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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA JOICE BARZ
VIRTUALIDADE X VITALIDADE: UMA REFLEXÃO TEOLÓGICA, SOCIAL E FAMILIAR DE ONDE A HUMANIDADE CHEGARÁ E EM QUE CONDIÇÕES NESTE
PÓS-MODERNISMO
SÃO BENTO DO SUL 2017
FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA JOICE BARZ
VIRTUALIDADE X VITALIDADE: UMA REFLEXÃO TEOLÓGICA, SOCIAL E FAMILIAR DE ONDE A HUMANIDADE CHEGARÁ E EM QUE CONDIÇÕES NESTE
PÓS-MODERNISMO Ensaio monográfico apresentado à Faculdade Luterana de Teologia – FLT do Curso de Bacharelado em Teologia do primeiro semestre. Orientador: Klaus Andreas Stange
SÃO BENTO DO SUL 2017
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4
1 UM PROFUNDO ENTENDIMENTO DAS PALAVRAS VIRTUAL E VITAL E DE
COMO ELAS INTERFEREM E COMO LIDAMOS HOJE EM NOSSO DIA A DIA ... 5
2 VIVER COMO SER HUMANO OU VIVER COMO SER VIRTUAL. (NÃO)
PODEMOS ESCOLHER! ......................................................................................... 14
3 DEUS ENVIOU SEU FILHO JESUS CRISTO PARA O SEU MUNDO REAL,
PARA TRAZER A VIDA REAL, PARA AMAR E SALVAR PESSOAS REAIS ...... 20
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 27
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 28
4
INTRODUÇÃO
Este ensaio tem como objetivo abordar questões relevantes atuais que fazem
parte intrinsecamente da nossa vida, do nosso cotidiano, de nossas decisões e
atitudes, perante a igreja, a comunidade, a família, os amigos, enfim, a sociedade em
geral. Como podemos lidar hoje em nosso mundo, com a virtualidade e a vitalidade,
ou seja, com o irreal e o real de uma forma harmônica, para que não haja perdas e
danos. As pessoas estão escolhendo viver mais no mundo virtual ou no mundo real,
o virtual é mais importante que o vital?
O vital está relacionado com a vida real, a vida que Deus nos deu, nos
deixando encarregados para o cuidado da sua criação; o virtual está conectado com
o imaginário, aquilo que não podemos tocar nem abraçar, pois nossa visão é limitada
por uma tela. Nossa posição contracultural deve ir ao encontro de Jesus Cristo, nosso
exemplo eterno. Cristo veio realmente para este mundo e não apenas virtualmente,
Ele veio com o intuito de nos reconciliar com Deus, nos mostrar e nos alertar de
atitudes indignas perante Deus, dar exemplos de como devemos tratar o nosso
próximo e nos mostrar que a vida real é muito mais interessante. Nada substitui
contatos físicos, abraços, olhares. Nada substitui Jesus Cristo e Sua Salvação real e
eterna.
5
1 UM PROFUNDO ENTENDIMENTO DAS PALAVRAS VIRTUAL E VITAL E DE
COMO ELAS INTERFEREM E COMO LIDAMOS HOJE EM NOSSO DIA A DIA
Virtual e vital são palavras semelhantes no pronunciar, mas divergentes em
seu mais expressivo significado. As duas palavras fazem parte do nosso cotidiano e
do nosso vocabulário; elas estão inseridas e transpassadas em nosso ser
integralmente. Explanaremos a definição dessas palavras e a importância que elas
carregam para o indivíduo, em qualquer âmbito que se encontre, nos dias de hoje.
“A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de
virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não
em ato”1. A palavra virtus é formada pelo prefixo vir, indicando o que informa, o que
detém e comunica a forma. Na escolástica, o virtual é posto no lugar da negatividade
ou do quase-ser. Embora não exista na filosofia do medievo uma negação do virtual
em relação ao seu próprio ser, se possui uma diminuição a respeito de seu estatuto
ontológico. O estado virtual abarca um tipo de indeterminação, um vir a ser, um ser
que ainda não é pleno e que reclama para atingir sua completude, o estatuto do atual2.
Esta espécie de hierarquização entre o potencial e o atual remete a outra hierarquização, e com a qual está intimamente relacionada, entre o “possível e o real”. É esta distinção a que se encontra no fundo da oposição entre potencial e atual, e que, secretamente, rege a sua lógica. A dinâmica desta relação indica que o possível não é ainda real, pois só o totalmente atualizado é absolutamente real, e o possível contrariamente, não é mais que um ser que não possui, ainda, sua existência concreta e determinada3.
No parágrafo acima, Craia4 esclarece que o virtual é contrário do real e do
atual, determinando o virtual como um ser ainda possível e desatualizado. Tudo o que
é atualizado e existe é real, sendo todo o restante, fugindo desta direção, podemos
determinar como virtual.
De acordo com o dicionário Michaelis, podemos definir a palavra virtual como
o “que não existe como realidade, mas sim como potência ou faculdade” e “que é
1 LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Tradução de Paulo Neves. 2007. Disponível em: <http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/6a_aula/o_que_e_o_virtual_-_levy.pdf>. Acesso em: 01 mai. 2017, p. 5. 2 CRAIA, Eladio. O virtual: destino da ontologia de Gilles Deleuze. In: Revista de Filosofia: Aurora/Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, v. 21, n. 28, jan.-jun./2009, p. 113. 3 CRAIA, 2009, p.113-114. 4 Eladio Craia é Doutor em Filosofia pela Unicamp e Professor da Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR, Curitiba,
PR.
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suscetível de exercer-se embora não esteja em exercício; potencial”5. Sendo assim,
podemos dizer que o virtual existe, mas não de uma forma plena e intensa, pois o
virtual não é real. Em um ambiente virtual, muito pode ser feito, mas possui uma
limitação, pois não estamos em contato direto com a totalidade deste ambiente ou
com as pessoas que ali se encontram, entrementes, em um ambiente real, muito pode
ser realizado, dominado e conquistado.
Rega6 diz que o virtual se encontra no mundo do imaginário e intangível, mas
origina ações e fatos tangíveis. A realidade virtual não existe, mas em nossa mente
ela é virtualmente real, produzindo e alterando comportamentos e atitudes diante da
vida. A realidade no mundo virtual não é cognoscível pelo tato, mas é perceptível pela
nossa mente e imaginação7. Podemos dizer então que vivemos hoje entre o virtual e
o real, ou seja, estamos enleados ao mesmo tempo com esses dois universos. O
ambiente virtual não é real, mas ele gera realidades incontestáveis.
Transações eletrônicas, imagens holográficas, visitas nos mais diversos
ambientes do mundo inteiro a qualquer hora em qualquer dia; um conceito muito
diferente de espaço e tempo em que estamos acostumados. O homem virtual “não
tem biografia, não tem história, é sem identidade, sem vida interior, mas influencia a
história, passa a ser modelo para a formação de opiniões que depois vão alterar o
curso da própria história e cotidiano”8. Infelizmente, vivemos hoje em um mundo
acelerado com uma humanidade sem memória. O que importa é o que está
acontecendo agora, neste instante.
Alguns anos atrás, nossas vidas eram regidas pelo real tempo, por exemplo,
tínhamos que saber exatamente o horário que cada estabelecimento, empresa ou
banco trabalhava para o atendimento ao público. Atualmente, muito disso mudou, pois
somos agora regidos, não mais pelo real tempo, mas pelo total tempo, isto é, podemos
fazer tudo o que quisermos em todo o tempo. As pessoas que vivem no mundo virtual
podem se considerar libertas do tempo, como também reféns do mesmo.
5 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998, p. 2208. 6 Lourenço Stelio Rega é Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia (especialização em Ética), pós-graduado em
Análise de Sistemas, Extensão pedagógica em Ensino Superior, Licenciando em Filosofia, Mestre em Educação
(especialização em História da Educação) e Doutor em Ciências da Religião. Foi Deão da Faculdade Teológica
Batista de São Paulo, onde hoje é o seu Diretor Geral e professor de Ética, Bioética e Filosofia da Religião. 7 REGA, Lourenço Stelio. A epistemologia do mundo virtual: um ensaio escrito no século XX e atualizado para o século XXI. In: Teológica: Faculdade Teológica Batista de São Paulo. São Paulo, ano 4, n. 5, jul.-dez./2008, p. 91. 8 REGA, 2008, p. 92.
7
Como reputar a relação de dependência que está crescendo entre a vida
virtual e a vida real? Rega diz que a tendência tem mostrado que o homem vai
depender cada vez mais da máquina, ou seja, do mundo virtual. A cada dia mais o
homem vai depender deste mundo para estabelecer os seus juízos9. Isso, sem dúvida,
já está acontecendo. A dependência pelas máquinas está cada vez mais intensificada
em nosso mundo e em nosso ser. Tudo é registrado, analisado e concluído pelos
programas de computadores em milésimos de segundos. Nada mais passa
despercebido. Precisamos apenas estar cientes de que as máquinas e os programas
foram criados por seres humanos, que falham e erram, e nesse intuito, as máquinas
e os programas não são infalíveis. Nós, seres humanos, criamos as máquinas, por
isso devemos ser seus dominadores, e não acontecer o contrário, como vemos
incansavelmente. Rega concluiu que:
À luz disso tudo posso dizer que o cogito do homem virtual é: Sou imaginado, logo existo. Assim, estão aí os novos desafios deste mundo virtual paralelo ao mundo real gerando novas categorias de verdade e juízo, novas consequências éticas que precisam de um repensar da Filosofia, e, por que não, da Teologia, e da própria Ciência do Direito. [...] Esse exercício exigirá do Filósofo, do Teólogo e do Jurista que intercambie sua vivência entre seu gabinete de trabalho e a vida cotidiana e o pensar não apenas acadêmico abstrato, mas que também busque soluções concretas a esses dilemas do homem contemporâneo10.
Buscando o oposto deste mundo virtual, nos envolveremos com a palavra
vital. Conforme o dicionário Michaelis, a palavra vital se origina do latim vitale. Esta
palavra é pertencente ou relativo à vida; serve para conservar a vida; dá força e vigor;
sendo essencial, fundamental e constitucional11. Deste modo, se a vitalidade não
acontece sem a vida, nos aprofundaremos na palavra vida. O dicionário Michaelis nos
esclarece que a palavra vida vem do latim vita sendo uma:
Atividade interna substancial por meio da qual atua o ser onde ela existe; estado de atividade imanente dos seres organizados; duração das coisas; existência; união da alma com o corpo; espaço de tempo compreendido entre o nascimento e a morte do ser humano; [...] maneira de viver no tocante à fortuna ou desgraça de uma pessoa ou às comodidades ou incomodidades com que vive; estado da alma depois da morte; ocupação, emprego, profissão; alimentação, subsistência, sustento, passadio; condições para viver e durar, vitalidade; princípio de existência de força; condições de bem-estar, vigor, energia, progresso; expressão viva e animada, animação,
9 REGA, 2008, p. 94. 10 REGA, 2008, p. 96. 11 MICHAELIS, 1998, p. 2211.
8
entusiasmo; causa, origem; sustentáculo, apoio principal, fundamento, essência; o que constitui a principal ocupação, o máximo prazer, a maior afeição de alguém12.
Diante destes esclarecimentos, contemplaremos as definições da palavra vida
no Antigo e Novo Testamento. A vida que se expressa na Bíblia e que abordaremos
é algo muito mais significativo e supremo, pois “não é a vida mais do que o alimento,
e o corpo, mais do que as vestes?” (Mt 6.25b). No Antigo Testamento, a palavra vida
em hebraico vem da raiz ׇהׇיה (hãyâ) que significa “viver, ter vida, permanecer vivo,
sustentar a vida, viver prosperamente, viver para sempre, também ser vivificado,
restabelecer-se de doença, desânimo e até mesmo da morte”13. Esta raiz, como verbo,
pode se mostrar em três graus no hebraico: no qal indica o sentido básico de viver ou
ter vida e, nos outros dois graus, no sentido de dar ou restaurar a vida. Em Gn 2.7,
podemos comprovar o nascimento da vida física: “Então, formou o Senhor Deus ao
homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou
a ser alma vivente”. Para o Antigo Testamento, a vida deve ser a capacidade de
exercer com total força todo o poder vital do indivíduo, sendo a morte o seu oposto14.
Neste sentido, para o Antigo Testamento, a vida gera vida e não morte. Deus nos deu
a vida, para vivermos abundantemente, por outro lado, quando sentimos que não
temos vida, não temos Deus. Só quem pode dar a vida, pode também dar a
esperança, o amor e a alegria.
Alguns dos termos derivados de ׇהׇיה (hãyâ) é ַהי (hay), que significa vivo ou
vivente e, ַהִיים (hayyîm) que expressa vida. ַהי (hay) é um adjetivo usado repetidamente
como epíteto de Deus, conforme Js 3.10; Os 2.1; Sl 42.3, entre outros; como também
em comparação aos homens, animais e vegetação, em relação com aquilo que está
morto ou seco. ַהִיים (hayyîm) é uma ideia abstrata que significa o estado de estar vivo
contrastando com o estado de estar morto. “É a vida no que tem de melhor, é saúde,
é vida sem fim”15.
O termo vida no Novo Testamento é traduzido como (zoé). A doutrina da
vida encontramos mais expressamente nas teologias de Paulo e João, enquanto que
o conceito veterotestamentário da vida recordamos mais nitidamente nos Evangelhos
12 MICHAELIS, 1998, p. 2200. 13 DICIONÁRIO internacional de teologia do Antigo Testamento. HARRIS, R. Laird (Org.). Tradução Márcio Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 454. 14 DICIONÁRIO internacional de teologia do Antigo Testamento, 1998, p. 454. 15 DICIONÁRIO internacional de teologia do Antigo Testamento, 1998, p. 457.
9
Sinóticos, como por exemplo em Mt 4.4, quando é citado a passagem de Dt 8.316.
Encontramos em Lc 15.24,32 que a vida longe de Deus é descrita como morte; em Mt
6.25ss e Lc 12.15 que as necessidades básicas da vida não são desprezadas, mas
recebidas com gratidão, como dádivas de Deus; em Mt 10.28 e Rm 4.17 que Deus é
o que pode matar e vivificar; em Mt 16.16 e 26.63 que Deus é o Deus vivo e em Mt
22.32; Mc 12.27 e Lc 20.38 que Deus é o Deus dos vivos17. O Novo Testamento
anuncia que Deus está vivo e vive conosco, o Criador vive com suas criaturas. Só Ele
tem o poder da vida e da morte, sendo assim, nossa vida e nossa morte estão nas
mãos Dele. Deus zela por todos nós, mantém a sua criação para o nosso bem viver,
providencia o nosso sustento, vela por nossa vida, nossa saúde e nosso bem-estar.
Paulo vê Jesus Cristo como a própria concretização do poder vivo de Deus, o
que venceu a morte e ressuscitou os mortos, de acordo com 2 Co 13.4. Em Rm 5.12ss
e 1 Co 15.20 Cristo, ao ressuscitar, se tornou o autor de uma nova vida para a
humanidade; Gl 2.20 e Fp 1.21 expressa que os cristãos não possuem vida própria,
mas a de Cristo, pois Cristo vive neles; segundo Rm 5.18 nossa vida é justificada por
Cristo e Rm 5.10 declara que seremos salvos pela Sua vida18.
A vida de Cristo não é transmitida aos cristãos nem com poder (como acontece entre os gnósticos), nem mediante a união mística, mas, sim, pela palavra da vida (Fp 2.16; cf. 2 Tm 1.10; Tt 1.2-3) e mediante o poder criador do Espírito vivificante (Rm 8.2, 6, 10-11; 1 Co 15.45). [...] A nova vida não se confina ao tempo histórico, mas, sim, indica o futuro, a vida eterna, quando for vencido o último inimigo, a morte (1 Co 15.26, 28; Rm 6.22; Gl 6.8)19.
Na literatura joanina, o conceito de vida em João é muito importante. Ele faz
uma conexão entre luz e vida sempre com sentido salvífico conforme Jo 3.16-21; 8.12;
12.46-50; 1 Jo 1.5-10; 2.7-11. Não existe um dualismo entre vida eterna e vida física,
mas um dualismo escatológico entre vida e morte, luz e trevas. A única vida verdadeira
é a de Deus e, só os que recebem Jesus Cristo a têm porque Ele diz: “Eu vim para
que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10). No Evangelho de João, em
Jo 6.51, a missão do Logos é vista como o consentir da vida e, esta vida, só Nele a
encontramos, como visto em Jo 3.16; 5.26, 40; 6.53ss; 10.28; 1 Jo 4.9; 11.25; 14.620.
16 DICIONÁRIO internacional de teologia do Novo Testamento. BROWN, Colin; COENEN, Lothar (Orgs.). Tradução Gordon Chown. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2648. 17 DICIONÁRIO internacional de teologia do Novo Testamento, 2000, p. 2648. 18 DICIONÁRIO internacional de teologia do Novo Testamento, 2000, p. 2649. 19 DICIONÁRIO internacional de teologia do Novo Testamento, 2000, p. 2649-2650. 20 DICIONÁRIO internacional de teologia do Novo Testamento, 2000, p. 2650.
10
Esta vida em Cristo é recebida pela fé, de acordo com 1 Jo 5.12; Jo 5.24 e se
expressa na prática do amor, conforme Jo 15. 9-17; 1 Jo 3.14 e na alegria, segundo
Jo 16.20-24. Dessa forma, a concepção de vida possui um conteúdo ético, confirmado
em Jo 14.21: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me
ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me
manifestarei a ele”; em 1 Jo 3.11: “Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio
é esta: que nos amemos uns aos outros” e em 1 Jo 3.16: “Nisto conhecemos o amor:
que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos”21. Lutero
diz que “da fé, fluem o amor e a alegria no Senhor e, do amor, um ânimo alegre e
solícito, livre para servir espontaneamente ao próximo”22.
Deus enviou Seu Filho Amado para que conhecêssemos o amor e, este amor,
que Jesus Cristo trouxe consigo da parte de Deus, foi demonstrado, aplicado,
conferido e marcado para sempre no mundo e na vida da humanidade. E este amor
não veio sozinho, mas foi atado com a vida, pois sem amor, não existe vida e, sem
vida, não há nenhuma possibilidade de transbordar o amor. Jesus Cristo quando
passou por aqui nos deixou uma missão, e esta missão, não é para que guardemos o
amor e a vida, mas para que divulguemos em todo o tempo e para todo ser. Viver a
vida da forma mais intensa é viver com Cristo, em um viver expressivo, para fora de
nós mesmos, ou seja, levar esta vida para o mundo, para a comunidade, para os
amigos, para a família, para a sociedade, ou seja, para tudo o que nos ladeia.
Um viver virtual não pode trazer esse viver real em Cristo. De acordo com o
Jornal Evangélico Luterano – Jorev Luterano de Abril/2017, o número de pessoas que
trocam o convívio em comunidade pelas redes sociais e programas televisivos está
aumentando cada vez mais. As pessoas estão buscando apenas palavras que lhes
interessam, não querem sair da acomodação e, consequentemente, não querem ter
mais nenhum compromisso com o próximo23. Isso quer dizer que as pessoas e as
famílias estão vivendo mais isoladamente, elas não se conhecem mais. Ajudar o
próximo não é mais a prioridade, transformando-se em algo atípico. Por que as
pessoas estão se desviando de outras pessoas? O que pode ser mais interessante
21 DICIONÁRIO internacional de teologia do Novo Testamento, 2000, p. 2651. 22 LUTERO, Martinho. Martinho Lutero: obras selecionadas. V. 2. Tradução Martin N. Dreher et al. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1989, p. 453. 23 PONATH, Eloir Carlos. Fé, gratidão e compromisso: Jesus Cristo é a motivação e o exemplo a ser seguido. In: JOREV: Jornal Evangélico Luterano. Porto Alegre, ano 46, abr./2017, n. 804, p. 13.
11
do que viver em comunhão com nossos irmãos e irmãs em Cristo? O mundo virtual
possui uma grande parcela nesta resposta. “Oh! Como é bom e agradável viverem
unidos os irmãos!” (Sl 133.1).
Viver a fé cristã em comunidade nas cidades é um bem precioso e, ao mesmo tempo, um desafio. A fé cristã, a comunhão com Deus, o chamado para amar a Deus e uns aos outros movem as pessoas para a vivência da fé em comunidade24. [...] As comunidades acolhedoras, comprometidas e envolvidas com a realidade, com a vida das pessoas, continuam crescendo e sendo espaços procurados em tempos de urbanização e individualismo. As celebrações pensadas e preparadas cuidadosamente oferecem espaços curadores, animadores e acolhedores. Espaços onde as pessoas ainda são chamadas pelo nome, onde as alegrias e as dores são compartilhadas e fazem com que a caminhada ganhe um novo sentido, torna-se mais leve. A pessoa deixa de ser somente mais uma em meio a muitas e passa a ser alguém com identidade de fé, que participa e testemunha essa fé em meio à multidão25.
O mundo virtual, além de nos afastar da comunhão de pessoas, ele nos
afasta da comunhão das pessoas que mais amamos: a nossa família. O mundo virtual
é necessário e de grande importância para este século em que estamos vivendo, mas
ele possui o lugar e a hora cabível. Em uma pesquisa de uma escola infantil no Estado
da Califórnia, Estados Unidos, prenderam por uma semana um pequeno gravador ao
corpo dos alunos que ficou ligado o tempo todo enquanto estavam em casa. No final
da semana foi realizada a média do tempo que os pais conversaram com os filhos e
o resultado foi de sete minutos por dia26.
Quando Deus formou a família, Ele pensou no Seu mundo, o mundo real.
Deus ama e protege a família com todo o Seu amor e com todas as Suas forças. Isso
se comprova quando Ele diz para Abraão: “Em ti e na tua descendência serão
abençoadas todas as famílias da terra” (Gn 28.14b).
Neste intuito, o que pode ser feito para diminuir os destroços espalhados na
vida das famílias pelo mundo virtual? “E numa perspectiva que atinge as próprias
raízes da realidade, deve-se dizer que a essência e os deveres da família são, em
última análise, definidos pelo amor”27. O amor é a base para tudo. Quando se tem
24 LIEVEN, Guilherme. Prioridades Urbanas. In: Revista Novo Olhar. São Leopoldo, ano 11, n. 49, jan.-fev./2013, p. 16. 25 WASKOW, Vera Regina; HAGSMA, Alfredo Jorge. Acolhida e partilha. In: Revista Novo Olhar. São Leopoldo, ano 11, n. 49, jan.-fev./2013, p. 18-19. 26 SIMÕES, Neco; SIMÕES, Priscila Kaschel. A família pode ser feliz! Vinhedo: IFC Editora, 1999, p. 35. 27 A MISSÃO da família cristã no mundo de hoje: exortação apostólica de João Paulo II. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 33.
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amor, tem-se discernimento, sabedoria, mudança de hábito, perdão, esperança e
alegria. “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o
maior destes é o amor” (1 Co 13.13).
As crianças precisam ter infância, necessitam inventar, correr riscos, frustrar-
se, ter tempo para brincar e encantar-se com a vida. Os pais destes tempos, não
compreendem que a televisão, os brinquedos manufaturados, a Internet e o excesso
de atividades impossibilitam esta infância tão precisa e preciosa28. Os pais não podem
se preocupar apenas com a fase da infância, mas todas as fases são importantes e
determinantes para a vida dos filhos. “Os filhos não precisam de pais gigantes, mas
de seres humanos que falem a sua linguagem e sejam capazes de penetrar-lhes o
coração”29.
Os pais precisam ser modelo em tudo para seus filhos, especialmente na vida espiritual. De nada vale pedir que os filhos façam oração se eles nunca ouvem uma oração feito pelos pais. O que adianta insistir que eles leiam a Bíblia quando nunca veem os pais lendo a Palavra de Deus? Por que lutar para que os filhos participem das atividades da igreja se os pais não dão o exemplo com sua presença e participação, mostrando o quanto é importante estar na casa de Deus?30
Todo o amor precisa ser demonstrado fisicamente. O contato com o outro é
necessário, o contato com os filhos e com a família é necessário. Para muitas pessoas
é difícil expressar esse calor humano, no entanto, bons hábitos podem ser cultivados,
sendo o Espírito Santo o maior especialista em mudar e quebrar as barreiras31. Não
devemos ter medo, apenas coragem para mudar situações que muitas vezes
desgostamos, outras vezes não notamos ou fingimos que não notamos. O
distanciamento e o individualismo provocados pelo mundo virtual nos trazem
situações tristes e, por vezes, desesperadoras. O discípulo amado João nos diz que
“no amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo
produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor. Nós amamos
porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4.18-19).
Abraçar, beijar e falar espontaneamente com os filhos cultiva a afetividade, rompe os laços da solidão. Muitos europeus e americanos sofrem de profunda solidão. Eles não sabem tocar seus filhos e dialogar abertamente
28 CURY, Augusto Jorge. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 11-12. 29 CURY, 2003, p. 19. 30 SIMÕES, 1999, p. 21. 31 SIMÕES, 1999, p. 51.
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com eles. Moram na mesma casa, mas vivem em mundos diferentes. O toque e o diálogo são mágicos, criam uma esfera de solidariedade, enriquecem a emoção e resgatam o sentido da vida32.
32 CURY, 2003, p. 45.
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2 VIVER COMO SER HUMANO OU VIVER COMO SER VIRTUAL. (NÃO)
PODEMOS ESCOLHER!
A humanidade possui o direito, a opção de poder escolher como quer viver e
se relacionar nestes tempos. E que tempos são estes? Tempos pós-modernos, ou
seja, tempos em que não existe mais uma verdade absoluta, tudo é relativizado;
tempos onde se ascendem a individualização dos projetos de vida, “da heteronomia,
na qual a vida era determinada pela família e seus valores, passou-se à completa
autonomia, à responsabilidade solitária pela própria biografia”33; tempos difíceis,
irrelevantes, obscuros e influenciáveis.
O ser humano pós-moderno não possui mais referências, mas ele busca
referências; o ser humano pós-moderno privilegia o instantâneo e o efêmero, ou seja,
as velhas verdades em uma roupagem nova; ele é um hedonista em busca da
felicidade; é um ser psicológico e um ser da realidade virtual e da dissimulação34, isto
é, o ser humano acaba ocultando suas verdadeiras intenções e sentimentos, acaba
encobertando seu verdadeiro eu.
Muito desse comportamento humano atual pode ter sido contribuído pelo
avanço da tecnologia e da absurda expansão da virtualidade. Não sabemos se
dominamos a tecnologia ou se ela é quem nos domina. Quando estamos imersos no
mundo virtual, deixamos tudo e todos que são reais, sendo a vida real substituída pela
vida virtual. O mundo hoje nos condiciona a vivermos on-line o tempo todo.
Interessante e preocupante é termos a noção de que enquanto estamos on-line para
o mundo virtual, nos colocamos off-line para o mundo real. O ser humano está vivendo
uma cegueira total no mundo real de olhos bem abertos no mundo virtual.
O indivíduo moderno vive hoje uma vida dupla entre o real e o virtual. Não
podemos e nem devemos excluir a virtualidade, pois ela está intrinsecamente ligada
com a nossa vida e com o mundo inteiro, ela possui o seu grau de importância e
pertinência. O que podemos e devemos fazer é tomar posse da palavra “equilíbrio”.
Equilíbrio é a palavra-chave para convivermos de uma maneira harmoniosa entre o
33 BUTZKE, Paulo Afonso. A igreja missional e o desafio da posmodernidade. In: Revista Orientação: teologia a serviço da vida. São Bento do Sul, n. 7, jan.-jun./2017, p. 42. 34 BARZ, Joice. Perfil psicológico da pós-modernidade. São Bento do Sul, 2017. Notas de aula da disciplina Homilética I, professor Klaus Andreas Stange, Curso de Bacharelado em Teologia, Faculdade Luterana de Teologia.
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real e o virtual, com a família e os filhos, com os amigos, na sociedade, na
comunidade, no lado pessoal e profissional. Mas quando as pessoas não conseguem
viver com este equilíbrio, a vida começa a tomar rumos e caminhos diferentes,
situações e constrangimentos irreversíveis.
A Dependência de Internet pode ser encontrada em qualquer faixa etária, nível educacional e estrato socioeconômico. Inicialmente, acreditava-se que esse problema era privilégio de estudantes universitários que, buscando executar suas atribuições acadêmicas, acabavam por permanecer mais tempo do que o esperado, ficando enredados na vida virtual. Entretanto, tais pressuposições mostraram ser pura especulação. Sabe-se, hoje, que à medida que as tecnologias invadem progressivamente as rotinas de vida, o contato com o computador cada vez mais deixa de ser um fato ocasional e, portanto, o número de atividades mediadas pela Internet aumenta de maneira significativa35.
Para o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, em relação à dependência de
internet, muitas hipóteses tem sido levantadas para tentar compreender o mistério da
sua causa, incluindo personalidade, dinâmicas familiares, aspectos ambientais,
comorbidade prévia, entre outros. Assim como um usuário de álcool ou drogas,
diversos clínicos defendem a tese de que os indivíduos “em momentos de angústia,
depressão ou mesmo fuga se valeriam da realidade virtual como uma forma de
enfrentamento ou de procrastinação das dificuldades da vida”36. Nesse intuito, a
expressão “olho no olho” foi permutada por “olho na tela”. A vida é realizada e
justificada através de uma tela, fazendo com que as pessoas se pareçam bem
melhores diante desta tela do mundo virtual, do que diante de um ser humano do
mundo real.
Na pós-modernidade, mais do que nunca, é difícil pensar na existência do real. O ser humano vive mergulhado em signos, pois ao longo dos séculos foi ampliando enormemente o nível de abstração simbólica com o qual lida com o mundo. Nunca antes teve sua realidade tão mediada como agora, na era pós-moderna. Estamos criando a terceira geração nascida em frente aos aparelhos de televisão, entramos na segunda década de uso da internet comercial. O mundo lá fora (se ainda podemos pensar em algo assim) nos chega sempre mediado pelas janelas eletrônicas onde nos debruçamos37.
35 ABREU, Cristiano Nabuco de et al. Dependência de internet e de jogos eletrônicos: uma revisão. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v30n2/a14v30n2>. Acesso em 04 jul. 2017, p. 159. 36 HUANG, 2006 apud ABREU, 2008, p. 164. 37 QUADRADO, Adriano D. Pós modernidade: que tempos são estes? 2006. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/caligrama/article/view/64693/67314>. Acesso em 09 mar. 2017, p. 12.
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Diante deste cenário, Ramos38 aborda sobre as teses de Debord39, escritor do
livro “A sociedade do espetáculo”. Este livro “se constitui de duas centenas de teses
que tratam, principalmente da alienação espetacular, da mercadoria como espetáculo,
do triunfo da aparência, do tempo e do espaço espetaculares, da cultura e da ideologia
da sociedade do espetáculo”40. A primeira tese de Debord declara que a vida das
sociedades modernas “se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos”,
ou seja, “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”41. Não
vivemos mais como pessoas reais, com dificuldades, angústias, aflições, alegrias,
emoções reais, isto é, vidas reais; mas agora atuamos como atores principais e
coadjuvantes em um mundo virtual em tempo real. O fundamental não é mais o que
eu sou, sinto, ouço e vejo realmente, mas a imagem embaralhada de tudo isso que
passo virtualmente para as outras pessoas. Será que em meio a todo este espetáculo,
se consegue ainda distinguir o que é atuação e o que é realidade?
A segunda tese é desinente da primeira, apresentando a imagem como o
elemento principal dessa representação, a “inversão concreta da vida”, o espetáculo
como “movimento autônomo do não vivo”42. O espetáculo é sempre uma imagem
invertida do real, isto é, se de um lado encontra-se a superfície espetacular da vida,
do outro lado está a não vida ou uma ilusão da vida. A imagem e a realidade não são
iguais, por mais parecidas que sejam, sendo antes o reverso uma da outra43. Quando
vivemos em um espetáculo, não vivemos a vida real, a vida viva, cheia de emoções,
alegrias, percalços e adversidades, mas uma vida encoberta por máscaras, repleta de
mentiras e tristeza.
A mais incisiva tese de Debord é a décima, onde o autor proclama que a
verdade do espetáculo é a negação da vida que se tornou visível44. “A vida, pintada
38 Luiz Carlos Ramos é presbítero da Igreja Metodista, graduado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul
e mestre e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Responde pelas disciplinas
relacionadas ao Culto (Liturgia, Hinologia e Homilética), na Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de
São Paulo (FaTeo-Umesp), em São Bernardo do Campo- SP, onde também coordena o Departamento de Liturgia
& Arte. 39 Guy Debord (1931-1994) foi filósofo, diretor de cinema e um dos primeiros pensadores a proceder uma análise
crítica da moderna sociedade de consumo sob a perspectiva do “espetáculo”. 40 RAMOS, Luiz Carlos. A pregação na idade mídia: os desafios da sociedade do espetáculo para a prática homilética contemporânea. São Bernardo do Campo: Editeo, 2012, p. 163. 41 DEBORD, 1997 apud RAMOS, 2012, p. 163. 42 DEBORD, 1997 apud RAMOS, 2012, p. 163-164. 43 RAMOS, 2012, p. 164. 44 DEBORD, 1997 apud RAMOS, 2012, p. 165.
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com as cores do espetáculo, parece mais viva do que nunca. Porém, ao tentar tornar
a vida mais viva, pela mediação de recursos tecnológicos cada vez mais sofisticados,
o espetáculo acaba por negar a vida real, uma vez que torna esta mais “sem graça”
que aquela”45. Debord declara aqui que o homem pós-moderno está negando a sua
vida real, sem graça e sem cor, a verdadeira vida criada por Deus com imenso e
inigualável amor, conforme Davi expressa no Salmo 139: “Pois tu formaste o meu
interior; tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo
assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha
alma o sabe muito bem” (Sl 139.13-14). Uma vida que vive dentro do espetáculo, pode
ser assim também entendida como uma vida virtual. A virtualidade e a
espetacularidade são sinônimos de uma vida vazia, fria e sem emoções reais.
Condenado a ser livre, o sujeito pós-moderno vai solto pela vida para supostamente fazer o que bem entende. Os discursos foram relativizados, os valores foram pervertidos, Deus não existe mais. Agora não há mais virtude ou ideal a quem devamos prestar obediência, somos livres para pecar, ou melhor, não há mais pecado que possa ainda ser cometido. Os tabus foram derrubados, os fantasmas foram todos enxotados, cada qual pode fazer de sua vida o que dela quiser, pois o homem contemporâneo deve explicações a si mesmo e a mais ninguém. Vagando solitário por imensas megalópoles - algumas delas com duas dezenas de milhões de habitantes, esse homem parece ter perdido qualquer noção de comunidade, de projeto comum46.
Debord escreve em 1967, antecipando de maneira muito lúcida e visionária o
que estava para se tornar a sociedade moderna ou pós-moderna diante do século
XXI47. “Pós-modernidade, portanto, é uma configuração altamente complexa, inédita
na história da humanidade, marcada pela concomitância de diversas mentalidades e
estilos de vida que podem conviver pacificamente ou estar em conflito”48. Para a
teologia cristã, a pós-modernidade é um problema e um desafio. A pós-modernidade
não rompeu apenas com a visão de mundo judaico-cristã, mas também com a visão
inflexível do Ocidente. Este rompimento faz surgir novamente a era dos gregos,
aqueles que separavam e enxergavam as pessoas pelas suas diferenças, discordante
do Cristianismo, onde as pessoas não eram afastadas, muito pelo contrário, à todas
45 BOORSTIN, 1962 apud RAMOS, 2012, p. 165. 46 QUADRADO, 2006, p. 15. 47 RAMOS, 2012, p. 162. 48 BUTZKE, 2017, p. 43.
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eram conferidas igualdade de direito49, quando Jesus Cristo dizia: “Vinde a mim, todos
os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis
descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt
11.28-30).
No cristianismo dos primeiros séculos da era cristã, existia um grande
movimento de doação aos outros, a fim de servir a Deus. Assim como Cristo se doou,
os cristãos também se doavam a servir com honestidade e alegria50. Isso pode ser
comprovado no livro de Atos, onde aparecem os relatos de como vivia a igreja
primitiva: “Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em
casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a
Deus e contando com a simpatia de todo o povo” (At 2.46-47a).
O advento da proximidade virtual torna as conexões humanas simultaneamente mais frequentes e mais banais, mais intensas e mais breves. As conexões tendem a ser demasiadamente breves e banais para poderem condensar-se em laços. [...] A realização mais importante da proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento. Diferentemente da antiquada proximidade topográfica, ela não exige laços estabelecidos de antemão nem resulta necessariamente em seu estabelecimento. “Estar conectado” é menos custoso do que “estar engajado” – mas também consideravelmente menos produtivo em termos da construção e manutenção de vínculos51.
A Bíblia nos chama a viver uma vida viva e real, pois ela é um livro vivo, feita
por um Deus vivo para pessoas reais. O avanço da tecnologia e do mundo virtual é
um caminho sem volta, dependendo apenas de nós mesmos se isso é algo bom ou
ruim. A virtualidade não pode substituir fisicamente os atos, os encontros, as
conversas, o respaldo para os sentimentos de alegria e tristeza e os sentidos do corpo
humano – visão, audição, paladar, olfato e tato, porque falta a proximidade, a presença
física, o calor do outro.
Deus queria que vivêssemos intensamente e alegremente a vida que Ele nos
concedeu, “pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível,
mediante a Palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1 Pe 1.23). Por este motivo
49 ZACARIAS, William Felipe; WESTPHAL, Euler Renato. A pós-modernidade como processo de secularização do Logos cristão. Parte 1. In: Vox Scripturae: revista teológica internacional. São Bento do Sul, v. XXIV, n. 1, jan.-jun./2016, p. 151. 50 ZACARIAS, 2016, p. 171. 51 ZYGMUNT, Bauman. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 82.
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enviou Seu Filho para abrir nossos olhos e nosso coração, para nos trazer a
verdadeira e única Salvação, sobrecarregada de amor, esperança, bondade e
misericórdia. “Em Jesus Cristo, [...] é Deus que vem ao ser humano na encarnação
do Logos. O Deus cristão rompeu com a religiosidade sinérgica humana, pois o próprio
Deus se doou e se entregou ao ser humano, vindo ao encontro dele aqui mesmo, na
terra”52. Jesus Cristo veio para esta terra, e Ele veio realmente e não virtualmente. Ele
veio como Deus real e como ser humano real sincronicamente, para viver na alma e
no corpo o que se chama vida humana, vida real.
52 ZACARIAS, 2016, p. 171.
20
3 DEUS ENVIOU SEU FILHO JESUS CRISTO PARA O SEU MUNDO REAL,
PARA TRAZER A VIDA REAL, PARA AMAR E SALVAR PESSOAS REAIS
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.1-
2,14). Jesus Cristo é o Verbo que veio até nós. Mas como se estabelece esta relação
entre nós e Jesus Cristo? Como pode o verdadeiro Deus tomar forma humana e viver
sob condições humanas? Perguntas como estas já brotavam no período inicial da
história da Igreja, principalmente no conflito com os docetistas53 e na rejeição dos
ebionitas54. Nestas questões se concentravam o problema real da Cristologia55.
Cristologia é conhecido tradicionalmente como a área da teologia cristã que
ocupa-se do estudo da pessoa de Jesus Cristo. Durante o período patrístico (100-451
d. C), sucederam-se muitos debates cristológicos em relação à pessoa de Cristo e à
natureza de Deus, pois não se conseguia chegar à um veredicto final. A controvérsia
de Ário (c. 250 – c. 336) do século IV é tida como uma das mais significativas da
história da igreja. Para ele, Cristo deveria ser considerado como uma criatura,
entrementes, superior às demais. Já Apolinário de Laudicéia (c. 310 – c. 390), forte
opositor de Ário, defendia que Cristo não poderia ser considerado totalmente humano.
Dentro de todo este contexto foi então convocado um concílio56.
O Concílio de Nicéia (325) foi convocado por Constantino, o primeiro imperador cristão, a fim de solucionar os desentendimentos cristológicos que desestabilizavam seu império. Esse foi o primeiro “concílio ecumênico” (isto é, uma assembleia de bispos vindos de todo o mundo cristão, cujas decisões eram tidas pelas igrejas como normativas). O Concílio de Nicéia (hoje a
53 Docetismo: Heresia do início do cristianismo que considerava Jesus como um ser exclusivamente divino, tendo apenas a “aparência” de ser humano, conforme MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã. Tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 652. 54 Ebionismo: Heresia de ordem cristológica, ocorrida no início do cristianismo, que considerava Jesus Cristo como uma figura exclusivamente humana, embora reconhecesse o fato de que ele possuía certos dons carismáticos que o distinguiam dos demais seres humanos, conforme MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã. Tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 653. 55 HÄGGLUND, Bengt. História da Teologia. Tradução Mário L. Rehfeldt e Gládis Knak Rehfeldt. Porto Alegre:
Concórdia, 2013, p. 71. 56 MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã. Tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 56-57.
21
cidade de Iznik, na atual Turquia) pôs fim à controvérsia ariana, declarando que Jesus era homoousios (“um em existência” ou “um em substância”) com o Pai, rejeitando, portanto, a posição ariana, em favor de uma veemente afirmação da divindade de Cristo. O Concílio de Calcedônia (451), foi o quarto concílio ecumênico, confirmou as decisões tomadas no Concílio de Nicéia e respondeu a novas polêmicas a respeito da humanidade de Cristo, que haviam surgido posteriormente57.
Destarte, desde o Concílio de Nicéia está declarado que Jesus Cristo é
inteiramente Deus e inteiramente homem. Se trouxermos para a época atual,
comparando os docetistas com o virtual e os ebionitas com o real, podemos relacionar
que Jesus Cristo é inteiramente virtual e inteiramente real. “Quem é o mentiroso,
senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e
o Filho” (1 Jo 2.22).
Jesus Cristo veio para este mundo para restaurar a imagem de Deus na
humanidade, pois o ser humano não estava mais vivendo como deveria, ou seja, como
a nítida e clara imagem de Deus. “Essa é a contradição de nossa existência e a fonte
de toda a nossa desgraça. Desde então, os orgulhosos filhos de Adão esforçam-se
em restaurar em si a perdida imagem de Deus pelo esforço próprio”58. “Porque, como,
pelo desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também,
por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos” (Rm 5.19).
Depois da queda, o ser humano nada mais pode fazer para reencontrar e
reassumir a imagem de Deus, “existe somente um caminho: o próprio Deus assume
a forma de ser humano e vem a ele”59. Jesus diz: “Eu sou o caminho, e a verdade, e
a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Este versículo deixa claro que
só podemos trilhar o verdadeiro caminho, buscar a verdadeira verdade e viver a
verdadeira vida com o Pai; apenas quando nos colocamos aos pés de Jesus e
entregamos o nosso coração e o nosso viver a Ele.
Cristo assumiu essa forma de ser humano. Fez-se ser humano igual a nós. Em sua natureza humana e em sua humildade, reconhecemos a nossa própria forma. Tornou-se igual aos seres humanos, para que esses lhe sejam iguais. Na encarnação de Cristo em forma humana, toda a humanidade reencontra a dignidade da semelhança de Deus. [...] Na comunhão com o Encarnado, nos é restituída nossa verdadeira natureza humana. Somos, assim, arrancados do isolamento gerado pelo pecado e devolvidos à humanidade toda60.
57 MCGRATH, 2005, p. 57. 58 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. Tradução Ilson Kayser. 8. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 200. 59 BONHOEFFER, 2004, p. 200-201. 60 BONHOEFFER, 2004, p. 202.
22
A afirmação de João “a saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina
a todo homem” (Jo 1.9) aponta para a encarnação do Filho como um acontecimento
que transforma a história da humanidade. Jesus vem ao mundo com a missão de
reconciliar a humanidade com Deus, libertando a todos das amarras e dos pecados61.
Jesus não veio para este mundo com as mãos vazias ou sem nenhuma intenção, sua
vinda é a prova do maior amor do mundo, o amor de Deus por sua criação. Jesus
trouxe consigo o bem mais precioso que a nossa vida necessita, clama e anseia: a
restauração da nossa comunhão com Deus. Deus deu o primeiro passo, quando
enviou Seu Filho para nos trazer a vida de volta, e vida em abundância, conforme Jo
10.10; façamos agora a nossa parte, busquemos Jesus Cristo de todo o coração para
entrar e fazer parte da nossa vida.
“Mesmo que Deus tenha sempre no decorrer da vida humana se dado a
conhecer, a plenitude do seu revelar somente acontece em Jesus Cristo. A vida e a
história de Jesus de Nazaré é o fato singular, único e de valor universal”62. Toda a
história de Jesus vivida neste mundo, sua morte e ressurreição nunca mais
acontecerão novamente. Jesus nos amou e nos salvou de nossas transgressões,
iniquidades e pecados. Jesus nos ama e nos salva ainda hoje, todos os dias, pois tudo
o que Ele viveu e fez por nós, foi uma vez por todas para sempre.
Jesus Cristo se via como um sinalizador e uma pessoa que aponta para Deus.
O que Ele disse foi para tornar audível aquilo que Deus fala; o que Ele fez foi para
mostrar como Deus atua e o seu caminho de vida foi para expor como caminha um
ser humano que se sente guiado por Deus63. Cristo, quando veio ao mundo, sabia
exatamente tudo o que iria enfrentar. Ele tinha plena noção da sua missão aqui nesta
terra, pois, como se encontra no livro de Mateus “até os cabelos todos da cabeça
estão contados” (Mt 10.30b).
E nós acreditamos Nele, porque Ele nos convence que sabe mais de Deus e que perscruta mais profundamente do que nós a realidade deste mundo. Nós confiamos em sua autoridade. Confiamos que Ele tenha sido incumbido por
61 PINAS, Romildo Henriques. Jesus como sentido último da história humana: elementos da Cristologia da W. Pannenberg. In: Atualidade Teológica: revista do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Rio de Janeiro, ano XVI, n. 42, set.-dez./ 2012, p. 505. 62 PANNENBERG, 1983 apud PINAS, 2012, p. 508. 63 ZINK, Jörg. Quem crê pode confiar: introdução à fé cristã. Tradução Luís Marcos Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2009, p. 11.
23
Deus e o denominamos por isso de “Cristo”, ou seja, o plenipotenciário de Deus64.
“Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso
Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). Jesus Cristo justificou nossos pecados perante Deus,
nos trouxe a reconciliação divina, por isso hoje podemos ter paz e sentir
completamente a presença Dele em nossa vida. E nesta nova vida não temos como
ficar longe do nosso próximo e da comunhão entre os irmãos. “Amados, amemo-nos
uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de
Deus e conhece a Deus” (1 Jo 4.7). Assim como Cristo preencheu a nossa vida de
amor e esperança, assim também é o nosso desejo para com todos ao nosso redor.
Por isso é valoroso e relevante que fixemos o nosso olhar, não para uma realidade
virtual, onde não enxergamos sequer quem nos rodeia; mas significativamente e
primeiramente em Jesus Cristo e, em segundo lugar, para o nosso próximo.
O ser humano nasce sendo portador da dimensão religiosa e, esta dimensão
ergue a pessoa até o seu destino mais autêntico, o de ser imagem e semelhança de
Deus. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem
e mulher os criou” (Gn 1.27). A profunda antropologia do ser humano na sua
totalidade, não vai de encontro a um ser fechado em si mesmo, mas muito pelo
contrário, se expande em atitudes de amor e gratuidade ao mundo, ao outro e a Deus,
cumprindo o seu fundamental destino65. Isso prova que Deus nos criou para o outro,
para vivermos com o outro, falarmos com o outro, estarmos com o outro. Não
podemos fazer e viver o contrário disso, pois esta vontade e este desejo de Deus foi
posto em nosso coração e em nossa mente quando se deu a criação.
Como seria triste a nossa vida se vivêssemos sozinhos, sem ninguém para
dividir fardos pesados ou compartilhar alegrias e emoções. As pessoas que vivem ao
nosso redor precisam do nosso olhar, do nosso carinho e da nossa atenção e vice-
versa. No entanto, muitas vezes, não conseguimos dar valor a esta riqueza que
nenhuma vida virtual pode conceder. Em relação a viver em comunhão com outros
cristãos, Bonhoeffer declara:
A presença física de outros cristãos constitui para o cristão uma fonte de alegria e fortalecimento incomparáveis. Invadido por grande saudade, Paulo pede a presença de Timóteo, “meu querido filho na fé”, para fazer-lhe
64 ZINK, 2009, p. 11. 65 PINAS, 2012, p. 511.
24
companhia na prisão nos últimos dias de vida, quer revê-lo e tê-lo ao seu lado. [...] Não é vergonha o crente ter saudade da companhia de outros cristãos, como se isso fosse sinal de viver ainda por demais na carne. O ser humano é criado como carne, na carne apareceu o Filho de Deus na terra por amor a nós, na carne foi ressuscitado, na carne o crente recebe Cristo no sacramento, e a ressurreição dos mortos levará à comunhão perfeita das criaturas espírito-carnais de Deus. Através da presença física do irmão, o crente louva o Criador, Reconciliador e Salvador, Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Na proximidade do irmão cristão, o preso, o doente, o cristão na diáspora reconhece um gracioso sinal físico da presença do Deus triúno66.
A atenção e a sensibilidade são duas virtudes importantíssimas para Jesus.
Mediante a isso Zink diz:
Preste atenção naquilo que acontece em torno de você. Mantenha os olhos e ouvidos abertos. Escute o que se diz e o que se lamenta. Atente para o que acontece em você mesmo e através de você. E observe a maneira como você atenta para tudo. É preciso que isso aconteça com amor. E deixe-se afetar por aquilo que acontece ao redor de você. Deixe que chegue ao seu coração e, quando necessita de sua mão, ajude67.
Jesus nos deu claros, belos e inesquecíveis exemplos de como devemos viver
com nossos irmãos, com o nosso próximo, que está bem próximo ou que às vezes se
encontra um pouco mais longe. Ele nos mostrou o que devemos fazer enquanto seres
reais e não seres virtuais.
Jesus tocou e curou muitas pessoas, por fora e por dentro, pessoas que
viviam sem nenhuma esperança, pobres e miseráveis, esperando apenas o dia crucial
da morte: “E eis que um leproso, tendo-se aproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se
quiseres, podes purificar-me. E Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero,
fica limpo! E imediatamente ele ficou limpo da sua lepra” (Mt 8.2-3). Jesus entrou na
casa de pecadores e comeu com eles, pessoas que já haviam perdido a fé: “Quando
Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, disse-lhe: Zaqueu, desce depressa,
pois me convém ficar hoje em tua casa” (Lc 19.5).
Muitas pessoas sabiam que a Palavra de Jesus tinha poder, por isso, muitas
pessoas precisavam apenas que Jesus falasse: “Por isso, eu mesmo não me julguei
digno de ir ter contigo; porém manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado”
(Lc 7.7). Jesus falou muito e fez muitas coisas a ponto de lhe perguntarem: “Dize-nos:
com que autoridade fazes estas coisas? Ou quem te deu esta autoridade?” (Lc 20.2).
Além de Jesus falar e fazer, Ele ouviu à todos que lhe procuravam com dúvidas e
66 BONHOEFFER, Dietrich. Vida em comunhão. 7. ed. rev. São Leopoldo: Sinodal, 1997, p. 11. 67 ZINK, 2009, p. 78.
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angústias: “Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre
vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus
não estiver com ele” (Jo 3.2).
Jesus via tudo o que acontecia ao seu redor o tempo todo: “Marta! Marta!
Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou
mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada”
(Lc 10.41-42). Jesus ia ao encontro dos seus: “Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas
vou para despertá-lo” (Jo 11.11).
Jesus sentiu quem Dele precisava: “Jesus, reconhecendo imediatamente que
dele saíra poder, virando-se no meio da multidão, perguntou: Quem me tocou nas
vestes? (Mc 5.30). Jesus defendeu todos os que necessitavam de perdão e paz:
“Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire a pedra.
Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais” (Jo
8.7,11).
Jesus ajudava o seu próximo, não o desprezava, ia ao encontro do
necessitado, do perdido, do angustiado. Jesus falava com poder e fazia tudo com
autoridade. Jesus ouvia e dava conselhos à todos que lhe procuravam. Jesus olhava
e sentia o que acontecia ao seu redor, para se posicionar e defender quem Dele
precisava. Isto faz hoje os cristãos da nossa igreja, das nossas comunidades? Como
eles se comportam hoje dentro e fora da igreja? Estão vivendo mais na realidade ou
na virtualidade?
O mundo virtual tomou conta da vida e dos pensamentos do indivíduo atual.
Também o cristão, entra e sai do culto imerso neste mundo. Muitos, durante o culto,
não conseguem ser totalmente reais, pois não acontece um desvencilhamento do
mundo virtual. A vida e o olhar se resumem a uma tela, para apenas uma direção, e
todo o resto se encontra perdido: o olhar para o próximo que passa por algum tipo de
dificuldade, o falar e o agir tão necessário e preciso para quem perdeu a esperança e
não sabe mais qual caminho seguir, o ouvir e o sentir em um toque e um abraço. Estes
são exemplos que Jesus nos deixou e que não podem ser perdidos. Devemos ser
exaustivamente cautelosos, pois a mídia hoje quer ter maior influência do que Jesus
Cristo.
Qual a postura que devemos assumir como seguidores de Jesus? Várias
atitudes de cristãos foram assumidas ao longo dos tempos, mas qual a verdadeira
responsabilidade que a igreja tem perante o mundo? Devemos nos perguntar se
26
nossas atitudes, ações são cristãs ou farisaicas68, ou seja, se a nossa vida está
baseada em Cristo ou na hipocrisia dos fariseus. Ao contrário dos fariseus, Jesus não
olhava para a aparência, conforme Mt 22.16, mas para o coração: “Os fariseus, que
eram avarentos, ouviam tudo isto e o ridiculizavam. Mas Jesus lhes disse: Vós sois os
que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece o vosso
coração; pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus” (Lc
16. 14-15).
Em cada momento registrado pelos evangelistas, comprovamos a distância
que existia entre Jesus Cristo e os fariseus. Os fariseus não queriam contatos com
pessoas indignas e vergonhosas, porém, Jesus entregou sua amizade, tocando os
intocáveis. E qual foi a causa desta diferença? A resposta é curta e simples: os
fariseus pensavam primeiro em si mesmos e de como manter sua pureza, no entanto,
Jesus pensou primeiro nos outros, em como “buscar e salvar o perdido” (Lc 19.10)69.
O que Jesus Cristo fez por toda a humanidade foi real e não virtual. Porque o
virtual é passageiro, não constrói laços nem fixa raízes; enquanto que o real
permanece eternamente. De todas as ações reais realizadas por Jesus Cristo, o Seu
maior e supremo exemplo, foi o de servir e de amar ao próximo, quando, pregado na
cruz, Ele nos salvou e disse: “Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o
espírito” (Jo 19.30).
68 STOTT, John R. W. Las controversias de Jesús. Buenos Aires: San Juan: Ediciones Certeza, 1975, p. 187. 69 STOTT, 1975, p. 194.
27
CONCLUSÃO
A vida virtual não deve ser substituída pela vida real, pois quando isso
fazemos, desperdiçamos a chance que Deus nos dá a cada novo dia de fazermos a
diferença neste mundo real, perante pessoas reais. Somos justificados e libertados
perante Deus por nossos pecados pela fé no Cristo real. O que fazer para que a vida
real faça mais sentido e seja mais interessante do que a vida virtual? O que a igreja
deve fazer para que Jesus Cristo se torne o fator decisivo e influenciável para os
cristãos? Devemos buscar incessantemente o real das pessoas, mesmo estando elas
imersas no virtual. É preciso que elas intensamente sintam, olhem, toquem, vejam,
peguem, busquem os exemplos de Jesus Cristo, que foi real; pois se assim não
tivesse sido, não estaríamos hoje ainda aqui, depois de 2000 anos, para levar esta
mensagem.
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REFERÊNCIAS
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