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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho,v. 4, n. 1/2014 – ISSN 2179-8222 – Semestral – Montes Claros

Conselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialReinaldo Silva Pimentel SantosSimone Rosiane Corrêa Araújo

Waldir de Pinho Veloso

e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

EditorEditorEditorEditorEditor

Waldir de Pinho Veloso

ISSN 2179-8222

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 4, n. 1/2014

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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

Editor

Waldir de Pinho Veloso

Conselho Editorial

Reinaldo Silva Pimentel SantosSimone Rosiane Corrêa Araújo

Waldir de Pinho Veloso

Correção Linguística

Waldir de Pinho Veloso

Editoração Gráfica

Maria Rodrigues Mendes

Capa

Adriano Magno de FreitasMaria Rodrigues Mendes

Ficha catalográfica elaborada por Edmar dos Reis de Deus CRB6 2486.

FAS@JUS : e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho / Faculdade de Direito SantoAgostinho. – Vol. 4, n. 1, 2014 - . - Montes Claros, MG. Fundação Santo Agostinho, 2014-

v. : il. 21 x 29 cm.

SemestralISSN 2179-8222

1. Direito. I. Faculdade de Direito Santo Agostinho. lI. Título.

CDU: 34 (05)

FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 4, n. 1/2014

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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA),v. 4, n. 1/2014 - Semestral – Montes Claros

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................

ENTREVISTA..............................................................................................................................

ARTIGOS DO CORPO DISCENTE

O AMOR COMO PECÚNIA: A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONOAFETIVO PARENTALBetânia Gusmão Mendes.............................................................................................................

LIMIT AÇÃO À IMUNIDADE MA TERIAL DOS PARLAMENTARES EM FUNÇÃO DESEUS ABUSOS E EXCESSOSElles Albano de Aguiar Carneiro...................................................................................................

EDUCAÇÃO DOMICILIAR E O ABANDONO INTELECTUALGislene Sampaio Said...................................................................................................................

CRIME DE EXCESSO DE EXAÇÃO: A INCONGRUÊNCIA DA PENA NA FORMAQUALIFICADA COM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADELuciano Carvalho de Almeida.......................................................................................................

O MEDO E A PENA DE MORTE NA VISÃO DE BECCARIATiago Barbosa.............................................................................................................................

RESUMOS

TESTAMENTO VITAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: UMAABORDAGEM ACERCA DO CONFRONTO DA VIDA COMO UM BEM JURÍDICOINDISPONÍVEL VERSUS O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANADiego Celestino Ferreira..............................................................................................................

O CONFRONTO ENTRE O UNIVERSALISMO E O MULTICULTURALISMOIsadora Oliveira de Paula e Silva.................................................................................................

A DOUTRINA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTE OPRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA PESSOA JURÍDICAMatheus Medeiros Maia..............................................................................................................

RESENHA

EUTANÁSIA EM A GUERRA DOS TRONOSDandara Tamires Reis e Castro...................................................................................................

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APRESENTAÇÃO

Para que um veículo de divulgação científicaseja classificado como triunfante, há necessidadede comprovada continuidade. O eterno nascer ourenascer de uma publicação de cunho científicofomenta a oportunidade para diversificadosautores de textos científicos se manifestarem.

Parece uma vitória do próprio veículo. E é.Mas, antes disso, é um conjunto de vitórias dosautores que o integram, dos verdadeiros atores quecompõem o elenco, das pessoas que são, emsíntese, o motivo de vir ao mundo das publicaçõesmais um Volume, mais uma Edição, mais umNúmero desta publicação seriada de carátercientífico.

Para consolidar a sua existência, para driblarintempéries e para deixar indelevelmente fixado osulco de um andar provido de esforço científico, aRevista Eletrônica Fas@Jus, do Curso de Direitoda Faculdade de Direito Santo Agostinho,apresenta-se em nova roupagem, novo Volume,novo Número, nova Edição. Sabendo que científicoé o que é academicamente divulgado, proporciona– ou oportuniza, em palavras outras – espaços aquem se mostra capaz.

Este Volume 4, Número 1, é especial. Contémmaterial científico assinado exclusivamente porAcadêmicos que integram o Programa Especialde Tutoria (PET), um dos pontos de apoio que oCurso de Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho oferta aos seus Acadêmicos.

Para explicar o que é o Programa Especialde Tutoria (PET), foi convidada a ProfessoraMestre Liz Helena Silveira do AmaralRodrigues que, até o fim de 2013, era aCoordenadora do PET e foi a idealizadora de umNúmero especial da Revista Eletrônica Fas@Jusdedicado exclusivamente aos membros doPrograma. Em vez de um texto menos pessoal,que ela faria se continuasse como integrante doConselho Editorial, como era até o fim de 2013, aProfessora Liz Rodrigues foi convidada a concederuma Entrevista. Na seção, toda a explicação daorigem do PET, a sua evolução, o fomento àiniciação científica, o estádio atual e o que se pensado futuro. Não são meras reminiscências: é umlembrar consciente, resgatando a história eprojetando, com solidez de quem tem alicerce, umporvir que se anuncia vitorioso.

Cinco são os Artigos Científicos que integram

a seção que comumente é destinada aosAcadêmicos do Curso de Direito da Faculdade deDireito Santo Agostinho.

Em ordem alfabética em relação aos seusautores – importante destacar que são de autoriasindividuais – o primeiro exposto é o Artigo Científicode autoria da Acadêmica Betânia GusmãoMendes, que cuida do assunto sob o título “Oamor como pecúnia: a responsabilidade civilpelo abandono afetivo parental”, no qual descea detalhes, doutrinários e jurisprudenciais, acercada patrimonialização da quebra do cumprimentodos deveres que os pais (normalmente, o gêneromasculino) deveriam ter para com seus filhos. Otrabalho mostra a visão de diversos integrantes dosTribunais Superiores, na aplicação do Direito, queconcedem ou não indenização em casos de paisque descumprem os seus deveres em relação aosfilhos. A doutrina exposta também é variada. E háconclusão, por parte da autora.

Um outro texto científico é assinado peloAcadêmico Elles Albano de Aguiar Carneiro,que decidiu pesquisar, estudar e consolidar, emtexto científico, seus conhecimentos sobre o tema“ Limitação à imunidade material dosparlamentares em função de seus abusos eexcessos”, tocando as searas do DireitoConstitucional, Direito Eleitoral e algum tópicoacerca da Ética e da Moral. Distingue o que éproteção ao mandato parlamentar e a compara coma tática empregada por alguns políticos que seescondem atrás da imunidade parlamentar paracometer abusos, excessos e, por que não dizer,crimes de toda sorte.

Na ordem alfabética, o terceiro ArtigoCientífico é escrito pela Acadêmica GisleneSampaio Said. Ela debruça sobre a análise, emtom científico, da responsabilidade que têm os paisna educação dos seus filhos, ou dos tutores emrelação aos seus pupilos. E mostra que se aConstituição Federal diz que é dever dos paisproporcionar a educação aos filhos, concedetambém o direito de os pais levarem a efeito estaeducação em âmbito familiar. Mas, há lei que dispõeser crime de abandono intelectual a nãoprovidência, por parte dos pais e tutores, emmatricular seus filhos e pupilos em escolas. Aanálise, destarte, mostra qual norma deve sercumprida: a determinação da oferta da educação

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(que poderia ser a domiciliar) ou a oferta daeducação necessariamente em estabelecimento deensino. E o crime de abandono intelectual. O títuloé “Educação domiciliar e o abandonointelectual”.

Por seu lado, o Acadêmico LucianoCarvalho de Almeida tratou do tema “Crimede excesso de exação: a incongruência dapena na forma qualificada com o princípio dapr oporcionalidade”. Para o autor, há umanecessária discussão acadêmica quanto aoprincípio da proporcionalidade quando se trata docrime de excesso de exação. Explica o autor, combase doutrinária, que um crime em sua formainicialmente clausulada tem uma versão que impõepunição mais forte, a maneira qualificada. Areflexão mostra que, em se tratando do crime deexcesso de exação – a cobrança de tributoinexistente ou em valores acima dos fixados pelasalíquotas, bases de cálculo ou hipóteses deincidência, ou mesmo o emprego de maneiravexatória na cobrança dos encargos tributários –em seu formato qualificado, pode ter punição maisbranda do que a condição inicial ou “simples”. Umparadoxo desvendado pelo texto.

Para fechar a seção, o Acadêmico TiagoBarbosa procurou todos os modos de,cientificamente, escrever sobre o assunto cujo títuloé autoexplicativo: “O medo e a pena de mortena visão de Beccaria”. O trabalho tem muito deFilosofia e Psicologia e, igualmente, muito deDireito. Definir e mostrar que o medo é ocontrapeso que evita atitudes infundadas é o lemado autor. Para calçar os seus estudos, busca emCessare Beccaria, clássico e necessariamentesuporte para estudos mais profundos, os esteiosou alicerces científicos abordados. A extração dolivro Dos delitos das penas é quanto à pena demorte e sobre o medo em outros aspectos. Fatoresque fazem, a todos, pensar antes de uma açãoviolenta contra outrem (medo da perda daliberdade, ou do pecado) ou que pode colocar emrisco a sua própria vida (medo da morte).

Normalmente, a Revista Eletrônica Fas@Jus,do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo

Agostinho, não tem uma seção que publicaResumos de trabalhos científicos. Por se tratar deuma publicação contendo apenas escritos de cunhocientífico da pena de Acadêmicos que fazem partedo Programa Especial de Tutoria (PET), a seçãofoi criada e está preenchida pelos trabalhos dosAcadêmicos Diego Celestino Ferreira,Isadora Oliveira de Paula e Silva e MatheusMedeiros Maia. São temas dos seus estudos,respectivamente, “Testamento vital noordenamento jurídico brasileiro: umaabordagem acerca do confronto da vida comoum bem jurídico indisponível versus oprincípio da dignidade da pessoa humana”; “ Oconfronto entre o universalismo e omulticulturalismo ”, e “A doutrina dadesconsideração da personalidade jurídicaante o princípio da autonomia da pessoajurídica ”.

Uma coluna tradicional na Revista EletrônicaFas@Jus, do Curso de Direito da Faculdade deDireito Santo Agostinho, é a Resenha. Texto decaráter acadêmico que visa analisar alguma obrae sobre ela emitir uma opinião, com crítica – nosentido de análise profunda – a Resenha da vez éda lavra da Acadêmica Dandara Tamires Reise Castro. A Acadêmica lida com a análise do livroA guerra dos tronos, do norte-americano GeorgeR. R. Martin. A qualidade de científico vem,exatamente, da inserção de temas sobre eutanásia,ortotanásia e outras questões do Biodireito,presentes no livro e destacados pelo texto. O títuloé “Eutanásia em A guerra dos tronos”.

Com o Volume 4, Número 1, a RevistaEletrônica Fas@Jus, do Curso de Direito daFaculdade de Direito Santo Agostinho, procuradisponibilizar, a todo o mundo científico, umdesabrochar de autores, em seus passos iniciais,porém firmes, em vários segmentos doconhecimento científico.

O conhecimento científico se engrandececom este Volume. Pelo menos, é o que entendemos assinantes deste texto de apresentação.

Os Organizadores

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A Professora Liz Helena Silveira do AmaralRodrigues é Mestre em Direito e fez parte doquadro de Professores da Faculdade de DireitoSanto Agostinho durante vários anos. NaInstituição, à qual chegou assim que obteve o graude Mestre em Direito, a Professora acompanhoudiversas Turmas, desde as que adentraram naFaculdade no início das atividades, o que significadizer que foi Professora dos primeiros graduados.Tempos de dedicação após o início das atividadesdocentes na Instituição, galgou vários degraus.Chegou a Coordenadora do Programa Especial deTutoria (PET).

Oriunda de SantaCatarina, habitou MontesClaros, Minas Gerais, e, excetoquanto ao sotaque sulista,tornou-se mineira.

No fim de 2013, porquestões familiares, mudou-separa a capital paulista. Após adecisão, cumpriu até o fim doano as funções de Professora demúltiplas disciplinas naFaculdade de Direito SantoAgostinho (Direito Internacional,Estatuto da Criança e doAdolescente, Biodireito e outras) e Coordenadorado PET até que as férias chegaram. Somente aí,rumou-se para a São Paulo dos sonhos mais atuais.

Como Coordenadora do Programa Especialde Tutoria, acompanhou diretamente diversosAcadêmicos no desenvolvimento de seus artigoscientíficos. Também, como Coordenadora, esteveao lado dos outros Professores integrantes doPrograma, tornando-se uma Tutora menos diretados Acadêmicos orientados por esses outrosProfessores.

No fim de 2013, na qualidade de membro doConselho Editorial da Fas@Jus, Revista Eletrônicado Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo

ENTREVISTA

Entrevistada: Professora Liz Helena Silveira do Amaral Rodrigues

Agostinho, apresentou a ideia da publicação de umNúmero dessa Revista Eletrônica exclusivamentecom trabalhos científicos dos Acadêmicos queintegram o PET. Uma vez aceita a ideia – de formaimediata e sem restrições ou pedido de tempo paraajustes de pensamento – ficou incumbida de reuniros textos científicos.

Considerando que a vinda a lume desteVolume 4, Número 1, da Revista EletrônicaFas@Jus se dá em um semestre letivo que já nãoconta com a Professora Liz Helena Silveira doAmaral Rodrigues como membro do ConselhoEditorial, não seria justo que o nascimento deste

veículo científico fossedesprovido da sua participação.O melhor destaque para quemcoordenou o ProgramaEspecial de Tutoria – no qualnasceram os trabalhoscientíficos integrantes destenúmero – e ainda reuniu ostextos que estão contidos nesteexemplar, é a disponibilidade deum espeço para explicar o queé o PET, qual a história doPrograma, quais os destaquesentre seus integrantes e o que

se espera que venha por aí, especialmente após avitória – a edição especial desta Revista – dos seusintegrantes.

Por isso e por outros vários motivos, a seguirse encontram as palavras da Professora MestreLiz Helena Silveira do Amaral Rodrigues, Mestreem Direito, em atenção aos questionamentos daRevista Eletrônica Fas@Jus.

Fas@Jus: Para início, gostaríamos queVocê definisse o PET com objetivos efunções.

Professora Mestre Liz Rodrigues: O

Vale destacar que,em alguns semestres, o

PET chegou aresponder por 90% dos

trabalhos científicosapresentados em

Congressosorganizados pela

Faculdade

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Programa Especial de Tutoria (PET) foi criado,em um primeiro momento, como uma forma deauxiliar o Acadêmico na escolha do tema dotrabalho de curso. Posteriormente, o perfil doPrograma foi alterado e o PET passou a secaracterizar como um programa de iniciaçãocientífica. Hoje, pode-se dizer que o objetivodo projeto é fomentar a produção de trabalhoscientíficos pelo corpo discente, seja pelapublicação de resumos, seja pela de artigospropriamente ditos.

Fas@Jus: Qual o histórico do PET em

termos de época do início e desenvolvimento,especialmente os primeiros momentos?

Professora Mestre Liz Rodrigues: OProjeto começou em 2008, em razão da poucavariabilidade dos temas de monografia. AProfessora Mestre Vivian Cristina Maria Santosestruturou e coordenou o Projeto, como o apoiodo Professor Doutor Elton Dias Xavier. Eu tivea oportunidade de integrar o grupo deProfessores que compôs esta primeiraformação. Nesta fase, costumávamos indicaraos Alunos as “novidades” mais interessantes,seja em termos doutrinários, seja em termosjurisprudenciais, bem como comentando asnossas próprias áreas de trabalho – o grupode Professores Tutores sempre foi composto,preferencialmente, por Professores Mestres,dedicados à pesquisa, o que contribuiu, penso,para a diversificação das áreas de interesse.

Quando retornei ao Programa, em 2012,o PET já estava desvinculado da escolha detemas para o Trabalho de Curso (TC) e o focojá estava direcionado à iniciação científica,especialmente após a inclusão, no Regulamentode Trabalho de Curso, da possibilidade desubstituição da monografia por artigoscientíficos, produzidos ao longo de váriossemestres da graduação. Até então, todos osAcadêmicos somente podiam se graduar deelaborassem e defendessem, com aprovação,uma monografia. A partir deste momento, o PETpassou a ter um papel fundamental na produçãocientífica discente do Curso de Direito, pois,sendo um Projeto constante e com um grandenúmero de vagas, muitos Alunos puderamcontar com a orientação dos ProfessoresTutores e passaram a se expressar de modo mais

seguro e a estruturar um raciocínio científicomais sofisticado. Vale destacar que, em algunssemestres, o PET chegou a responder por 90%dos trabalhos científicos apresentados emCongressos organizados pela Faculdade,sendo que, em algumas situações, a quantidadede trabalhos apresentados pelos Acadêmicosde Direito era praticamente equivalente à somados trabalhos apresentados por vários outrosCursos.

Fas@Jus: Os Acadêmicos que já

integraram ou integram o PET participamativamente das divulgações científicas. Citealguns eventos científicos nos quais osintegrantes do PET tiveram destaque.

Professora Mestre Liz Rodrigues:Poderíamos destacar o Congresso Brasileiro deDireito e Teoria do Estado – que já teve dezedições seguidas e ininterruptas de sucessointernacional – bem como o Fórum Integradode Ensino, Pesquisa e Extensão e eventosrealizados por outras Instituições de EnsinoSuperior IES, como a Universidade Estadualde Montes Claros, que sempre criaramcondições para que os Alunos participassemdos eventos. Cumpre destacar a importânciaque a abertura destes espaços têm na formaçãodos Alunos, que, aos poucos, adquiremconfiança, passam a organizar um raciocíniocientífico mais sofisticado e, também, adquiremfluência verbal e escrita, competênciasessenciais para o profissional de Direito.

Fas@Jus: Até 2013, como integrante do

Conselho Editorial da Revista EletrônicaFas@Jus, quando os artigos submetidos paraanálise eram de autoria de integrantes doPET, Você pedia para se abster da emissãode Parecer. Qual a sua ligação com osAcadêmicos que integram o PET?

Professora Mestre Liz Rodrigues:Considerando o modo como o Programa éorganizado, penso que a ligação que édesenvolvida em virtude do interesse do Aluno,pois, considerando que o Professor ficadisponível em determinados horários, cabe aoAcadêmico vir à Faculdade e pedir a orientaçãodo Professor. Deste modo, levando-se emconsideração o maior ou menor interesse do

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Aluno, afinidade com a área de pesquisa e otrabalho que está sendo desenvolvido, muitasvezes são criados laços entre o Tutor e o Alunoque está sendo acompanhado. Com muitafrequência, mantínhamos contato via e-mail eredes sociais, e, em certas situações, oengajamento do Professor resultava em algunstrabalhos em coautoria, o que também é muitointeressante. Deste modo, e considerando amaior atenção que os Alunos do Programarecebiam, eu entendia que, como membro doPET, não caberia a mim analisar o resultadodo nosso trabalho coletivo, pois, claro, nãoteria o mesmo distanciamento que outrosmembros do Conselho Editorial poderiam ter.Já cheguei a dizer algo como “esta Aluna, noato de escrever este Artigo Científico, é comose fosse minha filha”, uma vez que teriaacompanhado a apresentação da ideia, osprimeiros esboços, os primeiros traços, ascorreções e melhoras e teria sido a primeira aver o trabalho pronto e vencedor. O mesmosentimento é manifestado por outrosProfessores Tutores, integrantes do Programa.Durante a orientação especial, cria-se, creio,um elo valioso entre Professor Tutor eAcadêmico integrante do Programa.

Fas@Jus: A publicação de um Número

da Revista Eletrônica Fas@Jus com textoscientíficos de autoria somente de integrantesdo PET representa que marco?

Professora Mestre Liz Rodrigues: É ummarco interessante não só porque comemoraos cinco anos de existência do programa, comopor ressaltar o grau de maturidade acadêmicaque o grupo de Alunos integrantes do Programaatingiu. A consolidação da Revista é importante

também para os Alunos, que poderão participarde uma obra coletiva. Para os Alunos, a ediçãoda Revista é um prêmio por sua dedicação eesforço. Acredito que, em um próximo momento,o grupo poderia trabalhar para viabilizar umlivro, com maior densidade científica e quefosse voltado à exploração, em profundidade,de um determinado assunto jurídico relevante.

Fas@Jus: Qual o mundo que Vocêvislumbra para os Acadêmicos da Faculdadede Direito Santo Agostinho (FADISA) queintegram o PET?

Professora Mestre Liz Rodrigues: Estaé uma questão muito particularizada mas, emgeral, percebe-se que o Aluno que passou peloPET tem mais segurança e expressa suas ideiascom maior clareza. Considerando nossaspeculiaridades profissionais, odesenvolvimento da habilidade de falar empúblico, a desenvoltura na defesa de um pontode vista, a correta estruturação de umraciocínio em um trabalho escrito contribuem,em muito, para a vida profissional da pessoagraduada em Direito. A realização de atividadesparalelas às normalmente exigidas durante agraduação, a elaboração de artigos e aspublicações certamente contribuem para aformação de um currículo diferenciado, quepode pesar favoravelmente quando esteAcadêmico for participar de um processoseletivo, quando do início de sua vidaprofissional. Deste modo, creio que o Programacontribui para o desenvolvimento da autonomiado Aluno, que poderá conduzir sua carreiracom mais segurança e encontrar asoportunidades profissionais mais adequadasao seu perfil.

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ARTIGOS DOCORPO DISCENTE

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RESUMO

A entidade familiar se modificou no tempo de acordocom os valores sociais, passando das relaçõeshierarquizadas e patriarcais para o modelo fundadono amor e afeto. Sendo o afeto familiar de sumaimportância para o indivíduo, a sua privação podegerar sequelas no âmbito pessoal, psicológico, morale até na construção do indivíduo como cidadão.Desta maneira, o Superior Tribunal de Justiçareconheceu que a inexistência de afeto nas relaçõespaterno-filiais gera traumas irreparáveis à pessoa,cabendo indenização por dano moral. Essa decisãoteve como premissa o aspecto normativo daresponsabilidade civil pelo abandono e odescumprimento dos deveres e obrigaçõesdecorrentes do poder familiar. Entretanto, não sesabe ao certo se tratar o amor como pecúniarepresenta avanço ou retrocesso no Direito dasFamílias na contemporaneidade. O presente trabalhotem por objetivo analisar, através de pesquisasbibliográficas e jurisprudenciais, o emprego daresponsabilidade civil nos casos de abandono afetivoparental e a aplicação da indenização por danomoral. Observando as visões antagônicas sobreconceber as relações paterno-filiais apenas no campopatrimonial e todas as controvérsias que elas ensejamno universo jurídico. Visto que, não é pacífico se a“judicialização” do afeto alcança a função social doinstituto.

Palavras-chave: Direito de família, abandonoafetivo parental, responsabilidade civil.

ABSTRACT

The family entity has been modified along timeaccording to the social values. Going through definedstandards, with the father figure, building basis oflove and affection. Family affection, being one of

O AMOR COMO PECÚNIA:a responsabilidade civil pelo abandono afetivo parental

Betânia Gusmão Mendes1

the most important things to a person, where it’sabcense may cause damage to the psychological,moral and in the construction of a reasonable citizen.Therefore, the federal supreme court recognizedthat the existence of affection in paternalrelationships generates irreversible trauma to theperson, bringing the right of asking forindemnification. This decision had as assumptionsthe normative aspect of civil liability abandonmentand breach of the duties and obligations of familypower. However, we don’t know for sure if treatinglove with pecunia represents the development orbackspace in the modern family law. This study aimsto analyze, through literature searches andjurisprudential, employment of civil liability in casesof abandonment and parental affective applicationof moral damages. Watching the opposing viewsabout conceiving paternal relationship only in theassests and all the controversies wich give rise inthe legal universe. Once the judicialization affectionreaches its social function of the institute.

Key words: Family law, paternal abandonment, civilliability.

1 INTRODUÇÃO

A entidade familiar é a estrutura basilar dasociedade, e se transforma no tempo, de acordo comos valores sociais. A concepção de família semodificou, passando das relações hierarquizadas epatriarcais para o modelo fundado nos laços de amore afeto.

O afeto familiar é dotado de importância aosindivíduos e a sua privação pode gerar sequelas queperdurarão por toda existência, seja no âmbitopessoal, psicológico, moral ou na construção doindivíduo como cidadão. A ausência do genitor naformação dos filhos quanto à falta de afeto pode

1 Acadêmica do Quinto Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro do ProgramaEspecial de Tutoria (PET).

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ser encarada como omissão danosa.Na tentativa de minimizar os efeitos danosos

do abandono afetivo, o Superior Tribunal de Justiçareconheceu que a inexistência de afeto nas relaçõespaterno-filiais gera prejuízos irreparáveis à pessoa,cabendo indenização por dano. Essa decisão tevecomo premissa o aspecto normativo daresponsabilidade civil e do descumprimento dosdeveres e obrigações decorrentes do poder familiar.

O art. 1.634 do Código Civil Brasileiro de 2002dispõe que o dever dos pais não é restrito ao sustentomaterial dos filhos. Também, a obrigação se estendea criação e educação, bem como o direito/dever detê-los em sua companhia e guarda. Do preceitonormativo em epígrafe se depreende que oselementos extras patrimoniais como: valores morais,convivência familiar, orientação educacional e aprópria construção do indivíduo como cidadão sãotão imperiosos ao filho quanto a assistência material.

É inquestionável que a ausência do afeto, docarinho e da presença do genitor na vida da pessoaacarretará danos irremediáveis. Entretanto, atentativa simplista de resolver na esfera patrimonialos danos decorrentes do abandono afetivo parentalgera controvérsias no meio jurídico.

Não se sabe ao certo se seria possívelsolucionar no campo da responsabilidade civil aquestão da ausência do afeto, e se uma indenizaçãoseria apta a sanar a falta de assistência dos pais.Além disso, a fixação de indenização pecuniária pelafalta de afeto poderia ensejar maiores desavençasentre as partes, solidificando, desta maneira, oafastamento entre eles.

Ao longo do presente trabalho, pretende-seanalisar as visões antagônicas sobre a indenizaçãopor abandono afetivo, buscando compreender setratar o amor como pecúnia caracteriza um avançoou retrocesso no Direito das Famíliascontemporâneo.

Este artigo, de caráter exploratório, foielaborado de acordo com o método dedutivo,adotando-se o procedimento monográfico, com orecurso de fontes bibliográficas bem como o estudojurisprudencial.

2 FAMÍLIA E AFETO

O conceito de família, seus princípiosfundamentais bem como a sua própria formação semodificaram no tempo de acordo com os preceitossociais. “A história da família é extensa, não lineare configurada por rupturas sucessivas” (PERROT,1995), não sendo possível estabelecer um ideal de

família estagnado ou imutável. Segundo Dias (2008),a família constitui um agrupamento informal, deformação espontânea no meio social, cujaestruturação se dá através do Direito, que seapresenta apenas como instrumento deconcretização da realidade.

As relações familiares desde os primórdioseram estabelecidas segundo os modeloshierarquizados e patriarcais, tendo a necessidadedo matrimônio para o reconhecimento jurídico. Afamília era vista como uma unidade de produção,que incentivava a procriação, com o intuito defortalecer os laços patrimoniais. Farias e Rosenvald(2010, p. 4) afirmam que “as pessoas se uniam emfamília com vistas à formação de patrimônio, parasua posterior transmissão aos herdeiros, poucoimportando os laços afetivos.”.

Entretanto, como indica Dias (2009, p. 28) “aRevolução Industrial fez aumentar a necessidadede mão-de-obra, principalmente nas atividadesterciárias”. Assim, novas perspectivas sociaispassaram a vigorar. Houve a necessidade de asmulheres integrarem o mercado de trabalho,mitigando o império machista e patriarcal, acabandocom a preponderância do caráter produtivo ereprodutivo da família.

Sobre essa nova concepção da família,esclarecem Farias e Rosenvald (2010, p. 4):

A arquitetura da sociedade moderna impõe ummodelo familiar descentralizado, democrático,igualitário e desmatrimonializado. O escopoprecípuo da família passa a ser a solidariedadesocial e demais condições necessárias aoaperfeiçoamento e progresso humano, regidoo núcleo familiar pelo afeto, como molapropulsora.

A afetividade torna-se essencial nas relaçõesfamiliares. Lôbo (2009) afirma que a atualconcepção familiar prioriza o laço de afetividadeque une seus membros, o que propiciou umareformulação do conceito de filiação que sedesprendeu da verdade biológica e passou a valorarmuito mais a realidade afetiva.

Sendo o afeto o laço que une as famílias namodernidade, ele é tão elementar para as relaçõespaterno-filiais quanto os laços biológicos. Assimensina Nogueira (2001, p. 86):

Para a criança, sua simples origem fisiológicanão a leva a ter vínculo com seus pais; afigura dos pais, para ela, são aqueles comque ela tem relações de sentimento, aquelesque se entregam ao seu bem, satisfazendo

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suas necessidades de carinho, alimentação,cuidado e atenção.

Segundo Cervany (2010), a presença do amorno convívio familiar possui grande importância parao ajustamento psicológico e afetivo dos filhos. E aprivação do afeto pode gerar sequelas queperdurarão por toda a existência, seja no âmbitopessoal, psicológico, moral ou afetivo.

Nesse sentido, Winnicott (2008) ensina que obebê privado de um contato afetivo satisfatório comseus genitores sofrerá perturbações no seudesenvolvimento psicológico e emocional, o queensejará em inúmeras dificuldades pessoais. Assim,uma boa assistência afetiva configura aspectoessencial para o desenvolvimento completo dacapacidade relacional desse filho.

Demonstrada a relevância do afeto para odesenvolvimento regular do indivíduo, bem comopara as suas relações interpessoais, é possível inferirque privação desse afeto, pode ser encarada comoomissão danosa à formação integral da pessoahumana.

3 O ABANDONO AFETIV O PARENTALNO ORDENAMENTO JURÍDICOBRASILEIRO

Aceitar o abandono afetivo como premissapara dano moral e, consequentemente, passível deindenização, tem gerado uma crescente procura peloPoder Judiciário, a fim de que os filhos sejamressarcidos de alguma maneira pela quebra dosdeveres jurídicos dos pais em relação a seus filhos.Segundo Barros (2005, p. 886) “a afeição é um fatosocial jurígeno, que gera direitos e obrigações acercade vários bens e valores, como alimentos, moradia,saúde, educação, etc.”. Portanto, o afeto nasrelações sociais é protegido por todo o ordenamentojurídico, seja através dos princípios constitucionaisou por princípios do Direito Privado.

O princípio da afetividade é decorrente dosprincípios constitucionais da dignidade da pessoahumana e da solidariedade familiar. A afetividadedeixa de ser valor jurídico e se torna princípio quandoas relações familiares deixam de ser essencialmentepara desenvolvimento patrimonial ou para areprodução e passam a ser espaço para odesenvolvimento e crescimento pessoal. Pereira(2005, p. 844) destaca que:

De simples valor jurídico a princípio jurídicofoi um outro passo, e historicamente, é

recente. O princípio da afetividade nos fazentender e considerar que o afeto pressupõetambém o seu avesso, já que o amor e o ódiosão complementos ou são dois lados de umamesma moeda. Faltando o afeto, deve entrara lei para colocar limites onde não foi possívelpela via do afeto.

Segundo as premissas desse princípio, nasfamílias modernas prevalece o afeto e não apenasos laços biológicos. Sendo o afeto princípio básicopara as relações de parentabilidade, Lôbo (2003, p.56) diz que “o afeto não é fruto da biologia. Os laçosde afeto e de solidariedade derivam da convivênciafamiliar, não do sangue”. A afetividade é tãoimportante que Dias (2009) afirma que é o princípionorteador de todo o Direito das Famílias.

A Constituição da República Federativa doBrasil de 1988 (CRFB/88), também elenca osdeveres e obrigações decorrentes dos pais para comos filhos. O art. 227 da CRFB/88 enumera osdireitos e deveres da criança que devem serassegurados pelo Estado, pela sociedade e pelafamília:

Art. 227. É dever da família, da sociedade edo Estado assegurar à criança, ao adolescentee ao jovem, com absoluta prioridade, o direitoà vida, à saúde, à alimentação, à educação, aolazer, à profissionalização, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade e àconvivência familiar e comunitária, além decolocá-los a salvo de toda forma denegligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão.

O art. 229 da CRFB/88 estabelece asobrigações dos pais para com os filhos. Fixa, porexemplo, “o dever de assistir, criar e educar osfilhos.”. Assim, a família, a sociedade e o Estadodevem zelar pelo bem-estar físico, psíquico e moraldos indivíduos. Assegura Lôbo (2009) que ela devepropiciar à criança e ao adolescente os meios derealização da dignidade pessoal, impondo a todas asentidades com fins afetivos, a natureza e oreconhecimento de família, fazendo-se cumprir asnormas estabelecidas na legislação brasileira.

Na seara do Direito Civil, o Código CivilBrasileiro de 2002 (CCB/02), instituído pela Lei10.406, de 10-1-2002, no seu art. 1.634, determinaque o dever dos pais não é restrito ao sustentomaterial, mas também a obrigação de dirigir os filhosquanto à sua criação e à educação, bem como tê-los em sua companhia e guarda, estabelecendo,nesse contexto, os elementos extrapatrimoniais.

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Como os valores morais, a convivência familiar, aorientação educacional e a própria construção doindivíduo como cidadão são tão significativos quantoa assistência material.

Inúmeros são os aspectos normativos quevisam à proteção dos filhos quanto ao abandonofísico, material ou afetivo pelos genitores, visto quea ausência do amor, do carinho e da presença dospais acarretará danos irreparáveis à pessoa.Entretanto, quando essa omissão não é resolvida demaneira pacífica, alguns juristas e magistradosdefendem a aplicação do instituto da responsabilidadecivil e a reparação por dano moral.

A CRFB/88 eleva a reparação por dano moralao patamar de direito fundamental, no art. 5.º, incisosV e X, prevendo a reparação dos danos materiais,morais ou à imagem. Desta maneira afirma Gama(2010, p. 171):

A carga de sofrimento, de dor, de abalopsíquico recai sobre a pessoa da vítima,independentemente de qualquer perdamaterial, é justificadora do direito à reparaçãodo dano moral sofrido, devendo se observara prevalência da tutela da personalidadehumana diante da nova ordem de valorestutelados no campo existencial pelaConstituição da República do Brasil.

O instituto da responsabilidade civil visareparar o dano moral através da indenização, como intuito de recomposição das situações jurídicaslesadas, com o escopo de compensar o abalopsíquico sofrido. Gagliano e Pamplona Filho (2011,p. 51) caracterizam a responsabilidade civil como“a agressão a um interesse eminentementeparticular, sujeitando, assim o infrator, ao pagamentode uma compensação pecuniária a vítima, caso nãopossa repor o estado anterior das coisas.”.

Venosa (2010) destaca que toda ação ouomissão que gera prejuízo a outrem, acarreta o deverde indenizar, se ausentes as causas excludentes deindenização. Assim, de acordo com o ordenamentojurídico, a responsabilidade civil impõe a reparaçãodo dano causado a quem, por ato ilícito, causar danoa outrem, segundo os preceitos do artigo 186, doCCB/02, que dispõe:

Ar t. 186. Aquele, que por ação ou omissãovoluntária negligência ou imprudência, violardireito e causar dano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete ato ilícito.

O artigo 927, do CCB/02, por sua vezdetermina:

Ar t. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem ficaobrigado a repará-lo.

De acordo com os art. 186 e 927 do CCB/02,para a aplicação da responsabilidade civil sãonecessários alguns requisitos que configuram ailicitude. São eles: a conduta (negativa ou positiva),o dano e o nexo de causalidade.

Diniz (2006) ressalta que para a configuraçãoda ilicitude é necessário que o fato lesivo sejacausado pelo agente, por ação ou omissãovoluntária, decorrente da negligência ouimprudência; que tenha produzido um dano moralou patrimonial, além do que deve haver um nexo decausalidade entre o dano e o comportamento doagente. E, somente diante desses pressupostos éque o indivíduo pode buscar a indenização porresponsabilidade civil.

No caso do abandono afetivo parental, osgenitores deixam de cumprir com os elementosbásicos para a funcionalidade das entidadesfamiliares, uma vez que estas devem contribuir paraa realização da personalidade dos indivíduos, emespecial os filhos.

Hironaka (2006) analisa o dano, a culpa e onexo de causalidade nos casos de abandono afetivo.Segundo a autora, o dano causado pelo abandono éantes de tudo um dano à personalidade do indivíduo,visto que a família, como primeiro grupo do qual ofilho participa, possui o dever de incitar na criançaum sentimento de responsabilidade social. Outrahipótese é que o dano seria causado pela ausênciade afeto nas relações entre pais e filhos,prejudicando, assim, o desempenho integral do deverde educação e convivência decorrentes daresponsabilidade dos genitores.

No caso de culpa, deve ser evidenciado que ogenitor tenha sido omisso na convivência com o filho,negando-se a participar do seu desenvolvimento,sendo negligente ou imprudente.Concomitantemente ao abandono, na maioria doscasos é possível existir a inobservância dos deverese obrigações imateriais decorrentes do poder familiar.

Já para a análise do nexo de causalidade,Hironaka (2006, p. 7) dispõe que é necessária “afixação em caráter retrospectivo, da época em queos sintomas do dano sofrido pela criançacomeçaram a se manifestar, pois não poderá imputarao pai um dano que tenha manifestado em tempoanterior ao abandono.”. Em outros termos, faz-senecessário observar se os danos acontecidos sãodecorrentes do abandono.

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Na atualidade há divergências sobre avaloração econômica conferida ao abandono afetivo,gerando opiniões e decisões contraditórias. Existemaqueles que defendem que o valor pecuniário nãoseria apto a sanar os problemas decorrentes doabandono e, em contrapartida, há os que entendemque o instituto da responsabilidade civil seria aplicávelao caso.

Os que defendem a indenização por abandono,como o Superior Tribunal de Justiça, afirmam quehá uma violação grave dos deveres e obrigaçõesdos pais para com os filhos. Compreendem tambémque o genitor comete ato ilícito ao descumprir comas suas obrigações, visto que a criança necessita docarinho, amor, presença e afeto para sua formação,seja ela biológica, moral, psíquica, social, emocionale até como cidadão. A condenação pecuniária seriasanção aplicada ao indivíduo pela falta de carinho,apta a minimizar o sofrimento desse filho, além docaráter pedagógico, que impediria outros pais deincidir em condutas semelhantes.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça,no dia 24 de abril de 2012, em Recurso Especial denúmero 1.159.242-SP (2009/0193701-9),reconheceu o afeto como valor jurídico e concedeuindenização à filha pelo abandono afetivo do pai.Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi, colhidasno Acórdão

Amar é faculdade, cuidar é dever. [...] Sobesse aspecto, indiscutível o vínculo nãoapenas afetivo, mas também legal que unepais e filhos, sendo monótono oentendimento doutrinário de que, entre osdeveres inerentes ao poder familiar,destacam-se o dever de convívio, decuidado, de criação e educação dos filhos,vetores que, por óbvio, envolvem anecessária transmissão de atenção e oacompanhamento do desenvolvimentosociopsicológico da criança.

Com esses pressupostos, a Ministra NancyAndrighi asseverou que é possível exigir aindenização por dano moral decorrente de abandonoafetivo pelos pais.

Já aqueles que são contrários à indenizaçãopelo abandono afetivo elencam que não seria possívela lei obrigar os pais de sentirem afeto pelos seusfilhos. As relações afetivas são provenientes dopsicológico humano; ninguém possui obrigação legalde amar o outro, não podendo ensejar na ausênciado afeto a aplicação do instituto da responsabilidadecivil. Dessa maneira, o Tribunal de Justiça de Minas

Gerais (TJMG), conforme Acórdão a seguirtranscrito:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOSMORAIS - ABANDONO AFETIVO - ATOILÍCITO - INEXISTÊNCIA - DEVER DEINDENIZAR - AUSÊNCIA. A omissão dopai quanto à assistência afetiva pretendidapelo filho não se reveste de ato ilícito porabsoluta falta de previsão legal, porquantoninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor.Inexistindo a possibilidade de reparação aque alude o art. 186 do Código Civil, eis queausente o ato ilícito, não há como reconhecero abandono afetivo como passível deindenização. (TJMG. Apelação Cível1.0024.07.790961-2/001, Rel. Des. Alvimar deÁvila, DJ 11-2-2009).

Assim, é possível observar às divergênciasexistentes entre as decisões dos Tribunais referentesà responsabilidade civil por abandono afetivo.

O que se vê é que, enquanto algunsmagistrados e juristas compreendem que tratar oamor como simples patrimônio seria um retrocessono Direito das Famílias, outros, no entanto, entendemque a indenização seria cabível para sanar os malescausados pelo abandono.

4 AFETO E PECÚNIA

A família, na atualidade, é estabelecidasegundo os preceitos do carinho, amor e do afeto.Os laços afetivos se sobrepõem aos biológicos esão eles que amarram a convivência familiar e aestrutura da sociedade. Dessa maneira, as relaçõesafetivas devem ser estabelecidas de maneira livre eespontânea. A ideia de afetividade deve serconstruída. Ela representa um processo dinâmico edialético, em que o relacionamento entre pais e filhosé estabelecido com o decorrer da vida.

Nesse sentido a responsabilidade civil não seriaapta a sanar os problemas decorrentes do abandono.Como dispõem Farias e Rosenvald (2008), aindenização decorrente da negativa de afetoproduziria uma verdadeira “patrimonialização” dealgo que não possui característica econômica. Seriasubverter a evolução natural da ciência jurídica,retrocedendo a um período em que o ter valia maisque o ser.

Observa-se, também, que o medo da possívelação de responsabilidade civil por abandono, levariaos pais, que não possuem qualquer tipo de relaçãoafetiva com seus filhos, a buscarem uma convivênciaforçada com receio de futuras sanções do Poder

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Judiciário. Entretanto, a mera presença física não écapaz de suprir os danos ocasionados pelodesinteresse demonstrado nesses encontrosimpostos pelo medo e poderiam ser muito maisdanosos para os filhos, que esperam o apoio de seuspais e uma convivência afetiva espontânea.

Além desse aspecto, a busca judicial pelo“afeto” ocasionará danos ao filho queixoso, vistoque é uma situação humilhante, reclamarpublicamente por um amor negado, enquanto o paiou mãe omissos declaram também publicamente afalta de amor.

Com o posicionamento favorável àcondenação pecuniária pelo abandono aos filhos, oPoder Judiciário terá uma quantidade exacerbadade ações indenizatórias com intuito meramentepatrimonial, interesses visando apenas à vingança,o que descaracterizaria a relação familiar.

Outro aspecto a ser observado, é que aindenização não seria aplicável ao caso de abandonoafetivo, visto a impossibilidade de comprovação dodano moral, como dispõe o Desembargador RelatorJosé Flávio de Almeida, da 12.ª Câmara Cível doTribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, aonegar Recurso de Apelação n.° 1.0720.09.052727-9/001(1), nos seguintes termos:

O tardio reconhecimento de paternidade, senão estabelecido vínculo e convivência entrepai biológico e filho, depois de muitos anosde vida distanciados no tempo e espaço,ainda que essa situação de fato possa sercunhada de abandono afetivo, não configuraato ilícito passível de reparação por danosmorais. Mesmo que possa ser moralmentereprovável a conduta do apelado.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,julgou improcedente a Apelação Civil n.º70050203751, de responsabilidade por abandonoafetivo. O Relator da Apelação do TJRS, oDesembargador Alzir Felippe Schmitz, afirmou que‘‘mesmo os abalos ao psicológico, à moral, aoespírito e, de forma mais ampla, à dignidade dapessoa humana, em razão da falta de afetividade,não são indenizáveis por impossibilidade de aferiçãoda culpa.’’, requisito determinante para a fixaçãoda responsabilidade civil.

Segundo o Desembargador Sérgio Fernandode Vasconcellos Chaves, da 7.ª Câmara Cível doTribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,no Recurso n.° 70029347036, a busca pelo perdãoseria mais benéfica no desenvolvimento das relaçõesafetivas entre filhos e pais, pois a reaproximação ou

a cura dos danos decorrentes do abandono seriamimpossíveis por meios exclusivamente patrimoniais.E o faz com os seguintes termos:

Se tanto o pai quanto a filha tiverem agrandeza de perdoarem as faltas que um eoutro possam ter cometido, se cada umconseguir superar as suas dificuldadespessoais e minimizar ou sublimar as mágoasporventura existentes, certamente terãoganhos afetivos e serão mais felizes. Mas, ocerto é que esse conflito, que ainda persiste,não poderá ser resolvido com qualquerindenização. Pelo contrário.

Assim, é possível compreender que tratar oafeto segundo os preceitos pecuniários iria contra opróprio princípio da afetividade vigente no Direitodas Famílias. Sendo possível dispor que a utilizaçãoda responsabilidade civil com escopo na indenizaçãopor abandono afetivo representa um verdadeiroatraso nas relações familiares. A intromissão doJudiciário nas questões de carinho, afeto e amor demaneira coativa pode representar perigo ou abusode poder, visto que o afeto é sentido, construído;não imposto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o exposto, é possível inferirque a indenização por abandono afetivo parentalrepresenta um verdadeiro retrocesso no Direito dasFamílias. Admitir a aplicação do instituto daresponsabilidade civil limitaria as relações subjetivasdo afeto e amor ao campo patrimonial. E, comoexposto, o Direito evoluiu. E não são as relaçõeseconômicas que o norteiam na atualidade.

A indenização pelo abandono não é apta a sanaros danos causados ao filho e muito menos propiciariamelhora nas relações familiares. Poderia, no entanto,aumentar as desavenças e solidificar a ausência derelações salutares entre genitores e filhos.

Tratar o amor como simples pecúnia nãorepresentaria nenhuma finalidade social benéfica.O afeto é que regula as famílias. É dele quedecorrem todas as relações pessoais. Não podeser imposto.

Como dispõem os aspectos normativos, os paispossuem a obrigação de cumprir os deveresinerentes à maternidade e paternidade responsáveis.Entretanto, buscar a obrigatoriedade do amor é algoperigoso. E a monetarização do afeto pode levar auma convivência forçada não benéfica a qualquerdas partes.

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Pensar em Direito das Famílias contemporâneoé pensar em relações afetivas. Portanto, quando oamor é transformado em simples pecúnia representaum retrocesso no tempo, limitando a estagnação dereduzir as relações interpessoais ao campo dopatrimônio. O afeto é algo que nasce naturalmente,fruto de aproximação espontânea. É recíproco e nãopode ser criado pela força do Poder Judiciário.

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RESUMO

O presente artigo foi construído a partir da análisede material bibliográfico coletado com a finalidadede obter maiores conhecimentos acerca dadeturpação do propósito de proteção e garantia aoParlamentar, por sua opinião, palavra e voto.Constantes abusos e excessos contribuem para operecimento do ideal de política, bem como adegradação desta prerrogativa frente ao cidadão.No decorrer do trabalho, será apresentado osistema garantidor da imunidade material, aliado àsua consequente necessidade de limitação efiscalização, de modo a não descaracterizar talgarantia que se faz de suma importância para odesenvolvimento democrático, além de contribuirpara o resgate da credibilidade da classe políticanacional.

Palavras-chave: imunidade material,parlamentares, limites, abusos e excessos.

ABSTRACT

This article was built from an analysis ofbibliographic material collected in order to obtainmore knowledge about the misrepresentation ofthe purpose of protection and assurance toParliament, in its opinion, word and vote. Constantabuses and excesses contribute to the extinctionof the optimal policy as well as the degradation ofthis prerogative against the citizen. During the workwill be presented the system guaranteeing theimmunity material, combined with its consequentneed for limiting and monitoring, so as not tomischaracterize such warranty that makes himextremely important for democratic development,and contribute to the rescue of the credibility ofnational political class.

LIMIT AÇÃO À IMUNIDADE MA TERIAL DOS PARLAMENT ARESEM FUNÇÃO DE SEUS ABUSOS E EXCESSOS

Elles Albano de Aguiar Carneiro1

Keywords: immunity material, parliamentarians,limits, excesses and abuses.

1 INTRODUÇÃO

Desde a Grécia antiga, passando peloscontratualistas como Montesquieu (1962), até a suainscrição jurídico-positiva nos diversos textosconstitucionais dos Estados modernos, a teoria daseparação dos Poderes objetiva um poder políticodevidamente independente e harmônico, a fim deprimar pelo equilíbrio e evitar o arbítrio e odesrespeito aos direitos fundamentais do homem.

Neste sentido, o Estado divide seus órgãos esuas respectivas funções em típicas e atípicas.Conforme a Constituição Federal, cada Poder deveser compreendido como órgão do Estado, ao qualé conferida uma função peculiar. Ao PoderLegislativo, foco deste estudo, como função típica,cabe a elaboração de leis genéricas e impessoaisa serem seguidas pelos membros da sociedade,além de fiscalizar. O Poder Executivo, por sua vez,está encarregado de aplicar as leis enquantoAdministração Pública, exercendo efetivamenteatos de chefia e administração nos termos da lei.E o Poder Judiciário, designado a dirimir os conflitosexistentes na sociedade, aplicando o Direito ao casoconcreto e interpretando oficialmente a legislação(NOVELINO, 2009).

Tal dispositivo tem por finalidade evitar umaconvergência automática ao abuso, já que osPoderes acabam se limitando reciprocamente emsuas funções típicas e atípicas. Neste sistema defreios e contrapesos, conforme vislumbrado porMontesquieu, os Poderes tendem a se regularizarpara funcionarem em uma harmoniacontrabalançada e flexível. O eventual oupretendido descomedimento de um encontrará odevido limite na atuação de outro, de modo justo eindependente.

1 Acadêmico do Sétimo Período Matutino do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro doPrograma Especial de Tutoria (PET).

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Dentre as vertentes do Poder Legislativo, asua relação com o aparelho de garantias e proteçãoaos Deputados e Senadores, advindas do Estatutodo Congressista, como meio garantidor dasimunidades, é aquela que causa maior inquietação.Haja vista que a deturpação desse instituto comoforma de escudo ao arbítrio, remete à sociedade aideia de regalia ao Parlamentar, mero instrumentode representação do povo. E assim, chamaratenção para a real eficácia desse instituto, comotambém da possibilidade do seu enrijecimento.

É inquestionável a conquista dessa autênticanecessidade institucional para a manutenção dademocracia pátria. Quando bem administrada,confere ao seu detentor proteção necessária à sualiberdade de atuação, propiciando, assim, a lógicada tripartição de Poderes. Isto porque o escopo doEstatuto do Congressista é conferir aos membrosdo Congresso Nacional o fortalecimento do seuexercício frente à interferência dos demaisPoderes.

No que diz respeito à deturpação do seupropósito de amparo e segurança, o que se discutesão formas de evitar atos atentatórios à liberdadede atuação dos Parlamentares, como os queoutrora ocorreram nos períodos de repressãopolítica e ditadura militar. Nesse diapasão, émarcante a influência dessa chaga histórica nopresente instituto, que se evidencia ao abrigar odireito de opinião e o direito de se opor.

Contudo, tal finalidade, quando nãoperfeitamente desempenhada pelos representanteseleitos, levanta questões polêmicas quanto àviolação dos direitos individuais constitucionalmentegarantidos.

Na mão inversa, constantes abusos eexcessos cometidos por parte dos parlamentarescooperam para o perecimento do ideal ético depolítica objetivado, bem como a degradação dodireito e da justiça para com o cidadão. O que defato se traduz aos olhos da população em geral é aideia de estarem os seus representantes fora daação da lei e do seu âmbito de atuação, que semostra imprudente e implacável em relação aocidadão comum.

Como tentativa de sanar inquietações ou atémesmo levantar novas problemáticas é que se fazde grande valia examinar de maneira minuciosa oinstituto da Imunidade Material, prevista no artigo53 da Constituição da República. Com este intuito,foram feitas considerações relativas à crescentenecessidade de impedir que esta prerrogativa dê azoa abusos e excessos por parte dos Parlamentares.

Para tanto, tem-se como base, o posicionamentojurisprudencial e doutrinário acerca do assunto, alémda busca pela definição dos limites de atuação dosmembros do Poder Legislativo.

2 IMUNIDADE P ARLAMENT AR:ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Desde os primórdios das civilizações, oshomens disseminavam ideais de igualdade. Oscristãos, por exemplo, já pregavam que todos oshomens são iguais perante Deus. Alguns filósofoscomo Platão, Aristóteles e Heráclito propagaramo Direito Natural, defendendo a ideia de que oshomens já nascem com determinados direitos,inerentes à natureza, simplesmente pelo fato deserem humanos. E, assim, não podem serdescartados quando em sociedade (HERVADA,2008).

Com o tempo, tais direitos continuaram a serdiscutidos, sempre à luz de novas perspectivas.Preleciona Moraes (2011), que várias correntesde pensamentos persistiram a evoluir, e muitasdelas, acabaram por influenciar na elaboração dedocumentos importantes, como a Magna Carta, em1215, que limitava o poder dos monarcas ingleses,além do papel fundamental na criação daConstituição dos EUA, aprovada em 1787.

Consolidadas basicamente pelo direitoeuropeu, segundo a doutrina, as

imunidades parlamentares como corolário dadefesa da livre existência e independênciado Parlamento tem no sistema constitucionalinglês sua origem, através da proclamaçãodo duplo princípio da freedom of speach(liberdade de palavra) e da freedom fromarrest (imunidade à prisão arbitrária), no Billof Rights de 1688, os quais proclamaram quea liberdade de expressão e de debate ou detroca de opiniões no Parlamento não podeser impedida ou posta em questão emqualquer corte ou lugar fora do Parlamento(MORAES, 2011, p. 456).

Segundo Aleixo (1961), surge, por volta doséculo XVII, como maneira de garantir aosmembros do Parlamento inglês, a livre expressãode suas opiniões sem o risco de serem presos peloarbítrio do Rei. Nessa época, o regime dominanteera o do Absolutismo Monárquico. E, nele, Monarcae Estado se confundiam em um só.

Em relação à abrangência das imunidades, oprocesso histórico diz respeito a somente palavrase votos, dos quais apenas aqueles enunciados dentro

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do recinto das Sessões ou das Comissões sãoamparados pelo dispositivo em tela. Com o tempo,passou a se abranger a liberdade de expressão eopinião (MORAES, 2011).

O caráter de proteção ao livre exercício doParlamentar, em âmbito nacional, tem comobaluarte a Constituição da República que,essencialmente, assegura todos os direitos e asgarantias individuais e coletivas. Desde aConstituição Imperial, de 1824, são previstasnormas para disciplinar o tema. A Carta de 1937,contudo, em seus arts. 42 a 43, modificousignificativamente o tratamento das imunidades.Embora previstas, a Constituição admitia aresponsabilização do Parlamentar por difamação,injúria, ultraje à moral pública ou provocação públicaao crime, ficando sujeito à perda do mandato(CARVALHO, 2012).

Tal modificação é a expressão de ummomento de aparente legalidade e excesso dePoder Executivo, haja vista que entre os anos de1964, 1967 e 1985, o Brasil foi governado por umaforma de Governo estritamente ditatorial, no qualos militares se alternaram no Poder2. Fasemarcada pela ausência de eleições diretas ecaracterizada pela falta de democracia, além dasupressão de direitos constitucionalmenteestabelecidos, e com instituição de censura,perseguição e intervenção política na forma derepressão aos que desafiavam o regime dominante.

Durante o referido regime ditatorial, oencalço aos Parlamentares, aliado à dissolução dePartidos Políticos e a cassação de mandatos,contribuiu para o enfraquecimento da classe, comreflexo até os presentes dias. Muitos políticossentiram na pele o horror de um tempo em quenão havia liberdade, ao serem presos, torturados eaté mesmo exilados3.

Para Mota (2002), a situação começa a darsinais de redemocratização com o nascimento da“Lei da Anistia” (Lei n.º 6.683/79). À época, apósser fortemente pressionado, o General JoãoBaptista Figueiredo, Presidente da República,concedeu aos exilados e condenados por crimespolíticos o direito de regressar ao Brasil. Em 1984,a sociedade se reorganiza, e milhões de brasileirosvão às ruas reivindicar eleições diretas e aaprovação da “Emenda Dante de Oliveira”,garantidora das eleições diretas daquele ano –

“movimento das Diretas Já”. A Emenda não foiaprovada pela Câmara dos Deputados. Em 15 dejaneiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolhe oentão Deputado Tancredo Neves, da AliançaDemocrática, como novo Presidente daRepública, sendo este o primeiro Presidente civilapós 21 anos do regime. Mas, como TancredoNeves veio a falecer antes de assumir o cargo, aPresidência da República passa a ser ocupadapelo Vice-Presidente José Sarney.

Com a promulgação da nova Constituição,no ano de 1988, primou-se por apagar os indíciosdeste momento histórico e estabelecer princípiosdemocráticos ao País. Deste modo, passado operíodo de repressão política acarretado pelachamada Era Vargas e pelo subsequente regimeditatorial no Brasil, o constituinte originário objetivacercar e majorar os benefícios da classeparlamentar. Logo, evitar novas crises políticas.

Conforme assenta Moraes, a redação original

da Constituição Federal de 1988 previa asimunidades material e formal no art. 53, §§1.º, 2.º e 3.º, determinando que os Deputadose Senadores eram invioláveis por suasopiniões, palavras e votos, bem como desdea expedição do diploma não poderiam serpresos, salvo em flagrante de crimeinafiançável, nem processadoscriminalmente, sem prévia licença de suaCasa. Ainda, disciplinava que, no caso deflagrante de crime inafiançável, os autosseriam remetidos, dentro de vinte e quatrohoras, à Casa respectiva, para que, pelo votosecreto da maioria de seus membros,resolvesse sobre a prisão e autorizasse, ounão, a formação de culpa (2011, p. 459-460).

Alterando expressivamente tal regime, aEmenda Constitucional n.º 35, de 20 de dezembrode 2001, manteve a imunidade material e restringiua imunidade formal processual.

3 IMUNIDADES PARLAMENT ARES

Imunidades parlamentares são prerrogativasintrínsecas à função parlamentar, cujo escopo éessencialmente garantir a liberdade de expressãoe manifestação, e assim excluir a suaresponsabilidade civil e penal. Adotadas por quasetodos os países democráticos do mundo,

2 Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/ditadura/>. Acesso em: 5 jun. 2011.3 Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/ditadura-militar-brasil-1964-1985-

650468.shtml>. Acesso em: 5 jun. 2011.

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representam o elemento preponderante para aindependência do Poder Legislativo, haja vista quese concretiza na proteção do exercício das funçõesde deputados e senadores contra o arbítrio dosdemais poderes (SILVA, 2011).

Frente ao direito comum, constitui-se comogarantia de liberdade de opinião, palavras e votos(imunidade material), além do amparo contraprisões arbitrárias e processos indevidos, medidaque obriga a Justiça a pedir licença à Câmara dosDeputados ou ao Senado Fedeal para processarmembros do Legislativo por crimes ligados àsatividades parlamentares (imunidade formal). ParaMoraes, no primeiro grupo, enquadram-se asgarantias que se referem à manutenção e ao bomfuncionamento do Congresso Nacional comocorolário do Poder Legislativo. Não obstante, osegundo grupo abarca as que protegem osParlamentares individual e subjetivamente.

Gonçalves assevera que o “Legislativo ésimultaneamente representativo da sociedade e dopluralismo político e o mais frágil de todos osPoderes, por ser órgão colegial numeroso,dependente dos jogos políticos, sobretudo do PoderExecutivo, e mais aberto ao juízo de opiniãopública.” (2012, p. 1.033) .

Outorgadas pelo art. 53, a Constituição daRepública prevê em seu caput que Deputados eSenadores são invioláveis, civil e penalmente, porsuas opiniões, palavras e votos. E em seusparágrafos, o mesmo cânone constitucional traz oprocedimento processual necessário ao julgamentopor crimes dos membros do Congresso Nacional.

A imunidade parlamentar tem por objetivopermitir a livre manutenção do desempenho doofício dos membros do Legislativo no trato deassuntos que sejam do interesse de toda acoletividade, de modo a afiançar a instituição ereforçar a democracia.

Sua natureza jurídica é doutrinariamenteclassificada e individualizada de diversas formas:causa de excludente de crime; causa excludentede punibilidade; causa funcional deirresponsabilidade (MORAES, 2011). Todavia, anatureza deste instituto deve ser interpretada comoa circunstância em que o fato ocorrido deixa deproduzir os efeitos que normalmente produziria, porse estar diante de uma garantia cujo caráter éeminentemente constitucional.

4 ESTATUTO DO CONGRESSISTA:ANÁLISE DA IMUNIDADE MA TERIAL

O Estatuto do Congressista designa oconjunto de normas constitucionais cujo regimeprotetivo é voltado aos membros do PoderLegislativo (SILVA, 2011). Ou seja, uma espéciede lei de regência composta por diversas regrasda própria Constituição Federal, que compreendemdireitos e deveres, cujo desígnio é a garantia doexercício do Parlamentar.

Institui, em seu Título IV – “Da Organizaçãodos Poderes” – Capítulo I – “Do PoderLegislativo” – Seção I – “Do Congresso Nacional”,imunidades e vedações (incompatibilidades)parlamentares, de modo a dinamizar e garantir asua atuação de forma livre e independente, tantoindividualmente quanto como um todo unitário.

Para Fernandes (2011), compreende oconjunto de normas constitucionais que estatuidireitos a Deputados e Senadores, desde asimunidades materiais e formais, até asprerrogativas de foro, de serviço militar,vencimentos e isenção do dever de testemunhar,além das incompatibilidades.

No que tange às imunidades materiais,configuram-se, segundo a doutrina de Mendes (2009),como a subtração da responsabilidade da condutapenal por prática de crime, bem como a inviolabilidadecivil, disciplinar ou política a que um Parlamentar estásujeito por força de suas opiniões, palavras e votos.Também é conhecida por inviolabilidade ouimunidade real, substantiva (SILVA, 2011).

Tem como corpo de base o caput do art. 53da Constituição Federal ao prever expressamenteque Deputados e Senadores são invioláveis, civil epenalmente, por suas opiniões, palavras e votos.Nesse sentir, desde que proferidos em virtude desuas atribuições parlamentares, no exercício, eainda, relacionadas ao mandato, não se restringindoao âmbito físico do Congresso Nacional. Peloprincípio da simetria, tal instrumento se estendeaos Deputados Estaduais e Vereadores. Estesúltimos, desde que respeitadas os limites de suacircunscrição. Pois, aos demais membros do PoderLegislativo, é pacifica a decisão de que, emqualquer lugar do território nacional estarãoresguardados seus direitos de imunidades(FERNANDES, 2011).

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Conforme esclarece o Ministro Celso deMello, o fundamento da natureza jurídica desseinstituto é se conservar “em consonância com aexigência de preservação da independência docongressista no exercício do mandatoparlamentar4”.

Salienta Moraes (2011) que, sem imunidade,a cada vez que um Parlamentar de oposição fizesseum discurso desfavorável ou contrário ao Governo,poderia este vir a ser processado, o queinviabilizaria o seu trabalho de representante diretodo povo. Daí a sua importância, pois sua palavra élivre e o seu voto deve atender aos anseios de suaconsciência. Abrange igualmente os relatórios etrabalhos das Comissões, bem como os atospraticados na Comissão Parlamentar de Inquérito.

5 ATUAÇÃO PARLAMENT AR: ABUSO E EXCESSO

O panorama das imunidades materiaisapresentado consubstancia-se como um equívocoquanto ao instituto da imunidade parlamentar que,historicamente, tem como premissa lógica aproteção da liberdade de atuação, bem como ofortalecimento e a independência do exercício doPoder Legislativo.

A imunidade parlamentar material écompreendida como um benefício necessárioconcedido para o exercício da função derepresentante do povo. Entretanto, no contextoatual, inúmeras são as situações em que hácometimento do arbítrio no uso desta primordialprerrogativa constitucional.

Seu escopo não é a proteção pessoal doParlamentar, abrigando-o em um escudo, muitomenos contribuir para resguardar seus erros, suasomissões, seus atos de improbidade administrativae imoralidade, ou ainda o seu descaso para com asua função política.

A Constituição elenca, no artigo 5.º e seusincisos, os direitos individuais e coletivos, ou seja,aqueles direitos inerentes ao conceito de pessoahumana e da sua personalidade, capazes de garantiruma convivência digna, autônoma e igual para todasas pessoas. Portanto, são direitos indisponíveis, taiscomo vida, igualdade, dignidade e honra, dentreoutros.

Conforme previsto na Constituição e noCódigo Civil (Lei n.º 10.406/2002), em uma

situação normal, formada por duas pessoas comunsem um caso de dano moral. Ao atingir a honra, aimagem e/ou a intimidade de um dos envolvidos,por tutelar direitos inerentes à personalidade eresguardar a dignidade da pessoa humana, a suaviolação confere ao prejudicado o direito deresposta, além de indenização pelos danos sofridos.

Pegando o caso supracitado e supondo queum dos envolvidos, na condição de Parlamentar,incorra na mesma prática. Em razão da suaprerrogativa, o tratamento agora passa a serdiferenciado, imunizando-o por excluir o delito, jáque este possui inviolabilidade civil, estandoprotegido por opinião, palavra e voto, bem comoda correspondente responsabilização por perdas edanos.

Na mão inversa, pacifico é o entender de quenenhum direito é absoluto, em virtude do princípioda relatividade. Afinal, tende-se a priorizar o bemcomum, tendo como nexo causal a plena garantiados direitos e os seus limites legalmentedeterminados em função de ações nocivas àcoletividade.

Os direitos e garantias fundamentaisencontram seus limites em outros direitos,igualmente consagrados pela Constituição.Havendo conflito entre dois ou mais direitos ougarantias, optar-se-á pela harmonização, e assimevitar a supressão total de uns em relações aosoutros.

Tem-se por abusos e excessos qualquer tipode ato inconveniente que exorbite ou lesione afinalidade constitucionalmente estipulada peloConstituinte para os membros do Poder Legislativono exercício de sua função representativaoutorgada pelo povo. É o mau uso do cargo públicode modo a causar dano e/ou aproveitar-setortuosamente da sua situação de superioridade (DIPIETRO, 2013).

A exorbitância das atribuições ou poderesultrapassa a fronteira do permitido, do legal,reduzindo o alcance da atividade em relação aosseus desígnios. O excesso na conduta discricionáriado indivíduo amparado pela instituição da imunidadeparlamentar fere a própria Constituição, e ainda, opoder emanado do povo, pois aos governantes estáprevisto o dever de desempenhar suas funções semse apartar do ideal de que estão exclusivamenteinvestidos para a manutenção da democracia.

A título de exemplo, poder-se-ia indicar as

4 MELLO, Celso de. Inq. 510-DF, RTJ 135, p. 514. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar>. Acesso em: 24 jan. 2012.

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manifestações dos Deputados Federais JairBolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP),que corriqueiramente utilizam desse instituto paraabrigar seus insultos e destilar sua carga depreconceito, assim também como o SenadorDemóstenes Torres (eleito pelo DEM-GO, do qualse desfiliou após denúncias de corrupção), queapesar da perda do mandato continua imune pararesguardar seus próprios interesses em detrimentodos interesses do povo.

Nesse sentido, o Deputado e pastor MarcoFeliciano, que hoje ocupa a Presidência daComissão de Direitos Humanos da Câmara dosDeputados, atuando exclusivamente como líderreligioso, corriqueiramente emana uma visãonitidamente preconceituosa. Segundo reportagemdo jornal Folha de São Paulo5, em 2011, o Deputadoescreveu no Twitter6 que “a podridão dossentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, aocrime, à rejeição”, e também postou que africanossão amaldiçoados pelo personagem bíblico Noé.“Isso é fato”, completou ele.

Em razão de tais declarações, assim comotantas outras por ele proferidas à imprensa, nãopossuírem qualquer correlação com o desempenhodo seu mandato, a mesma matéria revela que oProcurador-Geral da República, Roberto Gurgel,reforçou que o Supremo Tribunal Federal instaureprocesso penal contra o Deputado, que já é alvode inquérito na Corte por preconceito ediscriminação. “É evidente que há justa causa parainstauração da ação penal, na medida que adeclaração feita pelo investigado na rede socialviolou direitos fundamentais elementares e instigouos demais membros da sociedade, principalmenteseus seguidores, a adotarem semelhante postura”,diz Gurgel em documento protocolado.

A Folha7 revelou ainda, que, em sua defesaprotocolizada junto ao Supremo Tribunal Federal,Feliciano reafirmou que paira sobre os africanosuma maldição divina e procurou justificar a falacom uma afirmação que, publicamente, temrechaçado: a de que atrelou seu mandatoparlamentar à sua crença religiosa.

O absoluto descomprometimento em relaçãoao povo que lhe atribuiu o poder, investindo-o comoseu representante, exemplifica as distorções que

vêm transformando as imunidades parlamentaresem uma forma de aberração institucional.

Faz-se necessário coibir abusos e excessos,bem como determinadas atitudes ofensivas aodecoro parlamentar, já que se abrigar de maneiradesmedida neste direito subjetivo à inviolabilidade,institui artifício desfavorável ao ideal de umasociedade justa e igualitária. Logo, deve oordenamento se resguardar, devendo o mauParlamentar ser coibido sempre que estiver seaproveitando do cargo para ocultar atividades,sendo a sua limitação de interesse público.

6 ATRIBUIÇÕES PARLAMENT ARES:LIMIT AÇÕES E DECISÕES DO STF

Modernamente, fala-se em igualdadesubstancial, cujo significado envolve o tratoigualitário dos iguais e o trato desigual dosdesiguais, tendo como liame, a medida das suasdesigualdades. Consequentemente faz-senecessário a limitação de tais prerrogativas para odesenvolvimento democrático e o resgate dacredibilidade da classe política nacional.

Importante trabalho no sentido de coibirabusos e excessos por parte dos membros doPoder Legislativo vem sendo desenvolvido, aindaque timidamente, pelo Supremo Tribunal Federal(STF).

Como guardião precípuo da Constituição cabeao STF impedir que tal arma democrática venha ase transformar em um simples privilégio ou, ainda,como se percebe frequentemente, em mero escudopara transgressão da ordem, da moral pública e dosbons costumes.

Protegendo, acima de tudo, a Instituição, éplausível estabelecer que a imunidade material doscongressistas seja intrínseca. Logo, depara-seconstitucionalmente com as formas de limitaçãofuncional, territorial e temporal.

Funcionalmente, entende-se que a imunidadeestará reservada ao exercício do mandatoparlamentar, estando, portanto, “excluídas asmanifestações que não tenham ligação temáticacom o exercício do mandato parlamentar”, logo,não alcançando matéria alheia ao exercício domandato8.

5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1260082-procurador-pede-que-stf-abra-acao-criminal-contra-feliciano.shtml>. Acesso em: 9 mar. 2013.

6 Microblog usado para a troca de textos em até 140 caracteres, além da interação social entre usuários.7 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1260082-procurador-pede-que-stf-abra-acao-criminal-contra-

feliciano.shtml>. Acesso em: 9 mar. 2013.8 Inquérito 1.710-DF de 27 fev. 2002. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/

artigoBd.asp#visualizar>. Acesso em: 24 jan. 2012.

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Já a limitação territorial prevê que aimunidade material está adstrita à circunscriçãonacional, ou seja, não se dá internacionalmente,pois esta imunidade abarca toda a extensãogeográfica do país, não devendo extrapolar as suasfronteiras9.

Por sua vez, o pressuposto temporal colocatal inviolabilidade como permanente, absoluta, decaráter perpétuo, uma vez que mesmo após otermino da legislatura, o Parlamentar não poderáser responsabilizado ou incriminado, pois a eleassegura-se, pela força normativa do Instituto, ainexistência da infração penal e/ou do respectivoilícito civil, que perdurará após o término do própriomandato administrativo.

Desde que guarde nexo causal com oexercício do mandato, tal limitação configura-sepela existência de um liame entre a manifestaçãoemitida parlamentarmente e o exercício de suafunção pública, independente de esta se localizardentro ou fora do recinto de sua respectiva CasaLegislativa, alcançando também a divulgação ecobertura da imprensa10. Haverá, assim,aplicabilidade total dessa prerrogativa. Sendo,ainda, inadmissível a possibilidade de renúncia daimunidade parlamentar material, pois não constituiuma garantia de ordem estritamente subjetiva, esim de ordem pública, institucional.

Tal possibilidade de análise e eventualrestrição aos excessos não descaracterizam ocaráter protetivo dispensado pelo Constituinteoriginário ao livre e independente exercício dosmembros do Poder Legislativo, sustentando, ilesaa Instituição. Pelo contrário, configura-se comoforma de atender tal escopo, uma vez que impedeo exercício do mau Parlamentar, cujo intuito é usardeste importante mecanismo de proteção comoescudo.

Sobremaneira, nesta linha de sentido, umaimportante resposta que se apresenta como formade limitação veio dos próprios Parlamentares. Atéo ano de 2001, era previsto que os membros doLegislativo podiam recorrer ao benefício daimunidade mesmo em caso de crime comum.Automaticamente, a Constituição tambémsuspendia os processos movidos contra DeputadosFederais ou Senadores da República. A presente

situação somente se modificou com a promulgaçãoda Emenda Constitucional n.º 35, de 20 dedezembro do mesmo ano, que alterou o textonormativo do artigo 34. Agora, os crimes comunscometidos antes da diplomação de um Parlamentarnão podem mais ser suspensos. E, em caso decrimes cometidos posteriormente, fica o Supremoincumbido de levar o processo adiante. Contudo,somente há interrupção em caso de o Congressose manifestar em contrário. Deste modo, apossibilidade de se protegerem mutuamente passaa ser menor.

Por via de Emenda à Constituição, nos termosdo § 3.º do art. 60 da Constituição Federal, ospróprios Parlamentares limitaram-se em relaçãoaos abusos e excessos da categoria. Afinal, comose sabe, para a opinião pública, esse tipo demanobra soa quase como uma confissão de culpa.

Importante trabalho no sentido de coibirabusos e excessos por parte dos membros doPoder Legislativo vem sendo desenvolvido, aindaque timidamente, pelo Supremo Tribunal Federal.

É pacifica a interpretação do STF de que

A imunidade material prevista no art. 53,caput, da Constituição não é absoluta, poissomente se verifica nos casos em que aconduta possa ter alguma relação com oexercício do mandato parlamentar. Embora aatividade jornalística exercida pelo quereladonão seja incompatível com atividade política,há indícios suficientemente robustos de queas declarações do querelado, além deexorbitarem o limite da simples opinião, forampor ele proferidas na condição exclusiva dejornalista. (Inq. 2.134, Rel. Min. JoaquimBarbosa, julgamento em 23 mar. 2006,Plenário, Diário da Justiça de 2 fev. 2007.)

Assim, já ficou decidido que a imunidadematerial se estende a todo o território nacional, nãoficando restrita apenas ao espaço físico da Bancadaou do Congresso e, consequentemente, exige-seque o comportamento guarde qualquer ligação como seu exercício, não alcançando manifestaçõesacerca de matéria alheia à função parlamentar.

Uma possível saída seria submeter o caso àrespectiva Casa Legislativa, para que além doparecer deliberativo do Conselho de Ética – órgão

9 Idem. Inq. 1.958, Diário da Justiça de 18 fev. 2004, Rel. para o Acórdão Carlos Britto: “É de se distinguir as situaçõesem que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento.”.

10Idem. Inq. 1.344, Diário da Justiça de 1.º ago. 2003, Rel. Sepúlveda Pertence. Deliberou não alcançada a imunidadeparlamentar por parte de dirigente de futebol, que também era Deputado Federal, mas atuou como jornalista.

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disciplinar encarregado de zelar pela observânciados preceitos de ética e decoro parlamentar –ficasse o Parlamentar sujeito a imposiçõesprevistas nos termos de suas disposiçõesregimentais, tais como advertências, cassação dapalavra, dentre outros. Sem necessariamente vetara não incidência de crime ou de qualquer forma dereparação de danos.

Destarte, existem limitações as imunidadesparlamentares materiais, pois, ainda quemoderadamente, o STF vem se posicionando arespeito do tema. O que se faz necessário é fecharo cerco àqueles que invocarem esse institutoprotetivo, cerceando a sua vinculação ao amparodo Poder Legislativo, para que os mausParlamentares não venham se abrigar comolicença à prática do arbítrio.

7 CONCLUSÕES

Por meio do presente artigo foi possívelobservar que a inviolabilidade material dosParlamentares não se restringe à esfera criminal,mas a todos os institutos, tendo em vista, acima detudo, garantir independência ao Poder Legislativoem face dos outros Poderes do Estado, conformeprevisão constitucional.

Logo, tal tratamento diferenciado ao exercícioda atividade parlamentar deve ser visto como umtodo unitário, levando em conta sempre a suafinalidade pública e não particular. É indisponível,até mesmo por se tratar de prerrogativa concedidavisando garantir a independência e o bomfuncionamento da instituição legislativa.

Assim, a imunidade parlamentar material visaà proteção de Deputados e Senadores, enquanto eexclusivamente, em virtude de serem membros doParlamento. Tem como objetivo a proteção apenaspela manifestação de suas opiniões, palavras evotos, e jamais por qualquer ato lesivo ao patrimôniopúblico ou privado, bem como o bem estar e osinteresses da coletividade ou mesmo meramenteindividuais.

Concomitantemente representativo dasociedade e do pluralismo político, dentre os demaisPoderes, é o Legislativo o mais fragilizado.Entretanto, os limites de alcance desta cautelaconstitucional carecem de ser estudados com maisafinco, com a finalidade de viabilizar a plenapreservação da independência no exercícioparlamentar de suas atribuições públicas. Pois, oexercício egoístico de tal prerrogativa em nadacontribui para o desenvolvimento social. Pelo

contrário, deve ser censurado, seja com aincidência de crime ou de reparação de danos, ouainda, ao menos, na esfera política e disciplinar,mediante previsão no Regimento Interno darespectiva Casa. A sociedade clama por isso.

Por fim, salienta-se a necessidade de umareavaliação abrangente desse instituto, incluindosuas formas de interpretação e aplicação, haja vistaque sua essencialidade como figura de suporte aoParlamentar, representante direto do povo, basedo ideal democrático, para que assim seja galgadono exemplo político e a inviolabilidade parlamentarprevista na Constituição Federal não mais sirva deescudo a impunidade.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo definir sea Educação Domiciliar poderia levar os pais seenquadrarem em conduta delituosa tipificada noCódigo Penal, no que tange ao crime de abandonointelectual. Para o desenvolvimento do projeto, foiutilizada pesquisa bibliográfica, consistindo asprincipais fontes em livros doutrinários,jurisprudência, e artigos publicados na internet,sendo o método do procedimento, monográfico, eo método de abordagem, dedutivo. Analisou-se aEducação Domiciliar em um contexto histórico,bem como uma análise pormenorizada daobrigatoriedade de educar em uma instituição deensino, instituindo uma relação com o PoderFamiliar. Analisaram-se os princípios reguladoresda Educação Domiciliar. Por fim, constata-se quea Educação Domiciliar não enquadra os pais emabandono intelectual.

Palavras-chave: Educação Domiciliar. PoderFamiliar. Abandono intelectual.

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, que tem como tema aanálise da Educação Domiciliar, no aspecto dodelito estabelecido de abandono intelectual previstono Código Penal. Desse modo, partindo do fato deque no Brasil atualmente a educação provém do

EDUCAÇÃO DOMICILIAR E O ABANDONO INTELECTUAL

Gislene Sampaio Said1

Estado, e levando em consideração a insatisfaçãoquanto ao instituto educacional regular, cumuladocom a possibilidade de os pais conseguirem proveruma educação de qualidade que atinja o fim social,bem como, que garanta o pleno desenvolvimentoda criança e do adolescente, torna-se relevanteque se perquira sobre o crime de abandonointelectual.

Sendo assim, o tema merece análiseaprofundada pois, considerando que a legislaçãobrasileira não regulamenta, formalmente, o ensinodomiciliar, os pais que optam por não delegar oensino de seus filhos ao Estado veem-se naobrigação de, mesmo contra a sua vontade,matricular seus filhos em escola.

Primeiramente vislumbra-se a evolução daEducação Domiciliar. Posteriormente é feita umaanálise pormenorizada da obrigatoriedade deeducar em uma instituição de ensino, instituindouma relação com o Poder Familiar. Logo após,analisam-se os princípios que coadunam e sãodeterminantes para a existência da EducaçãoDomiciliar.

Por fim, aborda a caracterização do abandonointelectual, revelando que os pais homeschoolersnão se enquadram na conduta delituosa auferidano Código Penal.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAEDUCAÇÃO DOMICILIAR

Traduzindo do inglês, homeschoolingsignifica, literalmente: “educação escolar queacontece no lar” (home = lar; schooling =educação escolar).

Até meados do século V a.C., conformeManacorda apud Schebella (2012), a leitura e aescrita eram destinados somente àquelas pessoasque exercessem alguma atividade de cunhoprofissional, enquanto que os demaisconhecimentos eram transmitidos de forma oral,

1 Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro do Programa Especial de Tutoria(PET).

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visto que se concretizavam por meio de lendas,histórias, crenças religiosas, dentre outros.Ressalta-se que a educação institucionalizada eradestinada somente aos nobres, clérigos e ricos.

Por meio da vida cotidiana, os filhos jovensaprendiam responsabilidades necessárias para seudesenvolvimento. O aprendizado estavaintimamente ligado às suas tarefas, sendo comoexemplo, a criação de gado, trabalho no campo,confecção de roupas, construções, dentre outros,ao passo que refletiam como fonte principal deaprendizado.

Miller (2012) assim arrematou:

Na época, as habilidades práticas eram maisessenciais para a sobrevivência do que acapacidade de uma pessoa para ler ouescrever. Embora aprender a ler e escreverestava disponível, geralmente era ensinadoas crianças apenas o suficiente para lidarcom os assuntos básicos 2.

Marrou e Manacorda, apud Schebella(2012), revelam que, paulatinamente, foi ocorrendoo surgimento de instituições ou centros de ensinoque se manifestam em cada época determinadada história, e que seriam responsáveis porengendrar, por seu modelo, na formação dasescolas. Todavia, mesmo a educação sendoinstitucionalizada, esta continua a se desenvolver,em seus aspectos gerais, no seio da própria família.

Outro aspecto digno de ser notado é que nãonecessariamente o ensino em casa se fazia apenaspelos pais. Poder-se-ia também contratar um tutorparticular para ensinar em casa. Neste sentido,lembrou-se Smith, apud Schebella (2012):

Nos tempos coloniais, a maioria das pessoasera ensinada, ou no lar (homeschooled) ouem pequenas escolas comunitárias. É justodizer que, se você tivesse o dinheironecessário, é provável que contrataria umtutor particular. As famílias mais abastadasreconheciam que a melhor forma de educaçãoera o método tutorial um-a-um ou, como oconhecemos hoje: homeschooling.

Fato é que, seja a educação realizada pormeio de tutores particulares, seja pelos própriospais, a educação em casa, presente até o séculoXIX, era a real essência da sociedade daquele dado

momento.Miller (2012) destaca que a eficácia da

educação escolar em casa não era assunto derelevância durante os séculos XVIII e XIX. Citaainda como exemplo de alunos homeschooledalguns dos mais conhecidos escritores e inventorestal como Thomas Edison, que participou de apenastrês meses de escola primária, sendo ensinado porsua mãe. Benjamin Franklin, John Wesley, BeatrixPotter, Charles Dickens e Alexander Graham Bellsão outros exemplos de famosos homeschoolers.

A escola não deve ser considerada como umaevolução da educação fornecida pelos pais, massim como uma contingência que se concretizou naesfera da Revolução Industrial pelo qual os pais(leia-se: mãe e pai), deveriam sair de suas casas epermanecer horas trabalhando, sendo então ainstitucionalização escolar uma resposta àdemanda da Revolução Industrial. Portanto, aeducação escolar surgiu posteriormente à educaçãofamiliar, mas não de modo evolutivo.

No que concerne a respeito da educação naIdade Moderna, Schebella (2012) tece algumasconsiderações, merecendo proeminência ao queassim prediz:

A obrigatoriedade do ensino, bem como aascensão da escola ao grau de “instituiçãooficialmente responsável pela educação”,modifica drasticamente a organização e alógica que constitui a sociedade, fazendocom que esta seja conformada segundo omodelo que se encontra hoje.

Desse modo, a Idade Moderna é marcada pormudanças drásticas pelo qual geram impactos einfluências no estilo de educar as crianças.Entrementes, a educação domiciliar aparece noperíodo moderno com um conceito oficial já definidonos Estados Unidos, que o norte-americano JohnHolt batizou de “Homeschooling”.

Atualmente, a educação domiciliar éreconhecida, além dos EUA, no Japão e em váriospaíses europeus, tendo já empresas direcionadasespecificamente para a produção de materialutilizado no ensino no lar e organizações decontribuição, amparo e defesa dos interesses dospais e alunos adeptos dessa modalidade(SCHEBELLA , 2012).

2 At the time, practical skills were more essential to survival than a person’s ability to read or write. Although learningto read and write was available, children were usually taught just enough to handle basic affairs (Tradução livre).

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No Brasil, o movimento do Homeshoolingse encontra ainda tímido, praticamente fictício, vezque a legislação brasileira não contempla de formaclara e específica sobre a educação domiciliar.Desse modo, as famílias brasileiras que optam pelaEducação em casa, geralmente são denunciadaspelo Ministério Público e, muitas vezes, condenadospelo Órgão do Judiciário ao pagamento de multase a (re)matricular os filhos em instituição escolar.Como exemplo, há o caso de um casal de Timóteo,cidade de Minas Gerais, que foi obrigado amatricular seus filhos em uma instituição de ensino,sob pena de perda do poder familiar. O relato seacha descrito em texto de Paulina (2012), insertona Revista Cláudia de março de 2012.

3 A EDUCAÇÃO E A OBRIGAÇÃO DEMATRICULAR OS FILHOS NAESCOLA

A Constituição da República Federativa doBrasil de 1988 (CRFB/88) concede a plenagarantia de educação às crianças e adolescentes.No entanto, tal garantia é passível de ser tambémvislumbrada na Lei n.º 8.069/90, que dispõe acercado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),que assim ratificou, em seu artigo 53:

Ar t. 53. A criança e o adolescente têmdireito à educação, visando ao plenodesenvolvimento de sua pessoa, preparopara o exercício da cidadania e qualificaçãopara o trabalho, assegurando-se-lhes:I - igualdade de condições para o acesso epermanência na escola;II - direito de ser respeitado por seuseducadores;III - direito de contestar critérios avaliativos,podendo recorrer às instâncias escolaressuperiores;IV - direito de organização e participaçãoem entidades estudantis;V - acesso à escola pública e gratuitapróxima de sua residência.Parágrafo único. É direito dos pais ouresponsáveis ter ciência do processopedagógico, bem como participar dadefinição das propostas educacionais.

Desse modo, observa-se que o ECA, diantedo artigo mencionado, prevê a asseguração dopleno desenvolvimento da criança e do adolescentepara que possa se tornar capaz para o exercícioda cidadania, bem como qualificada para omercado de trabalho por meio da educação.

Ao se falar em educação, assim conceituouFerreira (2004, p. 334) como “o processo dedesenvolvimento da capacidade física, intelectuale moral da criança e do ser humano em geral,visando à sua melhor integração individual esocial.”.

Nas lições de Maciel (2010, p. 115), educarsignifica

Orientar a criança, desenvolvendo suapersonalidade, aptidões e capacidade,conceder instrução básica ou elementar, ensinoem seus graus subsequentes, incluindo aorientação espiritual, tudo dentro do padrãoda condição socioeconômica dos pais.

A educação é um direito social, e por socialdeve-se entender, conforme prediz Guimarães(2010, p. 267) o “direito positivo autônomo destinadoa prover as necessidades, ao bem-estar e asrelações jurídicas do organismo social, assim comoregular o funcionamento de instituições coletivas.”.

E como proteger um direito social?Além da garantia constitucional, é necessária

a presença do Estado, bem como a participaçãoda sociedade, para reivindicar o seu real e efetivocumprimento por meio dos Poderes Políticos.

Ainda, até mesmo o artigo 5.° da Lei 9.394,de 20 de dezembro de 1996, a denominada Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),estabelece o meio de se reivindicar a proteçãodesse direito. Assim diz o aludido texto legal:

Art. 5.º O acesso ao ensino fundamental édireito público subjetivo, podendoqualquer cidadão, grupo de cidadãos,associação comunitária, organizaçãosindical, entidade de classe ou outralegalmente constituída, e, ainda, oMinistério Público, acionar o Poder Públicopara exigi-lo.

O direito à educação, como direito social, nãosó possui um caráter de direito, mas como tambémde obrigação. Observa-se o artigo 208 daConstituição da República Federativa de 1988:

Art. 208. O dever do Estado com aeducação será efetivado mediante agarantia de:I - educação básica obrigatória e gratuitados 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos deidade, assegurada inclusive sua ofertagratuita para todos os que a ela não tiveramacesso na idade própria;[...]

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O Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), instituído pela Lei 8.069, de 13 de julho de1990, dispõe:

Art. 55 . Os pais ou responsáveis têm aobrigação de matricular seus filhos oupupilos na rede regular de ensino.

Por seu lado, está assim inscrito na LDB:

Art. 6.º É dever dos pais ou responsáveisefetuar a matrícula dos menores, a partir dosseis anos de idade, no ensino fundamental.

O intuito da obrigatoriedade dos artigos 55do ECA e 6.° da LDB, é que proporcione aocidadão a garantia de conhecimento a fim de torná--lo apto para o mercado de trabalho em umasociedade em processo de crescente organizaçãoe cada vez mais competidora e exigente.

Ademais, a Constituição de 1988, a Lei deDiretrizes e Bases da Educação e o Estatuto daCriança e do Adolescente, permitem chegar àsseguintes conclusões, no que diz respeito àeducação, mediante constatou também Horta(2012):

Gratuidade: o ensino público emestabelecimentos oficiais é gratuito, emtodos os seus níveis. A oferta gratuita doensino fundamental deve ser tambémassegurada para todos os que a ela nãotiveram acesso na idade própria [...].Obrigatoriedade: o ensino fundamental,com duração mínima de oito anos nosestabelecimentos oficiais, é obrigatório,inclusive para os que a ela não tiveramacesso na idade própria [...]. Direito : aeducação é direito de todos e o acesso aoensino obrigatório e gratuito é direitopúblico subjetivo. Dever: é dever do Estadoe da família [...]. Responsabilidade: o nãooferecimento do ensino obrigatório pelopoder público, ou sua oferta irregular,importa responsabilidade da autoridadecompetente. Comprovada a negligência daautoridade competente para garantir ooferecimento do ensino obrigatório, poderáela ser imputada pelo crime deresponsabilidade.

Com base nos mencionados artigos dasnormas supracitadas evidencia-se, em princípio, aobrigatoriedade dos pais em matricular seus filhosnuma escola regular.

4 DO PODER FAMILIAR E AOBRIGAÇÃO DE MA TRICULAR OSFILHOS NA ESCOLA

No que tange ao poder familiar, vale aressalva de que os filhos estarão sujeitos ao poderdos pais até os seus dezoito anos, salvo seemancipados. O poder familiar confere aos pais opoder de representar e assistir os filhos, mas, claro,respeitando o princípio do melhor interesse dacriança e o da convivência familiar, vez que, ospais não podem abusar da sua autoridade, sendo oECA um meio de equilibrar o exercício do poderfamiliar com os princípios supracitados.

O artigo 226, § 5.° da CF/88 e o Estatuto daCriança e do Adolescente igualaram pai e mãe naobrigação de criar e educar, conferindo, portanto,de forma igualitária a responsabilidade a ambos.

O ECA assim se manifesta:

Ar t. 22. Aos pais incumbe o dever desustento, guarda e educação dos filhosmenores, cabendo-lhes ainda, no interessedestes, a obrigação de cumprir e fazercumprir as determinações judiciais.

O significado desse artigo implica em um rolde direitos e obrigações que proporcionam aosfilhos a sua destinação. Além desse artigo,vislumbra-se a companhia do artigo 1.634 do CC/02 que estabelece outros direitos e deveres aospais.

O poder familiar, no entanto, não é absoluto,pois o não cumprimento de seus deveres implicaem perda ou suspensão deste, como alude oEstatuto em questão. Diz assim:

Ar t. 24. A perda e a suspensão do poderfamiliar serão decretadas judicialmente, emprocedimento contraditório, nos casosprevistos na legislação civil, bem como nahipótese de descumprimento injustificadodos deveres e obrigações a que alude o art.22.

Poderá ocorrer a suspensão do poder familiar,se o pai ou a mãe abusarem de sua autoridade,faltando para com os deveres a eles inerentes ouarruinando os bens dos filhos, como apregoa artigo1.637 do Código Civil.

Todavia, a extinção do poder familiar,conforme a doutrina, poderá ser com ou sem aresponsabilidade dos genitores. Será por ausência

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de responsabilidade, nos casos descritos no artigo1.635 do CC, incisos I ao IV, ou seja, morte dospais, emancipação, maioridade e adoção. Por outrolado, será por responsabilidade a extinção do poderfamiliar segundo o disposto nos artigos 1.635, incisoV, e 1638, ambos do Código Civil de 2002, a saber:o pai ou a mãe que castigarem imoderadamente ofilho; deixarem o filho em abandono; praticarematos contrários à moral e aos bons costumes e;incidirem, reiteradamente, nas faltas previstas noartigo 1.637 do Código Civil.

É de suma importância fazer uma ressalvana extinção com responsabilidade no que se refereao “deixar o filho em abandono.”. Dentre as váriasmodalidades de abandono, é de se destacar aquelaque é objeto de estudo desse trabalho, do qual sealude ao abandono intelectual e está estritamenterelacionado com a obrigatoriedade de matricularos pupilos em uma instituição escolar. Portanto,caracterizaria extinção do poder familiar em caráterde abandono intelectual, o pai que negligenciar aeducação ao filho, não lhe garantindo os meios erecursos necessários e indispensáveis aodesenvolvimento do seu intelecto.

Quanto às obrigações ligadas à educação, sãofacilmente vislumbradas no que tange àresponsabilidade e interesses dos pais para comos seus filhos. Comprova-se mediante o art. 55 doECA e o art. 6.º da LDB, que visa garantir,conforme o artigo 205 da Constituição da RepúblicaFederativa de 1988 (CRF/88), o “[...] plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para oexercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho.”. É insofismável que a educação é a basepara a construção da sociedade, pois dignifica ohomem, sendo este direito fundamental asseguradopela própria CRF/88, em seu artigo 1.°, inciso III.

Desse modo, tendo os pais autoridade sobreos filhos, e analisada em conjunto com osdispositivos da Constituição, do ECA, do CC e daLDB, já comentados, é, de igual modo, fácil apercepção das suas responsabilidades, bem comoa obrigação de garantir que se cumpra o direito àeducação de seus filhos.

Deve-se observar o artigo 22 do ECA, jácitado, que estabelece aos pais o dever de propiciaro sustento, proteção e educação aos filhos. Édeterminada a competência a eles (pais) de modoque, além de serem obrigados a cumprir taisquestões, lhes são impostos, ainda, fazer valer essesdireitos aos seus filhos.

Além dos deveres, tratados anteriormente,que são de incumbência dos pais na sua realização,

o mesmo Estatuto prediz:

Art. 129. São medidas aplicáveis aos paisou responsável:[...]V - obrigação de matricular o filho ou pupiloe acompanhar sua frequência eaproveitamento escolar.

A não realização do mencionado artigo farácom que os pais incorram no crime de abandonointelectual que se encontra disposto no artigo 246do Código Penal (CP), que assim diz:

Ar t. 246. Deixar, sem justa causa, de proverà instrução primária de filho em idadeescolar: Pena - detenção, de quinze dias aum mês, ou multa.

Vê-se que o artigo do CP tutela o direito dosfilhos de receberem o ensino fundamental, sendodever dos pais de promovê-lo, e que ainda poderãoaté mesmo submeter-se à perda do poder familiarconforme Código Civil de 2002, nos seguintestermos:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poderfamiliar o pai ou a mãe que:[...]II - deixar o filho em abandono.

Ainda o artigo 129 do Estatuto da Criança edo Adolescente determina em seu inciso X, asuspensão ou destituição do poder familiar quandoos pais não fizerem cumprir suas obrigaçõesdeterminadas no artigo 22 do mesmo Estatuto. Enesse caso só confirma que, na falta da obrigaçãodo dever da educação, estaria suspenso oudestituído o poder dos sobre os filhos.

A partir do que já fora aqui tratado, permite--se que se chegue à conclusão de que, a priori,na omissão dos pais, no que tange à sua obrigaçãode matricular os filhos em uma escola regular,estariam esses submetidos à penalidade da perdado poder familiar, disposto no CC, além dapenalidade imposta no CP, por se enquadrar emconduta de abandono intelectual.

5 PRINCÍPIOS DETERMINANTES DAEDUCAÇÃO DOMICILIAR

No escopo jurídico, é primordial que seinvoque a utilização dos princípios, uma vez quefornecem à educação domiciliar suporte,direcionamento e embasamento para que os pais

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possam educar seus filhos sem colocá-los em umainstituição escolar, posto que essa sustentação,consagrada na Constituição, tem sua realefetivação e o seu não cumprimento fere ospreceitos de legalidade e constitucionalidade.

Posto isto, o primeiro princípio a ser destacadoé o princípio da unidade da Constituição, queretrata a análise de forma unificada e nãoindependente das normas, ou seja, devem asnormas ser vistas como preceitos interligados emum sistema único em conformidade com aConstituição.

Não obstante, atrelado a esse princípio seencontra o princípio da concordância prática ouda harmonização. Desse modo, insta ressaltar oque Mendes apud Aguiar (2012), leciona:

Consiste, essencialmente, numarecomendação para que o aplicador dasnormas constitucionais, em se deparandocom situações de concorrência entre bensconstitucionalmente protegidos, adote asolução que otimize a realização de todoseles, mas ao mesmo tempo não acarrete anegação de nenhum.

Sendo assim, vislumbra-se que o estudo danorma, bem como de seu artigo, devem serinterpretados em consonância com outros artigos,em respeito aos princípios supracitados.

Não se pode deixar de destacar o art. 5.° daCF/88, vez que este trata, dentre os váriosprincípios, do princípio da liberdade, que a seuturno, é um dos mais importantes, pois segundo talprincípio, pode a sociedade se utilizar de outrosmeios, instrumentos e métodos que acharem aptose capazes a introduzir e gerar conhecimento, a parda existência da escola regular. Atrelada aoprincípio da liberdade, encontra-se o princípio dopluralismo político previsto no art. 1.° da CF88,em seu inciso V. Por este princípio, deve-seentender que o cidadão é livre para agir da maneiraque bem lhe aprouver, agindo assim conforme suasescolhas pessoais, sem a interferência de Estado.Da mesma forma traduz Fernandes (2011, p. 224):

Por pluralismo político, decorre umdesdobramento do princípio democrático,autorizando em uma sociedade a existênciade uma constelação de convicções depensamento e de planos e projetos de vida,todos devidamente respeitados. Issosignifica que o Estado não podedesautorizar nem incentivar nenhum. Todostêm o mesmo direito e liberdade de

existência e proliferação no ambiente social.Traz também a noção e o respeito àalteridade, nos fazendo sempre perceberque o diferente é necessário.

Consoante o disposto acima, feriria, pois, oEstado tal princípio ao impor qualquerobrigatoriedade por parte dos pais em matricularseus filhos em escolas, aniquilando a gradecurricular que lhes fossem desejáveis, em prol doque consideram um teor “programático ideal”. Istoporque a escola estabelece um currículo dogmáticoque preza determinados valores abdicando deoutros, em face de querer achar um denominadorcomum ao entender que determinado valor devaser menos favorecido ou até mesmo dirimido emface de outro.

Nesse ângulo, remete entrelaçar aqui oprincípio da dignidade da pessoa humana, poistem-se o homem como um fim em si mesmo; eque, ao introduzir o Estado os alunos a um ensinode qualidade abaixo do ideal dentre vários aspectoscorrelacionados, fere assim, o Estado, a dignidadedaquela criança e/ou adolescente.

Outro princípio a ser ressaltado é o que nãohá nulidade sem prejuízo. Neste se encontra aquestão que, embora o Estado, conforme o art.208 da CF/88, traça os meios para que o direito àeducação seja efetivado, nada obsta que estemesmo direito possa ser concretizado por outrosmeios de igual parâmetro ou superior, como é ocaso da Educação Domiciliar.

O princípio da subsidiariedade merece serapreciado. E, nas lições de do Ministro FranciulliNetto, do Superior Tribunal de Justiça (2005), temos seguintes conceitos:

Em face do princípio da subsidiariedade,entre homem e o Estado existem inúmerassociedades menores. Se se imaginar umcírculo de várias esferas concêntricas,dever-se-á evidenciar que se deve darprioridade a sociedades menores. Em outraspalavras, as maiores devem abster-se derealizar aquilo que poderá ser feito pelasmenores [...] O corolário daí decorrente é ode que, como a responsabilidade primevada educação dos filhos compete à família ecomo a família antecedeu o Estado, daíexsurge que ela possui não uma merafaculdade, mas sim um verdadeiro direito.

Desse modo, insurge tal princípio no fato deque o que as unidades menores não puderem fazer,deleguem para as maiores. Ou seja, família pode

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eventualmente delegar algo ao Estado, massomente naquilo que não forem capazes de fazer.Portanto, se a família não tiver condições deexecutar, que delegue, ou se a criança estiver emrisco concreto, também deve ocorrer a delegação.Sendo assim, o dever do Estado é um deversubsidiário.

Não obstante merece guarida o princípio daproporcionalidade, que subdivide em três sub-regras:a) adequação; b) necessidade e; c) proporcionalidadeem sentido estrito.

Por adequação deve-se entender a medidaapta a tingir o fim desejado. Fernandes (2011, p.189), ensina que:

Por necessidade, entende-se uma imposiçãoque é posta ao Poder Público para que adotesempre a medida menos gravosa possível(de menor ingerência possível) para atingirum determinado objetivo. Aqui, um ato quelimita um direito fundamental só seráconsiderado necessário se para realizar seuobjetivo pretendido não haja outra medidaou ato que limite em menos intensidade(menos gravidade), o direito fundamental aser atingido.

Quanto à proporcionalidade em sentidoestrito, somente acontecerá quando constatado queo ato é adequado e necessário.

Sendo assim, percebe-se que o Estado, aoimpor a sua educação, aniquilando a possibilidadede os pais a proverem, desrespeita o princípio emtela, visto que, protegido pela Constituição, garantedireitos fundamentais e harmonização de interesses.

Ainda e não menos importante, está oprincípio da legalidade, que é a base fundamentaldo Estado Democrático de Direito, e se encontraprevisto no art. 5.°, inciso II, da CF/88 e consideralícito qualquer ato, desde que não esteja proibidoem lei, proibindo assim o poder arbitrário por partedo Estado. A arbitrariedade, neste caso, é a feiturada lei.

No que tange à Educação Domiciliar, aaplicabilidade do princípio da legalidade, diante dosilêncio do legislador pela matéria, vislumbra-se queembora não esteja expressamente permitido emalguma norma, não se encontra tambémexpressamente proibido. Nesse sentido, Aguiar(2013) completa: “Mesmo em casos como esse,não se pode deixar de caracterizar um fenômenosocial como legal ou ilegal, pois não existem fatos‘alegais’, ou seja, à margem do Direito”. Sendoassim, a omissão do legislador em conferir expressadeterminação da proibição da Educação Domiciliar

garantiria a sua legitimidade.Por fim, ressalta-se o princípio da proteção

integral e do melhor interesse da criança eadolescente. O primeiro se faz presente na CF/88 em seu art. 227, caput, e no ECA no artigo3.º. De início, uma visita ao texto constitucional,verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade edo Estado assegurar à criança, aoadolescente e ao jovem, com absolutaprioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade,ao respeito, à liberdade e à convivênciafamiliar e comunitária, além de colocá-los asalvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão.

Agora, a informação quanto ao que diz oEstatuto da Criança e do Adolescente:

Ar t. 3.º A criança e o adolescente gozam detodos os direitos fundamentais inerentes àpessoa humana, sem prejuízo da proteçãointegral de que trata esta Lei, assegurando--se-lhes, por lei ou por outros meios, todasas oportunidades e facilidades, a fim de lhesfacultar o desenvolvimento físico, mental,moral, espiritual e social, em condições deliberdade e de dignidade.

O princípio da proteção integral visa garantiro respeito à criança e ao adolescente, diante desua condição, para que se possa efetivar seu plenodesenvolvimento, assegurado tal proteção erespeito em ordem pela família, posteriormente pelasociedade e por fim, pelo Estado, como prediz oart. 227 do Diploma Constitucional.

Quanto ao princípio do melhor interesse dacriança e adolescente, também abarcado pelomesmo art. 227 da CF/88, já citado, tem previsão,ainda, por sua vez, no art. 4.º, caput, e no art. 5.ºdo ECA, que dispõem:

Art. 4.º É dever da família, da comunidade,da sociedade em geral e do poder públicoassegurar, com absoluta prioridade, aefetivação dos direitos referentes à vida, àsaúde, à alimentação, à educação, aoesporte, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdadee à convivência familiar e comunitária.

Art. 5.º Nenhuma criança ou adolescenteserá objeto de qualquer forma de negligência,

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discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão, punido na forma dalei qualquer atentado, por ação ou omissão,aos seus direitos fundamentais.

Por meio dos artigos supracitados, percebe--se que este princípio visa a amparar a criançapara que se respeitem os direitos essenciais, taiscomo a saúde (ressalta-se tanto a física, aemocional e a intelectual), a educação e outros,cujo interesse deve ser concedido primeiro dos paise caso haja negligência por parte desses, deve oEstado, então, assegurá-los.

Sendo assim, no que tange à EducaçãoDomiciliar, o princípio do melhor interesse da criançae adolescente e o da proteção integral concedemaos pais homeschoolers total amparo, visto queimpõem aos pais o dever principal de zelar pelaeducação dos filhos; e, secundariamente, o deverpassa a ser do Estado.

Diante de todo o exposto, é de se constatarque a Educação Domiciliar está amparada por taisprincípios ora elencados, sendo de extremarelevância observá-los e respeitá-los. Emconsonância ao exposto, Mello apud Vilella (2013)revela:

Violar um princípio é muito mais grave quetransgredir uma norma. A desatenção aoprincípio implica ofensa não apenas a umespecífico mandamento obrigatório, mas atodo o sistema de comandos. É a mais graveforma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,conforme o escalão do princípio violado,porque representa insurgência contra todo osistema, subversão de seus valoresfundamentais, contumélia irremissível a seuarcabouço lógico e corrosão de sua estruturamestra.

Portanto, feitas tais considerações, percebe--se que a Educação Domiciliar não ofende aosPrincípios aqui elucidados, mas, muito pelocontrário, pode-se constatar que, na verdade, talmodalidade de educação contribui para a efetivaimplementação dos referidos Princípios.

6 ABANDONO INTELECTUAL E SUADESCARACTERIZAÇÃO PERANTE AEDUCAÇÃO DOMICILIAR

O crime de abandono intelectual se opera nocampo do Direito Penal e está previsto no art. 246,que já foi estudado.

Segundo Greco (2011), os pais só poderiam

se enquadrar no delito em questão apenas seimpedirem que os filhos não tenham acesso àeducação. Observa-se que ao se fazer uma análisemais detalhada, o dispositivo em momento algumobriga que a criança ou o adolescente esteja emuma instituição escolar, mas sim que sejaassegurada a instrução primária, seja ela dentroou fora do ambiente escolar. Franciulli Netto(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2005),explica:

Não há, tampouco, como tipificar a condutados impetrantes como delito de abandonointelectual. Pelo contrário, o único “crime”que se lhes poderia imputar seria, in casu,o “desabandono intelectual” [...] SegundoCelso Delmanto, ao analisar o elementoobjetivo do tipo, “deixar de prover tem asignificação de não tomar as providênciasnecessárias. Assim, o agente omite-se nasmedidas que podem propiciar instruçãoprimária (de 1.º grau) de filho em idadeescolar. Para a tipificação impõe-se que aconduta seja sem justa causa (elementonormativo). [...] Heleno Cláudio Fragosoensina que o bem jurídico tutelado “atravésda figura criminosa em questão é o interessedo Estado ‘na instrução a ser ministradaaos menores que constitui aliás, deverjurídico dos pais’.” e que se trata “de crimeomissivo puro, pois a conduta consiste em‘deixar de prover a instrução primária, semjusta causa, isto é, em omitir as medidasnecessárias para que seja ministrada aofilho instrução de nível primário’.”.

Como se observa, a não matrícula dos filhosou pupilos em uma escola regular não implicariaem crime de abandono intelectual, visto que sópoderia ocorrer caso os pais ou responsáveisnegligenciassem o provimento da instruçãointelectual a estes. E, que como foi visto, não é ocaso dos pais que optam pela Educação Domiciliar.

Portanto, diante de tudo que fora aquiexplanado, vislumbra-se que a Educação éprimeiramente um dever dos pais, tendo o Estadodever de auxiliar; que não apresenta ofensa aosPrincípios no campo constitucional einfraconstitucional e que, portanto, caberia noordenamento jurídico brasileiro e que só precisariaser regulamentada para que permitisse auferir osestágios de desenvolvimento do conhecimento dacriança e adolescente; e, por fim, a EducaçãoDomiciliar não coloca os pais em crime deabandono intelectual.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o início da institucionalização daeducação no Brasil percebe-se a presença daEducação Domiciliar, vez que eram os filhoseducados ou pelos pais ou por preceptores queensinavam nas casas. Posteriormente, com apromulgação da CF/88, a educação ganhouproteção no rol dos direitos sociais, tornando-sedever e direito de todos, com garantia de acesso.Com isso, foi estabelecida a obrigatoriedade daoferta de ensino e da matrícula em escola regular,sendo ratificada e consolidada pelo Estatuto daCriança e do Adolescente e pela Lei de Diretrizese Bases da Educação.

O Poder Familiar possibilita aos paisrepresentarem ou assistir aos seus filhos. Todavia,tal poder, regulado pelo Estatuto da Criança e doAdolescente em conjunto com o Código Civil,costuma ser relacionado à obrigação dos pais dematricularem seus filhos em uma escola regular,sob pena da perda da guarda dos filhos e, ainda,de se enquadrarem em conduta tipificada noCódigo Penal, que retrata o abandono intelectual.

No entanto, constatou-se que a EducaçãoDomiciliar não apresenta nenhuma ofensa aosPrincípios estudados. Pelo contrário, percebeu-seque o crime de abandono intelectual não enquadraos pais homeschoolers posto que, tais pais nãodeixam de fornecer nenhuma educação aos filho.E o art. 246 do CP institui que, para tipificar o crimeem questão, deve o agente apenas deixar de provera educação não estabelecendo a obrigatoriedadeem uma instituição regular.

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RESUMO

O legislador de 1940 dispôs sobre o crime deconcussão no art. 316 do Código Penal (CP/1940),tipificando a conduta do agente que, abusando dafunção pública, obtém vantagem ilícita. O crimede excesso de exação (art. 316, § 1.º) é um tipoespecial do crime de concussão descrito no art.316 do Código Penal brasileiro, reprimindo aconduta do funcionário que efetua a cobrança detributo indevido ou que para efetuar a cobrança detributo devido utiliza de meios vexatórios ougravosos não permitidos em lei. A forma qualificadado crime de excesso de exação está prevista no §2.º, apenada a conduta do funcionário público quedesvia em proveito próprio ou alheio aquilo querecebeu indevidamente. O princípio daproporcionalidade aplicado ao Direito Penaldetermina que a pena deve estar proporcional ouadequada à magnitude da lesão do bem jurídicoprotegido e à periculosidade criminal do agente.Sabe-se que as qualificadoras aumentamdiretamente a pena base em um quantum jádelimitado, ou seja, define a pena de acordo com ocrime praticado e de modo exato. Asqualificadoras, nesse sentido, assimilam o ideal deproporcionalidade na medida em que aumentam oquantum da pena-base por conta de o crime tersido praticado de maneira mais grave. A condutada exação, na sua forma simples (art. 316, § 1.º,CP/1940), apresenta como pena a reclusão, de 3(três) a 8 (oito) anos, e multa. Todavia, a sua formaqualificada (art. 316, §2º, CP/1940) apresentacomo pena a reclusão, de dois a doze anos, e multa.Pratica-se, pois, uma incongruência em relação àforma qualificada, cuja pena mínima (dois anos) émenor do que a conduta na sua forma simples (trêsanos). A qualificadora, pois, não cumpre sua funçãobásica de aumentar o quantum da pena-base docrime em relação à sua forma simples, verificando--se um gravíssimo atentado ao princípio da

CRIME DE EXCESSO DE EXAÇÃO: A INCONGRUÊNCIA DA PENA NA FORMAQUALIFICADA COM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Luciano Carvalho de Almeida1

proporcionalidade. Para o desenvolvimento dopresente trabalho foi utilizado o método dedutivode abordagem. A técnica de coleta de dados foi apesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: concussão, excesso de exação,qualificadora, princípio da proporcionalidade.

CRIME OF EXCESS EXACTION: THEINCONGRUITY PEN AS QUALIFIED

WITH THE PRINCIPLE OFPROPORTIONALITY

The legislature of 1940 provided for the crimeof concussion in art. 316 of the Penal Code,criminalizing the conduct of the agent, abusing thecivil service, gets unfair advantage. The crime ofexcessive exaction (art. 316, § 1) is a special typeof crime described in article concussion 316 of theBrazilian Penal Code, restraining the conduct ofthe employee who performs the collection of tributeor improper to effect the collection of tax due useof means vexatious or burdensome not allowed bylaw. The qualified form of the crime of excessiveexaction is provided in § 2, affected the conductof the public official who deviates in yourself orothers what he received improperly. The principleof proportionality applied to criminal law determinesthat the penalty must be proportional or appropriateto the magnitude of the injury of the protected legaland criminal dangerousness of the agent. It isknown that the qualifying directly increase thepenalty based on a quantum already delimited,defines the penalty according to the crimecommitted and accurately. The qualifier in thissense, assimilate the ideal proportionality in thatincrease the quantum of the penalty based onaccount of the crime was committed moreseverely. The conduct of the exaction, in its simplestform (art. 316, § 1, CP/1940), presented as worth

1 Acadêmico do Nono Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro do ProgramaEspecial de Tutoria (PET).

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the imprisonment of three to eight years and a fine.However, its qualified form (art. 316, § 2, CP/1940) presents as a penalty to imprisonment of twotwelve years and a fine. Practice is therefore aninconsistency regarding the qualified form, whoseminimum sentence (two years) is lower than theconduct in its simple form (three years). Thequalifying therefore does not fulfill its basic functionto increase the quantum of the penalty based onthe crime in relation to its simplest form, verifyinga serious attack on the principle of proportionality.For the development of this work we used thedeductive method of approach. The technique ofdata collection was the literature search.

Keywords: concussion, excessive exaction,qualifying, the principle of proportionality.

1 INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, gradativamenteafloram as necessidades coletivas, sejam aquelas deimportância vital para a estruturação da vida social,sejam aquelas necessárias à manutenção da vida emsociedade.

Em face da satisfação geral e manutençãodas necessidades coletivas, o Estado-Administração,juntamente com seus órgãos e cargos públicos,executa e/ou fiscaliza as atividades destinadas a taisfins, geralmente através de indivíduos que detêmcargo ou função pública.

Todavia, em alguns casos, funcionáriospúblicos utilizam da atividade pública que exercempara benefício próprio ou de terceiros, indo deencontro ao dever de moralidade e probidade aque estão obrigados. Resta, pois, em alguns casos,a punição penal prevista em tipos incriminadoresque descrevem as condutas criminosas realizadaspor funcionário público contra a administraçãopública em geral.

O legislador de 1940 dispôs sobre o crime deconcussão no art. 316 do Código Penal (CP/1940),tipificando a conduta do agente que, abusando dafunção pública, obtém vantagem ilícita.

No § 1.º do mesmo artigo, foi definido o tipopenal do excesso de exação, que reprime a condutado funcionário que efetua a cobrança de tributoindevido, ou que para efetuar a cobrança de tributodevido utiliza de meios vexatórios ou gravosos nãopermitidos em lei.

A forma qualificada do crime de excesso deexação está prevista no § 2.º, tipificada a conduta

do funcionário público que desvia em proveitopróprio ou alheio o que recebeu indevidamente.

Ocorre que a pena mínima prevista para ocrime de excesso de exação, na sua forma simples(art. 316, § 1.º, CP/1940) é três anos de reclusão.Em contrapartida, a pena mínima prevista para ocrime de excesso de exação, na sua formaqualificada (art. 316, § 2.º, CP/1940) é dois anosde reclusão.

Discutir-se-á, pois, se a previsão legal de umapena mínima menor para o crime de excesso deexação na sua forma qualificada, em relação à suaforma simples, fere o princípio da proporcionalidade.

Para o desenvolvimento do presente trabalhofoi utilizado o método dedutivo de abordagem. Atécnica de coleta de dados foi a pesquisabibliográfica.

2 EXCESSO DE EXAÇÃO: FORMAESPECIAL DO CRIME DECONCUSSÃO

Os abusos cometidos por aqueles que fazemparte da Administração Pública são penalmentecombatidos pela legislação pátria.

O legislador de 1940 dispõe sobre o crime deconcussão no art. 316 do CP:

ConcussãoAr t. 316. Exigir, para si ou para outrem,direta ou indiretamente, ainda que fora dafunção ou antes de assumi-la, mas em razãodela, vantagem indevida:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos,e multa.

Estabeleceu-se, em tal dispositivo, a condutado agente que, abusando da função pública, obtémvantagem indevida. Consiste no ato de ofuncionário exigir (impor como obrigação)vantagem indevida, para si ou para outrem, emrazão da função pública que exerce.

A vantagem indevida mencionada, segundoPrado (2011b), é todo benefício ou proveitocontrário ao Direito. Atenção deve ser dada parao fato de que a doutrina majoritária reconhece quea natureza dessa vantagem deve ser econômicaou patrimonial. Todavia, Prado (2011b, p. 472) nãose apega a esse entendimento ao afirmar que

Prevalece o entendimento doutrinário de quea vantagem a que se refere o legislador devaser de natureza econômica ou patrimonial.Contudo, observa-se que, quando olegislador quer restringir a vantagem à

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natureza econômica, o faz expressamente,conforme se observa na própria descriçãolegal do delito de extorsão (art. 158). Assim,a vantagem pode ser de natureza nãopatrimonial, v.g., quando o agente exige dosujeito passivo que lhe conceda umacondecoração, por mera vaidade pessoal.

Assim, a vantagem indevida prevista no tipopenal não se limitaria somente àquela de naturezaeconômica, podendo ter caráter não patrimonialse o agente exige uma condecoração por conta dafunção pública que exerce.

Menciona Greco (2012) que se trata de crimepróprio, podendo ser sujeito ativo somente ofuncionário público, mesmo aquele que, emboraainda não esteja exercendo função pública, utiliza--se dela para a prática delitiva. Sujeito passivo é oEstado, bem como a pessoa física ou jurídicadiretamente prejudicada pelo sujeito ativo.

A Administração Pública, afirma Greco(2012), é o bem juridicamente protegido pelo tipopenal que prevê o delito de concussão. A normapenal em estudo visa resguardar o regularfuncionamento e o prestígio da AdministraçãoPública, com o objetivo de assegurar a obediênciaao dever de probidade para evitar abusos noexercício da função pública.

A consumação, segundo Greco (2012), severifica no instante em que há a exigência davantagem indevida, independendo se ela foi obtidaou não; trata-se, pois, de crime formal. Assim, casovenha a receber vantagem indevida, tal fato seráconsiderado mero exaurimento do crime, que seconsumou no momento de sua exigência.

Reconhecendo a natureza formal do crimede concussão se posiciona o Supremo TribunalFederal: “Crime de concussão: é crime formal, quese consuma com a exigência. Irrelevância no fatodo não recebimento da vantagem indevida” (STF,HC 4009/MS, 2.ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso,publicado no DJ em 14/03/1997).

O principal ponto a se destacar no crime deconcussão é a vantagem indevida exigida peloagente em face da função pública que exerce.Nesse sentido, o § 1.º do art. 316 do CP traz umamodalidade especial do crime de concussão, oexcesso de exação:

ConcussãoArt. 316. [...]Excesso de exação§ 1.º Se o funcionário exige tributo oucontribuição social que sabe ou deveriasaber indevido, ou, quando devido,

emprega na cobrança meio vexatório ougravoso, que a lei não autoriza:Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos,e multa.

Exação, leciona Prado (2011b), representa aideia de arrecadação ou cobrança rigorosa detributo ou dívida, alcançando na referida norma aconduta do funcionário que comete excessos noexercício de tal função. Difere-se da concussãopropriamente dita já que em princípio a cobrançanão visa benefício próprio ou de outrem, masrecolher aos cofres públicos tributo ou contribuiçãosocial que sabe ou deveria saber indevida. Convém,pois, destacar a definição legal de tributo econtribuição social.

Dispõe o art. 3.º do Código TributárioNacional (CTN) que tributo é “toda prestaçãopecuniária compulsória, em moeda ou cujo valornela se possa exprimir, que não constitua sançãode ato ilícito, instituída em lei e cobrada medianteatividade administrativa plenamente vinculada”.Abrange tal conceito cinco espécies de tributo asaber: imposto, taxa, contribuição de melhoria,contribuições especiais e empréstimo compulsório.

Contribuição social, menciona Hugo de BritoMachado, apud Greco (2012), é uma espécie detributo com finalidade constitucionalmente definida,qual seja a intervenção no domínio econômico, ointeresse de categorias profissionais oueconômicas, ou a seguridade social.

O crime de excesso de exação, na sua formasimples (art. 316, § 1.º, CP/1940), pode serpraticado de formas distintas, como destaca Prado(2011b, p. 473):

A conduta típica descrita no art. 316, § 1.º,subdivide-se em duas modalidades,consistindo a primeira na exigência depagamento de tributo ou contribuição socialque o agente sabe ou deveria saber indevido,e a segunda, no emprego de meiosvexatórios ou gravosos não permitidos emlei, na cobrança devida de tais receitas.

Assim, o agente que pratica a conduta deexcesso de exação realiza a cobrança rigorosa detributo em duas situações: na primeira situação, ofuncionário determina o recolhimento de tributo quesabe ou deveria saber indevido; na segunda,embora o tributo seja devido, o agente emprega nacobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei nãoautoriza.

Meio vexatório ou gravoso, destaca Greco

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(2012), é forma de cobrança que não condiz comas determinações legais, já que são utilizados meiosconstrangedores, humilhantes e que atingem adignidade da pessoa humana para a efetivarealização da cobrança. Aqui o tributo é devido;entretanto, o meio utilizado para recebê-lo é ilegal.

A forma qualificada do crime de excesso deexação está tipificada no art. 316, § 2.º, do CP,que traz a seguinte redação:

ConcussãoArt. 316. [...]Excesso de exação[...]§ 2.º Se o funcionário desvia, em proveitopróprio ou de outrem, o que recebeuindevidamente para recolher aos cofrespúblicos.Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,e multa.

O agente, portanto, desvia, em proveitopróprio ou alheio, o que obteve indevidamente.

Prado (2011) ensina que tal disposiçãoconstitui uma forma qualificada de excesso deexação porque o agente, após praticar a condutadelitiva descrita no art. 316, § 1.º, do CP, desviaem proveito próprio ou de terceira pessoa o querecebeu de forma ilícita, sem recolher o tributo aoscofres públicos: “verifica-se, por conseguinte, quea ação típica se desdobra em dois momentos,consubstanciados no recebimento indevido dotributo ou da contribuição social e no posteriordesvio da res.” (PRADO, 2011b, p. 476).

A forma qualificada do excesso de exaçãodiz respeito a uma cobrança indevida quesupostamente seria recolhida aos cofres públicos,mas que o agente utiliza em proveito próprio ou deoutrem. A consumação do delito, leciona Prado(2011b), se dá com o efetivo desvio, ainda que nãoseja integral, já que a falta do desvio em benefíciopróprio ou de terceiro importaria na prática doexcesso de exação na forma simples (art. 316, §1.º, CP).

3 O PRINCÍPIO DAPROPORCIONALIDADE NA ÓPTICACONSTITUCIONAL E PENAL

O princípio da proporcionalidade tem campode estudo no direito constitucional. Verificada aatual tendência de inter-relação dos ramos doDireito, seus reflexos se estendem ao Direito Penal.

Além de encontrar assento na exigência de

respeito à dignidade humana, Capez (2011)reconhece que tal princípio aparece insculpido emdiversas passagens da Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil (CRFB), ao abolir alguns tiposde sanções (art. 5.º, XLVII), ao exigir aindividualização da pena (art. 5.º, XLVI), ao indicarmaior rigor para casos de maior gravidade (art.5.º, XLII, XLIII e XLIV) e ao prever moderaçãopara infrações menos graves (art. 98, I).

Távora e Alencar (2011) afirmam que hádivergência doutrinária se o princípio daproporcionalidade é sinônimo do princípio darazoabilidade ou se não se confunde com este.

Para os que entendem que são princípiosdistintos, segundo Távora e Alencar (2011), afirma--se que o princípio da razoabilidade representa umanorma jurídica que conduz o jurista a decisõesaceitáveis, ao passo que o princípio daproporcionalidade representa um procedimento deinterpretação de norma jurídica tendente aconcretizar um direito fundamental em dado casoconcreto.

Os que analisam os princípios em questãocomo sinônimos, segundo Távora e Alencar (2011),observam que a proporcionalidade conjuga trêsetapas, a saber: necessidade, adequação eproporcionalidade em sentido estrito; enquanto arazoabilidade, não. Tais etapas são detalhadas porLenza (2011, p. 151):

Necessidade: por alguns denominadaexigibilidade, a adoção da medida quepossa restringir direitos, só se legitima seindispensável para o caso concreto e nãose puder substituí-la por outra menosgravosa;Adequação: também chamado depertinência ou idoneidade, quer significarque o meio escolhido deve atingir o objetivoperquirido;Proporcionalidade em sentido estrito: sendoa medida necessária e adequada, deve-seinvestigar se o ato praticado, em termos derealização do objetivo pretendido, supera arestrição a outros valoresconstitucionalizados. Podemos falar emmáxima efetividade e mínima restrição.

Busca-se, pois, a maior efetividade nodesenvolvimento da atividade normativa deaplicação e interpretação da norma jurídica. Arazoabilidade, para Távora e Alencar (2011), nãoassimila objetivamente essas três etapas. Contudo,tem o condão de orientar o intérprete a não aceitarcomo válidas soluções jurídicas que conduzam a

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absurdos. Em suma, a base teórica de cadaprincípio diverge, porém a finalidade da aplicaçãode cada um é a mesma e os tornam expressõessinônimas.

O princípio da proporcionalidade, então, visaà relação custo/benefício da aplicação da normaao caso concreto. Lenza (2011, p. 150) reconhecea igualdade entre os princípios em questão e afirmaque

[...] o princípio da proporcionalidade ou darazoabilidade, em essência, consubstanciauma pauta de natureza axiológica queemana diretamente das ideias de justiça,equidade, bom senso, prudência,moderação, justa medida, proibição deexcesso, direito justo e valores afins; e,ainda, enquanto princípio geral do direito,serve de regra de interpretação para todo oordenamento jurídico.

O princípio da proporcionalidade, pois,assimila aspectos valorativos que coordenam aprodução normativa, a interpretação e aplicaçãoda norma, devendo haver proporção entre o meioe a finalidade a que se destina. Essa atividadenormativa deve estar amparada nos valores dejustiça, equidade, bom senso, prudência,moderação, justa medida, proibição de excesso,direito justo e valores afins.

Observada a amplitude do princípio daproporcionalidade e levando-se em conta a suainfluência em todo o ordenamento jurídico brasileiro,Capez (2011) analisa a aplicação prática de talprincípio no Direito Penal.

Ao criar um novo delito, o legisladordetermina um ônus à sociedade em face daameaça de punição que passa a abranger todos oscidadãos. Capez observa que uma sociedadeincriminadora limita em demasia a liberdade daspessoas, mas por outro lado esse ônus écompensado pela vantagem de proteção dointeresse tutelado pelo tipo incriminador. Ecompleta:

Para o princípio da proporcionalidade,quando o custo for maior do que a vantagem,o tipo será inconstitucional, porquecontrário ao Estado Democrático de Direito.Em outras palavras: a criação de tiposincriminadores deve ser uma atividadecompensadora para os membros dacoletividade (CAPEZ, 2011, p. 39).

A sociedade vê limitados certoscomportamentos, em face da cominação da pena

caso sejam praticados. Contudo, desfruta de umatutela a certos bens que ficarão sob a guarda doDireito Penal. A atividade de criação normativado Direito Penal bem como sua aplicação devecompensar para os membros da coletividade.Trata-se, pois, de um princípio com larga aplicaçãoe com campo de atuação polarizado, segundoTávora e Alencar (2011, p. 70):

[...] Tem-se admitido que ele deve sertratado como um “superprincípio”,talhando a estratégia de composição noaparente “conflito principiológico”. [...] Porsua vez, deve ser visto também na sua facetada proibição de excesso, limitando osarbítrios da atividade estatal, já que os finsda persecução penal nem sempre justificamos meios, vedando-se a atuação abusivado Estado ao encampar a bandeira docombate ao crime.

A aplicação prática do princípio daproporcionalidade busca resolver da forma maisrazoável possível um eventual conflito entreprincípios e evitar excessos relativos à atividadeestatal, destacando o fato de que os fins buscadospela persecução penal nem sempre são razoáveisem relação aos meios utilizados para tal.

Um Direito Penal democrático, lecionaCapez (2011), não pode conceber excessos naatividade punitiva penal. Para que a sociedadesuporte os custos sociais de tipificações que limitama prática de determinadas condutas, é necessárioque reste demonstrada a utilidade da incriminaçãopara a proteção do bem jurídico que se querproteger, bem como a sua relevância em contrastecom a natureza e quantidade da sanção cominada.

A atividade penal deve ser proporcional erazoável, devendo preponderar a proteção emdetrimento da limitação da prática de certascondutas. Nesse sentido, o indivíduo deve serpunido na medida em que causou dano à sociedade,ou seja, quanto maior o dano causado maissignificativa deverá ser a sua punição.

4 A FORMA QUALIFICADA DO EXCESSODE EXAÇÃO E A LESÃO AO PRINCÍPIODA PROPORCIONALIDADE

Como visto, o crime de excesso de exaçãoapresenta sua forma qualificada no art. 316, § 2.º,do CP:

ConcussãoArt. 316. [...]

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Excesso de exação[...]§ 2.º Se o funcionário desvia, em proveitopróprio ou de outrem, o que recebeuindevidamente para recolher aos cofrespúblicos.Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,e multa.

Explica Prado (2011a) que as circunstânciaslegais podem ser genéricas e especiais, constandona parte geral ou na parte especial do CP,respectivamente. As circunstâncias legaisgenéricas abrangem as agravantes e atenuantes,e as causas de aumento e diminuição de pena; eas circunstâncias legais especiais compreendemas qualificadoras e as causas de aumento ou dediminuição da pena.

As qualificadoras são circunstâncias legaispresentes na parte especial do CP. Têm a funçãode estipular o quantum do aumento da penaquando o crime é praticado de forma mais gravosa.Nesse sentido, se posiciona o autor:

As qualificadoras não se confundem comas circunstâncias agravantes. Essas seencontram na parte geral do Código Penal enão estipulam o quantum do aumento, quefica a critério do prudente arbítrio judicial;as circunstâncias qualificadoras, aocontrário, modificam as margens penaisprevista no tipo básico (PRADO, 2011b, p.508).

As qualificadoras, então, diferem-se dascircunstâncias agravantes. Enquanto estas seencontram na parte geral do CP e não estipulamum quantum de aumento (já que fica a critériojudicial), as qualificadoras modificam a quantidadede pena prevista para o crime na modalidadesimples. Há, portanto, cominação de nova pena.

Todo ato eventual e secundário agregado àfigura típica, segundo Capez (2011, p. 472), cujaausência não influencia a sua existência édenominado circunstância. Tem, portanto, a funçãode agravar ou abrandar a sanção penal. Asqualificadoras constituem circunstâncias legaisespecíficas, com limites mínimo e/ou máximodiferentes do tipo fundamental.

A resposta do Estado à prática criminosadeve ser proporcional ao mal cometido pelocriminoso. Destaca Greco (2011) a necessidadede se aferir a proporcionalidade das penas.

As qualificadoras, como já colocado, possuema função de aumentar o quantum definido para o

crime na sua forma simples e punir o ato criminosoquando praticado de forma mais gravosa. Logo, adeterminação das qualificadoras se estrutura noslimites do princípio da proporcionalidade, visto quetal postulado exige proporção na atividade punitivae as qualificadoras assimilam essa proporção namedida em que aumentam a quantidade de penaquando o crime é praticado de maneira mais grave.

O tipo penal descrito no art. 316, § 2.º, doCP, é a forma qualificada do excesso de exação.O agente desvia aquilo que obteve indevidamenteem razão da função pública que exerce, em proveitopróprio ou alheio.

O excesso de exação, na sua forma simples(art. 316, § 1.º, CP), comina para o agente a penade reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa:

ConcussãoArt. 316. [...]Excesso de exação§ 1.º Se o funcionário exige tributo oucontribuição social que sabe ou deveriasaber indevido, ou, quando devido,emprega na cobrança meio vexatório ougravoso, que a lei não autoriza:Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos,e multa.

Analisando o crime na sua forma simples,observa-se que tal dispositivo descreve a condutado excesso de exação praticada na forma menosgravosa, já que prevê no art. 316, § 2.º, do CP,esse mesmo crime praticado de maneira maisgrave:

ConcussãoArt. 316. [...]Excesso de exação[...]§ 2.º Se o funcionário desvia, em proveitopróprio ou de outrem, o que recebeuindevidamente para recolher aos cofrespúblicos.Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,e multa.

Em relação às penas cominadas nasmodalidades do crime de excesso de exação,verifica-se uma desproporção no quantum da penamínima estabelecida na forma simples em relaçãoà forma qualificada. Para tanto, destaca Prado quea majoração da pena culminada para a formasimples culminou numa incongruência quando ocrime é praticado de maneira mais grave. Em suaspalavras:

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Acrescenta-se que a pena quanto aoexcesso de exação (§ 1.º) foi majorada deseis meses a dois anos de detenção paratrês a oito anos de reclusão, praticando-seuma incongruência em relação à formaqualificada (§ 2.º), cuja pena mínima (doisanos) é menor do que a conduta na suaforma simples (três anos), num gravíssimoatentado ao princípio da proporcionalidadedas penas (PRADO, 2011b, p. 477).

Ocorre que para o excesso de exaçãopraticado na forma simples comina-se pena mínimade reclusão de três anos, ao passo que para oexcesso de exação praticado na forma qualificadacomina-se pena mínima de reclusão de dois anos.Há uma incongruência em relação à formaqualificada, o que determina um atentado aoprincípio da proporcionalidade das penas.

Greco ensina que a proporcionalidade daspenas deverá ser aferida em três planos: legislativo,judicial e no momento da execução da pena. Ou:

Sobreleva, assim, na parte especial docódigo penal, a necessidade de se apurar aproporcionalidade das penas, que deveráser aferida em três planos distintos, valedizer, no legislativo, que ocorre quando dacriação da figura típica; no judicial, que élevado a efeito quando o julgador aplica apena ao caso concreto; e no momento daexecução da pena, quando o agente,efetivamente, sente os efeitos da suacondenação (GRECO, 2011, p. 28-29).

A incongruência verificada na pena doexcesso de exação em relação à forma qualificadaatenta contra o princípio da proporcionalidade emqualquer dos planos em que este deverá serapurado: a atividade legislativa não se preocupouem punir o excesso de exação quando praticadode maneira mais grave; o Judiciário dissemina essadesproporção quando aplica as penas cominadasàs duas modalidades; e o agente sofre aconsequência de ser punido de maneira maissignificativa por um quantum de pena maior quandopratica o crime na forma simples, já que nomomento da execução da pena sente efetivamenteos efeitos da sua condenação.

Pelo princípio da proporcionalidade daspenas, destaca Prado (2011b), deve existir umamedida de justo equilíbrio entre a atividadelegislativa (abstrata) e a atividade judicial(concreta).

Ora, se a determinação de uma qualificadoravisa, pois, punir o crime praticado de maneira mais

grave e comina-se uma pena maior para tal (emrelação ao crime na forma simples), ematendimento ao princípio da proporcionalidade,verifica-se uma lesão a este postulado.

Greco (2011) ainda destaca que as penas, deacordo com a parte final do art. 59 do CP, devemser necessárias e suficientes para a reprovação eprevenção do crime, disposição legal que não éobservada na determinação da pena do excessode exação na forma qualificada.

As penas desproporcionais trazem a ideia deinjustiça. A ideia de proporção é inata ao serhumano. Determinar uma pena mínima menor aocrime de excesso de exação na sua formaqualificada em relação à simples rompe com o idealde proporcionalidade constitucional e penalbuscado pelo Estado Democrático de Direito. Emsuma, a pena deve ser razoável, devendo ser criadae aplicada proporcionalmente à magnitude da lesãodo bem jurídico tutelado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pena mínima cominada para o crime deexcesso de exação, na forma qualificada, é de doisanos de reclusão, ao passo que a pena mínimacominada para o mesmo crime na forma simples étrês anos de reclusão.

O princípio da proporcionalidade aplicado aoDireito Penal determina que a pena deve estarproporcional ou adequada à magnitude da lesãoao bem jurídico protegido e à periculosidadecriminal do agente.

As qualificadoras, nesse sentido, assimilamo ideal de proporcionalidade na medida em queaumentam o quantum da pena-base por conta deo crime ter sido praticado de maneira maisgravosa.

Ocorre que, para a modalidade qualificadado crime de excesso de exação (art. 316, § 2.º,CP), comina-se uma pena mínima menor do quepara o excesso de exação na forma simples (art.316, § 1.º, CP).

Assim, não se verifica proporcionalidade nacominação de penas para o crime de excesso deexação levando em consideração o fato daqualificadora não aumentar a pena base em umquantum superior à pena cominada para o crimena forma simples.

A lesão ao princípio da proporcionalidade severifica nas três etapas em que tal postulado deveser analisado: na etapa legislativa, já que o legisladornão se preocupou em punir o crime em estudo

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quando praticado de maneira mais grave; na etapajudicial, visto que o juiz é orientado peladeterminação legal tipificada; e na etapa daexecução da pena, momento em que a atividadeestatal punitiva torna-se efetiva e o agente cumpreuma pena maior quando comete o crime de excessode exação na forma simples.

Em suma, há uma incongruência em relaçãoà forma qualificada do crime de excesso deexação, a qualificadora não cumpre sua funçãobásica de aumentar o quantum da pena base docrime em relação a sua forma simples, e o idealconstitucional e penal de proporcionalidade buscadopelo Estado Democrático de Direito é fragilizado.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 dedezembro de 1940. Código Penal. DiárioOficial [dos] Estados Unidos do Brasil. Riode Janeiro, DF, 31 dez. 1940, retificado em 3 jan.1941.

BRASIL. Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacionale institui normas gerais de direito tributárioaplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário

Oficial [dos] Estados Unidos do Brasil.Brasília, DF, 27 out. 1966.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal:parte geral. v. 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva,2011.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal:parte especial. v.. II. 8. ed. rev. ampl. e atual.Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

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LENZA, Pedro. Direito constitucionalesquematizado. 15. ed. rev. atual. e ampl. SãoPaulo: Saraiva, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penalbrasileiro: parte geral. v. 1. 10. ed. rev. ampl. eatual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011a.

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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, RosmarRodrigues. Curso de direito processual penal.5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm,2011.

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RESUMO

A pena de morte é um tema polêmico que vemse arrastando há séculos. No livro Dos Delitos edas Penas, Beccaria insere uma visão sobre autilidade dessa pena, que para ele é consideradacomo sendo uma punição de pouco impacto navida do delinquente e ineficaz para a prevençãodo crime. O medo é um dos sentimentos que seencontram presentes em todas as pessoas e omedo da morte é algo que influencia o homemdesde os primórdios de sua existência. A pena demorte perde o seu caráter intimidador no momentoem que o medo da morte é atenuado pela crençade vida após a morte. Presente isso, o artigo visaa atuação do medo como fator essencial para autilidade da pena de morte e mostrar comoBeccaria trata dessa punição como ineficaz paraa prevenção do crime.

Palavras-chave: pena de morte, medo, Beccaria.

ABSTRACT

The death penalty is a controversial topic that hasbeen going on for centuries. In the book On Crimesand Punishments, Beccaria inserts an insight intothe usefulness of that sentence, which in their bookis considered to be a punishment of little impact inthe life of the offender and ineffective for theprevention of crime. Fear is a feeling that is presentin all people and the fear of death is somethingthat influences the man since the dawn of itsexistence. Death penalty loses its characterintimidating at the time the fear of death is mitigatedby the belief of life after death. Present this, this

O MEDO E A PENA DE MORTE NA VISÃO DE BECCARIA

Tiago Barbosa1

1 Acadêmico do Quarto Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro do ProgramaEspecial de Tutoria (PET).

paper seeks to fear acting as an essential factorfor the usefulness of the death penalty and showhow this comes Beccaria punishment as ineffectivefor the prevention of crime.

Keywords: death penalty, fear, Beccaria.

1 INTRODUÇÃO

Esse artigo visa realizar uma análise sobre apena de morte descrita no livro Dos Delitos e dasPenas, de Cessare Beccaria, e sobre a atuaçãodo medo na vida humana. A pena capital, que éum assunto tão polêmico, ainda hoje é rodeada dequestões não respondidas, sobre sua utilidade, sobresua necessidade ou sobre a sua validade. Aqui seinteressa discutir não apenas os mesmos assuntossobre a pena de morte, que vem sendo discutidano decorrer dos séculos, mas também apresentaralgum pensamento que possa adicionar mais umavisão sobre a pena de morte.

Tratar-se-á do medo como fator principal queinfluencia em toda a vida, principalmente o medoda morte. Seria o medo da morte capaz de preveniro crime? As pessoas da sociedade não sentem overdadeiro medo da morte, o medo que elaspossuem é atenuado por suas crenças e assim essemedo se torna fraco para persuadir a mentehumana de deixar de cometer delitos. No capítulodo livro Dos Delitos e das Penas que trata dapena de morte, Beccaria justifica a inutilidade daaplicação da pena de morte como um evento depouco impacto na vida dos criminosos e na vidadas pessoas da sociedade. A anunciada impressãofraca que essa pena causa pode ser justificada

“[...] de todas as coisas que movem ohomem, uma das principais é o seu terrorda morte.” (Ernest Becker - A negação daMorte).

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também pela inexistência de um sentimentoinerente a todos, que é o medo.

Primeiramente será apresentada uma visãogeral do livro de Beccaria focando no capítulo quetrata da visão do autor sobre a pena capital.Posteriormente, irá se expor o conceito psicológicoe filosófico do medo, como sentimento capaz demotivar ou desmotivar ações humanas. Depois, iráse discutir sobre a inutilidade da pena de mortetratada no livro de Beccaria. E, por fim, seráapresentado o medo da morte como fatorpreventivo para o crime e como a falta deste podeacarretar na incompetência da pena capital.

Espera-se que através desse estudo sedemonstre um novo raciocínio sobre a visão domedo e da pena de morte. Nada mais justo do quecitar Beccaria, que chegou tão fundo nesseassunto. No presente artigo não se visa discutir aimplementação da pena de morte no Brasil; mas,sim, tratar de uma reflexão sobre a utilidade dapena capital como foi questionado no livro DosDelitos das Penas.

2 DOS DELITOS E DAS PENAS

“Dos delitos e das penas” é o título de umlivro que foi escrito pelo filósofo Cesarie Beccariae que viria trazer grande influência nos códigospenais de diversos países. Com certeza, essa é aobra mais conhecida desse ilustre autor, e que aindaserve de estudo para os iniciantes na vida jurídica.

Nesse livro, Beccaria tratou de esgotar omáximo possível o assunto sobre as puniçõescausadas pelas transgressões ao contrato social.Se o intuito dessa obra foi modificar o pensamentoem relação aos delitos e às penas estabelecidasna época, indubitavelmente ele conseguiu, pois foia partir de sua obra que se começou a ter umavisão mais humanizada sobre o Direito Penal.

A punição começa a se desvincular da ideiade vingança da sociedade contra um indivíduo quedescumpre a lei e a prejudica, e passa ter um caráterde ressocialização do indivíduo, devolvê-lo àsociedade.

Em um dos capítulos do livro que trata doobjetivo das penas, Beccaria diz:

O objetivo das penas não é tormentar umser sensível ou desfazer um crime jácometido. [...] O objetivo da pena, portanto,não é outro que evitar que o criminoso criemais danos à sociedade e impedir outrosde cometer o mesmo delito (BECCARIA,2012, p. 37).

Como conseguir esse objetivo? Comoconseguir a recuperação, a ressocialização de umcriminoso através da punição? Como conseguirimpedir que outras pessoas cometam o mesmocrime? Em seu livro, Beccaria dá algumas direçõespara a solução do problema com uma visãofilosófica e reflexiva sobre o assunto. Escreve:

As leis, como eu disse anteriormente, sãoapenas a soma de pequenas porções deliberdade privada de cada indivíduo erepresenta a vontade geral que é o agregadodas vontades de cada indivíduo. Alguémalgum dia deu a outro alguém o direito delhe tirar a vida? (BECCARIA, 2012, p. 79).

Um dos capítulos desse livro trata daaplicação da pena de morte. Nessa parte do livro,o autor reflete sobre a utilidade dessa pena e emuma das passagens desse capítulo do livro ele diz(2012, p. 80): “Se eu puder demonstrar que a penade morte não é útil nem necessária, terei ganhadoa causa da humanidade.”. Nesse trecho ele,evidencia sua descrença na necessidade da penade morte na prevenção e na punição dos crimes.O ser humano, guiado por suas paixões, podecometer um crime. Porém, também pode motivá--lo a refletir sobre a compensação do crime. Se asemoções podem influenciá-lo a cometer o crime,as emoções também podem influenciá-lo a deixarde cometer o crime.

3 MEDO

O ser humano é emocional. As emoções sãocaracterísticas que influenciam diretamente na vidado homem, podendo ser alegria, tristeza, raiva,medo e tantos outros que ele expressa. De acordocom Davidoff (2001, p. 369), “emoções são estadosinteriores caracterizados por pensamentos,sensações, reações fisiológica e comportamentoexpressivo específico. Aparecem subitamente eparecem difíceis de controlar.”.

As emoções se fazem presentes em todosos homens. É algo inerente à sua condição de ser.A sensação de alegria influencia totalmente o diade uma pessoa, da mesma forma que a tristeza.Todas as emoções causam um impacto na vida deum indivíduo. E esse impacto traz consequênciasdiretas para ele. O medo é o tipo de emoção emque o impacto causado pode até mesmo paralisaruma pessoa ou gerar uma sensação que faça umindivíduo recuar diante de alguma situação.

De acordo com Livraga (2013), “o medo é

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um estado psicológico da alma e também ummecanismo instintivo natural que promove aelevação das defesas.”. Neste caso, o medo é umaferramenta útil para o ser humano, fazendo comque ele recue na presença de perigo. O autorcompleta assim:

Por medo aos mares, o homem inventoubarcos; e por medo dos rios, o homemconstruiu pontes. O medo de ficar congeladoinspirou-o a fazer roupas, e o das insolações,a construir sombrinhas e chapéus(LIVRAGA, 2013).

Então, pode-se considerar o medo como umdos motores da vida, o que impulsiona o homem afazer algo ou deixar de fazê-lo. Tal sentimento écapaz de modificar a vida, já que muitas pessoasdeixam de efetivar algumas ações pelo simplesmedo de tentar. Um indivíduo que tem medo dofracasso não tenta uma nova possibilidade deemprego. Um indivíduo que tem medo da decepçãotem medo de declarar um afeto a alguém.Igualmente, a pessoa que tem medo de não seraceita na sociedade se mantém reclusa dentro desi mesma. Assim, o medo influencia as escolhasque, consequentemente, influenciam a vida.

Segundo Sartre (2008, p. 67), “a fuga, nomedo ativo, é tida erradamente como uma condutaracional. Vê-se nela o cálculo, curto, na verdade,de alguém que quer colocar entre si e o perigo, amaior distância possível.”.

Sartre quis dizer que a recusa de fazer algoperante o medo se dá de forma irracional. Aspessoas são motivadas a fugir de alguma coisa quelhes pode causar ameaça. Assim, elas podem atécalcular se aquela ação pode lhes trazer algumprejuízo.

Neste caso, deve-se concluir que a punição,para que tenha eficácia, deve vir carregada dealgum detalhe que possa motivar uma condutadiferente nas pessoas; algo que possa fazê-lascalcular se vale ou não a pena a sua execução. Écomo uma criança, que antes de fazer algo errado,calcula e reflete que se um ponto sair de maneirainesperada, ela pode sofrer sanção pelos seus paise a motivação para essa reflexão parte do medode ser punido. Sendo assim, o medo pode servircomo desmotivação de contrariar as normas.

E quando falta esse fator motivacional? Nestecaso, o crime pode ser cometido e reincidido,resultando em um sentimento de impunidade, o qualdemonstra que a punição não consegue provocarum sentimento de aversão ao crime. Outro tom

filosófico sobre o tema é o exposto a seguir:

Pois em todo homem existe certo grau, sempreelevado, de medo, através do qual, eleconcebe o mal que venha a sofrer com sendoo maior de todos. E assim, por umanecessidade natural, ele o esquiva o maispossível, e supomos que de outro modo nãopossa agir. Ora, quando alguém chega a essegrau de medo, tudo o que dele podemosesperar é que se salve pela luta ou pela fuga(HOBBES, 1998, p. 48).

Dessa forma, o sentimento de medo pode serutilizado para que um indivíduo “fuja” da vontadede cometer um crime; e, assim, poder calcular sesua ação irá ser compensatória.

4 PENA DE MORTE E SUA INUTILIDADE

Primeiramente, deve ser apresentado oconceito de pena e para isso será utilizado o conceitode Capez que diz que pena é

sanção penal de caráter aflitivo, impostapelo Estado, em execução de uma sentença,ao culpado pela prática de uma infraçãopenal, consistente na restrição ou privaçãode um bem jurídico, cuja finalidade é aplicarretribuição punitiva ao delinquente(CAPEZ, 2011, p. 385).

Então, a pena é a possibilidade de o Estadoprivar um indivíduo de um bem jurídico, na suatotalidade ou parcialmente, e com o objetivo deevitar que ele não cometa novos delitos. De acordocom Bitencourt (2012, p. 128):

Pena e Estado são conceitos intimamenterelacionados entre si. O desenvolvimentodo Estado está intimamente ligado ao dapena. [...] Destaque-se a utilização que oEstado faz do Direito Penal, isto é, da pena,para facilitar e regulamentar a convivênciados homens em sociedade.

As penas existem desde que o homem viveem sociedade, desde as sociedades mais primitivasaté a sociedade atual. Assim, sempre que umindivíduo ataca algum bem jurídico, ele deve sofreruma sanção para que sua conduta não sejapraticada novamente e desmotivar outrosindivíduos para que não possam fazer o mesmo.

A pena de morte ou conhecida também comopena capital diz ser a rainha das penas e é chamadaquando há crimes ditos como “imperdoáveis” pelogrupo social. Há séculos, é utilizada como punição

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e ainda hoje sobrevive em alguns países. O Códigode Hamurabi2, reconhecido como o documentomais antigo sobre leis penais, tinha em sualegislação a aplicação da pena de morte:

se alguém tirar um olho de outro, perderá oseu igualmente; se alguém quebrar um ossode outro, partir-se-lhe-á um também; se omestre de obras não construiu solidamentea casa e esta cair, matando o proprietário, oconstrutor será morto e, se for morto o filhodo proprietário, será morto o filho doconstrutor.

Mas, a pena de morte não restringe suautilização só no passado. Ainda no presente éutilizada em alguns países como forma de punição.Países como Estados Unidos, China e Coreia doNorte utilizam dessa pena para punir crimesconsiderados imperdoáveis3.

Assim como o Estado evolui, o Direito Penaltambém evolui. Então, surgem novos conceitos,teorias que passam a contribuir para odesenvolvimento dessa ciência.

Segundo Bitencourt (2012, p. 129):

É possível deduzir que as modernasconcepções do Direito Penal estãovinculadas às ideias de finalidade e função,o que explica sua estrita relação com asteorias da pena, meio mais característico deintervenção do Direito Penal.

Dessa forma, essas teorias são utilizadas parabasear fundamentos contra ou a favor da utilizaçãoda pena capital. As duas principais teorias que dãojustificativas à utilização da pena são as retributivas(absolutas) e as utilitaristas (relativas).

De acordo com Bitencourt, a pena em sentidoabsoluto dá maior entendimento quando analisadajuntamente como Estado que dá a vida. Segundoele, o Estado absolutista tinha como característicasmais significativas a identidade entre o soberano eo Estado, ou seja, rei e Estado eram a mesmapessoa; a unidade entre moral e direito, Estado e areligião e também a afirmativa de que o poderconcedido ao rei era oriundo do próprio Deus.Assim, de acordo Bitencourt (2012, p. 131):

A ideia que então se tinha da pena era a deser um castigo com o qual se expiava o mal

(pecado) cometido. De certa forma, o regimedo Estado absolutista, impunha-se umapena a quem, agindo contra o soberano,rebelava-se também, em sentido mais quefigurado, contra o próprio Deus.

Assim, considerava-se que a pena possuíaum único objetivo: o de punir um pecador. Com aconcepção do Estado e da sua desvinculação coma religião (laicidade), a pena, em sentido absoluto,passa ser uma punição para a pessoa quecontrariava o contrato social. Segundo Bitencourt(2012, p. 132), “a pena tem como fim fazer justiça,nada mais. A culpa do autor deve ser compensadacom a imposição de um mal, que é a pena.”. Nessesentido, a pena capital poderia ser utilizada com oobjetivo de restaurar a ordem perdida e fazerjustiça.

Um dos maiores defensores dessa teoriaabsoluta da pena foi Immanuel Kant. Segundo Kant(apud BITENCOURT, 2012, p. 135):

A pena jurídica, poena forensis, não podenunca ser aplicada como um simples meiode procurar outro bem, nem em benefíciodo culpado ou da sociedade; mas deve sersempre contra o culpado pela simples razãode haver delinquido.

Então, Bitencourt sintetiza a ideia de Kant,segundo a qual o indivíduo que comete um crimedeve ser punido pela única razão de ter cometidoo crime, pouco importando sobre a utilidade da penapara ele ou para a sociedade. Assim, a pena nãotem outra finalidade a não ser a de castigar quemcometeu o delito, excluindo a sua função preventivada pena.

A outra teoria a ser apresentada – e a maisimportante para este estudo – é a teoria utilitarista,também conhecida como relativa ou preventiva dapena. Segundo Bitencourt (2012, p. 140):

Para as teorias preventivas, a pena não visaretribuir o fato delitivo cometido, e simprevenir sua prática. Se o castigo ao autordo delito se impõe segundo a lógica dasteorias absolutas, somente porquedelinquiu, nas teorias relativas a pena seimpõe para que não volte a delinquir.

Assim, o foco dessa teoria é a prevenção da

2 Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/zip/hamurabi.pdf>. Acesso em: 8 out. 2013.3 Disponível em: <http://www.amnistia-internacional.pt/dmdocuments/ListadePaisesPenaMorte.pdf>. Acesso em:

25 out. 2013.

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pena, não só voltada para quem delinquiu, mastambém para toda a sociedade, fazendo com quea intimidação da pena passe pelo delinquente ereflita na sociedade. E, então, observa-senovamente a presença do medo para a efetivaçãodessa ação preventiva. Sim, o medo se fazpresente aqui, pois, sem medo, não há intimidação.De acordo com Bitencourt, para as duas teorias,tanto a absoluta quanto a relativa, a pena éconsiderada como um mal necessário; porém, napreventiva, essa necessidade da pena não se baseiana ideia de realizar justiça, mas na função, járeferida, de inibir, tanto quanto possível, a práticade novos fatos delitivos.

Portanto, vê-se, claramente, a teoriautilitarista sendo usada como justificativa do objetivodas penas no livro de Cessare Beccaria. Comoexemplo, no seguinte trecho:

O objetivo da pena, portanto, não é outroque evitar que o criminoso cause maisdanos à sociedade e impedir a outros decometer o mesmo delito. Assim, as penas emodos de infligi-las devem ser escolhidosde maneira a causar a mais forte e duradouraimpressão na mente de outros, com omínimo de tormento no corpo do criminoso(BECCARIA, 2012, p. 37).

Assim, como supracitado, para Beccaria, aspenas devem ser escolhidas de modo que causemforte e duradoura impressão na mente de outros.Sendo assim, a pena de morte não cumpre essepapel, pois, ele também diz que a execução de umcriminoso é um espetáculo momentâneo e, assim,a impressão causada na mente dos outros tambémé momentânea e incapaz de inibir outras pessoasa cometerem crime. Beccaria diz que melhor queo medo da morte é o “exemplo contínuo de umhomem privado de sua liberdade, condenado apagar com o seu trabalho, como uma besta de cargaos males que causou à sociedade.” (2012, p. 81).Desse modo, o medo de morrer é menor do que omedo de se tornar um sofredor durante a vida.

5 MEDO DA MORTE COMO PUNIÇÃO

Por que o medo da morte se torna insuficientepara a prevenção do cometimento do crime?Porque a morte não é enxergada como o fim davida, ao passo que morrer, para alguns, não é o fimde tudo; morrer, para alguns, não quer dizer deixarde existir. Então, a morte não causa medo. O medoé uma forte arma intimidadora, capaz de desmotivar

o homem não só a cometer delitos, mas desmotivá--lo a realizar qualquer tipo de ação. SegundoKovács (1992, p. 14), “o medo é a respostapsicológica mais comum diante da morte.”. Porém,o medo da morte não se apresenta de formaequânime para todos. Para alguns, a morte é sómais transição. Para outros, a morte é o início deuma nova vida ou a morte é o fim que não necessitade explicação e que a todos estão destinados. E oque faz a morte ter tantas facetas é o sentidosobrenatural dado a ela, a religião e a crença devida após a morte diminuem o medo em relação aela. Segundo Gire (2013):

Algumas culturas, como a hindu, imaginamum padrão circular da vida e da morte, ondeuma pessoa está pensada para morrer erenasce com uma nova identidade. Estasaída e reentrada na vida pode ocorrer váriasvezes. Isto contrasta com a visão cristãonde se acredita que a morte ocorra apenasuma vez. No entanto, os cristãos nãoacreditam que tudo cessa com a morte. Apessoa perde a sua forma corporal, mascontinua em espírito, onde háconsequências: os fiéis - fiéis quemantiveram a fé - são recompensados comalegria eterna no céu, e os pecadoresprocedem para o inferno, onde há dor esofrimento sem fim.

Então, a crença e a religião dão uma saídapara morte.

O Brasil é um país que possui população, emsua maioria, constituída de pessoas cristãs.Portanto, a crença de vida após a morte écompartilhada pela maioria dos brasileiros, segundoo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística 2010. Mesmo que essa concepção devida após a morte venha dividida em umaeternidade no paraíso ou eternidade no inferno,ainda assim não deixa de ser outra vida depoisdessa. A existência ainda se faz presente em outroplano, tirando a força do medo da finitude da vida.Mas, como o país possui diversidade de crenças,há também diversas visões sobre a morte, comoexemplo da reencarnação no espiritismo ou emreligiões indígenas. Ainda no capítulo que trata dapena de morte, Beccaria diz (2012, p. 85):

Então, a religião se apresenta na mente dosfora da lei, e apresentando quase a certezada felicidade eterna para um arrependimentosimples contribui muito para diminuir ohorror daquela última tragédia.

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Para alguns povos, a crença da vida após amorte era utilizada para o propósito de diminuir omedo da morte para estimular o heroísmo e assimfazer surgir guerreiros que poderiam lutar semtemer o fim da sua existência. Era o caso damitologia nórdica dos povos que habitavam paíseshoje conhecidos como Suécia, Dinamarca, Noruegae Islândia. Essa mitologia é narrada em forma depoesia chamada as Edas, escrita em 1056 e umaversão em prosa mais moderna, escrita em 1640.Esses dois escritos narram a existência de umparaíso chamado Valhala, no qual os guerreiros quemorriam bravamente em batalha eram escolhidospelo deus Odin para uma vida de festas ecomemorações. Ou seja, guerreiros que nãopossuíam esse perfil eram considerados inaptospara Valhala. Dessa forma, o medo da morte eratirado para que surgissem guerreiros violentos esedentos por batalhas (BULFINCH, 2002, p. 380--382).

Assim, sem o medo da morte, a pena decapital se torna inútil, incapaz de prevenir o crime,pois a crença de viver uma vida após essa, de obtero perdão divino por todos os seus atos retira a forçada pena de morte. De acordo com Beccaria (2012,p. 82):

O terror da morte causa uma impressão tãoleve que não tem força suficiente pararesistir ao esquecimento natural dos sereshumanos, mesmos nas coisas maisessenciais, especialmente quandoestimulada pela paixão.

Desta forma, pode-se afirmar que o medoda morte causa pouco ou nenhum impacto na vidade um indivíduo. Assim e consequentemente,inutiliza a pena capital pela sua incapacidade deprevenir o crime.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se que o medo é um sentimento capazde fazer com que o homem repila seu desejo deagir. Ao sentir medo, um indivíduo recua diantesuas vontades e assim se deixa influenciar por essesentimento. A incapacidade de fazer algo peranteo medo é, às vezes, tão forte que uma pessoa podeficar totalmente impotente e não esboçar nenhumareação ou então suprimir sua vontade interna. Omedo impede o ser humano de realizar ações quesão, às vezes, tão simples, mas que, diante dodesconhecido, tornam-se tão difíceis de realizar.

Como visto, a morte é credora de um dos

maiores medos da humanidade. Esse medoproporciona a motivação que a raça humana possuipara poder continuar buscando seudesenvolvimento e sua sobrevivência nesse mundovasto e, por que não dizer, no universo.

A morte que tanto intriga o homem é algoinevitável e um dia atingirá a todos. Deixar deexistir é uma possibilidade que passa pela cabeçae faz refletir sobre o futuro sem o seu ser. A mortechegou até ser reconhecida como a “musa dafilosofia” por Schopenhauer (1788-1860). Esseacontecimento, além de intrigante, é bastantesignificativo para o ser humano, pois ele é o únicoanimal que tem consciência do fim de suaexistência.

Existe um feriado reservado para os que seforam. Enquanto no Brasil o dia dois de novembro,dia de finados, é o dia de lembrar com tristeza dosque se foram; no México esse dia é celebrado comfesta e comemorações, baseadas na crença da vidaapós a morte.

Os dois acontecimentos que marcam apassagem de um indivíduo na terra são o seunascimento e sua morte. A morte causa maisaflição porque deixar de existir é um ponto obscurodiante do seu desconhecimento, porém, a crençaem vida após a morte é a luz que ilumina e afastaesse medo. Logo, se não há medo da morte, nãohá medo da pena capital, pois o medo destadepende do medo daquela.

Alguns indivíduos que cometeramatrocidades contra seus semelhantes nuncapensaram na dor e no sofrimento que causaram,mas pensam no perdão divino, algo tão preciosopara sua crença, para uma vida feliz e eterna apósessa vida, objetivo para o qual os seusarrependimentos são válidos.

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado dedireito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva,2012.

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro damitologia: história de deuses e heróis. Traduçãode David Jardim Júnior. 26. ed. Rio de Janeiro:

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Ediouro, 2012. Título original: The age of fable.

CESSARE, Beccaria. Dos delitos e das penas.Tradução de Neury Carvalho Lima. São Paulo:Hunter Books, 2012.

DAVIDOFF, Linda L. Introdução àpsicologia. Tradução de Lenke Peres. 3. ed.São Paulo: Makron Books, 2001.

GIRE, James T. How death imitates life: culturalinfluences on conceptions of death and dying.Disponível em: <http://www.wwu.edu/culture/gire.htm>. Acesso em: 11 out. 2013.

HOBBES, Thomas. Do cidadão. Tradução deRenato Janine Ribeiro. 2. ed. São Paulo: MartinsFontes, 1998.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIAE ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico2010. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/

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KOVÁCS, Maria Júlia. Morte edesenvolvimento humano. São Paulo: Casa doPsicólogo, 1992.

LIVRAGA, Jorge Angel. O medo. Disponívelem: <http://www.novaacropole.pt/a_medo.html>.Acesso em: 3 out. 2013.

SARTRE, Jean-Paul. Esboço para uma teoriadas emoções. Tradução de Paulo Neves. PortoAlegre: L&PM, 2008.

SANTOS, Carlos. O papel da religiosidade faceà morte. Disponível em: <http://www.academia.edu/1479734/O_Papel_da_religiosidade_na_ansiedade_face_a_Morte-Carlos_Santos>. Acesso em: 11 out. 2013.

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RESUMOS

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Segundo os preceitos fundamentais insculpidos naConstituição da República Federativa do Brasil de1988, a vida humana é um bem jurídico indisponível,pois se constitui na origem e sustentáculo de todosos outros direitos. Assim, deverá ser preservadapelo seu titular e por todos os demais membros dacoletividade, não podendo, portanto, ser abdicadanem exposta às condições de risco. Excetonaquelas circunstâncias autorizadas por lei. Em2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM)divulgou a Resolução 1.995, que formaliza ereconhece o testamento vital, também conhecidocomo “declaração de vontade antecipada”, o qualpossibilita ao paciente que esteja em pleno gozo ecapacidade mental, declarar e registrar a vontadeou não de se submeter a quaisquer tipos detratamentos médicos, caso esteja diante de umdiagnóstico terminativo. Embora o ConselhoFederal de Medicina tenha reconhecido epossibilitado ao paciente o testamento vital, esseprocedimento ainda não está autorizado pelalegislação vigente. Ao contrário, confronta com aprópria indisponibilidade determinada naConstituição da República Federativa do Brasil de1988, bem como no Código Civil de 2002. A

TESTAMENT O VIT AL NO ORDENAMENT O JURÍDICO BRASILEIRO:uma abordagem acerca do confronto da vida como um bem jurídico indisponível versus o

princípio da dignidade da pessoa humana

Diego Celestino Ferreira1

Resolução acendeu entre os operadores do Direitouma boa discussão, pois coloca em confronto doisimportantes princípios constitucionais: respeitar adignidade humana através da escolha pela mortedigna ou preservar a vida como bem que sesobrepõe aos demais em qualquer circunstância?Nesse contexto, o presente trabalho tem porobjetivo compreender os aspectos jurídicos, quantoao reconhecimento e à validade do testamento vitalno ordenamento jurídico brasileiro, ponderando osdois princípios constitucionais, quais sejam, aDignidade da Pessoa Humana e a proteção da vidacomo bem jurídico indisponível. O estudo do temadar-se-á através da pesquisa bibliográfica,documentos eletrônicos e legislação vigente.Conclui-se que o testamento vital demonstra umgrande avanço no ordenamento jurídico brasileiro,pois garante a vontade e autonomia da escolha dopaciente quanto ao seu tratamento, facultando-lheinclusive a garantia de uma morte digna.

Palavras-chave: Testamento vital. OrdenamentoJurídico. Vida. Princípio da Dignidade da PessoaHumana.

1 Acadêmico do Oitavo Período Matutino do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro doPrograma Especial de Tutoria (PET).

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O presente resumo visa o estudo das concepçõesuniversalistas e multiculturalistas no que tange aosDireitos Humanos, buscando frisar o embate entreposições tão diversas. Além disso, tem por finalidadepesquisar as razões que levam cada país seguir umaou outra concepção, e, concomitantemente analisaras soluções para atenuar tais divergências. Paraaqueles que defendem o universalismo, os direitoshumanos são universais e inerentes à própriahumanidade. Todos os países devem obedecer aospreceitos dos direitos humanos, independentementede serem signatários de um Tratado ou não, paraque se efetivem, de fato, a paz e a segurançainternacional. Diferentes destes, os multiculturalistaspregam um ideal de que a cultura do país é intrínsecaa ele. Que cada país possui a sua concepção depaz, dignidade da pessoa humana, ética, moral,política. Portanto, os Direitos Humanos sãodiferentes em cada país, não sendo possíveluniversalizá-los. Frente a isso, faz-se o seguintequestionamento: quais são as medidas eficazes paraque os Direitos Humanos tenham legitimidade emtodos os países? Uma hipótese seria a realizaçãode um debate intercultural em que cada país exponhao seu ponto de vista para que haja uma construçãodo respeito da cultura de um país para com o outro

O CONFRONTO ENTRE O UNIVERSALISMO E O MUL TICUL TURALISMO

Isadora Oliveira de Paula e Silva1

e para que cada país perceba que a sua cultura possuideficiências. E, assim, chegar a soluções de comolegitimar os Direitos Humanos universalmente semdesrespeitar a cultura de cada país. Outra hipóteseseria a de resgatar os preceitos de dignidade dapessoa humana em cada povo e, a partir daí, definiro que seriam os Direitos Humanos. Nodesenvolvimento deste estudo científico, a técnicade pesquisa utilizada será bibliográfica, podendohaver, se necessário, a utilização da técnica depesquisa documental. As fontes de pesquisas serãoas obras bibliográficas, documentos e páginaseletrônicas. É mister salientar que a tentativa delegitimar os Direitos Humanos na porção orientaldo globo terrestre encontra uma considerávelresistência, por sua cultura divergir em vários pontosda do ocidente. Acontecimentos recentes como oda Síria têm mostrado essa resistência diante datentativa da imposição desses direitos. Dessamaneira, devem-se buscar, de maneira urgente,medidas eficazes para a emancipação dos DireitosHumanos.

Palavras-chave: Universalismo. Multiculturalismo.Direitos Humanos. Legitimidade.

1 Acadêmica do Quinto Período Matutino do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro doPrograma Especial de Tutoria (PET).

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A história mostra que a partir do momento em queo homem passou a construir pequenascomunidades, começou a desenvolver mais bemas suas potencialidades. Em consequência,aumentou sua qualidade de vida. Odesenvolvimento da espécie humana fez com queas relações econômicas e comerciais se tornassemmais complexas. Baseando-se na premissa de que,ao se agrupar, torna-se mais eficiente a consecuçãode suas finalidades, os seres humanos passaram ase coligar, a fim de alcançar lucros ou atingir seusobjetivos particulares. Surge, então, o conceito depessoa jurídica, entendida como “unidade depessoas naturais ou de patrimônios, que visa àconsecução de certos fins, reconhecida comosujeito de direitos e obrigações.” (DINIZ, 2012, p.264). Porém, pelo fato de a pessoa jurídica sersujeito de direito autônomo, ela acaba sendoutilizada para prática de atos fraudulentos,desviando-se de sua finalidade e lesando credorese terceiros sem que os seus membros sejamresponsabilizados. Com o fim de combater essaprática, o legislador pátrio positivou, no artigo 50do Código Civil brasileiro de 2002, o instituto dadesconsideração da personalidade jurídica, baseadona disregard doctrine, de origem dos Tribunaisnorte-americanos. Em síntese, trata-se de umaprerrogativa atribuída ao Judiciário dedesconsiderar episodicamente a personalidadejurídica, em casos de desvio de finalidade ouconfusão patrimonial, a fim de alcançar osmembros que abusaram da personalidadeautônoma da organização. Todavia, pesquisasbibliográficas e jurisprudenciais permitem afirmarque o instituto da desconsideração, pelo fato deestar positivado no ordenamento jurídico brasileiro,vem sendo utilizado de modo desenfreado e

A DOUTRINA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ANTE OPRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA PESSOA JURÍDICA

Matheus Medeiros Maia1

arbitrário pelo Poder Judiciário. Sem que hajanecessidade, os magistrados desconsiderampessoas jurídicas de forma descomedida einfundada, lesando direitos destas, bem como deseus membros. Deve-se ressaltar que a regra é orespeito ao princípio da autonomia da pessoajurídica, sendo a desconsideração umaexcepcionalidade a ser utilizada pelo órgãojudicante em casos pontuais. A desconsideraçãonão deve enfraquecer o instituto da pessoa jurídica;mas, sim, fortalecê-lo, punindo os que a utilizamcom má-fé. Por conseguinte, demonstrada amaneira exagerada com a qual o Poder Judiciáriobrasileiro aplica a disregard doctrine, a fim deque seja combatido o uso de má-fé da pessoajurídica sem que haja lesão a direito de seusmembros, os magistrados devem minuciosamenteinvestigar e identificar nos casos concretos provasincontestáveis de que houve o abuso depersonalidade, responsabilizando os membros queassim atuam, sem que haja abuso por parte doórgão jurisdicional.

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civilbrasileiro: teoria geral do direito civil. 29. ed.São Paulo: Saraiva, 2012.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições dedireito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense,2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direitocomercial. v. 1. 16. ed. São Paulo: Saraiva,2012.

1 Graduando em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro do Programa Especial de Tutoria (PET)

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RESENHA

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1 INTRODUÇÃO

Misericórdia é um sentimento de compaixão,despertado pela desgraça ou pela miséria alheias.A expressão misericórdia tem origem latina e éformada pela junção de miserere (ter compaixão),e cordis (coração). “Ter compaixão do coração”significa ter capacidade de aproximar seussentimentos dos sentimentos de alguém, sersolidário com as pessoas. Diante de uma situaçãomédica delicada e irreversível, o termo eutanásiasurge sendo a prática pela qual se abrevia a vidade um enfermo incurável, que se encontra em umprocesso de morte, lento e doloroso.

A eutanásia representa atualmente umcomplexo debate de bioética e do biodireito,envolvendo filosofia, ética, questões jurídicas ereligiosas. Independentemente da motivação paraa eutanásia, seja ela legalizada ou não, éconsiderada um assunto controverso, existindosempre prós e contras.

Tão controverso é o tema que pode ser vistoem situações fictícias fantasiosas que dão margensa análises e ponderações ao se comunicar com oleitor. A literatura possui a abertura para uma novaforma interpretativa em que o leitor pode se deixarlevar pelas intenções do autor, instigando o pensar.

No livro A Guerra dos Tronos, com nomeoriginal em inglês Game of Thrones, o primeirolivro da série de fantasia épica As Crônicas deGelo e Fogo, escrita pelo norte-americano GeorgeR. R. Martin e publicada pela editora americana Bantam Spectra – com edição brasileira daEditora Leya – têm-se dois personagensimportantes que enfrentam problemas sérios desaúde, que afetam os demais ao redor, em algunsinstigando a misericórdia e em outros motivosescusos para a prática da eutanásia.

Essas duas situações médicas em A Guerrados Tronos são filosoficamente interessantes, além,

EUTANÁSIA EM A GUERRA DOS TRONOS

Dandara Tamires Reis e Castro1

é claro, das complexas questões morais envolvidase as escolhas tomadas durante e após ostratamentos, o que tornam ainda mais instigantesa leitura e o pensar.

Questões relativas à vida e à morte sãoimportantes e interessantes por envolverem nãoapenas a vida, mas por obrigarem o pensar sobreescolhas mais profundas. As emergências médicasdos personagens Bran Stark e Khal Drogo sãojanelas para uma análise do termo eutanásia sob aóptica da misericórdia em cada situação.

2 SITUAÇÕES MÉDICAS EM WESTEROSE NO MAR DOTHRAKI

Em Westeros, o jovem Brandon Stark escalauma das torres de Winterfell, quando surpreendeCersei e Jaime Lannister num ato secreto deincesto, após tramarem contra Eddard Stark, novoescolhido para ser A Mão do Rei. Na busca porproteger tais segredos, Jaime empurra o jovem Branpela janela da torre, deixando o menino aleijado,em coma, numa luta entre vida e morte. No mesmolivro, mais adiante, no Mar Dothraki, o poderosoKhall Drogo é ferido em batalha, algo inicialmentesem importância, mas, por insistência de sua esposaDaenerys Targaryen, deixa-se ser tratada por umacurandeira desconhecida até então, a Mirri MasDuur. Tal ferimento piora e o faz cair do cavalo,que mostra que ele não mais era forte, não maispodia governar. Ele está fraco, prestes a morrer.Assim como Bran Stark, seu fio entre a vida e amorte é fino e delicado e, devido à delicadeza enecessidade da situação, ambos ficam aos cuidadosde especialistas. Bran é cuidado pelo meistreLuwin, que serve a casa Stark. Já Drogo,novamente é entregue pela esposa aos cuidadosobscuros da magia negra da maegi Mirri Mas Duur,na busca por salvá-lo.

1 Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho e membro do Programa Especial de Tutoria (PET).

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3 ATO DE MISERICÓRDIA EMWESTEROS

Jaime Lannister, ao tomar seu café da manhãacompanhado por seus irmãos Cersei e Tyrion,comenta sobre a situação de Bran Stark. Por serambientada num período semelhante ao medieval,os recursos médicos na história não passam deorações e “curandeirismo”. Assim, uma criançaque cai da janela de uma torre, fratura a coluna eestá inconsciente, não é nada promissor. Napequena reunião dos Lannisters, ao chegarem aoassunto da criança Stark, que se encontraacamada, o comentário de Jaime é que “poderiapôr fim ao seu tormento. Era o que eu faria sefosse meu filho. Seria um ato de misericórdia. [...]eu preferiria uma morte boa e limpa.”.

Os leitores sabem bem os motivosescondidos atrás dessa singela demonstração demisericórdia: se Bran nunca mais acordasse, ossegredos dos gêmeos Lannisters estariam segurosnovamente. O incesto, a traição, as conspiraçõese a origem dos três herdeiros do trono. Ao quetudo indica, Jaime prefere manter a situação comoestá e, de preferência, com a criança curiosa dosStark calada. E morta.

Diante desses motivos, qualquer um podeficar horrorizado. A sugestão de que uma morterápida, de retirar a vida de uma criança, com tantoa viver ainda, seria algo subitamente rejeitada. CasoBran acorde, mesmo diante das inúmeras limitaçõesque poderá ter em sua vida, nada o impediria deter uma vida boa, de sonhar, de buscar realizarseus objetivos, mesmo que alguns não sejam maispossíveis, como sua teimosia em escalar. Assim,certamente não seria um ato de misericórdia acabarcom a vida do garoto. Seria algo imoral naperspectiva dos leitores, ainda mais pelos motivosescusos disfarçados de misericórdia.

Porém, mesmo que a sugestão de Jaimetenha um quê negro, imoral e por motivoshorrendos, vale ser pensada de modo mais geral,levando-se em conta apenas a misericórdia comomotivação. É certo que o conceito de misericórdia,no sentido de agir com compaixão em razão dosofrimento de outra pessoa, é importante diantede decisões de vida ou morte.

Tendo como base essa ideia de misericórdia,há duas decisões médicas difíceis, em que Jaimetem um raciocínio até defensável em termosmorais, se não estivesse com os motivos errados,é claro. Nos momentos mais difíceis de uma doençaterminal, frente à certeza da morte e todos os

momentos restantes de dor sem fim, muitosescolhem encerrar todo e qualquer tratamento queesteja prolongando a vida, uma vida de dor, eapressam a morte. Quando viver vai contra osinteresses de quem é a vida, talvez seja razoávelpôr fim a ela, conforme entendimento de Luper(2010).

Jaime, ao sugerir ao Eddard Stark que dê aofilho uma “morte boa e limpa”, ele, como cavaleirodo Rei, sempre confiante ao portar sua espada,sugere um golpe decisivo de aço valiriano, atravésda espada da casa Stark, Gelo, para dar um fimrápido ao sofrimento do garoto e de sua família. Enão espera que Eddard ordene ao meistre Luwinque suspenda os cuidados com Bran de modo quesua morte seja lenta e gradual.

Esses diferentes atos de misericórdiacorrespondem a uma importante distinção: adiferença entre eutanásia ativa e passiva.

4 EUTANÁSIA

Alguns, como Cabette (2011), atribuem aorigem do termo eutanásia a Francis Bacon no anode 1623, em sua obra intitulada Historia vitar etmortis. Há ainda quem defenda a tese de que aorigem do termo é ainda mais antiga, que remotaao pensamento estoico, no qual Cícero (106–43a.C.), na Carta a Ático, já teria empregado apalavra eutanásia como sinônimo de “morte digna,honesta e gloriosa” (ALVES, 2001, p. 27). Mas,há notícias do uso do vocábulo desde a época doImperador Augusto. E Sêneca, na Epístola a Lucílio,também teria usada a palavra para referir-se à “arteda boa ou doce morte” (ALVES, 2001, p. 27).

Atualmente, a doutrina especializada sobreo tema tem empreendido algumas classificaçõesda eutanásia, normalmente utilizando-se dedistinções binárias.

Segundo Luper (2010), o termo eutanásia seestende de duas maneiras para os teóricos antigos.Em primeiro plano, ao abandonarem a suposiçãode que a eutanásia envolve assassinato, fazem adistinção entre a ativa que é “o ato de matar quebeneficia quem morre”, e a passiva, “que beneficiao indivíduo permitindo que morra.” (LUPER, 2010,p. 211). Na segunda maneira, é possível fazer umadistinção entre variedades de eutanásia ativa epassiva em termos da atitude do indivíduo quemorre. A eutanásia, seja ativa ou passiva, évoluntária quando “o indivíduo que morre écompetente para consentir com o ato.”; éinvoluntária quando “negada competentemente”,

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e não voluntária quando “quem morre não temcompetência ou não consegue expressar umaatitude sobre a morte.” (LUPER, 2010, p. 211).

Assim, quando se retira o tratamentonecessário para manter a vida de um paciente, éeutanásia passiva, sendo um ato mais lento demisericórdia do que fornecer ao paciente uma“morte boa e limpa”, ao realizar de forma ativaalguma ação para encerrar a vida. Carvalho (2001)traz uma definição de eutanásia passiva sendo umaabstenção da prestação de tratamentos médicosordinários ou proporcionados – úteis – que poderiamprolongar a vida do paciente e cuja ausênciaantecipa a morte.

Tem-se outra classificação, que se refere àeutanásia natural e à provocada. Cabette (2011)as diferencia da seguinte maneira: a primeira estáligada ao óbito que ocorre sem intervenções deterceiros e sem sofrimento. Já a provocada ouvoluntária é aquela que se refere ao uso de algumaforma pela qual a conduta humana, seja por partede outrem ou do próprio doente, ajuda a terminarcom a agonia, amenizando o sofrimento, abreviandoseu período de vida, comissiva ou omissivamente,de maneira direta ou indireta. A provocada sesubdivide em autônoma e heterônoma. Na primeira,não há intervenção de terceiros e é conhecida porsuicídio; já a segunda, ocorre atuação de terceirospara a eliminação do sofrimento e da vida dodoente.

Outra classificação tem lastro na atitude doagente quanto ao curso vital do enfermo, sendoentão eutanásia solutiva e eutanásia resolutiva. Asolutiva não apresenta qualquer dilema moral, éticoou sob o prisma jurídico, sendo apenas a ajudaprestada para a ocorrência de uma boa morte, semque haja o encurtamento do curso vital, sendoapenas assistência física, moral, espiritual epsicológica ao enfermo. “É o cumprimento do devermoral de assistência e solidariedade humana, demodo que nada pode haver de reprovável em talconduta.” (CABETTE, 2011, p. 21).

Na eutanásia resolutiva, atua-se de forma areduzir o tempo do curso vital no suposto interessedo doente, com seu consentimento ou de seusrepresentantes, consentimento este marcado pelaespontaneidade e livre consciência. Ainda háautores que subdividem a resolutiva em três:libertadora ou terapêutica, eugênica ouselecionadora e a eutanásia econômica. Para esteestudo cabe apenas falar sobre a libertadora, queé segundo Cabette “genuinamente uma espécie deeutanásia” (2011, p. 22), sendo caracteristicamente

humanitária, movida pela misericórdia, sendo quesua prática se processa por motivo de solidariedadeou compaixão, cujo intento é o de liberação dosofrimento do doente, envolvendo o próprio autoremocionalmente no episódio. O móvel é a piedadeque leva o agente à conduta que libera o enfermode sua agonia, antecipando o momento de suamorte.

É possível confundir eutanásia passiva e aortotanásia. Etimologicamente ortotanásia advémdo grego orthós, que significa normal, correta, ethánatos, morte, designando, portanto, a mortenatural ou correta, no seu tempo, sem abreviaçãodo tempo de vida (eutanásia) e nem prolongamentosirracionais do processo de morrer (distanásia).

Do ponto de vista da misericórdia, uma vezoptado pela morte, é preferível evitar o sofrimentoprolongado oriundo de uma morte lenta e dolorosa,do prolongamento do processo de morrer, sendocertamente o mais misericordioso a fazer,aparentemente. Essa é a escolha que muitos fazempelos seus animais de estimação. Os donos buscam,assim, dar um fim mais misericordioso e humano,algo que, de certa forma, mostra que o conselhode Jaime talvez seja válido. Talvez permitir quepacientes com doenças incuráveis, e sofrimentointerminável, possam escolher a eutanásia ativa emvez da passiva seja o mais humano a se fazer.

Enquanto a eutanásia passiva, segundoTedesco (2012), é moralmente permitida, eamplamente praticada, a eutanásia ativa é polêmica.É este autor que traz o que a American MedicalAssociation (Associação Médica Americana) dizsobre as duas práticas, em uma distinção bemlúcida. Esse grupo, em 1991, adotou uma políticachamada Decisions Near the End of life(Decisões perto do fim da vida), que permite aretirada e a negação de tratamento de suporte àvida em respeito à escolha autônoma do paciente,mas proíbe tanto a eutanásia ativa quanto o suicídioassistido por um médico. Essa proibição se justificacom base na diferença moral importante entrematar e deixar morrer. “A ideia é que, emborapossa haver casos em que seja permitido deixaralguém morrer, matar está numa categoriatotalmente diferente em termos morais.”(TEDESCO, 2012, p. 116).

Cabette define a eutanásia ativa sendo“aquela que se pratica através de atos que ajudamo doente a morrer, buscando com isso aliviar oueliminar seu sofrimento” (p. 23), e ainda a subdivideem direta ou indireta, de acordo com o fimalmejado pelo autor. A eutanásia ativa direta é a

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que busca principalmente a diminuição do lapsotemporal de vida do enfermo por meio de atospositivos, comissivos, que o ajudam a morrer. Já aeutanásia ativa indireta tem duas finalidades, sendoa primeira diminuir o sofrimento econcomitantemente reduzir o tempo de sofrimentoe vida. É perceptível que a eutanásia ativa indiretapode ser vista como a eutanásia pura, genuína, emque se procura agir com misericórdia, aliviando osofrimento físico e psíquico do enfermo, semprerealizando o abreviamento da vida.

Rachels (1975) argumenta, em conformidadecom Jaime Lannister, no artigo Active and PassiveEuthanasia (Eutanásia passiva e ativa), que o atodireto da eutanásia ativa pode ser uma escolhamisericordiosa. Proibi-la, enquanto a passiva, épermitida é optar e impor, ao sancionar, uma linhade ação que causa e prolonga ainda mais osofrimento. Rachels argumenta ainda que matar edeixar morrer são atos de equivalência moral.

Analisando, em conformidade com Tedesco(2012), de forma sistêmica, não há distinção moralentre matar e deixar morrer, pois ambas são açõesque levam a uma avaliação detalhada sobre ascircunstâncias de cada caso em questão, mas têmcomo objetivo a morte.

Filósofos contemporâneos, como Brock(1992) não veem diferença entre matar e deixarmorrer um enfermo, sendo que a retirada dotratamento médico é causar a morte de formaintencional, assim como matar. Logo, por aeutanásia passiva ter a morte como intenção, trata--se de um ato de matar, tanto quanto a eutanásiaativa.

Ao longo da leitura, e só de pensar na situaçãode Bran sem conhecer as circunstâncias, é fácilnotar que sua deficiência, mesmo grave, não chegaa justificar sua morte por misericórdia, ao contrárioda situação do segundo personagem a seranalisada.

5 A ESPERA PELO RETORNO DA VIDAALÉM DO MAR ESTREITO

Mais à frente, no mesmo livro, A Guerra dosTronos, Daenerys Targaryen age, por misericórdia,num ato admirável e aceitável como legítimo eúnica opção, na visão de muitos leitores, diante dascircunstâncias particulares do caso de Khal Drogo,seu marido. Têm-se agora novas questões a serempensadas e ponderadas.

Outrora, Khal Drogo fora temido, invencível,cujo cabelo nunca fora cortado, os sinos presos

foram presentes de seu pai, jamais derrotado embatalha, líder nato. Contudo, em um combate teveum ferimento, que a princípio não era nada a seimportar, mas a pedido de sua esposa, entrega-seao curandeirismo da maegi Mirri Mas Duur. Oferimento piora, e a gravidade da situação éretratada pela queda do cavalo, o que mostra todasua fraqueza. Uma vez que um khal que não podemontar, não pode liderar.

Desesperada e cega aos avisos doscompanheiros de sangue de Drogo, Daenerysnovamente confia seu amado sol-e-estrelas àmagia da maegi. Drogo é salvo, mas à custa deuma vida, a vida do filho de Daenerys, ainda emseu ventre. A criança que foi profetizada como oGaranhão que Montará o Mundo, e, o homemque sobrevive ao acordo, não é mais o poderosokhal Drogo. É um vegetal, com olhar perdido. Tãovegetal que até Sor Jorah Mormont observa:“Parece gostar do calor” (p. 534) enquanto Drogoestá deitado ao sol sem expressão e com moscasao seu redor. Ainda vive, mas não é a mesma vidade antes. Considerando a condição do marido comopermanente com os dizeres da maegi, Daenerystoma uma decisão de misericórdia, sufoca o maridocom uma almofada.

A maioria dos leitores se compadece dasituação e não se horroriza com a atitude dakhaleesi, mas ela realiza um assassinatopremeditado a um ser humano indefeso. Cruel forado mundo ficcional? Sim. Mas, como entãoDaenerys não é julgada como vilã, assassina, pelosleitores?

A situação de Drogo não difere de casos reaise graves, de lesões cerebrais traumáticas e doençasdegenerativas, que afetam a mente ao ponto de oenfermo não ser mais a pessoa que era, e ficamais clara quando comparada à de Bran Stark. Aindignação frente à sugestão de Jaime Lannister,para que usem uma espada para matar o garotolhe dando uma morte boa e limpa, tem como basea esperança da vida ainda a ser vivida por Bran,mesmo com dificuldades. A situação de Drogo ébem diferente.

Para Drogo, não há esperanças, tanto quediante da pergunta da khaleesi “Quando [ele]voltará a ser como era?”, Mirri Mas Duur responde“quando o sol nascer no ocidente e se puser nooriente. Quando os mares secarem e as montanhasforem sopradas pelo vento como folhas. Quandoseu ventre voltar a ganhar vida para dar à luz umfilho vivo. Então, e não antes, ele regressará.” (p.534).

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Mesmo em uma obra literária e ficcional,algumas dessas palavras remetem ao impossível,ao nunca. Khal Drogo nunca voltará a ser o queera e é por isso que Daenerys age daquela forma.

6 CONCLUSÕES

O ponto importante a ser analisado é que aaceitação da eutanásia refere-se à situação ecircunstâncias particulares de cada caso. Umasolução, segundo Rosenvald (2009), é aplicar atécnica de proporcionalidade, deixando para, nocaso concreto, dar contornos efetivos ao direito àmorte digna (boa e limpa), dependendo dascircunstâncias concretas. Assim, o Biodireito alertaque o paradigma válido para toda ciência é o deque o conhecimento deve estar sempre a serviçoda humanidade, respeitando a dignidade do serhumano.

O estado de Khal Drogo, apesar de sertambém uma enfermidade, era diferente do estadode Bran Stark. As características morais eemocionais envolvidas diferem tanto quanto agravidade médica. Mesmo diante das diferenças,as respostas não são fáceis, pois envolvemdecisões profundas e radicais. Argumentos éticose valores hão de ser usados para justificação próou contra. Contudo, é necessária a análise real docontexto para balizar e fundamentar as decisões.

É certo que a eutanásia continuará a suscitargrande polêmica e inúmeras ponderaçõesfilosóficas, morais, jurídicas e religiosas, pois o temaé complexo.

Quanto aos personagens, Bran Stark serecupera do coma, e mesmo com a impossibilidadede andar, tem uma vida repleta de aventuras.Daenerys também segue sua vida, sempre selembrando de seu sol-e-estrelas, mas comsaudades em vez de arrependimentos. A históriasegue seu curso e se mantém tão impressionantenos quesitos ficcionais fantásticos quanto nastramas morais, filosóficas, psicológicas de cadapersonagem.

Todo o livro A Guerra dos Tronos apresentauma linguagem acessível e há originalidade desdea narração, que a cada capítulo se concentra emterceira pessoa limitada a centrar em um únicopersonagem. Não há maniqueísmo e ospersonagens travam lutas interiores a todo instante,além das exteriores, o que aproxima ainda mais oleitor, o instigando a imaginar e pensar como agiriaem cada momento e circunstância.

Pensar e ponderar em cada momento e

circunstância, ainda mais quando se trata doprocesso de morrer alheio, pois, matar ou deixarmorrer, independente da escolha, o que não seespera é o prolongamento do sofrer alheio.

REFERÊNCIAS

ALVES, Ricardo Barbosa. Eutanásia, bioéticae vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books,2001.

AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION.Council on Ethical and Judicial Affairs.Decisions Near the End of Life. Journal of theAmerican Medical Association. Redding(Califórnia, USA), n. 276, 1992, p. 2.229-2.233.

BROCK, Dan W. Voluntary active euthanasia.Hastings Center Report. New York, v. 22, n. 2,mar./ abr. 1992, p. 10-22.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia eortotanásia: comentários à Resolução 1.805/06CFM. Aspectos éticos e jurídicos. Curitiba:Juruá, 2009. 1.ª reimpressão em 2011.

CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectosjurídico-penais da eutanásia. São Paulo:IBCCrim, 2001.

LUPER, Steven. A filosofia da morte.Tradução Cecilia Bonamine. São Paulo: Madras,2010.

MARTIN, George R. R. A guerra dos tronos.Tradução de Jorge Candeias. São Paulo: Leya,2010.

RACHELS, James. Active and passiveeuthanasia. New England Journal ofMedicine. Massachusetts (UK), v. 292, n. 2, 9-1-1975, p. 78-80.

ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoriageral. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

TEDESCO, Matthew. Seria um ato demisericórdia: escolha entre a vida e a morte emWesteros e para lá do mar estreito. In:JACOBY, Henry. A guerra dos tronos e afilosofia. Tradução de Patrícia Azeredo. Riode Janeiro: BestSeller, 2012. (Coleção CulturaPop, 1).

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