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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho,v. 1, n. 2/2011 – ISSN 2179-8222 – Semestral – Montes Claros

e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

EditorRichardson Xavier Brant

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FAS@JUS - e- Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

Organizadores

Raíssa Neiva Melo FrancoRichardson Xavier Brant

Vívian Cristina Maria SantosWaldir de Pinho Veloso

Conselho Editorial

Edson Pires da FonsecaElton Dias Xavier

Hamilton de AlmeidaLiz Helena Silveira do Amaral

Raíssa Neiva Melo FrancoRichardson Xavier Brant

Vívian Cristina Maria SantosWaldir de Pinho Veloso

Correção Linguística

Waldir de Pinho VelosoNely Rachel Veloso Lauton

Editoração Gráfica

Maria Rodrigues Mendes

Capa

Adriano Magno de FreitasMaria Rodrigues Mendes

Ficha catalográfica elaborada por Edmar dos Reis de Deus CRB6 2486.

FAS@JUS : e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho / Faculdade de DireitoSanto Agostinho. – Vol. 1, n. 2, 2011 - . - Montes Claros, MG. Fundação SantoAgostinho, 2011-

v. : il. 21 x 29 cm.

SemestralISSN 2179-8222

1. Direito. I. Faculdade de Direito Santo Agostinho. lI. Título.

CDU: 34 (05)

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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA),v. 1, n. 2/2011 - Semestral – Montes Claros

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................................

ENTREVISTAJoão Batista de Almeida Costa.....................................................................................................

ARTIGOS DO CORPO DOCENTE

PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE:ANÁLISE DO INSTITUTO ANTE AS NOVAS POSSIBILIDADES DE DIREITO E DE FATODilson de Quadros Godinho Neto..............................................................................................

A TRAJETÓRIA JURÍDICA DOS DIREITOS DA MULHER NO BRASIL: das Ordenações do Reinoà Lei Maria da PenhaJanaína Silveira CastroSilvana Maria de Carvalho Mendes...........................................................................................

DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADOE SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICASRichardson Xavier Brant............................................................................................................

ESPECIFICIDADES ACERCA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADEPREDIAL E TERRITORIAL URBANA (IPTU)Waldir de Pinho Veloso...............................................................................................................

ARTIGOS DO CORPO DISCENTE

PONDERAÇÕES INICIAIS SOBRE HERMENÊUTICA JURÍDICABrunna Campos EleutérioLucian Martins Veloso...................................................................................................................

JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA INITIO LITIS:A BUSCA PELA CELERIDADE E EFETIVIDADE PROCESSUALCamila Caroline Rocha Chaves..................................................................................................

OS CASAIS HOMOAFETIVOS E O AMPARO À ADOÇÃO NO BRASILGabrielle Xavier Ribeiro...............................................................................................................

POR UMA EPISTEMOLOGIA EMANCIPATÓRIA DO DIREITOMelissa Mendes de Novais..........................................................................................................

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ARTIGOS DE EGRESSOS

A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE EMPREGODaniela Vieira Magalhães..............................................................................................................

A TEORIA DO GARANTISMO PENAL COMO CRITÉRIOLEGITIMADOR DO ESTADO DE DIREITOFabíola Barros de Queiroz.............................................................................................................

APELAÇÃO: estudo comparativo entre o atual Código de Processo Civile o Projeto de Lei n.º 166/2010, do SenadoIgor Ramos RosaLeandro Mendes de Carvalho Leite.........................................................................................

RESENHA

Vívian Cristina Maria Santos.....................................................................................................

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APRESENTAÇÃO

Apresentar a segunda edição da RevistaEletrônica Fas@jus da Faculdade de DireitoSanto Agostinho é motivo de grande júbilo paraos editores e também para todos os que trou-xeram a sua contribuição pessoal a esta publi-cação.

Os textos reunidos reafirmam o propósi-to da nossa primeira idealização: resgatar umdiálogo crítico plural e suscitar o debate aca-dêmico sobre temas importantes dacontemporaneidade.

Esta segunda edição expressa o nossocompromisso com a divulgação do saber, pau-tado nos ideais de justiça, de cidadania e, so-bretudo, da ética. Assim, vamos ao conteúdoda Revista.

No texto inicial, o Doutor em Antropolo-gia João Batista de Almeida Costa, em en-trevista concedida à Revista, analisa a neces-sidade do reconhecimento do direito à di-ferença para que possamos construir uma ci-dadania equânime. Para tanto, faz-se neces-sária a compreensão de que a igualdade re-quer tratamento universal para todos, enquan-to a equidade requer que cada um seja reco-nhecido como diferente e respeitado em suasparticularidades.

Na seção destinada aos artigos do cor-po docente, temos o artigo do ProfessorDílson de Quadros Godinho Neto, que ana-lisa a atual regulamentação e utilização do ins-tituto da presunção de paternidade ante asnovas possibilidades surgidas no Direito.Conforme o autor, o instituto da presunção depaternidade merece ser rediscutido perante asnovas modalidades de família e do avanço ci-entífico em relação às recentes técnicas deprocriação.

No segundo texto, as professorasJanaína Silveira Castro e Silvana Maria deCarvalho Mendes apresentam a trajetóriajurídica dos direitos da mulher no Brasildesde as Ordenações do Reino até a LeiMaria da Penha. O texto objetiva mostrar que,apesar do reconhecimento da igualdade damulher perante a lei, a desigualdade entrehomens e mulheres ainda faz parte da culturabrasileira, tendo como consequência, muitasvezes, o tratamento discriminatório e o uso daviolência contra a mulher.

Na sequência, o Professor RichardsonXavier Brant examina as principais caracte-rísticas do direito ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado. Constitui objetivo dotrabalho destacar a necessidade de pondera-ção e harmonização de valores constitucionais:de um lado, os direitos fundamentais, que le-vam em conta a dignidade da vida humana e amanutenção de sua viabilidade; e de outro, osprincípios que ordenam a atividade econômi-ca.

No último artigo da seção, o ProfessorWaldir de Pinho Veloso trata dasespecificidades acerca do Imposto sobrea Propriedade Predial e Territorial Urbana(IPTU), que é um dos tributos com os quais ocontribuinte tem um contato mais direto. Se-gundo o autor, por ser um imposto real, quenão escolhe classe ou poder econômico eindepende da pessoa proprietária ou possui-dora. Atingindo a um grande número de pes-soas, o IPTU merece ser estudado em um tex-to científico.

Na coluna destinada aos artigos de dis-centes, temos quatro artigos. No primeiro, osAcadêmicos Brunna Campos Eleutério eLucian Martins Veloso, discorrem sobre aHermenêutica Jurídica, analisando sua re-lação com a linguagem. Os autores destacama relevância do estudo desta temática perantea necessidade de se adequar as interpreta-ções dos textos normativos às transformaçõessociais.

O segundo artigo é o da acadêmicaCamila Caroline Rocha Chaves, que tratado julgamento de improcedência initio litis.Previsto no artigo 285 do Código de ProcessoCivil (CPC), é considerado importante instru-mento para se alcançar a celeridade e aefetividade na prestação jurisdicional. Entre-tanto, a autora ressalta a necessidade de seresguardar os direitos fundamentais dos litigan-tes no processo.

A seguir, a aluna Gabrielle Xavier Ri-beiro analisa a possibilidade de adoção decrianças e adolescentes por casaishomofetivos no ordenamento jurídico brasi-leiro. Conforme a autora, o estudo tem por ob-jetivo traçar uma linha argumentativa que abran-ja o reconhecimento da união homoafetiva no

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Brasil e exterior, a nova Lei da Adoção e a Dou-trina da Proteção Integral, ressaltando a impor-tância do reconhecimento das novas modalida-des de família e de seus respectivos direitos.

No quarto artigo, a acadêmica MelissaMendes de Novais trata da crise enfrentadapelo ensino jurídico, defendendo umaepistemologia emancipatória do direito.Na visão da autora, faz-se necessário identifi-car e derrubar os obstáculos que impedem queo conhecimento jurídico seja construído demodo a garantir que o direito seja fiel aos seuspropósitos e respeite as diversidades da vidae a complexidade que envolve as relaçõeshumanas.

Na seção reservada aos acadêmicosegressos das Faculdades Santo Agostinho,temos a contribuição de ex-alunos do Cursode Direito, através de três artigos. Inicialmen-te, a egressa Daniela Vieira Magalhães ana-lisa a eficácia dos direitos fundamentaisnas relações de emprego, como forma dereduzir os impactos causados pela RevoluçãoIndustrial e restabelecer o equilíbrio entre osdireitos sociais do trabalhador e os poderesempresariais.

No segundo artigo, a egressa FabíolaBarros de Queiroz verifica o conteúdo dateoria garantista e sua capacidade de le-gitimar o Estado de Direito por meio demecanismos hábeis à aproximação entre o sere o dever ser do Direito. Para a autora, o ver-dadeiro garantismo penal, teoria de cunhogarantidor dos direitos e garantias fundamen-

tais, só será efetivado se o Estado respeitaros desviantes como sujeitos de direitos e ga-rantias, e os não desviantes como merecedo-res de segurança e liberdade.

No último artigo da seção, os advoga-dos Igor Ramos Rosa e Leandro Mendesde Carvalho Leite analisam o recurso deapelação por meio de um estudo comparativoentre o atual Código de Processo Civil (CPC)e o Projeto de Lei (PL) n.º 166, de 2010, doSenado Federal. O objetivo dos autores é ode, a partir de análise comparativa, traçar con-siderações acerca dos princípios da celeridadee eficiência no processo.

Por fim, na seção destinada à resenha,temos a colaboração da Professora VívianCristina Maria Santos, com análise da obraOração aos Moços, de Rui Barbosa. Na rese-nha intitulada A Magnitude de um Discurso,a autora incentiva a leitura do discurso, desta-cando a atualidade do texto que “encanta nãosó aos estudiosos e admiradores do Direito,mas, a todos aqueles que buscam viver deacordo com princípios éticos e anseiam pelaconcretização da justiça.”.

Assim, resta agradecer as colaboraçõesrecebidas e desejar que esta Revista propor-cione ao nosso leitor fecundos debates e pro-veitosa leitura. Esperamos que a nossa inspi-ração, que se renova a cada trabalho, conta-gie a todos.

Os Editores

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1) Como está a situação da afirmaçãodo direito à diferença na sociedade do Brasilatual?

R. Afirmar a diferença, ainda que direitoconstitucional, em uma sociedade que sepensa igual e cujo arcabouço jurídico foihistoricamente instituído na perspectivanão da equidade de direitos (pois reco-nhece a igualdade a partir da diferença),mas da diferença hierárquica, onde, ape-nas, os do topo da hierarquia eram e con-seguem se ligitimar como detentores dedireitos a partir de onde distribuíam e dis-tribuem favores para os das baixas ca-madas sociais constitui-se a questãocrucial para que a aceitação da diferen-ça como direito sejaimplementada no Brasil.A não ser que a diferen-ça seja partícipe do nú-cleo que usufrui do direi-to desde o período co-lonial, nesse caso, asmulheres que se torna-ram sujeitos de direitopleno, por serem dife-renciadas dos homens,até então únicos deten-tores de direito.Em decorrência dessaherança do privilégio edo favor hierárquico, reconhecer o direi-to à diferença constitui-se um processode construção de uma cidadania equâni-me que demandará da sociedade, comoum todo, abrir mão de privilégios e de fa-vores, para que todos possam usufruir odireito de ser o que se é, principalmenteos grupos considerados minoritários quesão historicamente discriminados e exclu-ídos dos benefícios gerados pela socie-dade brasileira.

ENTREVISTA

Entrevistado: João Batista de Almeida Costa1

1 Doutor em Antropologia pela Universidade de Brasília. Professor na Universidade Estadual de Montes Claros.

2) Quais os principais desafios ainda aserem superados, para que o respeito à dife-rença seja afirmado para além do discurso ofi-cial?

R. Vejo que ultrapassar os desafios de res-peito às diferenças requer múltiplas ações,para além do discurso oficial. Em primeirolugar, uma mudança na compreensão dosoperadores do direito de que a universali-dade da igualdade requer nacontemporaneidade respeitar o direito àdiferença, que não é igual, mas que temque ser tratada diferenciadamente. O não--reconhecimento do direito à diferençacomo lei lapidar para a sociedade pluralem que vivemos leva ao cerceamento, até

mesmo pelos operadores dodireito, do direito à diferença.Em segundo lugar, olegislativo compreender quea sociedade brasileira não éuna em nada e, sobretudo,que o Estado é laico. E quedeterminados direitos que sevinculam às diferenças devemser legislados, porque, aindahoje, impedem que determi-nadas categorias possam seconstituir plenamente sujeitosde direito, como posto naConstituição de 1988. Em ter-

ceiro lugar, o governo precisa atuar estru-turalmente a favor de todos e não, ape-nas, a favor daqueles que lhe dão susten-tação política. Um exemplo, a questão dabusca de desmonte da homofobia nas es-colas, em que o projeto de implementaçãode tal ação foi manipulado por bancadasde Deputados e pela mídia, enquanto ho-mossexuais permanecem sendo agredidose até mesmo assassinados pelas ruas dascidades do país. Ou, de outra forma, o di-

O básico écompreender quediferença requer oreconhecimento deque somos iguaisdiferentemente...

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reito ao território coletivo dos quilombolas,cuja titulação não avança em decorrênciada aliança entre o Governo e a bancadaruralista. E, por fim, para a sociedade, oexercício da tolerância. Vivemos um tem-po em que cada vez mais as pessoas es-tão ficando intolerantes a toda e qualquerdiferença. Chutam-se imagens de santosporque não se acredita neles. Bate-se emmulher, porque se acha que mulher temque ser submetida ao homem. Matam-sehomossexuais porque se acha que todostêm que ser heterossexuais. Ataca-sebaiana fazedora de acarajé porque vincu-lado às religiões de matriz africana parainstalar-se um mercado de acarajé vincu-lado aos evangélicos, o acarajé de Cristo.E daí prá frente.

3) A massificação da informação e a for-mação da opinião pública pela mídia influen-cia de que modo a formação de identidades?

R. Se a informação que é publicizada pelamídia fosse adequada, considerando acomplexidade das questões, a influênciaseria positiva. Mas, dado que a mídia ésituada social e politicamente no espaçosocial de nossa sociedade, ela sómassifica a informação que lhe interessae ao grupo a que se encontra vinculada econtribui, sobremaneira, para que seja-mos cada vez mais intolerantes. A mídia,aparentemente, é defensora da diferen-ça. Entretanto, só interessa a ela as dife-renças que contribuam para produzir ereproduzir os direitos das altas camadasde nossa sociedade ou de determinadosegmento religioso. Como determinadasidentidades são construídas a partir dequestões estruturais básicas para a de-fesa do direito à vida, ainda que a mídiase posicione contrária a essas diferen-ças, os grupos e os indivíduos que asconstroem o fazem apesar de e contraas posições políticas da mídia brasileira.E mantêm-se insurgentes afirmando asdiferenças de humanidades existentesentre nós, dado que não existem somen-te as humanidades hegemônicas.

4) A discussão sobre o direito à diferen-ça não tem colocado na sombra, em algumamedida, o debate sobre a desigualdade?

R. Muito antes pelo contrário. Isto só ocor-

re quando se considera que a diferençaé diversidade. Ver diferença como tal éescamotear a existência de diferenças emtodos os aspectos de nossa vida social.Porque cada um de nós é diverso emmuita coisa, como diz Stuart Hall, o sujei-to moderno, unitário, não mais existe, elese fragmentou e como tal, cada um denós desliza entre múltiplas condições, oque nos faz diversos em nós mesmos.Mas, não necessariamente diferentes. Adiferença se refere à alteridade de nósmesmos, enquanto a diversidade se re-fere às múltiplas facetas que cada um denós pode assumir em sua rotina cotidia-na. A partir disto, trafegamos por diver-sos papéis e práticas sociais ao longo denosso dia-a-dia, mas esse trânsito nãonos faz alternos a nós mesmos. O direitoà diferença em uma sociedade hierárqui-ca como a nossa, em que cada um temseu lugar e cada lugar tem seu algum,escancara permanentemente a desigual-dade, dado que navegamos por dinâmi-cas sociais não igualitárias, ainda quenossa constituição afirme como lei basilarque todos somos iguais perante a lei.Mas, em nossa prática social, sabemosque ninguém em nosso Brasil é igual pe-rante a lei.

5) Em que medida, as duas questões seimplicam mutuamente?

R. O básico é compreender que dife-rença requer o reconhecimento de quesomos iguais diferentemente, e nãoigualitariamente. Por isto, mais que fa-lar em igualdade, hoje os grupos quese afirmam a partir de identidades dife-renciadas e os estudiosos dessas ques-tões têm falado de equidade e não maisde igualdade. Pois a igualdade requertratamento universal para todos, en-quanto a equidade requer que cada di-ferença seja tratada respeitando-a emsuas particularidades. Essa foi uma li-cença que se aprendeu duramente pe-los cidadãos vivendo em países euro-peus e são os intelectuais de lá que maistem colocado esta questão. Ainda quetenham sido historicamente as naçõeseuropeias que construíram a igualdadecomo direito universal de cada membrode cada sociedade nacional.

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ARTIGOS DO CORPO DOCENTE

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RESUMO

O instituto da presunção de paternidade, umdos mais antigos dos ordenamentos jurídicos,serviu e serve para solucionar de forma práticaos casos de indicação de filiação e paternidadeno âmbito do casamento. Porém, com osavanços científicos e as novas experiênciaspráticas a presunção de paternidade perdeumuito da sua utilidade, pois já não respondecorretamente ante as novas possibilidades defiliação. Colecionou-se legislação estrangeirapara verificar a normatização do instituto dapresunção de paternidade em outrosordenamentos jurídicos. O presente estudo visaverificar e analisar a atual regulamentação eutilização do instituto da presunção depaternidade ante as novas possibilidadessurgidas no Direito e em decorrência do avançodo conhecimento científico. A metodologiautilizada foi bibliográfica, bem como estudos delegislações estrangeiras.

Palavras-chave: Presunção, paternidade,procriação artificial, gestação em útero alheio,família homoafetiva.

PRESUMPTION OF PATERNITY: Considerationabout the institute against the new possibilitiesof law and fact.

ABSTRACT

The presumption of paternity, one of the oldestlegal systems, has served and serves in apractical way to solve the cases of indication offiliation and paternity in marriage. However, withscientific advances and new practicalexperiences the presumption of paternity haslost much of its usefulness, because it does notrespond correctly before the new opportunitiesof paternity. Foreing law was collected to verifythe normalization of the presumption of paternity

PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE: ANÁLISE DO INSTITUTO ANTEAS NOVAS POSSIBILIDADES DE DIREITO E DE FATO

Dilson de Quadros Godinho Neto1

in other jurisdictions. This study aims todetermine and analyze the current regulation anduse of the presumption of paternity against thenew opportunities arising in the law and due tothe advancement of scientific knowledge. Themethodology used was literature, and studiesof foreign legislation.

Keywords: Presumption, Fatherhood, artificialprocreation, surrogate mother, homo family.

INTRODUÇÃO

O presente estudo visa verificar e analisara atual regulamentação e utilização do institutoda presunção de paternidade ante as novaspossibilidades surgidas no Direito e emdecorrência do avanço do conhecimentocientífico.

Os questionamentos surgidos nestetrabalho não visam responder completamenteou solucionar os problemas enfrentados peloinstituto da presunção de paternidade.Entretanto, servirão de base para estudos esoluções posteriores.

Buscou-se dar um panorama geral doinstituto no Brasil, bem como foram colacionadasalgumas legislações do Direito comparado, alémde trazer algumas novas possibilidades jurídicase fáticas que colocam em questão a razão deser do instituto da presunção de paternidade.

O instituto da presunção de paternidade,um dos mais antigos dos ordenamentosjurídicos, serviu e serve para solucionar deforma prática os casos de indicação de filiaçãoe paternidade no âmbito do casamento.

Vale ressaltar que, atualmente, não sereconhece apenas o casamento como forma defamília e tampouco a reprodução natural é aúnica forma de procriação, daí a necessidadede análise do instituto da presunção depaternidade.

1 Advogado. Professor da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Especialista em Direito Processual pelaUnimontes. Membro do IBDFAM.

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1 PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE

1.1 CONCEITOS

Para a fiel compreensão do que sepretende estudar neste trabalho, faz-senecessário definir os conceitos que permeiame delineiam o instituto da presunção depaternidade, principalmente a definição dostermos “presunção” e “paternidade” (filiação).

A palavra presunção deriva da palavralatina praesumptio e significa, segundo oDicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o atoou efeito de presumir; suposição que se tempor verdadeira até prova em contrário.

Neste mesmo sentido, a Real AcademiaEspañola, no seu Diccionario de la LenguaEspañola2 a define como a acción y efecto depresumir; hecho que la ley tiene por cierto sinnecesidad de que sea probado.

Assim, terminologicamente, a palavrapresunção diz respeito ao ato ou fato de seafirmar algo como sendo certo, mesmo queposteriormente se descubra que não o era.

O Direito, por seu turno, costuma se utilizardas presunções como forma de tornar maispráticas as relações intrapessoais, principalmenteaquelas que se referem ao âmbito familiar –situação que, em grande parte das sociedades,é de vital necessidade.

Para Rodrigues Júnior e Almeida (2010, p.384)

A regra geral das presunções, quanto àconcepção natural, é de que todos osfilhos havidos durante o casamento têmpor pai o marido da gestante. Ela é oresultado, tradicionalmente assentado,do cruzamento dos deveres matrimoniaisde coabitação e de fidelidade recíproca.

Definida a presunção, passa-se à análiseda palavra paternidade (filiação). Deve-sefrisar que as palavras paternidade,maternidade e filiação dizem respeito à mesmarelação de parentesco (linha reta de primeirograu), entretanto com diferentes referenciais– visão do pai, da mãe ou do filho.

Paternidade ou filiação, por outro lado,podem ser definidas, segundo Tartuce e Simão(2010), como sendo a relação jurídicadecorrente do parentesco por consanguinidadeou outra origem, estabelecida particularmente

entre os ascendentes e descendentes deprimeiro grau.

Tal definição se encontra em harmoniacom os artigos 1.591 e 1.594 do Código Civilbrasileiro, cujas transcrições seguem abaixo.

Art. 1.591. São parentes em linha retaas pessoas que estão umas para comas outras na relação de ascendentes edescendentes.[...]Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, osgraus de parentesco pelo número degerações, e, na colateral, também pelonúmero delas, subindo de um dosparentes até ao ascendente comum, edescendo até encontrar o outro parente.

Segundo Farias e Rosenvald (2010), afiliação é a mais relevante relação de parentescoexistente na ciência jurídica, pois estabelecelaços entre pai/mãe e filho.

Farias e Rosenvald (2010) vão além dotecnicismo jurídico e definem a filiação comosendo a

[...] relação de parentesco estabelecidaentre pessoas que estão no primeirograu, em linha reta entre uma pessoa eaqueles que a geraram ou que aacolheram e criaram, com base no afetoe na solidariedade, almejando odesenvolvimento da personalidade e arealização pessoal. Remete-se, pois, aoconteúdo do vínculo jurídico entrepessoas envolvidas (pai/mãe e filho),trazendo a reboque atribuições e deveresvariados.

Sem sombra de dúvidas, a principal rela-ção de parentesco que se estabelece entre aspessoas é a relação pai/mãe e filho, pois é delaque todas as outras relações de desdobram. Daía grande importância e relevância dada a estamatéria por grande parte dos ordenamentos ju-rídicos.

Assim, a presunção de paternidade é oinstituto jurídico que visa dar dinamismo egarantia à prole nascida em uma família formadapelo casamento. Assim, pretende indicar parao direito que os filhos nascidos da mulher casadasão do seu marido.

Ocorre que, com os avanços científicos ecom as modificações sociais familiares ocorri-

2 Disponível em: <http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=presunsion>. Acesso em: 21abr. 2011.

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das nos últimos dois séculos, algumas situaçõesdesconfortantes são trazidas para o instituto dapresunção de paternidade. Por isso, algunsdoutrinadores já falam em extirpá-la dosordenamentos jurídicos porque já não cumprea sua função de fixar corretamente (presumi-damente) a paternidade por causa das novasexperiências sociais e jurídicas.

1.2 HISTÓRICO DO INSTITUTO

Desde tempos remotos, o ser humanobusca formas e alternativas para tornar a vidaem sociedade mais segura e estável. Paratanto, vem editando inúmeras normas decomportamento, as quais fazem parte do estudoda ciência jurídica contemporânea.

Uma destas normas básicas decomportamento diz respeito ao modo pelo qualos pais reconhecerão os seus filhos. E desdemuito tempo o ser humano procurou soluçõespara tais casos.

A solução mais antiga e que por maistempo perdurou (e perdura até os dias de hoje)é a presunção de paternidade dos filhosnascidos durante o período de convivência doscompanheiros (homem e mulher),especificamente em uma relação matrimonial.

Desde a antiguidade, a ciência jurídicavem admitindo a presunção de paternidade. Talfato se torna evidente quando o próprio Códigode Hammurabi3, datado do ano aproximado de1.700 a.C., já regulamentava diversas situaçõesfamiliares nas quais o pai era presumido comoo companheiro da mãe.

Muitos autores afirmam que presumir comopai o companheiro da mãe não é nada mais doque utilizar a lógica para resolver casoscotidianos, com base em duas premissasutilizadas desde a antiguidade: a) considera-seque os conviventes mantêm relações sexuais;b) considera-se que os conviventes(especificamente a mulher) mantêm laços deexclusividade sexual entre si.

Destarte, é fácil constatar e concluir que ofilho dos conviventes somente pode ser daquelehomem que vive com determinada mulher, porcausa da comunhão existente entre eles.

É por isso que o antigo Direito Romanocunhou como máxima o seguinte: Mater sempercerta est et pater is est quaem justae nuptiaedemonstrant.

Assim, para os romanos, a mãe sempreera certa, pois era a mulher que dava à luz acriança, e sempre mantinha relações sexuaisexclusivas com o seu marido. O que carregapara o fato de não haver dúvidas quanto apaternidade do filho, uma vez que somentepoderia ser do marido da mãe.

Farias e Rosenvald (2010, p. 496)esclarecem que

[...] outrora, as presunções sejustificavam. Além das dificuldadescientíficas em determinar a filiação, ahistória de subjugo que se impôs àmulher em nossa sociedade, não davamargem para duvidar da origem paternado seu filho. A mulher tinha de casarvirgem. Ao casar, retornava àincapacidade e era representada, emtodos os atos, pelo seu marido. Não podiatrabalhar, restringindo-se a cuidar do lar,do marido e da prole. Devia obediênciaao marido [...] Enfim, os seus filhos, éclaro, somente poderiam ser do seumarido, por absoluta impossibilidade deoutra situação!

Atualmente, a presunção de paternidadese encontra definida em diversos ordenamentosjurídicos de origem romana, os quais trazemuma regulamentação semelhante e,basicamente, estruturada em uma mesma ideia– o marido da mulher casada é presumidamenteo pai dos seus filhos.

2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O Código Civil brasileiro de 2002 inovouquando disciplinou o instituto da presunção depaternidade e incorporou as hipóteses deprocriação artificial como causa de aplicação doinstituto.

Assim, está em vigor a seguinte norma:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos naconstância do casamento os filhos:I - nascidos cento e oitenta dias, pelomenos, depois de estabelecida aconvivência conjugal;II - nascidos nos trezentos diassubsequentes à dissolução da sociedadeconjugal, por morte, separação judicial,nulidade e anulação do casamento;III - havidos por fecundação artificial

3 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Hamurabi>. Acesso em: 21 abr. 2011.

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homóloga, mesmo que falecido o marido;IV - havidos, a qualquer tempo, quandose tratar de embriões excedentários,decorrentes de concepção artificialhomóloga;V - havidos por inseminação artificialheteróloga, desde que tenha préviaautorização do marido.

Percebe-se que serão presumidos os filhosconcebidos na constância do casamentoaqueles que advirem de uma procriação naturale também aqueles provenientes dos meiosartificiais de reprodução – inseminação artificiale a fertilização na proveta (fertilização in vitro –FIV).

Entretanto, ao que pese a inovação trazidano novo diploma legal, muitas dúvidas edivergências surgiram quando os operadoresdo Direito iniciaram a aplicação do instituto.Divergências que serão analisadas nestetrabalho.

3 LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA

Por se tratar de um dos fatos maiscorriqueiros da vida social, a paternidadesempre foi alvo das regulamentações jurídicase, por causa da origem antiquíssima, muitosordenamentos jurídicos mantêm umaregulamentação semelhante.

Para visualizar as diferentesregulamentações e suas semelhanças,colacionam-se as normas de alguns países,todas retiradas dos respectivos Códigos Civis.

3.1 COLAÇÃO DE LEGISLAÇÕES

Na Alemanha, o instituto da presunção depaternidade está disciplinado na Seção 1.592do Código Civil alemão e possui a seguinteredação:

Section 1592 - PaternityThe father of a child is the man(1) who is married to the mother of thechild at the date of the birth,(2) who has acknowledged paternity or(3) whose paternity has been judiciallyestablished under section 1600d orsection 182 (1) of the Act on theProcedure in Family Matters and inMatters of Non-contentious Jurisdiction[Gesetz über das Verfahren inFamiliensachen und in denAngelegenheiten der freiwilligenGerichtsbarkeit].

Na Argentina, o instituto é regulamentadono capítulo III, artigo 243 do Código Civilargentino, cuja transcrição segue abaixo:

Capítulo III - Determinación de lapaternidad matrimonialArtículo 243.Se presumen hijos del marido losnacidos después de la celebración delmatrimonio y hasta los trescientos díasposteriores a su disolución, anulación ola separación personal o de hecho de losesposos. No se presume la paternidaddel marido con respecto al hijo quenaciere después de los trescientos díasde la interposición de la demanda dedivorcio vincular, separación personal onulidad del matrimonio, salvo prueba encontrario.

Os espanhóis regulamentaram apresunção de paternidade no artigo 116 doCódigo Civil espanhol com a seguinte redação:

Artículo 116Se presumen hijos del marido losnacidos después de la celebración delmatrimonio y antes de los trescientosdías siguientes a su disolución o a laseparación legal o de hecho de loscónyuges.

Em Portugal, há regulamentação dapresunção de paternidade no Código Civil:

Presunção de paternidadeArtigo 1826.º(Presunção de paternidade)1. Presume-se que o filho nascido ouconcebido na constância do matrimóniotem como pai o marido da mãe.

Por fim, a Itália assim regulamenta oinstituto da presunção de paternidade no seuCódigo Civil:

Art. 231 Paternità del maritoIl marito è padre del figlio concepitodurante il matrimonio.Art. 232 Presunzione di concepimentodurante il matrimonioSi presume concepito durante ilmatrimonio il figlio nato quando sonotrascorsi centottanta giorni dallacelebrazione del matrimonio e non sonoancora trascorsi trecento giorni dalla datadell’annullamento, dello scioglimento odalla cessazione degli effetti civili delmatrimonio.

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3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ASDIFERENTES LEGISLAÇÕES

Pela leitura e análise das normas dediferentes países acima referidos, percebe-seque a ideia central é a de se presumir como paio marido da mãe da criança.

A única diferença que se percebe entre aslegislações estrangeiras é o caso alemão, poispara aquele país, o pai vai ser aquele homemque se encontrar casado com a mãe na datado nascimento, excluindo-se a regra dapresunção nos trezentos dias após a dissoluçãodo casamento.

4 NOVAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS E DEFATO

4.1 PROCRIAÇÕES ARTIFICIAIS

Com o avanço da medicina e ciências afins,foi aberta a possibilidade de formas artificiaisde reprodução, fato este que causou e causauma revolução em alguns dos institutos jurídicos,pois eles devem se adaptar às novas mudanças,sob pena de serem extirpados dosordenamentos jurídicos.

Neste sentido, atualmente existembasicamente duas formas de procriação artificial:inseminação artificial e a fertilização na proveta(fertilização in vitro – FIV).

Farias e Rosenvald (2010, p. 500) definemassim as duas modalidades:

Inseminação artificial é o procedimentoem que se realiza a concepção in vivo,no próprio corpo da mulher. [...] nafertilização na proveta a concepção élaboratorial, realizada fora do corpofeminino, apenas ocorrendo aimplantação de embriões já fecundados.

Tanto a inseminação artificial, quanto afertilização na proveta podem acontecer com autilização do material genético do próprio casal(homóloga) ou com auxílio de material genéticoestranho a eles (heteróloga).

O Código Civil brasileiro assim disciplina amatéria:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos naconstância do casamento os filhos:[...]III - havidos por fecundação artificialhomóloga, mesmo que falecido o marido;IV - havidos, a qualquer tempo, quando

se tratar de embriões excedentários,decorrentes de concepção artificialhomóloga;V - havidos por inseminação artificialheteróloga, desde que tenha préviaautorização do marido.

O instituto da presunção de paternidade,por causa dos avanços científicos, passou a seraplicado nos casos de procriação artificial.Entretanto, por se tratar de uma novidade,alguns questionamentos devem ser realizados.

Os incisos III e IV do artigo 1.597 do CódigoCivil brasileiro regulamentam a reproduçãoartificial em sua forma homóloga, ou seja, omaterial genético utilizado é do próprio maridoe de sua esposa. E o inciso V do mesmo artigoregulamenta a reprodução artificial em sua formaheteróloga.

Assim, não haverá problemas quando aspessoas forem casadas entre si e conviverem,pois aplicar-se-á perfeitamente o artigo 1.597do Código Civil brasileiro. Surgem questõesquando o marido falece ou não convive maiscom a esposa – ainda sendo casado para odireito (separado de fato).

Nestes casos, o próprio instituto dapresunção de paternidade, conformeregulamentado no Brasil, perde a sua razão deser, mas ainda assim poderá ser aplicado porse tratar de instituto previsto em lei e em vigor.

No caso do marido falecido, poder-se-iapensar na seguinte hipótese: uma mulher quecom seu marido iniciou um procedimento deprocriação artificial (pelo método de fertilizaçãona proveta – fertilização in vitro – FIV) e, logoapós a formação dos embriões, é acometidapela morte do marido.

Alguns anos mais tarde, superada a dorda perda, aquela mulher, viúva, decide que éhora de implantar os embriões no seu útero;porém, será presumido pai dos seus filhos o seumarido morto? E se esta mulher já convive (semcasamento) com uma outra pessoa? Quem seráo pai da criança?

Ainda, alterando-se um pouco o exemplo,e se o marido ainda vivo, antes da implantaçãodos embriões se divorcia da mulher? E se osembriões somente forem implantados 300 diasapós o divórcio?

Estes questionamentos são relevantesporque o instituto da presunção de paternidadefoi cunhado em uma época que não existiamexceções; época em que somente existia apossibilidade de procriação natural. E tal fatofacilmente se aplicava à regra da presunção.

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Logo após a publicação do Código Civilbrasileiro, o Conselho da Justiça Federal, pormeio do seu Centro de Estudos Judiciários,promoveu Jornadas de Direito Civil com oobjetivo de reunir professores e profissionaisdo Direito Civil para discutir e analisar asinovações e novas regulamentações trazidaspelo Código Civil brasileiro.

Nas Jornadas de Direito Civil, aquelesestudiosos emitiram alguns enunciados, osquais servem de parâmetro interpretativo parao Direito Civil. Por isso, são trazidos à colaçãoabaixo os enunciados relativos à procriaçãonatural:

103 – Art. 1.593: O Código Civilreconhece, no art. 1.593, outras espéciesde parentesco civil além daqueledecorrente da adoção, acolhendo, assim,a noção de que há também parentescocivil no vínculo parental proveniente querdas técnicas de reprodução assistidaheteróloga relativamente ao pai (ou mãe)que não contribuiu com seu materialfecundante, quer da paternidadesocioafetiva, fundada na posse do estadode filho.

104 – Art. 1.597: No âmbito das técnicasde reprodução assistida envolvendo oemprego de material fecundante deterceiros, o pressuposto fático da relaçãosexual é substituído pela vontade (oueventualmente pelo risco da situaçãojurídica matrimonial) juridicamentequalificada, gerando presunção absolutaou relativa de paternidade no que tangeao marido da mãe da criança concebida,dependendo da manifestação expressa(ou implícita) da vontade no curso docasamento.

105 – Art. 1.597: As expressões“fecundação artificial”, “concepçãoartificial” e “inseminação artificial”constantes, respectivamente, dos incs.III, IV e V do art. 1.597 deverão serinterpretadas como “técnica dereprodução assistida”.

106 – Art. 1.597, inc. III: Para que sejapresumida a paternidade do maridofalecido, será obrigatório que a mulher,ao se submeter a uma das técnicas dereprodução assistida com o materialgenético do falecido, esteja na condiçãode viúva, sendo obrigatória, ainda, aautorização escrita do marido para quese utilize seu material genético após suamorte.

Dito isto, percebe-se que o instituto dapresunção de paternidade não apresenta o seuefeito jurídico esperado ante as técnicas deprocriação artificial, principalmente quando omarido falece antes da implantação dosembriões ou quando ele se divorcia da suamulher, vez que, no primeiro caso, o maridopoderia ter desistido de ter filhos com aquelamulher (mas mesmo assim será o pai porpresunção) e, no segundo caso, o filho serápresumido do novo companheiro da mulher, fatoeste que fere os direitos da criança.

4.2 UNIÃO ESTÁVEL

A união estável é reconhecida no Brasilcomo a união entre o homem e a mulher queconvivem de forma pública, contínua eduradoura – artigo 1.723 do Código Civilbrasileiro, cuja transcrição segue abaixo:

Art. 1.723. É reconhecida como entidadefamiliar a união estável entre o homem ea mulher, configurada na convivênciapública, contínua e duradoura eestabelecida com o objetivo deconstituição de família.

Ainda, a própria Constituição Federalbrasileira de 1988 traz o fundamento da uniãoestável, afirmando que ela é uma das formasde família reconhecidas pelo Estado brasileiro,conforme arquivo abaixo transcrito:

Art. 226. A família, base da sociedade,tem especial proteção do Estado.[...]§ 3.º Para efeito da proteção do Estado,é reconhecida a união estável entre ohomem e a mulher como entidadefamiliar, devendo a lei facilitar suaconversão em casamento.[...]

Atualmente não se questiona a existênciaou necessidade de se reconhecer a uniãoestável como uma das formas de família, bemcomo a ideia de que todas as formas de famíliapossuem proteção constitucional e merecemespecial proteção.

E mais, a própria Constituição Federal de1988 e o Código Civil de 2002 afirmam que nãoé aceitável a discriminação entre os filhos,qualquer que seja a sua origem.

Segue a transcrição da ConstituiçãoFederal de 1988:

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Art. 227. É dever da família, dasociedade e do Estado assegurar àcriança, ao adolescente e ao jovem, comabsoluta prioridade, o direito à vida, àsaúde, à alimentação, à educação, aolazer, à profissionalização, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade e àconvivência familiar e comunitária, alémde colocá-los a salvo de toda forma denegligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão.[...]§ 6.º Os filhos, havidos ou não da relaçãodo casamento, ou por adoção, terão osmesmos direitos e qualificações,proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação.

Por seu turno, o Código Civil brasileiroassim descreve:

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não darelação de casamento, ou por adoção,terão os mesmos direitos e qualificações,proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação.

Conforme consta da legislação brasileira,é proibido discriminar os filhos, sendo que elesterão os mesmos direitos e qualificações. Porém,em relação à presunção de paternidade, osfilhos advindos de uma união estável, nãopossuem a proteção do instituto, pois o artigo1.597 do Código Civil brasileiro dispõe que sepresumem os filhos concebidos na constânciado casamento.

Assim, como a presunção de paternidadeé cunhada visando proteger os filhos advindosdas relações de casamento, percebe-se queem relação aos filhos nascidos da relação deunião estável não possuem esta garantia.

Surge então o questionamento: podem osfilhos nascer com menos garantias pelo fato deos seus pais optarem por formas de famíliasdiferentes? Os filhos do casamento podempossuir mais direitos do que os filhos da uniãoestável?

Mais uma vez, o instituto da presunção depaternidade tem a sua validade questionada,pois todas as formas de famílias merecem amesma proteção do Estado e os filhos advindosdestas relações (famílias) também devemreceber as mesmas garantias. Porém, apresunção de paternidade somente pode seraplicada às famílias formais (casamento) e, porquestões práticas, não pode ser aplicada àsfamílias informais.

A doutrina brasileira traz duas sugestõessobre este questionamento: ou se retira doordenamento a presunção de paternidade e secria outra forma de definição presumida defiliação (por exemplo, paternidade presumidapela indicação da mãe), ou se cria ummecanismo para aplicar a presunção depaternidade para todas as formas de família.

4.3 GESTAÇÃO EM ÚTERO ALHEIO

Com o avanço da medicina e apossibilidade de diagnósticos cada vez maisdetalhados e confiáveis, tornou-se muito maisseguro avaliar os riscos e possibilidade desucesso de uma gestação humana.

Por este fato, muitos casais que se viamna difícil situação de gestar um filho por contaprópria agora podem se valer de mais umainovação contemporânea: a gestação em úteroalheio.

Farias e Rosenvald (2010, p. 482) definema gestação em útero alheio como:

[...] a técnica utilizada pela CiênciaMédica para permitir que uma paciente,biologicamente impossibilitada de gestarou de levar a gravidez até o final, possater um filho – resultante de fecundaçãocom o seu óvulo – gestado em útero deterceira pessoa.

No Brasil, a gestação em útero alheio oumaternidade por substituição é regulamentadacomo um procedimento médico através daResolução do Conselho Federal de Medicinan.º 1.358/1992, resolução esta que dispõetambém das técnicas de reprodução assistida(procriação artificial).

Segundo a Resolução n.º 1.358/1992, estatécnica somente será utilizada quando exista umproblema médico que impeça ou contraindiquea gestação da mulher requerente, conformetranscrição abaixo:

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DESUBSTITUIÇÃO(DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)As Clínicas, Centros ou Serviços deReprodução Humana podem usartécnicas de RA para criarem a situaçãoidentificada como gestação desubstituição, desde que exista umproblema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.1 - As doadoras temporárias do úterodevem pertencer à família da doadora

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genética, num parentesco até o segundograu, sendo os demais casos sujeitos àautorização do Conselho Regional deMedicina.2 - A doação temporária do útero nãopoderá ter caráter lucrativo ou comercial.

Em que pese existir uma Resolução doConselho Federal de Medicina regulamentandoo tema, não existe legislação material no Brasil.Assim, uma mulher que é casada e doa o seuútero para outro, poderá, após o parto, registrara criança em seu nome e do seu marido, mesmoque o marido não queira isso e mesmo contra avontade daquela mulher que se utilizou do seuútero.

Desta feita, a presunção de paternidadepoderá apresentar efeito não esperado, poisnão estará respeitando a vontade das partese, tampouco, os direitos da criança.

4.4 FAMÍLIA HOMOAFETIVA

Um outro desafio para o instituto dapresunção de paternidade diz respeito àsfamílias homoafetivas, uma vez que o casalpoderá adotar uma criança ou utilizar as técnicasde procriação artificial (gestação em úteroalheio, inseminação artificial ou fertilização naproveta, que é a fertilização in vitro – FIV).

Neste caso a própria filiação encontrarádificuldade, pois a maioria dos ordenamentosjurídicos regulamente a filiação usual (pai emãe), modelo este que pode não ser aplicadoàs famílias homoafetivas.

E mais: como se pensar em um pai ou emsua presunção quando o casal é formado porduas mulheres? Ou até mesmo por doishomens? Qual deles será o pai? A própriaconstrução milenar do binômio (homem/mulhere pai/mãe) deverá ser revisto.

É evidente que o instituto da presunçãode paternidade não foi pensado nas famíliashomoafetivas, mas é evidente também que estasfamílias merecem o mesmo tratamento jurídico,ou seja, os filhos que advirem desta forma defamília também poderão se valer de um institutosemelhante ao da presunção.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo deixa claro que oinstituto da presunção de paternidade necessitaser revisto, pois a hipótese de sua aplicaçãodeixou de ser o fato normal e corriqueiro, naverdade a família formada pelo casamento

divide o espaço de forma um tanto isonômicacom as outras famílias.

Existem situações em que a aplicação doinstituto da presunção de paternidade nãooferece a resposta de paternidade real(gestação em útero alheio e procriação artificial)e ainda existem hipóteses em que o instituto nãoserá aplicado (famílias homoafetivas e uniãoestável).

Conclui-se ainda que será muito difícilmanter o instituto da presunção de paternidadeda forma pela qual ele é regulamentado pelamaioria dos ordenamentos jurídicos, pois como passar dos anos novos métodos de procriaçãosurgirão e tornarão mais árdua ainda a tarefada utilização da presunção de paternidade.

Alguns ordenamentos jurídicos jáapresentam soluções muito mais práticas elógicas para substituírem a presunção depaternidade, sendo que a Bolívia já incluiu emsua constituição uma alternativa prática esimples: a presunção de filiação se dá pelaindicação de qualquer um dos pais, conformese verifica da redação abaixo:

Artículo 65.En virtud del interés superior de las niñas,niños y adolescentes y de su derecho ala identidad, la presunción de filiación sehará valer por indicación de la madre o elpadre. Esta presunción será válida salvoprueba en contrario a cargo de quienniegue la filiación. En caso de que laprueba niegue la presunción, los gastosincurridos corresponderán a quien hayaindicado la filiación.

A norma acima exposta é muito maissimples e ao mesmo tempo mais completa doque a presunção de paternidade, pois abrangea filiação em seu todo e se aplica aos própriosinteressados, devendo aqueles que seopuserem apresentar as contestações jurídicasque entenderem.

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RESUMO

A conquista da proteção jurídica da mulher, nalegislação brasileira, foi escrita em longos anose por diversas fases pelas quais passou.Inicialmente, da condição de submissão, ora aospais, ora aos maridos, detentores do pátrio poderou do poder marital; de ser inferior erelativamente incapaz, desde o descobrimentodo Brasil até sua mais valiosa vitória com a LeiMaria da Penha. Esse período foi entremeadopelas progressivas conquistas, como o direitode voto em 1932; ao trabalho remunerado semdepender da autorização do marido e a condiçãode agente capaz com o Estatuto da MulherCasada; a possibilidade do desfazimento dovínculo conjugal com a Lei do Divórcio; o grandemarco da conquista da igualdade entre homense mulher defendida pela Constituição Federalde 1988; o Código Civil de 2002 até a publicaçãoda Lei n.º 11.340, Lei Maria da Penha, com oescopo de coibir a violência doméstica e familiarcontra a mulher, seja esta física, psicológica,sexual, patrimonial ou moral, com medidasefetivas de punição ao agressor. Este estudoanalisa a trajetória jurídica dos direitos damulher no Brasil desde as Ordenações do Reinoà Lei Maria da Penha. Tem objetivo mostrar que,apesar da árdua luta pelo reconhecimento deseu direitos e a edição das várias leis referidas,ainda está culturalmente arraigada no país adesigualdade entre homens e mulheres aexemplo da diferença dos salários pagos aambos nas mesmas funções, além da existênciade, ainda hoje, homens cultivando a “autoridademasculina” no âmbito familiar e, por esta razão,sentindo-se, também, “autorizados” a empregara violência, em todas as suas formas, contra amulher. A metodologia utilizada foi bibliográfica,com estudos de tratados e convenções.

Palavras-chave: mulher, direitos, leis.

A TRAJETÓRIA JURÍDICA DOS DIREITOS DA MULHER NO BRASIL:das Ordenações do Reino à Lei Maria da Penha

Janaína Silveira Castro 1

Silvana Maria de Carvalho Mendes2

ABSTRACTTHE LEGAL HISTORY OF WOMEN’S RIGHTIN BRAZIL: from the Ordinances of theKingdom to Maria da Penha Law

The conquest of the legal protection of women,in the Brazilian law, was written in many years andthrough several phases. Initially from the conditionof submission, either by their fathers, or by theirhusbands, holders of parental rights or the maritalpower; from an inferior and relatively incapablebeing, since the discovery of Brazil to their mostvaluable victory with the Maria da Penha Law.That period was punctuated by progressiveachievements such as the right to vote in 1932;the paid work irrespective of the husband’spermission; the condition of a capable agent withthe Statute of Married Woman; the possibility ofundoing the marriage bond with the Divorce Law;the great milestone of achieving equality betweenmen and women defended by the 1988 FederalConstitution, under the 2002 Civil Code until thepublication of Law 11.340, Maria da Penha Law,aiming at restraining domestic and family violenceagainst woman, whether physical, psychological,sexual, patrimonial or moral, with effectivemeasures to punish the aggressor. The problemof the study was an analysis of how the legalhistory of women’s right in Brazil from theOrdinances of the Kingdom to Maria da PenhaLaw occurred. The aim was to show that despitethe hard struggle for the recognition of their rightsand the editing of several laws, the inequalitybetween men and women is still culturally rootedin the country, such as, the difference in thesalaries paid to both in the same positions, besidesthe existence of, even today, men cultivating the“male authority” in the family, feeling “authorized”to use violence in all its forms against the woman.The methodology used was bibliographic, withstudies of treaties and conventions.

Keywords: woman; rights, laws.

1 Bacharela em Direito. Professora da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Especialista em Docência doEnsino Superior e Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Ibituruna de Montes Claros e emDireito e Processo Penal pela Universidade Gama Filho.

2 Advogada. Professora da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Especialista em Direito Administrativo eDocência e Metodologia do Ensino Jurídico pelas Faculdades Santo Agostinho. Graduada em Letras – Portu-guês/Francês pela Unimontes.

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1 Introdução

Este artigo se propõe a apresentar umhistórico da proteção jurídica da mulher nalegislação brasileira, ressaltando sua condiçãode submissão, de inferioridade, de pessoarelativamente incapaz, sem direito costumeiro oupositivado, desde o descobrimento do Brasil atésua mais valiosa vitória com a Lei Maria da Penha.Esse histórico apresenta-se entremeado pelasprogressivas conquistas com o Estatuto daMulher Casada, a Lei do Divórcio, a ConstituiçãoFederal de 1988 e o Código Civil de 2002. Oobjetivo é mostrar quão árdua foi a luta peloreconhecimento de seu direitos e demonstrarque, mesmo com a existência de leis tutelandoseus direitos, ainda está culturalmente arraigadano país a desigualdade entre homens emulheres.

Desde a criação do mundo, a mulhernunca ocupou papel relevante em qualquercontexto, muito menos foi possuidora de direitosque tutelassem seus interesses. Seu papelsempre foi secundário e este fato fica evidentejá na concepção religiosa judia de sua origem,uma vez que é criada a partir de uma costelado homem. Foi necessária a cessão de umapequena parte da estrutura óssea de Adão, umacostela, para que a mulher pudesse existir,ficando demonstrada a superioridade do homeme a dependência da mulher a ele.

18 O Senhor Deus disse: “não é bomque o homem esteja só; vou dar-lhe umaajuda adequada.”21 Então o Senhor Deus mandou aohomem um profundo sono; e enquantoele dormia, tomou-lhe uma costela efechou com carne o seu lugar. 22 E dacostela que tinha tomado do homem, oSenhor Deus fez uma mulher, e a levoupara junto do homem. (Gn 2, 18.21-22).

2 A trajetória jurídica dos direitos damulher no Brasil

Na Antiguidade, prevalece essa situaçãode inferioridade, de dependência e a nãoexistência de direitos para a mulher. Nessaépoca, as regras de Direito, religião e moralestavam entrelaçadas, não havia divisão entreestes institutos e o poder era centrado nas mãosdos reis e na religião. As leis eram costumeirase só posteriormente passaram a ser escritas e,em sua grande maioria, com forte base religiosa.Nelas não há direitos para as mulheres, mas,ao contrário, deveres diversos.

A ideia de família extrapolava a questãoda consanguinidade. O parentesco, segundoCardoso (1995), era “oriundo do totem”, espéciede deus. Era em razão desse deus que aspessoas se mantinham unidas, criando umafamília ampla e esta, por sua vez, criava suaspróprias leis baseadas em suas crenças,costumes e tradições.

Aos poucos, a concepção de família foi selimitando à consanguinidade e à família formadapelo casamento, mas, nessa formação, a mulhernão tinha direito de escolha, muito menos demanifestar-se.

As esposas, inicialmente, eram raptadas,depois passaram a ser efetivamentecompradas. Posteriormente, as mulherespassaram a ser desposadas mediante“oferecimento” do dote, mas, em todas asformas de constituição, o marido detinha o podersobre a mulher. Na verdade, o marido era seututor.

Havia também a família natural, ilegítima,originada de uma relação não advinda docasamento.

Quando do descobrimento do Brasil porPortugal, a formação familiar aqui encontradaera marcada pela poligamia. Segundo Wolkmer(2008), os caciques tinham várias mulheres eisto lhes proporcionava autoridade, prestígio eriqueza gerada pelo trabalho de suas mulheres.

Wolkmer (2008) completa que oscolonizadores, através dos jesuítas, alterarama estrutura de vida na Colônia ao procuraremincutir os valores cristãos e ao tentaremerradicar as famílias amplas, restringindo-as àconsanguinidade ou às constituídas pelocasamento. As orientações dos jesuítas eramno sentido de reduzir, ao máximo, o número defamílias habitando o mesmo espaço físico, comoforma de combater o adultério, a infidelidade,as relações entre parentes e as relações quenão fossem advindas do casamento. Asmulheres solteiras eram dirigidas e vigiadasdurante o dia e trancadas à noite.

Os portugueses não só traçaram os rumosda vida na Colônia, como impuseram as leis e oDireito a serem aplicados no Brasil e, para tanto,desconsideraram os costumes indígenas,submetendo-os às leis portuguesas.

Assim, o Direito brasileiro não foi resultadoda evolução gradual, decorrente dasexperiências do povo. Ao contrário, foi impostopelos colonizadores que, após o fracasso dosistema de capitanias, no qual cada donatáriopossuía poderes semelhantes aos senhoresfeudais (administrador, legislador e juiz),

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começaram a aplicar as Ordenações do Reino– grandes compilações das leis gerais aplicadasem Portugal: Ordenações Afonsinas (1446),Ordenações Manuelinas (1521), OrdenaçõesFilipinas (1603). Entretanto, os assuntos afetosàs questões de família eram disciplinados pelodireito canônico (AMARAL, 2003, p. 127).

Do Brasil Colônia até o Império, o Direitoque prevaleceu foi o das Ordenações do Reinoe o Direito Canônico, este por intermediaçãoda Igreja e com forte influência e predominânciasobre a vida. O Direito Canônico “regulava avida privada das pessoas desde o nascimentoà morte, conferindo a seus atos caráter oficial.”(LÔBO, 2009, p. 22).

Mas, nas Ordenações, como afirmaAzevedo (2007), prevaleciam os privilégiosmasculinos. O marido tinha o direito de não sóaplicar castigos físicos à mulher quanto o direitode tirar-lhe a vida, como forma de punição emcaso de adultério, ficando isento de qualquerpunição por esse ato.

Conforme Venosa (2007), a Constituiçãoda República Imperial de 1824 utilizou-se doinstituto da recepção (adoção em bloco de umsistema jurídico de fora por um povo), mandandoaplicar as ordenações Filipinas como DireitoPositivo aplicável no Brasil, até que se tornassepossível a elaboração de um Código Civil.Mesmo diante do latente desejo de se libertardefinitivamente do jugo português, abolindo ovínculo com a sua legislação e construir aprópria história de forma independente, dadeterminação do art. 179, XVIII, de elaboraçãodo Código Civil, até a sua efetivação,decorreram noventa e dois anos.

Cardoso (1995) enfatiza que o processode codificação visava à unificação euniformização das leis relativas à determinadamatéria. A Lei das Sete Partidas, criada naEspanha, mas utilizada primeiramente emPortugal, marcou efetivamente o início dasgrandes codificações. Seu apogeu foialcançado em 1804, com o Código CivilFrancês, conhecido como Código de Napoleão,tendo como fonte o Direito Romano, o direitocostumeiro e o Direito Canônico.

Em 1900, também tendo como fonte oDireito Romano, o Código Civil Alemão surgecomo outro grande destaque na história dacodificação civil. Para Sánchez-Lauro “[…] perosin llegar al impacto que había tenido el francés”.

[...] cada código es una única ley general,homogénea y completa, formada por unsistema de preceptos orgánicamente

interrelacionados. El código parte deunos principios generales y tiende a crearracionalmente un Derecho nuevo alregular clara y concisamente unadeterminada rama del Derecho (civil,mercantil, penal procesal...), dentro deuna unidad de criterio y de tiempo.(SÁNCHEZ-LAURO, 2009, p. 2).

A elaboração do Código Civil brasileiropassou inicialmente pelo processo deconsolidação “uniformização de leis esparsasde um Direito já existente, nem sempre uniformese por vezes aumentadas com alguma coisanova.” (CARDOSO, 1995, p. 453), cabendo estamissão a Teixeira de Freitas, considerado omaior jurista brasileiro.

Seu trabalho foi de tal qualidade egrandiosidade jurídica que influenciou de formacontundente não só a codificação civil do Brasilcomo a da Argentina, Uruguai e Chile. Freitaselaborou a Consolidação das Leis Civis (1858)e, posteriormente, o Esboço de Código Civil(1865), obras de grandes destaques erelevância para a época, e também de grandeimportância, nos presentes dias, para osestudiosos do Direito.

Sílvio Meira (1983), estudioso da vida eobra de Teixeira de Freitas, afirma que paraFreitas, os direitos existem em função daspessoas e que o direito à liberdade deve norteartodos os demais. Ressalta o ideal de liberdadedo jurista:

Seu espírito independente levou-o a umacendrado amor pela liberdade, que serevela em vários passos de sua obra,abolindo a prisão por dívidas, repelindo amorte civil, excluindo a escravidão daConsolidação para incluí-la num CódigoNegro, à parte. (MEIRA, 1983, p. 235)

Destaca, ainda, que Teixeira de Freitas“embora fervoroso católico bateu-se pelatolerância religiosa” (MEIRA, 1983, p. 235),defendeu a liberdade de culto ao estabelecerque não fossem aplicadas as leis estrangeiras,quando se opusessem à tolerância dos cultos.Mas, a liberdade defendida por Teixeira deFreitas não fazia ressalva aos direitos damulher. Ao contrário, permanecia o podermarital. O marido era “o cabeça do casal”, quemdetinha o poder de mando sobre a família.

Marques e Melo bem comentam acondição feminina, ressaltando que aConstituição de 1824 impedia a mulher de votar,colocando-a na mesma condição dos dementes

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e dos analfabetos. E completam a linha deraciocínio dizendo que se podiam identificar noBrasil as seguintes categorias de pessoas:

[...] os homens livres, capazes de realizaratos jurídicos e gozar de direitos plenos,as mulheres livres, porém relativamenteincapazes de exercer certos direitos civisse fossem casadas, e homens emulheres escravos, desprovidos dedireitos civis. Havia entre nós, portanto,seres menos humanos: os escravos eas mulheres casadas.

Do projeto inicial de Teixeira de Freitasseguiram-se vários outros até que, em 1916,foi publicada a Lei 3.071, Código Civil de 1916,originada do projeto de Clovis Beviláqua queem muito resguardou o Esboço de Teixeira deFreitas, principalmente nas limitações aosdireitos da mulher.

O Brasil, como diversas outras nações,utilizou como fonte de inspiração e modelo oCódigo Civil Francês e em menor proporção oCódigo Civil Alemão.

Para Marques e Melo, o Código Civilfrancês

À parte de ter representado um avançoinstitucional importante na classificaçãodos direitos civis dos cidadãos,fundamentados nos princípios doliberalismo político da Revolução:liberdade, igualdade e supressão deprivilégios, o código civil francêsperpetuou a situação de inferioridade damulher no casamento.

O Código Civil brasileiro de 1916 bemretratou as características e as ideias dasociedade colonial, refletindo os interessespolíticos, econômicos e sociais da classedominante.

À época, as famílias ainda eramnumerosas, formadas com foco nos interessespatrimoniais, na procriação, na perpetuação ena manutenção econômica. Prevalece opatriarcalismo, o poder marital e o pátrio poder,marcando a autoridade do ascendentemasculino mais velho, o patriarca, sobre o clãe, por consequência natural, do marido sobre amulher e os filhos.

A mulher, quando não dependente dopoder paterno, ficava subjugada ao poder domarido que, de acordo com o Código Civil, eraquem definia o domicílio da família, administravaos bens do casal, além de ser o detentor doarbítrio da concessão ou não de autorização

para que a esposa trabalhasse fora de casaem atividade remunerada. Essa autorização, noentanto, poderia ser cassada a qualquermomento. Impedia, ainda, o Código Civil, que amulher aceitasse ou renunciasse herança oudemandasse em juízo sem autorização domarido. Tais limitações enquadravam a mulhercomo pessoa relativamente incapaz (MARQUES;MELO).

Nenhuma proteção foi dada às famíliasnaturais ou ilegítimas, ou seja, aquelasconstituídas sem a formalidade legal docasamento, mas que eram realidade no país.Essa forma de união denominada deconcubinato não tinha proteção do Direito deFamília e, sim, no Direito Obrigacional. Por isso,era conhecida também como Sociedade de Fato(FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 443). Àsmulheres, pejorativamente designadas comoconcubinas, restava apenas viver à margem dasociedade “legal”, efetivamente preconceituosa.Até mesmo os filhos advindos das uniões nãodecorrentes do casamento, chamados de filhosilegítimos, não recebiam da lei a mesmaproteção dos filhos legítimos.

Do Código Civil de 1916 até a o Estatutoda Mulher Casada, Lei n.º 4.121, de 27 deagosto de 1962, apesar dos movimentos embusca da liberdade e igualdade de direitos, ogrande avanço efetivo para os direitos da mulherfoi em 1932 com a promulgação do CódigoEleitoral pelo Presidente Getúlio Vargas. OCódigo Eleitoral referido passou a permitir odireito de voto às mulheres alfabetizadas(MARQUES, MELO). E somente trinta anosdepois desta primeira conquista é que seconhece efetivamente um marco relevante paraos direitos da mulher, com o Estatuto da MulherCasada.

O Estatuto traz ganhos consideráveis paraa mulher, principalmente ao retirar dela acondição de relativamente incapaz, o que lhepermitiu a liberdade de opção para exerceratividade remunerada. Esse fato, porconsequência, abre espaço para que a mulhercomece a ter um papel de maior relevância noâmbito familiar, já que sua independênciafinanceira a torna menos submissa ao marido.

Fato é que, mesmo representando grandemarco de conquistas para o direito da mulher, oEstatuto da Mulher Casada não foi capaz deeliminar todas as desigualdades. O homemainda continuou como detentor do pátrio poder,passando a mulher apenas à condição de suacolaboradora. A mulher ganha o direito à guardados filhos após o desquite, mesmo que tivesse

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sido considerada culpada. A fixação do domicíliofamiliar continuou a cargo do homem, mas casoa mulher se sentisse prejudicada pela opçãodo marido, já podia recorrer ao Judiciário.Permitiu o Estatuto que a mulher pudesse serusufrutuária de parte dos bens deixados pelomarido falecido, bem como o direito real dehabitação.

Em 1977, a Lei 6.515 – Lei do Divórcio –foi outro avanço para os direitos da mulherporque permitiu o rompimento do vínculoconjugal e a possibilidade de constituição denovo matrimônio, já que o desquite de até entãodissolvia o matrimônio, mas não o vínculo e, poressa razão, as mulheres desquitadas oupermaneciam sozinhas o resto de suas vidasou, se formassem novas uniões, teriam queviver na condição de concubina. Com essa Lei,foi facultada à mulher a utilização ou não dopatronímico do marido. Em relação aoschamados filhos ilegítimos, reconhece a eles osmesmos direitos sucessórios dos demais filhos.

Leis outras foram surgindo em defesa dosinteresses e direitos da mulher, mas aConstituição Brasileira de 1988 (CF/88) foi que,definitivamente, reconheceu a igualdade dedireitos e deveres entre homens e mulheres.

O modelo de família patriarcal predominanteda época colonial até parte do século XX perdeforça e os novos valores e princípios trazidos pelaCF/88 jogam por terra o modelo até então vigentepara apresentar a família afetiva. O novo modelode família é retratado por Lôbo nestes termos:“Assim, enquanto houver affectio haverá família,unida por laços de liberdade, e desde queconsolidada na simetria, na colaboração, nacomunhão de vida.” (2009, p. 1).

Gonçalves (2005, p. 17) também destacaa importância do vínculo afetivo, da dignidadeda pessoa humana trazidos pela Constituição de1988, apontando que três eixos básicos geraramuma verdadeira revolução para o Direito deFamília. O primeiro deles foi a admissão dasvárias formas de constituição da família; osegundo, a igualdade entre os filhos e aeliminação de qualquer referência discriminatóriaem razão de serem frutos ou não do casamento;e o terceiro eixo, que se considera ter sido agrande revolução, refere-se à igualdade entrehomem e mulher.

A CF/88, no Título II – tratando dos Direitose Garantias Fundamentais – traz no inciso I doartigo 5.º, de modo geral, a igualdade entrehomens e mulheres em direitos e obrigações.

Nos artigos 226 a 230 do Capítulo VII daCF/88 – tópico que cuida da “Família, da

Criança, do Adolescente e do Idoso” –encontram-se disciplinadas as relevantesalterações em relação ao sistema até entãovigente. Dentre elas, o reconhecimento daentidade familiar que não tenha origem nocasamento, denominando-a de União Estável(art. 226, § 3.º) e a determinação específica deque homens e mulheres terão igualitariamenteos mesmos direitos e deveres em relação àsociedade conjugal (art. 226, § 5. º). Tambémcontempla aos filhos, frutos ou não do casamentoe aos adotados, as mesmas garantias legais,proibindo qualquer designação discriminatóriaa respeito da origem (art. 227, § 6.º); ratifica aigualdade entre homem e mulher na sociedadeconjugal ao afirmar que os pais têm o dever deassistir, criar e educar os filhos, instituindo opoder familiar em substituição ao pátrio poder(art. 229).

Tantas e significativas foram as alteraçõestrazidas pela Constituição de 1988 que se tornouimpossível tratar de questões relativas ao Direitode Família utilizando-se apenas do Código Civilde 1916. Esse pensamento é defendido por Diasnos seguintes termos:

O Direito Civil constitucionalizou-se, afas-tando-se da concepção individualista, tra-dicional e conservadora-elitista da épo-ca das codificações do século passado.Agora, qualquer norma jurídica de direitodas famílias exige a presença de funda-mento de validade constitucional. Essaé a nova tábua de valores da Constitui-ção Federal, especialmente no tocanteà igualdade de tratamento dos cônjuges(DIAS, 2009, p. 36).

O Código Civil de 2002, de acordo com agrande maioria dos doutrinadores, nasceu velhoporque o tempo gasto na elaboração do projeto,na sua tramitação até a aprovação, demandoua aprovação de diversas leis especiais e aprópria Constituição Federal antecipou, emmuito, os regramentos que viriam sercontemplados no Código Civil.

Outras leis especiais foram sancionadasapós o Código Civil 2002 relativas ao Direito deFamília, mas nenhuma de tamanha importânciaao direito da mulher como a Lei n.º 11.340, de 7de agosto de 2006, também conhecida comoLei Maria da Penha.

Esta Lei tem como escopo coibir a violênciadoméstica e familiar contra a mulher e, paratanto, traz em seu corpo inovações de granderelevância ao estabelecer as formas da violênciaseja esta física, psicológica, sexual, patrimonial

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e moral, esclarecendo que os direitos tuteladosindependem da orientação sexual. A Lei alterao Código de Processo Penal de forma a permitirao Juiz a decretação da prisão preventiva,quando houver riscos à integridade física oupsicológica da mulher, permitindo, inclusive,decretação da prisão em flagrante pelaautoridade policial diante de qualquer dasformas de violência. Proíbe a estipulação depenas pecuniárias e que a mulher somentepossa renunciar à denúncia perante o Juiz.Determina a criação de Juizados Especiais deViolência Doméstica com competência criminale cível para abranger questões de pensão,separação guarda de filho e medidas protetivasde urgência, como o afastamento imediato doagressor do lar.

Foi necessária a aprovação da Lei Mariada Penha, com comandos mais rígidos, paratentar impedir que o homem, mesmo com todaevolução social e evolução das leis, continuassea sentir-se “autorizado”, como na época do BrasilColônia e Império, pelas Ordenações do Reinoa aplicar castigos físicos à mulher.

A história de proteção à mulher contra aviolência doméstica até o advento da Lei Mariada Penha percorreu uma longa e sofridatrajetória.

Segundo a entidade Ações em GêneroCidadania e Desenvolvimento (AGENDE)(2004), em nove de junho de 1994, a AssembleiaGeral da Organização dos Estados Americanos(OEA), ciente da necessidade de abolir aviolência contra a mulher, adota a ConvençãoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicara Violência contra a Mulher – Convenção deBelém do Pará, que fora aprovada pelo Brasilatravés do Decreto Legislativo n.º 107, deprimeiro de setembro de 1995 e ratificada pelopaís em 27 de novembro de 1995.

O artigo 1.º da Convenção traz em seucorpo a definição do que se considera violência:

[...] para os efeitos desta Convenção,entender-se-á por violência contra amulher qualquer ato ou conduta baseadano gênero, que cause morte, dano ousofrimento físico, sexual ou psicológicoà mulher, tanto na esfera pública comona esfera privada.

Esclarece a publicação que a partir daratificação da Convenção de Belém do Pará peloEstado brasileiro, o país passou a contar comum dispositivo legal internacional de proteção àmulher em relação à violência de qualquernatureza, ficando todos os Estados participantes

da Convenção obrigados a cumprir com osdeveres de proteção à mulher, dentre eles:“Tomar todas as medidas adequadas, inclusivelegislativas, para modificar ou abolir leis eregulamentos vigentes ou modificar práticasjurídicas ou consuetudinárias que respaldem apersistência e a tolerância da violência contra amulher.” (OEA, 1994, p. 14).

O artigo 12 da Convenção estabelece apossibilidade de se apresentar petições dedenúncias de violações de seus artigos ante aComissão Interamericana de Direitos Humanos,órgão da OEA.

As petições, para serem aceitas, devemobedecer a critérios previamente estabelecidos,dentre eles: tratar-se de um caso concreto deviolência contra a mulher e demora injustificadados Tribunais locais em emitirem uma decisãopara o caso. E foi justamente pela demora dosTribunais brasileiros que, em 1998, o Centro paraa Justiça e o Direito Internacional (CEJIL-Brasil),o Comitê Latino-Americano do Caribe para adefesa dos Direitos da Mulher (CLADEM-Brasil)e Maria da Penha Maia Fernandes peticionaramperante a Comissão Interamericana de DireitosHumanos da OEA em favor da vítima, cabendo àComissão o julgamento do Estado brasileiro pelodescumprimento do pactuado na ConvençãoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicara Violência contra a Mulher – Convenção deBelém do Pará.

A situação de violência vivida e denunciadafoi a seguinte: segundo a AGENDE e o Relatórion.º 54, de 2001, da Comissão Interamericanade Direitos Humanos da OEA, desde o início docasamento de Maria da Penha com ocolombiano Marco Antônio Heredia Viveiro, asagressões e ameaças foram constantes.Intimidada pelo marido, Maria da Penha nãotinha coragem de pedir a separação. Em 29 demaio de 1983, o marido de Maria da Penhaatentou contra sua vida, atirando em suas costasenquanto ela dormia, deixando-a paraplégica.O Sr. Heredia Viveiro tentou esconder o fato,afirmando para a polícia que tinha sido umatentativa de roubo.

Duas semanas após a primeira tentativade homicídio, o marido de Maria da Penhatentou eletrocutá-la durante o banho e, só diantede mais essa violência, Maria da Penha decidiuseparar-se do marido.

Ficou provada, pelo depoimento dastestemunhas, a intenção premeditada do Sr.Heredia Viveiro em eliminar sua esposa.Primeiro, tentou convencê-la a fazer um segurode vida em que figuraria como beneficiário e,

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cinco dias antes, a obrigou a assinar em brancoo documento de venda de seu carro.

A culpa do marido estava mais do queevidente, no entanto, quando da denúncia docaso à OEA, já haviam se passados quinze anossem que houvesse condenação do agressor,ainda em liberdade. Foi alegando tolerância daviolência doméstica pelo Estado brasileiro pornão ter adotado, durante tanto tempo, medidaspara processar e punir o Sr. Heredia Viveiro queo Brasil foi denunciado.

A Comissão Interamericana de DireitosHumanos se manifestou sobre o caso:

[...] a Comissão considera convenientelembrar aqui o fato inconteste de que ajustiça brasileira esteve mais de 15 anossem proferir sentença definitiva nestecaso e de que o processo se encontra,desde 1997, à espera da decisão dosegundo recurso de apelação perante otribunal de Justiça do Estado do Ceará.A esse respeito, a Comissão considera,ademais, que houve atraso injustificadona tramitação da denúncia, atraso quese agrava pelo fato de que pode acarretara prescrição do delito e, por conseguinte,a impunidade definitiva do perpetrador ea impossibilidade de ressarcimento davítima [...] (Relatório n.º 54/01, Caso12.051, 2001).

Ressalta a AGENDE (2004) que o Estadobrasileiro não respondeu à denúncia perante aComissão que, no ano de 2001, em seuRelatório n.º 54, de 2001, o responsabilizou pornegligência, omissão e tolerância em relação àviolência doméstica contra as mulheres, fazendoalgumas recomendações, dentre elas afinalização do processo, a reparação civil peloEstado brasileiro por sua morosidade e adoçãode políticas públicas voltadas à prevenção,punição e erradicação da violência contra amulher.

O caso Maria da Penha foi pioneiro naaplicação da Convenção de Belém do Pará. Autilização deste instrumento internacional deproteção aos Direitos Humanos das mulheres,através da petição à Comissão Interamericanade Direitos Humanos da OEA contra o Estadobrasileiro, foi decisiva para que o processo fosseconcluído dezenove anos e seis meses apósseu início no Brasil, com a prisão do agressorem outubro de 2002, quase vinte anos após ocrime, poucos meses antes da prescrição.

Ao mesmo tempo em que se pode avaliaro resultado positivo e força dos TratadosInternacionais, como no caso Maria da Penha,

avalia-se o desrespeito à Constituição Federalde 1988 que já estabelecia a proteção doEstado à família e às pessoas que a integram:

Art. 226. A família, base da sociedade,tem especial proteção do Estado.[...]§ 8.º O Estado assegurará a assistênciaà família na pessoa de cada um dos quea integram, criando mecanismos paracoibir a violência no âmbito de suasrelações.

Diante de tamanho descaso e omissãodispensados à violência contra a mulher,especialmente no caso Maria da Penha, comrepercussão em âmbito internacionalextremamente vergonhosa para o país, foisancionada a Lei n.º 11.340, em 7 de agosto de2006, também conhecida como Lei Maria daPenha, em homenagem à protagonista de umadas mais terríveis histórias de violência.

A Lei Maria da Penha traz em sua ementaos seguintes dizeres:

Cria mecanismos para coibir a violênciadoméstica e familiar contra a mulher, nostermos do § 8.º do art. 226 daConstituição Federal, da Convençãosobre a Eliminação de Todas as Formasde Discriminação contra as Mulheres eda Convenção Interamericana paraPrevenir, Punir e Erradicar a Violênciacontra a Mulher; dispõe sobre a criaçãodos Juizados de Violência Doméstica eFamiliar contra a Mulher; altera o Códigode Processo Penal, o Código Penal e aLei de Execução Penal; e dá outrasprovidências.

Conforme se infere do preâmbulo acimacitado, esta Lei pretende propiciar mecanismoseficazes para acabar com a violência familiar,em especial contra a mulher.

3 Considerações Finais

A história da trajetória jurídica da mulherno Brasil, na conquista de seus direitos, foimarcada por longos anos e por diversas fases,passando da inércia até as grandesmobilizações dos movimentos feministasintensificados a partir dos anos 80 do século20.

Com a influência da cultura doscolonizadores portugueses, as mulheresbrasileiras comportaram-se como seres semvontade própria, dominadas ora pelos pais, ora

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pelos maridos, consideradas como pessoasrelativamente incapazes, sem direito de votar,sempre à margem das decisões de qualquernatureza, até mesmo quanto a temas familiares.Era o homem, o seu amo e senhor, quemdetinha o poder marital, o pátrio poder, o poderde administração do patrimônio do casal, aindaque a formação deste patrimônio fossecomposto por bens da mulher. Cabia ao homemdar autorização para que a mulher trabalhassefora do lar e a seu bel prazer cassá-la quandojulgasse conveniente.

O primeiro Código Civil brasileiro, de 1916,trouxe os valores sociais e culturalmente aceitosà época de total subordinação da mulher aohomem.

Em 1962, o Estatuto da Mulher Casadacomeça a descortinar um novo horizonte,trazendo uma maior autonomia para a mulher edevolvendo a ela a dignidade de agente capaz.A mulher já podia optar pelo trabalhoremunerado sem depender da autorização domarido.

A Lei do Divórcio, em 1977, possibilita àmulher libertar-se definitivamente do vínculoconjugal, mas foi a Constituição Federal de 1988que, taxativamente, equiparou os direitos entrehomens e mulheres, colocando-os em posiçãode igualdade em relação aos direitos e deveres,inclusive em relação aos filhos. Reconhece aunião entre homem e mulher, união estável,como entidade familiar e contempla apenas umaúnica denominação a filhos.

Mas, a igualdade de fato não foi alcançadaem sua plenitude. Culturalmente, a sociedadeainda faz algumas distinções entre os sexos.Exemplos disso são as pesquisas comprovandoque as mulheres recebem salários menores queos dos homens nas mesmas funções e a poucarepresentatividade destas na política.

Agravante também é que, até hoje, existamhomens cultivando a “autoridade masculina”,mantendo, na convivência familiar o podermarital, o pátrio poder, mesmo que a lei jádisponha o contrário e há aqueles que sesentem “autorizados” a empregar a violência,em toda a sua amplitude, contra a mulher. Ocaso Maria da Penha é o exemplo real de comoa mulher ainda é vítima da “superioridademasculina”.

Por isso, é o destaque deste trabalho épara Lei n.º 11.340, de 7 agosto de 2006,denominada Lei Maria da Penha. Até se chegarà publicação da referida Lei, foi preciso que umamulher tivesse sido submetida ao extremo da

violência física, tentativa de homicídio, ficasseparaplégica, recorresse aos organismosinternacionais de defesa da mulher e fizesse dasua trágica história um marco na conquista deseus direitos. Ressalta Maria da Penha:

Esta lei não vem para libertar de imediatoas mulheres da opressão. Mas vem paraensinar a homens e mulheres que aindavivemos em uma sociedade desigual eque precisamos caminhar na direção deuma relação familiar mais justa,harmoniosa, fraterna e humanizada.(MASSULA, 2006, p. 2).

Seu exemplo de força e os mecanismosefetivos de proteção da Lei Maria da Penha,longe de serem a solução para asdesigualdades, servirão para encorajar outrasmulheres vítimas, de violência, a denunciaremseus agressores e lutarem por seus direitos.

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RESUMO

A explicitação do caráter fundamental do direitoao meio ambiente ecologicamente equilibradoaparece como fator importante no objetivo depreservação da vida saudável no planeta. Oconhecimento de suas principais característicasfavorece uma atuação mais eficaz no que dizrespeito à defesa ambiental e à definição demeios adequados pelos atores responsáveis.Esses, os pontos abordados neste artigo.Busca-se destacar, também, a necessidade deconjugar os princípios que ordenam a atividadeeconômica com os demais direitosfundamentais, tendo em conta a dignidade davida humana e a manutenção de sua viabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente. Direitofundamental. Características. Dignidadehumana.

ABSTRACT

The explanation of the fundamental characterof the right to an ecologically balancedenvironment appears as an important factor inorder to preserve healthy life on the planet. Theknowledge of its main characteristics assuresmore effective procedures regardingenvironmental protection and the definition ofappropriate means by responsible actors.These are the points discussed in this article. Italso aims to highlight the need to combine theprinciples that organize economic activity withthe other fundamental rights, considering thedignity of human life and the maintenance of itsviability.

KEYWORDS: Environment. FundamentalRights. Characteristics. Dignity of human.

DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTEEQUILIBRADO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Richardson Xavier Brant1

1 Apresentação do problema

Este artigo tem o objetivo principal deexplicitar a fundamentalidade do direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado e suascaracterísticas. Destaca-se o contexto social queensejou essa formulação e também anecessidade de uma exegese que harmonizeos direitos fundamentais e princípios da ordemeconômica, com o objetivo de combater umaexploração sem racionalidade e sem efetivaresponsabilidade de participação dos cidadãossoberanos.

O câmbio do nomadismo para osedentarismo, há aproximadamente dez milanos, fez com que os grupos humanosadotassem como atividades principais desubsistência a agricultura e o pastoreio. Aospoucos, foram se tornando secundárias a coletae a caça na busca da espécie de meios desobrevivência (ARCOCHA; RUBINO, 2007).

Compartilha-se com esses autores a com-preensão de que essa é a primeira modifica-ção importante na relação homem-natureza.Isso porque a intervenção em seu entorno bus-cou substituir ecossistemas naturais e suabiodiversidade pelo emprego de algumas cul-turas agrícolas. A consequência principal, comos desmatamentos e a redução gradativa dabiodiversidade, foi a significativa eliminação deespécies vivas e a alteração do equilíbrio na-tural (ARCOCHA; RUBINO, 2007).

A estabilidade de um ecossistema naturalcaracterizado pela biodiversidade encontra-secomprometida com essa intervenção, pois nãolevam em consideração os impactos e acapacidade de carga do sistema. Perdem-se,com isso, a moderação e o balanceamento dosecossistemas diversos (entropia).

1 Juiz de Direito em Minas Gerais. Professor na Faculdade de Direito Santo Agostinho. Professor no Curso deDireito da Universidade Estadual de Montes Claros. Mestre em Desenvolvimento Humano pela UniversidadeEstadual de Montes Claros. Doutorando em Direito pela Universidade de Buenos Aires.

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Esses impactos ambientais, com reflexosgraves sobre a relação da espécie humana comseu entorno natural, têm sido objeto de reflexõesimportantes, marcadamente dos anos 70 doséculo XX até presentes dias. Surge daí aimportância, neste início de século e milênio,do aprofundamento do estudo e aplicação dasmedidas que caracterizam a preservaçãoambiental.

Cuida-se, de partida, da definição dapreservação do meio ambiente como direitofundamental, com destaque para o surgimentonas primeiras convenções e tratadosinternacionais e de um catálogo de normas naatual Constituição da República de 1988.

As características do direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado sãotratadas na segunda parte do trabalho.Destacam-se a titularidade dos agentes e seucaráter indissociável em relação aos demaisdireitos fundamentais.

Compartilha-se o entendimento de que oesforço de construção de uma direito maissolidário e humano, neste limiar de século XXI,não pode prescindir:

[...] de La búsqueda de La justicia y en Laconstrucción de una lógica econômica ypolítica respetuosa del equilíbrio ecológicou del bienestar humano. También aspira apresentar una postura ética, de defensade la vida, y no vacila em manifestarindignación frente a lo que es obra demuerte (HOUTART, 2O09, p. 3).

A literatura sobre a questão ambiental tembuscado construir uma nova postura da espéciehumana acerca de sua relação com o meioambiente. Este trabalho se insere neste esforçode reflexão e diálogo, sobre a convicção forjadana defesa intransigente de que as palavras sãoas armas mais poderosas que se pode utilizarno desiderato de construir relações humanasmais justas, consequentes e harmoniosas.

2 Direito Fundamental ao Meio AmbienteEcologicamente equilibrado

No Direito brasileiro atual, o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado é garantidoconstitucionalmente. A elevação à estatura denorma constitucional do direito ao meio ambiente

sadio decorreu, principalmente, dos tratados econvenções internacionais celebrados no cenáriointernacional do pós-guerra, na segunda metadedo século XX (SILVA, 2009, p. 41).

A enunciação deste direito apareceu noPrincípio número 1 da Declaração adotada em1972, na Conferência das Nações Unidas sobreMeio Ambiente Humano, em Estocolmo (Suécia).Este é o texto daquela declaração2:

O homem tem o direito fundamental àliberdade, à igualdade e ao desfrute decondições de vida adequadas em ummeio ambiente de qualidade tal que lhepermita levar uma vida digna e gozar debem-estar, tendo a solene obrigação deproteger e melhorar o meio ambiente paraas gerações presentes e futuras. A esterespeito, as políticas que promovem ouperpetuam o apartheid, a segregaçãoracial, a discriminação, a opressãocolonial e outras formas de opressão ede dominação estrangeira sãocondenadas e devem ser eliminadas.

O caráter de fundamentalidade tem comobase a compreensão de que o direito ao am-biente ecologicamente equilibrado vincula-seao bem-estar, à qualidade de vida, à própriamanutenção de sua viabilidade. Não se tratamais, tão-somente, do ambiente como pres-suposto do direito à saúde. Essa proclama-ção é encontrada na afirmação inicial da De-claração de Estocolmo3, cujo conteúdo setranscreve:

O homem é ao mesmo tempo obra econstrutor do meio ambiente que o cer-ca, o qual lhe dá sustento material elhe oferece oportunidade para desenvol-ver-se intelectual, moral, social e espi-ritualmente. Em larga e tortuosa evolu-ção da raça humana neste planeta che-gou-se a uma etapa em que, graças àrápida aceleração da ciência e datecnologia, o homem adquiriu o poderde transformar, de inúmeras maneirase em uma escala sem precedentes,tudo que o cerca. Os dois aspectos domeio ambiente humano, o natural e oartificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos di-reitos humanos fundamentais, inclusi-ve o direito à vida mesma.

2 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em 13/01/2011>. Acessoem: 13 jan. 2011.

3 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em: 13 jan. 2011.

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A Constituição Federal da RepúblicaFederativa do Brasil, promulgada em 1988,consagra expressamente em seu artigo 225,caput, a seguinte norma matriz:

Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencial à sadiaqualidade de vida, impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para aspresentes e futuras gerações.

Mendes, Coelho e Branco, em reflexãosobre o reconhecimento de princípios relativosao meio ambiente, esclarecem acerca docontexto encontrado no Brasil deste início deséculo:

No Brasil, em que pese a nossa persis-tente condição de país periférico, emer-gente ou em vias de desenvolvimento, jávem de algum tempo a tomada de cons-ciência sobre a necessária correlaçãoentre ambiente e qualidade de vida, preo-cupação de resto refletida naconstitucionalização e na legalização daecologia, do que resultou uma nova atitu-de diante dessa problemática, tanto noplano das ações individuais quanto no dasdecisões comunitárias e no da adoçãode políticas públicas, inspiradas, todaselas, nos exemplos que nos vêm dasnações que despertaram mais cedo paraa importância e a gravidade das questõesecológicas (MENDES; COELHO; BRAN-CO, 2008, p. 1372).

Com Souza (2009, p. 83) firma-se oentendimento de que a expressão “meioambiente ecologicamente equilibrado” guardaestreita correlação com o paradigma dasustentabilidade ambiental. A enunciaçãonormativa do que seja um meio ambienteecologicamente equilibrado é compreensiva deuma racional exploração econômica dosrecursos naturais como um dever comum doPoder Público e da coletividade. Trata-se de umimperativo ético e jurídico, verdadeiro vínculoaxiológico e de compromisso com as geraçõesvindouras, a preservação sustentável dosecossistemas em que se desenvolvematividades econômicas.

A lição de Rosatti, estudioso do DireitoAmbiental na Argentina, em exame dacaracterização e reparação de danosambientais, considera exatamente o caráterfundamental que estabelece uma comunidade

e a adesão esclarecida a determinados valores:

El fundamento de La recomposiciónambiental no es un fundamento econô-mico sino moral, que expresa um sinto-ma de preocupación “meta-materialista”:es deseo de preservar un acervo “físico”,“material”, “natural” pero también “espiri-tual”, “histórico” y “cultural” que contribuyea definir nuestra “identidad” (ROSATTI,2007, p. 91).

Nessa ordem de ideias, não se podecogitar de proteção e preservação ambientalsustentável sem estabelecer a necessáriacomplementaridade entre todos os ramos daCiência Jurídica, à luz da normativaconstitucional. Destaca-se que a própriaConstituição da República de 1988 preconiza abusca de harmonia entre exploração econômicae preservação ambiental sustentável. Estapassagem bem explicita esse aspecto:

Justamente por essa razão é que se fixoucomo princípio da atividade econômicano Brasil, nos termos do art. 170, incisoV, a defesa do meio ambiente, de modoque as atividades econômicas somentecumprirão sua função social se tambémpreservarem o meio ambiente em queatuam e interagem. O desenvolvimentoeconômico não pode ocorrer divorciadoda preservação ambiental e das relaçõescom os biomas que interagem com estasatividades econômicas (SOUZA, 2009,p. 83).

A defesa do meio ambiente, sendo um dosprincípios da ordem econômica na Constituiçãoda República de 1988, tem função de diretriz, eaparece assim como norma-objetivo. Assume,nesse desiderato, caráter constitucionalconformador e justificador da reivindicação depolíticas públicas específicas que a promovam,como esclarece Grau (2004). No mesmosentido, na firme defesa de uma exploraçãocomedida e sustentável, leciona esse autor:

A Constituição, destarte, dá vigorosaresposta às correntes que propõem aexploração predatória dos recursosnaturais, abroqueladas sobre oargumento, obscurantista, segundo oqual as preocupações com a defesa domeio ambiente envolvem proposta de“retorno à barbárie” (GRAU, 2004, p. 227).

A conformação da ordem econômica, pormeio da defesa do meio ambiente ecologica-

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mente equilibrado, informa – de modo substan-cial – os princípios da garantia de desenvolvi-mento e do pleno emprego. Todos esses prin-cípios, além da objetividade que refletem nascondutas adotadas que podem causar impactoambiental, estão voltados a assegurar o fimdesta ordem: assegurar a todos existência dig-na, como se extrai de preciosa lição de Grau(2004). Constituem-se essas normas, por issomesmo, em parâmetro de justiça consagradoaxiologicamente como princípios na Constitui-ção da República.

Nesse contexto, a reparação econômicade possíveis danos causados em virtude dedegradação ambiental assume especial relevo.Isso porque a sanção econômica, a par doobjetivo de lucros das empresas, desestimulaeventuais condutas que impliquem degradaçãoambiental.

3 Características do Direito Fundamentalao Meio Ambiente Ecologicamenteequilibrado

A disciplina normativa encontrada naConstituição Federal de 1988 consagra, noCapítulo VI de seu Título VIII (Da Ordem Social),além da norma-matriz já transcrita, algumascaracterísticas do Direito ao Meio AmbienteEcologicamente equilibrado.

Em primeiro lugar, esse direito éindisponível e exige do Poder Público umaatuação preventiva e repressiva. Não se podemais interpretar esse dever de atuação comodiscricionário. Nessa ordem de ideias, lecionaMilaré (2007, p. 157) que “Não cabe, pois, àAdministração deixar de proteger e preservar omeio ambiente a pretexto de que tal não seencontra entre suas prioridades públicas.”.

Outro aspecto importante é que “o cidadãodeixa de ser mero titular (passivo) de um direitoao meio ambiente ecologicamente equilibradoe passa também a ter a titularidade de um dever”(MILARÉ, 2007, p. 157). Esse aspecto éencontrado na interpretação dos direitosfundamentais, figurando o cidadão comointérprete ativo, com deveres e direitosespecíficos, e não apenas como titular de umdireito.

Qualificado como bem de uso comum dopovo, o direito ao ambiente sadio consagra umdireito ou interesse difuso4. Isso significa que atitularidade é indeterminada, ou indeterminável,e que o gozo não se dá de forma isolada, massempre de modo compartilhado. O Código deDefesa do Consumidor, em seu art. 81, inciso I,conceitua assim os direitos difusos: “[...] ostransindividuais, de natureza indivisível, de quesejam titulares pessoas indeterminadas e ligadaspor circunstâncias de fato.”.

Sobre os interesses difusos, colhe-selúcida consideração:

Advirta-se, porém, que, embora o CDCse refira a ser uma situação fática comumentre os lesados que compartilhem omesmo interesse difuso, é evidente queessa relação fática também se subordinaa uma relação jurídica (como, de resto,ocorre com quaisquer relações fáticas ejurídicas); entretanto, no caso dosinteresses difusos, a lesão ao grupo nãodecorrerá diretamente da relação jurídicaem si, mas sim da situação fáticaresultante (MAZZILLI, 2009, p. 53).

A legitimação para agir, em se tratando deinteresses transindividuais, é concorrente. Issosignifica que qualquer pessoa, sendo afetadapor lesão ao meio ambiente, poderá propor aoJudiciário a aplicação das sanções específicas.Deverão promover esta defesa o próprio PoderPúblico, por meio de seus entes personalizados,e o Ministério Público, que tem entre suasfunções constitucionais a titularidade da açãocivil pública, conforme art. 129, inciso III daConstituição da República de 1988. Tambémtêm legitimidade as associações de proteçãoambiental, legalmente constituídas com essafinalidade ou que incluam esta entre suasfinalidades institucionais.

As obrigações previstas em lei, para defe-sa e preservação ambiental, consistem em obrasde recuperação e preservação em caso de ativi-dades degradadoras, inteligência do art. 225, §2.º, da Constituição da República. Além da san-ção civil de reparação dos danos causados, sãoprevistas na legislação infraconstitucional san-ções penais e administrativas, em obediência ao

4 Registre-se a existência de distinção quanto à denominação correta ser interesse ou direito difuso. As expressões,como se infere do exame de uso generalizado, são ambas corretas. Atente-se, porém a que Interesse significapretensão e direito caracteriza-se como pretensão amparada pela ordem jurídica vigente. Embora, no exercício dodireito de ação, possa ser reconhecida autonomia para a dedução de determinada pretensão em Juízo (interesse);nem sempre a tutela jurisdicional reconhecerá a existência de amparo à pretensão deduzida (direito).

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comando constitucional do art. 225, § 3.º, daConstituição da República.

É relevante destacar que o dever dereparação, ou de compensação, faz surgir aresponsabilidade, vinculando o devedor, outerceiro, e seu patrimônio à recomposiçãopatrimonial ou extrapatrimonial que cadasituação de lesão reclama. Precisa, nesseparticular, a seguinte lição doutrinária:

A responsabilidade é inerente àexistência de um dever jurídico. Consistenum aspecto ou conseqüência daexistência desse dever e consiste nasubmissão do sujeito a arcar com osefeitos decorrentes da ausência decumprimento espontâneo da condutadiretamente imposta a ele (ou a terceiro)como obrigatória (JUSTEN FILHO, 2009,p. 1.071).

Lorenzetti (2008), no esforço de umaformulação teórica sobre o Direito Ambiental,entende a necessidade de uma compreensãomais elaborada dos direitos fundamentaiscoletivos, sem prejuízo de manter o conteúdomínimo das garantias de bens primáriosfundamentais. Observa ele que

La noción de derechos fundamentales haestado inescindiblemente unida a lasnociones de persona y derecho subjetivo.[Desse modo], Superado el nível de lasatisfacción de los bienes primários, esnecesario encontrar um punto deconexión entre el individuo y la sociedad,entre los bienes individuales u colecivos(LORENZETTI, 2008, p. 11).

A característica de serem indissociáveis osdireitos fundamentais, sobre a imprescindívelharmonização dos conteúdos e valores queexplicitam, gera direitos e deveres e coloca limitesaos direitos individuais tradicionais, consistentesem expectativas de prestações positivas etambém de não sofrer lesões. Lorenzetti (2008,p. 12) menciona os deveres ambientais puros:positivos, como o dever de preservação dosrecursos ambientais e da biodiversidade; enegativos, consubstanciados no dever de nãocausar dano e de não poluir. Os limites postosao direito ao consumo, por exemplo, exigem umconsumo sustentável. Outro exemplo é que odireito de livre empresa limita-se pelo princípioda precaução.

A garantia de que esses conteúdos terãoefetividade somente pode ser encontrada napropositura responsável e consistente das ações

previstas na legislação, com o objetivo precípuode assegurar a reparação, ou a devidacompensação, do dano em cada situação delesão ao meio ambiente.

4 Considerações finais

A compreensão de que a existência de umacomunidade política e sua afirmação exigem docidadão uma participação consequente nadefinição e redesenho, permanente, dos valorese princípios que têm o objetivo de constituir ede manter agregado um grupo de pessoasdeliberadamente reunidas para a construção deum modo de vida próprio.

O direito ao meio ambiente ecologicamen-te equilibrado, pela importância e consequênciasque enseja, aparece como um dos valores prin-cipais no contexto atual em que há séria adver-tência sobre a exploração inadequada e semsustentabilidade dos recursos naturais.

A centralidade da dignidade da pessoahumana, a manutenção da viabilidade da vidahumana sem alteração prejudicial de suasqualidades, orientam a abordagem de umaatuação na defesa do meio ambiente que levena devida conta os interesses das geraçõesatuais e das futuras.

As propostas de desenvolvimento semconsideração a esse valor fundamental,sobretudo quando enfatizam demasiadamenteo aspecto econômico em proveito de gruposespecíficos e em detrimento de outros, devemser denunciadas como predatórias do modo devida que se escolhem e se expressam no projetode convivência justa posto na Constituição daRepública.

Por essa razão que, no estudo dascaracterísticas do direito ao meio ambiente comofundamental, aparecem – em destaque – seucaráter difuso: somente se pode usufruir essedireito se todos os demais puderem fazê-loigualmente. Esse fator serve de integração ecriação de uma solidariedade entre asgerações, presentes e futuras, mas tambémentre os grupos sociais cujos interesses seapresentam, em outros campos, contrapostos.

Destacam-se, em complemento, aimprescindibilidade de organização e articulaçãodos vários atores que podem atuarconjuntamente para identificar os casos de lesãoao meio ambiente e definir, com mais precisão,as medidas necessárias e suficientes para aproteção desejada.

Reafirma-se a crença de que as atuaisgerações de estudiosos do direito possam

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levantar a bandeira de defesa do meio ambienteequilibrado, sem descurar da busca inexcedívele inadiável de justiça social, como estandartede luta e profissão de fé que nossa situaçãohistórica inspira.

Referências

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RESUMO

O Direito Tributário é tido por muitos como umaramificação específica do Direito por cuja searapoucos transitam, militam. Paradoxalmente, é oDireito mais presente no dia a dia de todapessoa, visto que – em querendo ou não, emsabendo ou não – todas as pessoas naturais oujurídicas são contribuintes. Todos pagam tributos.Logo, nada do que acontece durante a vida daspessoas (físicas e jurídicas) está fora do abraçoda área tributária, ainda que seja para definir aimunidade ou a isenção. Por sinal, até o fato damorte é gerador de tributos, de impostos. E, nosegmento do Direito Tributário, o Imposto sobrea Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)é um dos tributos que mais chegam diretamenteao contato com o contribuinte. Por ser um impostoreal – que incide sobre a coisa; no caso, imóveisurbanos como a casa, o cômodo comercial ou olote de terreno dos quais cada pessoa éproprietária ou possuidora – não escolhe classeou poder econômico: independentemente dapessoa proprietária ou possuidora, o tributoatinge a coisa. Logo, é o imposto que, aoconhecimento de todos, atinge o maior númerode pessoas. Motivo maior de ser tratado em todasas suas especificidades em um texto científico. Eé o que o presente Capítulo pretende fazer.

ABSTRACT

Tax Law is regarded by many as an specificsubset of the Law which few study permanently.Paradoxically, is the most present Law in daily lifeof every person, because - knowingly or not - allnatural or legal persons are liable. Everyone paystaxes. Therefore, nothing that happens duringthe life of the people (and companies) is outsidethe embrace of the tax area, even if it is to definethe immunity or exemption. By the way, even thefact of death generates taxes. And in the segmentof Tax Law, the Tax on Urban Land and Property

ESPECIFICIDADES ACERCA DO IMPOSTO SOBRE APROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA (IPTU)

Waldir de Pinho Veloso1

(property tax) is one of the taxes that come directlyto the most contact with the taxpayer. Being areal tax - which focuses on the thing and in thecase, urban real estate as the house, the roomor commercial plot or land of which each personis the owner or possessor - do not choose classor economic power: regardless of the personowning or possession, the tax hits the thing.Therefore, is the tax that, on general consent,reaches the highest number of people. Mainreason to be treated in all their particularities in ascientific text. And that’s what this Chapter intendsto do.

1 Palavras Iniciais

Ao iniciar um estudo específico sobre umaespécie de tributo, melhor mesmo é aconceituação genérica. Falar sobre o gêneropara descer à espécie.

A Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966,instituiu no Brasil o sistema tributário. Logo, é oCódigo Tributário Nacional. Pela indicação danumeração, vê-se que é uma lei ordinária.

A Constituição de 1988 determinou, em seuartigo 146, que as questões tributárias seriamtratadas por meio de leis complementares. Mas,considerando que, com a vigência daConstituição, havia necessidade de um CódigoTributário, o que já vigorava, que é o instituídopela Lei 5.172, de 25 out. 1966, passou a ter ostatus de lei complementar. Na prática, significaque continua como Lei ordinária, mas qualquersua alteração somente pode ser feita por meiode lei complementar. Não porque haja ahierarquia das leis em si, mas porque háhierarquia de temas a serem tratados pelas leis.E a Constituição, praticamente, reservou para siprópria o trato das questões tributárias, masdeixou que seus complementos, as leispropriamente denominadas de complementares,cuidassem do tema em seu lugar. São as leiscomplementares, portanto, complementos,

1 Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor no Curso de Direito da Faculdadede Direito Santo Agostinho. Graduado e pós-graduado em Direito pela Universidade Estadual de MontesClaros. Escritor, autor de sete livros no segmento do Direito, dois livros na área educacional e três livrosliterários.

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extensão da própria Constituição e do poderconstituinte.

Logo, o Código Tributário Nacional é umalei ordinária com qualidades de lei complementar.

Uma noção necessária à exposição edesenvolvimento deste estudo é quanto aostributos reais e pessoais. São pessoais astributações que levam em consideração asindividualidades, como o Imposto de Renda:entre as pessoas, quem ganha mais paga mais;quem ganha menos, paga menos ou sequer teráque pagar Imposto de Renda. Já os tributos reaislevam em consideração a coisa (por isso, real, jáque “re”, traz, em si, a noção de coisa). Comoexemplo de um imposto real, tem-se o IPVA. Umapessoa riquíssima que é proprietária de umautomóvel de uma determinada marca e de umano pagará de IPVA o mesmo valor que deverápagar, por ser proprietário de um veículo damesma marca e do mesmo ano, uma pessoaextremamente pobre. Neste caso, o que se levaem consideração é o objeto a ser tributado e,não, a pessoa que é a proprietária.

2 Tributos, Impostos, Taxas eContribuições

Dispõe o Código Tributário Nacional,

Art. 3.º Tributo é toda prestação pecuniáriacompulsória, em moeda ou cujo valor nelase possa exprimir, que não constituasanção de ato ilícito, instituída em lei ecobrada mediante atividade administrativaplenamente vinculada.O artigo 145 da Constituição Federal écomposto por corpo mais explicativo sobrea divisão entre impostos, contribuição demelhoria e taxas. Todos são espécies dogênero tributo, como se lê, com todas asletras, no artigo 5.º do Código TributárioNacional (CTN) que, suscintamente, dizque “Os tributos são impostos, taxas, econtribuições de melhoria.”.Há, em verdade, outros e distintoscaracteres, mas, em céleres termos, oCódigo Tributário Nacional conceitua asespécies de tributos com as seguintesletras:Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigaçãotem por fato gerador uma situaçãoindependente de qualquer atividade estatalespecífica, relativa ao contribuinte.

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelosEstados, pelo Distrito Federal ou pelosMunicípios, no âmbito de suas respectivasatribuições, têm como fato gerador oexercício regular do poder de polícia, ou a

utilização, efetiva ou potencial, de serviçopúblico específico e divisível, prestado aocontribuinte ou posto à sua disposição.

Art. 81. A contribuição de melhoria cobradapela União, pelos Estados, pelo DistritoFederal ou pelos Municípios, no âmbito desuas respectivas atribuições, é instituídapara fazer face ao custo de obras públicasde que decorra valorização imobiliária,tendo como limite total a despesa realizadae como limite individual o acréscimo devalor que da obra resultar para cada imóvelbeneficiado.

Quando se trata de imposto, destarte, nãohá vínculo a alguma atividade. A arrecadação vaipara um caixa único, utilizado na composição doorçamento geral do ente administrativo. Já aarrecadação da taxa é destinada a um setorespecífico. Pode-se facilmente lembrar que oatual Imposto sobre a Propriedade de VeículoAutomotor (IPVA), que a nomenclatura indica serum imposto, já se chamou Taxa Rodoviária Única.Como taxa que era, a arrecadação somentepoderia ser utilizada para renovar, conservar econstruir rodovias. Mas, como imposto, aarrecadação não é vinculada, não tem umdestino fixado previamente.

O dinheiro que recebe o ente que cobraum imposto será aplicado segundo orçamentogeral, não podendo ter uma indicação inicial naprópria lei que o cria.

3 Os Princípios como Fontes do Direito

Os princípios são fontes do Direito. Nãoprecisam estar escritos – e normalmente nãoestão. Fazem parte de toda a estrutura do Direito.Integram e se impregnam à vida do cidadão comoum direito natural, o que já nasce com a própriapessoa. É inerente ao ser humano.Inquestionáveis, portanto, a existência dosPrincípios Gerais do Direito. E podem serinvocados, como fundamentação, para quaisqueroportunidades, desde coerentes para comsituação objeto da comparação.

Os Princípios Gerais do Direito sãoaplicados a qualquer legislação, suainterpretação e integração por necessáriaobediência ao Decreto-Lei 4.657, de 4 desetembro de 1942, que foi denominado Lei deIntrodução ao Código Civil e, por determinaçãoda Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010,passou a ser denominada Lei de Introdução àsNormas do Direito Brasileiro. De formacomplementar para demonstrar a especificidade

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do estudo, pode-se lembrar que o CódigoTributário Nacional, em seu artigo 108, assim seacha cravado:

Art. 108. Na ausência de disposiçãoexpressa, a autoridade competente paraaplicar a legislação tributária utilizarásucessivamente, na ordem indicada:I - a analogia;II - os princípios gerais de direito tributário;III - os princípios gerais de direito público;IV - a eqüidade.§ 1.º O emprego da analogia não poderáresultar na exigência de tributo nãoprevisto em lei.§ 2.º O emprego da eqüidade não poderáresultar na dispensa do pagamento detributo devido.

4 Imposto sobre a Propriedade Predial eTerritorial Urbana (IPTU)

Uma parte do estudo do Direito Tributáriose encarrega de definir o que é competênciatributária. Somente a Constituição Federal podedistribuir, entre a União, os Estados-membros, oDistrito Federal e os Municípios, o poder de criare exigir tributos. Diz-se que a um ente competetal tributo. Por isso, a competência tributária. Acompetência – que, como será demonstrado, maisdo que um poder, passa a ser um dever para aAdministração Pública – não se limita à criaçãodo tributo: também a sua arrecadação, acobrança, são atos vinculados, regrados,obrigatórios. E de forma impessoal, sem distinçãode agregados políticos ou sistema de governosmais populistas. E arrecadar pode significar terque recorrer ao Poder Judiciário para que haja ocumprimento da determinação, quando o atounilateral, o pagamento dentro do prazo, não éprontamente cumprido.

A Constituição Federal, no artigo 156, dispõeque compete aos municípios instituir impostossobre transmissão de imóveis, entre vivos (odenominado Imposto de Transmissão de BensImóveis inter vivos – ITBI), imposto sobre serviços(ISS) e imposto sobre a propriedade predial eterritorial urbana (IPTU).

Com a lembrança do que ficou previamentedescrito, vê-se claramente que o IPTU é umimposto. Todo imposto tem por característica serdevido de forma não vinculada a uma prestaçãode serviço específico e ter o fato geradorindependentemente de um fazer ou deixar defazer por parte da Administração Pública.

O IPTU, como imposto que é, não pode serdeixado de ser pago sob a alegação de que uma

obra não está sendo feita em benefício de quemo deve pagar. É comum a reclamação de que oIPTU está sendo cobrado, mas que o Municípionão está fazendo determinada obra,especialmente com a referência à rua onde moraquem o diz. Não procede e não é empecilho àexigência, por parte do Município, do créditotributário a que tem, mais do que o direito, o deverde cobrar.

Somente as taxas têm vínculo. Os impostos,não. O imposto, como diz a lei já referidaindepende “de qualquer atitude estatal específica,relativa ao contribuinte.”. Quanto à taxa, sim, édirecionada. Somente paga uma taxa de licençapara construir quem irá construir. Somente pagauma taxa para derrubar um imóvel quem o vaiderrubar. Somente paga uma taxa de segurançapela emissão de segunda via de uma carteira dehabilitação quem precisar requerer, ao Estado,uma segunda via deste documento. A taxa é umacontraprestação de um serviço que o entetributante presta. Há uma individualidade eespecificidade quando se trata de taxa. E, poracréscimo, há taxas que podem ser cobradaspela existência do serviço, ainda que ocontribuinte não a utilize: são as taxas cobradaspela potencialidade do serviço, por estar àdisposição.

O inciso II do artigo 145 da ConstituiçãoFederal deve ser transcrito, em complemento aoestudo já iniciado com a ilustração feita comfundamento no artigo 77 do Código TributárioNacional. Isto porque a Constituição assim giza:

Art. 145. A União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios poderão instituiros seguintes tributos:[...]II - taxas, em razão do exercício do poderde polícia ou pela utilização, efetiva oupotencial, de serviços públicos específicose divisíveis, prestados ao contribuinte oupostos a sua disposição;

O imposto, por seu lado, é devido sem queo ente tributante tenha que fazer algo embenefício do contribuinte. É o que determina oartigo 16 do Código Tributário Nacional quandotraz a seguinte parte: “uma situaçãoindependente de qualquer atividade estatalespecífica, relativa ao contribuinte.”. Há impostoporque alguém pratica um ato que a lei classificacomo digno de gerar um crédito para o entetributante e, em linha oposta, um débito para otitular do fato, do ato, da situação, da condição.Mais um exemplo de imposto? O Imposto de

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Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) édevido toda vez que alguém vende um produto(sem falar na prestação de serviços, para nãodescer a detalhes que fogem do exemplo). OEstado nada precisa fazer: ao contrário, quem“trabalha” é o vendedor. Mas, passa a dever oimposto pelo simples fato da circulação damercadoria, que é o fato gerador do imposto.

O fato gerador é tratado da seguinte formapelo Código Tributário Nacional:

Art. 114. Fato gerador da obrigaçãoprincipal é a situação definida em lei comonecessária e suficiente à sua ocorrência.

O fato gerador do Imposto sobre aPropriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)é, no dia primeiro de janeiro de um ano, alguémpossuir um imóvel urbano. Dito “possuir” com ofirme propósito de complementar o estudo.Especificamente sobre o IPTU, o fato gerador nãoé somente propriedade. Também a posse, odomínio... A transcrição do CTN esclarece, comsobras:

Art. 32. O imposto, de competência dosMunicípios, sobre a propriedade predial eterritorial urbana tem como fato gerador apropriedade, o domínio útil ou a posse debem imóvel por natureza ou por acessãofísica, como definido na lei civil, localizadona zona urbana do Município.§ 1.º Para os efeitos deste imposto,entende-se como zona urbana a definidaem lei municipal; observado o requisitomínimo da existência de melhoramentosindicados em pelo menos 2 (dois) dosincisos seguintes, construídos oumantidos pelo Poder Público:I - meio-fio ou calçamento, comcanalização de águas pluviais;II - abastecimento de água;III - sistema de esgotos sanitários;IV - rede de iluminação pública, com ousem posteamento para distribuiçãodomiciliar;V - escola primária ou posto de saúde auma distância máxima de 3 (três)quilômetros do imóvel considerado.§ 2.º A lei municipal pode considerarurbanas as áreas urbanizáveis, ou deexpansão urbana, constantes deloteamentos aprovados pelos órgãoscompetentes, destinados à habitação, àindústria ou ao comércio, mesmo quelocalizados fora das zonas definidas nostermos do parágrafo anterior.

O lançamento (CTN, artigos 142 a 150) doIPTU se dá tendo como sujeito passivo (CTN, 121a 138) o proprietário, o possuidor, o titular dodomínio útil ou o possuidor do imóvel urbano.

Uma especificidade em relação ao IPTU éo dispõe o CTN, com as seguintes palavras:

Art. 34. Contribuinte do imposto é oproprietário do imóvel, o titular do seudomínio útil, ou o seu possuidor a qualquertítulo.

Um ponto merece acréscimo. Há imóveisque têm proprietários legitimamente cadastradosno Município. E as guias de IPTU são lançadasem nome deste proprietário. Mas, em estando oimóvel alugado, há uma divisão nasresponsabilidades. Perante o Município, comoente tributante que tem competência para instituir,lançar e cobrar o tributo em assunto, oresponsável é o proprietário. Em não havendo aquitação, caberá ao Município acionar, peranteo Poder Judiciário, o proprietário. Em se tratandode imóvel locado – e o contrato de locação éuma avença entre as partes – não pode oproprietário alegar, em sua defesa, que não pagao IPTU lançado em seu nome porque quem tema responsabilidade de fazer a quitação é olocatário. Não há como fazer uma defesa, em fasede cobrança do tributo por parte do Município,transferindo a responsabilidade para outremtendo por base um contrato particular. O CódigoTributário Nacional, no artigo 123, assim garante:

Art. 123. Salvo disposições de lei emcontrário, as convenções particulares,relativas à responsabilidade pelopagamento de tributos, não podem seropostas à Fazenda Pública, paramodificar a definição legal do sujeitopassivo das obrigações tributáriascorrespondentes.

Centrando novamente quanto ao IPTU deum imóvel que se acha alugado, sendo o sujeitopassivo o proprietário, frente à AdministraçãoPública, não há como transferir aresponsabilidade da quitação do IPTU para oinquilino porque um contrato entre locador elocatário assim o faz.

Mas, como afirmado, somente em face àAdministração Pública. Em um contrato delocação, pode o proprietário determinar que opagamento do IPTU do imóvel locado seja feitopelo locatário, o inquilino. Não há ilegalidade nofato por três motivos. O primeiro deles, o contido

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no já referido artigo 32 do CTN que dispõe que oIPTU pode ter como fato gerador a posse (nesteponto, alguém alega que o fato gerador é emrelação à Administração Pública. É verdade. Mas,os particulares podem contratar que o fatogerador seja transferido, e a contratação podeser válida entre eles. E o locatário é um possuidordo imóvel, tem a posse direta, como se estudano artigo 1.197 do Código Civil locação é um atode posse). O segundo e mais forte ponto é quea Lei 8.245, de 18 out. 1991, ao cuidar daslocações, determinou, no seu artigo 22, incisoVIII, que cabe ao proprietário, o locador, pagaros impostos (nestes, o IPTU) e taxas “que incidamou venham a incidir sobre o imóvel, salvodisposição expressa em contrário no contrato.”.Pronto. Se há contratação entre locador elocatário, de maneira expressa no contrato delocação, pode haver transferência daresponsabilidade quanto à quitação do IPTU.Mas, a contratação é entre eles. Assim, se olocatário não quitar o IPTU, o Município cobrarádo locador e este, com fundamento nacontratação entre ele e o locatário, cobrará dolocatário ou seu fiador.

O terceiro detalhe da validade datransferência, entre locador e locatário, quantoa quem cabe quitar o IPTU, foi propositadamentedeixado por último. Isto porque as contrataçõesentre particulares – embora não valham comooposição contra a Administração Pública, mas sãoválidas entre os contratantes – podem ser feitasporque há lei autorizativa e não há leis proibitivas.É o que define o Código Civil, como validade dosatos jurídicos, nos seguintes termos:

Art. 104. A validade do negócio jurídicorequer:I - agente capaz;II - objeto lícito, possível, determinado oudeterminável;III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Definido, destarte, o sujeito passivo do IPTU– quem tem a obrigação perante a FazendaPública municipal de pagar o tributo – e estudadaa possibilidade de o original sujeito passivocontratar com outrem a assunção, entreparticulares, do encargo, pode-se passar aopróximo tópico do estudo.

5 A Instituição do IPTU

A instituição do tributo denominado Impostosobre a Propriedade Predial e Territorial Urbanacompete ao Município. Exclusivamente ao

Município. Mas, a Constituição Federal, ao limitaro poder de tributar, cria obstáculosintransponíveis para a criação – ou instituição –de tributos. E o faz em nome da segurançajurídica, para que os Municípios não criemtributos com cunho impessoal (artigos 37 e 150,II) ou como forma de confisco (art. 150, IV) eoutras nuances.

5.1 Princípio da Anterioridade

Vê-se, pois, que, em se tratando deprincípios, há que se aplicar, primeiramente, osrelacionados ao Direito Tributário. Em seguida,os demais Princípios.

Um dos princípios definidos naConstituição, quanto a qualquer ente tributante– União, Estados-membros, Distrito Federal ouMunicípios – na instituição de um tributo é oPrincípio da Anterioridade. Um ente tributanteautônomo (artigo 18 da Constituição) não podecobrar um tributo que não seja criado no anoanterior. Assim, qualquer lei tributária somenteterá eficácia em um ano se e somente sepublicada até o dia 31 de dezembro do anoanterior. Está garantido tal princípio no artigo 150,inciso III, alínea “b” da Constituição Federal de1988.

Bom repetir: o tópico tanto é a instituição, acriação do tributo, quanto ao aumento do seuvalor, por qualquer modalidade. Quanto à criação,trata-se, destarte, de um tributo que ainda nãoexiste e será criado e que somente poderá sercobrado no ano posterior ao da criação por leicomplementar (o citado artigo 146 determina queos tributos são criados por lei complementar; e aregra vale para todos os entes tributantesnacionais).

Quanto à majoração, o aumento do valor aser pago pelo contribuinte, a regra é a mesma.Sobre ambos os institutos – a criação ou amajoração dos valores – igualmente aotratamento já indicado quanto à ConstituiçãoFederal, contém o Código Tributário Nacional:

Art. 104. Entram em vigor no primeiro diado exercício seguinte àquele em queocorra a sua publicação os dispositivosde lei, referentes a impostos sobre opatrimônio ou a renda:I - que instituem ou majoram tais impostos;II - que definem novas hipóteses deincidência;III - que extinguem ou reduzem isenções,salvo se a lei dispuser de maneira maisfavorável ao contribuinte, e observado odisposto no artigo 178.

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5.2 Princípio da Noventena

Para criar alguns tributos, a AdministraçãoPública deve respeitar, além do princípio daanterioridade (a lei deve ser publicado em umano para ser aplicada no ano seguinte) o princípiode que não poderá a cobrança se dar no prazode noventa dias após a publicação da lei criadora(ou que majora as alíquotas, como será visto).Este instituto, em sede de Lei Magna, foi criadoem 2003 por meio da Emenda Constitucional 42,de 19 de dezembro. Mas, o texto constitucionalexcetuou da obrigatoriedade de observar ointerstício dos noventa dias que intermedeiam apublicação da lei tributária e a sua eficácia algunsimpostos. São eles: o empréstimo compulsório,o Imposto de Importação, o Imposto deExportação, o Imposto de Renda e o Impostosobre Operações Financeiras (todos decompetência da União) e o IPVA (de competênciados Estados-membros).

Para coroar o assunto, quando o IPTU jáexiste e haverá apenas alteração em sua basede cálculo, também fica do prazo nonagesimalpara vigência e poder ser cobrado. Em outrostermos, se o Município já cobra o IPTU e vaiapenas elevar os seus valores, pode uma lei serpublicada no dia 31 de dezembro de um ano quejá alcança o fato gerador no dia primeiro dejaneiro do ano seguinte (no exemplo, a“anterioridade” é cumprida pelo interstício de umdia, porque em anos diferentes). Terá apenasque cumprir o princípio da anterioridade, afastadaa aplicação do prazo da noventena.

6 O Aumento das Alíquotas de IPTU

Uma vez existente uma lei (complementar)que criou o IPTU, o Município pode, anualmente,elaborar uma lei – de iniciativa do Executivo, compassagem, óbvio, pela Câmara Municipal – quealtera a base de cálculo ou outros mecanismosque importem em majoração, aumento, alteraçãopara mais, do valor a ser pago pelo contribuinte.

O CTN define a base de cálculo, em setratando de IPTU, nos seguintes termos:

Art. 33. A base do cálculo do imposto é ovalor venal do imóvel.Parágrafo único. Na determinação dabase de cálculo, não se considera o valordos bens móveis mantidos, em caráterpermanente ou temporário, no imóvel, paraefeito de sua utilização, exploração,aformoseamento ou comodidade.

O valor venal – ou seja, de venda – de umimóvel urbano, para efeitos de lançamento deIPTU, é o constante em uma planilha que asSecretarias Municipais de Fazenda e dePlanejamento elaboram. Estas planilhaspraticamente zoneiam o perímetro urbano e aszonas urbanizáveis ou de expansão (espaços quetêm características urbanas e que estãoseparadas da cidade propriamente dita porregião rural; comumente os distritos industriaispoluentes ou, em alguns casos, loteamentos,chacreamentos ou “localidades” razoavelmenteafastadas). Em cada região, há um preço fixado,pelo Município, para o metro quadrado do imóvele da construção. Assim, se um imóvel tem milmetros quadrados, não é edificado e o metroquadrado é fixado, pelo Município, para oquarteirão ou bairro – ou parte do bairro – emque se situa em, por exemplo, cem reais, o valorvenal do imóvel é cem mil reais. Sobre este valor,aplica-se a alíquota, também fixada em lei, e acha--se o valor do IPTU a ser pago.

A majoração, o aumento, do valor venal doimóvel, para efeitos de cálculo de IPTU deve serfeito por lei. Está definido (além de constar doartigo 150, inciso I, da Constituição Federal de1988) no Código Tributário Nacional:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:I - a instituição de tributos, ou a suaextinção;II - a majoração de tributos, ou suaredução, ressalvado o disposto nos artigos21, 26, 39, 57 e 65;III - a definição do fato gerador da obrigaçãotributária principal, ressalvado o dispostono inciso I do § 3.º do artigo 52, e do seusujeito passivo;IV - a fixação de alíquota do tributo e dasua base de cálculo, ressalvado o dispostonos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;V - a cominação de penalidades para asações ou omissões contrárias a seusdispositivos, ou para outras infrações neladefinidas;VI - as hipóteses de exclusão, suspensãoe extinção de créditos tributários, ou dedispensa ou redução de penalidades.§ 1.º Equipara-se à majoração do tributoa modificação da sua base de cálculo,que importe em torná-lo mais oneroso.§ 2.º Não constitui majoração de tributo,para os fins do disposto no inciso II desteartigo, a atualização do valor monetárioda respectiva base de cálculo.

A lei que aumenta o IPTU tanto pelaelevação das alíquotas quanto em face da

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modificação da base de cálculo ou, ainda, pelarefeitura da planta genérica de valores – comoinformado, lei de iniciativa do Município, mas comtrâmite na Câmara Municipal – deve serpublicada até o dia 31 de dezembro de um anopara ser aplicada aos imóveis urbanos municipaisno dia primeiro de janeiro do ano seguinte. Boalembrança é que o IPTU costuma ser cobradoem fevereiro, março, abril ou outro mês, dentrodo ano. Mas, o fato gerador é estar o imóvel emnome de uma determinada pessoa no diaprimeiro de janeiro. Aplica-se, portanto, à lei queaumenta o IPTU – ou pela alteração da alíquotaou pela elevação do valor da planilha ou outramodalidade de acréscimo de valores – o princípioda anterioridade (Constituição Federal, art. 150,III, “a”), mas, não o prazo nonagesimal(Constituição Federal, art. 150, § 1.º) para quepossa ser cobrado.

As alíquotas do IPTU são os percentuaisque são aplicados sobre o valor venal. Em razãoda política urbana (a cargo do Município,segundo dispõe o artigo 182 da ConstituiçãoFederal), pode a lei municipal que cria o IPTUfixar alíquotas variáveis em razão da colaboraçãodo imóvel (por meio do seu proprietário, mas fala--se do imóvel por ser o IPTU um tributo real; não,um imposto pessoal). Assim, um imóvelresidencial poderá pagar um por cento do valorvenal, enquanto um imóvel comercial serátributado com dois por cento do seu valor venal.E, se o imóvel tem até determinada quantidadede metros quadrados, a alíquota pode serdiferente em relação a um imóvel de tamanhomaior.

O valor venal, por sua vez, é variávelconforme a situação física do imóvel em umquarteirão, ou se frente para uma rua ou umaavenida de grandes influências comerciais ououtros fatores. Cada particularidade influenciapara que um metro quadrado de terreno sejafixado na planta genérica de valores como tendovalor venal de cem reais, duzentos reais, doisreais ou outro valor unitário.

A elevação das alíquotas ou o aumento dosvalores da planilha – a chamada planta genéricade valores – alterará o valor do imposto para ocontribuinte. Assim, somente por lei podem seralteradas tanto as alíquotas quanto os valoresda planta genérica da área urbana e urbanizável.É a determinação do artigo 97 do CódigoTributário Nacional, já transcrito.

Detalhes imperiosos. “Somente por lei” é adeterminação. Lei em seu sentido material. Logo,com trâmite perante a Câmara Municipal, quando

se trata de Município. Não pode ser um decreto,que é iniciativa do Poder Executivo e é uma leiem sentido formal (tem forma de lei, mas nãoversa sobre matéria reservada ao PoderLegislativo, o Princípio da Reserva Legal).

Mas, ficou descrito no § 2.º do art. 97, játranscrito, que quando se trata de atualizaçãodo valor do tributo se e somente se o aumentofor, no máximo, o valor oficial da inflação, não hánecessidade de lei. Pode ser um decreto. O textodiz que “a atualização monetária da respectivabase de cálculo” não é considerada majoração.Logo, a lei (material, com passagem pela CâmaraMunicipal) é exigida para corrigir o valor do IPTUquando, por qualquer mecanismo – ou alteraçãodas alíquotas ou correção dos valores da planilhaou planta genérica – o acréscimo supere ainflação do ano. Se o acréscimo ficar dentro dolimite inflacionário do ano em curso, o PoderExecutivo municipal pode, por Decreto, aumentaro IPTU para o ano próximo (o ano próximo porquehá o princípio da anterioridade).

Neste sentido, o Superior Tribunal deJustiça já pacificou os julgados, ao emitir a Súmula160, que tem os seguintes caracteres:

160. É defeso, ao Município, atualizar oIPTU, mediante decreto, em percentualsuperior ao índice oficial de correçãomonetária.

A interpretação é que, a contrario sensu,se não se pode atualizar o valor cobrado peloIPTU por decreto se o percentual do aumentofor superior à atualização monetária (inflação) doano, é porque, até este limite, o Decreto é a leiformal aceitável.

Conclui-se, em síntese: se o aumento dovalor do IPTU pretendido pelo Poder Executivomunicipal se comporta dentro dos índices decorreção monetária em um ano, pode um Decretofixá-lo. Mas, se, por qualquer método, o valor aser acrescido para o contribuinte superar ainflação do ano, somente por lei de iniciativa doPoder Executivo, mas discutida e aprovada peloPoder Legislativo municipal, poderá tratar damatéria.

7 A Cobrança do IPTU

Uma vez criado por lei, o IPTU não podemais ser deixado de ser lançado. E, uma vezlançado, constitui crédito tributário. Não tem aAdministração Pública o direito de não arrecadaro crédito tributário, exceto em se tratando de

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exclusão do crédito tributário (artigo 175 do CTN– isenção e anistia – e artigo 156 do CTN –remissão, prescrição e decadência). A suaquitação deve-se dar no prazo definido no CódigoTributário Municipal e no Decreto que,anualmente, os Municípios editam para fixar adata-limite para pagamentos com descontos eem quantas parcelas pode ser pago o tributo.

Se não quitado no prazo normal, cabe aoMunicípio, de maneira cogente – obrigatória – odever de inscrever o crédito tributário em dívidaativa.

Uma rápida visão sobre o que é a dívidaativa se faz com a leitura, igualmente superficial,dos artigos 201 a 204 do Código TributárioNacional e, também, da Lei 6.830, de 22 desetembro de 1980, que trata da execução fiscal.Dispõe assim última Lei em referência:

Art. 2.º Constitui Dívida Ativa da FazendaPública aquela definida como tributária ounão tributária na Lei n.º 4.320, de 17 demarço de 1964, com as alteraçõesposteriores, que estatui normas gerais dedireito financeiro para elaboração econtrole dos orçamentos e balanços daUnião, dos Estados, dos Municípios e doDistrito Federal.§ 1.º Qualquer valor, cuja cobrança sejaatribuída por lei às entidades de que tratao artigo 1.º, será considerado Dívida Ativada Fazenda Pública.§ 2.º A Dívida Ativa da Fazenda Pública,compreendendo a tributária e a nãotributária, abrange atualização monetária,juros e multa de mora e demais encargosprevistos em lei ou contrato.§ 3.º A inscrição, que se constitui no atode controle administrativo da legalidade,será feita pelo órgão competente paraapurar a liquidez e certeza do crédito esuspenderá a prescrição, para todos osefeitos de direito, por 180 dias, ou até adistribuição da execução fiscal, se estaocorrer antes de findo aquele prazo.[...]

7.1 Os Princípios da Administração Pública

A Administração Pública é uma atividadevinculada por natureza. Em termos outros, é aatividade que mais depende da lei para funcionar.A Constituição Federal, em seu artigo 37,determina o maior dos princípios aplicáveis àAdministração Pública, que é o Princípio daLegalidade. A Administração Pública somentepode fazer o que a lei a autoriza (por seu lado, oparticular pode fazer tudo que a lei não lhe

proíbe). Assim, em havendo lei – no tema, lei quecriou o IPTU – o lançamento e a inscrição naDívida Ativa, com a correspondente emissão daCertidão de Dívida Ativa (CDA) – é atividadevinculada, obrigatória, cogente. Mais do queobrigatória.

Há outros princípios de cumprimentoobrigatório por parte da Administração Pública.

Seguindo os dizeres que compõem oPrincípio da Impessoalidade, vê-se que aAdministração Pública não pode escolher umaspessoas para que paguem o ITPU e deixar decobrar de outras. O que pode é, se e somentese houver lei autorizativa, isentar algumas classesde pessoas quanto ao pagamento. Em verdade,pessoas, não; imóveis. É que o IPTU é um tributoreal, que diz respeito às coisas, aos imóveis. Não,às pessoas. Mas, a lei pode fazer umaconjugação de características que resultem emisenção.

A isenção é a possibilidade legal (“A isenção,ainda quando prevista em contrato, é sempredecorrente de lei que especifique as condiçõese requisitos exigidos para a sua concessão, ostributos a que se aplica e, sendo caso, o prazode sua duração.” conforme artigo 176 do CódigoTributário Nacional) de deixar de cobrar um tributoquando semelhantes situações são fatosgeradores. Ao contrário da imunidade – nesta, otributo não existe por situação expressa no artigo150, inciso V da Constituição Federal e no artigo9.º, inciso IV, do CNT – a isenção é a retirada, dacondição de crédito tributário, de um tributo jálançado e, portanto, existente. Primeiramente, háo lançamento. Em um segundo ato, emcumprimento estrito à lei, há a baixa do crédito eo antigo sujeito passivo não mais se vê nacondição de devedor. Por isso a isenção é formade exclusão do crédito tributário. Exclusão porqueretira o valor lançado como crédito. E somentese retira o que antes existia. Para que haja aexclusão do crédito tributário por isenção, hánecessidade de “requerimento com o qual ointeressado faça prova do preenchimento dascondições e do cumprimento dos requisitosprevistos em lei ou contrato para a suaconcessão” (artigo 179 do CNT)

Outra condição para não mais cobrar otributo é o fato de ele se encontrar prescrito(lançado e não pago e tampouco cobrado emtempo hábil – artigo 174 do CNT) ou seultrapassado o prazo da sua apuração elançamento (decadência, artigo 173 do CNT) ou,por lei, haver remissão (perdão do que já se achaconstituído, normalmente, as partes acessórias

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como juros e multas). O fundamento jurídico daremissão é o artigo 172 do Código TributárioNacional.

Fora da condição da isenção (maiscomumente existente, e, mais dificilmente aprescrição, a decadência e a remissão) aAdministração Pública jamais pode deixar deexercer o poder/dever de cobrar o tributo nãoquitado no prazo fixado e igual para todos. Emnenhuma hipótese. Um dos Princípios de Direitoque assim determinam é o Princípio daSupremacia dos Interesses Públicos sobre oParticular. O administrador é o representante dosadministrados. Nesta qualidade, ele não podeprivilegiar uma pessoa em desfavor de outrosou da coletividade. A arrecadação é do interessepúblico. O artigo 11 de Lei Complementar 101,de 4 de maio de 2000 – a Lei deResponsabilidade Fiscal – determina que aresponsabilidade da gestão fiscal se constitui deinstituição (criação, constituição), previsão(incluindo o lançamento e a inscrição na DívidaAtiva) e a “efetiva arrecadação de todos ostributos da competência constitucional do enteda Federação.”. Não se pode pensar em “efetivaarrecadação” o ato de apenas esperar quealguém, voluntária e como contribuinte (sujeitopassivo), faça o pagamento do tributo. Somentese configura a “efetiva arrecadação” se esomente se as providências forem tomadas paraque não haja negligência administrativa a pontode o tributo prescrever. Em havendo prescrição,o contribuinte estará fora da responsabilidadede pagar, mas quem deixou ocorrer a prescriçãoserá punido civil (com o ressarcimento do danoao erário público), administrativa (com puniçõescomo exoneração, demissão, perda de mandatoe inelegibilidade) e penalmente (pena de prisão).

Em complemento, o Código TributárioNacional assim especifica:

Art. 141. O crédito tributário regularmenteconstituído somente se modifica ouextingue, ou tem sua exigibilidadesuspensa ou excluída, nos casosprevistos nesta Lei, fora dos quais nãopodem ser dispensadas, sob pena deresponsabilidade funcional na forma da lei,a sua efetivação ou as respectivasgarantias.

O tópico é quanto à cobrança. Mas, háreferência também à responsabilidade doadministrador quanto ao exercício dos atosadministrativos que, em sequência, levam àinstituição, à fiscalização, ao lançamento, à

aplicação de multa (se for o caso), à inscrição nadívida ativa e, por último, à execução perante oPoder Judiciário. Todos, atos vinculados,obrigatórios, cogentes. O CTN trata do assuntonestes termos:

Art. 142. Compete privativamente àautoridade administrativa constituir ocrédito tributário pelo lançamento, assimentendido o procedimento administrativotendente a verificar a ocorrência do fatogerador da obrigação correspondente,determinar a matéria tributável, calcular omontante do tributo devido, identificar osujeito passivo e, sendo caso, propor aaplicação da penalidade cabível.Parágrafo único. A atividadeadministrativa de lançamento é vinculadae obrigatória, sob pena deresponsabilidade funcional.

Se o administrador não se esforça paracumprir todas as determinações legais para quehaja a arrecadação, o recebimento do créditotributário, ele está privilegiando alguns que nãoquitaram a obrigação tributária em tempo hábil.Está, pois, sobrepondo o interesse de algunsindivíduos ou algum particular sobre o interessepúblico, coletivo.

Este princípio está previsto no textoconstitucional e nas leis infraconstitucionais quetratam dos temas administrativos. Somente sendoa Administração superior sobre os interesses daspessoas há o cumprimento simultâneo de doisprincípios: a Supremacia dos Interesses Públicossobre o Particular e o da Impessoalidade.Somente assim o bem comum pode seralcançado.

Também há o Princípio da Indisponibilidadedo Interesse Público. A Administração Pública nãopode renunciar aos seus poderes – que são maisdeveres do que poderes – e sua competência (ade legislar criando tributos, por exemplo).Igualmente, não pode agir em desconformidadecom a sua finalidade (por ferir outro Princípio, oda Finalidade) de atendimento aos anseios dosadministrados.

Por este ângulo, entende-se que háprofunda ligação ente os princípios daindisponibilidade do interesse público com o dafinalidade. Os pontos que os delineiam trazemuma leve distinção. Enquanto o princípio dafinalidade determina que toda a atitude daAdministração é em função e destinada aosadministrados, o princípio da indisponibilidade dointeresse público, em síntese, determina que,

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para atendimento ao público, a Administração nãopode abrir mão de sua competência e seuspoderes. Isto porque, ao fazer concessões emfavor de um administrado há um descumprimentodo princípio da finalidade, pois o benefício seriaexclusivo para um. E o interesse é dacoletividade; não, da individualidade. (VELOSO,2011, p. 96).

7.2 Crimes de Responsabilidade Fiscal ede Improbidade Administrativa

A obrigação de cobrar o tributo lançado éinsuperável e irrenunciável.

Pelo princípio da indisponibilidade dointeresse público é que é crime deresponsabilidade fiscal a renúncia fiscal,compreendida esta como “anistia,remissão, subsídio, crédito presumido,concessão de isenção em caráter nãogeral, alteração de alíquota ou modificaçãode base de cálculo que implique reduçãodiscriminada de tributos ou contribuições,e outros benefícios que correspondam atratamento diferenciado” (§ 1º do art. 14da Lei Complementar 101, de 04.05.2000)que não atenda ao referido art. 14 comoum todo.Em outras palavras: o administrador nãopode deixar de cobrar os tributos de umapessoa porque o interesse público é queseja a Administração suprida pelos tributospagos, de forma universal, por todos. Seo fizer, será ilegal o ato e está o entetributante dispondo unilateralmente dosseus poderes (no caso, de tributar ecobrar o tributo) quando decide fazerconcessões a um indivíduo. E o prejuízoé para a coletividade. E o que é dacoletividade, é indisponível peloadministrador. Exceto, como dito, sehouver lei autorizando. E a lei que fazconcessões tem que obedecer à normageral sobre o tema, que é a Lei deResponsabilidade Fiscal, a multicitada LeiComplementar 101, de 04.05.2000.(VELOSO, 2011, p. 96).

Agindo em desconformidade com a Lei deResponsabilidade Fiscal, o administrador – nocaso do IPTU, o prefeito – está sujeito às penasnela fixadas. Uma das consequências é o dainelegibilidade. Significa que não poderá secandidatar a cargos eletivos pelo prazo que aSentença fixar.

Considerando que a Administração Públicadeve, cogentemente, cumprir o previsto em lei(Princípio da Legalidade, como dispõe o artigo 37

da Constituição Federal de 1988), o ato de deixarde cobrar o tributo, ainda que recorrendo ao PoderJudiciário para propor ação de execução fiscal,está descumprindo a determinação constitucional.E quem descumpre um dos Princípios daAdministração Pública, comete também um crimede improbidade administrativa. A Lei 8.429, de 2de junho de 1992, assim dispõe:

Art. 11. Constitui ato de improbidadeadministrativa que atenta contra osprincípios da administração públicaqualquer ação ou omissão que viole osdeveres de honestidade, imparcialidade,legalidade, e lealdade às instituições, enotadamente:I - praticar ato visando fim proibido em leiou regulamento ou diverso daqueleprevisto, na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar,indevidamente, ato de ofício;[...]

A pena a ser imposta ao administrador quedeixa de cumprir os Princípios constitucionais é,como descrito no inciso III do artigo 12 da Lei8.429, de 2 de junho de 1991, a determinaçãode que haja

ressarcimento integral do dano, se houver,perda da função pública, suspensão dosdireitos políticos de três a cinco anos,pagamento de multa civil de até cemvezes o valor da remuneração percebidapelo agente e proibição de contratar como Poder Público ou receber benefícios ouincentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédiode pessoa jurídica da qual seja sóciomajoritário, pelo prazo de três anos.

Quanto à multa civil, fácil é a conta. Duranteum mandato, um prefeito fica no poder por 48meses. No interstício, recebe, pois, 48 meses desubsídio (um prefeito não deve receber “décimoterceiro salário”, por determinação do que contémo § 4.º do artigo 39 da Constituição Federal, poiso subsídio do “membro de Poder, o detentor demandato eletivo, os Ministros de Estado e osSecretários Estaduais e Municipais” deve ser“fixado em parcela única, vedado o acréscimode qualquer gratificação, adicional, abono,prêmio, verba de representação ou outra espécieremuneratória”). Assim, a multa de cem vezes ovalor do subsídio corresponde a um pouco maisdo que o dobro do que o prefeito, durante todo omandato, pode perceber.

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8 A Iniciativa da Punição aoAdministrador Improbo

Giza a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992,em seu artigo 14, que qualquer pessoa poderárepresentar à autoridade administrativacompetente para se ver instaurada a investigaçãoque culminará na condenação do administradorque não cumpre a Lei de ImprobidadeAdministrativa. Lei que, em seu artigo 4.º, reforçaa obrigatoriedade de o agente público cumpriros princípios da Administração Pública.

A representação poderá se dar aoMinistério Público. Nas Comarcas em que hárazoável quantidade de Promotores de Justiça,costuma o Ministério Público escalonar osPromotores por especialidade. E há umaPromotoria encarregada do Patrimônio Público.A este Promotor, a representação pode serencaminhada.

Também há mecanismos individuais, àdisposição de quem os quiser. A Ação Popular(Lei 4.717, de 29 jun.1965 e artigo 5.º, incisoLXXIII, da Constituição da República) e, comrazoável esforço de exegese, a Ação Civil Pública(Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, especialmenteartigo 1.º, inciso IV). E mesmo se a iniciativa fosseexclusiva do Ministério Público, a eventualomissão dos seus integrantes transferiria aocidadão o direito de acionar a Justiça, comfundamento no inciso LIX do artigo 5.º da CartaMagna.

Obviamente, a punição será aplicada peloPoder Judiciário (Constituição Federal, artigo 5.º,incisos XXXVII, LV e LVII).

9 Conclusão

O Direito Tributário contém especificidadesque requerem estudos irmãmente específicos.Um deles, as questões oriundas da taxionomiados tributos em impostos, taxas e contribuições.Cada espécie é constituída por segmentos querequerem detalhes quanto à instituição da baselegal, os princípios de observância cogente, aconstituição do tributo, seu lançamento, suainscrição em dívida ativa, sua efetiva cobrança.E, por acréscimo, a responsabilidade atribuída aquem, por ser agente/administrador, tem o deverde ofício de ver e fazer ser cumprida.

Dentre os tributos, o Imposto sobre a Pro-priedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é oque mais atinge a população em sua camadamais vária. Por conseguinte, muitos integrantesdas camadas detentoras de menos conhecimen-

tos jurídicos questionam atribuições e competên-cias quando há cobrança, e quase sempre nãoreclamam o dever de cumprir as Leis de Res-ponsabilidade Fiscal e de Improbidade Adminis-trativa.

Cabe ao operador do Direito – em suasdiversas faces, como o Advogado, o Promotor, oJuiz, o Procurador – estar sempre respondendoà população em geral alguns questionamentose opiniões (personalíssimas, quase sempredesprovidas ou descompromissadas para como conhecimento da legislação) que envolvem otema.

Por sinal, tema pouco estudado, quandose pensa na profundidade dos detalhes, navariedade dos conceitos, na multiplicidade deconhecimentos que são aplicados para aengrenagem mostrar toda a fundamentação legal.

Por tais motivos, o estudo envolvendo oImposto sobre a Propriedade Predial e TerritorialUrbana (IPTU) é credor de espaços, debates,discussões acadêmicas, elaboração de peçascientíficas e pesquisas científicas fundamentadasem saber jurídico. Tudo isso, carreando para arealidade de que, somente quando se conheceprofundamente um segmento do Direito – com orespeito de que, em verdade o Direito não ésegmentado de forma propriamente dita, masapenas estudado em módulos ou disciplinas quese complementam e interpenetram – pode-secolaborar, como operador do Direito, para que aJustiça seja presente no viver de todos.

Referências

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ARTIGOS DO CORPO DISCENTE

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo apresentar umpanorama da disciplina Hermenêutica Jurídica,iniciando com um breve histórico dodesenvolvimento das teorias pertinentes,passando por uma explanação quanto aossistemas interpretativos e regras deinterpretação consideradas pela doutrina. Apósesta inicial contextualização do tema, incursionana análise da relação da hermenêutica com alinguagem, como instrumento do pensamentoe de comunicação. A relevância do estudo destatemática torna-se maior devido à necessidadede adequar as interpretações dos textosnormativos às transformações sociais. Osprofissionais do Direito devem se dedicararduamente ao estudo da HermenêuticaJurídica, buscando assim a Justiça.

Palavras-Chave: Hermenêutica; Sistemas deInterpretação; Justiça.

ABSTRACT

This paper aims to present an overview of thediscipline Legal Hermeneutics, starting with abrief history of the development of relevanttheories, passing through an explanation aboutthe systems of interpretation and rules ofinterpretation considered by the doctrine. Afterthis initial background of the topic, ventures onthe analysis of the relationship of hermeneuticsto the language as an instrument of thought andcommunication. The relevance of the study ofthis issue becomes larger because of the needto adapt to the interpretations of legal texts thesocial transformations. Legal professionalsshould devote themselves to study hard in LegalHermeneutics, trying to Justice.

PONDERAÇÕES INICIAIS SOBRE HERMENÊUTICA JURÍDICA

Brunna Campos Eleutério1

Lucian Martins Veloso2

Keywords: Hermeneutics, InterpretationSystems; Justice

Introdução

Hermenêutica, do grego hermeneuein, étida popularmente como filosofia dainterpretação. De acordo com Freitas Júnior(2009)3, consiste na ciência que estuda oscaminhos da interpretação, buscando explicare clarificar o significado oculto do objeto emquestão. Assim, através da hermenêuticacompreende-se o objeto de estudo além dasua aparência, percebendo-se seu significadomais profundo, não manifestado.

Segundo Musetti (1998)4, a palavra gregahermeios remete ao deus Hermes, a quem osgregos atribuíam a descoberta da linguageme da escrita. Desse modo, uma vez quedescobriu as ferramentas para alcançar osignificado das coisas e transmiti-los aosoutros, Hermes associava-se à função detransmutação, ou seja, transformava aquiloque a compreensão humana não alcançava,em algo compreensível.

Freitas Júnior (2009)5 salienta que oconceito de hermenêutica surgiu no século XVII,com as discussões ideológicas entre osprotestantes e católicos sobre a interpretaçãoda Bíblia. Considera-se que Schleiermacher,apud Freitas Júnior (2009), no século XIX,desempenhou a formulação da hermenêuticamoderna que poderia ser aplicada em qualquerciência. Empregava-se o método científico nasinterpretações em busca de um resultado maisobjetivo.

Posteriormente, Dilthey, apud FreitasJúnior (2009), desenvolveu a hermenêuticahistórica que afirmava o método da

1 Acadêmica do 9.° Período da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA)2 Acadêmico do 9.° Período da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA)3 Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=1023

07&id_site=1115&ordenacao=1>. Acesso em: 10 ago. 2010.4 Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=31>. Acesso em: 10 ago. 2010.5 Vide nota 3.

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compreensão, empregando sua teoria nasciências do Espírito. Heidegger, apud FreitasJúnior (2009), preponderava que ahermenêutica desempenhava umainterpretação independente da subjetividadedo observador, já que a compreensão eraconsiderada existência por si própria, tal qualo método de ser do Dasein (ser-aí),sustentando, assim, a ontologia hermenêutica.Com Gadamer, apud Freitas Júnior (2009)6,houve um giro hermenêutico, afirmando-se ahermenêutica filosófica. De acordo com suateoria, o intérprete analisa o fenômenoinfluenciado por seu passado e seuspreconceitos, de forma que o objetivismo e ouso do método cientifico clássico não eramsuficientes para estabelecer a compreensão.Já Habermas, apud Freitas Júnior (2009)7,desenvolveu a hermenêutica crítica.Recriminava o subjetivismo defendido porGadamer, apud Freitas Júnior (2009)8, segundoo qual esses elementos revelariampreconceitos ilegítimos que prejudicariam a boainterpretação.

Percebe-se, por conseguinte, que afunção inicial da hermenêutica se ampliou como surgimento de novos ramos da ciência,estendendo-se a outras áreas doconhecimento, como a ciência do Direito a qualse passa a discorrer.

1 A Hermenêutica Jurídica

Para Maximiliano (2006, p. 1), aHermenêutica Jurídica tem por objeto o estu-do e a sistematização dos processos para de-terminar o sentido e o alcance das expressõesdo Direito. Com isso, a Hermenêutica Jurídicapermite interpretar o ordenamento jurídico,dando-lhe um significado que pode não con-sistir naquele almejado pelo legislador.

Segundo Dias e Mendes (2010)9, acompreensão da “Hermenêutica Jurídica”requer considerações preliminares sobre anorma jurídica, uma vez que toda normajurídica necessita de interpretação e, quandoo operador do Direito se propõe a analisar umcaso concreto, busca no ordenamento jurídicouma norma abstrata que deverá ser aplicada,

realizando, portanto, a interpretação do Direito.Melo (2000, p. 68) define norma como

“toda regra que serve de pauta a uma condutaou para agir” e, sendo esta jurídica, apresentacomo características a coercibilidade e aexigibilidade.

Na visão de Sousa Júnior (2009), ainterpretação do direito não deve consistir emanálise superficial do texto normativo, sendonecessário aprofundado exame dasexpressões e do contexto sociojurídico emquestão, de forma a obter uma corretaaplicação ao caso fático. Destarte, aHermenêutica Jurídica é um procedimentocomplexo, exigindo dedicação, conhecimentosjurídicos e dos fenômenos sociais quecompõem o cotidiano.

Musetti (1998)10 pondera que, ao seinterpretar o ordenamento jurídico, considera--se o conjunto de leis, os fatos e valoresoriginários e supervenientes ao ordenamentojurídico. Portanto, através da HermenêuticaJurídica, o intérprete reconhece os valoressubtendidos à letra da lei. Segundo Musetti(1998)11, a Hermenêutica Jurídica deve serutilizada de forma que estes valores favoreçamsempre a causa do homem e da sociedade.Entende-se, assim, que a HermenêuticaJurídica deve buscar garantir a dignidadehumana, valorizando o bem comum.

2 Sistemas interpretativos

O intérprete, diante de determinado tex-to normativo, deve se valer de orientações emsua tarefa de encontrar a significação do tex-to, tornando possível sua aplicação no casoconcreto. Essas orientações são denomina-das sistemas interpretativos que, de acordocom França (1999), são divididos emdogmático, exegético ou jurídico-tradicional;histórico-evolutivo; da livre pesquisa ou livrecriação do direito.

O sistema dogmático é também chamadosistema francês, por estar ligado àpromulgação do Código de Napoleão, segundoo mesmo doutrinador. A ideia deste sistema éque a lei continha todo o direito. A orientaçãoextremada era representada por Laurent, apud

6 Vide nota 3.7 Vide nota 3.8 Vide nota 3.9 Disponível em: <http://seer.ucp.br/seer/index.php/LexHumana/article/view/61/59>. Acesso em: 20 abr. 2011.10 Vide nota 4.11 Vide nota 4.

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França (1999). Expressava que a lei é clara,de forma que seus termos correspondem aopensamento do legislador. Assim, a tarefa dointérprete se reduzia a explicar o textonormativo, devendo conformar-se com seusdefeitos.

A orientação moderada, representada porBaudry-Lacantinerie, apud França (1999),apesar de exegética, determina regras para ainterpretação da lei, em caso de dúvida, taiscomo interpretação sistemática com consultasàs fontes do legislador, exame dos trabalhospreparatórios, ponderação das consequênciasdas interpretações possíveis ou busca doespírito da lei.

França (1999) discorre também sobre osistema histórico-evolutivo, representado porSavigny, fundador do historicismo jurídico. NoBrasil, essa orientação foi adotada porEspínola e Carlos Maximiliano. Destacam-se osquatro elementos básicos da interpretação,sendo eles gramatical, lógico, histórico esistemático. Recomenda-se que esseselementos atuem em conjunto como modo maisadequado de extrair o sentido do texto jurídico.

Neste sentido, assegura França (1999, p.14):

Por outro lado, o bom sucesso de todainterpretação depende de duascondições nas quais aqueles quatroelementos se resumem: “Primeiro, deque nos representemos ao vivo aqueleato intelectual (do legislador), de ondeprovém a especial expressão dopensamento diante da qual nosencontramos; segundo, de quetenhamos suficientemente presente aidéia de todo o complexo das relaçõeshistóricas e dogmática, concernentes aoesclarecimento desse ponto particular,descobrindo desde logo as suascorrelações”.

Percebe-se, por conseguinte, anecessidade de junção de todos esteselementos ao interpretar, associados aosconhecimentos jurídicos e dos fatos etransformações sociais, obtendo-se umainterpretação atenda com eficácia aos anseiosda sociedade.

Sousa Júnior (2009) denomina oselementos em questão de métodos de

interpretação, classificando-os em histórico,literal, gramatical, lógico e sistêmico.

O método histórico sustenta que a leinasce sob os ditames de uma sociedade emdeterminado momento histórico e contexto deespaço e tempo, assumindo relevância àcompreensão da norma jurídica osantecedentes históricos vinculados ao seusurgimento. Dessa forma, entende-se quetrabalhos preparatórios para a promulgação dalei, como discussões parlamentares e emendaspreteridas tornam-se interessantes para tanto.

A interpretação literal parte dopressuposto de que o sentido do textonormativo é alcançado com a decodificaçãoparcial do texto, analisando-se o significado decada palavra.

A interpretação gramatical sugereencontrar o sentido da lei através daconcatenação das estruturas textuais,observando-se as regras gramaticais.

A lógica consiste em buscar extrair aconexão de uma expressão normativa com asdemais do contexto. Torna-se necessário, nestecaso, entender o pensamento do legislador aoproduzi-la.

O método sistêmico recomenda que ostextos normativos sejam analisados emharmonia com os princípios e regras doordenamento em vigência.

Faz-se necessário ainda mencionar ométodo teleológico12, segundo o qual é semprepossível atribuir um propósito às normas, ouseja, seu telos (fins) que devem sempre estarvoltados para o bem comum.

Por fim, discorre-se sobre o sistema dalivre pesquisa. De acordo com França (1999),Serpa Lopes, principal representante,fundamentou sua teoria na mesma concepçãodo sistema histórico-evolutivo, afastando-se dodogmatismo jurídico. Esta teoria alarga suasvistas para horizontes novos e mais dilatados.Sugere outras fontes jurídicas autônomas alémda lei, apresentando um novo Direito que podesobrepor-se ou mesmo contrapor-se àsdisposições legais. Divide-se em duasvertentes: romântica e científica. À românticavincula-se o fenômeno Magnaud. De acordocom este, o magistrado, em suas sentenças,pode valer-se de total libertação de peiaslegais.

12 Disponível em: <http://www.centraljuridica.com/doutrina/19/direito_do_trabalho/interpretacao_da_norma_trabalhista_ integracao_das_lacunas.html>. Acesso em: 10 ago. 2010.

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No entanto, França (1999, p. 18) salientaque “não se trata propriamente de um sistemacientífico, senão de uma atitude antijurídicaque, se generalizada, comprometeria a paz ea segurança públicas.”. Assim, a ideia deliberdade oferecida por esta vertente podeacarretar explorações econômicas, sociais epolíticas, uma vez que a ausência de segurançajurídica afeta a dignidade humana.

Segundo França (1999), a orientaçãocientífica, representada, principalmente, porBufnoir, na França, e por Ihering, na Alemanha,divide-se em Escola Extremada e EscolaModerada.

Conforme França (1999), a EscolaExtremada é representada por Stammler eZietelmann. Gény é o principal mestre da EscolaModerada, apresentando como ideia a procurado Direito pelo intérprete. No Brasil, destaca-seBeviláqua como adepto da Escola Moderada.

3 Regras de Interpretação

França (1999, p. 21) denominahermenêutica como “o conjunto orgânico dasregras de interpretação.”. Segundo o autor, ahermenêutica é composta por três espécies deconjuntos de regras de interpretação, sendoeles as legais, as científicas e as dajurisprudência.

Os arts. 4.° e 5.° da Lei de Introdução aoCódigo Civil, Decreto-Lei n.° 4.657, de 4 desetembro de 1942, prescrevem normas para ainterpretação das leis. Reproduz-se o art. 4°:

Quando a lei for omissa, o juiz decidiráo caso de acordo com a analogia, oscostumes e os princípios gerais dedireito.

Portanto, a suplementação apenas seráadmitida em caso de omissão. E, conformeFrança (1999), o intérprete deve observar serealmente consiste ou não em lei omissa oudefeito da lei, situação em que também serápossível se valer das normas previstas no art.4.° ao interpretar.

O art. 5.° reza que

Na aplicação da lei, o juiz atenderá aosfins sociais a que ela se dirige e àsexigências do bem comum.

Entende-se que as expressões finssociais e bem comum remetem ao bem-estardo homem e da sociedade. França (1999)

acredita que a expressão exigências do bemcomum consiste em ociosidade do legislador,uma vez que as leis se destinam sempre aobem comum, não sendo prescrita para umautilidade em particular. Por conseguinte, ainterpretação baseada neste dispositivo legal,deve sempre estar direcionada para a causada sociedade.

Sobre a questão, França (1999, p. 23)considera:

Finalmente, examinadas segundo umaperspectiva global, é importantíssimonotar que as regras contidas já no art.4°, já no art. 5° do estatuto introdutórioem vigor, nos permitem averiguar que onosso legislador, direta e indiretamente,mostrou consagrar uma orientação que,quando menos, se enquadra no sistemahistórico-evolutivo, aliás o que maisprofundas raízes encontra em nossatradição jurídica.

Desse modo, o sistema histórico-evolutivo,através dos métodos apresentados, buscainterpretar à luz das necessidades da vida emsociedade, observando-se o contexto social esuas mudanças.

As regras científicas estão presentes emdoutrinas que consolidam a HermenêuticaJurídica. França (1999) cita como autorespioneiros, no Brasil, Mello Freire, Paula Baptistae Carlos Maximiliano.

A jurisprudência também apresenta regrasde interpretação. Nesse sentido, França(1999) destaca algumas como afastar aexegese que conduz ao absurdo; as leisexcepcionais devem ter interpretação restritiva;em caso de leis sociais, o intérprete deveadquirir espírito social, no intuito de afirmar averdade lógica.

4 A Linguagem na Hermenêutica Jurídica

Na visão de Galuppo (2002), a linguagempossui como uma de suas funções produzir aintegração social, visto que consiste em únicomeio capaz de coordenar legitimamente osplanos individuais de ação. Segundo o mesmoautor, durante a comunicação, os enunciadosproferidos desenvolvem-se em três tipos depretensão de validade, sendo elas a pretensãode verdade, de veracidade e de correçãonormativa.

A pretensão de verdade corresponde aomundo objetivo (compartilhado por todos os

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seres naturais). Refere-se à adequação doenunciado linguístico à realidade fática.

A pretensão de veracidade correspondeao mundo subjetivo (da expressão desentimentos e emoções; de acesso privilegiadodo indivíduo). Refere-se à adequação entre oque se sente e o que se expressa.

A pretensão de correção normativa, porsua vez, se liga ao mundo intersubjetivo(compartilhado pelos seres racionais, sendo omundo da Moral e do Direito). Refere-se àcorrespondência entre as normas voltadaspara a condução da sociedade e a solução dosconflitos, ou seja, este enunciado implica ainterpretação dos textos normativos.

Galuppo (2002) considera que, quandoos planos individuais de ação entram emconflito, torna-se necessário realizar aintegração social através da ação estratégicaou do agir comunicativo (discurso). Assim, emcaso de dúvida quanto à interpretação dedeterminada lei, sugere-se adotar uma destasações.

A ação estratégica ocorre quando umapessoa utiliza outra pessoa como meioadequado à realização de um fim, tratando-sede influenciação sobre os envolvidos.

Tratando-se de agir comunicativo, oagente procura convencer outra pessoa desuas pretensões. Verifica-se transparência nocomportamento do agente que busca oconsenso, o entendimento.

Neste contexto, Galuppo (2002, p. 129)destaca:

Isso implica a falência da agirestratégico em produzir de mododuradouro a integração social, por nãoconseguir coordenar de maneira estávelos planos de ação. Essa tarefa só podeser compreendida pelo agircomunicativo, por meio do discurso.

Portanto, o agir estratégico é ineficaz pormostrar-se efêmero, sendo que, ao sefracassar um procedimento estratégico, esteteria que ser sustentado por outro ou cria-senova estratégia. Galuppo (2002) defende queo agir estratégico é uma distorção do agircomunicativo, pois apenas se vale daquelequando este falha.

O discurso caracteriza-se pela imposiçãodo melhor argumento, sendo aquele que

melhor resiste a críticas. Caso não sejaacatado, o discurso deixa de ser racional.

Torna-se necessário mencionar acontradição performativa. De acordo comGaluppo (2002, p. 133), esta expressa que“não se pode afirmar que é impossívelconvencer a não ser tentando convencer;”.Com isso, entende-se que a solução racionalpara os impasses, sobretudo quanto àinterpretação de textos normativos, apenasserá possível através do discurso,possibilitando a integração social, ocasionadapela interpretação adequada.

Considerações Finais

Em suma, a Hermenêutica Jurídicaconstitui instrumento essencial para a dinâmicada aplicação dos textos normativos, uma vezque busca reconhecer os valores subjacentesà letra da lei que deve voltar-se sempre para obem comum, sendo também esta a função dasleis que nunca deverão beneficiar determinadoindivíduo. De acordo com Musetti (2001)13, “éa existência e aplicação da HermenêuticaJurídica que aproxima o Direito da Justiça”.

Nesta linha, Freitas Júnior (2009)observa:

O aplicador do direito, assim, tomaráum dispositivo jurídico apenas comoponto de partida para a superação dosconflitos de interesses e nesse rito aliaráa seus conhecimentos técnicos àsregras da hermenêutica para se chegara um clímax interpretativo daconcretização da norma.

Assim sendo, os profissionais do Direitodevem intensificar seus estudos daHermenêutica Jurídica, questionando-seacerca das razões da aplicação da lei,aspirando, desta forma, à realização da Justiça.

Sobre a questão, Dias e Mendes (2010,p. 94)14 ressaltam:

[...] a interpretação da norma –hermenêutica – deve ser construída ealicerçada na realidade de umasociedade em constante evoluçãosocial, política, econômica, espiritual,etc., sem isso a interpretação sofreriaum sério risco de julgar-se vazia ecalcada em notório subjetivismo.

13 Vide nota 4.14 Vide nota 9.

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Destarte, diante da complexidade dosconflitos humanos e sociais, exige-se que ojurista interprete as normas conforme cadacaso concreto, atentando-se para asconstantes transformações sociais. Cabe a eleadaptar o preceito das normas à realidade dosfatos, afastando sua abstração.

Glezer (2010)15 salienta que a concepçãodo fenômeno jurídico é interpretativa enormativa. A diferença do Direito de outrosfenômenos sociais é definida através decondições de verdade, carecendo o debateatual pautar-se nos diferentes modos decompreender a realidade e, por conseguinte,o fenômeno jurídico.

A aplicação da norma deve apresentarcomo propulsor a interpretação, sendonecessário, para tanto, que o jurista domine oprocedimento hermenêutico e suaaplicabilidade em cada caso concreto,afastando o excesso da exegese. Torna-se,ainda, imprescindível para a coerência dasdecisões judiciais o controle da sociedadesobre as atividades jurídicas.

Referências

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidadedemonstrar, de maneira sucinta, a importânciada aplicação do art. 285-A do Código deProcesso Civil diante dos maiores problemasenfrentados pelo Judiciário brasileiro: aceleridade e efetividade na prestaçãojurisdicional. O abandono de dogmas e formasque não mais satisfazem a atual resolução dosconflitos dos jurisdicionados é uma necessidadeque se faz urgente. Não se pode descurar,porém, os direitos e garantias fundamentais doslitigantes.

Palavras-chave: celeridade, efetividade,princípios constitucionais.

ABSTRACT

This paper aims to demonstrate succinctly theimportance of applying art. 285 - The Code ofCivil Procedure before the biggest problemsfaced by the Brazilian judiciary: the speed andeffectiveness in the adjudication. Theabandonment of tenets and forms that no longermeet the current conflict resolution are underjurisdiction of the needs that are emerging thatare more, not stopping to observe, however, thefundamental rights and guarantees of thelitigants.

Keywords: speed, effectiveness,constitutional principles.

1 Introdução

Com o intuito de dar mais celeridade aosistema jurisdicional pátrio, entrou em vigor noordenamento jurídico brasileiro o art. 285-A doCódigo de Processo Civil (CPC), instituído pelaLei n.º 11.277/2006. Referido dispositivointroduziu a possibilidade do julgamento deimprocedência no início do processo, com baseem outra sentença proferida pelo mesmo juízo

JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA INITIO LITIS: A BUSCA PELACELERIDADE E EFETIVIDADE PROCESSUAL

Camila Caroline Rocha Chaves1

competente em precedente semelhanteanalisado em outra demanda. SegundoTheodoro Júnior (2006), a finalidade maiordesse instituto é tentar evitar que inúmerosprocessos com causas análogas, as chamadasdemandas de massa, abarrotem ainda mais oPoder Judiciário e impeçam a prestaçãojurisdicional em tempo hábil.

A justificativa para a utilização desseinstrumento processual é a possibilidade de sesolucionar, de maneira rápida e eficiente,aquelas causas que se repetem por dezenasou até milhares de vezes em um mesmo juízo.De acordo com os ensinamentos de Neves et al(2006, p. 376):

O legislador apenas potencializou nessedispositivo do CPC o princípio daeconomia processual, permitindo queseja resolvido de imediato um processocujo desfecho, ao menos perante aqueleórgão jurisdicional, de antemão já sesabe.

2 Movimento reformador do Código deProcesso Civil Brasileiro

Desde o advento da CRFB/88, o CPC vemsofrendo inúmeras alterações. Essasmodificações são justificadas pela atual situaçãona qual se encontra o Judiciário brasileiro:grande parte dos litígios levam anos ou atémesmo décadas para serem solucionados e atutela jurisdicional se torna cada vez menoseficaz.

A ideia de estabelecer normas processuaisque buscam uma maior celeridade processualexiste desde o Império Romano. Segundo Fiúza(2002), desde essa época, vislumbrou-se anecessidade da criação de regras quetratassem da questão relativa ao tempo e que,principalmente, apresentassem uma forma deresolver os litígios em prazo certo e determinado.

Civilizações posteriores também sepreocuparam com o fator temporal na soluçãode seus conflitos, como o Código de Manu, na

1 Acadêmica da Faculdade de Direito Santo Agostinho.

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Índia, e a Bula Clementina, na Era Medieval.Em nenhuma delas, no entanto, encontra-seuma maneira tão clara e desenvolvida como asregras criadas pelos romanos.

O que, no passado, era uma questão deordem, hoje se apresenta como o maior entravepara a solução dos litígios no Judiciáriobrasileiro. Por esse motivo, as reformas noProcesso Civil são tão frequentes. A finalidadeprecípua dessa onda reformista, segundoSantos (2006), é dar maior agilidade ao tramiteprocessual e, em consequência, maiscredibilidade ao Poder Judiciário. A prestaçãojurisdicional, em muitas situações, não vemconseguindo assegurar a todos o acesso àJustiça, em tempo razoável, como previstoconstitucionalmente.

Com o advento da Emenda Constitucionaln.º 45/2004, percebeu-se uma maiorpreocupação do legislador constituinte com aquestão da prestação jurisdicional em tempohábil. Elevou-se à categoria de garantiafundamental o direito à tutela jurisdicional demaneira célere, como prevê o art. 5.º daConstituição de 1988, em seu inciso LXXVIII, oqual estabelece que “a todos, no âmbito judiciale administrativo, são assegurados a razoávelduração do processo e os meios que garantama celeridade de sua tramitação.”.

Nos dizeres de Theodoro Júnior (2009, p.15) as várias reformas do Código de ProcessoCivil possuem “um só e principal objetivo:acelerar a prestação jurisdicional, tornando-amais econômica, mais desburocratizada, maisflexível e mais efetiva no alcance de resultadospráticos para os jurisdicionados.”. Complementa,ainda, afirmando que a preocupação maior doprocessualista da atualidade é o denominado“processo de resultados”, o qual pretendeabandonar a constante preocupação com asformas e buscar a efetividade tão esperada porquem provoca o Poder Judiciário a fim de versolucionado o seu conflito.

A recorribilidade constante à novasfórmulas que tornem mais célere a prestaçãojurisdicional acabou deixando de lado algunsdogmas processuais sustentados durante anos.Procura-se dar lugar à praticidade emdetrimento do excesso de formalismo eburocratização que ainda permeiam a atividadejurisdicional, como bem assevera Dinamarco(2006, p. 11):

O exagerado conceitualismo que dominoua ciência do processo a partir do séculoXIX e a intensa preocupação garantísticaque se avolumou na segunda metade doséculo XX levou o processualista a umaprofunda imersão em um mar deprincípios, de garantias tutelares e dedogmas que, concebidos para seremfatores de consistência metodológica deuma ciência, chegaram ao ponto de setransmudar em grilhões de uma servidãoperversa. Em nome dos elevados valoresresidentes nos princípios do contraditórioe do due process of law, acirraram-seformalismos que entravam a máquina eabriram-se para a malícia e a chicana.Para preservar as garantias do juiz naturale do duplo grau de jurisdição, levou-se aextremos as regras técnicas sobre acompetência. Nós, doutrinadores eoperadores do processo, temos a mentepovoada de um sem número depreconceitos e dogmas supostamenteirremovíveis que, em vez de iluminar osistema, concorrem para uma justiçamorosa e, ás vezes, insensível àsrealidades da vida e às angústias dossujeitos em conflito.

É nesse clima inovador que surge oinstituto do julgamento de improcedência initiolitis instituído pela Lei n.º 11.277/06. Suafinalidade precípua é acelerar o andamentoprocessual e julgar, de início, causas que talvezdemandariam anos e em que já se sabeexatamente qual a solução a ser adotada, tudoem nome da economia e celeridade processual.

Uma nova etapa vem sendo inauguradano processo civil brasileiro, procurandoacompanhar a evolução social brasileira,estabelecendo normas inovadoras e talvez atémesmo de caráter bem radicais, pois segundoSouza (2010)2 , “o CPC vigente não mais atendeàs necessidades atuais dos jurisdicionados. Éincapaz de tornar concreto o direito à razoávelduração do processo.”.

A onda reformista provocou no Judiciárioinúmeras mudanças, inovando em muitossentidos. A título de exemplo, pode-se citar aLei n.º 8.952/94, que instituiu no ordenamentojurídico a possibilidade de conceder o méritoda demanda antes mesmo de prolação desentença em sede de tutela antecipada; a Lein.º 11.232, que possibilitou a fase de

2 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-jan-22/reforma-cpc-garantir-direito-razoavel-duracao-processo>.Acesso em: 20 out. 2010.

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cumprimento de sentença e inaugurou, segundoCâmara (2009, p. 146) “um processo misto,sincrético em duas fases: o módulo processualde conhecimento e o módulo processualexecutivo.”.

Há, ainda, a Lei n.º 11.187/05, que alteroua sistemática do agravo de instrumento, dando-lhe nova redação legal e novo procedimento e,por fim, o atual projeto que pretende reformar oCPC brasileiro realizando mudançassignificativas na seara processualista, como adiminuição do número de recursos (fim doagravo de instrumento, a não ser para questõesde urgência), limitação do uso de embargos àdeclaração e a tramitação de processosvirtualmente.

De acordo com Ministro Luiz Fux (2010)3 ,que coordena a comissão de juristas queelaboraram o anteprojeto de Reforma do CPC,“buscou-se eliminar as três principais causasdo problema: o formalismo dos processos, oexcesso de recursos aos tribunais e alitigiosidade desenfreada no país desde os anos70, tendência nunca revertida.”.

3 Julgamento imediato do pedido naapreciação da petição inicial

Reza o caput art. 285-A do CPC, instituídopela Lei 11.277/06:

Quando a matéria controvertida forexclusivamente de direito e no juízo jáhouver sido proferida sentença de totalimprocedência em outros casosidênticos, poderá ser dispensada acitação e proferida sentença,reproduzindo-se o teor da anteriormenteprolatada.

A redação dada ao dispositivo contido noCPC pressupõe, segundo Santos (2006), umaalteração brusca na tríade processual autor–juiz–-réu, tendo em vista que o magistrado ficaautorizado a proferir sentença na situação emque o processo se encontrar e sem nem mesmoser formada a relação jurídica triangular com acitação do demandado, julgando, liminarmente,improcedente a ação.

De acordo com os ensinamentos de Neveset al (2006, p. 375) “o legislador potencializouneste dispositivo do CPC o princípio daeconomia processual, permitindo que seja

resolvido de imediato um processo cujodesfecho, ao menos perante aquele órgãojurisdicional, de antemão já se sabe.”.

O que se busca com a aplicação do art.285-A do CPC é uma maneira de melhor resolverdemandas de massa, entendidas por Câmara(2008) como aquelas em que se possui semprea mesma tese jurídica sem trazer, contudo, fatosinovadores, como ocorre com as açõesprevidenciárias, as de cunho tributário e grandeparte das que tramitam perante a JustiçaFederal.

Um ponto, porém, merece atenção. Aredação do caput do artigo fala em “casosidênticos”, expressão erroneamente utilizadapelo legislador, pois segundo Bueno (2006, p.77) “os processos repetitivos regrados pelo art.285-A são aqueles em que se tem a mesma tesejurídica, e não aqueles que possuem as mesmaspartes litigando entre si pelas mesmas razões epara os mesmos fins.”. Para Theodoro Júnior(2006, p. 17)

Não se pode exigir identidade de causasou ações, mas apenas de casos. Se ascausas fossem idênticas teriam dereproduzir partes, pedidos e causas depedir. Ter-se-ia litispendência ou coisajulgada, o que provocaria extinção doprocesso sem julgamento de mérito nostermos do art. 267 do CPC.

Na opinião de Santos (2006, p. 146),“identidade, nessa hipótese, é simplesparecença, sem que haja qualquer identificaçãode partes e causa de pedir.”.

A aplicação do dispositivo em apreço àsdemandas de massa pressupõe algunsrequisitos indispensáveis, sem os quais não sepode cogitar em utilizá-lo. O primeiro requisitodiz respeito ao fato de que somente teráincidência a dita norma nas hipóteses em que amatéria controvertida seja unicamente dedireito, assim entendida por Bueno (2006, p. 74)como aquela em que “a tese jurídica predominesobre eventuais questões de fato.”. Neves et al(2006, p. 380) advertem que:

Por razões óbvias, lógicas econstitucionais, o art. 285-A apenas prevêa resolução imediata quando a matériatrazida na causa de pedir for unicamentede direito. Eventual previsão legal deresolução imediata também nas hipóteses

3 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/verNoticia.aspx?codNoticia=102739&amp%3BcodAplicativo=2>. Acesso em: 20 out. 2010

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de matéria de fato redundaria num preceitotragicamente inconstitucional, já queseriam suprimidas do autor as garantiasdo contraditório da ampla defesa.

A hipótese de improcedência em questãounicamente de direito justifica-se pelo motivo deque, caso implicasse também a não apreciaçãodas situações de fato, grande prejuízo teria oautor, o qual não poderia provar osacontecimentos por ele alegados. RessaltaSantos (2006, p. 146), ainda quanto àabrangência da expressão situação de direito:

Na questão de direito o elemento fáticonão se despreza, mas o que se observaé que, em razão de sua própriacontextura, uma situação jurídicaconcreta e determinada se cristaliza, detal forma que, por ela, em si, é que aimprocedência se justifica em um e emoutro caso.

O segundo pressuposto a ser observadoé a existência de decisões anteriormenteproferidas pelo mesmo juízo que consistam natotal improcedência do pedido. De acordo comDidier Júnior (2009, p. 350) são espécies dedemandas nas quais “se o magistrado já tiverconcluído, em outros processos, que aquelapretensão não deve ser acolhida, ficadispensado de citar o réu, podendo julgarantecipadamente o mérito da causa.”.

O entendimento trazido pela letra fria doartigo é de que as decisões já anteriormenteproferidas referem-se àquelas ditadas pelosjuízes de Primeira Instância, independentementedo entendimento dos Tribunais Superiores.Contudo, tal premissa deve ser diferentementeinterpretada, tendo em vista que a aplicabilidadedo dispositivo processual em questão nãopoderá, segundo Bueno (2006, p. 57), “se darsomente no contexto das decisões de primeirograu [...] pelo menos na medida em que elasmostrem-se contrárias ao entendimento dasinstâncias competentes superiores.”.

Tem-se, portanto, que as decisões profe-ridas prima facie e que, posteriormente, foremreproduzidas, devem estar em total consonân-cia com os ditames dos Tribunais Superiores.Ressalte-se, ainda, que a expressão “total im-procedência” é aplicada em seu sentido literal:não se reproduzirá a sentença em sede de jul-gamento limine litis que julgue procedente ouparcialmente improcedente a pretensão do au-tor, mesmo que se tratem de demandasrepetitivas.

O terceiro pressuposto a ser observadoquando da aplicação do art. 285-A é o fato dese tratarem de casos idênticos. A questão já foradiscutida em momento anterior, levando-se aconclusão de não se tratarem propriamente decasos idênticos, e sim semelhantes, com mesmatese jurídica e mesmos fundamentos. ParaBueno (2006, p. 76) casos idênticos nada maissão do que “aqueles em que a mesma tesejurídica questionada pelo autor já encontraram,naquele juízo, resposta, mesmo que negativa àsua pretensão.”.

A polêmica maior do art. 285-A do CPC giraem torno de uma possível inconstitucionalidadeprocedimental por ele instituída. Muitosdoutrinadores afirmam haver a supressão docontraditório e da ampla defesa, ferindo, assim,o devido processo legal amparadoconstitucionalmente. Consistiria essainconstitucionalidade no fato de se proferirsentença sem que ao menos tenha sidocientificado o réu. Ocorre, porém, que oparágrafo primeiro da norma processual traz ahipótese de interposição de recurso pela partevencida contra a decisão de improcedência.Nesse caso, poderá o juiz retratar-se de suadecisão, no prazo de cinco dias, determinandoo prosseguimento da ação. Além disso, não setrata de instituto de aplicabilidade obrigatória,tratando-se de mera faculdade do juiz dePrimeira Instância que poderá, caso hajainterposição de recurso posteriormente, retratar--se da decisão proferida.

Como bem assevera Didier Júnior (2009,p. 349) “a apelação do autor permite o juízo deretratação, garantindo-se, assim, o contraditórioem favor do autor, que poderá, com suasalegações, convencer o magistrado do equívocode sua decisão.”.

O parágrafo segundo expressa que “casoseja mantida a sentença, será ordenada acitação do réu para responder ao recurso.”.Com a citação válida e posterior apresentaçãode contrarrazões pelo apelado, será inauguradaa fase de exercício do contraditório e da ampladefesa ao réu que já fora beneficiado comsentença de improcedência à pretensão postaem seu desfavor. É por tal motivo que grandeparte da doutrina defende a impossibilidade dese questionar a constitucionalidade do instituto.

No entender de Bueno (2006), não hásupressão do contraditório, ampla defesa ou atémesmos afronta ao princípio do acesso à justiça:esses direitos serão plenamente exercidos peloautor quando da interposição de sua demandae, no caso do réu, haverá mera postergação

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para momento posterior, não sofrendo elenenhum prejuízo, já que a decisão proferida étotalmente favorável à sua pretensão.

4 Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º3.695/06

Valendo-se da competência que lhe éatribuída pelo art. 103, VII, da CRFB/88, oConselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil intentou, perante o Supremo TribunalFederal, a ADI n.º 3.695/06, com o intuito de verdeclarada inconstitucional a norma transcrita noart. 285-A do CPC.

A alegação do Conselho requerente é deque o julgamento de improcedência initio litisafronta, de modo visível, os princípios previstosno art. 5.º, incisos XXX, LIV e LV da CRFB/88.Afirma-se que o referido artigo admite autilização, num mesmo juízo, de sentençaprolatada em outro processo dando fim aoprocesso proposto e instituindo, assim, umasentença vinculante, que impede o curso doprocesso em primeiro grau de jurisdição.4

O controle de constitucionalidade é con-sagrado na CRFB/88 e tem como escopo reti-rar do ordenamento jurídico normas considera-das inconstitucionais, assim entendidas porMendes, Coelho e Branco (2010, p. 1.004) como“atos que incorrem em sanção – de nulidadeou anulabilidade – por desconformidade com oordenamento constitucional.”. O controle deconstitucionalidade será promovido, dentre ou-tros modos, pela Ação Direta deInconstitucionalidade, que poderá impugnar tan-to na esfera estadual quanto na federal, leis ouatos normativos que afrontem princípios, direi-tos e garantias ditados pela Carta Magna.

O escopo da ADI 3.695/06 é, ao final, verretirado do ordenamento jurídico o dispositivoque permite o julgamento de improcedência porintermédio de “sentença vinculante.”.

A referida ADI tem como Relator o atualPresidente da Suprema Corte, o Ministro CezarPeluso, e até o presente momento não foijulgada. O Instituto Brasileiro de DireitoProcessual (IBDP) requereu a sua inclusão nojulgamento como amicus curiae, que se tratanos dizeres de Bueno (2006, p. 62):

[...] um terceiro (isto é, qualquer um quenão seja autor nem réu) que pode tomar

a iniciativa de pretender intervir emprocesso alheio (ou, até mesmo, serconvocado para intervir) para fornecer, aomagistrado, informações necessárias ou,quando menos, úteis para o proferimentode uma decisão jurisdicional que leve emconsideração os valores difusos nasociedade que serão, de forma mais oumenos intensa, afetados pelo que vier aser decidido no processo em queintervém.

Em seu parecer, o IBDP manifestou-sepela improcedência da ação e consequentepermanência do instituto no âmbito do DireitoProcessual Civil. A Advocacia-Geral da União,bem como a Procuradoria-Geral da República,também se posicionaram a favor do instrumentode celeridade processual, e requereram aimprocedência da ação.

Há choque de princípios na interpretaçãodo art. 285-A do Código de Processo Civil. Deve-se observar, contudo, as exigências que nãojustificam mais um modelo processual baseadono formalismo ou, em outro aspecto, umprocesso devidamente ajustado à atual situaçãoem que se encontra o Judiciário brasileiro. Oembate dos princípios constitucionais docontraditório e da ampla defesa e os delesderivados merecem análise aprofundada eminuciosa, devido ao fato de se tratarem degarantias que, se suprimidas de maneiraerrônea, podem causar graves lesões a direitosindividuais.

5 Considerações Finais

A guisa de conclusão, mostra-se visível anecessidade de se buscar, cada vez mais, novasmaneiras de se conduzir o processo a fim de queeste desempenhe sempre seu papel primordial,que é a prestação da Justiça em tempo hábil.

A aplicação de novas técnicas menosburocráticas e que tornem mais fácil o acessoaos cidadãos são necessidade impostas pelaatual situação em que se encontra o PoderJudiciário brasileiro. A aplicação de dispositivoscomo o art. 285-A do Código de Processo Civil,ao contrário do que quer fazer crer o ConselhoFederal da OAB, nada tem de inconstitucional.Sobretudo, tendo em vista que não suprime ocontraditório, o devido processo legal e a ampladefesa.

4 Petição inicial da Ação Direta de Incostitucionalidade n.º 3695/06 ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=335580&tipo=

TP&descricao=ADI%2F3695>. Acesso em: 23 out. 2010.

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O que se vislumbra é apenas apostergação do exercício de tais direitos,visando uma prestação jurisdicional mais célere,pois, de nada adiantaria o exercício do direitode ação no momento em que se acredita ser ocorreto, se, ao fim, a prestação jurisdicional nãose efetiva em tempo razoável e de maneiracorreta.

REFERÊNCIAS

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RESUMO

O tema deste artigo é a adoção de crianças eadolescentes por casais homofetivos. Por meiode um estudo crítico, evidencia a possibilidadedesse tipo de adoção no Brasil. Visa tambémdesmistificar as implicações na formação dapersonalidade e identidade da criança adotadapor pares do mesmo sexo, bem como delineara suficiência e aptidão para criação e formaçãomoral, educativa e cultural à luz da afetividadee ao arrepio de concepções discriminatórias.Alicerça-se em pesquisas exploratóriasassumidas por Farias e Rosenvald (2009), Dias(2009), entre outros, análises jurisprudenciais,doutrinárias e exposição de entendimentospsicológicos centrados nessa problemática.Nesse viés, o foco do trabalho é traçar uma linhaargumentativa abrangendo o reconhecimentoda união homoafetiva no Brasil e exterior, a novaLei da Adoção e a Doutrina da Proteção Integral.São analisadas, também, as influências dasexualidade dos pais no desenvolvimento dapersonalidade e identidade da criança, comrealce para os posicionamentos revelados pelaPsicologia no que tange ao crescimento dacriança na família homossexual. A justificativapara este trabalho prende-se ao fato de queele possibilita o conhecimento pormenorizadoacerca do tema, permitindo a construção depós-conceitos balizados pelo ideal de igualdadee respeito. Soma-se a isso a relevânciaincontestável, em face das mudanças pelasquais a sociedade e constituição das famíliaspassam, o que implica a necessidade iminentede amparo legal específico, a fim de garantirproteção aos vínculos de afeto estabelecidos ereconhecimento das novas modalidades defamília, com os seus respectivos direitos.Somente dessa forma, dar-se-á a perfeitasincronização entre a interpretaçãoconstitucional e as complexas exigências dotempo presente. Por conseguinte, a efetivação

OS CASAIS HOMOAFETIVOS E O AMPARO À ADOÇÃO NO BRASIL

Gabrielle Xavier Ribeiro1

dos direitos só será possível na medida em queo Direito puder clarificar suas concepções edesvencilhar-se da moral arcaica que enterra aisonomia e a possibilidade de transformar a vidade milhares de crianças renegadas aodesamparo familiar. Sendo a adoçãomodalidade de filiação construída no amor,negar às crianças e adolescentes apossibilidade de serem amados pelo simplesfato de que os futuros pais compõem um parhomoafetivo, é o mesmo que abraçar adiscriminação e cumprimentar-lhe por mais essefeito.Palavras-chave: homoafetividade; adoção;personalidade da criança.

HOMOSEXUAL COUPLES AND THE SUPPORTOF ADOPTION IN BRAZIL

ABSTRACT

This article has scope to examine, through acritical study: the possibility of adoption byhomosexual couples in Brazil, the character andidentity of children adopted by homosexualcouples, as well as outlining the sufficiency andability to create and moral training, educationaland cultural adopted by homosexual, in light ofaffection, in defiance of discriminatoryconceptions. The method used was inductive,grounded in exploratory analysis based onjurisprudence, doctrinal understandings andexhibition focusing on psychological problemsin the screen. The psychological aspect that thistype of adoption would mean the child ispresented as a major obstacle to its effectivelegalization in Brazil. The focus of the work is tooutline a framework covering: recognition ofmarriage homo in Brazil; New Adoption Law andDoctrine of Integral Protection; adoption byhomosexual couples, judicial and constitutionalbacking; influences on personality developmentand identity of the child, highlighting the positions

1 Acadêmica do 5.º Período de Direito da Faculdade de Dirieto Santo Agostinho

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revealed by psychology when it comes togrowing up in homosexual families. From thepoint of stroke, it seeks to favor the detailedknowledge about the issue and allow theconstruction of post-concepts, distinguished byequality and respect. The theme has undoubtedrelevance to the changes that face society andthe constitution of families suffer progressively.Moreover, raises the imminent need of legalsupport specific to ensure protection to thebonds of affection and recognition of newestablished modality of family, with their ownrights. Only thus will give the perfectsynchronization between constitutionalinterpretation and the complex demands of ourtime. Therefore, the realization of rights is onlypossible insofar as the law can clarify their viewsand to extricate himself from the moral archaicBurying equality and the possibility oftransforming the lives of thousands of helplesschildren renegade family. Since the adoption ofmembership mode built on love, deny childrenand teenagers the opportunity to be loved bythe simple fact that the future parents who areof the same discrimination that embrace andgreet him for more than that done.

Keywords: homoaffection, adoption, child’spersonality.

1 INTRODUÇÃO

A união de pessoas do mesmo sexo incitapolêmicas e rotulações pejorativas ediscriminatórias vez que, segundo a concepçãoconservadora, representa legítima afronta aomodelo convencional de família concebido comonatural: união de homem e mulher. Todavia, écabível salientar que independentemente domolde de família reputado “aceitável” pelasociedade, pelo simples fato de constituir-seunião familiar, a união homossexual merece adevida proteção, respeito e amparoconstitucional. O princípio norteador daConstituição da República Federativa do Brasil(CRFB/88) que baliza o sistema jurídico é o queconsagra a dignidade da pessoa humana eressalta o compromisso do Estado para com ocidadão, a despeito da orientação sexual.Destarte, aos homossexuais, dignos darealização dos mesmos direitos inerentes a cadaindivíduo, deve ser conferida a plenitude doexercício da adoção, tal qual é garantido àsdemais famílias que busquem a concretizaçãode uma filiação edificada no amor.

A CRFB/88 concebe prioridade absolutaao melhor interesse da criança. Porconseguinte, surgem inúmeras implicaçõesquanto à possibilidade de a convivência emfamília homoafetiva acarretar “problemas” naformação da sua personalidade e suaidentidade. Os “problemas” reputados comoconsequências do convívio em famíliahomossexual dizem respeito à propensão de acriança ter a sua sexualidade afetada e tendenteà orientação homossexual, má formaçãopsíquica, emocional e educacional. O presentetrabalho busca desarraigar essa concepção edemonstrar quão aptos à adoção revelam-seos casais homoafetivos, equiparadamente aqualquer indivíduo que se preocupe com o bem--estar da criança e possua plenas condiçõespsicológicas e afetivas para desempenho dafunção paterna e/ou materna.

2 RECONHECIMENTO DA UNIÃOHOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR

Ao tratar do casamento, o legisladorsequer se refere à diversidade de sexo do par,renegando à margem matrimonial as uniõescompostas por casais homoafetivos. SegundoDias (2009, p. 186), a Igreja fez do casamentoforma de propagar a fé cristã: “crescei emultiplicai-vos”. A infertilidade dos vínculoshomossexuais levou a Igreja a repudiá-los,acabando por serem relegados à margem dasociedade. É absolutamente crível a assertivade que uma relação duradoura e contínua entrepessoas do mesmo sexo produza efeitos noâmbito jurídico, seja ele patrimonial ou pessoal.Malgrado essa realidade inconteste, boa parteda doutrina, apoiada em legalismos formais,ainda insere as uniões homoafetivas sob ummanto puramente obrigacional, reputando-asmeras sociedades de fato. Adotando umposicionamento mais conservador, versaGonçalves (2007) que a diversidade de sexosé requisito natural, chegando mesmo a reputar“inexistentes” as uniões homossexuais edefendendo regulamentação de carátermeramente obrigacional. Contudo, a carênciade lei não implica inexistência de direito.

2.1 Previsão Constitucional

Embora a lei não tenha contemplado demodo expresso a união homoafetiva comorelação familiar, sob a luz de uma interpretaçãosistêmica e unitária do ordenamento jurídico, éperfeitamente plausível este enquadramento no

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art. 226 da Constituição Federal, rol meramenteexemplificativo das modalidades de família, queconfere a esta especial proteção do Estado econsagra o princípio do pluralismo familiar, bemcomo o direito ao livre planejamento familiar. Anorma prevista no aludido dispositivo possuicaráter inclusivo, não sendo admissível excluirqualquer entidade dotada de afetividade,estabilidade e ostensividade. Ademais, ao seconsiderar os princípios constitucionais dadignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III),da não-discriminação, inclusive por opçãosexual (CF, art. 5.º) e da igualdade substancial(CF, arts. 3.º e 5.º) fica notório que oreconhecimento de direitos prescinde qualquerquestionamento acerca da identidade eorientação sexual do indivíduo. O direito àsexualidade é direito humano fundamental,natural, inalienável e imprescritível, conformepreceituam Farias e Rosenvald (2009), queacompanha a pessoa desde o seu nascimentoe que inclui tanto a liberdade sexual como aliberdade à livre orientação sexual.Resguardado por mandamento constitucional,não pode ser excluído do âmbito de proteção,vez que nenhum ser humano se realiza complenitude sem que o direito à sexualidade sejaelevado e consolidado como elemento deafirmação da cidadania.

O preâmbulo constitucional, legítimoparâmetro interpretativo, compromete-se emproteger valores ditos supremos em uma“sociedade fraterna, pluralista e sempreconceitos”. O pluralismo reporta àmultiplicidade e reconhecimento da diversidade,por conseguinte, sendo a família homoafetivaparte singular da diversidade ora concebida,ignorar sua constitucionalização significa tratarum ser humano comum de modo indigno econtrariar um postulado basilar do EstadoDemocrático de Direito, conforme corroboramFarias e Rosenvald:

[...] não proteger a entidade homossexualtambém como grupo familiar é negar asua compreensão instrumentalizada,retirando proteção da pessoa humana erepristinando uma era já superada(definitivamente!) institucionalista, comose a proteção não fosse dedicada àpessoa, atentando contra a suaintransigível dignidade. (2009, p. 62)

A família homoafetiva constitui modelofamiliar autônomo, logo, uma vez o Estado tendofirmado seu compromisso em conferir especialproteção à família, este deve vetar quaisquerdiscriminações e preconceitos advindos da raça,sexo ou idade e assegurar o pleno exercício dosdireitos sociais e individuais.

2.2 Reconhecimento jurisprudencial elegalização

A omissão do legislador, ainda que possuao condão de obstaculizar a efetivação dosdireitos, não desbasta os avançosjurisprudenciais pautados em interpretaçõesaxiológicas e progressistas devidamenteadaptadas às novas conjecturas e mutaçõessociais. Nesse diapasão, insurge a Justiçagaúcha como pioneira, ao definir, em 1999, acompetência dos juizados especializados dafamília para apreciar as uniões homoafetivas.

Relações homossexuais. Competênciapara julgamento de separação desociedade de fato dos casais formadospor pessoas do mesmo sexo. Em setratando de situações que envolvemrelações de afeto, mostra-se competentepara o julgamento da causa uma dasvaras de família, à semelhança dasseparações ocorridas entre casaisheterossexuais. Agravo provido (TJRS,8.ª C. Cív., AI 599 075 496, rel. Des, BrenoMoreira Mussi, j. 17.06.1999). 2

Dentro da mesma perspectiva alicerçadano afeto, o Tribunal Superior Eleitoralreconheceu a união homoafetiva como entidadefamiliar para fins de inegibilidade eleitoral,asseverando que assim como na união estável,no casamento ou no concubinato, presume-seque haja fortes laços afetivos. Outrossim, noâmbito da seguridade social, a InstruçãoNormativa do INSS 25/2000 concede tanto oauxílio por morte quanto o auxílio por reclusão.Na órbita previdenciária, reconhece-se o direitoà inscrição do companheiro homossexual comodependente principal, e, em igual sentido, éreconhecida a possibilidade de partilha de bens,direitos sucessórios, direito real de habitação,direito à visita íntima (no âmbito do DireitoProcessual Penal) e deferimento de visto de

2 Disponível em: <www1.tjrs.jus.br>. Acesso em: 15 abr. 2011.

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permanência ao parceiro estrangeiro que vivaem união homoafetiva com brasileiro.

Ainda no âmbito nacional, o conceito legalde família trazido pela Lei Maria da Penharepresentou importante avanço ao agregar deforma declarada ao sistema jurídico as uniõeshomoafetivas, quando em seu art. 2.ºreconheceu: “Toda mulher, independentementede classe, raça, etnia, orientação sexual [ ...]goza dos direitos fundamentais inerentes àpessoa humana”; confirmando, no parágrafoúnico do art. 5.º, que independem de orientaçãosexual todas as situações que configuramviolência doméstica e familiar. Em passos lentose significativos, o ordenamento brasileiro vaiassimilando a possibilidade de equiparação dedireitos, seguindo uma tendência mundial derespeito à dignidade humana.

No Direito Estrangeiro, consoante aludemFarias e Rosenvald (2009, p. 69), diversospaíses reconhecem as uniões homossexuaiscomo entidades familiares, a exemplo daArgentina, com a Lei n.º 1.004/2002, conferindoparidade de tratamento protetivo com a famíliacasamentária. Do mesmo modo, a LeiDinamarquesa 372, de 1989 (Danish RegisteredPartnership) e a sueca (partenariat – parceriaregistrada), de 1994, que atribui aoshomossexuais idênticos direitos reconhecidosao casamento. Nesse mesmo passo, vários sãoos países onde há previsão legal expressapermitindo a adoção por casais homossexuais,valendo destacar: Inglaterra, País de Gales ePaíses Baixos. O mesmo ocorre em algumasprovíncias da Espanha, entre as quais Navarrae País Basco.

Malgrado ausência de regramento legalespecífico, a jurisprudência tem sido profícua efértil ao produzir seus julgados e abrirprecedentes favoráveis ao deferimento daadoção, conforme pode ser conhecido peloseguinte julgado do Distrito Federal:

Direito constitucional e administrativo.Servidora pública. União homoafetiva.Reconhecimento para fins funcionais.Lacuna no ordenamento jurídico.Analogia. 1. A união homoafetiva mereceproteção jurídica, ainda que não encontreno ordenamento jurídico em vigorregramento legal específico, porquantotraz em seu bojo a hodierna concepçãode família que leva em conta os laços

afetivos que unem essas pessoas emvida comum, bem como os princípiosconstitucionais da liberdade, daigualdade, da dignidade da pessoahumana e da proibição de discriminaçãopor motivo de orientação sexual. 2. Oprincípio da legalidade estrita, que impõeà administração pública o dever derealizar apenas o que está previsto emLei, não caracteriza óbice à equiparaçãoentre uniões homoafetiva e estável. UBIeadem legis ratio, ibi eadem legisdispositio. Ademais, o juiz não podevaler-se do non liquet, ex vi do art. 126do CPC, do art. 4º da LICC e do art. 5º,XXXV, da CF/88. Precedente do STJ. 4.Recurso de apelação conhecido edesprovido. Unânime. (TJDF, Rec.2010.01.1.013690-7, Ac. 481.435, 2ª T.Cív., Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior, p.22/02/2011).3

Recentemente, os Ministros do SupremoTribunal Federal (STF), ao julgarem a AçãoDireta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e aArguição de Descumprimento de PreceitoFundamental (ADPF) 132, reconheceram aunião estável para casais homoafetivos. Asações foram ajuizadas na Corte,respectivamente, pela Procuradoria-Geral daRepública e pelo Governador do Estado do Riode Janeiro, assentadas na busca por umainterpretação conforme a Constituição quetranspusesse o preconceito e reconhecesse aunião homoafetiva como entidade familiar. ORelator, Ministro Ayres Brito, argumentou em seuvoto que

Logo, vínculo de caráter privado, mas semo viés do propósito empresarial,econômico, ou, por qualquer forma,patrimonial, pois não se trata de umamera sociedade de fato ou interesseiraparceria mercantil. Trata-se, isto sim, deum voluntário navegar por um rio semmargens fixas e sem outra embocaduraque não seja a experimentação de umnovo a dois que se alonga tanto que sefaz universal. E não compreender issotalvez comprometa por modo irremediávela própria capacidade de interpretar osinstitutos jurídicos há pouco invocados,pois “ é Platão quem o diz -, “quem nãocomeça pelo amor nunca saberá o queé filosofia”. (ADI 4227, p. 09)4

3 Disponível em: <www1.tjdf.gov.br>. Acesso em: 15 abr. 2011.4 Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 13 jun. 2011

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Consoante o exposto, é perceptível que,embora permeada por preconceito, a relaçãofamiliar homoafetiva produz efeitos jurídicos quemerecem respaldo jurisprudencial, devendo,pois, os juízes, em observância à hermenêuticaconstitucional, primarem pela aplicação daanalogia e Princípios Gerais do Direito, não seabstendo de julgar em face das lacunas.

3 O INSTITUTO DA ADOÇÃO E A DOUTRINADA PROTEÇÃO INTEGRAL

Conforme a conceituação tradicional, aadoção é o estado de filiação artificial decorrentede um ato jurídico, em sentido estrito, cujaeficácia está condicionada à chancela judicial.Para Gonçalves (2005), é o ato jurídico solenepelo qual alguém recebe em sua família, naqualidade de filho, pessoa a ela estranha. Soba mesma égide, Venosa prescreve que aadoção é modalidade artificial de filiação quebusca imitar a filiação natural (2003). Malgradoos méritos doutrinários, é inegável que osconceitos supratranscritos pecam por suaincompletude e ausência de um olhar afetivo,que traduzem o instituto da adoção comomodalidade de filiação construída no amor(FACHIN, 1999).

A Lei n.º 12.010, de 3 de agosto de 2009,não contemplou, de forma expressa, apossibilidade de adoção por casal homoafetivo.Em seu art. 42, § 2.º, a nova Lei ressalta quepara adoção conjunta, é indispensável que osadotantes sejam casados civilmente oumantenham união estável, comprovada aestabilidade da família, todavia, em face do quejá foi exposto, vale destacar que o conceito defamília, seja ela em seu modelo clássico,monoparental ou em união estável, não é umconceito restrito, limitado à heterossexualidadedo casal, visto que, sendo a afetividade oelemento fundante da família, outras relaçõesfamiliares devem ser reconhecidas. Ademais, adespeito do que abarca a Lei da Adoção, aCRFB/88 não apresenta impedimento algum e,como Lex Mater, deve ser utilizada comoparâmetro para deferimento da adoção.

Como princípios que regem a Lei daAdoção, têm-se a proteção integral e prioritáriados direitos de que crianças e adolescentessão titulares e o interesse superior da criançae do adolescente. Abrigada pelas citadasmatrizes axiológicas, a adoção será deferida,conjunta ou individualmente, a quemrepresentar vantagens concretas e reais parao adotado, independentemente da orientação

sexual dos adotantes. Segundo a orientaçãocivil-constitucional que reporta a adoção àprecípua finalidade de promover o bem-estarda criança, uma vez aptos ao procedimento edevidamente habilitados, há que se deferir opedido de habilitação para a adoção.

A doutrina da proteção integral e a vedaçãode referências discriminatórias na filiação(CRFB/88 227, § 6.º), trouxeram uma novaperspectiva à adoção que agora se entrelaça àideia da busca de uma família para a criança enão mais de uma criança para a família,reiterando o entendimento de que prioridadeabsoluta no processo de adoção refere-se àcriança e seu bem-estar e assegurando, dessaforma, o direito que esta possui de convivênciaem seio familiar, independentemente de outrosdetalhes que não interfiram em seu bem-estar.

O Estatuto da Criança e do Adolescente,alterado pela Lei n.º 12.010/09, rege-se tambémpelo princípio da responsabilidade parental quepreconiza que a intervenção deve ser efetuadade modo que os pais assumam os seus deverespara com a criança e o adolescente. Ao referir--se à responsabilidade dos pais para com osadotados, é cabível relevar que os adotantes,sejam eles homossexuais ou não, devem possuiras devidas condições para o exercício dafunção. O juízo de habilitação para o exercícioda paternidade não se pauta em aspectossexuais, mas sim em condições psicológicas,afetivas e sociais. O art. 197-C do Estatutoexpõe:

Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipeinterprofissional a serviço da Justiça daInfância e da Juventude, que deveráelaborar estudo psicossocial, que conterásubsídios que permitam aferir acapacidade e o preparo dos postulantespara o exercício de uma paternidade oumaternidade responsável, à luz dosrequisitos e princípios desta Lei.

Os critérios para aferição da capacidadepara adotar devem ser analisados igualmenteem adotantes heterossexuais e homossexuais,vez que desequilíbrios, distúrbios, vícios,despreparo, promiscuidade e uma gama deempecilhos que comprometerão a saúde, bem--estar, dignidade, educação e formação dacriança podem ser encontrados em ambos oscasos.

Diversos são os precedentes em que sedefere a adoção por casal homoafetivo no Brasil.A matéria concernente à possibilidade deadoção de crianças por família homossexual

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enleia-se intimamente à necessidade deverificação de qual seja a melhor solução a serdada para a proteção dos direitos da criança,sendo estes indissociáveis entre si.

O entendimento de que a afetividade e ointeresse da criança são os bens maiores aserem sopesados tem-se reiterado edescortinando um vasto rol de pareceresfavoráveis à adoção. O Superior Tribunal deJustiça defende o patente posicionamento deprocedência dos pedidos de adoção, desde queesta seja a resolução que melhor acolha agarantia dos direitos dos infantes, aludindo,inclusive, a não explicitação da condiçãomaterna ou paterna ao se alterar o nome dacriança em registro.

O recurso especial n.º 889.852, relatadopelo Ministro Luís Felipe Salomão, do STJ,possui em sua ementa a seguinte redação:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASALFORMADO POR DUAS PESSOAS DEMESMO SEXO. POSSIBILIDADE.Reconhecida como entidade familiar,merecedora da proteção estatal, a uniãoformada por pessoas do mesmo sexo,com características de duração,publicidade, continuidade e intenção deconstituir família, decorrência inafastávelé a possibilidade de que seuscomponentes possam adotar. Osestudos especializados não apontamqualquer inconveniente em que criançassejam adotadas por casaishomossexuais, mais importando aqualidade do vínculo e do afeto quepermeia o meio familiar em que serãoinseridas e que as liga aos seuscuidadores. É hora de abandonar de vezpreconceitos e atitudes hipócritasdesprovidas de base científica, adotando--se uma postura de firme defesa daabsoluta prioridade queconstitucionalmente é assegurada aosdireitos das crianças e dos adolescentes(art. 227 da Constituição Federal). Casoem que o laudo especializado comprovao saudável vínculo existente entre ascrianças e as adotantes. NEGARAMPROVIMENTO. UNÂNIME 5

O avanço proporcionado pela jurisprudên-cia é louvável, mas não supre a carência delegalização. O Judiciário deve estar preparadopara atender às demandas típicas de um pre-sente complexo e estruturado em relações plu-

rais, a fim de que as diversas entidades familia-res sintam-se perfilhadas pelo Direito por meioda prestação jurisdicional eficaz.

4 INFLUÊNCIAS NA FORMAÇÃO DODESENVOLVIMENTO INFANTO/JUVENIL

A implicação de influências no âmbitopsicológico-emocional das crianças adotadaspor casais homossexuais acarreta uma série depreconceitos e questionamentos incitados semqualquer embasamento científico. Tendentes adesconsiderar a situação fática, os críticos destapossibilidade de adoção se fundam em apegoslegalistas, moralistas e religiosos, subvertidos,em sua maioria. A homossexualidade, de per si,é fator emblemático havendo inúmeras teoriasque buscam explicá-la, sem, contudo, chegar auma conclusão que satisfaça às inquietaçõeshumanas. Malgrado as incertezas quanto àhomossexualidade, esta não se trata de uma“desordem mental” ou doença passível de sercurada, mas sim uma orientação que marca aidentidade pessoal do indivíduo e seuamadurecimento sexual, a despeito das causasou circunstâncias que a produziram. É essetambém o entendimento coadunado por Dias(2009, p. 186), nos seguintes termos:

A homossexualidade acompanha ahistória do homem. Não é crime nempecado; não é doença nem um vício.Também não é um mal contagioso, nadajustificando a dificuldade que as pessoastêm de ser amigas de homossexuais. Ésimplesmente uma outra forma de viver.A origem não se conhece. Aliás, neminteressa, pois, quando se buscam ascausas, parece que se está atrás de umremédio, de um tratamento paraencontrar cura para algum mal. Mas tantoa orientação sexual não é uma doençaque, na Classificação Internacional dasDoenças – CID, está inserida no capítuloDos Sintomas Decorrentes deCircunstâncias Psicossociais.

Diversos foram os estudos promovidospela Psicologia acerca da existência ou não deinfluências negativas no desenvolvimento decrianças adotadas por casais homossexuais. Atítulo de exemplo, os estudos trazidos peloAcórdão do Recurso Especial n.º 889.852abordam, de forma sintética, o conteúdo de

5 Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 abr. 2011.

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pesquisas feitas pelas Universidades daVirgínia, de Valência e da Academia Americanade Pediatria. São eles:

Ser pai ou ser mãe não está tanto nofato de gerar, quanto na circunstância deamar e servir; nem sempre, na definiçãodos papéis maternos e paternos, hácoincidência do sexo biológico com osexo social; os comportamentos decrianças criadas em lares homossexuais“não variam fundamentalmente daquelesda população em geral”; não há dadosque permitam afirmar que as lésbicas eos gays não são pais adequados oumesmo que o desenvolvimentopsicossocial dos filhos de gays elésbicas seja comprometido sob qualqueraspecto em relação aos filhos de paisheterossexuais; educar e criar os filhosde forma saudável o realizamsemelhantemente os pais homossexuaise os heterossexuais; a criança quecresce com 1 ou 2 pais gays ou lésbicasse desenvolve tão bem sob os aspectosemocional, cognitivo, social e dofuncionamento sexual quanto à criançacujos pais são heterossexuais6.

Outrossim, em primeiro de agosto de 2010,o jornal New York Times apresentou um estudoem que pesquisadores da Universidade deVirgínia, nos Estados Unidos, observaram 106crianças de idade pré-escolar, todas adotadas,que vivem em diferentes partes dos EstadosUnidos. E descobriram que todas estavam sedesenvolvendo bem, independentemente deseus pais serem gays, lésbicas ouheterossexuais. No mesmo estudo, o jornalexpõe a declaração emitida por Charlotte J.Patterson, Coordenadora do estudo eProfessora de Psicologia na Universidade, emum informativo da Instituição:

Nossos resultados determinam que nãohá justificativas para negar a casais degays ou lésbicas a possibilidade deadotar um filho. Com milhares decrianças precisando de larespermanentes só nos Estados Unidos,nossas descobertas sugerem que contarcom potenciais pais adotivos do mesmosexo só tem a beneficiar as crianças queestão à espera (PATTERSON, 2010)

A Cartilha Sobre as Famílias Constituídaspor Pais Homossexuais, coordenada porElisabeth Zambrano, publicada em 2006, peloInstituto de Acesso à Justiça, em Porto Alegre,expõe um vasto campo de pesquisas empíricas,sobre a problemática em tela. Cuida-se de umolhar percuciente e científico baseado,majoritariamente, nos estudos da AmericanPsychological Association (Sociedade Americanade Psicologia), cujos trechos versam:

Não foram encontradas diferençassignificativas no que concerne adesordens psiquiátricas, problemasafetivos, de sociabilidade, decomportamento ou hiperatividade. Damesma forma não existem diferenças emrelação ao desenvolvimento dojulgamento moral, da inteligência, dascaracterísticas de personalidade, e dasconcepções de si. Problemas durante afase da adolescência, bem comodecorrentes do divórcio não têm relaçãocom a orientação sexual. Eles decorremdessa situação estrutural que atingetanto filhos de gays e lésbicas quantofilhos de heterossexuais (2006, p. 46).

Os dados das pesquisas evidenciamtambém que não há influência da orientaçãosexual dos pais na definição da orientaçãosexual dos filhos, contrariando o senso popularque se apoia no heterossexismo. Nesse mesmosentido, posicionam-se Farias e Rosenvald, aoargumentarem:

não fossem suficientes os argumentosjurídicos - todos de índole constitucional- , é mister tangenciar, ainda, o fato deque os estudos técnicos mais recentesvêm demonstrando que a orientaçãosexual dos pais não influencia os filhos,o que corrobora da preservação dosinteresses menoristas. (2009, p. 68).

Com base nos estudos elencados, é pos-sível afirmar a inexistência de interferência ne-gativa no desenvolvimento psicossocial das cri-anças adotadas por homossexuais, logo, nãohá justificativa plausível, com exceção do pre-conceito, que impeça este tipo de adoção. Asopiniões favoráveis à adoção encontram suporteempírico e científico nas pesquisas realizadas,

6 Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 abr. 2011.

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enquanto que as desfavoráveis são fruto dodesconhecimento e não encontram sustenta-ção. Não há um tipo específico de família quepossa garantir o bom desenvolvimento e felici-dade dos filhos. O que se pode afirmar é que ocasal, independentemente da orientação sexu-al, tem de estabelecer com seus filhos vínculosafetivos suficientemente bons favorecendo umdesenvolvimento psicossocial satisfatório.

Observa-se, então, que os paishomoafetivos demonstram-se tão aptos àformação moral, educativa e cultural da criançacomo qualquer casal candidato à adoção. Asinseguranças decorrentes das paternidade/maternidade são sentidas em ambos os ladose dependerão de um diálogo aberto e afetuosoentre pais e filhos, que permitam solucionarproblemas naturais enfrentados pelas famílias.Segundo a Cartilha das Famílias Constituídaspor Pais Homossexuais (2006), os estudosrevelam que:

Os candidatos a adoção devem serescolhidos por suas habilidades parentais(pela sua capacidade de oferecer carinhoe proteção às crianças) de forma que ahomossexualidade não deve ser utilizadacomo elemento de desqualificação doscandidatos (2006, p. 51).

Não é o sexo dos pais/mães fatordeterminante para o bom desenvolvimento dacriança, mas a qualidade da relação que os paisconseguem estabelecer com os filhos. Aformação moral obedecerá aos valores que ocasal concebe como fundamentais para ocrescimento da criança, segundo seus costumese crenças, e isto independe de orientaçãosexual dos pais.

Vale destacar que há, na Câmara dosDeputados, o Projeto de Lei n.º 4.508, de 2008,atualmente em tramitação, e foi proposto peloDeputado Olavo Calheiros. Prevê a proibiçãoda adoção por homossexuais. Este alega que aeducação e a formação de crianças eadolescentes devem ser processadas emambiente completamente adequado e favorávela um bom desenvolvimento intelectual,psicológico, moral e espiritual. Questiona-se,porém, em que se pauta a premissa de que umambiente adequado e favorável seja,necessariamente, composto por heterossexuais.A única justificativa concebível é o preconceito,conforme apregoa Dias (2011):

Nada justifica a estigmatizada visão deque a criança que vive em um lar homos-

sexual será socialmente rejeitada ouhaverá prejuízo a sua inserção social.Identificar os vínculos homoparentaiscomo promíscuos gera a falsa idéia deque não se trata de um ambiente saudá-vel para o seu bom desenvolvimento.Assim, a insistência em rejeitar a regu-lamentação da adoção por homossexu-ais tem por justificativa indisfarçável pre-conceito.

É de conhecimento inequívoco o que,seguramente, faz mal a uma criança: falta decuidado, de amor, de limites, de tolerância e paisviolentos ou deprimidos. Inegável dizer que ascrianças tenham de ter contato com ambos ossexos, todavia, para sua formação, basta queos dois gêneros estejam presentes em seu meiosocial e família extensa (avós, tios, primos, etc.).O bom desenvolvimento moral, cultural eeducacional não se vincula à orientação dospais, mas sim, como já narrado, à qualidade doconvívio que estes proporcionam aos filhos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, à luz dos pressupostosadotados, pode-se asseverar que as previsõessobre as consequências da adoção homoafetivaresumem-se em argumentos discriminatórios,despidos de caráter científico convincente.Nessa medida, é mister que o Direito sejasensível ao tempo e que a sociedade estejaaberta a essa forma plural de constituição defamília.

Sabendo-se que na realidade fática nãohá sempre coincidência entre o jurídico, obiológico e o social no mesmo indivíduo, deve--se conceber uma maneira em que haja aigualdade de proteção às crianças,independentemente do ambiente no qual vivam.É essencial que valores sejam revolvidos eassociados ao respeito de princípiosconstitucionais comuns a todos.

Nesse contexto, negar um lar a quemprecisa não é proteger, mas sim negar um direitoa quem já transpôs obstáculos dolorosos, tendojá carregado um fardo demasiadamentepesado. Com o reconhecimento legal dessamodalidade de adoção, vislumbra-se apossibilidade de essas crianças encontrarem umlar de respeito e amor, assegurando-lhes, assim,não só a proteção, como também a efetivaçãode um direito constitucional, o de convivênciafamiliar.

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REFERÊNCIAS

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RESUMO

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica queobjetiva apontar o caráter ilusório do direito. Oensino jurídico enfrenta uma crise advinda deum modo reducionista de concepção demundo, ainda marcado por um cientificismoque restringe toda a complexidade que envolveas relações humanas; a diversidade da vidanão é permitida aos autos e o juiz deve seatentar somente a este mundo, o mundo dosautos. Cabe, então, encontrar os óbices quemaculam o caráter emancipatório do ensinojurídico e fazer emergir os entraves que seinterpõem na construção de um conhecimentojurídico destinado a devolver ao ser humanoos propósitos pelos quais o direito germinouna sociedade.

Palavras-chave: ensino; emancipação e crise.

FOR AN EPISTEMOLOGY THATEMANCIPATES THE LAW STUDY

ABSTRACT

This is a bibliographic research that aims toshow the illusory character of law. The legaleducation faces a crisis arising in a reductionistconception of the world still marked by ascientism that restricts the complexity thatinvolves human relations, diversity of life is notallowed on the file and the judge must look onlyto this world, the world of cases. It´s adequatethen find the obstacles that tarnish theemancipatory nature of legal education andbring out the obstacles that stands in theconstruction of a legal knowledge intended toreturn into humans to the purposes which lawsprang in society.

Keywords: education; emancipatory and crisis

POR UMA EPISTEMOLOGIA EMANCIPATÓRIA DO DIREITO

Melissa Mendes de Novais1

1 Introdução

O compromisso com o papelemancipatório do direto exige um tratamentodo problema a partir de suas causas. Nessesentido, o ensino do direito, enquanto matrizda estrutura jurídica, deve ser objeto decandentes discussões porquanto na academiasão configuradas as estruturas jurídicas queirão se instaurar na sociedade, estruturasessas perpetuadas pela reprodução do regimede verdades jurídicas vigentes (FOUCAULT,1979). Propor mudanças implica, pois, propornovas formas de produção de conhecimento.

Parte da responsabilidade do organismojurídico encontra-se em um estadodegenerativo quase irreversível e há de sercreditada ao ensino jurídico: a formação dasnovas células que poderiam manter o corpoconsciente e capaz de exercer as suas funçõesparece ter como matriz justamente as célulasque deveriam ser eliminadas. O fundamentoda crise que se instaura no ensino jurídico é adissensão entre o discurso e a realidade social.Não se trata, no entanto, de um fenômenoinédito, pois a dissonância entre teoria e práticapersegue as sociedades ao longo da história.As criações humanas tendem a seguir seuspróprios desígnios, afastando-se de suaorigem e subjugando o criador - foi assim queo Estado nascido para por fim à guerra de todoscontra todos se transformou num entearbitrário; que a lei adquiriu corpo, pensamentoe vontade próprios (voluntas legis), legitimandoabusos; e é assim que o ensino do direito,criado para participar no desenvolvimento dasociedade brasileira e ampliar o entendimentodo homem e do meio em que vive, (art. 43, II eIII da Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional) passa a configurar ummecanismo de difusão das ideiasmantenedoras do status quo. Como a figura

1 Acadêmica do 5.º Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.

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do ídolo, obra das mãos humanas que diantedele se prostram, aquilo que está relegado àficção, a máquina que insurge contra oshumanos, torna-se não tão distante darealidade, pois

Se realmente for comprovado essedivórcio definitivo entre o conhecimento(no sentido moderno de know-how) e opensamento, então passaremos, semdúvida, à condição de escravosindefesos, não tanto de nossasmáquinas quanto de nosso know-how,criaturas desprovidas de raciocínio àmercê de qualquer engenhocatecnicamente possível, por maismortífera que seja. (ARENDT, 2007. p.11)

Não se propõe aqui trazer respostas àsinquietações e perplexidades, como sehouvesse apenas uma saída admissível. Aproposta é de reflexão, a sugestão de uma novapergunta: o que estamos fazendo? A partirdesta pergunta, portanto, é que se buscareconsiderar o modo de compreensão doensino à luz das experiências e temores sociais.Procura-se analisar o que trouxe a alienaçãodo ensino para chegar ao momento em queseu fim emancipatório é suplantado pelorompimento com o mundo interposto entre oshomens (ARENDT, 2007).

2 Ensino e ideologia

O direito é edificado pela sociedadecomo necessidade inseparável desta.Permaneceu, no entanto, ao longo dos tempos,confinado aos espaços da divindade, da razão,da sociedade fixa dos positivistas esociologistas, da norma pura, da egologia, doestruturalismo pitagórico da semiótica, dazetética naturalista (LEAL, 2010), como umídolo moldado pela habilidade e teorias dosjuristas ou pelas novas formas lógicas, todasessas se justificando como capazes deassegurar a paz, segurança e ordem para ahumanidade.

O ídolo constitui a projeção dos anseios emum ser por si só bastante, pelo hipostasiamentodos valores sociais de modo a atribuir-lhes um

manto inexorável. Tais entidades vieram a sepersonificar em deuses mitológicos, no naciona-lismo, na produção, no consumo, no Estado, nalei e no ensino. Assim segue a humanidade emsubmissão a ídolos e ela se empobrece ao orná--los ricamente. De toda sorte, indispensável éque se conheçam os ídolos para que se identifi-quem as ideologias, compreendendo os símbo-los que regem o saber para se desviar da servi-dão involuntária; deve-se perquirir por suas ori-gens, por suas diversas formas de idolatria e sa-crifício, desde os sacrifícios humanos astecas aossacrifícios da guerra, dos sacrifícios da dignida-de e igualdade humana pela lei ao sacrifício dosujeito de conhecimento pelo ensino.

As religiões outrora exigiam o sacrifíciodo corpo humano; o saber conclama hojea experiências sobre nós mesmos, aosacrifício do sujeito de conhecimento.‘O conhecimento se transformou emnós em uma paixão que não seaterroriza com nenhum sacrifício, etem no fundo apenas um únicotemor, de se extinguir a si próprio...A paixão do conhecimento talvezaté mate a humanidade... Se apaixão do conhecimento não matara humanidade ela morrerá defraqueza. Que é preferível? Eis aquestão principal. Queremos que ahumanidade se acabe no fogo e naluz, ou na areia?’. (FOUCAULT, 2009,p. 22).

A sociedade forma a experiência alienadade si numa dimensão limitada, confinando-seà parcela atribuída ao ídolo, perdendo suatotalidade e diversidade, estagnando-se.Sujeita-se ao ídolo, pois é somente nele quese encontra a sombra, conquanto não ainteireza de si mesma (FROMM, 1975). E oensino jurídico também se opera mediante aidolatria: aqueles que entram na academia,numa acepção platônica, percorrem o caminhopara a luz e tornam-se precursores legítimosdo acesso à divindade. A atribuição de umafunção de salvaguarda da humanidade aodireito positivo2, capaz de responder àsquestões que afetam a humanidade e as crisesadvindas da própria crise de ser humano são

2 Até mesmo a felicidade depende da garantia do texto, a “PEC da felicidade” proposta pelo senador CristóvamBuarque evidencia isso: Art. 6º São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, aalimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e àinfância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=33577>

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trazidas ao santuário acadêmico para que ossacerdotes aprendam a desvelar das escriturassagradas as respostas santificadas. A devoçãopermanece a mesma: o evocar das palavrasmágicas que procuravam incitar o agir divinofoi deslocado para que seu lugar fosse ocupadopor um potencial postulatório provocador dafunção jurisdicional. Os dizeres mágicos foramsuprimidos pelos dizeres técnicos. Quemousará questionar o poder dos sacerdotes?Quem proclamará a farsa que sustenta amiséria, senão os próprios “iluminados”?

Julgávamos ter morto os deuses eencetado uma caminhada gloriosa emdirecção à plena emancipação dohomem. Entramos de facto numacorrida, cada vez mais acelerada, masacabámos por perder a meta. Nãoconseguimos alimentar os homens nemsatisfazer as necessidades, e anatureza, especialmente a humana,continua a mostrar-se rebelde ao nossodomínio. [...] Hoje, os fantasmas dosvelhos deuses voltam a atormentar osnossos sonhos. Sentimos de novonostalgia do centro, do paraíso perdido,e não há mitos suficientes, antigos ounovos, que saciem a nossa sede.(ANDRADE, 1995, p. 2).

Como propõe ANDRADE (1995), osapregoadores da racionalidade voltaram asentir a falta do universal, do transcendente,do absoluto. A ausência do sagrado impõe umvazio no saber ocidental. Os mitos que vêmsupri-lo é que devem integrar o objeto dopensar crítico.

3 Decadência da mitologia cartesiana

O mito constitui uma fala (esta admitidacomo todas as formas de representaçãosimbólica, toda composição significativa), massua essência não emana da natureza dascoisas que busca representar. Ao contrário, omito é formado pela manifestação das crençasideológicas, das ideias que adaptam oindivíduo às condições de existência, bemcomo dos critérios de produção de verdade,devendo ser pensado como estereotipaçãosemiológica da realidade. Ou, segundo Warat:

em outras palavras, seria o mito um dis-curso cuja função é esvaziar o real epacificar as consciências, fazendo comque os homens se conformem com asituação que lhes foi imposta socialmen-

te, e que não só aceitem como veneramas formas de poder que engendraramessa situação. (WARAT, 1994, p. 105).

No Direito, o mito se forma nas salas, noscorredores, nos livros didáticos, consolidandocrenças, modos de compreensão e costumesintelectuais, nas mesmas redes de discursoresponsáveis por instituir os critérios defiltragem daquilo que lhe é refletido a partir doexterior, no exato lugar em que se articula apossibilidade do Direito com a necessidade do“mundo-da-vida”.

Por outro lado, a técnica analítica de quese valem as ciências naturais na busca por suasverdades - autonomia e compartimentalizaçãodos saberes - restringe o horizonte decompreensão e dá margem à alienação. Cadaoperário confinado ao conhecimento de suaparte da produção ignora o processo e não seidentifica com o produto final. Na modernidade,os cientistas encantados pelo métodocartesiano perderam-se no vislumbre das partese relegaram as totalidades irredutíveis aodescaso; a fórmula de produção de verdadesnão lhes permite perceber que o modelo derepartição estanque, reducionista eimpermeável caducou: o direito privado, porexemplo, não está apartado do Direito Público,conforme propõem os cientistas jurídicos.

Enquanto o ensino jurídico se esconde naimagem da deusa Têmis, os valores dissemina-dos na academia são apenas os quantificáveis,capazes de reduzir a imaginação e o homem àmensuração da balança, da matemática, daeconomia e dos percentuais que definem pre-cisamente os blocos de conhecimento para o“progresso científico” (isso soa cartesiano?);são valores que traçam com precisão cirúrgicaos liames entre o certo e o errado, justo e injus-to, levando os alunos a admitir qualquer formade hierarquização: o que era valor se torna sim-plesmente número, que, por essência, pode serordenado e representar outros valores. A opres-são simbolicamente instituída no ensino univer-sitário, egocentricamente anestesiado em seusaber totalizante do “dever-ser”, amplia a suadistância do mundo fático. Se o olhar continuarvoltado para si mesmo, o espaço para conces-sões recíprocas entre o ser e o dever-ser po-derá ser suplantado. Deve-se assumir oengajamento e perspectivismo da compreensãojurídica para inseri-la num novo ponto de vistafavorável à construção da justiça. Para tanto,porém, há que se suspender a venda que co-bre seus olhos.

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4 Seleção do conhecimento

O poder encontra sua solidez no potencialque as ideologias formuladas têm de influenciaras condutas alheias. A função de tais opiniõesé convergir a mentalidade em favor damanutenção da estrutura de dominação.Origina-se daí, portanto, a relevância dosagrupamentos formuladores de saberenquanto sustentáculos de coesão grupal econservação do sistema, como o direito, afamília, a escola.

O sistema escolar de hoje desempenhaa tríplice função, própria das poderosasigrejas no decorrer da História. Ésimultaneamente o repositório do mitoda sociedade; a institucionalização dascontradições desse mito; o lugar do ritoque reproduz e envolve as disparidadesentre mito e realidade. [...] Nenhumasociedade conseguiu sobreviver semritos ou mitos, mas a nossa sociedadeé a primeira a necessitar de uma tãoestúpida, prolongada, destrutiva edispendiosa iniciação em seus mitos.(ILLICH, 1985, p. 52).

O conhecimento é constrangido aapresentar-se da maneira antecipadamenteavaliada pelo controle social. Daí emergem osefeitos de poder das proposições pela seleçãoarbitrária de significações e do conhecimentopropagado. É a determinação do excurso doconhecimento jurídico pré-moldado a atenderanseios específicos de alguns. A grade doscursos, a matéria que será “despejada” nosalunos, as linhas de pesquisa que deverão serseguidas; tudo isso é definido por um grupoem portas fechadas, sem que o aluno possatransitar livremente nesse meio, o que

não é nem razoável, nem libertador. Nãoé razoável porque não vincula asqualidades relevantes ou competênciascom as funções, mas apenas oprocesso pelo qual se supõe sejam taisqualidades adquiridas. Não é libertadorou educacional porque a escola reservaa instrução para aqueles cujos passosna aprendizagem se ajustam a medidaspreviamente aprovadas de controlesocial. (ILLICH, 1985, p. 26).

Como propor um rompimento com o queFoucault (1979) denomina de regime deverdade, num âmbito em que é o poder quedá a vida à verdade, aonde ela é produzida

conforme critérios, regulamentações ecoerções para a filtragem dos seus discursosestruturantes?

5 Crise do mito dogmático-positivista

Com a ascensão das ciências naturais,sobretudo da física, um conhecimento paraassumir feição científica deveria assemelhar-seàs ciências naturais. Nesse sentido, buscou-seextirpar do direito qualquer metafísica, moral ereligião. Nessas condições, ganha relevo opositivismo: o direito torna-se autônomo edesvincula-se de sua origem, de sua própriarazão de existência. Porquanto a lei éinsuficiente, as injustiças decorrentes de umanormatividade vazia e discricionária tornam-seconstantes. A reflexão esteve enevoada, pelaperspectiva positivista. As ciências jurídicas(sociais) passaram a ser concebidas comopassíveis de estruturações lógicas tão estáveisquanto os saberes naturais, submetidas às leisde causa e efeito. Todos os suportes metafísicosde definição entre o justo e o injusto, o bom e omal foram suprimidos pela tentativa de eliminara própria essência valorativa inerente às ciênciassociais.

Os valores, entretanto, não foram extintos,mas passaram a atuar sob o escudo das teoriasimparciais. Conquanto o caráter neutro ouracionalmente indiferente, as proposiçõescientíficas e as próprias denotações constituemideologias cristalizadas pela subsistênciaespaço-temporal. Barthes conceitua adenotação, inicialmente, como significaçãoneutra e a conotação como essencialmenteideológica, posteriormente, já influenciado pelopensamento foucaltiano, ele apresenta adenotação como uma ideologia cristalizada, istoé, uma ideologia que subsistiu no tempo(RIBEIRO, 2004). Assim, por seu aspectoimparcial e desprovido de valorações, suaadmissão insere-se no plano do lógico einequívoco instintivo e eis aí o particular daideologia, o que a torna uma estrutura de poder:ocultar a dominação e a exploração em suarealidade concreta (RIBEIRO, 2004).

A possibilidade de se erigir uma pretensãode validade orienta-se pelas crenças jáadmitidas em determinado meio, porquanto ajustificação é o império de uma crença que seapoia em outras crenças. Algo é justificável namedida que encontra amparo nas concepçõesjá aderidas. Torna-se relevante, pois, o queWarat (1994) denomina de senso comumteórico dos juristas como delimitador das

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possibilidades argumentativas e, encontrar osliames da destinação interpretativa permeia aconsolidação do saber jurídico, notadamenteeivado de predisposições desiguais de ummodelo liberal-individualista e de umaracionalidade instrumental.

A ideologia está impregnada em todoconhecimento e saber, instrumentalizados pelopoder para sua autoconservação, as demaisvertentes potencialmente ofensivas sãosuprimidas ou contidas em seu progresso.Basta o ultimato: “A jurisprudência é mansa epacífica nesse sentido” para que a divergênciasucumba, a doutrina assinta e os estudantesa reproduzam, pois não há que se questionara sabedoria inefável do Pretório Excelso. Suasproposições dão um ar apaziguado à sangrentaguerra que se impõe no meio social e o ensinoque deveria desempenhar um papel deconfrontador de seu tempo acaba servindo demais um objeto de troca capitalista, atendendo,dessa forma, à legitimação de suas teorias ejustificação de suas estruturas, apenasreiterando as verdades consensualmenteadmitidas e vedando mais as possibilidades dedivergência de pensamento, amortecem-se asconsciências admitindo-as como unânimes emfavor da busca pela verdade.

Ora esta vontade de verdade, tal comoos outros sistemas de exclusão, apoia--se numa base institucional: ela é aomesmo tempo reforçada e reconduzidapor toda uma espessura de práticascomo a pedagogia, claro, o sistema doslivros, da edição, das bibliotecas, associedades de sábios outrora, oslaboratórios hoje. [...] E creio que estavontade de verdade, por fim, apoiando--se numa base e numa distribuiçãoinstitucionais, tende a exercer sobreos outros discursos — continuo a falarda nossa sociedade — uma espéciede pressão e um certo poder deconstrangimento. [ ...] como se nanossa sociedade a própria palavra dalei só pudesse ter autoridade porintermédio de um discurso de verdade.(FOUCAULT, p. 4-5).

A academia forma um mundo jurídicoautossuficiente, que se propõe a trazerrespostas meramente jurídicas, ignorandotodas as relações sociais que a permeiam(MENDES; MORAES, 2008). É inconciliável aexcludente vontade de verdade que se instauranos espaços acadêmicos com a consideraçãoque se deve ter com as aspirações sociais, toda

a consideração possível reduz-se ao relativismo.Este, no entanto, é um poderoso repressorinterno, pois o maior poder está noimperceptível, o pensamento arbitrariamenteestabelecido por determinada coletividadecarrega todos os demais no mesmo sentido, odiverso é raramente emergido, mas, quando oé, o próprio sistema se encarrega de reprimi-lo.Reconhece-se a concepção da cultura diversa,no entanto não se deixa ser afetado por ela. Odireito não se afeta pela sociedade,permanecendo no enclaustro de seu saberautorreferencial assume uma posturahomeostática (permanece constante mesmocom variações relevantes no meio externo)travestida de complacência. Mais quereconhecer a existência do outro é precisoreconhecê-lo como agente capaz de integrar umsistema criado também para ele.

Enquanto a humanidade não vislumbraro genuíno valor existencial do outro para aintegração da sua própria ontologia, será aviolência o atributo natural das ações humanas.A metafísica, em sua elevação do universal,insculpiu um anseio por unidade e igualdadeque colidem com a própria diversidade danatureza. Só há lugar para um, o verdadeiro,o civilizado, o correto. Aquele que não integrao universal é perigoso, porque compromete aidentidade do único

A dogmática despe o direito do devir,findando o inacabado com o rude formalismológico das pretensas racionalidades neutras.Outorga-se o poder de pacificar as tensõessemânticas. No entanto a estabilidade nãorepresenta o fim dos conflitos, mas o sustentodas violências que progridem de dominação emdominação. O âmbito acadêmico constitui espaçoespecífico de tensão entre saber e poder quenão pode ser, de modo algum, ignorado.

6 Da física à biologia e o lugar do ensino

A discussão acerca do trânsito doparadigma epistemológico da física para o dabiologia passa pela delimitação do objeto daciência jurídica. Por um lado, a compreensãoatomística encontra como objeto doconhecimento jurídico a sua mera dimensãonormativa. Purifica o direito de fatores“externos”, isto é, daquilo que não pode seralcançado pela positivação, para que o sujeitodesse conhecimento pense objetiva eanaliticamente.

Por outro lado, conforme advoga Capra(2006), a perspectiva holística encontra seus

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fundamentos no pensamento sistêmico e naecologia. O que marca a percepção sistêmica éo deslocamento das partes para o todo, um todoque não se reduz à soma das partes. A metáforaaqui, longe da máquina, é a teia da vida e suarede de relações na qual não há fundamento,mas diferentes níveis numa dinâmica de eventosinter-relacionados. Interconectados dessemodo, os fenômenos devem ser explicados pelacompreensão de todos os outros, o que éimpossível. Rompe-se, com a pretensão decompletude do pensamento jurídico.

O assombro mítico da segurança jurídicaque permeia as tentativas de previsibilidade epadronização do judiciário respalda a tendenteprevalência de perspectivas fossilizantes. Écrítico quando o espaço de problematização,isto é, a região incumbida de suspender oestático, apropria-se da construção de umsenso comum próprio inflexível. Um mundosimbólico “compartilhado”(entre “nós”), masnão entre “estranhos”(a sociedade).

Cumpre, pois, situar a produção doconhecimento jurídico em seu espaçomaleável, isto é, em seu espaço hermenêutico.Daí resgatar a importância da conceituaçãonesse âmbito. O problema fundamental comque a hermenêutica lida atualmente é o caráterestruturalmente indeterminado do direito, ditode outro modo, a contingência da linguagemjurídica não permite uma precisão conceitualdas palavras inscritas em texto de lei. Nessesentido, por exemplo, a ausência de estruturasemântica que indique o sentido da palavra“aborto” dá margem à adoção de um novotermo:”antecipação terapêutica do parto” quese desvincula da prescrição normativo-penalpara incidir no plano principiológicoconstitucional.

O estudante do direito deve terconsciência de estar situado em área deconflito, que trabalha na tensão entre a lei e odireito, entre as normas estabelecidas e oprocesso social que ainda não alcançou a suaforma final.

7 A irracional racionalidade utilitária

Em cada período histórico, a dominaçãopolítica fundamenta-se em um ritual. As regrasdestinam-se à contenção da violência eperpetuação do domínio. E sua constituiçãoestá relacionada estreitamente ao que é maisrelevante nos períodos de sua elaboração.Também já foram utilizadas para manutençãoda ascensão da racionalidade. E, neste caso,

a sua elaboração obrigou um manejo maiseficaz do poder político, vendo este comoessencial, necessário e benéfico para que oalmejado assujeitamento fosse tido comoespontâneo. A fuga do entrave leva grandesmassas populacionais a aderirem a discursosatraentes que paulatinamente retiram apreocupação com a controvérsia, a finalidadebenéfica tem meios ilimitados. Em nome daliberdade, do bem-comum, da segurançajurídica, da estabilidade “e outros deuses eheróis das nossas modernas mitologias”(COSTA, 2006, p. 9), mecanismos e discursossão adotados reprimindo a contestação. Todoo pensamento e comportamento devem estarde acordo com o que foi pragmaticamenteestabelecido sob pena de constituir um desvio,e aí se encontra a impossibilidade da negaçãoe consequentemente a autodestruição doesclarecimento – a irracionalidade do discursoracional (ADORNO; HORKHEIMER, 2006).

Tradicionalmente, a escola e o ensinosuperior regem-se pela tentativa de maximizara capacidade dos alunos de acumularemconteúdo e absorver conhecimentos. A razãoutilitária permeia amplamente o desígnio demuitos graduandos no curso de direito e opragmatismo que se esparge na academiaobsta a construção de um saber jurídicoemancipatório, pois o mundo não se reduz aoque pode ser suficientemente exposto eaplicado de maneira utilitária. Imersas numcontexto de mercantilização absoluta, asuniversidades assumiram para si a função deindustrializar conhecimento. Insere-se, pois, acrise do ensino num aspecto da crise demercado, da concepção instrumental da razãoe mesmo do homem. “A força libertadora datecnologia – a instrumentalização das coisas –se torna o grilhão da libertação, ainstrumentalização do homem” (MARCUSE,1973, p. 155), porquanto a tecnologiainstaurada serve-se à política destrutiva,reflexo de um capitalismo predatório que temse achegado aos espaços do direito tornandoseus operadores calculistas e desprendidos darealidade social.

O Nazismo foi a mais notável manifestaçãodas catastróficas consequências de um saberalicerçado nessas concepções. Mas, aindahoje, as instituições e as leis têm exercido omesmo papel excludente e desumanoproveniente de uma racionalidadedesenvolvida num horizonte instrumentalista(MARCUSE, 1973). A razão que deveria criarcondições para o viver bem, estabelece um

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viver degradante em função de um viver bem“por vir”, a dissonância entre o real e o possível,entre a verdade aparente e a autêntica e atentativa de entender e dominar essadiscrepância constitui o elo original entre aciência, arte e filosofia. “Algo dessa inter-relaçãomitológica entre o real e o possível sobreviveuno pensamento científico e continuou sendodirigido para uma verdade mais racional everídica” (MARCUSE, 1973, p. 212); e a razãoque procurava desvencilhar-se do mito retornaà irracionalidade de forma avassaladora, talvezo retorno à Ítaca não seja tão distinto dabarbárie de que tanto se fugiu (ADORNO;HORKHEIMER, 2006).

Os valores estão institucionalizados, demodo que “O aluno é, desse modo,‘escolarizado’ a confundir ensino comaprendizagem, obtenção de graus comeducação, diploma com competência, fluênciano falar com capacidade de dizer algo novo”(ILLICH, 1985, p. 16), Direito penal com CódigoPenal, Direito Constitucional com Constituição.A racionalidade tecnológica administra alinguagem vedando as demais possibilidadesinterpretativas, conferindo a uma únicaperspectiva (funcionalista) a condição decorrespondente a determinados signos(MARCUSE, 1973). O fenômeno jurídico émultifacetário e amplamente diversificado etentar comprimir sua extensão ao Código paraentão oferecer aos alunos, denominando-o deDireito, constitui a perpetuação da crise.

O discurso das ciências jurídicas, quevislumbrado com sua própria imagemdesmembrada – por uma seleção arbitrária darealidade – obsta o natural processo do direitode metamorfosear-se. Devem-se relevar osefeitos da docência na formação do saberjurídico e a amplitude de sua repercussão jáque incide na gênese do senso comum teóricodos juristas, no lugar das eloquências não ditas.O fetiche pela legislação e sacralização dadoutrina e das decisões dos tribunaissuperiores recria o direito, de modo que mudaa direção jurisdicional a atender menos aosconflitos judiciais que manter a concepçãopredominante, e o fenômeno jurídico imobiliza--se nas amarras do conhecimentoestabelecido. O professor ocupa uma posiçãoprivilegiada de trânsito de saberes, podeparticipar de uma politização global dosintelectuais com a produção de ligaçõestransversais, intercâmbios e articulações quese propagarão largamente na sociedade(FOUCAULT). Cabe a ele depurar as tão

ultrapassadas formas de compreender o direitopela filtragem dos conceitos para libertar oensino das amarras do direito romano (LEAL,2010).

8 Considerações finais

O ensino das disciplinas próprias dasciências humanas e sociais subjaz também àmesma crise de que acomete o cientificismoora agonizante (MENDES; MORAES, 2008). Noensino jurídico, especialmente, a dogmáticatem-se apresentado prontamente à satisfaçãoda dimensão material que se interpõe nosconflitos humanos, mas mesmo o seudelineamento teórico, na medida em que sedissocia dos sentimentos e da singularidadeé, por si, precário. A amputação das dimensõessubjetivas e identitárias, na compreensãoteórica do ser, não pode suprimi-las, pormágica, do mundo dos fatos.

É hora da construção científicacontemporânea censurar as totalizaçõesreducionistas e voltar-se ao reconhecimentodo caráter harmônico das diferenças, livrando--se do ego cartesiano que abriu caminho paraa instituição, para o caráter unidimensionalperseguido pelo conhecimento científico damodernidade. A negação da natureza comoproduto das diferenças, concebidas comoimperfeição do mundo, como o insuportávelacaso, erige a vontade de verdadepretensamente única e total, olvidando o fatode que outras verdades existem (CARVALHO,2008). A experiência desafia a admissão datotalidade para o reconhecimento dedimensões que escapam à lógica dasdicotomias, ampliando-a para categorias “nãoexclusivas”. E, assim, estará o ensino apto aaceitar questões que outrora era incapaz deentender (ILLICH, 1985).

E como restaurar o viés emancipatórioque deveria instaurar-se no ensino do Direitose a cátedra de saberes hipnotizadores einocuizantes erige-se numa ordem simbólicaque apregoa os dizeres mágicos só em simesmos repercutidos? É a vez de a Ecologiaapresentar suas contribuições ao Direitodevido à falência das percepções atomísticase da metáfora cartesiana da máquina, queentrou em colapso desde seudesmoronamento espetacular na física, reinodo triunfo mecanicista durante três séculos(CAPRA, 2006). As concepções de unidade,totalidade e organismo são mais elevadas econcretas que a de matéria e energia, pois se

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centra na natureza da vida. A ciência daEcologia enriqueceu o modo sistêmico depensar inserindo duas novas concepções:unidade e rede. O conhecimento propaga-seem diferentes níveis, cada qual compropriedades específicas, emergentes nessenível em particular. As totalidades integradasdos organismos vivos não podem ser reduzidasàs partes, não há nível fundamental na ciência,pois não há fundamentos na rede (CAPRA,2006).

Urge devolver à sociedade e ao ensinojurídico a autonomia que lhes foi negada pelasuposta primazia dos números e aí estabeleceros novos parâmetros às práticas do magistério,voltados a atender ao homem de maneira plenaem suas diversas dimensões. Deve-se daramparo ao operador do direito para lidar nãoapenas com normas e convicções, mastambém com fatos, vidas, emoções e diferençano amplo espectro que erradia nos conflitoshumanos. O saber jurídico ainda desconheceque persegue o jaz; ainda reluta em admitir ocolapso do racionalismo solitário que ignora adimensão espiritual, emocional eprincipalmente plural que pulsa nahumanidade, mesmo que há muito sentenciadaà indiferença cartesiana. Nesse sentido, deve--se designar juristas que não se destinam àmera reprodução da estrutura autoritária depoder, mas de juristas comprometidos aconstruir criticamente um sistema não maisvoltado para si mesmo, mas como um artifíciosituado em um mundo criado para ser habitado,guardado e cultivado pelo ser humano e parao ser humano.

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ARTIGOS DE EGRESSOS

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A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

Daniela Vieira Magalhães1

RESUMO

Este estudo objetivou verificar os impactoscausados pela globalização nas relações deemprego, trazidos a partir da RevoluçãoIndustrial, decorrentes da incrementação denovas tecnologias, o que afetou diretamente ostrabalhadores e a sua organização. Contudo,buscou-se nos direitos fundamentais orestabelecimento do equilíbrio entre os direitossociais do trabalhador e os poderesempresariais, dando vez a uma maior intensidadedos direitos fundamentais como garantia do serhumano e limitação do poder empresarial doempregador. Conclui-se que garantir aostrabalhadores seus direitos sociais pode amenizaras desigualdades entre os sujeitos da relaçãojurídica de emprego, contribuindo para aharmonia do meio ambiente de trabalho.

Palavras-chave: Relação de emprego, revoluçãoindustrial, direitos sociais, eficácia, direitosfundamentais.

ABSTRACT

This study aimed to verify the employmentrelationship and the impacts of globalization onemployment relations, brought to the IndustrialRevolution, through the increment of newtechnologies, which directly affected the workersand their organization. However, attempted torestore the fundamental rights of the balancebetween social rights of workers and thecorporate powers, giving time to a higher intensityas a guarantee of fundamental rights of thehuman limitation of power and business of theemployer. Conclude that to guarantee workerstheir rights can mitigate social inequalities amongthe subjects of legal relationship of employment,contributing to the harmony of the workenvironment.

Keywords: Employment relationship, the industrialrevolution, social rights, efficiency, fundamentalrights.

1 Introdução

O Direito do Trabalho surge em resposta àreação da sociedade industrial ante a exploraçãodesumana do trabalho, em meados do séculoXIX, por melhorias nas condições de trabalho.

Foi a partir da Revolução Industrial, queocorreram intensas transformações econômicas,políticas e sociais na seara trabalhista. Sabe-seque foi a partir desse fenômeno tão importantepara a história que os moldes das relações detrabalho foram evoluindo gradativamente. No quetange aos aspectos políticos, houve atransformação do Estado Liberal em Estado doBem-Estar Social. Antes, o capitalismo tinha poderde impor, sem intervenção estatal, as suascondições ao trabalhador. Com a mudança doEstado do Bem-Estar Social, o Estado intervémna ordem econômica e social, colocando limitesà liberdade das partes na relação de emprego.

A Revolução Industrial abriu caminhos paraa tecnologia e a informação, permitindo umaintercomunicação entre os diversos pontos doglobo e uma dinâmica mais acentuada naeconomia.

Nesse ponto, a globalização foi capaz deaumentar a competitividade das empresas,aumentando a concorrência, o estreitamento dasmargens de lucro e a necessidade de maiorprodução. Todas essas transformaçõestrouxeram consequências como o desemprego,a desigualdade social, a precarização de direitossociais dos trabalhadores e algumas outras.Portanto, a partir do momento em que o trabalhoem sociedade se desenvolve, as própriasrelações de trabalho se modificam, fazendo-sefundamentais relações mais especializadas.

1 Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho. E-mail: [email protected]

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2 A relação de trabalho e a relação deemprego

Segundo Delgado (2007), a relação jurídicaenglobando os sujeitos, o objeto e o negóciojurídico vinculante das partes, é categoria básicado fenômeno do Direito, efetivamente qualificadacomo o vértice em torno do qual se constroemtodos os princípios, institutos e regras quecaracterizam o universo jurídico. Frisa-se que arelação jurídica é ponto de evidência nosvariados ramos especializados do Direito,momento em que surge a necessidade deinstitutos e princípios compatíveis à nova relaçãocriada.

A este respeito, Barros (2009) diz que oscontratos de atividade geram uma relação detrabalho, da qual a relação de emprego é umaespécie. As duas modalidades são relaçõesjurídicas reguladas pelo Direito.

O liame entre empregado e empregador étema de grande discussão e divergências nadoutrina trabalhista. Nascimento (2009) discuteque nem mesmo a lei se definiu, sendo nelaencontrada a expressão contrato individual detrabalho e a relação de emprego. A primeiraobservação refere-se à amplitude de ambas asexpressões quanto à palavra “trabalho”. Asegunda diz respeito às relações entre contratode trabalho e relação de trabalho.

Nascimento (2009, p. 328) explica que:

O vértice do direito do trabalho não é todotrabalhador, mas um tipo especial dele, oempregado. [...] Não há uma definitivaorientação quanto aos tipos detrabalhadores sobre os quais o direito dotrabalho deve ser aplicado. Predomina oentendimento segundo o qual o trabalhoque deve receber a proteção jurídica é otrabalho subordinado. O trabalhadorsubordinado típico é o empregado. Aexpressão “contrato de trabalho” não dáa noção exata do objeto a que se refere,da mesma maneira que a expressão“relação de trabalho” merece idênticacrítica. [...] É possível entender que ocontrato de trabalho e relação de trabalhosão expressões diferentes de uma mesmae única realidade: o vínculo entreempregado e empregador. [...] Tanto ocontrato como a relação de empregopodem dar origem ao vínculo entreempregado e empregador, distinguindo-se ambos porque, quando a origem é ocontrato, o vínculo nasceu em decorrênciado acordo de vontades entres os sujeitos,mas quando a origem é simplesmente a

relação, o vínculo não nasceu por forçade um acordo de vontade entre ossujeitos, mas por obra de um fato, aprestação de serviços, geradora dosmesmos efeitos.

Segundo Maranhão (2005), o contrato detrabalho traduz um sentido de autonomia jurídicada disciplinação contratual da relação detrabalho, que escapa às fórmulas clássicas dodireito comum, que a aproximavam da locaçãode coisas.

Sobre as relações de trabalho, Süssekind(2010) traz que elas correspondem ao vínculojurídico estipulado, expressa ou tacitamente,entre um trabalhador e uma pessoa física oujurídica, que o remunera pelos serviçosprestados.

Martins (apud SÜSSEKIND, 2005) acentuaque o prestador de serviços seránecessariamente uma pessoa física e o tomadoruma pessoa física ou jurídica. Pondera, ainda,que a subordinação não existe na relação dotrabalhador autônomo com o tomador deserviços.

Conforme a Lei n. 5.890, de 1973, em seuart. 4.º, alínea c, o trabalhador autônomo é aqueleque exerce habitualmente, e por conta própria,atividade profissional remunerada. RodriguesPinto (apud SÜSSEKIND, 2005, p. 148) observouque

[...] de todos os contratos de atividade,somente o de emprego é trabalhista.Entretanto, todos eles têm por sujeito apessoa do trabalhador, não mais apenasa do empregado, o que mostra a realidadede que o novo critério da determinaçãoda competência passou a ter seu centro,ou eixo, na pessoa do trabalhador, o qualatrai para si toda matéria de suas relaçõespossível, seja ela trabalhista (quando otrabalhador é empregado) ou cível (quandoo trabalhador não é empregado).

Concluindo dessa forma, o contrato detrabalho stricto sensu é o negócio jurídico peloqual uma pessoa física (empregado) se obriga,mediante o pagamento de uma contraprestação(salário), a prestar trabalho não eventual emproveito de outra pessoa, física ou jurídica(empregador), a quem fica juridicamentesubordinada. Assim ensina Teixeira Filho (2005).

Tem-se, então, que a subordinação é o elopara a caracterização da relação de emprego,criada para a proteção do empregado a fim degarantir a eficácia de seus direitos.

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3 Os direitos sociais do trabalhador

Os direitos do homem não apresentam umademarcação precisa, visto que a evolução e seureconhecimento demonstram constante mutaçãoe aprimoramento sofridos ao longo de décadasem virtude de incontáveis elementos, dentre elesa ideologia dominante, a religião, a economia, apolítica e a cultura. São os ensinamentos deBarbugiani (2008).

Já Amaral (2007, p. 89) diz que:

[...] a maior parte da doutrinajuslaboralista, amparada pelos diversosjulgados dos Tribunais neste sentido,sobretudo daqueles incumbidos de zelarpelo fiel cumprimento da Constituição ede seus valores fundamentais, admite ecompartilha do entendimento acerca danecessidade de aplicação dos direitosfundamentais no âmbito das relaçõeslaborais.

Tem-se, a partir dessa ideia, que a proteçãoaos direitos fundamentais deve ocorrer de formaurgente, em face da flagrante desigualdadeexistente entre os sujeitos envolvidos nasrelações trabalhistas, empregados eempregadores, a fim de alcançar a forma maiseficaz de proteger o trabalhador contra eventuaisafrontas aos seus direitos e garantias (AMARAL,2007).

Antes da mudança para o próximo tópico,necessária é a definição de direitosfundamentais. Segundo Bonavides (2002, p. 516-552, passim)

Os direitos de primeira geração são osdireitos da liberdade, primeiros aconstarem do instrumento normativoconstitucional, são direitos de resistênciaou de oposição perante o Estado. Os desegunda geração são os direitos sociais,culturais e econômicos. No que se refereà terceira dimensão, tem-se primeiro pordestinatário o gênero humano, nummomento expressivo de sua afirmaçãocomo valor supremo em termos deexistencialidade concreta. Por fim, sãodireitos de quarta dimensão, o direito àdemocracia, o direito à informação e odireito ao pluralismo.

No que tange aos direitos fundamentais, osdireitos sociais são os que guardam maior relaçãocom as questões econômicas, em nível estruturale conjuntural, e talvez seja por isso os maisameaçados e suscetíveis de interferência dos

fatores de poder econômico dominante,conforme Arruda (1998). Sob essa linha, o autortraz os direitos sociais como representação dasprestações positivas do Estado e, como dimensãodos direitos fundamentais, direitos de igualdade,por possibilitar melhores condições de vida aoshipossuficientes, auxiliando na realização doprincípio da dignidade humana.

A respeito dos direitos sociais trabalhistas,Arruda (1998, p. 19) ensina:

[...] os direitos sociais, particularmente ostrabalhistas, desenvolveram-se através daintervenção estatal, visto que a atuaçãodo Estado é essencial na concreção ereconhecimento normativo dessesdireitos, sem os quais não se pode falarem estado democrático de direito, pelorisco de desrespeito às regras e princípiosque norteiam a Carta Magna, até porquea concepção de estado democráticoalberga o princípio da igualdade, assimcomo o direito é concebido como o estadoem que predominam os direitosfundamentais.

A constitucionalização dos direitos sociaistrata-se de um processo muito recente,decorrente de acontecimentos históricos e damudança no papel do Estado, a partir de suaprestação ativa nos direitos sociais. Daí se ter,conforme preceitua Arruda (1998, p. 19), que

Foram os direitos trabalhistas os primeirosque exigiram uma atuação de fazer e deprestar por parte do Estado,diferentemente da visão liberal, quesupostamente pregava a omissão estatal,embora sua intervenção fosse cobradasempre que os interesses da políticaliberal estivessem sendo ameaçados. [...]Para muitos doutrinadores, aconstitucionalização dos direitostrabalhistas teve por objetivo apenas aconfirmação teórica de uma propostademocrática, sem que tal programapolítico significasse, necessariamente,uma atuação permanente do Estado nosentido de garantir o cumprimento eeficácia dessas normas, daí por que seprocura avaliar a eficácia dos direitosconstitucionais [...].

“Paulo Bonavides foi quem introduziu, noordenamento jurídico interno, o ideário dosdireitos fundamentais de quarta dimensão,retratando que os mesmos têm, como pano defundo, a globalização da economia”, dizGonçalves (2003, p. 36).

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“Globalizar os direitos fundamentaisequivale a universalizá-los no campo institucional.A globalização política na esfera da normatividadejurídica insere os direitos de quarta geração, quecorrespondem à institucionalização do Estadosocial” (BONAVIDES, 2002).

Segundo entendimento de Bonavides(2002, p. 525):

A democracia positivada enquanto direitoda quarta geração há de ser, denecessidade, uma democracia direta.Materialmente possível graças aosavanços da tecnologia de comunicação,e legitimamente sustentável graças àinformação correta e às aberturaspluralistas do sistema. [...] Enfim osdireitos de quarta geração compendiamo futuro da cidadania e o porvir da liberdadede todos os povos.

Nesse sentido, Bonavides (2002) diz que anova universalidade dos direitos fundamentaisos coloca num grau mais alto de juridicidade,concretude, positividade e eficácia. Trata-se,portanto, de universalidade que não exclui osdireitos da liberdade, mas primeiro fortalece comas expectativas de melhor concretizar a efetivaadoção dos direitos da igualdade e dafraternidade.

Nascimento (apud BARBUGIANI, 2008, p.61) “reconhece, dentro desse contexto, que,modernamente, o direito do trabalho, ao defendera dignidade do trabalhador e seus direitos depersonalidade, está sendo identificado com osdireitos fundamentais ou humanos.”.

Dando continuidade ao raciocínio,Barbugiani (2008) traz que os direitos trabalhistastêm sofrido inúmeras investidas em virtude daglobalização econômica e do neoliberalismo2 queprocuram flexibilizar as normas protetivas dostrabalhadores com o intuito de beneficiar osdetentores do capital.

Analisando, a partir do aspecto globalização,Trierweiler (2009, p. 81) diz que

Em tempos de globalização, formação deblocos econômicos, multinacionalizaçãode empresas e sua expansão para dife-rentes continentes, e, em especial, a cri-se econômica internacional, a comunida-

de mundial é forçada a se ajustar a estenovo cenário, em vários aspectos, taiscomo político, econômico e, inclusive,jurídico-sociais. É neste contexto que opróprio direito do trabalho, marcado peloeterno conflito “capital x trabalho”, temsuas fronteiras exacerbadas para além danação individualmente considerada.

Diante disso, passa a haver um interessesupranacional a respeito dos direitos e relaçõestrabalhistas, em face dos reflexos econômicosque essa tendência global implica ao mercadomundial.

No que tange ao neoliberalismo, Arruda(1998) ensina que esse termo trata de ideiasapregoadas com contexto liberal, defendidas porgrupos e pessoas, dotadas de conotação queapresentavam, a princípio, uma separação entreo econômico e o social, o Estado e o mercado,com condições sociais favoráveis. Essesfenômenos, ocorridos em virtude doneoliberalismo, interferem consideravelmente nomundo das relações laborais. É o que lecionaArruda (1998, p. 84):

A globalização intensifica a abertura demercados e migração de empresas parapaíses e localidades que sejam maislucrativas, ou seja, onde existe a mão-de--obra mais barata e a menor fiscalização erespeitos aos direitos internacionalmenteconhecidos como fundamentais para aclasse trabalhadora. Além disso, oneoliberalismo privilegia a lógica exclusivado mercado em detrimento do homem,desviando o avanço tecnológico para o fatorlucro, em vez de ter como destinatária avalorização da vida humana.

Tem-se, portanto, a tendência mundial deprecarização das normas trabalhistas desatentaao fato de que a economia circula em torno damassa operária, ou seja, quanto melhores ascondições de trabalho e maiores os salários,maior será o poder aquisitivo da população, dizBarbugiani (2008).

Não se pode deixar de analisar, assim trazArruda (1998, p. 85), que ao se falar de políticaneoliberal, de realidade econômica do Brasil, têm--se três passos básicos: “a estabilização daeconomia (combate à inflação), a efetivação de

2 Neoliberalismo é a resposta à crise do capitalismo decorrente da expansão da intervenção do Estado, antagônicaà forma mercadoria, ainda que necessária para sustentá-la. Consiste essencialmente em uma tentativa derecompor a primazia, e recuperar o âmbito da produção de mercadorias. Renegando as formas social-democratas que acompanham o estágio intensivo, nega a crise estrutural e histórica do capitalismo e se voltaàs origens desse, do tempo do liberalismo, daí o nome de neoliberalismo. (Disponível em: <http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/neolib/index.html>. Acesso em: 18 out. 2010, às 16h 35min.

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reformas estruturais (privatizações, liberalizaçãode mercados) e a retomada de investimentosestrangeiros como forma de incentivar odesenvolvimento.”.

Gonçalves (2003) trata da problemática dodesemprego desencadeado pela globalização,diretamente decorrente do aprimoramento datécnica. Depara-se, então, com uma nova etapado sistema capitalista focada como a TerceiraRevolução Industrial, com consequênciasdanosas no aumento da produtividade laboral,fato que tem ocasionado o desempregotecnológico. Gonçalves (2003, p. 101) assimanalisa:

O catedrático entende que o termo quemelhor pode refletir a situação do mercadode trabalho não é o verbete “desemprego”,mas a expressão “precarização”, porqueos novos postos de serviços criados emvirtude das novas tecnologias nãoconseguem nem suprir a carência deabsorção de mão-de-obra, mas –principalmente - não conferem aos seusocupantes os mesmos direitos e garantiasque eram previstos legal ouconvencionalmente nos empregostradicionais, sendo que corriqueiras asrelações informais ou incompletas deemprego, o que se reverte em sentidosocialmente difundido de insegurança noemprego.

Nesse sentido, Arruda (1998) discorre quea situação econômica possui diversos motivos,desde a automação até a falta de uma políticapública que privilegia a fomentação e oincremento dos campos de trabalho. Atualmente,é possível notar o retorno de propostas referentesà ampla liberdade do mercado, com gruposeconômicos fortificados que exigem do Estado aabstenção de regulamentação dos direitosbásicos dos trabalhadores, sob a justificativa deque a interferência prejudica o crescimentoeconômico e dificulta as negociações em ummercado mais competitivo e globalizado.

A autora acrescenta (idem, p. 88):

[...] tornar eficaz o direito trabalhista, nummundo em que a principal e maiscatastrófica crise é a falta de trabalho,exige reflexão e compromisso com umaordem social mais justa, sobretudoquando esse é o principio dominante naConstituição.

“É inconteste que a globalização da

economia trouxe consigo mutações no plano dasrelações de trabalho. [...] Torna-se imprescindíveldistinguir a desregulamentação do direitotrabalhista da flexibilização do mesmo ramojurídico.”, diz Gonçalves (2003, p. 166).

“Tomando a desregulamentação, trata-sede retirar do âmbito da legislação parte dosdireitos trabalhistas que não mais seriamgarantidos por leis, mas através de negociaçãoentre as categorias envolvidas.” (ARRUDA, 1998,p. 89) explica e complementa a partir da ideia deque “a proposta neoliberal é diluir as normasjurídicas que protegem os trabalhadores compoder de sanção e caráter de eficácia para quecada direito seja negociado entre patrões eempregados.”.

No que tange à flexibilização, seria a quebrada rigidez da norma trabalhista, ou seja, umadiminuição do princípio protetivo do Direito doTrabalho, posto em favor dos hipossuficientesda relação de emprego, de acordo comentendimento expresso por Gonçalves (2003).

Nesse sentido, percebe-se que o processode horizontalização dos direitos fundamentaisganhou, no âmbito laboral, desenvolvimento, atémesmo pela natureza da relação contratual naqual se tem o empregado que abre mão de umaparte de suas liberdades, na proporção que secoloca a serviço e disposição do empregador,vez que subordinado, controlado e fiscalizado,como ensina Valadares (2006).

Acerca do processo de horizontalização dosdireitos fundamentais, há a seguinte explicação:

As transformações sofridas pelo Estadoe a evolução dos direitos fundamentaispossibilitaram que estes fossem tambémaplicáveis às relações privadas, entreparticulares, especialmente para reduzirou eliminar as desigualdades entrepessoas, até porque os direitosfundamentais alicerçam-se nos princípiosda dignidade da pessoa humana e daigualdade substancial. O processo dehorizontalização dos direitosfundamentais fez parte de importanteetapa de evolução do ordenamentojurídico em geral, uma vez que somenteapós a obtenção de uma proteção efetivafrente ao Estado é que foi possível oindivíduo transportar preocupações parao âmbito das relações privadas.(VALADARES, 2009, p. 10).

Arruda (1998, p. 91) mostra que

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A desconstitucionalização, ou seja, excluirdo texto da Carta Política os direitostrabalhistas, é ainda mais grave. O papelda Constituição e a fundamentalidade dosdireitos trabalhistas já foram explicitados.Ademais, o texto da Constituição traz aspossibilidades de flexibilização, não sendocorreta qualquer afirmação que impliquerigidez dos direitos trabalhistas. É o queocorre com dois direitos básicos: aalteração da jornada de trabalho e afixação de salários, que são negociadosmediante acordos ou convenção coletivas.

Ademais, é evidente que as tendências deflexibilização e desregulamentaçãodesencadearam profundas modificações nouniverso do direito do trabalho, dentre elas adiminuição das normas estatais. Diante disso, ostrabalhadores buscam na seção que trata dosdireitos fundamentais na Constituição para orestabelecimento do equilíbrio entre seus direitose os poderes empresariais, tal como argumentaValadares (2009).

Pode-se concluir que a “automação3

refletirá efeitos danosos. Entretanto, os mesmosserão em menores proporções do que seespecula, já que, mesmo ocorrendo odesemprego em determinados setores daatividade laboral, haverá, em contrapartida, anecessidade crescente de pessoal em outrossetores”. (GONÇALVES, 2003, p. 172).

O fato de os reflexos da globalização teremacarretado alguns prejuízos no que concerne àsgarantias dadas aos trabalhadores, “é inegávelque a concretude da dignidade do trabalhadorexige eficácia social das normas previstas nosâmbitos nacional e internacional.”, entendeSandim (2010, p. 64).

E neste sentido, “o § 1º, do art. 5º, daConstituição Federal, estabelece que ‘as normasdefinidoras dos direitos e garantias fundamentaistêm aplicação imediata’, entretanto, a doutrina ea jurisprudência divergem quanto aos limites danorma.”, Barbugiani (2008, p. 77). O autor aindacomplementa que todos os direitos de qualquerdimensão devem ser assegurados e suaaplicabilidade imediata, inerente ao próprioconceito de direitos fundamentais, é plenamentereconhecida.

Note-se o que observa Sandim (2010, p.64):

A proteção normativa destinada aotrabalhador exige o efetivo recebimentodas parcelas contraprestativas, comosalário, adicionais, décimo terceiro salário,entre outras, bem como a tutela da saúdetambém no ambiente de trabalho derivadada necessidade de um meio ambienteequilibrado e saudável, limitando o poderdiretivo do empregador.

Tem-se, então, que a autoaplicabilidade dostratados de direitos humanos e a sua recepçãono ordenamento jurídico com a devida conotaçãoconstitucional admitem os critérios de resoluçãode conflitos entre normas, facilitandoespecialmente na seara trabalhista em que vigorao princípio da aplicação da norma mais favorável,associado ao preceito da maior proteção àdignidade da pessoa humana, segundoconclusão de Barbugiani (2008).

4 Considerações finais

A globalização foi responsável portransformações profundas na seara trabalhista,aumentando a competitividade entre empresas,o crescimento da produtividade e do lucro, osavanços da tecnologia e as ideias flexibilizadorasdas normas trabalhistas, no que diz respeito aosdireitos sociais do trabalhador.

A relação de emprego resulta da síntesede elementos fático-jurídicos. No entanto, o maisimportante para a caracterização desta relaçãojurídica é a subordinação. Em seu conceitoclássico, trata-se da submissão do empregadoàs ordens do empregador.

Os doutrinadores do direito do trabalhodefendem o fiel cumprimento da ConstituiçãoFederal e de seus valores fundamentais no quediz respeito aos direitos sociais do trabalhador.Isso porque, a tendência mundial de precarizaçãodas normas trabalhistas desatenta-se de que aeconomia gira em torno dos trabalhadores.Portanto, quanto melhores as condições detrabalho e maiores salários, maior será o poderaquisitivo da sociedade.

Então, garantir aos trabalhadores seusdireitos sociais pode amenizar as desigualdadesentre os sujeitos da relação jurídica de emprego,contribuindo para a harmonia do meio ambientede trabalho.

3 A automação é um processo em que o mundo está inserido, pois os países que se insurgirem contra elaestarão caminhando na “contramão” da História, ou seja, uma nova realidade tecnológica, que possibilitaconvivência harmoniosa entre o homem e máquina. (GONÇALVES, 2003).

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RESUMO

O presente estudo científico tem comofundamento a teoria do garantismo penalformulada por Luigi Ferrajoli, evidenciando asraízes doutrinárias que culminaram em umateoria de cunho garantidor dos direitos egarantias fundamentais. Nesse sentido, verifica--se o conteúdo da teoria garantista e suacapacidade de legitimar o Estado de Direito pormeio de mecanismos hábeis à aproximaçãoentre o ser e o dever ser do Direito. Referidateoria, fruto dos ideais iluministas, propugnauma releitura dos critérios de vigência, validadee eficácia das leis objetivando a imposição devínculos à função punitiva estatal em garantiados direitos dos cidadãos. Sob tal óptica, ofundamento do garantismo penal residejustamente na consagração dos direitos egarantias fundamentais, sendo que somente emum Estado que respeita os desviantes comosujeitos de direitos e garantias, em detrimentodo poder punitivo irracional do Estado, e os nãodesviantes como merecedores de segurança eliberdade proposto no contrato social deRousseau, estar-se-á diante do verdadeirogarantismo penal.

Palavras-chave: Garantismo Penal; Dignidadeda Pessoa Humana; Estado de Direito.

ABSTRACT

This scientific study is based on the theory of penalguarantees formulated by Luigi Ferrajoli,highlighting the doctrinal roots whichculminated in a guarantor-nature theoryof fundamental rights and guarantees. Inthis sense, it is verified the content of the garantismtheory and its ability to legitimize the Ruleof Law through the skillful mechanisms to anapproach between the being and should be ofthe Law. This theory, fruit of Enlightenment ideas,calls for a reassessment of the criteria of validity,

the validity and effectiveness of laws aimed at thebond imposition to the punitive state functionin ensuring the rights of citizens.From this viewpoint, the foundation of penalguarantees lies in the consecration of therights and fundamental guarantees,and only in a State that respects the deviant assubjects of rights and guarantees, in detrimentof irrational punitive power of the State, and thenon-deviant as deservers of freedom andsecurity as proposed in the Social Contract ofRousseau, therefore it will before the true penalguarantism.

Keywords: Penal Guarantism; Dignity of HumanBeen; Rule of Law.

1 INTRODUÇÃO

Desde o surgimento do Estado de Direito,o problema de sua legitimação tornou-se um dosgrandes desafios da ciência jurídica, mormenteno que concerne à garantia dos direitosfundamentais dos cidadãos frente ao poderpunitivo estatal. Assim, no afã de criarmecanismos capazes de solucionar talproblemática, foi criada a teoria do garantismopenal, impondo ao Direito e ao Estado a cargade justificação externa. Isto é, um discursonormativo e uma prática coerentes com a tutelae garantia dos valores, bens e interesses quejustificam a sua existência.

Sob tal conjuntura, o Estado de Direitodeve ser entendido como um instrumento aserviço da sociedade, cujos fundamentosrepousam unicamente na consagração eefetivação dos princípios de direito externointernalizados. Para o cumprimento de taldesiderato, os Estados tendem a delinear ummodelo garantista em abstrato e traduzir-lhe osprincípios em normas constitucionais dotadasde clareza e capazes de deslegitimar as normasinferiores que com ela sejam discrepantes.

A TEORIA DO GARANTISMO PENAL COMO CRITÉRIOLEGITIMADOR DO ESTADO DE DIREITO

Fabíola Barros de Queiroz1

1 Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA).

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Contudo, não obstante a adoção de umsistema juridicamente perfeito, o ideal garantistatornar-se-á uma falácia caso não haja aconcretização de seus axiomas pelos poderespúblicos, sobretudo, pelo Poder Judiciário.

Não por outra razão, a teoria delegitimação criada por Ferrajoli, partindo de umaredefinição do critério de validade das leis,pugna pela aproximação entre o ser e o deverser do Direito à medida que designa uma funçãoprecípua ao Poder Judiciário, qual seja, aconcretização dos direitos e garantiasfundamentais insertos nos textos constitucionaise convencionais. Sob tal premissa, a teoriagarantista nega o antigo dogma da funçãocontemplativa do juiz diante das leis inválidas, oqual os concebem como “boca que pronunciaas palavras da lei, seres inanimados que nãopodem moderar nem a força nem o rigor dasleis”, como diria Montesquieu.

Ao romper com a antiga concepção do juizcomo incapaz de promover transformaçõessociais, a teoria do garantismo penal impõe aojuiz a crítica das leis inválidas através dareinterpretação em sentido constitucional e adenúncia de sua inconstitucionalidade.Outrossim, dentre os vários significados quepodem ser extraídos do texto normativo, é deverdo juiz eleger apenas os que guardaremconsonância com as normas constitucionaissubstanciais e com os direitos fundamentais porela estabelecidas.

2 SÍNTESE HISTÓRICA DO CONTEXTOJURÍDICO-PENAL EM QUE FOI CONCEBIDAA TEORIA DO GARANTISMO PENAL

O período iluminista constitui um marcohistórico na concepção humanitária das penase, consoante salienta Gomes (2006), tal ideáriotem suas premissas calcadas no Renascimentoe na Reforma, movimentos que eclodiram noséculo XVII.

Conforme ensinamento de Prado (2005),a Ilustração do século XVIII significou uma reaçãoao pensamento jurídico penal predominante noperíodo histórico que o precedeu, entendidoeste como o Direito Penal Comum, que realizauma fusão do Direito romano, germânico,canônico e dos direitos nacionais. Assim, noAntigo Regime, período em que o Direito Penalcomum teve prevalência, reinavam as penascruéis e aflitivas, fundamentadas tão-somenteno arbítrio judicial e na exaltação do Príncipe. Aatrocidade e a desumanidade com as quais o

Direito Penal estava envolto permaneceramincólumes até a Revolução Francesa, tendo,segundo ensinamento de Prado (2005, p. 81),“Voltaire chamado os magistrados de seu tempode bárbaros de toga.”.

Contra os excessos do Antigo Regime, aIlustração representa uma ruptura da fusãoentre o Direito e a Religião. Para Carvalho(2001), a secularização do Direito proporcionouuma minimização do poder punitivo estatal, demodo que somente serão passíveis decriminalização as condutas que constituíremefetiva lesão a bens jurídicos alheios, sendo queo “ser” do indivíduo permanece imune àintervenção do Estado.

Ferrajoli (2002) assevera que a teoria docontrato social de Rousseau possibilitou a visãodo Estado como um garantidor das liberdadesindividuais, em que aquele poderia intervir tão--somente nos casos de violação do pacto oracelebrado. Infere-se dessa teoria que a parcelade liberdade renunciada em prol dos direitosalheios exprime exatamente que existe umaconsiderável porção de direitos liberaisintangíveis, cujo núcleo não é merecedor detutela penal, pois dizem respeito ao “ser” doindivíduo.

Nesse sentido, Beccaria (2005) destacaque os pactuantes do contrato social, temeráriospela incerteza oriunda de um contínuo estadode guerra, sacrificaram parte de sua liberdadepara desfrutarem das demais com segurança.A soma das pequenas porções de liberdadesacrificadas constitui a soberania estatal,encarregada da tutela de tais liberdades orarenunciadas. Consequentemente, o conjuntodessas porções forma o direito de punir, tudo omais é abuso e não justiça, é fato, mas nãodireito.

Primeiramente, tem-se que Beccaria(2005) defende veemente a separação doDireito e da Moral, consignando que as opiniõesou as meras intenções não são passíveis deproteção penal, visto que tais atos não sãolesivos aos direitos de terceiros, o quecaracteriza uma nítida concretização do princípioda lesividade. O autor iluminista propagou,igualmente, outros princípios que, apesar desuas diferenciadas nuances, norteiam até hojeo Direito Penal.

Desse modo, é notável a contribuiçãoiluminista para o Direito Penal, tal qual éconcebido pela teoria do garantismo penal.Nesse sentido, Ferrajoli (2005, p. 185) destacaque

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A doutrina iluminista de separação entredireito e moral elaborou, a um só tempo,o pressuposto necessário de qualquerteoria garantista e de qualquer sistemade direito penal mínimo, enquanto asvárias doutrinas pré e pós-iluministas daconfusão viram-se colocadas na origemde culturas e modelos penaissubstancialistas e variamente autoritários.

Não obstante o fato deste trabalho não tera intenção de esgotar as diversas teorias queoriginaram o pensamento garantista, faz-semister mencionar as doutrinas pós-iluministasda confusão, uma vez que as anteriores àRevolução já foram mencionadas, ainda queresumidamente.

Consoante Ferrajoli (2005), no séculopassado, houve a consolidação efetiva domonopólio estatal das Fontes do Direito e, comela, a confusão entre Direito e Moral voltou ater espaço no cenário jurídico penal. Em meio atal confusão, foram abandonados quaisquerpontos de vista axiológicos externos delegitimação do Direito, cedendo lugar aojuspositivismo do princípio teórico, cujos pilaresse estabeleceram sob a óptica de que o Direitovigente era algo de “natural”, não maisnecessitando de legitimação. Desse modo, oDireito Positivo era tido como um fim ou um valorem si próprio, em detrimento da legitimaçãoexterna.

Segundo Prado (2005), essadeslegitimação externa mencionada é oriundada Escola Positivista, que se apresenta em trêsgrandes fases. São essas a antropológica deLombroso, a sociológica evidenciada por Ferri,e a Jurídica formulada por Garofalo. Nesseperíodo, o Direito Penal ofuscou o princípio daestrita legalidade, uma vez que as definiçõesdo tipo penal eram destituídas de qualquer valordenotativo, cuja interpretação judicial consisteem juízos de valor post factum, como apericulosidade do agente, capacidade dedelinquir, entre outros valores que fogem à órbitagarantista.

Outra teoria anti-iluminista vislumbrada porFerrajoli (2005) é o formalismo ético. Segundoo autor, essa tese renuncia a qualquer pontode vista externo de legitimação, encontrandofundamento apenas no ponto de vista jurídico,como único meio capaz de justificar o direitopenal.

Não é difícil compreender o fato de asteorias pós-iluministas da confusão entre Direito

e Moral terem sido refutadas assim como foramas pré-iluministas também da confusão.Cademartori (1999) afirma que todo poderabsoluto, em detrimento dos direitos e garantiasfundamentais, carece de legitimidade e gera odissenso popular, cujo declínio final são asinúmeras revoluções que assolaram a históriada legitimação da soberania do Estado.

Percebe-se que o problema da legitimaçãodo Direito Penal é uma constante no estudo detal ramo do Direito, cuja importância foi verificadapor Ferrajoli (2005), que divide as teorias emjustificacionistas e abolicionistas, sendo queessas negam a existência de qualquerjustificação à intervenção punitiva do Estado;aquelas, porém, tendem a encontrar um meiohábil para justificar o poder punitivo estatal. Éjustamente nesta conjuntura, entre as doutrinasde justificação do poder punitivo estatal, que seinsere a teoria do garantismo penal de LuigiFerrajoli, base e fundamento do presenteestudo.

A teoria do garantismo penal é classificadapor Ferrajoli (2005) como um utilitarismo penalreformado. Por utilitarismo penal se entende quea pena não pode ser justificada como se elaprópria fosse um fim ou um valor voltado para opassado, tal qual ocorre nas teorias dejustificação retributiva, mas sim, um meio ou uminstrumento para fins, com vistas ao futuro.

Conforme lição de Ferrajoli (2005), omodelo de justificação garantista concebe apena com o único objetivo da prevenção geralnegativa – das penas informais além do que dosdelitos. Insta salientar que a teoria da prevençãogeral negativa aqui exposta não se confundecom a teoria geral negativa de Beccaria (2005),uma vez que esta concebe a pena como umexemplo, isto é, quer-se prevenir novos delitospor meio da intimidação. Esse não é o ideal deFerrajoli (2005, p. 267), tendo em vista a máximakantiana citada por aquele no sentido de que“nenhuma pessoa pode ser utilizada como meiopara fins a ela estranhos, ainda que sociais eelogiáveis.”.

O novo modelo de justificação do poderpunitivo do Estado fundado pela teoria dogarantismo penal inaugura uma novaperspectiva do Direito Penal. Isso porque ela évoltada para um Direito Penal de exceção, emque a regra é a efetivação dos direitos egarantias fundamentais inerentes a todo equalquer sujeito de direito.

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2.1 Conteúdo e disciplina da teoria dogarantismo penal

Conforme pensamento de Carvalho(2001), a teoria do garantismo penal propõe,sobretudo, estabelecer critérios deracionalidade e limitação ao poder punitivoestatal, deslegitimando qualquer modelo deEstado que restrinja os direitos e garantiasfundamentais em função da defesa social.Prossegue o autor consignando que o modelogarantista consiste em um meio hábil para ocombate da irracionalidade dos poderes, sejampúblicos ou privados.

Do pensamento do autor acimamencionado, é possível extrair as premissasbásicas da teoria do garantismo penal, tal qualoutrora fora concebida. Ferrajoli (2005, p. 684)considera a existência de três acepções dotermo garantismo, sendo a primeira acepção aque mais coaduna com o garantismo com vistasao Direito Penal, a saber:

Segundo um primeiro significado,“garantismo” designa um modelonormativo de direito: precisamente, noque diz respeito ao direito penal, omodelo de “estrita legalidade” SG, opróprio do Estado de Direito, que sob oplano epistemológico se caracterizacomo um sistema cognitivo ou de podermínimo, sob o plano político secaracteriza como uma técnica de tutelaidônea a minimizar a violência e amaximizar a liberdade e, sob o planojurídico, como um sistema de vínculosimpostos à função punitiva do Estado emgarantia dos direitos dos cidadãos. É,conseqüentemente, “garantista” todosistema penal que se conforma com talmodelo e o satisfaz efetivamente.

Sob o ponto de vista desta acepção, qualseja o modelo normativo de direito, funda-se osistema criado por Ferrajoli (2005) denominadoSistema de Garantias ou simplesmente sistemaSG. Tal sistema consiste em um conjunto deprincípios norteadores do Direito Penal eProcessual Penal, em face dos quais é possívelmensurar o grau de garantismo dos Estados deDireito.

Ferrajoli (2005) assevera que cadaproposição do Sistema de Garantias constituium axioma do Direito Penal, sendo que seusprincípios não se restringem a estabeleceremas concepções da verdade processual, mas temo objetivo também de garantir a imunidade dos

cidadãos frente às intervenções punitivasarbitrárias ou irracionais do Estado. Assim, àmedida que os axiomas do sistema SG sãoincorporados no ordenamento positivo vigentepor meio da internalização do direito externo,ele passará a ter legitimidade não só normativa,mas também legitimidade jurídica ou de validade.

Sob tal perspectiva, quanto maior orespeito e pronto atendimento aos princípios dosistema SG, maior será o grau de validade elegitimidade do poder estatal. Por outro lado, oSistema de Garantias pode restar debilitado àmedida que haja diminuição ou lesão aos direitose garantias preconizados pelo sistema emcomento. Conforme consigna Ferrajoli (2005,p. 78), “é possível agora formular uma tipologia,obviamente esquemática, dos modelos teóricosde direito penal segundo o número ou o tipo degarantias asseguradas por eles e, portanto,segundo a medida e o grau como se acercamou se afastam do nosso modelo limite SG.”.

Ferrajoli (2005) explicita que o modelolimite SG compreende os seguintes princípios:1) princípio da retributividade ou daconsequencialidade da pena em relação aodelito; 2) princípio da legalidade, no sentido latoou estrito; 3) princípio da necessidade; 4)princípio da ofensividade ou da lesão a bensjurídicos; 5) princípio da materialidade; 6)princípio da culpabilidade; 7) princípio dajurisdicionariedade; 8) princípio acusatório; 9)princípio do ônus da prova; 10) princípio docontraditório ou da ampla defesa.

Carvalho (2001, p. 23) sintetiza osprincípios anteriormente elencados ao dizer que:

Segundo este modelo não é legítimaqualquer irrogação da pena sem queocorra um fato exterior, danoso paraterceiro, produzido por sujeito imputável,previsto pela lei como delito, sendonecessária sua punição e proibição. Poroutro lado, aliam-se aos requisitosmateriais, os processuais, a dizer, anecessidade de que sejam produzidasprovas por uma acusação , em processocontraditório e regular, julgado por juizimparcial.

Para Ferrajoli (2005), o modelo SGapresenta as dez condições, limites ouproibições que constituem garantias doscidadãos contra o arbítrio ou erro judicial. Oautor denomina Direito Penal mínimo e DireitoPenal máximo os dois extremos que podemsurgir, à medida que sejam maiores ou menores

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os vínculos garantistas extraídos do sistema degarantias e aplicados na órbita punitiva estatal.

Os axiomas do sistema SG, portanto, sãoerigidos à categoria de condicionantes daresponsabilidade penal e a aplicação da pena,passando a existir um mecanismo de avaliaçãopenal nos Estados de Direito. Ao analisar opensamento garantista, Carvalho (2001) lecionaque a estrutura do modelo penal garantista temcomo fundamento a mínima intervenção estatal,sendo esta somente legítima quando presentesos axiomas do Sistema de Garantias. Pela viaoposta, os modelos autoritários ou maximalistassão representados pela ausência ou violaçãoàs regras do sistema SG, revelando umparadigma penal irracional e deslegitimado.

O garantismo como modelo normativo dedireito, sob o plano epistemológico, secaracteriza exatamente pelo poder mínimo oucognitivo em comento. Nesse sentido, Ferrajoli(2005, p. 30) destaca que:

Como um sistema epistemológico deidentificação do desvio penal, orientadoa assegurar, a respeito de outros modelosde direito penal historicamenteconcebidos e realizados, o máximo graude racionalidade e confiabilidade do juízoe, portanto, de limitação do poder punitivoe de tutela da pessoa contra aarbitrariedade.

O poder punitivo estatal, além daobrigatória subordinação aos limites impostospelo sistema SG, sendo, por essa via, deexceção, deve igual subordinação ao juízocognitivo. Por juízo cognitivo, entende-se umajustiça penal não arbitrária, baseada sobrejuízos penais predominantemente de fato e dedireito, sujeitos a verificação empírica. ParaFerrajoli (2005), a concepção cognitiva dajurisdição se direciona a assegurar a certezana determinação do desvio punível, pautadaexclusivamente em critérios da taxatividade legalabstrata, na verificação do fato e no juízo deequidade capaz de conotar o fato denotado nalei como delito.

Segundo o mencionado autor, um Direitopenal é racional à medida que suasintervenções são previsíveis e, da mesma forma,é dotado de certeza quando é assegurado quenenhum inocente seja punido a custo daincerteza de que também algum culpado possaficar impune. Sob tal perspectiva, Rangel (2008,p. 87) assegura que “a dúvida não podeautorizar uma acusação, colocando uma pessoanos bancos dos réus.”.

Uma vez traçadas, ainda quesucintamente, as bases do modelo normativode Direito sob o ponto de vista epistemológico,entendido como um sistema cognitivo ou depoder mínimo, cumpre analisar o mesmo modelosob a óptica do plano político, cuja característicareside na minimização da violência e namaximização da liberdade.

No tópico anterior, foi realizada uma breveanálise acerca da função utilitarista penalreformadora do garantismo penal. É exatamentenessa conjuntura que se insere o plano políticodo modelo normativo de direito preconizadopela teoria do garantismo penal. Comomencionado, a teoria do garantismo penal éclassificada como utilitarista, em oposição àsteorias da retribuição, as quais concebem apena como um castigo ou como uma reparaçãoao mal causado pelo delito. O utilitarismo, poroutro lado, parte do pressuposto de que a penaé um instrumento capaz de assegurar a máximautilidade possível à maioria formada pelos nãodesviantes e o mínimo sofrimento necessário àminoria formada pelos desviantes.

Conforme explicitado, a prevenção geralnegativa própria do garantismo penal em muitose difere da prevenção geral negativa deBeccaria pelos fatos e fundamentos outroraexpostos. Por essa razão é que o próprioFerrajoli (2005) afirma que a teoria dogarantismo penal inaugura um novo modelo dejustificação, que é o utilitarismo penal reformadovoltado para a prevenção das penas informais.Ou seja, a prevenção da vingança privada oudo exercício das próprias razões. O autor,partindo da premissa de Beccaria (2005, p. 38)em que este consigna que deve existir “amáxima felicidade dividida no maior númeropossível de pessoas”, entende que o objetivodo Direito Penal e, consequentemente, daspenas, deve ser o máximo bem-estar possíveldos não desviantes e o mínimo mal-estarnecessário dos desviantes.

Com efeito, Ferrajoli (2005) destaca que,enquanto a prevenção dos delitos injustosconstitui o limite mínimo das penas, a prevençãodas injustas punições, por outro lado, fixa o limitemáximo da pena, de modo que além do qualnão se justifica que esta substitua o exercíciodas próprias razões. Outrossim, a pena aquémdo limite mínimo, não constitui mais uma pena,mas sim uma taxa destituída de capacidadedissuasória.

Do exposto, depreende-se que a teoriagarantista concede ao Direito Penal uma dupla

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função, a qual Ferrajoli (2005, p. 270) denominade utilitarismo partido ao meio. Segundo o autor

A lei penal é voltada a minimizar estadupla violência, prevenindo através de suaparte proibitiva, o exercício das própriasrazões que o delito expressa, e,mediante a sua parte punitiva, o exercíciodas próprias razões que a vingança eoutras possíveis reações informaisexpressam.

Insta destacar que enquanto o DireitoPenal tem esta função binária de proporcionaro máximo bem-estar possível dos nãodesviantes e o mínimo mal-estar necessário dosdesviantes, esse ramo do direito passa a exaltar,sobretudo, a efetivação dos direitosfundamentais. É justamente a consagração dosdireitos e garantias fundamentais o grandeobjetivo e fundamento da teoria do garantismopenal. Assim, somente em um Estado querespeita os desviantes como sujeitos de direitose garantias, em detrimento do poder punitivoirracional do Estado, e os não desviantes comomerecedores de segurança e liberdadeproposto no contrato social, estar-se-á diantedo verdadeiro garantismo penal.

Cumpre, por fim, analisar o garantismocomo modelo normativo de direito sob o planojurídico, como um sistema de vínculos impostosà função punitiva do Estado em garantia dosdireitos dos cidadãos.

Inicialmente, faz-se mister diferenciar o quevem a ser legitimação externa e legitimaçãointerna do Direito. Ferrajoli (2005) preceitua quepor legitimação externa, entende-se o conjuntode princípios normativos externos ao direitopositivo interno, isto é, princípios formados porvalores morais, políticos ou utilitários de tipo extraou metajurídicos. Por outro lado, o autorconsigna que legitimação interna ou legitimaçãoem sentido estrito consiste na legitimação doDireito Penal por meio de princípios normativosinternos ao ordenamento positivo, ou seja,critérios de avaliação jurídicos ou intrajurídicos.

O problema da legitimação externa estárelacionado à concepção da justiça e é inerenteà Filosofia do Direito e à crítica da Política. Já alegitimação interna é relacionada à validade eé concernente ao estudo da Teoria do Direito eà Crítica do Direito. Tal distinção é oriunda doprincípio da secularização ou da separaçãoentre o Direito e a Moral pregada pela teoriagarantista.

A separação entre Direito e Moral constituiuma grande conquista do pensamento jurídico

e político moderno. Porém, consoantepensamento de Ferrajoli (2005), essa separaçãotem dado ensejo ao equívoco da separação doDireito Positivo como fato e o Direito Naturalcomo valor, ou, como comumente referido, entreser e dever ser. Enquanto a legitimação internacomporta o direito como é, o ser, entendido comoo único direito válido, a legitimação externa évista como um ideal alheio às noções devalidade, pois que não existiria formalmente noâmbito jurídico.

Tal paradigma, porém, é concebido apenasem ordenamentos jurídicos nos quais olegislador é legibus solutus, de forma quequalquer norma por ele emanada sejaconsiderada válida. Moraes (2007) explicita quenos modernos Estados de Direito, os quaisadotam Constituições rígidas como umreferencial, tal modelo de validade não encontraguarida, tendo em vista o fenômeno dapositivação dos princípios externos nasConstituições, ou ainda, o fenômeno daconstitucionalização dos princípios de DireitoNatural no Direito Positivo.

Ferrajoli (2005) acredita que o resultadodessa positivação do Direito Natural possibilitoua inclusão de muitos dos velhos valoresiluministas ao direito vigente. Para o autor, ofenômeno de positivação dos princípios deDireito Natural proporcionou uma radicalmudança nos conceitos de vigência, validade eeficácia das normas positivas, tendo comoreferencial a Constituição do Estado. Enquantotais conceitos se coincidem nos EstadosAbsolutistas, o mesmo não ocorre nos modernosEstados de Direito, uma vez que estes estãodotados de normas referentes à produçãonormativa que vinculam a validade das leis aorespeito também das condições substanciais,ou seja, do respeito, sobremaneira, aos direitosfundamentais.

Ferrajoli (2005) entende que uma normapode ser válida e não ter eficácia, estar vigentee ser destituída de validade, ter eficácia e nãoser válida, ser válida e vigente e não possuireficácia. Isso porque validade, vigência eeficácia possuem acepções distintas que, porvezes, restam inconciliáveis. Assim, o critério davigência repousa no procedimento de criaçãoda norma, enquanto a eficácia corresponde aosefeitos práticos da norma e, por fim, a validadeconstitui a adequação da norma aos preceitosconstitucionais. Essa última é a grandenorteadora da legitimidade ancorada pela teoriagarantista, uma vez que uma norma apenas serávalida, conforme Ferrajoli (2005), quando estiver

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em consonância com os direitos e garantiasfundamentais inseridos na Constituição, sendoque a lei deve ser interpretada conforme aConstituição e, quando o contraste forinsanável, é dever do juiz declarar ainconstitucionalidade da norma viciada.

Nesse sentido, afirma Ferrajoli (2005, p.267):

O Conceito de vigência se refere (nãogenericamente aos atos, mas) à formados atos normativos, sendo entendidaessa expressão como o conjunto dosatos empíricos (formalidades,procedimentos, competências esimilares) que fazem de um atolinguístico preceptivo uma decisãojurídica (por exemplo, uma lei, umnegócio, uma sentença ou um atoadministrativo). Enquanto o conceito devalidade se refere ao significado domesmo ato, ou seja, às normas por esteproduzidas. As duas figuras, portanto,são prescritas sobre a base de duasclasses diversas de normas sobreprodução: as normas formais, quevinculam a forma dos atos normativos, eas normas substanciais que vinculam osignificado.

Nesse diapasão, Carvalho (2001) ressaltaque o novo conceito de validade emergida pelateoria do garantismo permite que os direitosfundamentais adquiram um status deintangibilidade, estabelecendo a esfera do nãodecidível, sequer sob o consenso da maioria.Os direitos fundamentais constitucionalizadostêm, portanto, a função de estabelecer o objetoe os limites do Direito Penal nos Estados deDireito.

Destaca-se que à medida que os axiomasdo sistema SG forem incorporados àsConstituições e efetivamente observados, maiorserá o grau de garantismo e maior será alegitimidade do poder estatal de talordenamento.

3 A TEORIA GARANTISTA PENAL COMOMEIO APTO À EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIODA DIGNIDADE HUMANA

A teoria do garantismo penal,inequivocamente, constitui o expoente máximodo minimalismo penal. Disso se depreende quea teoria em questão é alicerçada por umconjunto de princípios e valores inerentes aosdireitos e garantias fundamentais dos cidadãos.A exaltação desses direitos e garantias

fundamentais tem como pressuposto básico oprincípio corolário de qualquer ordenamentojurídico baseado em critérios de validadesubstancial, qual seja, o princípio da dignidadeda pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoahumana, como fundamento dos demais valoresgarantistas, constitui, conforme Mendes (2008),um princípio de valor pré-constituinte e dehierarquia supraconstitucional, uma vez que aexpressão dignidade comporta expansivosâmbitos de proteção desde o respeito à pessoacomo valor em si mesmo até a satisfação dascarências essenciais dos indivíduos.

Nessa linha de raciocínio, o princípio dadignidade da pessoa humana somente teráefetividade se os demais valores fundamentaisdele oriundos forem inseridos no ordenamentojurídico. Dessa feita, Ferrajoli (2005) estatui quetais valores (bases da teoria garantista) devemestar positivados na Constituição para que assimas normas oriundas desta sejam dotadas devalidade, no sentido de que se conformam como seu conteúdo, concretizando o princípio maiorda dignidade humana.

A concepção do princípio da dignidadehumana como premissa básica e fundamentalda teoria garantista é proveniente do idealIluminista, em que Beccaria (2005, p. 74) chegoua afirmar que “não há liberdade toda vez queas leis permitem que em alguns eventos ohomem deixe de ser pessoa e torne-se coisa.”.A preocupação com a dignidade humana é,sobretudo, voltada para as leis penais, uma vezque esse ramo do Direito usa de seu podercoercitivo para limitar ou restringir as liberdadesindividuais.

Por tal razão, Gomes (2005) assevera quealém da proibição de penas indignas, o princípioda dignidade humana tutela também o direitoao devido processo penal, dotado de todas asgarantias e direitos ínsitos aos modernosEstados de Direito. Estados estes, que aoadotarem o garantismo penal como referênciajurídica, guardam tratamento idêntico a todosos indivíduos que os compõe. Logo, comosujeitos de direitos e garantias, visto que, paraessa teoria, nenhum sujeito perde essacaracterística, independente de qualquertransgressão à ordem jurídica.

Desse modo, o sistema SG, aliado aoobjetivo do máximo bem-estar possível dos nãodesviantes e mínimo mal-estar necessário dosdesviantes, ambos da teoria do garantismopenal, permitem a concretização efetiva doprincípio da dignidade humana, à medida que

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sejam incorporados e eficazmente ajustados àrealidade penal.

4 O GARANTISMO PENAL COMO CRITÉRIOLEGITIMADOR DO ESTADO DE DIREITO

Ferrajoli (2005) assevera que o garantismoé a principal conotação funcional de umaespecífica formação moderna que é o Estadode Direito, o qual pode ser entendido como umgoverno sub lege ou submetido às leis ou perleges ou mediantes leis gerais e abstratas. Nesseenfoque, o governo sub leges pode serentendido em dois sentidos diferentes, umformal, no qual qualquer poder deve serconferido pela lei e exercido nas formas e comos procedimentos por ela estabelecidos, e outrosubstancial ou estrito, no qual todo poder deveser limitado pela lei que lhe condiciona nãosomente as formas, mas também os conteúdos.

Ferrajoli (2005) assevera que o termo“Estado de Direito”, entendido como governosub leges, é sinônimo de “garantismo”, poisdesigna um modelo de Estado nascido com asmodernas Constituições e caracterizado noplano formal pelo princípio da legalidade e noplano substancial pela garantia dos direitosfundamentais dos cidadãos. Tais característicasrepresentam, respectivamente, a legitimaçãoformal e a legitimação substancial do poder, que,por sua vez, representam a democracia formalou política e a democracia substancial ou social.

A teoria do garantismo penal redefine oconceito de democracia a partir das ideiasinerentes ao Estado liberal e social, queconjuntamente formam o Estado de Direito.Assim, se a regra do Estado liberal de direito éque nem sobre tudo se pode decidir, nem mesmoem maioria, a regra do Estado social é que nemsobre tudo se pode não decidir, nem mesmoem maioria. Por conseguinte, por democraciasubstancial ou social, entende-se o “Estado deDireito” dotado de efetivas garantias sejamliberais ou sociais relativo ao que não é lícitodecidir e ao que não é lícito não decidir, aopasso que, por democracia formal, compreende--se o “Estado político representativo” baseadono princípio da maioria como fonte de legalidaderelativo a quem decide e como se deve decidir,o qual se subordina à democracia substancial.

Nesse sentido, é a lição de Streck (2009,p. 46):

Se as normas formais da Constituição –aquelas que disciplinam a organizaçãodos poderes públicos – garantem a

dimensão formal da democracia política,que tem relação com o ‘quem ‘ e o ‘como’das decisões, suas normas substantivas– as que estabelecem os princípios e osdireitos fundamentais – garantem o quese pode chamar de dimensão materialda “democracia substancial”, uma vezque se refere ao conteúdo do que nãopode ser decidido e ao que deve serdecidido por qualquer maioria, obrigandoa legislação, sob pena de invalidade, arespeitar os direitos fundamentais e aosdemais princípios axiológicos por elaestabelecidos.

Cadermatori (1999) destaca que alegitimação formal, assegurada pelo princípiode legalidade, é representada pela sujeição dojuiz à lei, enquanto a legitimação substancial éverificada pela função judicial e de suacapacidade de tutelar os direitos fundamentais.Conforme pensamento do autor, o garantismoconsiste na tutela de todos esses direitosfundamentais, sejam negativos ou positivos, querepresentam os alicerces da existência doEstado e do Direito, que os justificam erepresentam a base substancial da democracia.

Sob tal enfoque, Cadermatori (1999, p.159) destaca que

Nenhuma maioria pode decidir asupressão (ou não decidir a proteção) deuma minoria ou tão sequer de um sócidadão. Neste aspecto, o estado dedireito, entendido como sistema delimites impostos legalmente aos poderespúblicos, visando à garantia dos direitosfundamentais, contrapõe-se ao estadoabsolutista, seja ele autocrático oudemocrático. Nem sequer porunanimidade pode um povo decidir – ouconsentir que se decida – que um homemmorra ou seja privado de sua liberdade,que pense ou escreva, que se associeou não aos outros.

Diante da criação de uma teoria baseadana consagração das garantias individuais do serhumano frente ao poder punitivo do Estado,Cademartori (1999) relaciona a legitimação doEstado de Direito à medida que este dispõe demeios capazes de tutelar os direitosfundamentais dos cidadãos. Essa tutelacorresponde às garantias dos cidadãos, sendoobrigação do Estado apresentar mecanismosde salvaguarda dos direitos fundamentais, sobpena de restar deslegitimado o Estado deDireito. Prossegue Cademartori (1999, p. 159)

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afirmando que “este estado caracterizado porlimitações de conteúdo em seu poder normativoé o que passa a denominar-se estado de direito”.

O Estado de Direito, por sua vez, em umaanálise da Filosofia Política, é um meiolegitimado unicamente pelo fim de garantir osdireitos fundamentais do cidadão, sendoilegítimo se não os garante, ou pior, se elemesmo os viola. Ferrajoli (2005) designa talteoria de legitimação como heteropoiética, emcontraposição à teoria autopoiética, na qual oEstado é um fim em si mesmo. Aquela tem comofundamento o ponto de vista externo ou de baixo,isto é, da sociedade, ex parte populi, enquantoesta provém do ponto de vista interno, do alto,ex parte principis..

Do exposto, percebe-se que o modelogarantista de legitimidade é o que mais secoaduna com a efetivação dos direitosfundamentais, já que avalia o poder de acordocom critérios postulados por valores superiorese externos ao Estado, assegurando amanutenção do poder como estrutura voltadapara a satisfação dos interesses da sociedade,sendo, conforme assevera Cadermatori (1999),a teoria mais apta ao julgamento da instânciapolítica.

Nesse sentido, denomina-se “faláciagarantista”, o cultivo da ideia de que basta umdireito bom, dotado de sistemas avançados erealizáveis de garantias constitucionais, paraconter os poderes e para pôr os direitosfundamentais a salvo de suas distorções.Ferrajoli (2005, p. 753) ensina que

nenhuma garantia jurídica pode reger-seexclusivamente por normas, que nenhumdireito fundamental pode concretamentesobreviver se não é apoiado pela luta porsua atuação da parte de quem é seutitular e pela solidariedade com esta, deforças políticas ou sociais, que, emsuma, um sistema jurídico, porquantotecnicamente perfeito, não pode por sisó garantir nada.

Por tal razão, Ferrajoli (2005) criou osistema SG justamente para mensurar o graude garantismo dos Estados, à medida que seaproximem ou se distanciem de seus axiomas,o que, inequivocamente, constitui meio apto aaferir o grau de legitimidade dos mesmos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos ordenamentos jurídicos modernos epós-positivistas, a concepção do Estado comoum instrumento de tutela dos direitos e garantiasfundamentais dos cidadãos tornou-se um ideala ser seguido. As teorias negativas de talinstrumentalidade estatal restaram inócuasdiante dos valores conferidos à proteção dadignidade da pessoa humana, mormente no queconcerne à prevalência das normashumanitárias de cunho internacional.

Nesse enfoque, cumpre ressaltar que oencargo conferido ao Estado do exercício dopoder de punir tem seus limites e pressupostosfixados em consonância com sua precípuafunção de salvaguarda dos direitosfundamentais. Entendimento diversodesvirtuaria os fins para os quais tal poder lhefora concedido, o que legitimaria o dissenso e oretrocesso do exercício das próprias razões.

Dentre as funções conferidas ao Estadopor meio do contrato social, outrora vislumbradopor Rousseau, destacam-se as inerentes aomonopólio do poder de punir, cujo exercício deveobedecer a uma série de limitações e objetivospara que seja considerado legítimo. Taislimitações e objetivos ínsitos à esfera penalencontram-se perfeitamente concatenados pelateoria do garantismo penal de Ferrajoli, eis quecondiciona a aplicação da pena ao respeito eatendimento dos axiomas constantes de seuSistema de Garantias.

Outrossim, além da fixação de condições,limites ou proibições que constituem garantiasdos cidadãos contra o arbítrio ou erro judicial, ateoria garantista confere ao Direito Penal afunção binária de proporcionar o máximo bem--estar possível dos não desviantes e o mínimomal-estar necessário dos desviantes.

Do exposto, a adoção dos princípiosoriundos da teoria garantista vislumbrada porFerrajoli (2005) não somente é capaz delegitimar o poder punitivo estatal, mas,principalmente, de efetivar o valor base dequalquer Estado que se denomine“democrático”, a saber, o princípio-valor dadignidade da pessoa humana.

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REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas.4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CADEMARTORI, Sérgio. Estado de direito elegitimidade. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 1999.

CARVALHO, Amilton; CARVALHO, Salo.Aplicação da pena e garantismo. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2001.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2005.

GOMES, Luiz Flávio. Mídia, direito penal evingança popular. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 25 maio 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira; MÁRTIRES,Inocêncio; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.Curso de direito constitucional. 2. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional.21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penalbrasileiro: parte geral. v. 1. 5. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2005.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídicae(m) crise: uma exploração hermenêutica daconstrução do Direito. 8. ed. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2009.

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RESUMO

O presente artigo trata do estudo do recursode apelação sob um aspecto binocular, atravésde um traçado comparativo entre o atualCódigo de Processo Civil (CPC) e o Projeto deLei (PL) n.º 166, de 2010, que, se aprovado,substituirá O Código dos Ritos. O estudo visoubuscar, artigo a artigo, as disposições acercado recurso de apelação, evidenciando asprincipais alterações propostas pelo referidoprojeto de lei. Desse modo, analisados ostextos normativos do atual CPC e do PL, serãotraçadas considerações acerca da devidaobservância dos princípios da celeridade eeficiência no processo.

Palavras-chave: Recurso; Apelação; ProcessoCivil; Projeto de Lei.

APPELATTION: comparative study aboutthe nowadays Civil Process Codeand the Law Project number 166/2010.

ABSTRACT

This article deals with the study of the appealunder a binocular aspect, through acomparison drawn between the current Codeof Civil Procedure (CPC) and the Draft Law (PL)N.º 166, of 2010, which, if approved, will replacethat. The study aimed to look from, articleto article, about the provisions of the appeal,highlighting the main changes introduced onthe occasion of being approved this draft law.Thus, analyzing the current normative texts ofthe CPC and the PL, draw considerations aboutthe proper observance of the principles ofspeed and efficiency in the process.

Keywords: Recourse; Appelattion; CivilProcess; Law Project.

APELAÇÃO:ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

E O PROJETO DE LEI N.º 166/2010, DO SENADO

Igor Ramos Rosa1

Leandro Mendes de Carvalho Leite2

1 Introdução

O Código de Processo Civil (CPC),atualmente em vigor, foi promulgado em 1973.Desde então, sofreu inúmeras reformastópicas. O Projeto de Lei do Senado n.º 166/2010, de iniciativa do Senado Federal (PLS),busca instaurar no ordenamento jurídico umnovo Código de Processo Civil, reformulandoo promulgado em 1973.

O anteprojeto que originou o referidoProjeto de Lei de iniciativa do Senado (PLS)foi elaborado por uma comissão de juristas ediscutido por meio de audiências públicas.

Dentre as diversas modificaçõespresentes nesse PLS, as referentes ao recursode apelação se mostraram um interessanteobjeto de estudo.

Neste artigo, busca-se estudar asmudanças e as possíveis consequências queocorrerão, caso o projeto seja aprovado comochegou ao Senado da República.

Para tanto, far-se-á um texto comparativoentre o PLS e o atual Código de Processo Civil(CPC).

2 Conceito

O recurso de apelação é encontrando noordenamento jurídico brasileiro como o únicocabível contra sentença. Seu conceito écompreendido por Assis (2008, p. 375) daseguinte forma:

A apelação representa o modelo típicoe basilar de recurso “ordinário”. Nenhumoutro recurso exibe igual majestade.Tem por função precípua revisar aatividade judicante de primeiro graumediante a intervenção, a instância dovencido, de órgão judiciário superior, parareformar ou anular a sentença.

1 Advogado, especialista em Direito Público. [email protected] Advogado, especialista em Direito Público. [email protected]

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De forma parecida, Marques (1997, p.167), assim o conceitua:

A apelação é o recurso por excelência,uma vez que, por meio dela, os órgãosjudiciários de segundo grau exercem,com plenitude, a função de julgar,revendo as sentenças de primeiro grau,com base tão-só na sucumbência parareexame parcial ou completo daprestação jurisdicional, inclusive quantoà sua admissibilidade.

Como se pode extrair dos conceitosapresentados, trata-se do recurso consolidado,que busca o reexame da sentença,modificando-a de modo completo ou parcial,através da reforma ou anulação de forma acorrigir os ditos erros in judicando e erros inprocedendo, de forma a atacar qualquerilegalidade ou injustiça eventualmente cometidana sentença ou que seja decorrente dela.

Portanto, é necessária a detalhadaregulamentação legal para o uso de tão bemafamado recurso, de modo a assegurar a eficaze célere prestação jurisdicional.

3 Comparativo entre o atual CPC e oProjeto de Lei de Iniciativa do Senadon.º 166/2010

O recurso de apelação consta atualmenteno Título X, Capítulo II, a partir do artigo 513do CPC. É nesse trecho que se encontra aregulamentação e os procedimentos atinentesa esse recurso, não sendo este, porém, o únicoponto do Código que dele trata.

Sua localização no PLS, em razão dasvárias alterações ao longo da proposta, sofremodificação, passando a constar de modoespecífico no Livro IV, Título II, Capítulo II, apartir do artigo 923.

No atual Código, a primeira previsão dorecurso de apelação encontra-se no artigo496, inciso I. E sua redação permaneceinalterada no PLS, tendo como correspondenteo artigo 907, inciso I.

No artigo 923 do PLS, encontra-se aprimeira modificação. É mantido o caput doartigo 513 do CPC, acrescido do parágrafoúnico, que abre a possibilidade de reexamedas questões já decididas na fase cognitiva,descartando, assim, o instituto da preclusãoque sobre elas recaía.

Para que tais atos sejam revistos, devemser propostos como preliminares. O termo

“suscitadas em preliminar”, utilizado no PLS, égenérico, permitindo a análise das questõesarguidas como prejudiciais de mérito(decadência, prescrição etc.) e as questõespreliminares estritas (incompetência absoluta,inépcia da petição etc.), presentes na fasecognitiva, mas não observadas ou nãoconhecidas pelo magistrado. Sendo assim, nãomais seria necessária a interposição deagravos para dirimir tais questões processuais,garantindo maior celeridade na primeirainstância.

O artigo 514 do atual CPC dispõe que aapelação deve ser interposta por petiçãodirigida ao juiz, enquanto o artigo 924 do PLSprescreve que a apelação será interposta empetição dirigida ao juízo de primeiro grau.Houve, nesse caso, uma adequação, pois asubstituição do vocábulo “juiz” por “juízo deprimeiro grau” não implicaria em modificaçãono trâmite do recurso.

Entretanto, modificar-se-ia a tramitaçãoem razão do artigo 926 do PLS, pois o juízo deadmissibilidade seria realizado exclusivamentepelo órgão ad quem. Trata-se de mudança queinflui nas raízes históricas do recurso, pois,como bem explica Assis (2008, p. 372), o juízode admissibilidade, desde a antiguidade, eraexercido pelo órgão a quo:

Da tramitação do apelo romano, assimconstituído, a compilação posterior deJustiniano revela os traços essenciais.Era admissível apelar oralmente, peranteo iudex a quo, no mesmo dia em queproferia a sententia – não, porém, dasinterlocutiones – ou, por escrito, atravésdo libelli appellatori, no prazo de doisou três dias, legitimando-se as partes eterceiros interessados. Objeto daapelação era a sentença válida. Porconseguinte, denunciavam-se ao órgãoad quem o error in iudicando, quanto àsquestões de fato e de direito. O Juízode admissibilidade competia ao iudex aquo.

No entanto, ainda que a análise daadmissibilidade seja procedida exclusivamentepelo Tribunal, a interposição da apelaçãocontinua sendo processada no primeiro graude jurisdição.

Essa modificação visa a afirmar aceleridade e a simplificação do procedimento.Entretanto, melhor seria se o juízo a quocontinuasse a observar alguns requisitosobjetivos, tais como o preparo e a

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tempestividade, uma vez que estes requisitosindependem de discussão. Em tal faseprocessual é verificada a mera presença ounão de tais elementos necessários aoseguimento do recurso. Caminharia melhor aComissão se houvesse deixado sob análise dojuízo a quo a existência desses juízosespecíficos de admissibilidade, reduzindo,assim, o tempo de espera em relação aorecebimento do recurso.

O parágrafo 1.º do artigo 925 do PLSreduziu o seu correspondente, o parágrafo 1.ºdo artigo 515 do CPC. Porém, a mudança nãotraz efeitos diversos, pois, de qualquermaneira, infere-se que serão devolvidas todasas questões resolvidas, ou não, pela sentençada qual se apela. Percebe-se a necessidadede que tais questões hajam sido suscitadas nojuízo a quo, sob pena de inobservância doduplo grau de jurisdição.

No caso de revelia, porém, somente serãoobjeto de análise as questões que deveriamser conhecidas de ofício pelo juiz.

Também é aglutinado ao referidoparágrafo do PLS o artigo 516 do atual CPC,que, em síntese, dispõe com o mesmo objetivodo parágrafo 1.º do artigo 515.

Assim, continuaria o Tribunal apto a julgaras questões de mérito, quando fosse possível,por exemplo, no caso de a decisão do Tribunalser relativa à não decadência de determinadodireito. Quando for necessária a análise dosuporte probatório, porém, e o Tribunal nãofor capaz de fazê-la, determina-se oprosseguimento do processo em primeiro graupara a prolação de nova sentença.

O parágrafo 3.º do artigo 925 do PLScorresponde ao parágrafo 3.º do artigo 515 doCPC, com alterações, pois não mais será umafaculdade do Tribunal a decisão, desde logo,nos casos de decisão sem resolução de mérito.A nova norma acrescenta, também, apossibilidade da pronta decisão nos casos denulidade por não observância dos limites dopedido. Ou seja, tratando-se de decisão emque não seja o mérito resolvido ou nos casosem que haja nulidade pela não observânciados limites do pedido, o Tribunal deverá decidirimediatamente a lide.

Outra alteração introduzida peloparágrafo 3.º do artigo 925 do PLS tornariaalternativas as ocasiões para tal decisão. Avigência do atual CPC trata o mesmo temacomo requisitos a serem observados emconjunto. Assim, o fato de a causa versarquestão exclusivamente de direito ou quando

estiver em condições de imediato julgamento,seriam observados de modo alternativo,bastando a presença de apenas um desses.Nota-se que a mudança do termo aditivo “e”para o termo alternativo “ou” alterouprofundamente os requisitos para ojulgamento: o que hoje se trata de adição, oProjeto de Lei trata como alternativa.

Tal posição, agora consolidada no textonormativo, já era adotada pela jurisprudência,sendo levado em consideração o sentidoteleológico da norma, capitaneada naceleridade e economia processual.

A possibilidade de realização ourenovação do ato processual, quando houvernulidade sanável, expressa pelo parágrafo 4.ºdo artigo 515, deixaria, em tese, de existir.Entretanto, deve-se interpretar no sentido deque não haverá restrição legal, e que devecontinuar a ser aplicada a possibilidade emrespeito ao princípio da economia processual.

A proposta impõe mudança no dispositivodo artigo 518 do CPC. Seus parágrafos seriamomitidos, vigendo, então, o seu equivalente, oartigo 926 do PLS, que novamente salienta ainterposição da apelação no juízo de primeirograu. O apelado será intimado e não maisreceberá a mera vista, sendo o prazo para ascontrarrazões contado da intimação. Após oprazo de resposta, os autos são remetidos aojuízo ad quem, onde será feito, de modoexclusivo, o juízo de admissibilidade, sendoextinto o juízo de admissibilidade diferido queera proporcionado pelo juiz a quo.

O artigo 519 do CPC não tem equivalenteno PLS, e fixa a possibilidade de remissão dapena de deserção e fixação de novo prazo paraefetuar o preparo, independentemente dejustificativa. O parágrafo único do referidoartigo restaria sem função, vez que trata dairrecorribilidade da decisão sobre o assunto eda apreciação da legitimidade de tal decisãopelo Tribunal.

O artigo 517 do CPC foi praticamentereproduzido no PLS, abordando a possibilidadede serem suscitadas no juízo ad quemquestões de fato, desde que não tenham sidosuscitadas no juízo inferior por motivo de forçamaior, que deverão ser provados pelointeressado.

No art. 928 do PLS, encontra-se uma dasmudanças que melhor busca a celeridade eeficiência do processo civil. Trata-se dos efeitosem que é recebido o recurso de apelação. NoPLS apresenta-se como regra apenas o efeitodevolutivo, tratando o efeito suspensivo da

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apelação como uma exceção. Assim, comodisposto no artigo 521 do CPC, caso sejaatribuído efeito suspensivo, o juiz não poderáinovar no processo.

A apelação, seguindo com o efeito deregra previsto pelo PLS, o efeito devolutivo,continuaria a não obstar a execução provisória,que fica sujeita ao desprovimento da sentença.

O artigo 520 do atual CPC é expurgado,pois trata das hipóteses em que a apelaçãoseria recebida apenas em seu efeito devolutivo,o que passaria a ser regra com a aprovaçãodo novo diploma.

O artigo 467 do PLS traz inovação com oacréscimo do parágrafo 5.º, que dá o prazo de48 horas para que o juiz possa se retratar dadecisão apelada. Antes, tal retratação tocanteà apelação dar-se-ia apenas nos casos deindeferimento da inicial (art. 296 do CPC), aojulgar processos repetitivos (art. 285-A, § 1.ºdo CPC) e do juízo de retratação disposto peloartigo 198, VII do Estatuto da Criança e doAdolescente.

O artigo 854 do PLS insere no CPC opreceito presente na Lei 11.419/2006, quetrata do processo eletrônico. Tal artigo infereque, nos casos de apelação e de açãorescisória, os autos serão conclusos ao revisor,de preferência, por meio eletrônico.

O artigo 555 do atual CPC foi convertidono parágrafo 2.º do PLS, com linguagem maisadequada e dispondo sobre o julgamento daapelação e do agravo de instrumento (vez queo agravo retido não mais existiria nessecontexto). O julgamento continuaria ocorrendocom o voto de três juízes, sendo substituídosos termos “câmara” e “turma” pelo termo “órgãofracionário”, expressão que, por si só, englobaas duas anteriores.

Em relação ao julgamento do agravo eda apelação, o artigo 559 do CPC dispõe queo agravo relativo ao mesmo processo deve serincluso em pauta antes da respectivaapelação. Isso, porém, não assegura que oincidente seja julgado antes da apelação,equívoco que o artigo 864 do PLS visa acorrigir, dispondo que a apelação não serájulgada antes do agravo, sendo redundante arepetição do parágrafo único do artigo 559 doatual CPC no artigo 864 do PLS, pois já épressuposta a precedência do julgamento doagravo, ainda que na mesma sessão.

O artigo 85 do PLS, em seu parágrafo 2.º,dispõe que o instrumento hábil para reexamedo requerimento de gratuidade de justiça é oagravo de instrumento. Pelo artigo 17 da Lei1.060/50, o recurso pelo qual se refutaria adecisão do requerimento de justiça gratuitaseria a própria apelação.

Observa-se que o artigo 85 do PLSsalienta que, quando for a decisão sobre orequerimento da justiça gratuita dada semsentença, logicamente, a apelação seráinstrumento adequado para afrontá-la.

4 Considerações finais

As modificações pretendidas com o Projetode Lei, de iniciativa do Senado, no que dizrespeito ao recurso de apelação, poderãomelhorar a prestação jurisdicional, possibilitandouma maior celeridade processual.

Algumas questões poderiam serabordadas de forma diferente, como é o casodo juízo de admissibilidade, mas as mudançastrazidas pelo PLS já garantiriam certaceleridade ao não mais prever a duplaadmissibilidade, pelo juízo a quo e ad quem.

Muitos efeitos serão percebidos apenasquando entrarem em vigor as mudançaspretendidas, podendo o projeto, se viger, darceleridade, manter como estão ou complicarcertas questões.

Referências

ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.Institui o Código de Processo Civil. DiárioOficial [da] República Federativa doBrasil, Brasília, 18 de janeiro de 1973.

BRASIL. O Projeto de Lei n.º 166, do NovoCódigo de Processo Civil. Disponível em:<http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 23mar. 2011, as 15h56min.

MARQUES, José Frederico. Manual dedireito processual civil. V. 3. Campinas:Bookseller, 1997.

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RESENHA

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BARBOSA, Rui. Oração aos moços. SãoPaulo: Martin Claret, 2003.

Rui Barbosa de Oliveira nasceu emSalvador, em cinco de novembro de 1849.Graduou-se pela Faculdade de Direito de SãoPaulo, em 1870, apesar de ter iniciado o cursoem Recife. Dedicou-se também ao jornalismoe à política, além de ter sido sócio-fundadorda Academia Brasileira de Letras, sucedendoa Machado de Assis na presidência da casa.

Foi um dos maiores juristas brasileiros,figura de destaque na história brasileira comparticipação relevante na política e naliteratura, especialmente durante a RepúblicaVelha. Defensor do regime republicano, daseleições diretas e da abolição da escravatura,ocupou os cargos de Ministro da Fazenda,Senador e concorreu, por duas vezes, àPresidência da República, em 1910 e em 1919.

No cenário internacional, destacou-sedurante a Conferência de Paz em Haia, em1907, na qual defendeu a tese brasileira deigualdade entre as nações, tornando-seconhecido, a partir de então, como o “Águiade Haia”.

Faleceu em Petrópolis, em primeiro demarço de 1923. Em sua antiga residência, noRio de Janeiro, funciona, atualmente, aFundação Casa de Rui Barbosa.

Sua célebre obra “Oração aos Moços”consiste em um discurso, escrito em 1920, aosbacharelandos da Faculdade de Direito de SãoPaulo. Rui Barbosa era paraninfo da turma,entretanto, como estava incapacitado decomparecer à cerimônia em virtude de umproblema de saúde, o insigne jurista escreveo discurso para ser lido aos formandos. A leiturada oração, que apesar do título não tem caráterreligioso, foi feita por Reinaldo Porchat.

Segundo o autor, a sua ausência seriaapenas física, motivo pelo qual discorda doprovérbio “longe da vista, longe do coração”.

A MAGNITUDE DE UM DISCURSO

Vívian Cristina Maria Santos1

1 Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professora da Faculdade de Direito Santo Agosti-nho. Advogada.

Segundo ele, quando se está longe docoração, está dentro dele. O coração vê comos olhos da alma e, por isso, o faz também naausência.

Para o coração, pois, não há passado,nem futuro, nem ausência. Ausência,pretérito e porvir, tudo lhe é atualidade,tudo presença. Mas presença animadae vivente, palpitante e criadora, nesteregaço interior, onde os mortosrenascem, prenascem os vindouros, eos distanciados se ajuntam, ao influxode um talismã, pelo qual, nesse mágicomicrocosmos de maravilhas, encerradona breve arca de um peito humano, cabe,em evocações de cada instante, ahumanidade toda e a mesmaeternidade. (p. 31-32)

Com a saúde debilitada, acreditando quesua vida está próxima do fim, o autor faz umaanálise de sua carreira jurídica e política e seconsola por ter dado ao país tudo que estavaao seu alcance, pregando a verdade eleitoral,a verdade constitucional e a verdaderepublicana.

Apesar das circunstâncias, Rui Barbosadeixa claro que a sua bênção não será amarga,seu discurso não contém rancor ou despeito.O autor defende, entretanto, o que chama deira divina. Não obstante a ira ser usada, no maisdas vezes, para o mal, pode ser oportuna enecessária em outras ocasiões, quando sebusca a “chama incorruptível”, quando seadvoga na defesa de grandes causas.

Dela esfuzilam centelhas, em que seabrasa, por vezes, o apóstolo, osacerdote, o pai, o amigo, o orador, omagistrado. Essas faúlhas dasubstância divina atravessam o púlpito,a cátedra, a tribuna, o rostro, a imprensa,quando se debatem, ante o país, ou omundo, as grandes causas humanas,

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as grandes causas nacionais, asgrandes causas populares, as grandescausas sociais, as grandes causas daconsciência religiosa. Descargas sobredescargas rasgam o ar, incendeiam ohorizonte, cruzam em raios o espaço[...] Ei-la aí a cólera santa! Eis a iradivina! (p. 34)

Ao fazer uma análise de suas relaçõespessoais, afirma ter amadurecido e, despidodas paixões, aprendeu a perdoar e conseguiuperceber que deve-se agradecer aos inimigose às desfortunas porque eles fazem mais bemque mal. Talvez seja por isso que Deus mandaamar aos inimigos, pois são eles que levam oindivíduo a crescer e a aprender o que precisasaber. Já os amigos, na ânsia de querer o bem,com seu zelo e benevolência, acabam trazendoo mal e impedindo o crescimento de cada umde nós.

De sorte que, no perdoar aos inimigos,muita vez não vai somente caridadecristã, senão também justiça ordináriae reconhecimento humano. E, aindaquando, aos olhos do mundo, como aosdo nosso juízo descaminhado, tenhamlogrado a nossa desgraça, bem podeser que, aos olhos da filosofia, aos dacrença e aos da verdade suprema, nãonos haja senão para a felicidade. (p. 36-37)

Este não é um saber científico, mas antes,um saber feito de experiência. Dessa forma,Rui Barbosa propõe aos formandos abandonara ciência para que pudessem folhear, juntos,o livro da experiência, esse saber “desalinhado,conversável, seguro, sem altitudes, nemdespenhadeiros.” (p. 37).

Sobre a vida, a única certeza que se temé a de que possui duas portas: a de entrada,através do nascimento, e a de saída, atravésda morte. Cada um vive o percurso entre umae outra com o objetivo de cumprir sua tarefacom o que herda da natureza e com o que criaatravés do trabalho.

Sendo a natureza extremamentediversificada, não existem no universo duascoisas iguais. Ciente dessa desigualdadenatural, Rui Barbosa retoma e aperfeiçoa opensamento aristotélico de justiça ao propor aseguinte lei da igualdade:

A regra da igualdade não consiste senãoem quinhoar desigualmente aosdesiguais, na medida em que se

desigualam. Nesta desigualdade social,proporcionada à desigualdade natural,é que se acha a verdadeira lei daigualdade. O mais são desvarios dainveja, do orgulho, ou da loucura. Tratarcom desigualdade a iguais, ou adesiguais com igualdade, seriadesigualdade flagrante, e não igualdadereal. Os apetites humanos conceberaminverter a norma universal da criação,pretendendo, não dar a cada um, narazão do que vale, mas atribuir o mesmoa todos, como se todos seequivalessem.Essa blasfêmia contra a razão e a fé,contra a civilização e a humanidade, éa filosofia da miséria, proclamada emnome dos direitos do trabalho; eexecutada, não faria senão inaugurar,em vez da supremacia do trabalho, aorganização da miséria. (p. 39)

A missão do trabalho de cada um seria,então, tentar diminuir, dentro de suaspossibilidades, através da educação e de umagir perseverante, as desigualdades naturais.

A força do trabalho só se compara à forçada oração, que é o “íntimo sublimar-se d’almapelo contacto com Deus.” (p. 40). ConformeRui Barbosa, o Criador inicia a criação, masseria tarefa de cada um concluir sua própriacriação. Assim, “quando o trabalho se junta àoração, e a oração com o trabalho, a segundacriação do homem, a criação do homem pelohomem, semelha às vezes, em maravilhas àcriação do homem pelo divino criador.” (p. 40).

Através do trabalho, cada um tem o poderde modificar o seu destino e, por isso, deverecebê-lo de bom grado. “O amanhecer dotrabalho deve antecipar-se ao amanhecer dodia.” (p. 41).

Assim também o estudo deve ser buscadosempre, pois nunca é demais. Entretanto, oautor faz uma importante ressalva sobre aleitura: deve ser acompanhada de reflexão,pois, sem ela, é saber aparente. Assimilar oconhecimento e ter ideias próprias é defundamental relevância. “Um sabedor não éarmário da sabedoria armazenada, mastransformador reflexivo de aquisiçõesdigeridas.” (p. 44).

Outro aspecto atual da obra consiste noalerta feito por Rui Barbosa sobre a necessi-dade de que a população tenha um bom nívelde educação para que possa ter bonsgovernantes. Ainda hoje, o Brasil é assoladopela corrupção política, consequência, no maisdas vezes, de escolhas malfeitas pelos cida-

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dãos, bem definidos por Bertold Brecht como“analfabetos políticos.”. “Se o povo é analfa-beto, só ignorantes estarão em termos de ogovernar. Nação de analfabetos, governo deanalfabetos.” (p. 46).

Ao tratar da justiça, ressalta o autor adifícil missão do bacharel de ter que professar,seguir e defender a lei que não reflete avontade da maioria. Uma lei elaborada paraatender interesses de uma minoria privilegiadaé, portanto, uma lei ilegítima e mal aplicada.

Dessa forma, a justiça tem a sublimemissão de dar efetividade à lei, ou corrigi-la,se for injusta, através dos juízes e advogados.A magistratura e a advocacia, profissõesdifíceis, inseparáveis e de imensurávelimportância, sustentam as leis no Brasil. Assim,os bacharéis devem assumir essas profissõessem medo. Devem ter três amores e segui-loscom o coração puro: Deus, pátria e trabalho.

Quem escolher a magistratura não deveser complacente com a justiça tardia e fazer opossível para ser célere na sua efetivação. Naspalavras do autor, “justiça atrasada não éjustiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”(p. 53). Rui Barbosa antevê um dos grandesproblemas do Judiciário em nossos dias: a faltade celeridade no julgamento dos processos, oque teria ocasionado a inclusão de um direitofundamental na Constituição Federal de 1988,o da razoável duração do processo (art. 5.º,inciso LXXVIII).

O magistrado também não pode seesquecer que o réu é, antes de tudo, umapessoa que tem direito a um julgamento justoe à proteção legal; e não merece ser torturado.A justiça é a mesma e não faz distinção entrecriminoso, mendigo, escravo, poderoso.

Não deve ainda o magistrado ser covardenem tirano. É preciso saber administrar e limitaro poder atribuído ao julgador para que possabem exercer sua função. Deve ele ser humildepara reconhecer os erros e saber repará-los.“E, se o próprio autor do erro o remediar, tantomelhor; porque tanto mais cresce, com a

confissão, em crédito de justo, o magistrado, etanto mais se soleniza a reparação dada aoofendido.” (p. 57).

Por fim, Rui Barbosa resume seusconselhos com as seguintes palavras: “Não hájustiça onde não haja Deus.” (p. 59). Acivilização clama por Deus e a justiça humanatem papel essencial nessa regeneração.Portanto, a função dos juristas deve serexercida com honra e dignidade.

As advertências feitas aos magistrados seaplicam também aos advogados, já que aadvocacia é também uma espécie demagistratura. “As duas se entrelaçam, diversasnas funções, mas idênticas no objeto e naresultante: a justiça. Com o advogado, justiçamilitante. Justiça imperante no magistrado.” (p.59).

A síntese dos mandamentos da advocaciase encerra na legalidade e na liberdade. Oautor conclui com um apelo aos jovensformandos para que lutem para recuperar aautonomia, sejam defensores da verdade e daidoneidade política e zelem peloscompromissos assumidos pelo Brasil nocenário internacional.

O discurso de Rui Barbosa permaneceatual, sendo reconhecido com um clássico daliteratura brasileira. O texto, apaixonante, claroe persuasivo, encanta não só aos estudiosose admiradores do Direito, mas a todos aquelesque buscam viver de acordo com princípioséticos e anseiam pela concretização da justiça.

Os conselhos dados pelo jurista aosbacharelandos, no início do século XX, sãoúteis e plenamente aplicáveis à hodiernarealidade brasileira. Em um país atingido pelasmazelas da desigualdade social, deve haveruma busca constante pela concretização dosdireitos assegurados pela Constituição Federalde 1988, em especial, o dos hipossuficientes.Tal desiderato não é exclusivo dos estudiosose operadores do direito, deve consistir, antes,em uma aspiração de toda a sociedade.

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