada vez menor. Essa exigência começa a valer para construções
públicas a partir de 2019 e para os demais a partir de 2021 (BMWi, 2017b).89
Outro instrumento legal para a conservação energética tem sido a Law on Energy
Consumption Labelling (EnVKG). Essa lei foi a construção legal da Alemanha para a
exigência realizada pela União Europeia para que os países do bloco adotassem indicações
claras de consumo energético e outros serviços e produtos relacionados à energia, a chamada
EU Framework Directive 2010/30/EU. A lei tem o objetivo de estimular a eficiência
energética através de informações claras e objetivas aos consumidores quanto ao consumo
energético de produtos tanto residenciais quanto utilizados na indústria. Esse objetivo é
atingido através das etiquetas de energia (BMWi, 2017b).90
iii) Redução e eliminação dos riscos da energia nuclear
A eliminação gradual da energia nuclear é parte fundamental da Energiewende. O
consenso antinuclear conseguido após mais de 30 anos de debates repousa na visão de que a
energia nuclear é desnecessariamente arriscada, muito cara e incompatível com as energias
renováveis (MORRIS; PEHNT, 2017). O país pretende encerrar as atividades da última planta
nuclear em 2022, segundo prevê a German Atomic Act, como visto anteriormente. Para suprir
o gap que será deixado pela energia nuclear, o país aposta nas energias renováveis e na
eficiência energética.
O gráfico 23, que apresenta a produção de eletricidade por fonte nuclear, retoma
alguns momentos importantes tratados anteriormente da relação da política energética alemã
com a produção energética nuclear. O primeiro momento representado é o crescimento
expressivo desse tipo de energia nos anos 1970-1990, período de grande incentivo à energia
nuclear suportado pelas coalisões conservadoras no poder. O segundo momento, que
corresponde ao período 1990-2000 é o momento de certa estabilização da eletricidade por
fonte nuclear, que passou a sofrer maior oposição política com a emergência de grupos
políticos anti-nucleares no poder e dividir a atenção dos policy-makers com as energias
renováveis. O terceiro período que se iniciou aproximadamente nos anos 2000 marca o
começo do arrefecimento da energia nuclear e do aprofundamento da busca pelo
89 Informações disponíveis em: <https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Artikel/Energy/energy-conservation-
legislation.html>. Acesso em: 14 maio 2017. 90 Informações disponíveis em:
<https://www.bmwi.de/Redaktion/EN/Textsammlungen/Energy/energieverbrauchskennzeichnung-von-
produkten.html?cms_artId=255482>. Acesso em: 14 maio 2017.
131
desenvolvimento das energias renováveis, especialmente pós anos 2011, com o acidente de
Fukushima e a moratória nuclear.
Gráfico 23- Produção de Eletricidade por Fonte Nuclear (% do total), Alemanha, 1970-
2014.
Fonte: Banco Mundial.
A política energética nuclear alemão é, desde o Energy Concept, uma política de
saída e abandono das usinas nucleares mais antigas, o que reforça ainda mais a importância
das energias renováveis na matriz energética alemã para as próximas décadas.
iv) Importação de energia e segurança energética
Outra questão de extrema relevância para a transição energética é a segurança
energética. Além de apostar nas energias renováveis para descarbonizar sua economia, o
governo alemão tem nas energias renováveis um instrumento de promoção de menor
dependência de importações energéticas. Devido a demanda crescente por energia,
especialmente entre os países em desenvolvimento como mostrado no primeiro capítulo, a
Alemanha, que é um país bastante importador de energia, teme escaladas de preços
energéticos em um futuro próximo.
0.00%
5.00%
10.00%
15.00%
20.00%
25.00%
30.00%
35.00%
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19
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14
132
A Alemanha importou em 2014 em torno de 60% do total de energia primária91
consumida no país (gráfico 24), representando um recorde da participação das importações na
matriz energética alemã pelo menos desde os anos 1960. Do total de energia importada para
diversos tipos de energia primária, 88,5% do carvão tipo hulha consumidos no país foram
importados em 2014, 99,5% do petróleo, 88,9% do gás natural e 100% do urânio para energia
nuclear (MORRIS; PEHNT, 2017).
Gráfico 24- Importação de energia em relação ao total de energia primária consumida.
Fonte: elaboração da autora a partir de dados do Banco Mundial.
O desenvolvimento e produção de renováveis, bem como a conservação
energética, principais motores da transição, podem diminuir essa grande dependência da
Alemanha em relação às importações energéticas, essa é a grande aposta de seus governantes.
v) Fortalecimento das economias locais e justiça social
Uma das grandes peculiaridades da transição energética alemã é o envolvimento
de pequenos proprietários e comunidades no processo de promoção de energias renováveis. O
governo alemão vem incentivando a difusão das energias renováveis em comunidades (por
meio de cooperativas) e grande parte desse apoio é financiado pelo banco de desenvolvimento
alemão (KfW) cujo suporte legal provêm da Renewable Energy Sources Act (EEG). A
intenção vai além de incentivar a utilizar uma fonte limpa de energia, mas fortalecer
91 Relembrando que energia primária é toda a forma de energia disponível na natureza antes de ser convertida ou
transformada. Por exemplo a energia disponível em combustíveis crus, energia solar, energia eólica, geotérmica,
entre outras.
0
10
20
30
40
50
60
70
19
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19
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20
06
20
08
20
10
20
12
20
14
%
133
economias locais através do efeito multiplicador do investimento local em energia que, em
grande parte é revertido para as próprias comunidades. Segundo a Renewable Energies
Agency da Alemanha, em 2012, 46% da propriedade de toda a capacidade instalada de energia
renovável estava nas mãos de particulares ou pequenos produtores rurais estando somente 5%
nas mãos das quatro grandes produtoras energéticas na Alemanha (EnBW, Rwe, Eon e a
Vattenfall da Suécia).92
O valor adicionado [ pela produção local de energia] tem ainda um outro efeito
positivo- aumenta a aceitabilidade de mudança [..]. Na Alemanha, centenas de
cooperativas surgiram nos últimos anos; nelas, os cidadãos investem de forma
coletiva em energias renováveis- e, gradativamente em eficiência energética
(MORRIS; PEHNT, 2017).
O número de cooperativas energéticas na Alemanha chegou a 10.000 unidades em
2015, enquanto em 2001 elas eram apenas compostas por 66 unidades. Esse crescimento
impressionante começou a ser percebido em 2006-2007, momento a partir do qual sofreu um
boom (MORRIS; PEHNT, 2017).
O desenvolvimento das energias renováveis não se limita somente aos objetivos
ambientais ou de segurança energética, mas é um meio que a Alemanha tem encontrado de
criar mais empregos especialmente mediante o fechamento das principais usinas nucleares e
da diminuição da produção das energias mais poluentes. O país foi responsável em 2015 por
4,4% do total de empregos acumulados globalmente no setor, o que corresponde a criação de
aproximadamente 356 mil postos de trabalho (gráfico 25).
Dentro do setor, indústria que mais se destaca nesse papel é a eólica que
corresponde a 42% dos postos de trabalho acumulados na Alemanha no setor de renováveis (e
a 2% globalmente) seguido pela indústria solar (fotovoltaica e aquecimento) que tem 13,7%
desses empregos acumulados. Destacam-se também os empregos acumulados na indústria de
biomassa e biogás.
92 Informação disponível em: <https://www.unendlich-viel-energie.de/features/good-reasons/2-more-public-
participation>. Acesso em: mar. 2017.
134
Gráfico 25- Número de Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável,
Alemanha, 2015.
Fonte: Elaboração própria a partir de IRENA (2016a).
* Correspondem a energia de marés, biocombustíveis, energia geotérmica.
Em relação aos empregos totais da economia alemã, os empregos existentes no
setor de energia renovável representam ainda uma pequena parcela do total. Em 2015, o total
de empregos acumulados no setor correspondiam a 0,8% do total que foi aproximadamente de
43 milhões segundo o Instituto Federal de Estatísticas (DESTATIS, 2017).93
3.2 O Caso Chinês
É praticamente impossível entender a história econômica recente sem considerar o
papel fundamental que a China exerce nas relações econômicas internacionais, especialmente
neste século, quanto à questão climática e a descarbonização não é diferente. O país enfrenta
um grande paradoxo que é o desejo em manter o crescimento econômico, ao mesmo tempo
em que busca maneiras de mitigar os efeitos desse crescimento sobre o meio-ambiente.
O grande desafio é proveniente da base material que sustentou o pujante
crescimento econômico apresentado no século XXI: tanto o boom de exportação de produtos
manufaturados quanto o desenvolvimento doméstico da China se deram baseados
intensivamente em combustíveis fósseis, mais especificamente o carvão, o mais poluente
93Dados do mercado de trabalho alemão podem ser encontrados no site do DESTATIS, disponível em:
<https://www.destatis.de/EN/FactsFigures/NationalEconomyEnvironment/LabourMarket/Employment/TablesE
mploymentAccounts/PersonsEmploymentSectorsEconomic.html>. Acesso em: 3 jun. 2017. A porcentagem dos
empregos acumulados no setor de energia foi obtida a partir dos dados do IRENA (2016b) sobre os empregos
renováveis e da DESTATIS sobre o mercado de trabalho.
0 50 100 150 200 250 300 350 400
Total
Eólica
Biomassa
Biogás
Solar fotovoltaica
Hidrelétrica (pequeno )
Energia geotérmica
Solar aquecimento/resfriamento
Outras *
Milhares de empregos
135
deles. Esse crescimento ao mesmo tempo em que tornou a economia chinesa a segunda maior
economia exportadora do mundo (atrás dos Estados Unidos) e tirou milhões de chineses da
pobreza trouxe consigo grandes problemas ambientais. O país é o maior emissor global de
gases do efeito estufa (gráfico 2) desde 2007 e em 2015 1,1 milhões de mortes foram
atribuídas à poluição do ar no país (COHEN et al., 2017). A China é vista pelos demais países
e organismos internacionais como detentora de grande responsabilidade para com o combate
às mudanças climáticas, mas também como um país com grande capacidade para realizar a
transição energética de baixo-carbono.
Segundo Zhang (2010), a China não pode e, de uma perspectiva internacional, não
deve continuar seu caminho convencional de crescimento econômico à custa do meio-
ambiente. O país precisa transformar sua economia de modo que os problemas ambientais
decorrentes da queima de combustíveis fósseis sejam mitigados. A necessidade de combater a
crescente poluição que afeta as grandes cidades chinesas somadas à responsabilidade de
contribuir com as metas globais de redução de emissão fez com que o país se dedicasse nos
últimos anos à eficiência energética e à promoção de energia limpa. Apesar de recente, a
história da política energética chinesa em prol de uma transição energética tem sido
desenhada com ambição (ZHANG, 2010). Na próxima seção, retoma-se a história política
energética do país e como ela foi mudando de acordo com as próprias transformações
institucionais e econômicas da economia chinesa até chegar ao século XXI, a partir do qual o
país passou a desenhar de fato um sistema político para a transição energética.
3.2.1 Da Abertura Econômica ao Novo Século
No final dos anos 1970, a China começou a abrir as portas de sua economia para o
mundo.94 Esse movimento foi marcado por uma transição institucional, transformando a
economia chinesa de centralmente planejada para um capitalismo de Estado. A transformação
das “estruturas sociais de acumulação” foram acompanhadas de uma intensa urbanização, da
emergência de uma classe capitalista e de um setor privado doméstico e internacionalizado
robusto além da formação de um imenso mercado de trabalho (MEDEIROS, 2013, p. 435).
A constituição de um “capitalismo de Estado” é um fato importante a se ressaltar.
A China, diferentemente de outras experiências de transição institucional como as que
ocorreram no Leste Europeu e na Rússia, não promoveu a eliminação completa das estruturas
provenientes da economia centralmente planejada, “o processo foi atingido com o mínimo de
94 Anteriormente o país havia passado pela chamada “Revolução Cultural” promovida pelo líder do Partido
Comunista, Mao Tsé-Tung. Para aprofundamento no tema ler Robinson (1969) e Naugthon (2007).
136
ruptura econômica e com relativa estabilidade social” (NAUGTHON, 2007, p. 88 tradução
própria). Segundo Medeiros (2013, p. 436), mesmo com transformações importantes em
direção ao mercado e no sentido de descentralização dos investimentos, o governo chinês
manteve alto controle sobre os investimentos na indústria pesada por meio de empresas
estatais e bancos públicos, além de grande coordenação do processo de desenvolvimento
econômico que pôde ser observado pela presença de planos quinquenais, controle de preços
(sobre a energia, por exemplo) e especialmente sobre os fluxos de capital estrangeiros.
Além da manutenção do controle sobre setores econômicos estratégicos e de
preços fundamentais, a abertura econômica chinesa se deu de maneira gradual. Os
reformadores chineses foram paulatinamente diminuindo as barreiras e abrindo o sistema,
possibilitando a criação de “nichos” no qual os negócios poderiam atuar, como por exemplo,
as “zonas econômicas especiais” nas quais o capital estrangeiro poderia operar livremente e
que tinham o objetivo de aumentar o investimento estrangeiro na China, além de incentivar a
transferência tecnológica (NAUGTHON, 2007, p. 87).
Transformações do sistema energético chinês estiveram relacionadas às mudanças
institucionais e políticas pós-abertura, sendo as motivações de atuação do setor transformadas
ao longo do tempo (ZHAO, 2001). A política energética chinesa era, até o final do século XX,
bastante responsiva às necessidades do crescimento econômico e da oferta e demanda de
energia. A preocupação com uma possível transição energética, por exemplo, somente
começa a surgir no início dos anos 2000 com a Renewable Energy Law e o 11º Plano
Quinquenal. Essas mudanças de postura serão discutidas adiante. Para isso, o quadro 5 abaixo
elenca alguns movimentos políticos importantes que foram construindo as ações do Estado
chinês no setor energético desde a abertura a partir de 1978.
Quadro 5- Da abertura econômica à transição energética chinesa, 1978-2007, fatos
selecionados.
Ano/Período Acontecimento
1978 • Início da abertura externa
1981-1983 • Início do 6º Plano Quinquenal (1980-1985)
• Primeira Fase- Reforma Energética
1985-1989 • 7º Plano Quinquenal (1985-1990)
• Segunda Fase- Reforma Energética
137
1991 • Início do 8º Plano Quinquenal (1991-1995)
1993-1997 • Reafirmação do controle estatal sobre o setor
energético
• Início do 9º Plano Quinquenal (1996)
• Eletric Power Law
• Energy Conservation Law
1998-99 • 2ª onda de reformas liberalizantes
• Law of the Highway
• China Energy Conservation Label
2000-2005 • 10º Plano Quinquenal
• 3ª onda de reformas liberalizantes
2006 • Renewables Energy Law
• 11º Plano Quinquenal
2007 • China se torna a maior economia emissora
de gases de efeito estufa
Fonte: Elaboração própria a partir de Medeiros (2013), Boyd (2012), Naugthon (2007) e Zhao (2001).
Como afirmado, até o final do século XX, as ações políticas chinesas direcionadas
ao setor energético tinham o intuito principal de responder as necessidades de demanda
energética, garantindo a oferta e controlando o uso de energia (ZHAO, 2001). O gráfico 26
nos ajuda a compreender esses movimentos. A partir da variação anual do PIB chinês, bem
como da variação anual da demanda final de energia e da emissão de CO2, pode-se marcar
alguns momentos importantes da política energética chinesa, complementada pelas
informações adicionais do quadro 5. O gráfico 26 apresenta quatro períodos da política
energética (marcados por 1º, 2º, 3º e 4º) relacionados especialmente aos booms de
crescimento econômico e demanda energética.
138
Gráfico 26- Variação anual do PIB, Variação do Consumo de Energia Final e Variação
da Emissão anual de CO2, China, 1975-2013.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial.
O primeiro movimento de política energética registrado pós-abertura fez parte do
desejo do governo chinês em promover crescimento econômico que, de fato, foi acelerado
logo após alguns anos de reforma juntamente com as transformações institucionais já em
curso (no gráfico 26 é possível verificar o 1º boom do PIB chinês pós abertura, no período de
1982-1985). O arranjo institucional pré-abertura controlava totalmente o setor energético
chinês sob a responsabilidade da State Planning Commission (a atual State Developnent
Planning Commission, SDPC). A SPC controlava a produção, distribuição e a alocação de
investimentos de energia e demais setores chineses a partir dos Planos Quinquenais, que
davam as diretrizes do desenvolvimento. No início dos anos 1980, imediatamente pós-
abertura, o governo chinês passou a promover mudanças importantes. A reforma do setor
energético acompanhou as reformas do sistema econômico e o país experimentou um
crescimento acelerado nos anos que se seguiram, mais precisamente entre 1982-1985. O
crescimento econômico trouxe consigo uma maior demanda por energia e o governo
presenciou a diminuição rápida de sua capacidade de suprir a demanda. Dado que a prioridade
do governo continuava sendo, assim como era pré-abertura, o crescimento econômico –
desejo expresso no 6º Plano Quinquenal95 que se iniciava em 1981 – seus governantes
precisaram realizar dois movimentos: aumentar a produção de energia e arrefecer o
crescimento da demanda.
95 Os pontos principais do 6º Plano Quinquenal podem ser encontrados no site China.org. Disponível em:
<http://www.china.org.cn/english/MATERIAL/157619.htm>. Acesso em: 31 maio 2017.
-5.0%
0.0%
5.0%
10.0%
15.0%
20.0%
-10%
-5%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
19751977197919811983198519871989199119931995199719992001200320052007200920112013
Variação Emissão de CO2 per capita Variação Consumo de Energia Final Variação PIB
1º
3º2º
4º
139
O governo chinês buscou, portanto, reestruturar as instituições de modo a colocar
em prática políticas direcionadas para esse fim. Segundo Zhao (2001), o governo promoveu
duas grandes reestruturações governamentais (1981-1983 e 1985-1989) no setor energético
que marcaram as primeiras políticas, de fato, concernentes ao setor. Essas mudanças
buscavam separar a produção e a distribuição da energia da administração governamental a
fim de dar maior autonomia às empresas do setor, introduzir corporações energéticas ao
sistema energético institucional e estabelecer instituições capazes de promover a economia
energética. Um dos grandes marcos desse movimento foi a criação em 1981 da State Energy
Commission (SEC), órgão que passou a ser responsável pela coordenação do desenvolvimento
energético, mas que logo em 1983 foi dissolvido sob a justificativa de era preciso simplificar
a estrutura institucional (ZHAO, 2001, p. 4).
A primeira onda (1981-1983) de mudanças se deu especialmente na indústria de
petróleo. Em 1960, o país descobriu grandes jazidas domésticas de petróleo e era necessária a
criação de instituições adequadas para estimular sua produção. Para isso, o governo dividiu o
Ministério do Petróleo em três organizações: I) China National Offshore Oil Corporation
(CNOOC), responsável pelo petróleo offshore e internacional, ii) China National
Petrochemical Corporation (Sinopec), responsável pelo petróleo como insumo da indústria
química e iii) China National Petroleum Corporation (CNPC), responsável pelo petróleo e
gás natural doméstico. Segundo Yang, Dual e Zhijie (1994) o desmembramento desse
ministério pode ser considerado o primeiro movimento de “descentralização” do setor
energético pelo governo central.
Na segunda onda (1985-1988), com o 7º Plano Quinquenal, as reformas se
estenderam para os demais sub-setores, reforçando a saída do governo central da produção de
energia. Nesse contexto, os ministérios governamentais foram sendo substituídos por
corporações energéticas públicas responsáveis pela produção de carvão, petróleo e energia
elétrica, como a Huaneng Eletricity Generation Corporation,96 a China National and Oil and
Natural Gas Corp, China National Coal Corp, entre muitas outras. O Ministério de Energia
era formado por um corpo coordenador, cujas funções estavam delimitadas a desenvolver
estratégias de desenvolvimento energético, planejamento produtivo de longo-prazo e de
“avistar” projetos energéticos futuros, além de supervisionar as ações das corporações sob sua
tutela (YANG; DUAN; ZHIJIE, 1994, p. 8-10).
96 Renomeada Huaneng Group em 1988. Constitui hoje uma das cinco maiores empresas públicas na China. Ela
é administrada pelo State Council of the People’s Republic of China.
140
Destaca-se que, nos anos 1980, o carvão já dominava a oferta energética chinesa
(gráfico 27) e grande parte dos esforços do governo no setor energético consistia em manter a
oferta das plantas de carvão. Todavia, ressalta-se que também nos anos 1980 o governo chinês
iniciou a condução de P&D para a energia nuclear, mas que nesse momento, nenhuma política
foi criada propriamente com o intuito de transformar a energia nuclear em fonte energética,
muito menos para se preparar para seus inconvenientes ambientais e sociais (ZHAO, 2001).
Gráfico 27- Produção Energética Primária (Mtoe) China, 1970-2006.
Fonte: China Energy Databook.
Os principais instrumentos utilizados no período foram sistemas de contrato de
responsabilidade, reforma dos preços e políticas de eficiência energética. O sistema de
contratos foi estabelecido com o intuito de facilitar a transição da economia planificada para
uma economia de mercado e consistiam na definição de cotas de produção para as empresas e
às empresas era permitido vender seus produtos acima da cota no mercado. Esse sistema
pretendia encorajar a produção energética já que o preço de mercado era superior ao preço
controlado pelo governo. Já a reforma de preços tentava promover a transição dos preços
energéticos totalmente controlados e altamente subsidiados pelo governo até os anos 1980
para preços de mercado estabelecendo diferentes faixas de acordo com critérios como fonte
energética, tamanho da planta de produção, entre outras (estrutura de preços duplos ou
múltiplos) inicialmente para carvão e petróleo e, posteriormente, para o gás natural e setor
elétrico (YANG; DUAN; ZHIJIE, 1994).
0
500
1,000
1,500
2,000
2,500
Carvão Petróleo Gás natural Eletricidade
Mtoe
141
As políticas de eficiência energética são o destaque do período de transição. O
estabelecimento de estruturas institucionais para a conservação de energia estava aliado ao
desejo declarado do governo chinês em promover um grande crescimento econômico no pós-
abertura. Isso somente seria possível com a garantia de oferta energética e de melhor
aproveitamento energético. Para isso, o governo chinês criou uma série de regulações e
instituições desde o começo da década de 1980, como o estabelecimento do Office of Energy
Conservation sob a tutela do State Council, várias divisões de conservação de energia e mais
de 200 centros tecnológicos de conservação energética,97 além de uma estrutura burocrática
(comissões e ministérios) alinhadas ao objetivo de fazer melhor uso dos recursos energéticos.
O intuito principal do governo era segundo Zhao (2001) o de reduzir a demanda energética
através da queda da intensidade energética.98 O governo chinês liderou investimentos no setor
energético e instaurou atividades de regulação com o intuito de promover economia.
Após um período de desaceleração no final dos anos 1980, a China retoma uma
nova trajetória de crescimento econômico (1991-1995), mesmo ano em que seu 8º Plano
Quinquenal foi lançado (2º momento do gráfico 26). Nesse período, a China atingiu seu maior
crescimento econômico desde 1950, chegando seu PIB a um crescimento médio de 13% a.a.
Esse novo boom reforçou a necessidade das políticas de conservação energética que vinham
sendo realizadas.
Todavia, existe a partir de 1993 uma quebra importante das reformas
liberalizantes que estavam sendo postas em prática desde a década passada. O governo chinês
retomou o controle de alguns poderes em relação à energia, por exemplo, voltando a interferir
diretamente no planejamento de curto prazo da produção de energética e na sua supervisão,
bem como aumentou seu controle sobre os investimentos do setor. Um exemplo desse
movimento foi a dissolução do Ministério de Energia em 1993 e a criação em seu lugar da
State Economic and Trade Commission (SETC)99 em 1994. Segundo (ZHAO, 2001) essas
variações entre maior e menor controle do governo sobre a economia é consistente com a
lógica do sistema institucional chinês que transita entre controle (shou) e não-interferência
(fang) de acordo com a percepção da perda ou não de controle do governo sobre as atividades.
Quando o governo chinês está a controlar demais, há uma tendência a descentralizar o poder
em direção aos governos locais e indústrias e o contrário também é verdadeiro. Portanto, 97 Esses centros tecnológicos eram responsáveis por prover consultoria tecnológica, monitoramento e
treinamento, especialmente para a indústria, em relação ao uso mais eficiente da energia (ZHAO, 2001, p. 6). 98 O conceito de intensidade energética e seu cálculo foram explicados na seção 1.2.3. 99 Agência subordinada ao State Planning Commission (SPC) que se tornou a National Development and Reform
Comissiono of the People’s Republic of China (NDRC), que atualmente, como antes, controla o planejamento
econômico da economia chinesa.
142
nesse período, as reformas que pretendiam descentralizar o setor energético pararam e, em
certa medida, regrediram.
A conservação energética, entretanto, se apresentava ainda como o principal
objetivo do governo e os problemas ambientais começavam a ganhar um status mais
importante, devido à poluição que começava a se apresentar nas grandes cidades chinesas.
Um importante marco de política energética da década foi a Energy Conservation Law de
1997100 que, em termos gerais, buscou promover a conservação energética na sociedade
chinesa, aumentar os benefícios econômicos de medidas que buscassem maior eficiência
energética, proteger o meio ambiente e garantir desenvolvimento social e econômico.
No 9º Plano Quinquenal (1996-2000), o país iniciou diversos programas nacionais
que tinham como foco promover a eficiência energética e aumentar a preocupação com o
meio ambiente. Outras ações foram desencadeadas após o 9º Plano para diversos setores, no
setor elétrico foi instituído pela primeira vez a China Energy Conservation Label (1999),
derivada da Energy Conservation Law que exigiu a etiquetagem de produtos de acordo com
seu consumo de energia e no setor de transportes a Law of the Highway (1998)101 que inseriu
um sistema de taxação para combustíveis que tinha a intenção de incentivar o
desenvolvimento de tecnologias automobilísticas mais eficientes e limpas, bem como reduzir
imediatamente a poluição. O país começa também na década de 1990 a diversificar suas
fontes iniciando o desenvolvimento de energias renováveis – especialmente geotérmica e
eólica – e gás natural e a energia nuclear. As políticas desenhadas a partir do 9º Plano
Quinquenal pretendiam promover as energias renováveis com o apoio do governo através de
subsídios, baixas taxas de juros para financiamento de projetos, isenção de taxas entre outras
políticas estimuladoras.
O período de 1998-1999 marca a transição para uma nova onda de reformas
liberalizantes na economia chinesa. Em março de 1998, o governo chinês anunciou uma série
de medidas com a justificativa da necessidade de reorganizar e racionalizar recursos de
agências governamentais, bem como reestruturar companhias estatais. Nesse período, o
número de ministérios sob a tutela do State Coucil foi reduzido de 40 para 29, havendo
também redução do efetivo público. No setor energético, as principais medidas repousaram na
tentativa de simplificar o setor, bem como separar o controle comercial dos policy makers e
reguladores (IEA, 2006). Essa reestruturação teve como consequência o aumento do poder de
100 Texto de lei disponível em inglês no site do National People’s Congress of the People’s Republic of China:
<http://www.china.org.cn/english/environment/34454.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. 101 Texto de lei disponível em inglês: <http://www.npc.gov.cn/englishnpc/Law/2007-
12/11/content_1383545.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017.
143
decisão das grandes corporações no planejamento e produção, bem como no investimento,
ainda que sempre observadas pelo governo central. Dentre essas corporações que emergiram
na reestruturação e que se destacam estão a State Power Corporation, que detinha o grande
monopólio de geração e distribuição de energia elétrica (46% da capacidade de geração
elétrica e 90% da capacidade de distribuição).
Nos primeiros anos do século XXI, o mundo presenciou o enorme crescimento da
economia chinesa (indicado como 3º no gráfico 26). Esse momento do país, marcado por uma
nova escalada do PIB veio acompanhado de uma explosão da demanda energética e,
especialmente, pelo aumento exorbitante da emissão de gases do efeito estufa, representatos
no gráfico pela variação de emissão per capita de CO2.
O início do século foi marcado também pela 3ª última onda recente de reformas
liberalizantes no setor energético em 2002. O marco dessas reformas foi a fragmentação da
State Power Corporation em 11 empresas estatais novas ou reagrupadas. Duas grande
companias de distribuição, a State Grid Corporation of China (SG) cobrindo 26 províncias e
a China Southern Power Grid Company (CSG) cobrndo 5 provincías do sul. Cinco companias
de geração elétrica: China Huaneng Group, China Datang Corporation, China Huadian
Corporation, China Guodian Corporation, China Power Investment Corporation, as quais
não devem ultrapassar 20% de market-share cada nas respectivas regiões que atuam, além de
outras quatro companias de serviços elétricos.
Como anunciado em 2007, a China ultrapassa os EUA em montante anual de
emissões e isso está intimamente relacionado ao padrão de crescimento chinês, fator
anunciado também no início dessa seção. Mediante essa realidade, as principais mudanças de
política energética do país em direção aos renováveis foram apresentadas no novo século. Até
o 10º Plano Quinquenal (2000-2005), as metas de eficiência energética, políticas de promoção
de energias renováveis e de controle de emissões eram mínimas.102 Com o 11º Plano
Quinquenal (2006-2010) a China passou a apresentar ao mundo uma nova perspectiva. A
política ambiental passou a ser introduzida no planejamento do governo interagindo com
políticas energéticas e tecnológicas existentes e a China passou a se apresentar ao mundo
como uma economia disposta a ser protagonista no combate às mudanças climáticas e na
transição energética para uma economia de baixo-carbono, característica que vem se
reforçando a cada novo plano quinquenal.
102 Mais informações sobre isso estão presentes no quadro 8.
144
O grande destaque dessa “inflexão” (4º momento do gráfico 26) de políticas foi a
primeira versão da Renewable Energy Law criada em 2005, no último ano do 10º Plano
Quinquenal. Essa lei estabeleceu políticas-chave incluindo metas nacionais de energia
renovável, uma política mandatória de compra de energia renovável, um sistema nacional de
tarifas feed-in103 e acordos para o custeamento e financiamento compartilhado de incentivos
econômicos para energias renováveis, características que serão aprofundadas posteriormente.
Em seu atual 13º Plano Quinquenal o governo Chinês ressaltou a recente
preocupação ambiental e incluiu metas inéditas para a redução de mini partículas atmosféricas
(PM 2.5), além de reforçar metas de conservação do uso da água e de tratamento da rede
hidrográfica. Um Sistema Nacional de Emissões é previsto para 2017 e um Fundo de
Desenvolvimento Verde também foi previsto pelo plano para prover financiamento para a
indústria invista em consumo renovável e mais eficiente. Grande parte das metas energéticas e
ambientais existentes no plano são provenientes do Plano de Ação Estratégico de
Desenvolvimento Energético 2014-2020 e da Environment Protection Law (2015) e algumas
delas, especialmente as relacionadas à emissão de CO2, foram atualizadas com as Intended
Nationally Determined Contribution (INDC’s) para a COP21. O 13º Plano Quinquenal
estabelece uma redução da intensidade energética (Consumo Energético por unidade de PIB)
em 15%.
Apesar dos claros avanços recentes a empolgação com a nova posição política da
China no combate às mudanças climáticas não é uma unanimidade. A principal motivação do
governo chinês é ainda muito questionada, dado que não ficou totalmente claro para os
observadores se as políticas com foco em meio-ambiente são meras consequências da
necessidade urgente de lidar com problemas de poluição doméstica e estão a reboque do
crescimento econômico ou se são parte de um verdadeiro desejo de evitar uma catástrofe
climática, mesmo com o comprometimento inédito do país com metas de redução de emissões
no Acordo de Paris.
Uma questão importante e que merece destaque no processo de transição
energética chinês é o papel da energia nuclear. Diferentemente do que ocorre na Alemanha e
em outros países, a China tem na energia nuclear uma grande aposta para suportar suas metas
de crescimento econômico – outro elemento utilizado pelos críticos para afirmar que a
preocupação chinesa em promover a transição não é a questão ambiental já que muitos
103 As tarifas feed-in chinesas, assim como em todos os países, foram inspiradas no sistema alemão, mas foi
criada com algumas características particulares. Questão que será discutida com mais detalhamento adiante.
145
consideram a energia nuclear como não limpa. E além disso, não existe uma intenção clara de
abandonar o uso do carvão, mas sim de fechar plantas antigas, mais ineficientes e pequenas e
encorajar a construção de plantas maiores, mais eficientes e limpas, as chamadas plantas
efficient supercritical (SC) ou ultra-supercritical (USC)104 (ZHANG, 2010)
Segundo (BOYD, 2012), desde a Renewable Energy Law três ideias principais
suportam a novo foco da política energética e climática chinesa. A primeira delas é a
redefinição de segurança energética para incluir os riscos quanto ao suprimento interno de
oferta energética mediante a explosão do consumo energético do país na primeira década do
século XXI, algo que promoveu a emergência de metas ambiciosas de eficiência energética
nos últimos dois Planos Quinquenais. A segunda corresponde à crescente preocupação com as
limitações ao crescimento colocadas pelas questões ambientais, bem como os deletérios
efeitos ambientais da atividade econômica que têm construído no país uma retórica para um
desenvolvimento sustentável. E por último e também muito importante está o desejo por
liderança no mercado de baixo-carbono. Grandes montantes de financiamento público para
desenvolver o setor eólico e solar tem dado indicações de que o governo tem imensos
interesses em tornar a China uma grande competidora e, possivelmente, a economia líder no
mercado de baixo-carbono. Cada um desses objetivos será aprofundado adiante.
i) Segurança energética doméstica
Um dos grandes objetivos da política energética contemporânea chinesa é fazer
face à crescente demanda energética resultante do crescimento econômico sem precedentes
dos últimos anos. No gráfico 28 é possível observar a elevação do consumo de energia
primária a partir dos anos 2000. No gráfico 29, tem-se uma estabilização da intensidade
energética, que vinha caindo desde os anos 1990, ou seja, dado que a intensidade energética é
a razão entre o consumo de energia primária e o PIB, o crescimento anual do consumo de
energia compensou o crescimento anual do PIB e, em alguns momentos, o superou, como no
caso do próprio ano 2000 cujo crescimento do consumo de energia primária em relação a
1999 superou o crescimento do PIB em 5%. Foi justamente no meio desse boom do PIB –
que atingiu o maior patamar no ano de 2007 (14,2%) – que o Estado chinês percebeu que essa
trajetória se tornaria insustentável em breve e medidas concretas para aumentar a eficiência
energética e desenvolver novas fontes de energia eram necessárias.
104 Plantas SC ou USC são tecnologias altamente eficientes que, consequentemente, usam menos carvão e
reduzem a emissão de CO2. Segundo o IEA Clean Coal Center, a emissão de CO2 pode ser reduzida em 23% por
unidade elétrica gerada se as plantas subcríticas existentes fossem substituídas por essas tecnologias.
146
Gráfico 28- Consumo de Energia Primária (1970-2015) em Mtoe (1).
Fonte: BP (2016a).
(1) Million Tonnes of Oil Equivalent.
Gráfico 29- Intensidade Energética, China, 1990-2014.
Fonte: Banco Mundial.
O país sofreu em 2002 crises energéticas que causaram blackouts e cortes de
energia de grande escala e mais de uma vez desde então cortes no fornecimento de carvão e
-
500.0
1000.0
1500.0
2000.0
2500.0
3000.0
3500.01
97
0
19
72
19
74
19
76
19
78
19
80
19
82
19
84
19
86
19
88
19
90
19
92
19
94
19
96
19
98
20
00
20
02
20
04
20
06
20
08
20
10
20
12
20
14
Mtoe
0
5
10
15
20
25
19
90
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
20
00
20
01
20
02
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
147
de eletricidade ocorreram deixando fábricas, empresas e até mesmo redes locais inteiras com
racionamento energético. Durante o Festival de Primavera105 de 2008, 19 províncias sofreram
com grandes interrupções de energia (BOYD, 2012).
Além disso, a relação entre o total de reservas existentes e a produção anual total
de energia demonstram que, ao continuar com a mesma taxa de produção, a China teria
reservas para uma quantidade de anos bem menor que para o resto do mundo o que pode
significar que grandes quantidades de recursos energéticos terão que ser importados para
suportar um crescimento futuro, caso sua matriz energética continue dependente de
combustíveis fósseis que são fontes energéticas limitadas, como pode ser observado na tabela
3. Pela relação reserva-produção, a China teria 30 anos de reservas próprias disponíveis de
carvão, 11,9 anos de petróleo e 25,7 anos de gás natural segundo o Statistical Yearbook da
British Petroleum.
Tabela 3- Relação Reserva-Produção (R/P) (1), 2014
China OCDE Não-OCDE Mundo
Carvão 30,0 191,0 83,0 110,0
Petróleo 11,9 30,3 60,1 52,5
Gás Natural 25,7 15,6 75,8 54,1
Fonte: BP (2016b).
(1) O índice (R/P) é calculado a partir do montante de reservas existentes em um ano sobre a produção de
energia primária de cada fonte naquele ano.
Frente a um consumo crescente de energia, a China tem visto suas importações
energéticas dispararem. Ao final dos anos 1990, a China passou de exportadora líquida de
energia para importadora líquida de energia, ou seja, a diferença entre exportações e
importações é negativa. O gráfico 30 expõe a porcentagem de importações presentes no total
de uso ou consumo energético de energia primária no país.
105 O Festival da Primavera é a celebração do ano novo chinês que ocorre no primeiro dia do primeiro mês lunar,
na transição do inverno para a primavera.
148
Gráfico 30- Importações líquidas de energia como porcentagem do uso energético, 1971-
2013.
Fonte: Banco Mundial.
Em 2004, a National Development and Reform Commision (NDRC), o principal
órgão responsável pelas estratégias econômicas de longo-prazo do país, afirmou em nota
oficial que “não importa se aumentarmos a oferta energética ou usarmos recursos
internacionais, [ o sistema energético da China] estará sob enorme pressão”. Mediante essa
situação alarmante, o governo chinês iniciou medidas mais ambiciosas e no 11º Plano
Quinquenal determinou uma meta de redução da intensidade energética em 20% para 2010
em relação a 2005, uma redução de 3,71% a.a, a chamada Energy Intensity Reduction Target,
um dos programas do Medium and Long-tern Plan of Energy Conservation. O 11º Plano
Quinquenal incorporou, pela primeira vez, um grande programa de eficiência energética se
tornando um grande ponto de inflexão na política e refletindo um novo patamar de ambição
do governo chinês em relação à política energética (quadro 6).
Quadro 6- Metas de eficiência energética nos planos quinquenais.
Anos Plano Metas
1953-1980 1º ao 5º sem metas
1981-1985 6º redução da intensidade energética entre 2,3%-3,5%
1986-1990 7º redução do consumo de energia em 1,29 – 1,14 tce a cada ¥1000
1991-1995 8º redução da intensidade energética entre 2,2%
1996-2000 9º redução geral do consumo energético em 1,45 tco
-10
-5
0
5
10
15
19
71
19
73
19
75
19
77
19
79
19
81
19
83
19
85
19
87
19
89
19
91
19
93
19
95
19
97
19
99
20
01
20
03
20
05
20
07
20
09
20
11
20
13
%
149
2001-2005 10º sem metas
2006-2010 11º redução da intensidade energética em 20%
2011-2015 12º redução da intensidade energética em 16%
2016-2020 13º redução da intensidade energética em 15%
Fonte: elaboração própria baseado em Boyd (2012) e IEA (2017).
O Medium and Long-tern Plan of Energy Conservation foi criado em 2004 para
fazer face aos desafios de eficiência energética a partir do 11º Plano Quinquenal, cobrindo até
então os períodos de 2005-2010 e 2010-2020. Esse é um grande plano que inclui 10
programas de conservação energética, cujas metas procuram atingir usinas de carvão, sistemas
de motores elétricos, co-geração de energia (eletricidade e aquecimento), reaproveitamento do
lixo industrial para fins energéticos, otimização dos sistemas energéticos, monitoramento do
gasto energético, entre outros. Dentro e fora desse programa outras medidas mais específicas
foram sendo implantadas como a Energy Label (2005), o Energy Conservation in
Government (2006), Vehicle Fuel Economy Standards (2006), a Top 1000 Industrial Energy
Conservation Programme (2006) e o National Building Standards como descritas no quadro
7.
Após a transformação da política energética iniciada no início dos anos 2000,
novos planos foram sendo desenhados dentro 12º e 13º Planos Quinquenais como o Energy
Saving and New Energy Automotive Industry Development Plan (2012) que tem como
objetivo principal atingir o setor automobilístico, acelerando e incentivando a indústria a
produzir veículos mais eficientes ou que utilizem energias limpas. Outro plano interessante é
o Plan for accelerating the development of energy conservation and envirnmental protetion
related industries (2013) lançado pela Energy Conservation and Environmental Protection
Group106 que tem como principal objetivo apoiar indústrias de conservação energética que
desenvolvam e fabriquem produtos, equipamentos e serviços com foco em eficiência
energética. Por meio desse plano o governo chinês atua em sete direções políticas principais:
acelerar a reforma dos preços de energia/recursos, aumentar o apoio promovido por política
fiscal e tributárias, aumentar canais de investimento e financiamento, melhorar políticas de
importação e exportação, melhorar o suporte técnico, melhorar regulações e padronização e
enfatizar monitoramento, execução e gestão (IEA, 2017).
O Strategic Action Plan for Energy Development (2014), por exemplo, foi criado
para reforçar o papel estratégico da economia energética, tornando-a prioridade no setor
elétrico, industrial, construção e transporte. Algumas de suas medidas incluem um teto de
106 Uma empresa estatal que tem como missão promover a eficiência energética e proteção ambiental.
150
consumo energético primário em 4,8 bilhões de toneladas de carvão equivalente (tce), com o
consumo de carvão limitado a 4,2 bilhões de toneladas até 2020. Apesar do consumo primário
crescente, a China conseguiu diminuir o nível de sua intensidade energética que tem, nos
últimos anos, permanecido estável.
Dentro desses novos planos derivados dos 12º e 13º Plano Quinquenais, as
medidas citadas anteriormente continuam em vigor e algumas novas merecem destaque como
o Tax Reduction for Energy Saving and New Energy Automobiles (2012), Subsidies for
Efficient Household Appliances (2012) e Energy Efficiency Leader Scheme (2015), também
descritas abaixo.
Quadro 7- Eficiência Energética, China, Políticas. Selecionadas.
Tipos Medidas e Programas Propósitos
Leis
Energy Conservation
Law
Reduzir o consumo energético doméstico. Incorporar a conservação e eficiência
energética no planejamento econômico e social da China.
Energy Label
Derivada da Energy Conservation Label de 1999, instituiu uma etiqueta de eficiência
energética aos produtos que vai de 1 (menos eficiente) para 5 (mais eficiente). Além
disso, a medida ordena que os produtores apresentem relatórios de desempenho
desses produtos.
Padrões
Econômicos
Vehicle Fuel Economy
Standards (tarifas sobre
veículos)
Implantou padrões de eficiência energética para veículos pesados em sua primeira
fase. No segundo momento, em 2008, estendeu as exigências para veículos leves. Os
padrões classificam os veículos em 16 categorias baseadas no peso do veículo sob os
quais incidem tarifas próprias sobre o preço dos veículos.
National Buildins
Standards
O governo chinês estabeleceu pela primeira vez em 2007 (passando a valer em 2008)
um Padrão Energético de Construção como parte do 11º Plano Quinquenal. Esse
padrão exigia uma redução de 50% da carga energética total de operação de
construções em relação ao consumo presente nos anos 1980. Essa regulamentação é
válida para construções residenciais, comerciais e prédios públicos, sendo o seu não-
cumprimento passível de multa de ¥ 200 a ¥500 mil para construtoras.
Assessoria
técnica e
certificações
públicas
Top 1000 Industrial
Energy Conservation
Programme “
Prover informação técnica e assistência para que as empresas tenham informações
sobre a evolução de seu consumo energético e recebam treinamentos e orientações
para evoluírem no sentido da eficiência energética
Energy Efficiency Leader
Scheme
Promover maior eficiência energética entre produtos e equipamentos de alto
consumo energético, indústrias intensivas em energia e instituições públicas. Marcas
e produtores recebem etiquetas do programa China Energy Label quando atingem ou
ultrapassam patamares específicos de eficiência energética.
151
Compra
pública
Energy Conservation in
Government
Ao adquirir produtos e equipamentos (compras públicas), os governos federais,
estaduais e municipais devem dar prioridade aqueles presentes na Lista de Eficiência
Energética e em caso de contratos públicos o responsável pelo serviço e/ou produto
deve deixar explícito as normas de eficiência energética, qualificação dos produtos e
prioridade de eficiência energética, caso o contrário pode sofrer recurso legal e não-
pagamento. Em 2012, o governo complementou essas medidas com a aplicação de
taxas sob produtos e serviços menos eficientes, bem como o oferecimento de
subsídios para incentivar o uso público de aparelhos mais eficientes e de baixo-
carbono
Preços
diferenciais
Esquema de preços
diferenciais
Preço diferentes para indústrias e produtos intensivos em energia. Além disso, os
consumidores são cobrados pelo aquecimento de acordo com o consumo residencial
médio
Incentivos
Financeiros
Subsidies for Efficient
Household Appliances
Adotada somente no ano de 2012, essa medida liderada pelo State Council tinha um
orçamento de U$4,2 bilhões para subsidiar a compra de variados aparelhos
domésticos elétricos de baixo-consumo (entre eles refrigeradores, máquinas de lavar,
ar-condicionado), lâmpadas mais eficientes e LEDs, veículos com motores abaixo de
1.6L e máquinas elétricas altamente eficientes.
Tax reduction for energy
saving and new energy
automobiles
Desde 2012, essa medida reduziu pela metade os impostos sobre veículos e
embarcações energeticamente eficientes e isentou do pagamento de impostos
veículos movidos por novas energias (leia-se não fósseis)
Fonte: elaboração própria a partir de IEA (2017).
As medidas de eficiência energética não estão, entretanto, isoladas de outros
sustentáculos da política energética contemporânea na China se dando em conjunto com
políticas de mitigação das mudanças climáticas e, principalmente com o desenvolvimento
tecnológico de alternativas energéticas aos combustíveis fósseis.
ii) Desenvolvimento sustentável
Segundo Boyd (2012), nos anos 1980 e 1990, a frase “primeiro desenvolvimento;
depois meio ambiente, primeiro poluir, depois limpar” se encaixava perfeitamente na
realidade chinesa que subordinava totalmente as questões ambientais ao crescimento
econômico e não suscitava nenhuma preocupação ou ação do governo chinês, no entanto,
assim como a conservação de energia passou a ter destaque a partir do 11º Plano Quinquenal,
a questão ambiental passou a figurar no planejamento de longo-prazo do governo. Duas
razões principais estão ligadas a essa mudança de postura: a pressão internacional e as
consequências ambientais desastrosas do padrão de crescimento intensivo em carbono.
É amplamente reconhecido que vencer o desafio das mudanças climáticas sem a
participação da China – o maior emissor de CO2 no mundo – é impossível. A pressão dos
organismos internacionais para que a China se comprometesse com a descarbonização teve,
152
todavia, resultados somente nos últimos anos quando o país deixou de adotar uma postura
defensiva quanto à redução das emissões e passou a se considerar uma peça-chave no
combate aos problemas climáticos. Aliada à pressão internacional por ações, a China vem
sofrendo com a poluição doméstica resultante do predomínio do uso do carvão mineral como
fonte de energia e aquecimento. O carvão não só é responsável por grande parte das emissões
de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, mas de dióxido de enxofre (SO2), além de outras
substâncias altamente nocivas ao meio ambiente. Em 2014, 1,1 milhão de mortes foram
atribuídas à poluição na China (COHEN et al., 2015) . Portanto, combater o problema
ambiental doméstico e seus efeitos globais são inevitáveis.
Após o 11º Plano, a necessidade de combater a mudança climática começou a ter
relevância crescente no debate acadêmico e político e alguns documentos importantes como o
National Assessment Report on Climate Change (2007) e White Paper on China’s Climate
Change Actions and Policies (2008) ressaltavam as consequências de um padrão de produção
e consumo baseado em carbono, bem como os perigos da manutenção do crescimento sobre
essas bases. Todavia, somente no 12º Plano Quinquenal (2011-2015) essa postura foi
formalizada e o governo chinês cunhou a necessidade de um caminho de desenvolvimento
mais sustentável. Ressaltou-se nesse plano a necessidade de estabelecer a ideia de um
desenvolvimento verde, de baixo-carbono, com ênfase na eficiência energética e redução das
emissões, além de acelerar a construção de modelos de produção e de consumo sustentáveis
(BOYD, 2012).
Segundo o (NDRC, 2014, p. 1),
uma responsabilidade ativa pela mudança climática não é somente responsabilidade
da China por sua extensa participação na governança global e construção de um
destino comum para a humanidade, mas também pela necessidade inerente de atingir
um desenvolvimento sustentável.
O quadro 8 traz características da política climática chinesa de 1988-2015.
Quadro 8- Evolução da Política Climática Chinesa, 1988-2015.
Anos Eventos Políticas
1988 China entra no IPCC Não há política climática doméstica
1992 China entra na UNFCCC Não há política climática doméstica
1991-
2005
8º ao 10º Plano Não há política climática doméstica/foco do governo é no
direito da China em se desenvolver sem limites de emissão
2006 11 º Plano Declarações da necessidade de reduzir a emissão de gases do
efeito estufa
153
2007 Lançamento do National Assessment Report
on Climate Change
O relatório destaca a importância da busca de um
desenvolvimento sustentável e dá origem ao National
Climate Change Program
2008 Lançamento do White Paper on China's
Climate Change Actions and Policies
Reforça os perigos da poluição e mudança climática
2009 UNFCC COP15 Conferência de Copenhagen Garantias voluntárias de redução das emissões de 40-45%
até 2020
2011 12º Plano Quinquenal Redução das emissões em 17%; pilotos de Esquema de
Preços de Carbono
2011 Segundo White Paper of China's Climate
Change Actions and Policies
Ressalta a importância de políticas complementares ao 12º
Plano
2013 National Strategy for Climate Change
Adaptation
Conjunto de diretrizes e princípios para adaptar a economia
à mudança climática para 2020
2014 China's Policies and Actions on Climate
Change
Conjunto de medidas que reforçam as diretrizes do 12 Plano
2015 Contribuições Nacionalmente Determinadas
para o Acordo de Paris
Reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 60-65% até
2030; aumentar a parcela de consumo energético de não-
fósseis para 20% até 2030
Fonte: Elaboração baseada em Boyd (2012) e IEA (2017).
A partir do 12º Plano Quinquenal, o desenho de um desenvolvimento sustentável
desde a China já estava mais consolidado. Relatórios importantes do governo chinês, como o
White Paper of China’s Climate Change Actions and Policies (2011) e o National Strategy
for Climate Change Adaptation (2013) mostram a intenção da China em introduzir em sua
política de desenvolvimento a proteção ambiental, controle de gases do efeito estufa e
promover a capacidade do país em possuir um desenvolvimento sustentável, bem como a
adaptação de diversos setores às mudanças climáticas. China’s Policies and Actions on
Climate Change (2014), imediatamente antes do Acordo de Paris, reforça as diretrizes que
vinham sendo tomadas desde o 12º Plano: mitigação do efeitos sobre o meio-ambiente,
adaptação e desenvolvimento de projetos de baixo-carbono.
iii) Liderança no mercado de baixo-carbono
Um dos principais meios de se atingir os dois grandes objetivos anteriores de
segurança energética e mitigação das mudanças climáticas é reconhecidamente o
desenvolvimento tecnológico e industrial de energias renováveis. E a China tem se tornado
uma referência em investimento e desenvolvimento dessa indústria nos últimos anos.
A China tem demonstrado cada vez mais estar interessada não só em desenvolver uma
indústria doméstica de baixo-carbono, mas se tornar uma líder mundial no setor. Em meio à
crise de 2008, em que vários países abandonaram projetos ou reduziram drasticamente os
investimentos em energias renováveis e novas energias, o país revisou sua meta de produção
solar doméstica para 20GWs até 2015; naquele momento o país possuía 3GWs de energia
154
solar, o que correspondia a 0,4% do total de capacidade elétrica doméstica do país. No mesmo
período, a China adotou tarifas feed-in para energia solar e eólica. Até aqui, as metas de
energias renováveis e novas energias só tem sido mais e mais ambiciosas (MAZZUCATO;
SEMIENIUK; WATSON, 2015).
O país começou a desenvolver energias renováveis nos anos 1980, focando em
energia solar e eólica nos anos 1990. Todavia, à época, seu interesse era essencialmente
técnico; as energias renováveis foram vistas como uma solução para áreas rurais que careciam
de energia elétrica (HOPKINS; LAZONICK, 2012). Esse pequeno desenvolvimento de
energias alternativas estava, portanto, muito longe de ser uma solução, um instrumento contra
uma crise energética. Entretanto, como afirmado anteriormente, com o rápido crescimento
econômico e o aumento substancial do consumo energético, as condições de desenvolvimento
econômico nos padrões até então adotados se deterioraram. Segundo Zeng, Li e Zhou (2013,
p. 37) desenvolver energias renováveis na China é a chave para saúde da população chinesa,
bem como para uma busca rápida de um desenvolvimento sustentável e o governo chinês,
mediante as metas bastantes ambiciosas para as energias renováveis que vem apresentando,
parece ter percebido essa relação.
O marco do início de um sistema político de energia renovável é de 2005 com a
aprovação da Renewable Energy Law. Essa foi a primeira lei aprovada no país que fazia
referência às energias renováveis e foi fundamental para direcionar sua evolução. A
Renewable Energy Law coloca o desenvolvimento das energias renováveis como uma política
estratégica de desenvolvimento e possibilitou um conjunto de políticas que estabelece as
condições para que as energias renováveis se tornem a principal energia do país e inclui todas
as suas formas modernas, i.e eólica, solar, hidro, biomassa, geotérmica e oceânica. A partir
dessa lei, as energias renováveis se tornaram uma área preferencial da pesquisa e
desenvolvimento, do desenvolvimento industrial e tecnológico da China e sua principal
política de fomento, as tarifas feed-in, ganharam base legal, bem como a compra obrigatória
pelas distribuidoras de toda energia renovável produzida (IEA, 2017).
Também a partir dela, várias outras políticas foram criadas como a constituição
pelo Ministério das Finanças de um Fundo Especial para a Industrialização de Equipamentos
Eólicos até grandes programas de P&D como o Programa de Cooperação Tecnológica e
Científica para Energias Renováveis e Novas Energias (2008) engajado pelo Ministério de
Ciência e Tecnologia. Esse conjunto de políticas pode ser chamado de sistema político da
energia renovável (ZENG, LI; ZHOU, 2013, p. 37) e algumas delas foram descritas no
155
quadro 9. O gráfico 31 exemplfica o quadro de capacidade elétrica na China antes do
momento de inflexão com a Renewable Enery Law. Nele é possível perceber a dominância
das energias fósseis na capacidade de geração elétrica do país, o destaque da energia
hidrelétrica na geração de capacidade elétrica, a pequena participação da energia nuclear e a
ínfima e quase nula presença da energia eólica (energia solar não aparece no gráfico por se
aproximar de 0 frente ao total nesse ano). Todavia, quando analisamos os dados disponíveis
de geração elétrica por fonte em 2015, podemos observar uma mudança substancial no
período de 10 anos após a configuração e execução de instrumentos favoráveis às novas
energias. Tomando espaço da eletricidade gerada por fontes fósseis especialmente, a energia
eólica chega a 8,6% do total e a energia solar, que 10 anos antes não aparecia nas estatísticas
por seu valor ínfimo, chega a 2,8% da geração elétrica.
Observando os valores absolutos, os números desagregados das tecnologias eólica
e fotovoltaica são ainda mais impressionantes. Apesar do crescimento expressivo do uso
fóssil para energia elétrica (156%), o crescimento da energia eólica foi muito maior (297%) e
a energia fotovoltaica saiu de um patamar próximo de 0 GW para 42,18 GW de capacidade.
Gráfico 31- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2005 .
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da China Energy Databook.
Hidrelétrica, 22.7%
Fóssil, 75.7%
Nuclear, 1.3%
Eólica, 0.2%Paineis
Solares, 0outros, 0.1%2005
156
Gráfico 32- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2015.
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da China Energy Databook.
(1) Representam as demais fontes renováveis como geotérmica, bioenergia e de marés.
Esse crescimento das energias alternativas é apontado como consequência das
diversas políticas levadas adiante pelo governo chinês em prol de um projeto de transição
energética. A partir do 11º Plano Quinquenal que iniciou o desenho de metas e diretrizes e do
estabelecimento do suporte legal, diversas outras medidas puderam ser derivadas. O quadro 9
descreve algumas dessas medidas. Entre elas se destacam as tarifas feed-in, principal
instrumento de fomento à produção de energia por fonte renovável. Inspirada nas tarifas feed-
in originárias da Alemanha, o governo chinês estabeleceu primeiramente a Renewable
Eletricity Surcharge (2006) que determinava uma tarifa fixa adicionada ao preço de cada kWh
de eletricidade vendida pela rede. A arrecadação deveria ser distribuída entre distribuidores e
produtores de forma a compensar os altos preços da energia elétrica por fonte renovável.
Hidrelétrica20.9%
Fóssil65.6%
Nuclear1.8% Eólica
8.6%
Paineis Solares2.8%
outros0.3%
2015
GW
Anos Hidrelétrica Fóssil Nuclear Eólica Painéis
Solares Outros (1) Total
2005 117,39 391,38 6,85 1,06 - - 516,68
2015 319,54 1000,55 27,17 130,75 42,18 5,08 1525,27
157
Posteriormente, o governo foi estabelecendo as tarifas para cada tipo de tecnologia em
formato muito semelhante ao que foi estabelecido na Alemanha: o estabelecimento de tarifas
fixas ao preço da energia elétrica pelo período de 20 anos. A primeira do tipo foi para energia
eólica onshore em 2009, recentemente se estendendo para tecnologias eólicas offshore. Em
2010, foram estabelecidas tarifas específicas para eletricidade produzida a partir de biomassa
e em 2011 para painéis solares. É importante ressaltar que as tarifas feed-in chinesas, assim
como as alemãs, são divididas em categorias de acordo com o tamanho das plantas e região
em que se localizam e também têm seus valores revisados para baixo de tempos em tempos
para os novos projetos, a fim de incorporar de certa forma a redução de custo das tecnologias
no tempo.
Além das tarifas feed-in, o governo estabeleceu nos últimos anos diversas medidas
interessantes como a construção de um Fundo Especial para Industrialização de Equipamentos
Eólicos (2010) que não é somente responsável por arrecadar recursos para novos projetos,
mas também por promover com esses recursos assessoria técnica, avaliação de desempenho e
projetos-piloto para que novas tecnologias ou inovações processuais possam ser testadas.
Também merece destaque o aprofundamento da obrigatoriedade estabelecida pelo governo às
distribuidoras quando à compra de energia elétrica proveniente de fontes renováveis. Com a
Renewable Energy Law, foi estabelecida a compra compulsória, de toda energia renovável
utilizada pelas distribuidoras. Todavia, nos últimos anos, o nível de perdas desse tipo de
energia ocasionada por cortes das distribuidoras por diversos motivos – como falta de
estrutura para receber uma elevada quantidade de carga – tem se elevado. Para coibir esse tipo
de ação, o governo chinês passou a obrigar, através da Renewable Energy Power Purchase
Management Guidelines (2016), o pagamento de taxas também sob a eletricidade perdida
nesse processo. Além dessas medidas, algumas outras ações são descritas no que tange à
instrumentos regulatórios, P&D e difusão de tecnologias e programas liderados pelo China
Development Bank (CDB).
158
Quadro 9- Energia Renovável na China, Políticas Selecionadas.
Tipo Medida Propósito
Leis Renewable Energy Law
(2006)
Base-legal e política para desenvolver as
energias renováveis. Traz prioridade de
investimento em energias renováveis, bem
como para o desenvolvimento industrial de
baixo-carbono. Sua aprovação permitiu o
estabelecimento de metas de médio e longo-
prazo para o desenvolvimento de energias
renováveis. Bem como o desenvolvimento
de tarifas feed-in para energias renováveis.
Exemplos de medidas derivadas da lei:
Renewable Eletricity Surcharge (2006):
• Tarifa feed-in para energia eólica onshore
e offshore (2009)
• Tarifas feed-in para biomassa (2010)
• Tarifas feed-in para paíneis solares (2011)
Fundo
Fundo Especial para
Industrialização de
equipamentos Eólicos
(2007)
Criado pelo Ministério das Finanças, essa
instituição é responsável por alocar fundos
para projetos eólicos, dando-lhes assessoria,
estudos avaliativos, pesquisa tecnológica e
construção de projetos-piloto. O projeto
apoia também a produção de novas turbinas
eólicas (subsídio de ¥600/kWh ou
U$87,41/kWh para as primeiras 50 turbinas)
Instrumentos Regulatórios
(padrões de mercado,
compras compulsórias)
Padrões para Entrada de
Mercado na Indústria de
Equipamentos Eólicos
(2010)
Introdução de regulações específicas pela
National Develpment Reform Commission
(NDRC) para melhorar a eficiência e
competitividade da indústria local de
equipamentos eólicos. Entre as exigências
estão a produção de uma capacidade mínima
de 2.5MW, a necessidade prévia de
experiência de 5 anos da companhia em
indústria mecânica elétrica de larga-escala,
bem como o estabelecimento de um time
profissional de P&D, entre outras
exigências.
Renewable Energy Power
Purchase Management
Guidelines (2016)
A NDRC determina que as empresas
distribuidoras de energia precisam comprar
toda a energia elétrica por fonte renovável
de acordo com o fornecimento de energia
sob novas bases mais específicas do que as
determinadas pela Renewable Energy Law
devido ao crescente nível de perdas de
energia renovável na distribuição. A partir
desse documento as distribuidoras são
obrigadas a pagar as geradoras por toda a
energia utilizada, inclusive pela
desperdiçada, com pequenas exceções. Esse
documento tem o objetivo de fazer valer a
promessa do governo de garantir acesso à
rede para as geradoras de energias
alternativas.
159
Pesquisa & Desenvolvimento
e Difusão de Tecnologia
Projeto de Demonstração
“Golden Sun”(2012)
A primeira versão do projeto foi adotada em
2009. Ele provê subsídios (de até 70% dos
custos totais de instalação) para projetos de
desenvolvimento e produção de painéis
fotovoltaicos para sistemas não ligados à
rede de distribuição e subsídios de 50% para
projetos ligados à rede.
Projeto de Instalação de
Painéis Solares em
Residências carentes (2014)
Um projeto da National Energy Agency
(NEA) e da Poverty Alleviation Office que
prevê a instalação de painéis solares em
domicílios carentes pelo período de 6 anos,
iniciando-se em 2014/2015.
Programa de Cooperação
Tecnológica e Científica
para Energias Renováveis e
Novas Energias (2008)
Implantada pelo Ministério de Ciência e
Tecnologia, tem o objetivo de introduzir
tecnologias de ponta no mercado nacional,
atrair pesquisadores do mundo inteiro e
desenvolver programas de intercâmbio com
centros de pesquisa. Em 2010, 103 acordos
de cooperação foram assinados, com
destaque para energia solar, aquecimento
solar, biomassa e energia eólica.
Programas do China
Development Bank (CDB)
Projeto Rudong de Energia
eólia offshore (2011-2012)
O CDB financiou dos primeiros programas
de energia eólica offshore do país, na
Província de Jiangsu. O projeto tem uma
capacidade de instalação elétrica de 150mw.
Projeto Integrado de Energia
Fotovoltaica (2015)
Em 2015, o CDB investiu ¥ 900 milhões um
projeto de 100mw de energia fotovoltaica
que também integra
Fonte: IEA (2017) e China Devolopment Bank (2015).
Alguns programas de desenvolvimento de tecnologias renováveis pelo China
Development Bank (CDB) foram descritos acima em uma tentativa de representar a
importância do banco de desenvolvimento chinês no processo de transição energética de
baixo-carbono. O CDB alocou no ano de 2015, ¥1,57 trilhões em projetos através do chamado
green credit (que inclui novas energias e energias renováveis, eficiência energética, controle
de poluição, entre outros). Durante o 12º Plano Quinquenal (2011-2015) o banco destinou ¥
300 bilhões para 1000 projetos relacionados às novas energias e energias renováveis,
tornando-se o maior banco de financiamento da indústria renovável na China.
Em relação aos investimentos gerais em energia renovável, a China se destaca
mundialmente. O país representou em 2015 36% – excluindo a energia hidrelétrica – do total
de investimento em energia renovável no mundo, totalizando um montante de U$102 bilhões
(um crescimento de 17% em relação a 2014).
160
Gráfico 33- Tendência de investimento em energia renovável, excluindo hidrelétrica,
China, 2004-2015.
Fonte: IRENA (2016b).
Graças ao forte aporte financeiro e a um sistema político que deu suporte, as
energias renováveis tiveram uma boa base para o desenvolvimento rápido. A capacidade
elétrica instalada em energias renováveis (hidrelétrica, de marés, eólica, solar, bioenergia,
biocombustíveis líquidos, geotérmica) na China saiu de menos de 200 GW em 2006, quando
do início da Renewable Energy Act, para próximo dos 500GW no ano de 2015, um
crescimento de 150% (20% a.a) correspondendo a 25,6% da capacidade instalada global em
energias renováveis.
3.08.2 11.1
16.6
25.7
39.5 38.7
49.1
62.869.6
83.3
102.9
0
20
40
60
80
100
120
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
U$ bilhões
161
Gráfico 34- Capacidade elétrica renovável instalada (GW) na China (hidrelétrica, solar
e eólica), 2004-2015.
Anos Hidrelétrica De Marés Eólica Solar Bioenergia Geotérmica
2000 79,35 0,00 0,34 0,02 1,10 0,03
2005 117,39 0,00 1,27 0,07 2,00 0,03
2010 214,70 0,00 31,41 0,80 5,50 0,03
2015 320,91 0,00 129,34 43,19 10,32 0,03
Fonte: IRENA (2016b).
A energia hidrelétrica continua se destacando no país, mas o cenário já é bastante
distinto daquele observado no início dos anos 2000. A partir de 2006, com a Renewable
Energy Law e o 11º Plano Quinquenal outros tipos de tecnologia começaram a se desenvolver
como resultado do grande suporte e atenção dadas a elas pelo governo chinês. Entre eles,
destacam-se a energia eólica e solar como é possível observar no gráfico.
Mesmo frente ao crescimento expressivo das energias renováveis em menos de
uma década, o país pretende chegar ainda mais longe. O 13º Plano Quinquenal para o
Desenvolvimento Energético (parte do 13º Plano que se dedica às questões energéticas),
apresentado no quadro 10, anunciou intenções ambiciosas como ter 680 GW de capacidade
instalada em energias renováveis até 2020, um aumento de 35% em relação a 2015 (ou um
-
100.00
200.00
300.00
400.00
500.00
600.00
2000 2005 2010 2015
Hidrelétrica Marinha Eolica Solar Bioenergia Geotérmica
GW
162
aumento de 6,18% a.a). Essa promessa de crescimento está especialmente centrada nas
energias solar e eólica. O governo chinês pretende aumentar até 2020 143,1% (19,4% a.a) e
70,1% (11,2% a.a) a capacidade instalada de energia solar e eólica, respectivamente.
Enquanto isso, o aumento da energia hidrelétrica seria bem menor, de 18,4% (3,4% a.a).
Quadro 10- 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, principais metas.
Foco Metas
Consumo Energético Primário de fontes Não-
Fósseis Aumentar para 15% em 2020 e 20% em 2030
Capacidade Renovável Total Instalada Aumentar para 680 GW para 2020
Capacidade Eólica (on-shore e off-shore) Instalada Aumentar para 220 GW para 2020
Capacidade Hidrelétrica Instalada Aumentar para 380 GW para 2020
Capacidade Solar Fotovoltaica Instalada Aumentar para, ao menos, 105 GW
Capacidade de Energia de Marés Instalada Chegar a 50 MW de capacidade acumulada
Fonte: elaboração própria a partir da IEA (2017).
O desenvolvimento da indústria de renováveis na China cresce e,
consequentemente gera empregos. A China também tem se destacado pelos números de
empregos que tem gerado a indústria de baixo-carbono. Em 2015, a indústria de renováveis na
China gerou um acumulado de 3,52 milhões de empregos, 40% do total de empregos criados
por essa indústria globalmente, destacando-se no país a indústria de painéis solares (47%) e de
aquecimento/resfriamento por energia solar (21%) e a eólica (14,3%).
163
Gráfico 35- - Número de Empregos Acumulados, Indústria de Energia Renovável,
China.
Fonte: IRENA (2016a).
Como mencionado anteriormente, a composição de alternativas energéticas
almejadas pela China não se limita às energias renováveis, a China aposta na energia nuclear
para suprir sua demanda energética futura e mitigar os problemas climáticos ocasionados
pelos combustíveis fósseis.
Segundo a World Nuclear Association107 a China possui atualmente 36 reatores
Nucleares em operação e 21 em construção, além de outros projetos de construção que ainda
não iniciaram. O 13º Plano Quinquenal sinalizou o desejo do governo de tornar uma fonte
importante a partir da meta de atingir até 2030 de 120 a 150 GW de energia nuclear o que
seria, aproximadamente, 8% a 10% do total de eletricidade produzida na China em 2030. Hoje
a produção elétrica produzida por energia nuclear está em torno de 3%.
A China também vem desenvolvendo sua própria tecnologia de desenho e
construção de reatores nucleares tendo se tornado autossuficiente tecnologicamente nos
últimos anos. Além de ter como objetivo aumentar expressivamente sua capacidade
energética nuclear, a China pretende exportá-la bem como componentes da cadeia de
produção da energia nuclear.
107 Informações disponíveis em: <http://www.world-nuclear.org/information-library/country-profiles/countries-
a-f/china-nuclear-power.aspx>. Acesso em: mar. 2017.
3,523
1,652
743
507
100
71
0 1,000 2,000 3,000 4,000
Total
Solar fotovoltaica
Solar aquecimento/resfriamento
Eólica
Hidrelétrica (pequeno porte)
Biocombustíveis
Número de empregos acumulados ( em milhares)
Total de empregos acumulados na China (2015): 774,51 milhões
164
3.3 Alemanha e China: discussão sobre o desenho de políticas mais sustentáveis
As seções anteriores sobre a Alemanha e China tiveram a intenção de elencar os
principais pontos declarados pelos países ou identificados pelos observadores no que tange as
suas ações concernentes à transição energética. Já essa seção tem o intuito de retomar esses
pontos, bem como alguns elementos fundamentais tratados em capítulos anteriores a fim de
promover uma discussão em torno das ações tomadas por esses dois países, bem como
realizar uma comparação entre elas.
No segundo capítulo, expuseram-se algumas tentativas de construir um
instrumental teórico capaz de “definir” um possível desenho de políticas públicas para o
desenvolvimento sustentável, chamando-o de um “sistema nacional de inovação sustentável”.
Dentro desse sistema nacional, ressaltou-se que a transição energética tem papel fundamental
e que, para a transição energética é mister o desenvolvimento de tecnologias mais limpas
capazes de quebrar a dependência das economias para com os combustíveis fósseis. Dentre
essas tecnologias, destacaram-se as energias renováveis e tecnologias que promovam
eficiência energética. Retomando as grandes características desse sistema nacional voltado à
inovação sustentável, pontua-se que ele deve permitir e incentivar a criação de “novo”
conhecimento voltado à promoção de inovação sustentável baseado em um projeto para essa
missão específica, fundamental para a construção de novas trajetórias e paradigmas, deve
promover mudanças sistêmicas nas tecnologias e sistemas sociais e institucionais para abrir
espaço para sua aceitação e deve conter um mix de políticas que vão desde regulamentação e
estímulo ao P&D até subsídios à construção de plantas e difusão dessas tecnologias, tendo
assim uma estratégia industrial sustentável.
Ressaltou-se também durante todo o trabalho que o sistema nacional de inovação
sustentável está dentro de uma estrutura maior e complexa: o sistema político para a transição
renovável ou de baixo-carbono, fundamental para romper o lock-in do carbono . Por isso, para
analisarmos o desenho dos respectivos sistemas foi preciso entender mais profundamente a
construção política e histórica de cada um, seus principais pilares e atores. Dessa maneira o
quadro abaixo buscou representar uma “fotografia” do sistema político para transição alemão
e chinês, respectivamente.
165
Quadro 11- Características Principais dos Sistemas Nacionais de Inovação Sustentável.
Alemanha e China.
Destaques Alemanha China
Instrumento de
planejamento
Energy Concept 13º Plano Quinquenal para o
Desenvolvimento Energético
Suporte Legal Renewable Energy Sources Act
(EEG)
Renewable Energy Law
Principais
instituições • BMUB
• Federal Environment Agency
• BAFA
• NDRC
• NEA
Tecnologias
favorecidas • Eólica
• Solar
• Biomassa
• Tecnologias de Eficiência
Energética
• Eólica
• Solar
• Nuclear
• Tecnologias de Eficiência Energética
Principal política • Tarifas feed-in (EEG) com
transição para leilões energéticos
(EEG-2014)
• Sistema misto de tarifas feed-in e leilões
energéticos
Fonte: elaboração da autora.
A partir do quadro 11 pode-se resgatar e discutir os principais pontos que foram
apresentados nas seções anteriores de maneira mais descritiva. Como apontado, o papel do
Estado na transição energética da Alemanha e da China é bastante forte e esse papel se
explicita inicialmente por meio de seus grandes instrumentos de planejamento. Ambos os
países possuem planos de planejamento energético, instrumento fundamental para estabelecer
metas e prazos, mobilizar as instituições envolvidas no processo, direcionar investimentos,
além de sinalizar à comunidade (nacional e internacional) os respectivos papéis políticos
desses países no combate às mudanças climáticas. Ambos os planos estão em linha com as
metas de redução de emissões apresentadas pelos países na ocasião da 21ª Conferência das
Partes (COP21) e constituem metas claras não somente para o objetivo final (redução das
emissões), mas dos meios pelos quais essa redução ocorrerá.
O Energy Concept alemão é a culminância de um debate protagonizado pela
sociedade alemã por mais de 40 anos. O grande plano de transição energética do país reúne os
rumos de uma economia essencialmente baseada em energias renováveis que transita não
somente das energias fósseis, mas da energia nuclear, cuja saída (da energia nuclear) é parte
inseparável do desejo e busca de uma economia mais sustentável. As grandes apostas
tecnológicas do plano, além da eficiência energética, são a energia eólica, tecnologia que o
país já apresenta um nível bastante significativo de experiência e sucesso de sua difusão,
energia solar e, mais recentemente, o foco na produção energética por biomassa. Como
afirmado, as grandes questões que movem a transição energética alemã são o combate às
166
mudanças climáticas, o desenvolvimento de novas tecnologias renováveis, a eliminação dos
riscos apresentados pela energia nuclear, segurança energética e o fortalecimento das
economias locais e justiça social. O Energy Concept é, em essência, um plano para transição e
esse é, aliás, um dos pontos que o difere do principal instrumento de planejamento chinês.
O 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, o principal
instrumento de planejamento energético chinês, tem explicitamente como seus principais
objetivos promover a transição energética chinesa para o baixo-carbono e tem como apostas
principais a energia solar, eólica e nuclear e um importante papel da eficiência energética,
todavia, uma sutileza de sua natureza é que o plano é derivado de projeto de crescimento e
desenvolvimento econômico maior: o 13º Plano Quinquenal. Esse fato não diminui a
importância dos esforços gigantescos da economia chinesa em direção à transição, mas expõe
uma natureza distinta do sistema político para transição da Alemanha: o ponto de partida e seu
momento de exeução.
No que tange ao ponto de partida, a transição alemã é, em grande parte,
consequência de um intenso debate de décadas da comunidade alemã – que é claro, não está
desvinculada de interesses políticos e econômicos – enquanto a transição chinesa claramente
faz parte de um projeto maior de crescimento econômico do tipo top-down108 que, como
observamos anteriormente, esbarrou em limites físicos e políticos impostos pelas “mudanças
climáticas”, problemas dos quais o modelo anterior de crescimento é incompatível. Essa
diferença, é claro, reflete a natureza dos sistemas econômicos e políticos de cada país e não
somente isso, como a temporalidade de seus respectivos desenvolvimentos econômicos.
Enquanto o processo de transição energética de baixo-carbono alemã é essencialmente
democrático e representa a confluência de diversos setores da sociedade em um país que
iniciou seu processo de aprisionamento tecnológico em energias intensivas em carbono na II
Revolução Industrial, a transição chinesa é legitimada principalmente pela burocracia estatal
que deseja fazer parte do combate as emissões, ao mesmo tempo que precisa garantir que o
crescimento econômico alcançado recentemente e a segurança energética necessária para
movê-lo seja garantida. Enquanto a Alemanha, um país desenvolvido, tem problemas seus
desigualdade, emprego, habitação, saneamento, transporte, entre outros minimizados, dando
espaço para que projetos de transição possam ser mais facilmente aceitos pelas autoridades e
pela população, a China recentemente entrou em um processo intenso de crescimento e
desenvolvimento, aumentando a renda e qualidade de vida da população e, consequentemente,
108 Que vem “de cima para baixo” em tradução livre.
167
devido ao paradigma dominante, entrando no lock-in do carbono, padrão dominante dos
países desenvolvidos. É difícil ainda para o governo e também para a população chinesa que
progressivamente consome mais dentro do sistema intensivo em combustíveis fósseis pensar
dar passos para trás. A China se encontra em um paradoxo, como afirmado anteriormente, e
tem feito esforços importantes e criativos para conciliar o desejo de desenvolvimento com a
necessária transição energética, especialmente encontrando na economia de baixo-carbono
uma nova oportunidade de liderança no mercado internacional. Em meio a esse paradoxo, a
transição chinesa muitas vezes parece ambígua, e parece dividir espaço constantemente coom
outros objetivos do governo chinês.
Novamente, reforça-se que a Alemanha também busca com a transição o
desenvolvimento econômico, segurança energética e novas frentes de desevolvimento e
expansão tecnológica, mas a pressão social para que os objetivos ambientais tenham
prioridade é bastante explicito na Alemanha, como dito pela característica mais democrática e
também temporal de seu desenvolvimento. Essas afirmações podem ser coroboradas pelo
levantamento dos órgãos que controlam as políticas ambientais, industriais e tecnológicas
voltadas à transição em ambos os países.
No quadro 11 foram elencadas algumas das principais instituições que compõem
os sistemas nacionais de inovação de cada país. Na Alemanha, existe uma gama maior de
agentes que coordenam e executam projetos sob o guarda-chuva da Energy Concept, entre
eles o principal é Federal Ministry for the Environment, Nature Conservation and Nuclear
Safety (BMUB) cujo nome já diz bastante sobre a característica da transição energética alemã.
As políticas energéticas voltadas à transformação da matriz são conduzidas especialmente
pelo ministério que tem como principal missão lidar com desafios ambientais que atinjam a
população alemã, com destaque para a contaminação radioativa. O BMUB, além disso,
trabalha em conjunto com a Federal Environment Agency e a Federal Agency for Nature
Conservation (BAFA) Todavia, as diversas medidas e projetos envolvem outras agências e
ministérios quando necessário. Essa é uma característica distinta do sistema chinês cujo
coordenação legal e política da transição está nas mãos especialmente da National
Development Reform Commission (NDRC) que é o principal órgão de gerenciamento
macroeconômico do país, e que formula e implementa estratégias econômicas e sociais de
desenvolvimento. Dentro da NDRC existem departamentos mais específicos como o National
Energy Administration (NEA) responsável por formular e aplicar planos de desenvolvimento
e políticas industriais no setor energético em geral, ou seja, não especificamente para energias
168
renováveis. O NEA administra a produção e consumo de carvão, petróleo, gás natural, energia
nuclear e renovável, além das medidas de eficiência energética. A partir das instituições que
controlam o projeto de transição, que são as mesmas que promovem o desenvolvimento
econômico e desenvolvem outros tipos de energia, pode-se retomar o caráter paradoxal da
transição chinesa que desenvolve alternativas limpas ao mesmo tempo que não abre mão da
promoção de alternativas fósseis que ainda são a base de seu desenvolvimento econômico,
mesmo com os pesados investimentos em alternativas mais limpas. Essa característica deixa
claro que a China tem consciência de que para manter o desenvolvimento que deseja e
também que para se destacar no mercado internacional, deve promover grandes esforços de
transição e não permitir que sua economia permaneça aprisionada aos combustíveis fósseis..
É importante ressaltar um fator que caracteriza o principal ponto de divergência
entre a transição alemã e chinesa: o papel da energia nuclear. Como visto, a Alemanha tem
como premissa de sua transição energética a saída da energia nuclear. O órgão que
coordenada as políticas energéticas para a transição é o mesmo que regula os efeitos
deletérios da produção energética nuclear e garante a segurança dos cidadãos contra eventos
radioativos. Enquanto isso, a China tem como um de seus principais pilares de transição a
energia nuclear. Por várias vezes, é possível encontrar nos relatórios chineses o termo “novas
energias” em vez de “energias renováveis”, isso porque como a energia nuclear não é
considerada uma energia renovável pelos órgãos competentes como a Agencia Internacional
de Energia (IEA) o termo não seria adequado e a presença de “novas energias” sinaliza que a
intenção do governo chinês é transitar para um sistema composto de energia nuclear mais
energias renováveis.
Visto os instrumentos de planejamento utilizados por cada país para a promoção,
pode-se retomar os principais suportes legais descritos nas seções anteriores e que legitimam
as diversas medidas da transição. Para a Alemanha a Renewable Energy Sources Act (EEG) e
para a China a Renewable Energy Law. É claro que, em ambos os países, existem outras leis
importantes concernentes ao setor energético e algumas foram citadas e descritas nas seções
anteriores. Todavia, essas duas leis representam o principal suporte legal para o
desenvolvimento institucional, econômico e tecnológico de energias alternativas. Por meio
delas, energias alternativas aos fósseis passam a ter prioridade no desenvolvimento de
medidas ambientais, energéticas e industriais. Ambas as leis instituíram também a principal
política para a transição energética desses países: as tarifas feed-in.
169
As tarifas feed-in são consideradas atualmente o principal instrumento de
intervenção dos governos na seleção e desenvolvimento tecnológico das energias renováveis.
Esse tipo de tarifa estabelece a garantia por contrato de longo-prazo de um preço fixo por
kWh aos produtores de eletricidade renovável. Amplamente discutido nesse trabalho, a
primeira versão desse instrumento é originalmente alemã, sendo copiada não só pela China,
mas por diversos países que desejam incentivar energias alternativas. Entretanto, as tarifas
feed-in chinesas tiveram desde seu início, uma característica divergente das tarifas alemãs: a
coexistência com sistema de leilões energéticos. Ao contrário da Alemanha, a China adotou
um sistema misto de tarifas feed-in e leilões. Antes da Renewable Energy Law, em 2003, o
país introduziu leilões renováveis para energia eólica onshore e posteriormente para painéis
solares e aquecimento solar (CSP) e eólica offshore; os leilões renováveis são utilizados para
determinar o preço real da eletricidade baseada em energias renováveis e, consequentemente,
definir o nível da tarifa, que é determinada em última instância pela NDRC (IRENA, 2013).
As tarifas feed-in tem sido relacionas ao sucesso das energias renováveis nesses dois países.
As tarifas feed-in são os principais instrumentos de incentivo as energias
renováveis, mas não estão sozinhas. Nas seções anteriores foram descritas também algumas
políticas tanto de promoção de energias renováveis como de eficiência energética guiados
pelas metas de redução das emissões para ambos os países. Percebeu-se que tanto a Alemanha
quanto a China têm um conjunto de políticas de demanda e de oferta como definidos no
capítulo 2 que compõem seus sistemas nacionais de inovação sustentável. Nesse capítulo,
afirmou-se que uma das características principais desse sistema é a presença de um mix de
políticas de demanda e oferta que definem uma estratégia industrial sustentável. Definiu-se
também que políticas de demanda são aquelas que têm como característica principal moldar o
padrão de demanda de energia e políticas de oferta como políticas que são desenhadas para
intervir mais diretamente na estrutura de oferta. Tanto a Alemanha quanto a China possuem
um desenho de estratégia industrial bastante consolidado, que explicita aos observadores a
intenção de criar uma nova trajetória de desenvolvimento tecnológico e econômico baseados
em uma matriz energética mais limpa. Elas vão desde políticas regulatórias como taxas sobre
combustíveis fósseis, obrigatoriedade da existência de etiquetas ecológicas em produtos
elétricos ou tarifas e penalidades para o consumo elétrico além do determinado, que podem
ser denominadas essencialmente políticas de formatação da demanda energética ou políticas
de demanda, até subsídios diretos à construção de plantas renováveis, financiamentos com
taxas favorecidas para projetos renováveis disponibilizados por bancos de desenvolvimento
170
públicos a grandes programas de P&D e cooperação internacional, políticas caracterizadas
aqui como sendo de oferta, por representarem em grande parte o objetivo de transformar a
estrutura de oferta energética da economia.
Esse mix de políticas é legitimado por um arcabouço legal compatível com a
busca pela transição energética e também por uma noção do papel que o Estado deve ter um
papel maior do que apenas consertar “falhas de mercado”, mas sim de criar e moldar os
mercados (MAZZUCATO, 2011). É claro que Alemanha e China possuem tanto um histórico
de construção de suas transições distintos, como um sistema político distinto, mas os dois
sistemas vão ao sentido contrário da lógica mainstream de um que o mercado é capaz de
seguir sozinho um caminho de desenvolvimento e ambos levam em conta que diversas
trajetórias são possíveis, inclusive àquelas sujeitas à aprisionamentos tecnológicos
(ARTHUR, 1990). Essas considerações podem ser verificadas quando o caminho inverso de
análise é realizado, ou seja, olhando os tipos de políticas principais utilizadas por esses países
para promover a transição. Ambos os países estão intervindo diretamente na construção de
trajetórias tecnológicas, primeiramente sinalizando aos agentes o caminho a ser seguido, e
posteriormente direcionando esses investimentos, investindo diretamente ou indiretamente na
reestruturação da oferta energética. Existe para ambos os que Freeman denominou de projetos
orientados para uma missão que devem, em linhas gerais, “definir soluções técnicas
economicamente viáveis relativas a problemas ambientais específicos” (FREEMAN, 1996).
A transição energética de baixo-carbono não se limita, entretanto, ao âmbito
nacional; ambos os países desejam ser líderes no mercado internacional de baixo-carbono,
algo que já vem sendo concretizado pelo market-share das empresas alemãs e chinesas na
produção de tecnologias renováveis como visto no capítulo 1. O mercado de baixo-carbono se
abre para ambos como uma nova oportunidade de expansão internacional de sua produção e
mesmo de liderança política internacional. A Alemanha historicamente é presença obrigatória
na liderança dos acordos climáticos e ações contra as mudanças climáticas desde os anos
1970. Como visto, o país tem sido a voz das políticas ambientais e de transição no Bloco
Europeu e também foi a principal liderança das Conferências das Partes da ONU dado a
ausência de liderança de grandes economias como os EUA e China. A China por sua vez,
assumia uma postura defensiva contra os Acordos Climáticos, postura essa que foi se
transformando no século XXI até se tornar a principal liderança da última conferência, ao lado
dos EUA. Com a saída dos EUA do Acordo de Paris sob a administração Trump, a China se
171
apresenta atualmente como o principal país porta-voz do combate às mudanças climáticas e da
promoção da transição energética de baixo-carbono.
4. CONCLUSÃO
Essa dissertação teve como principal objetivo entender os limites impostos pelo lock-
in ou aprisionamento do carbono e arranjos propostos para a sua quebra de modo que as
economias possam transitar para um sistema energético de baixo-carbono especialmente
através de tecnologias renováveis. Essa transição tem se apresentado como condição
necessária para que a meta limite de aumento médio da temperatura em relação aos níveis pré-
industriais (2ºC até 2100), como ratificado pelo Acordo de Paris, possa ser algo próximo de
ser realizado.
Para realizar essa discussão, percorreu-se um longo caminho. O primeiro capítulo
buscou situar a discussão do lock-in do carbono na teoria microeconômica, especialmente em
uma abordagem crítica àquela presente nos manuais mais consagrados de Microeconomia. O
sucesso ou não de inovações tecnológicas na visão convencional está relacionado aos retornos
decrescentes de escala que levam a economia para um equilíbrio de preços e de divisão de
mercado ótimo, sem levar em conta que a história do desenvolvimento das tecnologias pode
influir e influi no sucesso ou não de uma determinada tecnologia e, mais que isso, sem
considerar que os caminhos tecnológicos dominantes podem não ser ótimos. Resgatou-se,
portanto, para o entendimento dessas questões o arcabouço teórico evolutivo que considera
que o desenvolvimento de tecnologias (path dependence) está intimamente relacionado a uma
dinâmica co-evolutiva de acumulação de vantagens e retornos crescentes que dão origem e
alimentam estruturas maiores denominadas de paradigmas tecno-institucionais, dentro de um
ambiente de incerteza fundamental.
Esse entendimento da economia como um sistema dinâmico, evolutivo e orgânico, ou
seja, de um sistema complexo em que as interações entre os agentes importam e evoluem com
o tempo, permite incorporar à análise que o desenvolvimento e difusão de inovações fazem
parte de um sistema composto não somente por fatores técnicos, mais sociais/institucionais.
Essa introdução teórica se justifica, pois, entender a dificuldade em se transitar para uma
economia de baixo-carbono significa entender que os caminhos tecnológicos nem sempre são
ótimos, mas também é entender que eles podem aprisionar as economias em trajetórias
tecnológicas inferiores e com graves consequências sociais e ambientais, como é o caso do
lock-in do carbono.
172
Buscou-se nesse primeiro capítulo discutir a relação entre mudança técnica e mudança
ecológica, discussão necessária para desenhar possíveis caminhos de ação para a emergência
de novas tecnologias mais limpas, bem como o amadurecimento e difusão das já existentes
frente a um ambiente hostil dominado por um paradigma tecno-institucional intensivo em
carbono. Ressaltou-se que uma revolução tecnológica é composta por cinco elementos como
afirmado por Freeman (1984) e descrito na seção 1.1. O principal deles, que difere uma
revolução das demais mudanças técnicas, é aceitação social e política de um conjunto de
tecnologias. Somente ela, segundo o autor, garante a verdadeira difusão de um novo
paradigma tecnológico
O lock-in do carbono tem origens no padrão de produção e consumo que move a
sociedade capitalista e que atende às diversas necessidades do homem contemporâneo –
transporte, vestuário, moradia, alimentação, entre outras (UNRUH, 2000, 2002). A
dependência da sociedade para com o carbono é consequência da construção do que Daniel
Yergin denominou de “Sociedade do Hidrocarboneto”, ou seja, uma sociedade que se
construiu sobre o consumo de combustíveis fósseis e depende deles para existir da maneira
que é. Essa definição tem forte relação com a análise de Freeman (1984) de que uma
revolução tecnológica somente é possível mediante a aceitação social de um novo “conjunto
de soluções”. Essa perspectiva traz um lado ainda mais complexo das barreiras impostos à
transição de baixo-carbono: a mudança social e institucional. Dadas as raízes e constituição
dessa sociedade, como visto na seção 1.2.1, a transição para uma economia de baixo-carbono
parece estar longe de ser somente uma mudança tecnológica, apesar das tecnologias mais
limpas terem um papel central nesse processo.
Realizou-se também um levantamento de algumas evidências quanto à dependência
das economias para com os combustíveis fósseis, bem como das consequências da
permanência do business as usual. Nesse processo ressaltou-se a centralidade do sistema
energético na causa e nas consequências do uso intensivo de combustíveis fósseis, bem como
se apresentou o desenvolvimento das energias renováveis como um grande caminho de
descarbonização. A transição do sistema energético para um sistema de baixo-carbono não é
somente um caminho para reduzir as emissões, mas também é indispensável para que as
previsões de crescimento de consumo energético futuro possam, ao menos em parte, serem
suportadas de uma maneira compatível com os limites físicos do planeta. Como visto no
gráfico 5, a Energy Information Admnistration, a principal agência americana de energia,
prevê um crescimento do consumo de energia global em 48% até 2040 (2012 como ano base),
173
crescimento que, caso não haja uma maior difusão de energias mais limpas, será suprido por
combustíveis fósseis (EIA, 2016). Portanto, está cada vez mais latente a necessidade de uma
transformação estrutural de baixo-carbono que não se limite somente ao consumo mais
eficiente de combustíveis fósseis, mas que torne dominantes energias renováveis e mais
limpas. As energias limpas podem também serem vistas como uma nova oportunidade de
criação de empregos, algo que foi sinalizado com a crise de 2008 em que vários governos
adotaram medidas anticíclicas para criação de demanda efetiva, e as energias renováveis
estiveram no foco desses novos investimentos.
O preço da não ação, entretanto, pode ser bastante alto, trazendo diversos efeitos
negativos para o crescimento e desenvolvimento econômico por meio dos efeitos sobre o
planeta que afetariam recursos básicos da vida na Terra como a disponibilidade de água, de
espécies, além das consequências para a infraestrutura urbana em especial para os países em
desenvolvimento (STERN, 2007).
Mediante a necessidade de mudanças e das dificuldades impostas à transição para um
sistema energético de baixo-carbono, o grande desafio é acelerar esse processo. Todavia, a
transição mais acelerada não se dará de maneira automática. Abordou-se nesse trabalho que as
barreiras internas, ou seja, àquelas que mantêm o paradigma tecno-instituional baseado em
carbono não permitem que as transformações sejam feitas de acordo com as necessidades
mais latentes da sociedade. Acredita-se que a mudança se dará por meio de forças
“exógenas”.
Considerou-se aqui que as políticas públicas têm papel fundamental na transformação
estrutural da matriz energética. Historicamente, apresentou-se que as políticas públicas dentro
de um projeto orientado para uma missão foram catalizadoras fundamentais da mudança
técnica como visto nos programas militares e espaciais nos EUA, no surgimento da indústria
química alemã, nas experiências de catching up asiáticas, entre outras. O desafio de transitar
para um sistema energético de baixo carbono frente aos enormes desafios impostos às
tecnologias mais limpas sugere que esse processo requer um conjunto de políticas
coordenadas e um regime político favorável ao desenvolvimento de energias mais limpas.
Esse conjunto de fatores foi denominado aqui como “sistema político de inovação
sustentável”, que deve conter projetos orientados para uma missão (mission-oriented projects)
e cujo vertente principal é a presença de um mix de políticas, descritas aqui especialmente
como sendo de “demanda” e de “oferta” que definam uma estratégia industrial sustentável.
Esse sistema nacional de inovação deve aliar os objetivos ambientais aos objetivos
174
industriais/tecnológicos e os projetos orientados para uma missão devem ter uma abordagem
sistêmica que reúna diversos atores e setores da sociedadecomo exposto no quadro 1.
Todavia, esse arranjo político sistêmico requer uma visão de papel do Estado muito
maior do que de meramente consertar as “falhas de mercado” existentes e isso representa um
grande desafio visto que a noção dicotômica entre Estado e Mercado, ou seja, a visão de que
ambos não podem trabalhar em conjunto, mas são competidores vêm se consolidando há
algumas décadas. Entender que o Estado pode ser um ator fundamental na transição
energética exige que o papel do Estado possa ser, inclusive, o de empreendedor. A estratégia
industrial sustentável requer que as políticas realizadas pelo Estado criem e moldem os
mercados (Mazzucato, 2011) e essa concepção é diferente do que concebe a lógica maistream
por dois motivos: primeiro, porque parte do princípio de que a ideia de um único caminho
ótimo para o desenvolvimento econômico é uma falácia, acreditando-se que o
desenvolvimento econômico pode seguir diferentes trajetórias que podem estar sujeitas a lock-
ins, como afirmado anteriormente e, segundo, porque considera que o “caminho ótimo” é
necessariamente normativo, ou seja, pode variar no tempo e no espaço e depende de
negociações políticas (FOXON, 2017). Esses dois fatores, especialmente o último, abre
espaço para que as escolhas públicas sejam papel fundamental na determinação de novos
caminhos tecnológicos, o que atribui ao Estado um papel importante na definição de
trajetórias dominantes e no surgimento de novas.
Apesar da importância fundamental do Estado no processo de transição, discutiu-se
também que existem limitações bastante importantes a sua atuação. Primeiramente porque o
Estado também faz parte dos paradigmas tecno-institucionais estabelecidos e o Estados são
grandes responsáveis pela criação de uma Sociedade do Hidrocarboneto, além da deste em ser
cooptado por interesses privados no lugar de interesses coletivos, o que Marques (2015)
denominou de “Estado Corporativo”. Todavia, reforçou-se que lock-ins, inclusive os
institucionais e sua estabilidade coexistem o tempo todo com tensões que ameaçam a sua
existência.
O terceiro capítulo buscou trazer para essa dissertação, por meio das experiências
correntes de transição energética, os desenhos do sistema nacional de inovação da Alemanha
e da China, de maneira que essas pudessem contribuir com o aprofundamento do esforço
teórico realizado no segundo capítulo para definir o que seriam esses sistemas que aliam
propósitos de desenvolvimento industrial e tecnológico com questões ambientais a fim de
romper o lock-in do carbono apresentado no capítulo 1.
175
O aprofundamento da experiência Alemanha e Chinesa é bastante rico e também
muito complexo. Como afirmado por diversas vezes nesse trabalho, a transição para uma
economia de baixo-carbono exige ações sistêmicas, isso porque o lock-in não se trata
meramente de barreiras técnicas, mas de uma infraestrutura bastante consolidada, que traz
retornos crescentes de escala aos agentes e que está profundamente relacionada à construção
do capitalismo contemporâneo, influindo sobre a maneira como as pessoas se locomovem,
comem, se vestem, moram, entre outros, além de estar fortemente relacionado a grupos
financeiros poderosos.
Apesar da complexidade do tema, diversos pontos importantes puderam ser
levantados. O primeiro deles é a natureza inicial distinta da construção dos regimes políticos
para a transição desses países. A Alemanha possui um grande plano de transição, o
Energiewende, como consequência de mais de quarenta anos de debates públicos que alia a
questão ambiental à anti-nuclear. A China deriva seu planejamento de transição do 13º Plano
Quinquenal de Desenvolvimento, mas especificamente do 13º Plano Quinquenal para o
Desenvolvimento Energético, um plano essencialmente construído pela burocracia estatal e
seus colaboradores caracterizando um projeto de transição bastante ligado ao intuito principal
de crescimento econômico do país e com um desenho mais centralizado, mais “de baixo para
cima” do que a Alemanha vem apresentando. Isso também é consequência da ainda recente
preocupação do país com questões ambientais. Até o início do século XXI, a China
representava uma grande e poderosa força contrária ao Protocolo de Kyoto e às posteriores
conferências do clima, tendo inflexionado sua postura somente em meados da primeira década
do século XXI. E segundo, do momento de seu desenvolvimento econômico. Enquanto a
Alemanha, um país que se desenvolveu com a II Revolução Industrial e nesse processo se
aprisionou ao carbono, a China apresenta um processo de franco desenvolvimento bastante
recente e entrou na “Sociedade do Hidrocarboneto” em finais do século XX. Essa diferença na
temporalidade de seus desenvolvimentos também se reflete na postura de seus governantes e
na aceitação da população. Enquanto na Alemanha, o combate às mudanças é mais explícito e
democrático, a China se divide em combater os efeitos das emissões e manter e promover
ainda mais o aumento da renda e qualidade de vida de seus cidadãos, desenvolvimento que se
deu e ainda se dá baseados no uso intensivo de combustíveis fósseis, especialmente o carvão.
É para a China ainda mais desafiador do que para a Alemanha se portar como um líder no
combate às emissões, mas o país tem direcionado esforços gigantescos para conciliar seus
objetivos aparentemente paradoxais e, especialmente vendo no mercado de baixo-carbono
176
uma grande oportunidade de liderança produtiva interncional e um novo vetor de crescimento
e desenvolvimento econômico.
Ressaltou-se também no terceiro capítulo que uma diferença fundamental entre o
regime de transição presente nos dois países se refere ao papel da energia nuclear. Enquanto o
projeto de transição Alemão tem como um dos seus principais pontos o abandono da energia
nuclear, a China coloca a energia como central para a sua transição de baixo-carbono.
Apesar das diferenças dos regimes para transição de ambos os países, várias
semelhanças estruturais foram encontradas, como a presença de um arcabouço legal bastante
favorável ao desenvolvimento de energias renováveis e eficiência energética, a presença das
tarifas feed-in como principal instrumento de política industrial para o estímulo à produção de
energia renováveis, além de um conjunto e políticas que buscam estimular desde à P&D de
novas tecnologias mais limpas até subsídios à construção de novas usinas, caracterizando uma
estratégia industrial aliada aos objetivos de redução de emissões, em linha com o que se
acredita ser um sistema nacional de inovação sustentável.
Especificidades da transição energética Alemã e Chinesa, bem como maiores
comparações dos sistemas nacionais de inovação sustentável dos dois países foram feitos no
terceiro capítulo dessa dissertação, mas a principal “lição aprendida” à luz dessas experiências
pode ser ressaltada aqui: a transição energética de baixo-carbono exige uma organização
política/institucional que alie os objetivos tecnológicos/industriais de forma sólida com os
objetivos ambientais e isso pressupõe vontade e grande esforço político já que o papel do
Estado nesse processo é indispensável. Para além do esforço da burocracia estatal, a transição
só é de fato legitimada quando a sociedade entende e faz parte desse processo, talvez o maior
desafio de qualquer projeto de transição energética. E por fim, ressalta-se que a colaboração
internacional é condição necessária para que os objetivos de redução das emissões possam ser
atingidos a nível global, exigindo o comprometimento das economias desenvolvidas e em
desenvolvimento, guardadas as especificidades e desigualdades. Por isso, posturas como o do
atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de abandonar o Acordo de Paris
dificultam as ações e aprofundam as incertezas. Mesmo que parcela considerável dos
estadunidenses e de seus representantes afirme que irão contra a saída do país do Acordo e
darão continuidade às ações, as relações diplomáticas e os compromissos assumidos são
bastante abalados quando a maior economia do mundo tem como principal líder um
negacionista do aquecimento global e das mudanças climáticas.
177
Tratamos aqui de um país desenvolvido europeu e de um país em desenvolvimento
bastante peculiar. Todavia, em se tratando dos demais países desenvolvidos, especialmente os
latino-americanos, a questão da transição ainda é muito pouco explorada e parece ser ainda
mais desafiadora. O tratamento da questão ambiental, mesmo quando se limita à redução das
emissões, está intimamente ligado ao desenvolvimento e justiça social e qualquer abordagem
que busque entendê-las deve ter a conciência dessa relação e da complexidade envolvida. Ao
olhar o desenvolvimento tecnológico das energias renováveis e eficiência energética nos
países em desenvolvimento latino-americanos é preciso também analisar a inserção periférica
desses países na estrutura produtiva e financeira global. Estariam esses países realmente
aprisionados a um paradigma carbono-intensivo ou não? Que tipo de desenvolvimento
econômico eles devem buscar para conciliar a inexorável relação entre meio-ambiente e
justiça social? Somente o desenvolvimento tecnológico é suficiente para intermediar essas
questões? A constatação furtadiana do “Mito do Desenvolvimento Econômico” de que o
desenvolvimento das economias do centro não é possível a todos os países do globo continua
válida? Essas e muitas outras questões foram somente pinceladas nesse trabalho e exigem um
tratamento aprofundado que, muito provavelmente, não escaparão aos economistas no futuro
próximo. Por ora, esse trabalho termina apontando esses questionamentos fundamentais para
que a discussão da transição energética e da construção de um sistema de inovação
sustentável possam ser pensadas do ponto de vista do subdesenvolvimento.
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