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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho,v. 3, n. 2/2013 – ISSN 2179-8222 – Semestral – Montes Claros

Conselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialLiz Helena Silveira do Amaral Rodrigues

Simone Rosiane Corrêa AraújoWaldir de Pinho Veloso

e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

EditorEditorEditorEditorEditorWaldir de Pinho Veloso

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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho

Editor

Waldir de Pinho Veloso

Conselho Editorial

Liz Helena Silveira do Amaral RodriguesSimone Rosiane Corrêa Araújo

Waldir de Pinho Veloso

Correção Linguística

Waldir de Pinho Veloso

Editoração Gráfica

Maria Rodrigues Mendes

Capa

Adriano Magno de FreitasMaria Rodrigues Mendes

Ficha catalográfica elaborada por Edmar dos Reis de Deus CRB6 2486.

FAS@JUS : e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho / Faculdade de Direito SantoAgostinho. – Vol. 3, n. 2, 2013 - . - Montes Claros, MG. Fundação Santo Agostinho, 2013-

v. : il. 21 x 29 cm.

SemestralISSN 2179-8222

1. Direito. I. Faculdade de Direito Santo Agostinho. lI. Título.

CDU: 34 (05)

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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA),v. 3, n. 2/2013 - Semestral – Montes Claros

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................

ENTREVISTA.............................................................................................................................

ARTIGOS DO CORPO DOCENTE

A PROPRIEDADE INTELECTUAL NA TEORIA DE POSNERAndré Gonçalves Godinho Fróes..................................................................................................

GUARDA COMPARTILHADA: melhor opção?Cyntia Mirella Cangussu Fernandes Sales.....................................................................................

ARTIGOS DO CORPO DISCENTE

ANÁLISE SOBRE A LEGALIDADE E CONVENIÊNCIA DA CONTRATAÇÃO DE SHOWSARTÍSTICOS E MUSICAIS EM LICITAÇÕES PÚBLICAS PELA MODALIDADE PREGÃOJoão Henrique Silveira Leite.........................................................................................................

ESPECIFICIDADES ACERCA DA PROGRESSIVIDADE NO IMPOSTO SOBRE APROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA (IPTU)Mayra Nassau Gonçalves e Raíssa Ismelina Soares de Oliveira.....................................................

ARTIGOS DE EGRESSOS

A COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECIPROCAMENTEDEVIDOSPollyana de Fátima Medeiros Gonçalves.......................................................................................

ELO COM OUTRAS IES

ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS E O ANTEPROJETODO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILIonete de Magalhães Souza e Pedro Henrique Feliciano.................................................................

AUTOR CONVIDADO

SOBERANIA PRIVADA: a impotência dos ordenamentos jurídicos nacionais na regulamentaçãodo capital transnacionalRodrigo Cavalheiro Rodrigues......................................................................................................

RESENHA

A REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O LIVRO “AQUEDA”, DE DIOGO MAINARDILiz Helena Silveira do Amaral Rodrigues......................................................................................

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APRESENTAÇÃO

Um espaço científico se notabiliza pelaqualidade do que expõe, pela frequência com quevem à tona e pela perseverança dos seusfomentadores. Mas, principalmente, pela retençãodo que fixou a memória dos seus idealizadores.Sem os primeiros passos, os atuais não existiriam.Sem o vagar em um incerto, obscuro e intransitadocaminho inicial, a sobriedade da continuidade nãoseria marcante. Sem a vida doada no ponto maisincipiente, não valeria a experiência hojedecantada.

A Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso deDireito da Faculdade de Direito Santo Agostinhovem vazando o tempo e se solidificando. Fincaesteios a cada passo, e deixa, atrás de si, caminhospavimentados pela certeza da melhor escolha doque restou publicado.

Com tais ares, vem a lume a RevistaEletrônica Fas@Jus apresentada como Volume 3,Número 2. É a segunda publicação científica doano. É, destarte, a edição do segundo semestre de2013.

A ordem natural das coisas impõe falar desdeas primeiras páginas até as últimas, em tom deresumo ou referência. Mas, cumpre-nos destacarque foi criada uma nova seção. Denominada “Elocom outras IES”, a seção abre espaço parapublicações científicas de autoria de Acadêmicosou Professores que atuam em outras Instituiçõesde Ensino Superior (IES). Esse liame é feito pormeio de divulgação de textos científicos de autoriade pessoas que não têm vínculo – comoAcadêmico, Egresso ou Docente – ao Curso deDireito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.É a abertura necessária à busca da união pelo saber,do caminhar lado a lado iluminado pelas tochas dasabedoria, o ombrear ou o suporte recíproco pormeio do conhecimento. Conhecimento científico,notadamente o do segmento do Direito.

Em termos estéticos, a apresentação se dácom a abertura ou páginas iniciais da publicação.Na Entrevista, a voz é do Ministério Público deMinas Gerais em Montes Claros. Melhor:considerando que o Ministério Público preza pelosprincípios da unidade e da indivisibilidade (art. 127,§ 1.º da Constituição Federal de 1988), quem diz éo Ministério Público. E pronto. E o faz por meio doseu membro, Dr. Felipe Gustavo Gonçalves

Caires. Esse Promotor de Justiça explica,didaticamente, sobre questões ligadas àsmanifestações populares que se iniciaram emmeados de 2013 e, segundo preocupaçãoexternada pelo entrevistado, poderá ter doiscaminhos distintos em 2014, durante as Eleições ea Copa do Mundo de Futebol. Uma possibilidadeé, livremente, o povo manifestar durante os eventose, por necessidade de atenção acumulada, causaralgum transtorno quanto ao deslocamento dosdemais interessados em utilizar as ruas (uma opçãolícita, já que a manifestação é chancelada pelaDemocracia). Outra possibilidade requer, desde já,estudos prévios: pode ser que pessoas se juntemaos manifestantes e, mais do que isto, venham adesvirtuar os motivos das manifestações,carregando a situação – que deveria ser pacífica,ordeira, democrática e respeitadora dos direitosalheios – para a violência, a depredação e o medo.São reflexões necessárias, em momentos que aindapossibilitam realizações capazes de conscientizaralguns e prevenir contra os outros.

A seção seguinte da Revista EletrônicaFas@Jus é destinada aos Professores do Cursode Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho(FADISA). Dois Professores da Casa seapresentam. O Professor Mestre AndréGonçalves Godinho Fróes se ocupa do tema“A Propriedade Intelectual na Teoria dePosner”. Um texto científico-jusfilosófico de altoteor, mas com explicações capazes de comunicaro conhecimento que o autor pretende externar. Aoapresentar um estudo científico com foco no livroEconomic Analysis of Law, com a tradução livrepara “Análise Econômica do Direito”, de autoriade Richard Posner, o Professor André GonçalvesGodinho Fróes passeia pela Filosofia do Direito, aEconomia e, por fim, centra-se no Direito. Tudoisso, com os contornos de um texto literário ecientífico ao mesmo tempo. A seção temcontinuidade com o texto denominado “GuardaCompartilhada: melhor opção?” de autoria daProfessora Mestre Cyntia Mirella CangussuFernandes Sales. O próprio título, ao trazer ainterrogação, demonstra que o tema se desenvolveanalisando os prós e os contras da guarda dos filhosmenores por ambos os pais, em ambientes distintos(casa do Pai e casa da Mãe) e até mesmo

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recebendo (para não dizer “sofrendo”, que poderiareceber carga negativa de informação primária)influências de locais e pessoas diferentes naformação intelectual da criança. A autora faz aescolha, e a demonstra de forma científica, quantoa ser ou não a melhor opção.

A seção que abriga os textos de autoria dosAcadêmicos está recheada com a qualidade dedois textos. Um deles, de autoria do AcadêmicoJoão Henrique Silveira Leite que, sob o título“Análise sobre a Legalidade e Conveniênciada Contratação de Shows Artísticos eMusicais em Licitações Públicas pelaModalidade Pregão”, disseca o DireitoAdministrativo no ponto referente à licitação e, maisespecificamente, na modalidade “pregão” comoforma licitatória. As questões tributárias tambémestão devida e detidamente estudadas na RevistaFas@Jus. Desta vez, sob as letras das AcadêmicasMayra Nassau Gonçalves e Raíssa IsmelinaSoares de Oliveira que escreveram o textodenominado “Especificidades Acerca daProgressividade no Imposto sobre aPropriedade Predial e Territorial Urbana(IPTU)”.

Considerando que uma das razões daexistência da Revista Fas@Jus é a ligaçãopermanente com os Acadêmicos, mesmo quandojá têm a condição de graduados, a Bacharela emDireito Pollyana de Fátima MedeirosGonçalves, na qualidade de ex-Acadêmica doCurso de Direito da Faculdade de Direito SantoAgostinho, demonstra que continua estudando. Eproduzindo, cientificamente, bons e qualificadosartigos. Comparece para mostrar o artigo científicocujo nome é “A Compensação dos HonoráriosSucumbenciais Reciprocamente Devidos”, emsólida análise do Processo Civil combinado com aprática da elaboração das Sentenças Judiciais.Como microponto, a fixação dos honoráriosadvocatícios quando o Juiz de Direito reconheceque ambas as partes litigantes (com o destaque deque não são os Advogados que estão litigando e,sim, as partes) se veem recíproca e parcialmentevencidas e vencedoras. Neste caso, mostra o texto,não há Justiça quando a Sentença dispõe que nãohá honorários advocatícios para ambos os lados,porque não há, entre os Advogados quepatrocinaram as causas e as teses contrárias,dívidas para se compensarem.

Para inaugurar a seção “Elo com as OutrasIES”, estão presentes a Professora (Doutora em

Direito) Ionete de Magalhães Souza que, emparceria com o Bacharel em Direito PedroHenrique Feliciano, trata do tema “AlimentosCompensatórios e o Anteprojeto do NovoCódigo de Processo Civil”. Como sugere otítulo, trata-se de um estudo atento quanto ao quepoderá integrar o Código de Processo Civil,legislação de conhecimento imperioso aosOperadores do Direito. Os autores são a presençada Universidade Estadual de Montes Claros(mostrando o elo entre a Faculdade de DireitoSanto Agostinho e a referida Universidade) no seioda Revista Eletrônica Fas@Jus.

A seção “Autor Convidado” é ocupada peloProfessor Mestre Rodrigo CavalheiroRodrigues, que desnuda questões do DireitoInternacional com a transferência de uma visãoclara sobre o tema “Soberania Privada: aimpotência dos ordenamentos jurídicosnacionais na regulamentação do capitaltransnacional”. Por si só, o título já demonstraque as questões constitucionais brasileiras einternacionais são destaques no artigo científico.

Mantendo os seus estilos de editoração, físicoe editorial, a Revista Eletrônica Fas@Jus, daFaculdade de Direito Santo Agostinho, tem por fechouma Resenha. Desta vez, a Professora MestreLiz Helena Silveira do Amaral Rodriguesmostra o elo existente entre o livro (logo, a literatura)“A Queda: as memórias de um pai em 424 passos”,de autoria de Diogo Mainardi, e dois ramos doDireito: o Direito da Criança e Adolescente e aConvenção sobre os Direitos da Criança, dosegmento dos Direitos Humanos. O título da análisedo livro (a resenha), é “A Realização do Princípiodo Melhor Interesse da Criança e o livro ‘A Queda’,de Diogo Mainardi’.” e, por si só, indica a parte doDireito da Criança e do Adolescente que é o cerneda análise. E, de maneira transversal, mostra o liameexistente entre Direito e Literatura ou, simplesmente,Direito e Arte.

Obviamente, o que se quer é que todos ostextos sejam, mais do que lidos e relidos, estudadoscom profundidade. A pretensão é que sejam a somanecessária para preencher o espaço destinado aoconhecimento científico. O desejo, por fim, é queseja todo o conteúdo científico deste número 2 dovolume 3 da Revista Eletrônica Fas@Jus, ocomplemento necessário ao saber jurídico tãonecessário aos operadores do Direito.

Os Organizadores

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Pode-se dizer que os Ministérios Públicosestaduais são compostos por pessoas de altíssimaqualidade. A começar, pelo nível de exigênciapresente no Concurso Público ao qual sãosubmetidos os graduados em Direito que seinteressam em integrar a Classe. Classe que aprópria Constituição Federal de 1988, em seu artigo127, diz ser “essencial à função jurisdicional doEstado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,do regime democrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis”.

Com seus integrantes normalmente conhecidospor Promotores de Justiça, que atuam junto aosFóruns, há também que se falarnos Procuradores de Justiça, quesão os Promotores que atuamjunto aos Tribunais, por promoçãona carreira. E os Juízes deDireito que integram os Tribunais(denominados Desembarga-dores, quando os Tribunais sãoestaduais, ou Ministros, quandoos Tribunais são os superiores)têm também origem no MinistérioPúblico. Um décimo doscomponentes dos Tribunais (oquinto constitucional, o qual édividido com a Ordem dos Advogados do Brasil) éconstituído de Desembargadores (nos Tribunaisestaduais) ou Ministros (nos Tribunais Superiores)que são promovidos, por méritos, à condição porserem membros do Ministério Público. A finalidade?Para que os Tribunais sejam compostos porJulgadores que têm, por profissão e princípio, o bomcostume de fazer ou querer fazer cumprir os exatostermos da Lei.

Um dos ilustres integrantes do MinistérioPúblico do Estado de Minas Gerais é o Dr. FelipeGustavo Gonçalves Caires. Ele se graduou emDireito em 1999 pela Faculdade de Direito do Largode São Francisco, da Universidade de São Paulo,

ENTREVISTA

Entrevistado: Promotor de Justiça Felipe Caires

tendo sido brilhante aluno de personalidades comoDalmo de Abreu Dallari. Por meio de ConcursoPúblico concorrido (estilo de Concurso que aprovapretendentes não no número de vagas disponíveis,mas somente os candidatos altamente qualificadosque, com todos os méritos, atendam a todos osrequisitos e sejam vitoriosos em todas as fases), oDr. Felipe Gustavo Gonçalves Caires ingressou noMinistério Público mineiro em 2001. No ano de2004, foi promovido para a Comarca de MontesClaros. Com destaque, passou a integrar a áreade especialização (nas Comarcas de maiormovimento e de maior quantidade de Promotores,

o Ministério Público criaPromotorias especializadas emsearas distintas) a Promotoriade Defesa do PatrimônioPúblico e do Consumidor.

Além de ser Promotor deJustiça, o Dr. Felipe Caires éProfessor Universitário, tendoatuado na Universidade Estadualde Montes Claros (Unimontes)entre 2006 e 2012, lecionandodisciplinas como Direito Penal,Direito Constitucional e Direitodo Consumidor.

Para ilustrar, com destaque, este número daRevista Eletrônica Fas@Jus, o Dr. Felipe GustavoGonçalves Caires concedeu a seguinte entrevista.

Fas@Jus: Em meados de 2013, umainiciativa popular levou às ruas pessoas dediversas classes sociais em manifestaçãocontrária à corrupção e em defesa de algunspontos ou Instituições de nível nacional. Umadas Instituições defendidas, pelo povo, foi oMinistério Público, uma vez que nasmanifestações havia vários cartazes em desfavorda Proposta de Emenda Constitucional (PEC)37. Qual sua análise sobre a importância dessas

Nós não podemospermitir que estedespertar cívico

nacional sejadeturpado por

vândalos que queremse impor ou

simplesmente aparecerpela violência.

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manifestações populares e porque o povo semanifestou contra a PEC 37?

Promotor de Justiça Felipe Caires: As

manifestações de junho deste ano representaramum bem-vindo despertar de cidadania do povobrasileiro. Foi como se grande parte dapopulação resolvesse retomar nas suas mãos asrédeas da própria história. Isto é muitoimportante, pois quem não faz política ou dizque a odeia, política aí entendida comoparticipação na tomada de decisões que atingema coletividade, é governado por quem faz,mesmo que por mero interesse pessoal.Participação política é muito mais que votar comconsciência. É muito mais que dar sua opiniãosobre os grandes temas nacionais e locais a cadaquatro anos. É acompanhar o trabalho dospolíticos, fiscalizar o uso de recursos públicos,ajudar a definir as políticas públicas integrandoconselhos comunitários em seu município,denunciar aos órgãos de controle atos decorrupção e também organizar manifestaçõespopulares quando os que forem eleitos para nosrepresentar se esquecerem de que as prioridadesdo país são as nossas, e não as deles.

O gigante não podia mais continuardormindo em berço esplêndido. A questão dastarifas no transporte público, em meio aos gastoscom a Copa das Confederações e a Copa doMundo, foi apenas a fagulha que nos despertou,especialmente a juventude, para questões que nãopodem mais esperar por soluções que nuncachegam. E aí cito, sem medo de errar, osubfinanciamento da saúde pública(proporcionalmente ao seu orçamento, o Brasil,além de gastar mal, é um dos países que menosgasta com saúde pública no mundo), o abandonoda educação pública (professores malremunerados, sem condições de aprimoramentoprofissional, em escolas sucateadas, sem qualquerautoridade para com os alunos, não conseguirãofazer das futuras gerações pessoas melhores doque nós) e a impunidade de criminosos docolarinho branco (como haverá dinheiro parasaúde, educação, segurança e transporte públicode qualidade sem combater o ralo dacorrupção?).

A derrota da PEC 37, que pretendiaimpedir o Ministério Público de investigar

crimes, vale dizer, que pretendia dificultar ocombate à corrupção, porque este sempre foi oobjetivo da maior parte dos políticos que aapoiavam, foi resultado direto da mobilizaçãopopular. O povo não é bobo e entendeuperfeitamente o retrocesso que a PEC 37 trariaa um país em que, muito pela ação do MinistérioPúblico, finalmente se começava a investigar,processar e até a prender alguns criminosos dosaltos escalões. Como aconteceu com a Lei daFicha Limpa em 2010, quando o povo entendeuque pessoas já condenadas por mais de um juizpor fatos graves não poderiam ter o direito decandidatar-se para cuidar do dinheiro públicoou elaborar as leis do país. Eram lutas que muitosjá davam por perdidas, mas que foram vencidas,apenas porque houve mobilização popular. Eisaí dois exemplos cabais de que vale a pena lutarpacificamente por aquilo em que se acredita. Ede que a mobilização da sociedade civil redundaem muitas conquistas que se consideravamquase impossíveis. O berço pode continuaresplêndido, mas o gigante, vez por outra, precisaaprender a levantar-se e ir para as ruas.

Fas@Jus: Estaria o povo cansado da

corrupção e, por isso, não conteve em si, efoi para as ruas?

Promotor de Justiça Felipe Caires: O

combate à corrupção e à impunidadecertamente foi uma das causas que maisindignou a população e a fez tomar as ruas.Afinal, que história era aquela de a PEC 37pretender, num país onde os níveis decorrupção ainda são patológicos, impedir oMinistério Público, o Tribunal de Contas, osjornalistas, a Receita Federal, o Conselho deControle de Atividades Financeiras (COAF) etodos órgãos que não fossem a Polícia Civil oua Polícia Federal de investigar crimes? Até aspedras sabem que políticos poderosos ouempresários influentes, ou até mesmo policiaiscorruptos ou violentos, não seriamadequadamente investigados, por falta deestrutura ou até de independência, se taisapurações apenas pudessem ser conduzidaspor aqueles dois órgãos, que respeitamos muito,mas que, sem dúvida alguma, não têm condiçõesde fazer todo este trabalho sozinhos. Aliás, até

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para o investigado, quando inocente, é bomque o Ministério Público investigue. Afinal,muitos casos de indiciados pela Polícia,quando chegam ao Ministério Público,redundam em pedidos de arquivamento ou deabsolvição. O caso da Escola Base e do crimedo Bar Bodega, ambos em São Paulo, sãoexemplos disto. O bom senso e a voz das ruasfalaram mais alto e, felizmente, com a derrotada PEC 37, poderemos continuar a trabalharem conjunto, cada órgão naquilo que souberfazer de melhor, combatendo a criminalidade eevitando tanto a impunidade de poderososcomo a condenação de inocentes.

Fas@Jus: Entre as primeiras cenasexternas do escândalo denominado Mensalãoe a condenação dos envolvidos, passaram-seoito anos. O que representou o julgamentodeste caso no combate à corrupção?

Promotor de Justiça Felipe Caires: Ocaso do chamado mensalão deve ser analisadocom cuidado. A conclusão do julgamento e oinício do cumprimento das penas realmenteforam positivos sob o ângulo de desconstruiraquela imagem de uma Justiça que jamais trataos poderosos com o mesmo rigor com que puneo homem comum. Quando lembramos que oSupremo Tribunal Federal (STF) condenoucriminalmente um político, pela primeira vez,apenas no ano de 2010, e que somente emmeados de 2013 mandou o primeiro político paraa cadeia, temos a exata dimensão da importânciadeste julgamento e do início da execução daspenas. Isto é emblemático e motivo decomemoração.

Porém, houve certos excessos eincoerências em tal julgamento, que devem serevitados. A Justiça não deve julgar com basena afinidade ideológica do julgador com o réunem com base apenas no apelo popular oumidiático. Deve julgar com base no fato, nasprovas e na lei, apenas levando a pressãopopular ou midiática em conta quando a leiadmitir mais de uma interpretação razoável.Quando a lei for clara, mas não agradar àsociedade, que a sociedade pressione oCongresso a mudá-la, pois pretender que algummagistrado passe por cima da lei, fazendo

interpretação mirabolante, é o prenúncio dejulgamentos casuístas, da insegurança jurídicae da ditadura de toga.

Em alguns momentos no julgamento doMensalão não se teve este cuidado, parecendoque alguns Ministros, e aqui incluo tanto algunsque votaram pela condenação como outros quese manifestaram pela absolvição, deixaram-selevar em seus julgamentos, talvez atéinconscientemente, mais por suas preferênciasou aversões partidárias, ou pela pressão dasociedade e da mídia, do que pelas provas. Istoé ruim, tanto porque, entre os 37 réus, algunsdos 12 absolvidos talvez pudessem ter sidocondenados e talvez alguns dos 25 condenadospudessem ter sido absolvidos, se o foco fossemais nas provas do que em outras questões.

Cito alguns episódios que me passaramesta impressão. A atuação no caso de Ministrocom vínculo estreito com um dos acusados, comquem inclusive trabalhou e por cujo Partido jáadvogou. O desmembramento do processo nocaso no dito Mensalão Tucano, mas não no casodo chamado Mensalão Petista, prejudicandoalguns acusados no último. A cogitação deprender-se alguns condenados no períodoeleitoral de 2012, antes de publicado o Acórdãocondenatório e antes mesmo de julgados osembargos declaratórios, quando já havia casoanálogo no STF, do Deputado Natan Donadon,condenado desde 2010, com Acórdãocondenatório publicado, sem que até então secogitasse de sua prisão enquanto não julgadosos respectivos embargos. A polêmica da perdaautomática do mandato pela condenaçãocriminal, perda com a qual o bom senso e eumesmo concordamos, mas somente após aConstituição ser alterada para esta finalidade,porque, por enquanto, ela é expressa em dizerque a perda não é automática, e enquanto disseristo deve ser respeitada. Isto não foi bom, comojuristas de peso, caso de Dalmo Dallari, ejornalistas de renome, caso de Jânio de Freitas,ambos símbolos do combate à corrupção e à impunidade, já deixaram bem claro. O ProfessorDalmo, aliás, chegou a dizer numa entrevistaque alguns Ministros “não estão julgandojuridicamente, mas politicamente”.

Eu compartilho desta preocupação eacrescento um observação: os Mensalões não

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vão acabar enquanto não se fizer reformapolítica no Brasil, porque, hoje em dia, parase eleger alguém para cargo maior quevereador ou prefeito de cidade pequena, nãose tratando de candidato conhecido (comoartista, palhaço ou esportista), é muito difícilter chance na disputa se não sucumbir àtentação do Caixa 2, com a perniciosa trocade favores a ele inerente, pois as campanhassão caríssimas.

Daí, a importância de falar mais noMensalão para realçar a importância daurgência da reforma política, para que hajafinanciamento prioritariamente público decampanha, vedando-se as doações de pessoasjurídicas e limitando-se as de pessoas físicas avalores módicos, criando-se ainda eleiçõespara deputados com menos candidatos e emdois turnos, tudo conforme proposta daConferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), Movimento de Combate à CorrupçãoEleitoral (MCCE) e vários outros segmentos dasociedade civil já enviada ao Congresso. Sobpena de os Mensalões se sucederem, ano apósano, trocando-se os Partidos envolvidos eassistindo-se a uma troca hipócrita deacusações entre eles, conforme o Mensalão deum esteja sendo julgado e mesmo que o de outrojá esteja em vias de também entrar na pauta dejulgamento...

Fas@Jus: O movimento do povo semanifestando pelas ruas de todo o Brasil teveum esfriamento quando pessoas com outrasintenções se juntaram aos manifestantes epassaram a provocar tumultos, depredaçõese atos de violência e vandalismo. Quando asleis já estiverem mais bem direcionadascontra os atos de vandalismo, haverá climapara a volta das manifestações pacíficas, decunho popular?

Promotor de Justiça Felipe Caires: Nós

não podemos permitir que este despertar cíviconacional seja deturpado por vândalos quequerem se impor ou simplesmente aparecer pelaviolência. Vejo o assunto com preocupação eespero que as autoridades respondam demaneira mais enérgica a estes marginais, até

para que o direito de as pessoas de bem semanifestarem pacificamente não seja impedidopor uma minoria, sem reivindicações, que seaproveita de manifestações alheias parabarbarizar. Sou a favor de proibir a presençade mascarados em manifestações e da criaçãode um tipo penal específico, mais rigoroso, parapessoas que se aproveitarem das manifestaçõespara depredar/roubar o patrimônio alheio,invadir prédios públicos ou agredir quem nãocomungue de suas ideias. Sou também a favorde que as manifestações se harmonizem com odireito de ir e vir das pessoas, evitando-se quevias públicas importantes sejam paralisadastotalmente ou por tempo muito prolongadodurante os protestos. Ao mesmo tempo, nãopodemos ceder a ímpetos autoritários esimplistas, como aconteceu em Minas Geraisquando, para nossa surpresa e a pedido doGoverno estadual, uma decisão do Tribunal deJustiça de Minas Gerais (TJMG) proibiuqualquer manifestação no Estado durante aCopa das Confederações, o que era umabsurdo, e felizmente foi derrubado por decisãodo STF da lavra do Ministro Luiz RobertoBarroso. Há que se buscar, enfim, o equilíbriona proteção dos direitos fundamentaisenvolvidos na questão.

Fas@Jus: Em 2013, o povo começou amanifestação nas ruas de forma apolítica. Háriscos de algum Partido Político tentar colherfrutos (políticos) nesta seara na qual nãoplantou?

Promotor de Justiça Felipe Caires: Há,sim, sobretudo porque 2014 é ano eleitoral,inclusive com eleição para presidente, além deser ano de Copa do Mundo, o que faz com quequalquer manifestação no país ganhe projeçãointernacional. Em geral, as manifestaçõesimpactam mais na popularidade dos que estãono governo, mesmo que não sejam contra ogoverno mas sim contra problemas crônicosnacionais que se arrastam há décadas semmerecer a devida atenção. Por isto, é possívelque grupos políticos momentaneamente alijadosdo poder incitem manifestações, até mesmoaquelas violentas, não com a intenção de

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melhorar a vida dos brasileiros, mas sim apenaspara desgastar seus adversários nacionais elocais. O povo e os movimentos sociais precisamter cuidado para não serem usados como massade manobra nesta disputa. Afinal, asmanifestações ocorridas em junho de 2013eram contra ou favor de ideias, e não contraou a favor de políticos, sejam do governo ouda oposição.

Fas@Jus: O Senhor gostaria de deixaruma mensagem final sobre as manifestaçõespopulares e o combate à corrupção no país?

Promotor de Justiça Felipe Caires: Duasideias gostaria de reforçar. A primeira: ocombate à corrupção deve começar nas nossasatitudes diárias, pois só tem legitimidade para

sair às ruas defendendo a moralidade naAdministração Pública quem não vive querendolevar vantagem em tudo e quem não vota emtroca de favores pessoais para si ou seusfamiliares.

A segunda: se o povo decidir voltar àsruas em 2014, que volte sim, mas pacificamente,não contra ou favor de Partidos ou pessoas, esim, a favor da REFORMA POLÍTICA. Esta, sim,a mãe de todas as reformas pelas quaisansiamos. Vamos conhecer a propostaapresentada pela CNBB, OAB, MCCE e tantosoutros segmentos da sociedade civil. Vamossubscrever, fisicamente ou pela internet, oProjeto de Lei de iniciativa popular, apoiando--o. Depois da aprovação da Lei da Ficha Limpae da derrota da PEC 37, esta deve ser aprioridade de todos nós.

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ARTIGOS DOCORPO DOCENTE

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RESUMO

A proteção jurídica conferida pelo sistema depropriedade intelectual às criações do engenhohumano envolve custos sociais e econômicos quedeveriam ser contabilizados pelos EstadosNacionais quando optam por reconhecer esse tipode propriedade privada em seus ordenamentosjurídicos. Na doutrina de Richard Posner, associedades somente deveriam proteger asinvenções por meio de patentes quando issodemonstrasse ser economicamente útil. Para ele,o princípio da eficiência econômica deve ser arazão do reconhecimento da propriedade privada.Assim, o presente artigo visa esclarecer a utilidadeda análise econômica do direito para acompreensão da propriedade intelectual, numaindicação dos benefícios que o diálogointerdisciplinar pode trazer para aqueles quepesquisam na seara do Direito.

Palavras-chave: Propriedade intelectual. RichardPosner. Direito estadunidense. Análise econômicado direito.

THE INTELLECTUAL PROPERTY INPOSNER’S THEORY

ABSTRACT

The legal protection afforded by intellectualproperty system to the creations of human mindinvolves social and economic costs that should beaccounted for when nation states choose torecognize this type of private property in theirjurisdictions. In the doctrine of Richard Posner,companies should only protect inventions throughpatents when it showed to be economically useful.For him, the principle of economic efficiency should

A PROPRIEDADE INTELECTUAL NA TEORIA DE POSNER

André Gonçalves Godinho Fróes1

be the reason for the recognition of private property.Thus, this article aims to clarify the usefulness ofeconomic analysis of law to the understanding ofintellectual property, as an indication of the benefitsthat interdisciplinary dialogue can bring to thosewho research on the domains of Law.

Key words: Intellectual property. Richard Posner.American Law. Economic analysis of law.

1 INTRODUÇÃO

Dentre os vários assuntos abordados porRichard Posner em sua obra Economic Analysisof Law ou Análise Econômica do Direito, apropriedade intelectual é um dos temas menosenfocados por aqueles que se debruçam sobre aslições do jurista norte-americano. Talvez isso sedeva ao fato de que a assimilação da linguagemeconômica aplicada ao domínio jurídico já seja, porsi própria, de difícil compreensão para osestudiosos do Direito, geralmente acostumados aodiscurso positivista que perpassou grande parte doséculo passado.

Quando se trata, então, de conhecer um ramodo Direito sob o ponto de vista das relaçõessocioeconômicas que lhe deram origem, utilizando--se de recursos metodológicos típicos da CiênciaEconômica, a tarefa se torna ainda mais árdua.

Nesse sentido, há na doutrina de Posnercontribuições importantes para a construção deuma maior interdisciplinaridade entre Direito eEconomia. No que toca à propriedade intelectual,o jurista tece considerações relevantes e poucoexploradas que podem contribuir para uma melhorcompreensão do tema.

Este é, portanto, o objetivo do presente artigo:compreender e assimilar a teoria de Richard Posnernos domínios da propriedade intelectual. Para tanto,

1 Bacharel em Direito e Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Analistajudiciário da Justiça Federal em Minas Gerais. Professor da Faculdade de Direito Santo Agostinho, em MontesClaros/MG.

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julga-se indispensável apresentar primeiramentealgumas noções sobre a matéria, com enfoquena regulamentação dada a ela pelo direito norte--americano, para só depois abordar as liçõeshauridas do jurista estadunidense.

2 DA NECESSÁRIAINTERDISCIPLINARIDADE ENTREDIREITO E ECONOMIA

Na doutrina tradicional, a propriedade é umdireito real que incide sobre coisas e faculta aotitular as prerrogativas de usar, gozar, dispor ereaver o bem, a teor das disposições do art. 1.225e seguintes do Código Civil de 2002.

O estudo da propriedade intelectual, noentanto, exige a superação da visão privatísticaacerca do tema, uma vez que a matéria estárelacionada intimamente ao Direito Econômico.

A esse propósito, afirma Isabel Vaz que

é interessante notar o destaque conferidoàs obras dos professores Waldemar Ferreira(“Instituições de Direito Comercial”, vol. VIe “Tratado de Direito Comercial”, vol. I), deJ. X. Carvalho de Mendonça (“Tratado deDireito Comercial Brasileiro”), eminentesjusprivatistas, quando, na verdade, apropriedade industrial tem sido objeto deuma acentuada intervenção do Estado,constituindo um dos mais visadosinstrumentos de política econômica (VAZ,1993, p. 433).

A doutrinadora discorda da utilização dotermo “propriedade imaterial” em lugar de“propriedade intelectual”, ponderando que

é necessário nos desvincularmos dodiscurso civilista, um tanto obsoleto diantedos avanços tecnológicos, inexistentes àépoca de sua elaboração. ‘Bens imateriais’para Gama Cerqueira [...] constituem gênero,entre cujas espécies Clóvis incluía o direitode autor, como direito real, ao lado dos‘bens móveis incorpóreos’. Mas, nestacategoria encontram-se também os ‘direitosdas obrigações’, cuja gênese nada tem aver com as criações intelectuais. Estas, éverdade, podem originar relações jurídicas,porém, incidem sobre produtos da mente,da capacidade criativa, da arte de cada um.[...] Este é o traço distintivo do ‘trabalho’neles empregado; origina produtos dacapacidade intelectual do autor. Um créditoé uma coisa incorpórea, pode até serclassificado como bem imaterial. Falta-lhe,

todavia, a natureza de criação intelectual(1993, p. 436).

Por esses motivos, a propriedade intelectualnão pode ser suficientemente explicada pela visãotípica do Direito Comercial ou Empresarial nemdo Direito Civil. É necessário que o estudioso hauraconhecimentos de forma interdisciplinar ereconheça as conexões da matéria com aEconomia.

3 OS CONCEITOS MAIS RELEVANTESDA PROPRIEDADE INTELECTUAL

A Organização Mundial da PropriedadeIntelectual (OMPI), pertencente à Organização dasNações Unidas (ONU), foi a responsável, desdea sua criação, pela Convenção de Estocolmo, de14 de julho de 1967, pela unificação dos conceitoslegais acerca do tema de sua competência (VAZ,1993, p. 413).

Para a OMPI, a propriedade intelectual é “odireito concedido sobre as criações do intelectohumano, que usualmente consiste em exclusividadesobre a criação por um período determinado detempo” e se divide em

duas vertentes principais: direitos autorais(copyright), ou o privilégio de autores deobras literárias e artísticas, tal como livrose outros escritos, composições musicais,pinturas, esculturas, programas decomputador e filmes, e a propriedadeindustrial, cuja disciplina protege asinvenções, as marcas de fábrica ou decomércio, os desenhos industriais e reprimea concorrência desleal (WIPO, 2004).

Uma das principais consequências da divisãoda propriedade intelectual em dois ramos resideno fato de que os direitos autorais independem deregistro (art. 18 da Lei 9.610/98), enquanto apropriedade industrial deve ser registrada para quese obtenha a proteção do Estado (Lei 9.279/96).

Isso significa que as invenções e congêneres,para que se constituam em propriedade privadade seus criadores, devem ser submetidas aprocesso de registro junto ao Instituto Nacional daPropriedade Industrial (INPI), autarquia federalincumbida desse mister (art. 129 da Lei 9.279/96).Caso contrário, a propriedade industrial seráconsiderada como de domínio público.

Os direitos autorais e conexos possuemregulação diferente da propriedade industrial (que

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se refere, principalmente, a invenções aplicáveis àindústria), pelo fato de protegerem a exteriorizaçãoou expressão de uma ideia, mas não a ideia em simesma. A proteção conferida pelo copyright dizrespeito apenas à forma de expressão e nãoalcança conceitos, métodos e ideias que sãomanifestados em trabalhos literários, artísticos ecientíficos (WIPO, 2004).

O autor ou titular do registro tem o direito deimpedir a reprodução desautorizada, a distribuição,a venda e a adaptação do trabalho original. Aproteção alcança a duração da vida do autor e umperíodo adicional, que no caso do Brasil é de setentaanos após o falecimento do autor (art. 41 da Lei9.610/98).

Já a propriedade industrial pode ser objetode monopólio privado quando reconhecida peloEstado por meio de registro ou patente, conformeo caso. As patentes dão ao titular o direito exclusivode fazer, usar ou vender uma invenção, por umperíodo de vinte anos, no sistema brasileiro (art.40 da Lei 9.279/96). A patenteabilidade de umainvenção depende do preenchimento dos requisitosde absoluta novidade (previamente desconhecidado público), não-obviedade (deve conter inovaçãosuficiente para merecer proteção) e aplicabilidadeindustrial (ou utilidade), nos moldes do art. 8.º daLei 9.279/96.

Os modelos de utilidade, muitas vezeschamados de “pequenas invenções”, pelo fato deque envolvem menos atividade inventiva e novidadequando comparados às invenções, podem serprotegidos por meio de patentes. Consta da Lei9.279/96:

Art. 9.º É patenteável como modelo deutilidade o objeto de uso prático, ou partedeste, suscetível de aplicação industrial, queapresente nova forma ou disposição,envolvendo ato inventivo, que resulte emmelhoria funcional no seu uso ou em suafabricação.

Em apertada síntese, são essas as noçõesnecessárias para a compreensão do tema oraproposto.

4 A REGULAÇÃO DA PROPRIEDADEINTELECTUAL NO DIREITOESTADUNIDENSE

Analisar-se-á a lei de patentes norte-ame-ricana sob seus aspectos essenciais e indispensáveispara o conhecimento da doutrina de Posner sobre a

propriedade intelectual. Na verdade, o “US Code,Title 35”, é apenas a norma geral dessa matéria,que contém um extenso regulamento.

Nos Estados Unidos, há três tipos de patentes:as utility patents, as design patents e plant patents(OPPEDAHL, 2013), que corresponderiam àspatentes nacionais concedidas às invenções e modelosde utilidade, aos registros de desenhos industriais emarcas e às cultivares (plantas transgênicas),respectivamente. O Direito norte-americano nãodistingue, tal como o brasileiro, entre patentes eregistros, pois aquelas são concedidas no Brasilsomente para invenções e modelos de utilidade.

Assim como no regime patentáriointernacional, uma patente americana permite queseu titular impeça que outros fabriquem, usem oualienem o objeto protegido.

Os prazos de proteção são variáveis. Umautility patent vige por dezessete anos, se tiver sidodepositada até a data de oito de junho de 1995, oupor vinte anos, se após esse termo. Essa distinçãoé resultado do período de transição promovido peloacordo uniforme prescrito pelo tratado GATT 1994(General Agreement on Tariffs and Trade ouAcordo Geral de Tarifas e Comércio). Por outrolado, uma design patent tem vigência por quatorzeanos, enquanto uma plant patent vige pordezessete anos (OPPEDAHL, 2013).

A patenteabilidade, isto é, o que pode ou nãoser protegido por uma patente, é sempre um dospontos mais importantes de qualquer legislação depropriedade industrial. A lei americana diz que“qualquer um que invente ou descubra umprocesso, máquina, manufatura ou resolução deum problema, novo e útil, ou qualquermelhoramento novo e útil destes, poderá obter umapatente.” (US Code, Title 35, § 101).

Como se vê, a descoberta (aquilo que seencontra na natureza) é também patenteável nosEstados Unidos. Esta afirmação é confirmada peloparágrafo 100, a, dispositivo segundo o qualinvenção e descoberta são sinônimas (USA, 2013).Tal sinonímia traz consequências importantes parao regime legal americano; sendo as descobertaspatenteáveis, células cancerígenas do baçohumano, bem como células da medula óssea, sãopassíveis de proteção, i. e., partes do corpo humanopoderão ser propriedade de uma empresa ou pessoa(RIFKIN, 1999, p. 47).

Também têm patentes reconhecidas naquelepaís os produtos químico-farmacêuticos,medicamentos e alimentícios, inclusive os produtosbiotecnológicos, tal como agora o são no Brasil,

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com a Lei 9.279/96.A fim de ser patenteável, uma invenção deve

se adaptar a uma das seguintes classes: processos,máquinas, manufaturas (ou objetos que são feitospelo homem ou por máquina), resoluções deproblemas (as compositions of matter) ouqualquer novo uso destes (OPPEDAHL, 2013).

Um dos requisitos de patenteabilidade é autilidade (no Direito brasileiro, diz-se tambémaplicabilidade industrial). Uma invenção não podeser mera decorrência de um fenômenoteoricamente considerado. A invenção deve serainda nova ou inédita; e não poderá ser óbvia parauma pessoa que tenha conhecimento técnico médioda matéria (OPPEDAHL, 2013).

5 A PROPRIEDADE INTELECTUAL NOPENSAMENTO DE POSNER

Passa-se ao estudo da análise econômica dapropriedade intelectual, segundo as lições dePosner.

Esse autor inicia o capítulo 3 (Property) daParte II de sua obra Economic Analysis of Lawcom a referência aos três significados do termocommon law. Nessa parte, adota o segundosentido, o de “os campos do Direito que foramcriados majoritariamente pelos juízes comoprodutos de casos concretos decididos, empreferência aos legisladores.” (POSNER, 1998, p.35).

Na visão econômica desse jurista, o commonlaw tem três partes: (1) the law of property (oDireito da Propriedade): que cria a definição dosdireitos de propriedade (“direito ao uso exclusivode recursos valiosos”); (2) the law of contracts(o Direito dos Contratos): que cuida dastransferências dos direitos de propriedade; e (3)the law of torts: que traça as sanções respectivas.

A propriedade intelectual é concebida pelodoutrinador como uma subcategoria especializadade um ou mais desses campos fundamentais. Essatipologia, segundo Posner, é útil para organizar opensamento e para trazer à colação o principaltema dessa segunda parte do livro: a congruênciaentre as doutrinas do common law e o princípio daeficiência econômica.

5.1 Teoria Econômica dos Direitos dePropriedade

No item 3.1, Posner procede às distinçõesentre os aspectos estáticos e dinâmicos da Teoria

Econômica dos Direitos de Propriedade. Segundoele, “todos os ajustes a fazer presumivelmenteocorrem de forma instantânea” na análiseeconômica estática, enquanto, na dinâmica, “ahipótese de um ajustamento instantâneo é flexível.”(POSNER, 1998, p. 36).

Para o jurista estadunidense, a análisedinâmica é usualmente mais complexa; por isso, ésingular que as bases econômicas dos direitos depropriedade tenham sido primeiramente percebidasem termos dinâmicos. Ele cita o exemplo de umasociedade em que os direitos de propriedadetenham sido abolidos. Um fazendeiro cultiva a terrasobre a qual não tem direitos exclusivos; plantamilho e constrói benfeitorias. Entrementes, o milhocresce e seu vizinho o colhe para uso próprio. Amenos que haja medidas institucionalmentecabíveis contra essa usurpação, o cultivo das terraslogo será abandonado e a sociedade mudará, comisso, seus métodos de subsistência para outros queexijam menos investimentos preparatórios, comoa caça.

Posner afirma, assim, que a atribuição dedireitos de propriedade cria incentivos para aexploração eficiente de recursos. Ainda que o valorda plantação, naquele exemplo, exceda os custosde investimento – entendido o valor como a“vontade de pagar por parte dos consumidores”(willingness to pay) – a possibilidade da espoliaçãofaria que essa atividade fosse tida comoracionalmente inadequada.

O autor pensa que

A discussão desse ponto parece implicarque, se todo recurso valioso (entendidocomo escasso, bem como desejado) fossepossuído por alguém (critério dauniversalidade), de modo a que apropriedade incluísse as faculdades deexcluir terceiros do uso do bem e a deusufruí-la privativamente (exclusividade),assim como a livre transferibilidade, ou,como os advogados dizem, a alienabilidade,o valor seria maximizado (POSNER, 1998, p.38).

A propriedade privada de todos os recursosimplicaria, dessarte, a maximização do valor, secumpridas as condições de universalidade deacesso, exclusividade e alienabilidade. Mas, opróprio autor reconhece os custos óbvios e os sutisde um sistema de propriedade privada, como serávisto a seguir.

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5.2 Problemas na Criação e Proteção dosDireitos de Propriedade

A razão entre os benefícios dos direitos depropriedade e seus custos determina a extensãoda propriedade privada nas diversas sociedades.

No pensamento de Posner, a propriedade daterra é comunal nas sociedades primitivas porquecustaria muito instituir o sistema de propriedadeprivada: nelas, a terra é farta em relação ao númerode habitantes; pode ser utilizada sem investimentoselaborados, praticamente em estado natural; nãohá linguagem desenvolvida para instituir um registrocartorial adequado da propriedade privada; o custode obtenção de madeira para cercamentos é alto;as atividades são preponderantemente pastoris.Portanto, instituir aquele sistema traria poucosbenefícios para a comunidade. Nesse sentido,Posner afirma que

não é surpreendente que os direitos depropriedade sejam menos extensos emsociedades primitivas do que nasavançadas e que o padrão pelo qual osdireitos de propriedade emergem e crescemem uma sociedade está relacionado aoaumento da razão entre seus benefícios ecustos (POSNER, 1998, p. 39).

Para o autor, essa ideia encontra-se na raizdas normas do common law que distinguem apropriedade de animais domésticos e selvagens.Enquanto aqueles são possuídos como qualqueroutra propriedade, estes não o são até que sejamcaçados ou aprisionados. Em matéria depreservação da vida selvagem, que não se submete,em regra, à propriedade privada, haveria duassoluções possíveis: a regulação pelo Estado, a fimde reduzir a caça a um nível ótimo, quando, então,a política pública substituirá o sistema depropriedade privada na aporia entre os custos oubenefícios sociais e privados; ou a aquisição detodo o habitat natural dos animais por um particular,que regulará ele mesmo a caça para um níveladequado, pois, do contrário, perderia os possíveisproventos advindos dos caçadores.

Leciona o jurista que a eficiência econômicaainda fundamenta as regras do common lawrelativas ao descobrimento de tesouros e àspróprias patentes: o Direito tenta regular essas áreasde tal modo que não haja desperdício de recursosescassos em uma atividade econômica.

Posner traça uma comparação entre arecuperação de sunken treasures (tesouros

submersos) e o processo de invenção. Umaexploração ou invenção muito rápida causaria oemprego excessivo de recursos por parte doscompetidores. Para a sociedade, o custo dainvenção ou do resgate do tesouro poderá sersuperior ao benefício. Por exemplo, se o benefíciototal fosse de mil unidades monetárias e o custode um competidor fosse de 250, a concorrência demais de quatro investidores faria com que os custosou igualassem ou superassem o benefício final. Poressa razão, as regras do common law atribuem apropriedade de tesouros ao governo, querecompensa o descobridor de acordo com obenefício social alcançado. O resgate de moedacorrente não modifica a riqueza total da sociedade;merece, pois, recompensa menor.

5.3 Propriedade Industrial: Patentes

A existência das patentes é explicada porPosner a partir da necessidade social de incentivoà invenção:

Em um mundo sem patentes, a atividadeinventiva seria majoritariamente direcionadapara invenções que poderiam ser mantidasem segredo, do mesmo modo que a completafalta de direitos de propriedade conduziria aprodução aos objetos que envolvesseminvestimentos preparatórios mínimos [...]. Porisso temos patentes (POSNER, 1998, p. 43).

O autor relaciona e explica os mecanismosdo Direito para a redução dos custos da duplicidadeda atividade inventiva.

O primeiro deles consiste no prazo devigência de quatorze a vinte anos, que reduz o valorda patente para seu titular e, por via deconsequência, o montante de recursos utilizadospara obter a invenção.

O segundo mecanismo jurídico encontra-seno requisito de patenteabilidade conhecido como anão-obviedade do invento. Nesse ponto, Posneroferece uma noção nova desse conceito,normalmente definido como a impossibilidade deum técnico médio da área chegar ao mesmoresultado facilmente:

O significado funcional da obviedade é ode inventável a baixo custo. Quanto maisbaixo o custo da descoberta, menos énecessária a proteção patentária para ainduzir e maior é o perigo de investimentosexcessivos se a proteção por patentes forpermitida (POSNER, 1998, p. 43-44).

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Para o autor, portanto, é indesejável que hajaproteção patentária se isso causar investimentosexcessivos; uma patente não pode proteger o queé óbvio – o que custa pouco para descobrir (note--se como a palavra discovery – descoberta – éusada no lugar de invention – invenção) –, poisos custos de mercado aumentariam artificialmente.

O terceiro mecanismo diz respeito à normasegundo a qual as patentes são concedidas “maiscedo” ou antes que o produto possa ser utilizadocomercialmente. Isso evita desperdício de recursosescassos porque o inventor terá tempo deexperimentar o objeto antes de lançá-lo nomercado; se assim não fosse, invenções malacabadas desperdiçariam recursos de produção.

O quarto instrumento encontra-se nos demaisrequisitos de patenteabilidade, a novidade e aaplicabilidade industrial. Aquela consiste nainovação do estado da técnica e, esta, napossibilidade da exploração industrial do objetoprotegido. Se o sistema patentário só protegerinvenções que sejam ao mesmo tempo inovadorase utilizáveis na indústria, contribuirá para a melhoralocação de recursos.

O quinto e último mecanismo de prevençãode desperdícios refere-se à não-patenteabilidadede fundamental ideas (ideias fundamentais ouconcepções puramente abstratas), como sãoexemplos as fórmulas matemáticas e as formasdos programas de TV. A razão disso é a de que,mais uma vez, só é patenteável a invenção quecusta muito e que não desperdiça recursos.

Nas palavras de Posner, os custos do sistemapatentário incluem a relação entre o preço e o customarginal das invenções (o investimento adicionalmáximo que se pode fazer sem desperdiçarrecursos valiosos). Essa é a constante preocupaçãode Posner com investimentos excessivos noprocesso inventivo. Diz ele que, uma vez feito oinvento, os custos (ou os investimentos realizados)estão perdidos (sunk), o que em termoseconômicos significa que são zero. Então o preçoque inclui o royalty do inventor excederá o custode oportunidade (correspondente à quantia que oinventor ganharia se nada tivesse investido) doproduto resultado da invenção. Entretanto, “esseinconveniente é analiticamente o mesmo que ocusto de uma cerca para demarcar o direito depropriedade em um terreno; é um custoindispensável do uso do sistema de direito depropriedade para alocar recursos.” (POSNER,1998, p. 45). Em outras palavras, não há comoinstituir a propriedade sem investimentos, embora

estes sempre devessem respeitar sua utilidademarginal, sob pena de desperdício.

Essa breve explanação sobre a lei e o direitoda propriedade intelectual norte-americanos servepara a reafirmação do caráter internacional dosistema de patentes. Por meio dela, nota-se atendência de uniformização desse direito nasdiversas legislações, a despeito das particularidadese necessidades de cada país.

Há diversas semelhanças com a lei depropriedade industrial brasileira, conforme já seteve oportunidade de analisar (FRÓES, 2011).Quanto às diferenças, são de técnica everdadeiramente não importam ou demonstram queo direito brasileiro ainda não alcançou o nível deliberalismo verificado no direito norte-americano,como é o caso de reconhecer patentes a merasdescobertas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, espera-se tercontribuído para a construção de um diálogointerdisciplinar entre a Economia e o Direito.Conforme se depreende da leitura das lições deRichard Posner, há um enfoque relativamente novosobre as questões jurídicas, que podem sercompreendidas a partir da linguagem desenvolvidaem outros ramos das ciências sociais.

Viu-se, em apertado resumo, que o princípioeconômico da eficiência deve estar na base dasconsiderações de um Estado quando opta porinternalizar, em seu ordenamento jurídico, aproteção conferida pelo sistema internacionalpatentário, fomentado pelos países desenvolvidospor meio da OMPI e outros organismosinternacionais.

Cada país deveria contabilizar os ganhossociais e econômicos a serem obtidos aoconcederem patentes, que majoritariamente sãopleiteadas por multinacionais estrangeiras queinvestem mais recursos em pesquisa edesenvolvimento do que as empresas nacionais depaíses periféricos. Considerando que a proteçãopatentária legitima o monopólio por um períodoconsiderável de tempo e que o alcance de posiçãodominante em geral leva os agentes econômicos aabusarem dos preços cobrados do consumidor, poderevelar-se ineficiente para uma nação emdesenvolvimento reconhecer a propriedadeintelectual para invenções relativas a áreasestratégicas e essenciais, como medicamentos ealimentos.

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Esse é apenas um exemplo da utilidade quea análise econômica do Direito pode trazer aosestudos jurídicos. O critério fornecido pela doutrinade Posner pode servir para analisar a eficiênciadas modificações que se tem observado nas leisbrasileiras sobre esse tema, como os cultivares, apatenteabilidade de micro-organismosgeneticamente modificados, a admissão do pipeline– controverso instituto que dispensa o requisito danovidade das invenções –, a mudança nos regimesdas licenças compulsórias e da caducidade e, porfim, as patentes para produtos farmacêuticos ebiotecnológicos (FRÓES, 2011). Como se vê, hánessa matéria objetos variados de estudo e depesquisa em aberto.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisarcriticamente o instituto da guarda compartilhadano Brasil. Para tanto, demonstra-se a evolução daguarda no país até a efetiva positivação da guardacompartilhada. Com as vantagens acentuadas peladoutrina quanto à adoção do instituto como deaplicação prioritária em casos de rompimento dosvínculos afetivos entre os pais, o trabalho questionase essa seria a melhor opção para toda e qualquersituação de separação dos pais, como apregoa amaior parte da doutrina nacional. Além de elencaro rol de vantagens do instituto, o presente trabalhose preocupa em destacar algumas situações emque a guarda compartilhada não se apresenta comoa melhor opção, bem como os motivos pelos quaisisso acontece. A análise em questão é realizada apartir da doutrina jurídica com respaldo nas ciênciaspsicológicas.

Palavras-Chave: guarda compartilhada. Guardaunilateral. Vantagens e desvantagens.

ABSTRACT

This paper aims to critically examine the institutionof shared parenting in Brazil. Therefore, itdemonstrate the evolution of the institute of thelegal guard in Brazil until the actual regalement ofshared parenting. Brazilian writers highlight theadvantages of joint custody and indicate it whenthe couple get divorced. However, this work willquestion the application of custody in some cases.In addition, the present paper is concerned to pointout some situations where joint custody is notpresented as the best option and will present somereasons for why it happens. The analysis in questionis performed based on the legal doctrine and in thepsychological sciences studies.

GUARDA COMPARTILHADA: melhor opção?

Cyntia Mirella Cangussu Fernandes Sales1

Keys words: joint custody, unilateral custody,advantages and disadvantages

1 INTRODUÇÃO

Na busca pela preservação do melhorinteresse dos filhos quando da dissolução dosvínculos afetivos e jurídicos entre os pais, váriastentativas de se atingir esse intento foram propostasna legislação brasileira no que diz respeito aoinstituto da guarda.

Verifica-se, pois, que o instituto passou porvárias fases, evoluindo desde a que observava, parao seu estabelecimento, apenas a conduta dos paisno ato da dissolução do matrimônio, até atingir ocontorno atual, cujo enfoque principal é direcionadoao bem estar dos filhos.

Nesse contexto, a partir do modelo firmadointernacionalmente, como sendo o que maisprivilegia aos filhos no ato da desconstituição dorelacionamento afetivo entre seus pais, ideiaplenamente absorvida pela doutrina nacional, surgeno Brasil, o instituto da guarda compartilhada.

Apesar do clamor estabelecido pela maioriada doutrina brasileira, seria essa a solução maiseficaz para a preservação dos interesses dos filhos?Caberia o estabelecimento da guardacompartilhada como opção prioritária em todas asrelações findas?

O presente trabalho, através de um resgateda evolução do instituto no Brasil a partir do Códigode 1916, bem como com a demonstração dasvantagens no seu estabelecimento e do panoramamais apropriado para sua efetivação, tem porfinalidade promover a reflexão acerca dos fatoresque dificultam o estabelecimento da guardaconjunta no país.

Para tanto, o tema foi desenvolvido em trêsitens. O primeiro deles, “Guarda - Evolução do

1 Advogada. Professora da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Especialista em Ciências Penais. Doutoranda emDireito Civil pela Universidade de Buenos Aires.

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Instituto no Brasil a Partir de 1916”, no qual se fazum resgate da legislação até os dias atuais. Notópico seguinte intitulado de “GuardaCompartilhada Vantagens na sua Aplicação”,demonstra-se a gama de vantagens trazidas peladoutrina para a efetivação do instituto bem comoo cenário ideal para sua implantação. Por fim, noitem denominado de “Dificuldades na Efetivaçãoda Guarda Compartilhada no Brasil”, busca elencarfatores impeditivos da edificação dessa espécie deguarda como remédio para todos os casos.

2 GUARDA – EVOLUÇÃO DO INSTITUTONO BRASIL A PARTIR DE 1916

A guarda, segundo ensina Venosa (2005) éum dos elementos do poder familiar. E é o institutodestinado à proteção das pessoas menores deidade, importando na prestação de assistênciamaterial, moral e educacional, conforme lembraDiniz (2010).

Na vigência do Código Civil brasileiro de1916, havendo a dissolução da sociedade conjugal,se não fosse por consenso entre os pais, os filhosmenores permaneceriam com o cônjuge que nãohouvesse dado causa à dissolução do matrimônio.Se ambos os cônjuges fossem considerados comoculpados, os filhos ficariam na companhia da mãe,nesse caso, somente se, o Juiz entendesse que acompanhia materna não fosse danosa à formaçãomoral dos menores. Caso verificasse a possibilidadede dano aos filhos, a guarda seria estabelecida emfavor de terceiros (art. 326, e respectivosparágrafos, do CCB/1916).

Com a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977,a qual introduziu o divórcio no Brasil, manteve paraos filhos no que concerne ao estabelecimento daguarda quando da dissolução do matrimônio de seuspais, a mesma regra, quando estes estivessem emconsenso, e também a estabelecida em função daculpa de um deles ou de ambos.

Entretanto, a lei sob comento inovou oordenamento no que diz respeito à guarda dos filhos,quando as causas de dissolução do matrimôniofossem diversas das definidas pelo consenso oupela culpa dos cônjuges. Assim, segundo a Lei,permaneceriam os filhos menores com o genitorcom quem já estivessem, quando a causa daseparação fosse a ruptura da vida em comum. Sebaseada em moléstia grave de um dos cônjuges, aguarda caberia ao cônjuge que estivesse emcondições de criá-los (DINIZ, 1993).

A Lei do Divórcio privilegiou o bom senso no

que diz respeito à guarda dos filhos. Determinouexpressamente, nesses casos, que o Juiz poderiaignorar a lei e regular de maneira distinta do queela apregoa, sempre que ocorressem motivosgraves e houvesse a necessidade de beneficiar aosfilhos. Nesse sentido, afirma Venosa (2005) queos mandamentos legais sucumbirão sempre nointeresse dos filhos no que pertine aoestabelecimento de sua guarda.

Apesar de todas essas regras estabelecidasna legislação brasileira, para muitos autores, porsimples opção machista e para outros por ser asituação mais favorável aos filhos, havia umentendimento jurisprudencial e doutrinário, comoo esposado por Venosa (2005), que por vezes aindaprevalece, de que é a mãe a mais indicada paracuidar dos filhos no caso de dissolução dos vínculosde afeto existentes entre os pais. E só haveria aalteração dessa situação quando houvesse umaconvenção entre as partes, ou se a companhiamaterna fosse contraindicada para o saudáveldesenvolvimento dos filhos.

A Constituição da República Federativa doBrasil de 1988 (CRFB/88) adotou relevantesprincípios reguladores da família, dentre eles oprincípio da isonomia e o princípio da dignidade dapessoa humana, os quais promoveram umaverdadeira revolução na maneira de pensar oDireito de Família. Essa nova concepçãoprincipiológica influenciou, por conseguinte, arelação da guarda, a qual orientou aos Magistradosa volverem a atenção mais para os filhos do quepropriamente para a conduta dos pais no ato dadissolução do vínculo entre eles.

Nesse mesmo diapasão, em reforço à novavisão estabelecida pela CRFB/88, conforme Dias(2008), o Estatuto da Criança e Adolescente(ECA), a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, alterouo foco na definição da guarda dos filhos após ofim do relacionamento dos pais, pois consagrou oprincípio do melhor interesse da criança, bem comoo da proteção integral à pessoa emdesenvolvimento. Segundo a autora, o ECA,destacou os direitos fundamentais da pessoa menorde dezoito anos, inovando, dessa forma, porcompleto o ordenamento jurídico pátrio.

A partir daí, os Juízes de Direito passaram ase preocupar com o bem estar da criança,privilegiando aquele genitor que tivesse maisafinidade, disponibilidade e disposição para cuidar,proteger e criar os filhos.

Diniz (1993), traz, inclusive, a informaçãoacerca de julgados que levaram em conta, para a

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definição da guarda, a opinião das criançasenvolvidas na disputa, quando elas contavam commais de sete anos de idade. Esse entendimentotambém é compartilhado por Venosa (2005), queé categórico em afirmar que o menor deverá serouvido sempre que contar com uma idade que lhepermita maior compreensão da realidade.

Entretanto, lembram os especialistasZimerman e Coltro (2010), que apesar de serindicada a oitiva dos filhos na questão da guarda,jamais devem colocá-los em posição de decidir comquem desejam ficar. Lembram que é possívelpermitir que elas manifestem, sem, contudo, impora elas o ônus da decisão, com quem desejampermanecer.

O Código Civil brasileiro atual, Lei 10.406,de 10 de janeiro de 2002, disciplina o destino dosfilhos após a cessação da convivência familiar, sobo mesmo título disposto no CCB/1916, qual seja,“Da proteção à pessoa dos filhos”, em apenas oitoartigos.

Conforme destaca Dias (2008), apesar demanter o espírito de preservação do interesse dacriança, trazido pela CRFB/88, o CCB/02 perdeua oportunidade de incorporar textualmenteprincípios importantes, relativos à proteção dosmenores, como o do melhor interesse da criança2,trazido ao ordenamento brasileiro pelo ECA, aindanos anos 90 do século passado.

Em conformidade com o CCB/02, olegislador deixou preferencialmente a cargo dospais a definição acerca do destino dos filhos quandodo fim do relacionamento entre eles. Caso não hajaconsenso entre ambos, caberá ao Juiz definir comqual dos dois ficarão os filhos menores, devendooptar por aquele genitor que reunir melhorescondições para o exercício da guarda.

No início da vigência do CCB/02, muito sediscutiu se as “melhores condições” para oexercício da guarda, determinada na Lei civil emvigor, seriam as melhores condições financeiras.Porém, chegou-se à conclusão de que as condiçõeseconômicas não poderão, por si sós, indicar o pairesponsável pela guarda dos filhos, mas umconjunto de fatores deveria nortear a decisão.Segundo Venosa (2005, p. 218) “O carinho, o afeto,o amor, o meio social, o local de residência, aeducação, a escola e, evidentemente também as

condições econômicas devem ser levados emconsideração pelo magistrado.”.

Com a edição da Lei 11.698, em 13 de junhode 2008, foi introduzido no Brasil o instituto daguarda compartilhada. A partir dessa inovaçãolegislativa, o sistema pátrio passou a contaroficialmente com duas possibilidades para a fixaçãoda guarda dos filhos após o rompimento dos pais,quais sejam, a guarda unilateral ou acompartilhada.

Convém lembrar que apesar da Lei queregulamentou a guarda compartilhada ser do anode 2008, o instituto já vinha sendo aplicado no Brasilpor alguns Tribunais sempre que houvesseconsenso entre os pais, atendendo a um forte apelodoutrinário crescente no país.

O CCB/02 define como sendo unilateral aguarda atribuída a um dos genitores, enquanto quea compartilhada seria aquela cuja responsabilizaçãoé atribuída conjuntamente a ambos os pais, quantoàs questões atinentes aos filhos em comum.

A lei em referência, além de firmar noordenamento pátrio o instituto da guardacompartilhada, para facilitar a opção do Juiz quandotivesse que optar pela guarda unilateral, definiuparâmetros objetivos para que um dos pais fosseconsiderado como o que reunia os atributos hábeis,necessários para destacá-lo como sendo o querevelasse melhores condições para exercer aguarda unilateralmente.

Assim, apregoam os incisos do § 2.° do artigo1.583 do Código Civil vigente, após as alteraçõesdeterminadas pela Lei 11.698/08, que a guardaunilateral será atribuída ao genitor que puderpropiciar aos filhos o afeto nas relações com ospais e com o grupo familiar. Além disso, seráobservado o que puder promover a saúde esegurança de seus filhos, e ainda apresentarcondições de primar por sua educação.

Apesar de disciplinar objetivamente aguarda unilateral, a Lei 11.698/08, emcontraposição ao ordenamento anterior, queprimava pela guarda individual – que tinha porfundamento a inocência de um dos pais –determina ser a guarda compartilhada, atendendoas tendências modernas internacionais, a que deveprevalecer nos casos de dissolução dos vínculosafetivos entre os pais.

1 O princípio do “melhor interesse da criança” apregoa que havendo conflito de interesses entre as pessoas e osmenores, os interesses desses deverão se sobrepor aos daquelas (PEREIRA).

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3 GUARDA COMPARTILHADA:VANTAGENS NA SUA APLICAÇÃO

A guarda compartilhada foi inserta noordenamento brasileiro, segundo Farias e Rosenvald(2010, p. 343), “Incorporando a orientação dadoutrina brasileira – não apenas no âmbito doDireito, mas, também da Psicologia.”.

Segundo consta na doutrina nacional, guardacompartilhada é aquela exercida conjuntamente porambos os pais após a dissolução do vínculo afetivoque os unia, a fim de “assegurar aos filhos aconvivência e o livre acesso a ambos” os pais(LOBO, 2008, p. 175).

A guarda compartilhada ressalta os princípiosda solidariedade familiar bem como o dapaternidade-maternidade responsável, impostos naCCRB/88, pois se caracteriza, em conformidadecom o pensamento de Lobo (2008, p. 176), pormanter de forma “responsável e solidária osdireitos-deveres inerentes ao poder familiar” osquais continuarão a ser exercidos por ambos ospais mesmo após a perda do vínculo afetivo entreeles.

Nesse prisma, entendem Farias e Rosenvald(2010) que a guarda compartilhada seria a que maisprivilegiaria aos interesses dos filhos menores,resguardando-os inclusive dos danos psicológicosdecorrentes da ruptura das relações entre os pais.Segundo os autores referidos,

a guarda conjunta, propicia-se à criança eadolescente o exercício do poder familiarcom maior amplitude possível e também aparticipação direta dos pais, em igualdadena criação e educação dos filhos (FARIAS;ROSENVALD, 2010, p. 344).

Reafirmando esse posicionamento, Lobo(2008) noticia um estudo, promovido nos EstadosUnidos, que constatou ser melhor para as criançase adolescentes a opção de compartilhar a guardados filhos após o fim do relacionamento dos seuspais.

Segundo os estudos sob comento, esse tipode guarda privilegia o equilíbrio mental dos filhos,uma vez que, mantendo-se a convivência comambos os pais, evita-se a incidência de problemasemocionais ou comportamentais nas crianças eadolescentes. Ressaltam ainda, que a falta dereferência da figura de um dos pais poderiacomprometer a integridade psíquica dos filhos depais separados.

Cabe aqui destacar que a guardacompartilhada, segundo entendimento brasileiro,não se confunde com a guarda alternada. Naguarda alternada os filhos passam a viveralternadamente com um dos pais por períodosrigidamente determinados. Essa alternativa, namaioria dos casos, mostra-se extremamente danosaaos filhos, pois propicia a eles a perda daestabilidade, já que ora teriam a referência doshábitos, ensinamentos e cultura assimilados na casapaterna, ora os referenciais trazidos da casamaterna.

Zimermam e Coltro (2010, p. 427) fazem aseguinte exortação:

Essa forma de arranjo pode trazer prejuízosà criança, principalmente em determinadasfases de sua vida. Em se tratando decrianças muito pequenas, podecomprometer sua necessidade deexperiências e continuidade, que lhestransmitem confiança e segurança paragarantir seu bom desenvolvimento. Para ascrianças maiores, pode desorganizar a rotinapessoal e escolar. Em se tratando deadolescentes, esses poderão se opor àconstante troca de casa, por que isso poderepresentar uma restrição a sua liberdadede escolha e, ainda poderão preferir ficarmais tempo com o genitor que não lhes cobraresponsabilidades.

Ao contrário, na guarda compartilhada, nãonecessariamente os filhos terão que passarperíodos determinados com um dos pais emresidências distintas. O que também não estariaproibido nessa espécie de guarda. Porém, aalternância na convivência deverá ser estabelecida,sempre no interesse e necessidade dos filhos. Valeregistrar que o que se compartilha, na realidade, éa responsabilidade entre os genitores e não o tempode convivência entre pais e filhos, fato que se dariada forma mais natural possível conforme anecessidade e o desejo dos envolvidos, em cadacaso específico.

Nesse sentido, destaca Lobo (2008, p. 175):

Na guarda compartilhada é definida aresidência de um dos pais, onde viverá oupermanecerá. Essa providência éimportante, para garantir-lhe a referencia deum lar, para suas relações de vida, aindaque tenha liberdade de frequentar a dooutro; ou mesmo de viver alternadamenteem uma e outra.

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Ideia reforçada por Gonçalves (2006, p.261), que defende, inclusive, que sempre que houverpossibilidade, os pais deverão optar por manterresidência próxima uns dos outros para garantir olivre acesso de seus filhos. Em suas palavras,

Na guarda compartilhada, a criança tem oreferencial de uma casa principal, na qualvive com um dos genitores, ficando acritério dos pais planejar a convivência emsuas rotinas quotidianas, e obviamente,facultando-se visitas a qualquer tempo.Defere-se o dever de guarda de fato a ambosos genitores, importando numa relação ativae permanente entre eles e seus filhos.

A grande vantagem ao se estabelecer essetipo de guarda é a promoção do diálogo entre ospais para que conjuntamente continuem tomandodecisões acerca da criação e educação dos filhos,dividindo as atribuições do poder familiar, o qualpermanecerá com ambos, evitando-se dessa forma,que os filhos se sintam abandonados por algum deles,pois os terá por perto para conduzi-los e orientá-losnas situações cotidianas.

4 DIFICULDADES NA EFETIVAÇÃO DAGUARDA COMPARTILHADA NOBRASIL

Embora se tenham idealizadas todas asvantagens anteriormente elencadas, para adefinição da guarda conjunta, a professora CecíliaP. Grosman, da Universidade de Buenos Aires,demonstra, no trabalho intitulado “La Guarda delos hijos después de La separación o divorcio delos padres”, que na Argentina, 85 a 90% das açõesque promovem a dissolução do matrimônio, aguarda dos filhos ficam a cargo da mãe, seja porconsenso entre os pais ou por definição do Juiz.

No Brasil, como na Argentina e em outrospaíses da América do Sul, apesar da recomendaçãolegal e doutrinária para aplicação prioritária daguarda compartilhada, o instituto não se mostra naprática aplicável, como regra, à maioria dasdemandas judiciais. O que se verifica no país ainda,segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), é a opção pelaguarda exclusiva e materna.

Quando da dissolução do vínculo afetivoentre os casais, percebe-se que em muitos casoso amor não acaba na mesma medida e ao mesmotempo para ambos, o que remete a feridasprofundas, capazes de promoverem reações das

mais diversas, e muitas vezes, culminam emmanifestações visíveis de fúria e ódio entre os ex--cônjuges ou ex-companheiros, nas quais émanifestada a dor da perda. Alguns, diante dessaexperiência, veem nos filhos um instrumentoeficiente para atingir o outro e reforçar a suapresença naquele contexto do qual não mais fazparte.

Zimermam e Coltro (2010, p. 425) lembramque

A separação rompe com a fantasia decompletude narcísica com o outro (cônjuge).Que recursos terá cada genitor pararestabelecer seu equilíbrio narcísico?Generalizando, poderíamos dizer que podemser acionados mecanismos que favoreçam aelaboração do luto pela separação ou, emcaso dessa impossibilidade, a criança muitasvezes pode vir a ser usada comocomplemento narcísico dos pais.

Em meio a esse estado de desequilíbrio emque os ânimos ficam em sobressalto, oestabelecimento de um diálogo entre os pais,necessário ao bom andamento da guardacompartilhada, fica prejudicado. E nessascondições o judiciário pátrio tem entendido pelonão deferimento da guarda conjunta, apesar daorientação legal nesse sentido, optando pelodeferimento dessa espécie de guarda somentequando houver consenso entre os pais.

Apesar desse posicionamento adotado peloPoder Judiciário brasileiro, Farias e Rosevald(2010), em consonância com a norma vigente,advogam entendimento diverso. Defendem a ideiade que a fixação da guarda compartilhada deveacontecer principalmente nas situações de conflitos,pois segundo eles, a guarda unilateral acirra o litígio,por impedir o contato regular do pai não guardiãoe seu filho.

Entretanto, sem o necessário diálogo entreos pais, a guarda compartilhada pode se tornar umfator extremamente maléfico para os filhos.Primeiramente, porque poderia virar uminstrumento de guerra entre os pais, os quais aotomarem decisões conjuntas em relação aos filhos,poderiam privilegiar os próprios interesses, usandodessa relação como meio para conseguir vantagenspróprias, ou simplesmente para satisfazer seusanseios narcísicos ao invés de buscarem o melhorinteresse dos filhos.

Em segundo, sem a devida condução porparte dos pais, a guarda conjunta poderá ser

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utilizada pelos filhos como uma verdadeira armapara a desautorização de um deles perante o outrocom a consequente diminuição gradual deautoridade de qualquer deles.

Sem a presença de ambos os pais sob omesmo teto, e ainda abalados pela separação, àsvezes consciente, outras inconscientemente, osfilhos podem usar dessa nova situação paraconseguir com um dos pais o que lhes foi negadopelo outro.

Nesse cenário, o poder familiar encontra-sepulverizado entre ambos os pais, que não secomunicam devidamente. Com isso, restariamprejudicados a criação e o regular desenvolvimentodos filhos, pois não teriam referência de autoridadee educação por parte de nenhum deles. Terrenofértil para a perpetuação de adultos sem limites,acostumados a fazer e a receber tudo o quedesejam, sem condição de dimensionar asconsequências de seus atos, pois um nãopronunciado por um dos pais poderia, nessaperspectiva, significar um sim do outro.

Assim, para que a guarda conjunta surta osefeitos benéficos difundidos pela doutrina,necessária se torna, em primeiro lugar, aaveriguação do grau de maturidade dos pais. Essaentendida como um misto de prudência e equilíbrio,capazes de fazer com que eles se esqueçam dopróprio sofrimento no momento da ruptura da vidaem comum, e se voltem para os filhos, os quaisnão têm escolha nem responsabilidade sobre essefato, e são a parte mais fragilizada com o fim dorelacionamento de seus pais.

Na mesma direção reforçam Zimerman eColtro (2010, p. 428):

Contudo, a falta de hierarquia (relativa aopoder familiar) nas decisões relativas à vidado filho exige dos genitores uma maturidadee um legítimo interesse pelo bem-estar dacriança e do adolescente, assim com umprofundo respeito e desejo de colaborarcom o ex-cônjuge, sob pena de o arranjonão funcionar e os pais viverem acorrendoao judiciário para resolver as questões maissimples da vida cotidiana, como a opçãopela escola ou o destino dos filhos nasférias.

No Brasil, o que se percebe é que as pessoastêm decidido por uma vida em comum sem a devidamaturidade. Não conseguem, por isso,compreender as responsabilidades advindas dessadecisão. Deixam-se levar apenas pela paixãomomentânea que nutrem pelo outro e não pensam

na responsabilidade que abraçam com a formaçãoda família, consequência, quase lógica, da uniãoque estabelecem. Essa opção, sem o discernimentoque se espera, tem por consequênciarelacionamentos efêmeros, de pessoas imaturas eegocêntricas, incapazes de pensar umas nas outras,menos ainda nos filhos frutos da relação queestabelecem.

Considera-se, portanto a maturidade comorequisito essencial para o estabelecimento daguarda compartilhada, já que ela é o dispositivoque permite avaliar adequadamente a realidade como necessário equilíbrio e prudência para a tomadade decisões assertivas, bem como fornece àspessoas a capacidade de se responsabilizar pelasdecisões tomadas.

Além das razões já expostas, o modelointernacional da Joint legal custody e residencialjoint custody, (LOBO, 2008) tem encontradodificuldade na efetivação no Brasil por não contarcom as mesmas condições norte-americanas parasua implementação. Segundo consta, a culturaamericana, bem como a condição econômica esocial daquele povo, é diversa da realidadebrasileira.

Nos Estados Unidos da América, com o fimda união entre os casais, eles teriam por opçãocondições financeiras de se fixarem em residênciaspróximas para a manutenção dos vínculos com seusfilhos. Podem inclusive, manter um abrigo exclusivopara a criança em ambas as residências, para queela não se sinta como visitante na casa de qualquerdos pais. E passam a ter, em ambas as casas, asensação de que uma residência é extensão daoutra com seus pertences, suas especificidades esua privacidade. Fator preponderante, segundo osespecialistas, defensores da guarda conjunta, idealpara o seu bom funcionamento.

Em que pese o modelo norte-americano e arecomendação doutrinária pátria para que os paisfixem residências próximas a fim de facilitar aefetividade da guarda compartilhada, no Brasil, arealidade social é bem diferente da encontrada nosEstados Unidos e não permite aos casais tamanharegalia.

A grande maioria das famílias brasileirascarece do mínimo necessário à manutenção daestrutura familiar. Falta-lhes, muitas vezes, umamoradia digna capaz de abrigar todo o núcleofamiliar.

A criança, cuja guarda se discute, não temsequer um quarto próprio pois, como regra, divideo pequeno espaço com toda a família. Nesse

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contexto, menor possibilidade teria doestabelecimento desse espaço exclusivo naresidência de ambos os pais quando da separaçãodestes.

Na prática, as mães, para quem normalmentea guarda é deferida, em muitos casos, quando seveem numa situação de separação do pai dos seusfilhos, voltam para a casa de seus pais na buscade um teto e comida para os filhos menores queestão sob sua responsabilidade, já que na maioriadas vezes, não podem contar com a assistência doex-companheiro na continuidade da manutençãodessas crianças.

Além disso, quando da ruptura da vida emcomum, em não raras as vezes em que acontecede um dos pais, ávido por liberdade, e por construiruma nova vida, ao se separar de seu companheiro,rompe também com os filhos, esquecendo-seinclusive do direito-dever de visitas bem como daobrigação de prestar-lhes alimentos.

Como então esperar dessas pessoas ocumprimento de obrigações cotidianas em relaçãoa seus filhos, como o acompanhamento escolar oumesmo a simples condução ao colégio? Comoesperar o necessário encaminhamento ao médicoem casos de enfermidades ou apenas em revisõesregulares? Como exigir, desses pais, a presençano desenvolvimento de uma atividade artística ouesportiva, como prevê a guarda conjunta?

Para se constatar a realidade oraapresentada, basta acessar aos Tribunais de Justiçade todos os Estados brasileiros e verificar o númerode ações requerendo alimentos ou a execução deseu cumprimento em face do pai não detentor daguarda. Ações que soam como um pedido desocorro ao Poder Judiciário, porque o que se buscacom a propositura delas, em muitos casos, não éapenas assistência financeira: principalmente,objetivam chamar a atenção do pai não guardiãopara que dê a seus filhos também a necessáriaassistência moral e emocional.

Verifica-se, em não raras ocasiões, namilitância nas Varas de Família, a angústia dasmães procurando um mecanismo apto a compeliros pais a cumprirem com a tão sonhada visita quenunca acontece nos moldes esperados pelos filhos.E, infelizmente, perante a essa angústia, o Judiciáriose mostra incompetente, ante a impossibilidade paraforçá-los a adotar uma conduta capaz de satisfazeraos anseios dos filhos ávidos por atenção.

Outro fator que merece crítica à Lei quedeterminou a fixação da guarda compartilhadacomo preferencial no país mesmo nos casos em

que não há acordo dos pais, foi a não preocupaçãoem disciplinar a faixa etária dos filhos para qualessa espécie de guarda estaria destinada.

No Brasil não se tem regra legal pré-esta-belecida quanto à idade das crianças como requisitopara a fixação de sua guarda. Quando muito, tem--se no país uma orientação doutrinária para que ascrianças de tenra idade permaneçam sob a custódiamaterna.

Ao contrário, na maioria dos países daAmérica Latina, em conformidade com informadopor Grosman, possuem regras que disciplinam aguarda dos filhos de acordo com a idade quepossuem no momento da dissolução dorelacionamento dos pais.

Segundo a autora, na Argentina, até os cincoanos de idade, as crianças, necessariamente,devem permanecer com suas mães. Informa,ainda, que a maior parte dos países da América doSul segue a mesma regra, variando apenas o limiteetário para essa determinação e destaca que noEquador a idade mínima para o estabelecimentoda guarda materna perdura até os doze anos.Ressalta ainda que no Chile, independentementeda idade, a preferência pela guarda é semprematerna.

Acertada se apresenta a legislação argentinae dos demais países que fixam idade mínima paraa concessão da guarda aos pais, pois, apesar doprincipio da igualdade apregoado na CRFB/88, noBrasil ainda é a mulher que se apresenta comosendo responsável pela família, no que concerneao cuidado e desenvolvimento do lar eespecialmente em relação aos filhos.

Filhos de tenra idade exigem tempo,disponibilidade e dedicação para o seu saudáveldesenvolvimento, o que, na maioria das vezes,encontram somente ao lado de suas mães, as quaisse desdobram em dupla jornada e deixam de ladoo seu projeto de vida para cuidar de seus filhos. Ena cultura machista dominante nesse país, issoainda é inviável para os homens.

Embora as responsabilidades financeiras coma manutenção da família têm sido partilhadas entrehomens e mulheres, pois a grande maioria dasmulheres brasileiras atualmente mantém atividadelaboral remunerada. Em alguns casos, são asmulheres as únicas provedoras da sociedadefamiliar. As responsabilidades pela casa e pelosfilhos não são compartidas na maioria dos casos.

As mulheres, na atualidade, acumulamjornadas infindáveis de trabalho, dividindo-se entreo labor e serviços domésticos, enquanto os

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companheiros, pela cultura assimilada durante anos,mantêm-se ainda na mesma postura de quandoeram os únicos provedores da família. Alguns maisconservadores, ao chegarem em casa, após ashoras dedicadas ao trabalho, não se inteiram dasnecessidades cotidianas daquele núcleo, muitomenos se prendem aos afazeres domésticos ou aocuidado para com os filhos.

A guarda compartilhada não se mostratambém adequada quando os pais não construíramum relacionamento anterior com os filhos, comoacontece, por exemplo, quando o fim dorelacionamento se dá ainda na gravidez ou quandoa gravidez não é resultado de uma convivênciaentre os pais, mas de um mero relacionamentofurtivo.

A criança, nessas condições, já nasce sem areferência paterna e muitos pais não têm interesseem criar vínculos afetivos com os seus filhos pelosmotivos anteriormente apresentados, quais sejam,ao romperem com as mães rompem também comos filhos advindos dessa relação finda, além daconquista da possibilidade de uma nova vida livrede responsabilidades por parte deles.

Assim, com falta de vínculos de afeto, os paisnão se interessam em constituir em seu favor oumesmo compartilhar a guarda desse filho que nadasignifica para eles senão um peso significativo noseu orçamento, nos casos em que restar constituídaa obrigação alimentar.

Salutar para a efetivação da guardacompartilhada seria o estabelecimento deprogramas, através de equipes multidisciplinaresoriundas do Poder Judiciário, capazes de promovera preparação necessária, bem como aconscientização dos pais para que possam continuarcompartilhando da responsabilidade da criação dosfilhos no momento do término da relação entre eles.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a finalidade de manter a boa relaçãofamiliar e perpetuar os vínculos afetivos entreambos os pais e seus filhos após a separação oudivórcio, ou mesmo na dissolução da união estável,a Lei 11.698/08, veio consolidar um apelodoutrinário e jurisprudencial, instituindo a guardacompartilhada no Brasil.

Em que pese a determinação legal para afixação preferencial desse instituto quando nãohouver acordo entre os pais, o estabelecimento daguarda conjunta se mostra como a melhor opçãosomente quando houver consenso entre eles.

Ademais, a guarda compartilhada não seapresenta como o melhor mecanismo para todo equalquer relacionamento findo. O Poder Judiciáriodeve se atentar ao estabelecer a guarda, porprivilegiar o melhor interesse dos filhos bem comoprimar pelo princípio da proteção integral da pessoaem desenvolvimento.

Para a preservação do melhor interesse dosfilhos sob a guarda, deve-se observar o grau dematuridade e interesse no desempenho dasatribuições advindas desse instituto, relativo aambos os pais. Além disso, conforme sedemonstrou, deve-se levar em conta ainda o perfilsocial e cultural das pessoas envolvidas.

Nesse processo de transição da guardaindividual para a conjunta, ganha destaque o papeldo Poder Judiciário que, além de analisar em quaissituações deverá ser aplicada, tem o dever de seaparelhar com profissionais multidisciplinarescapazes de fomentar ambiente propício para suaefetivação.

Necessário ainda para a consolidação daguarda compartilhada no Brasil o estabelecimentode políticas públicas como moradia, emprego eeducação capazes de propiciar aos pais ascondições econômicas e sociais aptas a facilitar,após a ruptura dos vínculos afetivos, a continuidadena assunção das responsabilidades conjuntas comrelação a seus filhos.

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ARTIGOS DOCORPO DISCENTE

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RESUMO

O presente estudo se constitui em uma análisesobre as licitações públicas, debatendo acerca dalegalidade e conveniência da contratação de showsartísticos e musicais pela modalidade pregão. Amoção em destaque é quanto à mudançaparadigmática no prisma jurídico-político daslicitações públicas, com destaque para o papel damodalidade pregão nesse acontecimento. Paraelucidar o questionamento, será analisado se esseprocedimento administrativo em questão érealmente adequado, legal e conveniente; paratanto, será necessário o estudo detido das Leis8.666/93 e 10.520/02, com destaque aos institutosda inexigibilidade e do pregão, protagonistas nesseestudo. Noutra etapa, serão colocados lado a ladoentendimentos e dados a favor e contra a legalidadee a conveniência da contratação de shows artísticose musicais pela modalidade pregão, buscando porfim, pontos conclusivos, perante aspectos teóricose práticos da questão posta em debate.Palavras-chave: Licitação, pregão, inexigibilidade,administração, shows, procedimento, legalidade,conveniência.

ABSTRACT

This study was based on an analysis of publictenders, debating about the legality and desirabilityof employing artistic and musical concerts bytrading mode. The motion highlighted this is aparadigm shift in legal-political prism of publicbidding, highlighting the role of this modality tradingevent. To elucidate the question will be consideredwhether this administrative procedure in questionis really suitable, cool and convenient, therefore,be necessary to study detained Laws 8.666/93 and10.520/02, highlighting the institutes and the waiverof trading, protagonists in this study. In another

ANÁLISE SOBRE A LEGALIDADE E CONVENIÊNCIA DA CONTRATAÇÃO DESHOWS ARTÍSTICOS E MUSICAIS EM LICITAÇÕES PÚBLICAS PELA

MODALIDADE PREGÃO

João Henrique Silveira Leite1

step, will be placed side by side, insights and datafor and against the legality and desirability ofemploying artistic and musical concerts by tradingmode, seeking finally conclusive points beforetheoretical and practical aspects of the questionmooted.

Keywords: Bidding, trading, unenforceability,administration, shows, procedure, legality,convenience.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivodiscutir os contornos jurídicos que permeiam alegalidade e a conveniência da contratação deshows artísticos e musicais pela modalidadepregão. A Lei Federal 8.666, de 1993, que substituiuo Decreto-Lei n.º 2.300, de 1986, trouxe novasregras gerais de licitação, inclusive para acontratação de shows artísticos e musicais peloPoder Público, estabelecendo requisitos própriose procedimentos inovadores para a contratação dosprofissionais da arte.

Os shows artísticos e musicais visamreconhecidamente promover o acesso a direitosconstitucionais como a cultura e o lazer, e, sendode tão grande importância, são frequentementerequisitados pela população em face daAdministração Pública.

Contudo, com o advento da Lei Federal10.520, de 2002, houve uma significativa mudançade paradigma nos rumos das licitações públicasbrasileiras, já que se instituiu em termos de leifederal a modalidade pregão no ordenamentojurídico, podendo o pregão, a partir desse marco,ser utilizado por todos os entes da AdministraçãoPública.

A modalidade pregão vem cada vez mais semostrando atraente aos entes da federação quando

1 Acadêmico do 10.° Período noturno de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.

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pretendem contratar, já que essa modalidadeapresenta procedimentos inovadores, sofisticadose otimizados para tais fins, tornando as ortodoxaslicitações procedimentos administrativos maiscéleres, e que possibilitam maior economia aoscofres públicos.

No cenário jurídico brasileiro da atualidade,vem surgindo, exponencialmente, casos de órgãospúblicos que utilizam a modalidade pregão para acontratação de shows artísticos e musicais (queem regra são contratados diretamente, semnecessidade da realização de procedimento delicitação, constituindo, assim, exceção ao sistemavigente), o que sugere antinomias entre a LeiFederal 8.666, de 1993, e a Lei Federal 10.520, de2002, acerca de vários pontos: como o âmbito deincidência das leis em comento em relação aoobjeto em debate, e sobre as conveniências práticasda utilização de cada opção, contratar diretamenteou licitar, frente a casos concretos que comportampeculiaridades das mais diversas.

2 A CONTRATAÇÃO DE ARTISTASFRENTE À INEXIGBILIDADE

No ordenamento jurídico brasileiro, ascontratações públicas de shows artísticos e musicaistêm previsão expressa nos artigos 22, § 4.º, e 25,inciso III, da Lei Federal 8.666/93, sendo que oprimeiro dispositivo trata da modalidade “concurso”,e o segundo, da “inexigibilidade de licitação”.Importante lembrar que o concurso possui menorcampo de aplicabilidade, já que tão somente visa àcompetição entre licitantes no intuito da escolha domelhor trabalho artístico (nesse caso), instituindo aovencedor prêmio ou remuneração.

Sobre o assunto, Cabral Neto (2009, p. 75)expõe: “há de se salientar que tal modalidade nãoé muito utilizada, mesmo porque, torna-se difícilpara a Administração Pública julgar a criatividadede cada um dos artistas que se submete aoconcurso.”.

A contratação direta, espécie inexigibilidade,tem maior funcionalidade e extensão, sendo, porconseguinte, mais aplicada no cotidianoadministrativo quando a Administração Pública visarealizar show artístico ou musical para seusadministrados.

Destarte, a inexigibilidade possui relevantepapel quando se trata da contratação do objeto“shows artísticos e musicais” em âmbito nacional.

O instituto da inexigibilidade consiste numaexceção à regra geral de obrigatoriedade da

licitação para as contratações públicas, consoanteexpõe o artigo 37, XXI, da Constituição daRepública Federativa do Brasil, sendo uma espéciede contratação direta, ao lado da dispensa delicitação.

Sobre o histórico da inexigibilidade no direitobrasileiro, Di Pietro (2010, p. 365) ensina:

O Decreto-Lei n.º 200, de 25-2-67, queestabeleceu a reforma administrativafederal, previa hipóteses de dispensa delicitação, sem distingui-las de casos deinexigibilidade. Não obstante, a doutrina jáfazia a distinção, depois consagrada peloDecreto-Lei n.º 2.300/86: o artigo 22 e oartigo 15, parágrafo 1.º, indicavam os casosde dispensa, e o artigo 23, os deinexigibilidade. A Lei n.º 8.666/93, no artigo17, incisos I e II, e no artigo 24, prevê oscasos de dispensa; no artigo 25, os deinexigibilidade.

Quanto à inviabilidade de competição, quefundamenta a inexigibilidade no caso concreto,segundo Justen Filho (2010) que se perfaz emsituação anômala, imposta pela realidadenormativa, na qual não se encontram presentes ospressupostos para a escolha estritamente objetivada proposta mais vantajosa. Nesse viés, a licitaçãocomo estrutura legal se torna via inadequada paraa obtenção do resultado pretendido pelaAdministração Pública.

Importante verificar que os motivosextrajurídicos de inviabilidade nos casos concretos,para melhor compressão, podem ser divididos emduas grandes vertentes. Primeiramente, quando seé impossível à concorrência entre particulares paraa satisfação da necessidade da AdministraçãoPública porquanto exista um único sujeito quepossa atendê-la, analisadas suas característicaspersonalíssimas, ou porque exista somente umdeterminado objeto singular que satisfaça aoEstado.

Sobre a classificação das hipóteses deinviabilidade de competição, Justen Filho (2010)vai mais além e apregoa que tais possibilidadespodem ser classificadas em quatro acontecimentosfáticos diversos, quais sejam, onde haja: a)“ausência de alternativas”; b) “ausência demercado concorrencial”; c) “ausência deobjetividade na seleção do objeto”; e d) “ausênciade definição objetiva da prestação a serexecutada”.

Analisadas as hipóteses de ocorrência dainexigibilidade e partindo do pressuposto da

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inviabilidade de competição em suas diversaspossibilidades, tem-se, pois, que o inciso III do artigo25 da Lei federal 8.666, de 1993, que trata dascontratações de artistas, enquadra-se naquelescasos em que haja a ausência de objetividade naseleção da proposta, fundada na característicapersonalíssima do profissional almejado.

A literalidade do inciso III da Lei Federal8.666, de 1993, expõe alguns requisitos que devemser observados para a contratação de artistas, quaissejam: primeiro, que o profissional de qualquer setorartístico seja contratado por seu empresárioexclusivo ou diretamente pela sua pessoa; segundo,que o profissional seja consagrado pela críticaespecializada ou pela opinião pública.

Importante lembrar, então, que emdeterminados casos concretos, poderá haver aconcorrência entre diversos objetos inicialmentedesacreditados de disputa, tal como a concorrênciaentre artistas. Logo, dependendo da finalidade doserviço artístico a ser prestado para o benefício dointeresse público, poderá haver disputa, comodestaca Pereira Júnior (2007, p. 350):

Não se poderia classificar de inviável acompetição se, por exemplo, dois cantoresde música sertaneja, ambos consagradospela opinião pública, propusessem preçosdiferentes para apresentar-se em festividadepública patrocinada por Administraçãomunicipal, em comemoração de datasignificativa para a cidade, por quecontornar a licitação se um deles, tãoafamado quando o outro em seu ramoartístico, custaria menos ao erário, com igualagrado para a população? Qual seria ofundamento para contratar a proposta depreço mais elevado?Dir-se-ia que os próprios artistas negar-se--iam à contratação, inviabilizando-a. Naspeculiares circunstâncias éticas e estéticasem que se move a atividade artística, melhorseria, então, que a lei esmiuçasse a hipótese,tendo como caracterizada a inexigibilidadeapenas quando os profissionais serecusassem ao certame, ou oferecessemtodos o mesmo preço, ou, ainda, o preçofosse prefixado pela Administração, o queimpossibilitaria a licitação e deixaria aAdministração à vontade para contratar, aseu critério, dentre aqueles que atendessemaos fins previstos, em igualdade decondições.

Contudo, Rigolin e Bottino (2006) defendemque a consagração pela crítica especializada oupela opinião pública dos artistas possui, sim,

parâmetro determinado, sendo a baliza o âmbitoda respectiva esfera correspondente ao ente daAdministração Pública que lança mão doprocedimento de inexigibilidade.

3 A MODALIDADE DE LICITAÇÃOPREGÃO

A modalidade de licitação pregão possui duasespécies: o pregão presencial ou comum e o pregãoeletrônico. Está atualmente prevista noordenamento jurídico brasileiro na Lei Federal10.520, de 2002. Esta se constitui como normageral de licitação. Destarte, espraia suaobrigatoriedade a toda a Administração Pública,não se limitando ao âmbito da União. Consoante oartigo 22, inciso XVII, da Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, a União possui a competênciaprivativa para legislar sobre normas gerais relativasa licitações.

Justen Filho (2009, p. 9) conceitua amodalidade pregão da seguinte forma:

Pregão é uma modalidade de licitação detipo menor preço, destinada à seleção daproposta mais vantajosa de contratação debem ou serviço comum, caracterizada pelaexistência de uma fase competitiva inicial,em que os licitantes dispõem do ônus deformular propostas sucessivas, e de umafase posterior de verificação dos requisitosde habilitação e de satisfatoriedade deofertas.

Segundo Tolosa Filho (2012), a escolha destamodalidade se dá baseada na característica doobjeto a ser contratado, em detrimento da regrageral de escolha da modalidade a ser manejadapara a contratação, que segue o critério do valordo bem a ser adquirido, tal como, salvo rarasexceções, a Concorrência, Tomada de Preços eConvite, todas três previstas no artigo 22 da LeiFederal 8.666/93.

Outra peculiaridade marcante que distingueo pregão das demais modalidades de licitação é afigura da apresentação de lances verbais, após aanálise e classificação provisória das propostasescritas, funcionando como uma espécie de leilãoreverso, em que o licitante que der o menor lançono objeto cotejado será o vencedor do certame.

Desse modo, analisadas algumascaracterísticas da modalidade pregão no casoconcreto, vê-se que os elementos seconsubstanciam em ser o objeto bem ou serviço

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comum e ser passível de definição precisa, suficientee clara no instrumento convocatório, visando, nestescasos, evitar obstáculo à competitividade. Énecessário lembrar, por fim, que o conceito de bemou serviço comum se encontra em formação, já queobjetos anteriormente impedidos de seremmanejados pelo pregão despontam atualmente comoinquestionavelmente cabíveis de serem licitados pelamodalidade em comento.

4 ANÁLISE SOBRE A LEGALIDADE DACONTRATAÇÃO DE SHOWSARTÍSTICOS E MUSICAIS PELAMODALIDADE PREGÃO

Após a análise separada dos institutos dopregão e da inexigibilidade, com especial atençãoa seus âmbitos de incidência, chega-se à seguintequestão: a contratação de shows artísticos emusicais pela modalidade pregão está de acordocom o ordenamento jurídico brasileiro? A respostanão é simples e exige detido estudo teórico e práticopara ser solucionada.

Para a resolução do questionamento, énecessário um exame de questões concretas, vezque cada hipótese possui suas particularidades edeve ser vista à luz de seu ponto de partida. Orequisito de consagração da inexigibilidade traz apergunta: como não há definição exata e expressapara a compreensão da consagração pela críticaespecializada ou pela opinião pública, o agenteadministrativo, na dúvida, poderia optar pelamodalidade pregão, visando distanciar-se de umentendimento subjetivo do conceito jurídicoindeterminado assinalado, que pode teoricamenteensejar uma denúncia pelo crime do artigo 89 daLei Federal 8.666, de 1993?

Os requisitos da consagração pela críticaespecializada ou pela opinião pública dos artistas aserem contratados pela inexigibilidade possuemcaráter muitas vezes questionados, visto quedeterminados juristas, tal como Justen Filho (2010),entendem serem estas condições extremamentesubjetivas, pois a lei não trouxe ao administradorpúblico a exata definição dos requisitos, não dissese o parâmetro exato para a compreensão será oâmbito municipal, estadual, ou nacional daconsagração, a depender, ademais, da localizaçãodo ente realizador do procedimento.

Quanto ao impasse em discussão, PereiraJúnior (2007) e Cabral Neto (2009) entendem queo parâmetro de consagração pela críticaespecializada ou pela opinião pública deve

primeiramente seguir como norte a premissa deque somente em grandes centros existe a críticaespecializada a que faz alusão o dispositivo, umavez que, em pequenos centros, ela não éencontrada. Assim, se existisse na lei somente essedispositivo, a inexigibilidade não poderia serutilizada nos interiores do país.

Nessa linha, Cabral Neto apregoa (2009, p.74):

Quando se trata de grandes centros, ondeo Município ou o estado possui uma críticaespecializada, o qual estabelece critériospara julgar certos artistas, a AdministraçãoPública não encontra inconveniente algumpara contratar determinado artista, tendoem vista que estes já foram objeto de críticadestes especialistas.Com um tanto mais de receio, devem ter osMunicípios que não possuem essa críticaespecializada, devendo apenas tomar porcritério a opinião pública de sua populaçãoe da região.

No entanto, analisando o segundo aspectodesse requisito, tem-se o parâmetro da consagraçãopela opinião pública, como Pereira Júnior (2007) eCabral Neto (2009) aduzem. Explicita-se que suaamplitude geográfica dependerá do local do enteque realiza a licitação para a contratação de talartista por meio da inexigibilidade, sendo que,conhecido o artista nacional ou regionalmente, ummunicípio, a título de exemplo, poderá contratá-lo.Sendo, porém, o artista conhecido somentemunicipalmente poderá da mesma forma sercontratado, de modo que, o cantor consagradonacionalmente poderá ser contratado; o regional,somente em sua região, estado e município, e oartista consagrado somente em um município serácontratado estritamente para este âmbito.

Noutro ponto de vista, Fernandes (2012, p.643) comenta:

O tema tem alguma relação com a amplitudeda notoriedade, referida no estudo do incisoanterior, mas, no presente caso só foienfrentado por Diógenes Gasparini, CarlosMotta e Mariense Escobar, que aludem àconveniência de aceitar a notoriedade local,regional ou nacional, se o contrato estiverdentro do limite do convite, no âmbito dolimite da tomada de preços, ou dentro dolimite de concorrência, respectivamente.

Todavia, importante se faz lembrar dehipóteses nas quais não existam elementos

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probatórios que comprovem que o artistapretendido possua essa consagração. Ou mesmo,há casos em que se pretende contratar um artistasem grande fama, mas que satisfaça a necessidadedo ente para a realização de shows locais, como éo caso de muitos municípios de pequena monta,tais como o município de Francisco Dumont, noEstado de Minas Gerais (que segundo o CENSO2010 possui população estimada em 5.000 milhabitantes2), e outros de proporções semelhantes.

Nessas hipóteses de pequenos centros, emque estão ausentes a crítica especializada e osmeios probatórios necessários para a aferição daconsagração pelo público, ou mesmo quando aintenção do ente seja a contratação de umdeterminado artista sem renome, poderá o enterealizar a contratação pela via da modalidade delicitação pregão? A resposta segundo Pereira Júnior(2007) é a de que existe a possibilidade dacompetição, embora não diga necessariamente queserá pela modalidade pregão.

Analisando os requisitos da inexigibilidade ereconhecendo que em casos pontuais existe apossibilidade de viabilidade de competição para acontratação de shows artísticos e musicais,Fernandes (2012, p. 642) apregoa:

Não se pode confundir expressões distintasatinentes à mera qualificação profissional,como frequência a conservatórios demúsica, à consagração pela críticaespecializada ou pela opinião pública. Aqui,só a fama e a notoriedade do artistapermitem a contratação direta; os demaisque ainda não alcançaram esse grau dereconhecimento podem ser contratadosmediante concurso ou outra modalidade delicitação. Ou ainda com dispensa, porexemplo, na forma do inciso II do art. 24 daLei n.º 8.666/1993.

Numa análise sobre a viabilidade decompetição nestes casos tem-se que,primeiramente, o objeto em comento, “showartístico e musical”, encontra-se na órbita deserviços comuns, conforme diz o artigo 1.º,parágrafo único, da Lei Federal 10.520, de 2002,haja vista ser este passível de descrição objetivaque abarque os padrões de desempenho e qualidadedo serviço, por meio de especificações usuais nomercado.

Logo, tem-se que as especificações de

desempenho e qualidade do objeto podem serrealizadas por especificações sucintas e facilmenteinteligíveis por qualquer potencial licitanteinteressado em participar da licitação, subsumindo-se, pois, ao âmbito de aplicação da modalidadepregão.

Nessa linha de raciocínio, sobre asespecificações de objetos no âmbito do pregão,Meirelles (2006, p. 104), analisa: “O essencial éque o objeto licitado possa ser definido por meiode especificações usuais de mercado – o que nãoimpede a exigência de requisitos mínimos dequalidade”.

Partindo deste ponto, urge frisar que, em setratando da possível utilização da modalidadepregão para a contratação de shows artísticos emusicais, por força do artigo 4.º, inciso X, da LeiFederal 10.520, de 2002, o critério de escolha paradeterminação do vencedor do certame seriaimpreterivelmente o menor preço, em detrimentoda qualidade intuitu personai do objeto dosserviços artísticos, conforme aduz Cabral Neto(2009). No entanto, Fernandes (2011, p. 483)ensina que, mesmo na modalidade pregão, o órgãorealizador da licitação pode exigir característicasque respaldem um nível de qualidade ao serviçoque será licitado, visando a melhor contratação parao ente, o que se aplica perfeitamente à hipótese deaplicação do pregão ao objeto em comento.

Nessa linha, Fernandes (2011, p. 483) ensina:

Como a norma se refere à qualidade, é fácilinferir que mesmo em se tratando de bemou serviço comum, pode a Administraçãodefinir características que restringem acompetição, desde que tenha por objetoassegurar a qualidade ou o melhordesempenho e que essas restrições sejamfacilmente compreendidas no mercado eque, nos termos do art. 3.º inc. III, da Lei n.º10.520/2002, sejam justificadas nos autosdo processo.

Os entes que atualmente vêm realizandocontratações de shows artísticos e musicais pelamodalidade pregão se valem destes dispositivos queresguardam a qualidade técnica da contratação,perfeitamente aplicáveis a tais casos. A título deexemplo prático, há o Processo Licitatório n.º 021/2013 – Pregão Presencial 004/2013, no item VIII,subitem 1.1.13, do instrumento convocatório daPrefeitura do Município de Francisco Dumont/MG,

2 Disponível em: <www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=312660>. Acesso em: 23 maio. 2013.

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que apresenta o seguinte requisito para a habilitaçãode artistas:

ITEM VIII - 1.1.13 - no tocante aos showsmusicais, previstos nos itens relativos ashows, será exigido, ainda, atestado decapacidade técnica, emitida por pessoajurídica de direito público, comprovandoque a banda (não a empresa) indicada naproposta já prestou serviços semelhantesaos licitados, ou seja, que já se apresentouem evento popular similar ao que serárealizado, em município ou distrito compopulação igual ou superior à populaçãodo Município de Francisco Dumont /MG(aproximadamente 5.000 habitantes,conforme resultado do Censo IBGE 2010).

Nessa esteira, Tolosa Filho (2012, p. 74) aduz:

No caso de contratação de serviços,dependendo de sua natureza, as exigênciaspoderão prever, além dos atestados, a provade inscrição ou registro em entidadeprofissional competente, no caso deprofissões regulamentadas, e o atendimentode requisitos previstos em lei especial, paraalgumas atividades, como as desenvolvidaspor empresas de segurança patrimonial, porexemplo.

Tais dispositivos visam à escolha deprofissionais compatíveis com a exigência do ente,afastando artistas amadores e de qualidade técnicaindesejável pela Administração, de tal modo queas contratações de shows artísticos e musicais sãodescritas nos procedimentos licitatórios destaforma, objetivando se adaptar às exigências damodalidade pregão e buscando realizar umacontratação vantajosa para a Administração.

Imprescindível lembrar, porém, que osdefensores da aplicação da modalidade pregão àscontratações de shows artísticos e musicais deixamde lado, segundo os críticos, a própria natureza doobjeto dessas licitações, que segundo Niebuhr(2003), baseiam-se na subjetividade artística quesão imanentes destes profissionais, sendo que acontratação desses serviços leva, em regra, àsingularidade da expressão artística do profissionalalmejado, independentemente da existência dedemais artistas que possam realizar o objeto.Recordando que essa característica, segundoCabral Neto (2009), é o pilar do instituto dainexigibilidade e, por essa razão, não seria possívela realização de tais contratações pela modalidadepregão; somente em último caso, pela modalidadeconcurso.

Contudo, os aplicadores da modalidadepregão a tais objetos filiam-se à corrente defendidapor Pereira Júnior (2007, p. 350) quando diz:

Não se poderia classificar de inviável acompetição se, por exemplo, dois cantoresde música sertaneja, ambos consagradospela opinião pública, propusessem preçosdiferentes para apresentar-se em festividadepública patrocinada por Administraçãomunicipal, em comemoração de datasignificativa para a cidade, por quecontornar a licitação se um deles, tãoafamado quando o outro em seu ramoartístico, custaria menos ao erário, com igualagrado para a população? Qual seria ofundamento para contratar a proposta depreço mais elevado?

Tal corrente privilegia de forma considerávelo princípio da competitividade, impessoalidade,isonomia e economicidade, haja vista que propiciaa disputa do objeto a coletividade, segunda a qualaquele licitante que oferecer o menor preço epossuir os requisitos técnicos necessários àsatisfação da necessidade do ente realizador sagrar--se-á o vencedor do certame, atingindo a finalidadeda licitação.

No entanto, sobre a premissa dacaracterística geral intuitu personai destascontratações, é que surge o maior motivo de críticasao manejo da modalidade pregão para contrataçãode shows artísticos e musicais, pois, nessamodalidade, existe o deslocamento brusco decritério na escolha do licitante, que antes eraescolhido pela discricionariedade do agente público,frente ao artista que possuía os requisitos dainexigibilidade, agora passa a ser escolhidomediante uma sucessão de atos vinculados, talcomo a sessão pública, que culminam da escolhado participante que apresentar o menor preço.

Porém, mais uma vez, é necessário explicitarque se discute a possibilidade do manejo do pregãopara tais contratações, quando não cabível ainexigibilidade pela impossibilidade fática do alcancede seus requisitos, tão somente nesse caso.

Assim, em regra, numa visão sistemática, aprimeira escolha seria a utilização da modalidadeconcurso para se alcançar a contratação quandonão preenchidos os requisitos da inexigibilidade,segundo traz Sundfeld (1994). Mas, como se viu,a doutrina majoritária entende não ser talmodalidade atualmente a mais adequada para talfim. De modo que, frente aos demais tipos delicitação melhor técnica e melhor técnica e preço,

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previstos no artigo 45 da Lei Federal 8.666, de1993, que são morosos e complexos (aumentandoo risco de licitações frustradas ou desertas), o tipode licitação menor preço se sobrepõe e, porconseguinte, como se verá, muitos defendem ser,para esse tipo de licitação, o pregão a modalidademais conveniente.

Por fim vale lembrar que quando houver anecessidade de contratação pela modalidadepregão, sua utilização será obrigatória, o quereforça a corrente da possibilidade de utilizaçãoda modalidade em comento para tais contratações,quando presentes os pressupostos.

Nessa linha Fernandes (2011, p. 507) diz:

A Lei que institui a modalidade de pregãosistematicamente faculta o uso da mesma.Com o objetivo de regulamentar a referidanorma, o Decreto n.º 5.450/2005 dispôs serobrigatória essa modalidade para acontratação de bens e serviços comuns epreferencialmente a forma eletrônica.

5 ANÁLISE SOBRE A CONVENIÊNCIADA CONTRATAÇÃO DE SHOWSARTÍSTICOS E MUSICAIS PELAMODALIDADE PREGÃO

A respeito da conveniência da contrataçãode shows artísticos e musicais pela modalidadepregão, é necessário observar que, sendo a regratais contratações se procederem pelainexigibilidade, passa-se à análise sobre quando setorna mais conveniente ou não a utilização dopregão em desfavor da contratação direta emdiscussão.

Primeiro, veja-se o fato de que nainexigibilidade não há disputa de preços entrelicitantes, visto que tal instituto se trata de umaespécie de contratação direta na qual não se aplicaa regra constitucional da licitação, recordando queo ente, nesse caso, escolhe o artista almejado parasatisfação de sua necessidade e o contratamediante seu agente exclusivo ou de forma direta,sendo que tal profissional deverá ser consagradopela crítica especializada ou pela opinião pública,requisitos já analisados a fundo. Nesse aspecto,pode-se notar que não existe a concorrência entrelicitantes, visto que a subjetividade do agentepúblico prevalece sobre a concorrência.

Entretanto, nessa hipótese, preenchidos osrequisitos, realmente poderá o agente público realizara inexigibilidade por expressa permissão legal doartigo 25, inciso III, da Lei Federal 8.666, de 1993.

Noutro norte, nas hipóteses em que o entenão almejar a contratação de um artista consagradopela crítica especializada ou pela opinião pública,escolhendo não se submeter ao conceito jurídicoindeterminado supracitado, ou mesmo nas hipótesesde entes de pequena monta que não disponham derecursos para contratação de artistas mais vultosos,mas que queiram realizar tais serviços em favordos administrados, poder-se-á não optar pelainexigibilidade se dirigindo ao manejo de outrasmodalidades para tal contratação, mediante disputa,segundo entendimento de Pereira Júnior (2007).

Partindo desse pressuposto, tem-se que aconveniência para a escolha do pregão se dariaem razão de que, ausentes os pressupostos para ainexigibilidade no caso concreto, e presentes ospressupostos da modalidade pregão, esta seria amais vantajosa, haja vista que possui diversosbenefícios em sua estrutura que a fazem oprocedimento mais vantajoso, em confronto comas demais modalidades presentes na Lei Federal8.666, de 1993.

Segundo Justen Filho (2009), dentre osbenefícios da modalidade Pregão estão: a) potencialincremento das vantagens econômicas em favorda Administração, b) ampliação do universo delicitantes e c) simplificação do procedimentolicitatório.

Destarte, sendo os aspectos anteriormentereferidos os benefícios da modalidade, é relevantelembrar que, diante da utilização desteprocedimento, que visa dar maior impessoalidadee igualdade ao universo de licitantes, o ente nãopoderia escolher especificamente o artistapretendido, o que, em contrapartida, ocorre nainexigibilidade, na qual o artista é previamenteescolhido e daí em diante se procede ao curso dacontratação direta, que deverá obedecer aoprocedimento disposto no artigo 26 da Lei Federal8.666, de 1993.

Além do inconveniente de não poder realizardiretamente a escolha específica do profissional,no caso da utilização da modalidade pregão para acontratação de shows artísticos ou musicais,existem, também, os inconvenientes inerentes aomanejo do pregão e que devem ser levados emconta para o agente público em sua atuação, osquais, segundo Justen Filho (2009), seriam aredução da segurança da Administração quanto àidoneidade do licitante, a qualidade no tocante àqualidade da prestação e a preponderância dasempresas de maior poder econômico.

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Perante as vantagens e desvantagenselencadas, urge esclarecer que a aplicação dopregão pelos entes da Administração Públicadeverá ser precedida de análise sobre o cabimentodessa modalidade ao caso concreto, em vista doobjeto que se pretende contratar, de modo que,segundo Fernandes (2011) sendo o objeto bem ouserviço comum o pregão será obrigatório,preferencialmente na forma eletrônica.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ratifica-se que a utilização da modalidadepregão para a contratação de shows artísticos emusicais se afigura como uma ideia nova que segueuma tendência cada vez mais presente no ramodas licitações públicas, a busca por contrataçõesmais vantajosas, mais econômicas e satisfatórias,que respaldem a atividade do agente público naadministração do dinheiro público. Tal moção seespalha cada vez mais rapidamente com o passardo tempo, sendo que a cada dia outros entes estãolançando mão do procedimento do pregão para ascontratações em comento.

Entretanto, antes de optar pela contrataçãode shows artísticos e musicais via modalidadepregão, deve o agente público analisar detidamenteo caso concreto. Como dito, a modalidade pregãopossui diversas vantagens, mas também certasdesvantagens que, diante do caso pontual, podeminviabilizar o interesse público, o qual jamais deveser preterido, com base no princípio da supremaciado interesse público.

Ademais, vale ressaltar que os Tribunaispátrios até o presente momento não possuemposicionamento quanto à possibilidade da utilizaçãoda modalidade pregão para a contratação de showsartísticos e musicais, haja vista tal questão ser algomuito recente na prática administrativa.

Destarte, como analisado no curso do trabalho,não serão todas as hipóteses de contratação deshows artísticos e musicais que permitirão autilização da modalidade pregão, pois, como visto,quando o artista for notoriamente consagrado pelacrítica especializada (onde houver), ou quando fornotoriamente consagrado pela opinião pública, demodo que seu reconhecimento artístico for tamanhoque a simples menção ao artista seja necessária parase aferir essa condição, dispensam-se atestadosdocumentais mais contundentes, posto que a opiniãopública exprime o reconhecimento popular e, assim,poderá ser usada a inexigibilidade de licitação.

Assim, entende-se que em casos práticos nos

quais o artista não for notoriamente consagrado pelacrítica especializada ou pela opinião pública do localda licitação, aqui abrangido o Estado-Membro destee o Município (pois, nacionalmente, o artista estácompletamente capacitado a ser contratadomediante a inexigibilidade de licitação por qualquerente dentro do território nacional), o agente públiconão poderá manejar a ferramenta da contrataçãodireta para a contratação do artista. Restar-lhe-árecorrer às modalidades de licitação para cumprirsua meta, sob pena de responsabilização penal,administrativa e cível, do agente público, segundoexpõe o artigo 89 da Lei Federal 8.666, de 1993.

De tal forma, o ente, reconhecendo anatureza de serviço comum destes shows artísticose musicais, como analisado acima, descobre alegalidade para o manejo do pregão para efetuar acontratação, e, sendo esta a modalidadereconhecidamente mais conveniente e benéfica naatualidade para a Administração, como mostraJusten Filho, lançam mão da licitação pelamodalidade pregão, sem risco de incidir numacontratação arriscada e muitas vezes ilegal, quepoderia levar a consequências tal como a ação deimprobidade administrativa, em desfavor do agentepúblico responsável, sem prejuízo de demaissanções.

Diante de todo o exposto, entende-se legal econveniente a contratação de shows artísticos emusicais mediante a modalidade pregão emlicitações públicas, nos casos reconhecidos eanteriormente analisados. Ressalva-se quenaqueles casos em que os requisitos dainexigibilidade estejam pacificamente presentes, acontratação direta poderá ser realizada, pois aquise realiza legalmente o intuito da administração,vez que possibilita ao ente escolher precisamentequal profissional atende à sua necessidade. Mas,não estando presentes os elementos necessários,como o caso de muitos pequenos municípios paísafora, a contratação mediante pregão será a maisconveniente, além de ser compatível com ospreceitos sistemáticos do ordenamento jurídicobrasileiro.

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RESUMO

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cujo objetoé a análise da progressividade fiscal no Impostosobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana(IPTU). O IPTU é um imposto de caráter real,mas apesar desse aspecto, após a EmendaConstitucional n.º 29, de 2000, que alterou a redaçãodo art. 156 da Constituição Federal, passou esseimposto a ter suas alíquotas variadas de acordocom a capacidade contributiva do proprietário. Esseestudo busca discutir a aspectos que violam osprincípios da isonomia e da vedação ao confisco apartir da visão do Supremo Tribunal Federal e dedoutrinadores sobre o assunto.

Palavras-chave: IPTU, progressividade,Constitucionalidade.

ABSTRACT

It is a literature whose subject is the analysis oftax progressivity in Property Tax Urban Land and(property tax). The property tax is a tax of realcharacter, but despite this aspect, after theConstitutional Amendment. # 29, 2000, whichamended the wording of art. 156 of the FederalConstitution, passed this tax to have their ratesvaried according to the owner’s ability to pay. Thisstudy discusses the aspects that violate theprinciples of equality and sealing the confiscationfrom the vision of the Supreme Court and scholarson the subject.

Keywords: property tax, progressivity,Constitutionality.

ESPECIFICIDADES ACERCA DA PROGRESSIVIDADE NO IMPOSTO SOBRE APROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA (IPTU)

Mayra Nassau Gonçalves1

Raíssa Ismelina Soares de Oliveira2

1 INTRODUÇÃO

Ao iniciar o estudo do Imposto sobre aPropriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU),é necessário analisar as especificidades dogravame. Previsto no art. 32 e seguintes do CódigoTributário Nacional (CTN) e art. 156, I, daConstituição da República Federativa do Brasil(CRFB), o IPTU é de competência dos Municípios,tanto sua instituição quanto arrecadação. Oproprietário, possuidor e o titular do domínio útilsão os sujeitos passivos desse imposto, que tempor fato gerador justamente o fato de os bensimóveis por natureza e por acessão físicapertencerem a eles. Tem como base de cálculo ovalor de venda do imóvel e incide sobre ele alíquotasmajoráveis dependendo da localização do bem oude sua utilização.

Muito se discute acerca da progressividadefiscal do IPTU. Parte da doutrina se apresentacontra a progressividade do gravame, sob oargumento de ser inconstitucional a cobrança dealíquotas variáveis a um imposto de caráter real.Contudo, a doutrina favorável à progressividadefiscal, amparada na Emenda Constitucional (EC)n. 29, de 2000, assevera que a partir da análise dovalor bem imóvel é possível aferir a capacidadecontributiva do proprietário, conferindo, assim,isonomia à incidência tributária.

2 IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADEPREDIAL E TERRITORIAL URBANA(IPTU)

Antes de se iniciar a análise daprogressividade do IPTU, faz-se necessário fazerum breve estudo acerca desse tributo.

1 Acadêmica do 9.º Período da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA).2 Acadêmica do 9.º Período da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA).

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No que concerne à competência e o sujeitoativo, apenas a Constituição Federal poderádistribuir o poder de criar e exigir tributos a União,aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.Essa competência não se restringe somente àelaboração das leis tributárias como também quantoà sua cobrança e arrecadação. A Constituição daRepública Federativa do Brasil de 1988, dispõe que:

Art. 156. Compete aos Municípios instituirimpostos sobre:I - propriedade predial e territorial urbana;II - transmissão “inter vivos”, a qualquertítulo, por ato oneroso, de bens imóveis,por natureza ou acessão física, e de direitosreais sobre imóveis, exceto os de garantia,bem como cessão de direitos a suaaquisição;III - serviços de qualquer natureza, nãocompreendidos no art. 155, II, definidos emlei complementar.§ 1.º Sem prejuízo da progressividade notempo a que se refere o art. 182, § 4.º, incisoII, o imposto previsto no inciso I poderá:I - ser progressivo em razão do valor doimóvel; eII - ter alíquotas diferentes de acordo com alocalização e o uso do imóvel.[...]

Dessa forma, compete aos Municípios acriação do IPTU através de Lei Complementarmunicipal. Caso haja territórios federais, acompetência para instituir o gravame será,conforme art. 147 da Constituição Federal, daUnião, mediante Lei Complementar Federal.

O IPTU é claramente um imposto e comotal é devido de maneira não vinculada a qualquertipo de prestação específica de serviço. Assim, nãopoderá o contribuinte deixar de pagá-lo sobrealegação de que nenhuma obra está sendo feitaem seu benefício. Nesse aspecto, apenas as taxaspossuem tal vínculo. Destarte, pagará taxa delicença para construir, por exemplo, apenas quemirá construir. A taxa se refere a umacontraprestação, enquanto que o imposto é umaimposição, como determina o artigo 16 do CódigoTributário Nacional, verbis:

Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigaçãotem por fato gerador uma situaçãoindependente de qualquer atividade estatalespecífica, relativa ao contribuinte.

A cobrança do IPTU é direcionada àqueleque possui qualquer direito de gozo sobre um bem

imóvel, podendo ser possuidor, proprietário oudetentor do domínio útil. Segundo Sabbag, há quese destacar que quanto ao IPTU “[...] o bemimóvel pode ser por natureza ou acessão física.Nesse último caso, englobar-se-á aquilo que se uneao imóvel por acessão, como ilhas por exemplo.”(2009, p. 916).

De acordo com o Código Tributário Nacionalo fato gerador é:

Art. 114. Fato gerador da obrigaçãoprincipal é a situação definida em lei comonecessária e suficiente à sua ocorrência.

O fato gerador do IPTU, segundo as palavrasde Veloso (2011, p. 80), “[...] é, no dia primeiro dejaneiro de um ano, alguém possuir um imóvelurbano.”. E completa o Código Tributário Nacional:

Art. 32. O imposto, de competência dosMunicípios, sobre a propriedade predial eterritorial urbana tem como fato gerador apropriedade, o domínio útil ou a posse debem imóvel por natureza ou por acessãofísica, como definido na lei civil, localizadona zona urbana do Município.

É necessário conceituar o que seria “imóveispor natureza e bens imóveis por acessão física.”.De acordo com os ensinamentos de Alexandre(2009, p. 605):

São bens imóveis por natureza o solo coma sua superfície, os seus acessórios eadjacências naturais, compreendendo asárvores e frutos pendentes, o espaço aéreoe o subsolo.São bens imóveis por acessão física tudoquanto o homem incorporarpermanentemente ao solo, como a sementelançada a terra, os edifícios e construções,de modo que se não possa retirar semdestruição, modificação fratura ou dano.

Portanto, os elementos do fato gerador doIPTU são a espacialidade que abrange todo oterritório urbano do Município, podendo, comoensina Sabbag (2009) englobar também as áreasurbanizáveis ou de expansão urbana por seremconsideradas áreas urbanas (art. 32, § 2.º, CTN)e temporalidade, sendo o momento de apuraçãodo tributo o primeiro de janeiro de cada ano.

Prosseguindo ao estudo, a base de cálculodo IPTU de acordo com o Código TributárioNacional:

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Art. 33. A base do cálculo do imposto é ovalor venal do imóvel.Parágrafo único. Na determinação da basede cálculo, não se considera o valor dosbens móveis mantidos, em caráterpermanente ou temporário, no imóvel, paraefeito de sua utilização, exploração,aformoseamento ou comodidade.

O valor de venda ou valor venal do imóvel éa base de cálculo do IPTU, não se considerandode acordo com o parágrafo único do supracitadoartigo o valor dos bens móveis mantidos, em caráterpermanente ou temporário.

3 OS CONCEITOS DE TRIBUTOS REAISE TRIBUTOS PESSOAIS

Os tributos podem ter caráter real ou pessoal.A Constituição Federal de 1988 assim giza:

Art. 145. [...]§ 1.º Sempre que possível, os impostos terãocaráter pessoal e serão graduados segundoa capacidade econômica do contribuinte,facultado à administração tributária,especialmente para conferir efetividade aesses objetivos, identificar, respeitados osdireitos individuais e nos termos da lei, opatrimônio, os rendimentos e as atividadeseconômicas do contribuinte.

A regra constitucional é pela preferência pelotributo pessoal. Trata-se de uma política detributação conforme a capacidade contributiva dapessoa. Capacidade esta externada pelo que seganha, pelo que aufere, pelo que produz. O bomexemplo é o Imposto de Renda: quem auferepoucos rendimentos não é contribuinte destetributo; e quanto mais de ganha, mais se paga. Ofato, portanto, de receber valores corresponde,proporcionalmente, ao poder de pagar tributocorrespondente aos valores percebidos.

Mas, há tributos que são fixados em razãoda coisa. Um automóvel de determinada marca eano tem o Imposto sobre a Propriedade de VeículoAutomotor (IPVA) fixado em igual valor sem selevar em consideração o poder aquisitivo de seuproprietário. Desta forma, se o mais rico moradorde uma cidade for proprietário de um automóvelusado, do mesmo ano, marca e modelo doautomóvel de propriedade do morador mais pobre,ambos pagarão o mesmo valor anual a título deIPVA em razão da propriedade automotiva. Istoporque o que se leva em consideração é o valor

atribuído ao bem, à coisa. É um tributo real.O IPTU, do seu lado, é um tributo de caráter

real. Os tributos reais levam em consideração acoisa, o bem, o objeto tributado. A incidência sedará, assim, em função da utilidade (exemplo: ummetro quadrado de um imóvel comercial pode teralíquotas mais elevadas do que uma unidaderesidencial, ainda que situadas na mesma área),da macrolocalização do imóvel (a planta genéricade valores, elaborada pelo Município, fixa o valordo metro quadrado por bairro, quadra ouindividualidade que faça diferenciar um imóvel domesmo tamanho de outro, em termos de valorvenal), a microlocalização (há exemplos de metroquadrado ter valor venal, como base de cálculo deIPTU, por ter frente para uma rua ou avenida, tendoo imóvel situado em rua próxima, menor valor venalpor metro quadrado fixado), e até da característicaconstrutiva (é possível fixar valores distintos demetro quadrado, em uma mesma área, para imóveiscom acabamento de primeira, de segunda, terceiraou outras categorias, variando do simples ao luxo).

Este caráter real faz com que o tributo sejafixado sem se levar em consideração a capacidadecontributiva do proprietário do imóvel e, sim, o valorvenal do próprio imóvel. Uma pessoa natural oujurídica detentora de muito dinheiro pagará igualIPTU por um imóvel situado em um mesmo bairro,com mesmo padrão construtivo e em igual tamanhode um imóvel de uma pessoa desprovida defortunas. Isto porque leva-se em consideração ovalor atribuído ao próprio imóvel (tributo real), emdesconexão com o valor do patrimônio pessoal doseu proprietário, possuidor ou detentor (se selevasse em consideração tais qualidades, haveriao conceito de tributo pessoal).

Em síntese, e arrematando o tópico, o IPTUé um tributo real.

4 A PROGRESSIVIDADE NO IPTU

Centrando-se no objeto desse estudo há quese abordar acerca das alíquotas no IPTU. AConstituição Federal autoriza a progressividadedesse imposto (art. 156, § 1.º, I e II, e art. 182, §4.º, II), por meio de Lei Complementar municipal.

A redação original da Constituição assimprevia:

Art. 156. Compete aos Municípios instituirimpostos sobre:I - propriedade predial e territorial urbana;[...]

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§ 1.º O imposto previsto no inciso I poderáser progressiva, nos termos de lei municipal,de forma a assegurar o cumprimento dafunção social da propriedade.§ 2.º [...]

Estava fixada, portanto, a possibilidade únicade progressividade em caráter extrafiscal, o quetinha perfeita comunhão com os ditames do art.182, § 4.º da mesma Carta da República. Em outrostermos, a elevação do valor cobrado pelo IPTUde um imóvel jamais poderia ser para que oMunicípio passasse a arrecadar mais (função fiscalda arrecadação) mas, apenas, para corrigirdistorções ou, por meio do tributo, configuraroportunidade de a Administração Pública Municipalimpor regras de urbanização, e evitar queverdadeiras fazendas fiquem dentro das cidades,sem trazer benefícios à população e, de outro lado,recebendo os equipamentos que o Município colocaà disposição da população (função extrafiscal daarrecadação).

Segundo Sabbag (2009, p. 365), aprogressividade fiscal se alia ao brocardo “quantomais se ganha, mais se paga”, caracterizando-sepela finalidade arrecadatória, onerando de formamais gravosa a presunção de maior riqueza docontribuinte.

Com a edição da Emenda Constitucional 29,no ano 2000, a nova redação passou a contemplara progressividade em razão do valor do imóvel,nos seguintes termos:

Art. 156. Compete aos Municípios instituirimpostos sobre:I - propriedade predial e territorial urbana;[...]§ 1.º Sem prejuízo da progressividade notempo a que se refere o art. 182, § 4.º, incisoII, o imposto previsto no inciso I poderá:I - ser progressivo em razão do valor doimóvel; eII - ter alíquotas diferentes de acordo com alocalização e o uso do imóvel

Para Sabbag (2009, p. 365) “aprogressividade é uma técnica de incidência dealíquotas variadas, aumentando-se na medida emque se majora a base de cálculo do gravame.”.

Neste sentido, a proporcionalidade se dá emvirtude do aumento das alíquotas na medida emque se majora a base cálculo do tributo.

Essa progressividade pode se dar de duasmaneiras, em relação a este aspecto quantitativo,sendo uma fiscal (já referida) e outra extrafiscal

(a ser discutida nas próximas linhas).De acordo com o art. 156, §1.º, I, da

Constituição Federal, instituído pela EmendaConstitucional n.º 29/2000, o imposto poderá serprogressivo em razão do valor do imóvel. Fato quefez com que a doutrina apresentasse as seguintespalavras:

A alteração constitucional acima provocouo STF a fazer uma distinção quanto àprogressividade no IPTU, em relação aoadvento da EC n.º 29/2000. Em momentoanterior, ela era inadmitida, porinconstitucional, conforme disposto naSúmula n.º 668, aprovada na sessão plenáriade 24/09/2003, do STF: “É inconstitucionala lei municipal que tenha estabelecido, antesda emenda constitucional 29/2000,alíquotas progressivas para o IPTU, salvose destinada a assegurar o cumprimento dafunção social da propriedade urbana.”. Emmomento posterior à emenda, passou a serconsiderada constitucional e legítima aprogressividade de acordo com acapacidade contributiva no IPTU, conformedecisão no RE423768/SP (JACKISCH,FRANTZ, 2008).

A progressividade extrafiscal, de acordo comSabbag (2009, p. 365), está relacionada àmodulação de condutas, tendo em vista o interesseregulatório.

O art. 182 da Constituição Federal – referido,inclusive, do texto do art. 156, com a redação dadapela EC 29/2000 – dispõe sobre a política dedesenvolvimento urbano, com as finalidades decumprimento das funções sociais da cidade e agarantia do bem-estar de seus habitantes. Para quese efetivem tais objetivos, o § 4.º do mesmo artigofaculta ao Poder Público que exija ao proprietáriodo solo urbano não edificado, subutilizado ou nãoutilizado que promova o seu adequadoaproveitamento, sob pena de incidir impostoprogressivo no tempo sobre a propriedade urbana.

Dessa forma, a alíquota do imposto crescena medida em que decorre o tempo sem aadequação das condutas pelo proprietário.

De acordo com o art. 7.º do Estatuto asCidades (Lei 10.257, de 10 de julho de 2001), nocaso de descumprimento das condições e prazosprevistos na lei municipal, no que refere àedificação ou utilização compulsória do solo urbanonão edificado, subutilizado ou não utilizado, oMunicípio poderá aplicar o IPTU progressivo notempo, majorando-se a alíquota pelo prazo de cincoanos consecutivos.

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O § 1.º do art. 7.º do Estatuto das Cidadesdispõe que o valor da alíquota será especificadana lei municipal, não excedendo duas vezes o valorreferente ao ano anterior e, após cinco anos, aalíquota máxima de 15% deverá ser respeitada,sendo mantida até que se cumpra a obrigação, porparte do proprietário.

5 DIVERGÊNCIAS SOBRE APROGRESSIVIDADE FISCAL NO IPTU

Considerando o caráter real do IPTU, abre--se a discussão jurídico-doutrinária no que tange aser ou não ofensiva a progressividade fiscal noIPTU, instituída pela Emenda Constitucional n.º 29/2000. A análise é se estaria a progressividade nacobrança do IPTU violando os princípios daisonomia, da capacidade contributiva eprincipalmente afetando o núcleo imodificável daConstituição Federal, qual seja o do art. 60, § 4.º.

5.1 Corrente Desfavorável à ProgressividadeFiscal

Parte da doutrina considera que aprogressividade em razão da capacidadecontributiva prevista no art. 145, § 1.º, deve serobjeto de incidência apenas em impostos de caráterpessoal.

Dessa forma, não poderia incidir sobre IPTUem razão do valor do imóvel, posto que, de caráterreal, incompatibiliza com a capacidade econômicado contribuinte. Antes da Emenda Constitucional29, de 2000, a redação do art. 156 da ConstituiçãoFederal não tratava da progressividade. Sob talégide, há o seguinte Acórdão:

IPTU. PROGRESSIVIDADE. No sistematributário nacional é o IPTUinequivocamente um imposto real. Sobimpério da atual Constituição, não éadmitida a progressividade fiscal do IPTU,quer com base exclusivamente no seu artigo145, § 1.º, porque esse imposto tem caráterreal que é incompatível com aprogressividade decorrente da capacidadeeconômica do contribuinte. (STF. REx153771/MG. Relator: Min. Moreira Alves. DJ5-9-1997).

Embora o Acórdão seguinte tenha sidopublicado em 2004 – quando o art. 156 daConstituição já era provido de nova redação – aorigem da discussão se deu anteriormente à

Emenda Constitucional 29, de 2000. Por isso, estácondizente com o Acórdão anteriormente descrito,e tem as seguintes letras:

IPTU. Não se admite a progressividadefiscal decorrente da capacidade econômicado contribuinte, dada a natureza real doimposto. A progressividade da alíquota doIPTU, com base no valor venal do imóvel,só é admissível para o fim extrafiscal deassegurar o cumprimento da função socialda propriedade urbana (art. 156, I, § 1.º eart. 182, § 4.º, II, CF). (STF. AI 468.801-AgR,Rel. Min. Eros Grau, DJ 15-10-2004).

A progressividade, em sentido fiscal, não éproporcional, pois, conforme Sabbag (2009, p. 365),esta é obtida pela aplicação de uma alíquota únicasobre uma base tributária variável. Assim, a formamais unânime e isonômica de se tributar osimpostos em razão do valor do imóvel seria atribuiruma alíquota constante e invariável a uma base decálculo variável, conforme à grandeza daexpressão econômica do fato tributado.

Sendo assim, o imóvel urbano tributado pormeio de uma alíquota única e fixa sobre o imóvelconsiderado de acordo com sua grandezaeconômica, pelo ponto de vista daproporcionalidade, é a forma menos ofensiva deconsiderar a capacidade contributiva doproprietário, em respeito ao princípio da isonomia,direito fundamental previsto na Constituição daRepública Federativa do Brasil.

O caráter injusto da progressividade fiscaldo IPTU está justamente no fato de considerar afalsa presunção de que quem tem um imóvel maisvalioso poder contribuir mais, como se do imóvelfosse possível avaliar a capacidade econômica docontribuinte:

Aceitar a progressividade (característica deimposto pessoal) num imposto real seriacriar a falsa presunção de que quem tem obem tem o dinheiro que lhe corresponde.Porém, no caso do IPTU, este pensamentopuro não seria justo, porque este tributonão leva em conta se o contribuinte estáem condições atuais condizentes com oimóvel que possui (lembre-se: ele é umimposto real). O contribuinte pode terperdido o emprego, ou ter ganho o imóvelde herança, ou tê-lo ganho em um sorteioetc. (SILVEIRA, 2002).

Além disso, Silveira (2002) defende ser anorma do art. 145, § 1.º um princípio constitucional

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e, por isso, deve ser sempre observada, sendoimutável pelo Constituinte Derivado, por constituiruma das cláusulas pétreas sob as vestes degarantia pelo art. 60, § 4.º, IV.

5.2 Corrente Favorável à ProgressividadeFiscal

Para a doutrina a favor da progressividadefiscal do IPTU, o art. 156 da Constituição Federal,com redação da EC n.º 29/2000, não viola o núcleoimutável do art. 60 § 4.º da CRFB/88, porque nãoextingue os direitos e garantias individuais atéporque, segundo Sabbag (2009), não há a previsãono texto da Lei Maior de a progressividade sórecair sobre impostos pessoais e não poder recairsobre os reais.

Ademais, em respeito ao princípio da isonomia(tratar igualmente os iguais e desigualmente osdesiguais na medida de suas desigualdades)instituem-se alíquotas diferentes dependendo dalocalização e do uso do bem imóvel, atendendodessa forma ao princípio da capacidadecontributiva.

De acordo com ensinamentos de Sabbag(2009, p. 922):

A progressividade dos impostos era omelhor meio de afastar as injustiçastributárias, pois quem tinha maior riquezadevia, em termos proporcionais deincidência, pagar mais imposto do que quemtinha menor patrimônio, ou seja, além deser uma progressividade ‘justa’, uma vezque proporcionava maior distribuição derendas e justiça social (o viés extrafiscal),era uma progressividade ‘jurídica’, namedida em que desigualava os desiguais,conforme suas desigualdades.

A Emenda tende a complementar opensamento já acostado ao texto original daConstituição, cumprindo assim com os princípiosda moralidade e de justiça contributiva sendo dessaforma os ônus sociais impostos àqueles quepossuem capacidade econômica.

Nesse sentido, em 2003 o STF editou aSúmula n.º 668 do STF, segunda a qual

Súmula 668. É inconstitucional a leimunicipal que tenha estabelecido, antes daEmenda Constitucional 29/2000, alíquotasprogressivas para o IPTU, salvo sedestinada a assegurar o cumprimento dafunção social da propriedade urbana.

A progressividade fiscal não estava presenteno texto original da Constituição. Só comoadvento da EC n.º 29/2000 é que passou a serprevista. Assim, só pode o Município majoraralíquotas do IPTU referentes a situaçõesprevistas pós-Emenda.

6 CONCLUSÃO

O Imposto sobre a Propriedade Predial eTerritorial Urbana (IPTU), imposto não vinculadoa uma destinação específica, sujeita a sua cobrançaaquele que possui qualquer direito de gozo – qualseja, possuidor, proprietário ou quem tenha domínioútil – sobre bem imóvel. É imposto de caráter real.

Considerando que o IPTU incide sobre o valorvenal do imóvel, não será possível lhe atribuircaráter pessoal, pois nem sempre a capacidadeeconômica do contribuinte se reflete pelo valor doimóvel.

Entretanto, a Emenda Constitucional nº 29/2000 autorizou e, assim, o imposto poderá serprogressivo em razão do valor do imóvel.

Nesse sentido, a progressividade fiscal se dáem virtude de alíquotas variadas, aumentando-sena medida em que se majora a base de cálculo dogravame.

Dessa forma, abre-se a discussão doutrináriacontra esse entendimento, pois que gera ofensaao princípio da isonomia, já que considera acapacidade econômica do contribuinte com baseno valor do imóvel.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tentoupacificar a questão intertemporal criando a Súmula668 que tacha de inconstitucionalidade a leimunicipal que tenha estabelecido, antes da EmendaConstitucional 29/2000, alíquotas progressivas parao IPTU com o fim de arrecadação maior (IPTUprogressivo fiscal), salvo se destinada a asseguraro cumprimento da função social da propriedadeurbana (IPTU progressivo extrafiscal).

Em razão do conteúdo da Súmula 668, ficaclaro que o Supremo Tribunal Federal entendeuser constitucional o IPTU progressivo fiscal emvirtude da autorização da Emenda Constitucional29/00 a partir de sua vigência.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001.

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Regulamenta os arts. 182 e 183 da ConstituiçãoFederal, estabelece diretrizes gerais da políticaurbana e dá outras providências. Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília,DF, 11 jul. 2001.

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BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966.Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional einstitui normas gerais de direito tributárioaplicáveis à União, Estados e Municípios. DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 27 out. 1966 e retificado em 31 out.1966.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REx153771/MG. Relator: Min. Moreira Alves.Diário da Justiça da União, Brasília, DF, 5set. 1997. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/742036/

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JACKISCH, Aline; FRANTZ, Diogo. IPTU: uminstrumento de concretização da igualdadetributária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI,n. 58, out 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5198>.Acesso em: 10 jun. 2013.

SABBAG, Eduardo. Manual de direitotributário: ideal para concursos públicos. SãoPaulo: Saraiva, 2009.

SILVEIRA, Sandro Cabral. Ainconstitucionalidade do IPTU progressivo comfinalidade fiscal. Jus Navigandi, Teresina, ano7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3109>. Acesso em: 12jun. 2013.

VELOSO, Waldir de Pinho. Especificidadesacerca do Imposto Sobre a Propriedade Prediale Territorial (IPTU). FAS@JUS, e-Revista daFaculdade de Direito Santo Agostinho,Montes Claros-MG, v. 1, n. 2. p. 73-100, 2011.

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ARTIGOS DEEGRESSOS

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RESUMO

Tendo em vista a dificuldade de compreensão noque se refere à compensação dos honoráriossucumbenciais recíprocos e a falta de amparo legalespecífico quando a legislação vigente dispõe deforma contrária a tal prática comum e sumuladanos Tribunais, buscou-se, por meio da pesquisabibliográfica, por meio de livros de doutrina,jurisprudência e outros diversos meios, corroborara tese de que, embora seja amplamente decretadaem decisões judiciais, tal compensação foge doamparo do ordenamento jurídico pátrio, haja vistaque, por ser verba destinada ao advogado, oshonorários de sucumbência são insuscetíveis decompensação entre as partes, pois não são devidosreciprocamente a estas e, consequentemente, nãose confundem com os direitos patrimoniais delas,sendo, tão somente, patrimônio do advogado quepatrocinou a causa.

Palavras-chave: Honorários. Sucumbência.Recíproca. Compensação. Antinomia.

ABSTRACT

Given the difficulty of understanding the reciprocalcompensation of defeat fess and lack of legalsupport when specific legislation provides a mannercontrary to this common practice in the courts andthey binding precedents, sought, through literature,through books doctrine, jurisprudence and othervarious means, support the thesis that, although it iswidely enacted in judicial decisions, suchcompensation flees the protection of our legalsystem, since, being the allocation for attorney’s feesare not susceptible to collapsing compensationbetween the parties as they are not due to anotherparty, do not confuse them with the economic rights,and, alone, worth the lawyer who championed thecause.

A COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAISRECIPROCAMENTE DEVIDOS

Pollyana de Fátima Medeiros Gonçalves1

1 Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho. Pós-graduada em Direito Processual naUniversidade Estadual de Montes Claros - Unimontes.

Keywords: Fees. Defeat. Reciprocal. Compensation.Antinomy.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o intuito de discutir acompensação de honorários na ocasião em que hásucumbência recíproca em uma ação.

Os honorários sucumbenciais são um valorarbitrado pelo magistrado, devido pela parte vencidaem um processo para a parte que logrou êxito emseus argumentos, tendo seus pedidos reconhecidose providos.

O artigo 23 da Lei 8.906/1994 estabelece queessa parcela em verdade pertence ao advogadoda parte que obteve êxito na ação, tendo elelegitimidade para, de modo autônomo, executar areferida parcela.

A compensação, por sua vez, é uma espéciede extinção de dívida onde duas pessoas figuramcomo credor e devedor entre si, operando aextinção da dívida na medida em que se iguala aocrédito.

Ocorre que em algumas ocasiões esse créditoque é de direito do advogado vem sendo confundidocomo crédito e dívida das partes da ação, ocasiãoem que vem sendo compensado nas hipóteses emque as partes tem seus pedidos parcialmenteprovidos, em que há sucumbência recíproca.

Assim, o que se buscará ao decorrer dotrabalho é a exposição de fundamentação queembase a ilegalidade de tal compensação doshonorários, apresentando regras de solução deantinomias, ponderações sob o pálio dos princípiosda razoabilidade e proporcionalidade, análisesumular e de jurisprudências, bem como atravésdo estudo de doutrinas e pareceres sobre aquestão.

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2 DOS HONORÁRIOS

Os honorários advocatícios são aremuneração devida ao advogado em virtude desua atuação, seja no âmbito judicial ou extrajudicial.Conforme Machado (2000, p. 110) “Para nós, éinduvidoso que a toda prestação de serviços devehaver correspondente remuneração, na medida emque o trabalho do homem, que o dignifica, tambémé responsável pela sua subsistência.”.

Conforme Bueno (2011, p. 274):

De acordo com o art. 22 da Lei n. 8.906/1994, a prestação do serviço profissionalassegura aos advogados direito aoshonorários convencionados, isto é, aquelesajustados contratualmente entre a parte e oadvogado, aos honorários fixados porarbitramento judicial, quando não háconsenso com relação a esta fixação e aosde “sucumbência”, que são aqueles quederivam do resultado da atuaçãoprocessual. O direito é reconhecidoinclusive ao advogado que faz as vezes dosmembros da Defensoria Pública (art. 22, §1.º), sendo certo, todavia, que os defensorespúblicos não podem receber honorários deadvogado das pessoas cujos interessesrepresentam em juízo ou fora dele.

Assim, dentre os gastos observados com oajuizamento de uma ação, estão presentes oshonorários, pagos em razão do labor do advogadosob várias rubricas, como se vê abaixo, fazendo-se,ainda, a verba paga o advogado, parte do gênerodespesas processuais, conforme Theodoro Júnior(2008).

2.1 Modalidades de HonoráriosAdvocatícios

A Lei 8.906/94 dispõe em seu artigo 22 que“A prestação de serviço profissional assegura aosinscritos na OAB o direito aos honoráriosconvencionados, aos fixados por arbitramentojudicial e aos de sucumbência.”. O aludidodispositivo busca conceder ao advogado apercepção de valores devidos pelo serviço por eleprestado e para tal, prevê três espécies distintasde honorários advocatícios, a saber: honoráriosconvencionais, honorários arbitrados e honoráriossucumbenciais, os quais serão abordados a seguir.

2.1.1 Dos honorários convencionais

Honorários convencionais são aquelesarbitrados de forma prévia entre o patrono e seu

cliente com fincas de terem ciência do valor queserá devido pelo cliente ao seu advogado pelosserviços por este prestados. Tal espécie é contidade algumas peculiaridades, como se verá adiante.

Por uma questão ética, é recomendável peloartigo 35 do Código de Ética e Disciplina da OAB,que o advogado reduza por escrito tal contrato,tornando-o, pois, incontroverso, a fim de que sejamminorados os riscos de ambas as partes. Fato quepossibilitará, inclusive, a execução judicial docontrato, na eventualidade de descumprimento dodevedor. Mas, é totalmente possível que oshonorários sejam pactuados de forma verbal,devendo-se observar, no entanto, no que se refereao correspondente adimplemento, o fracionamentoprevisto contida no art. 22, § 3.º da Lei 8.906/94.

Outra peculiaridade de tal modalidade podeser vislumbrada pela norma contida no artigo 38também do Código de Ética e Disciplina da OAB,que dispõe acerca dos honorários quota litis, é anecessidade de esclarecer, contratualmente, queos valores devidos com verba honorária devem seradimplidos em pecúnia, admitindo, porém, opagamento por meio de bens particulares quandocomprovada a impossibilidade do cliente arcar comtal verba pecuniariamente, devendo tal fato sercontido expressamente em contrato. Além disso,quando tais honorários forem acrescidos dehonorários de sucumbência, o valor total percebidopelo patrono não pode ser superior ao quantumpercebido pelo cliente.

Cumpre salientar que para que sejaequilibrado o valor fixado pelo advogado comocontraprestação de seus serviços, cabe ao patronoobservar a tabela da OAB, bem como normacontida no artigo 36 do referido diploma legal, oqual reza que:

Art. 36. Os honorários profissionais devemser fixados com moderação, atendidos oselementos seguintes:I – a relevância, o vulto, a complexibilidadee a dificuldade das questões versadas;II – o trabalho e o tempo necessário;III – a possibilidade de ficar o advogadoimpedido de intervir em outros casos, oude se desavir com outros clientes outerceiros;IV – o valor da causa, a condição econômicado cliente e o proveito para ele resultantedo serviço profissional;V – o caráter da intervenção, conforme setrate de serviço a cliente avulso, habitualou permanente;VI – o lugar da prestação dos serviços, foraou não do domicílio do advogado;

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VII – a competência e o renome doprofissional;VIII – a praxe do foro sobre trabalhosanálogos.

Sendo assim, os honorários convencionaisdevem ser arbitrados com observâncias às normascontidas no Código de Ética e Disciplina da OABconjuntamente com as tabelas elaboradas pelasSeccionais da OAB, a fim de que prevaleça oequilíbrio entre o serviço prestado pelo patrono e ovalor pago pelo cliente.

2.1.2 Dos honorários arbitrados

Honorários arbitrados são aqueles que, emrazão da ausência de contrato expresso entre oadvogado e seu cliente e a pedido daquele, sãofixados pelo Magistrado, sem, contudo, seconfundir com os honorários de sucumbência, comose verá a seguir.

Conforme exposto em linhas pretéritas, cabeao advogado convencionar com o seu cliente ovalor atribuído aos serviços que serão por eleprestados, levando-se sempre em consideração asnormas éticas da profissão.

O artigo 22 da Lei 8.906/94 prevê em seu §2.º que “Na falta de estipulação ou de acordo, oshonorários são fixados por arbitramento judicial,em remuneração compatível com o trabalho e ovalor econômico da questão, não podendo serinferiores aos estabelecidos na tabela organizadapelo Conselho Seccional da OAB.”.

Assim, somente na ausência de contrato, sejaexpresso ou verbal, o advogado solicita ao Juiz quearbitre o valor de seus honorários, devendo este ofazer levando-se em consideração os dispositivostranscritos no tópico anterior, bem como os valoresprevistos na tabela da OAB, não ficando, pois, aolivre arbítrio do juiz atribuir o valor que bementender a verba honorífica.

2.1.3 Dos honorários sucumbenciais

Já no que se refere aos honoráriossucumbenciais, objeto deste trabalho, consistem novalor arbitrado pelo Juiz em razão do sucesso obtidona causa, sem prejuízo da percepção doshonorários contratuais, sendo, portanto, um ônusimposto à parte vencida na demanda, devendo,neste caso, observar a regra prevista no art. 20,§.º e § 4.º do Código de Processo Civil (CPC).

Para dirimir eventuais contradições na

interpretação da questão de quem deveria perceberos honorários sucumbenciais, o art. 23 da Lei 8.906/94, trouxe em seu âmago a previsão no seguintesentido:

Art. 23. Os honorários incluídos nacondenação, por arbitramento ousucumbência, pertencem ao advogado,tendo este direito autônomo para executara sentença nesta parte, podendo requererque o precatório, quando necessário, sejaexpedido em seu favor.

Tal dispositivo exclui de maneira concisaqualquer discussão no sentido de que tal verba seriadevida à parte e não ao seu patrono, podendo esteexecutar a Sentença no tópico concernente àcondenação dos aludidos honorários sem anecessidade da inclusão do seu cliente no polo ativoda ação, tratando-se, pois, de um direito autônomodo advogado, haja vista a natureza alimentar daverba, a qual não pode ser afastada em virtude dacondição de obter sucesso na causa.

A este respeito já se posicionou o EgrégioTribunal de Justiça de Minas Gerais, como se vêda transcrição a seguir:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO -CUMPRIMENTO DE SENTENÇA -EXECUÇÃO DE HONORÁRIOSADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS -INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AOCRÉDITO PRINCIPAL - DIREITOAUTÔNOMO - NATUREZA ALIMENTAR- POSSIBILIDADE - VOTO VENCIDO.Possível a execução dos honoráriosadvocatícios sucumbenciais de formaautônoma (art. 23, do EOAB) eindependente do crédito principal, tendoem vista que a verba pertence aoprofissional do direito, mormente diante desua natureza alimentícia (art. 649, inciso IV,do CPC). V.v.: Os embargos do devedor,como ação incidente do executado, não seconfundem com o processo de execução.Todavia configurada a conexãoinstrumental, ao termo do julgamento dosembargos, comportando únicasucumbência, resta impossibilitado oreconhecimento de duplicidade de verbashonorárias, pois a condenação advinda naação dos embargos integra a execução portítulo extrajudicial. (TJMG. Processo n.º:1.0433.01.039713-4/001(1). Rel. Des.(a)Fernando Caldeira Brant. Data doJulgamento: 20/08/2008).

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Sendo assim, resta imperioso que oshonorários sucumbenciais pertencem tão somenteao patrono, de modo que fixados ou arbitrados, nãomais poderão ser objeto de transação entre aspartes da demanda.

2.2 A Equidade da Fixação da dosHonorários Sucumbenciais

No que tange à fixação dos honorários, deve--se sempre observar o Princípio da Razoabilidade.É através da observância desse princípio que,segundo Theodoro Júnior (2008, p. 9), “Procura-secoibir estipulações extorsivas, abusivas oudesproporcionais; pelo que são indesejadascondenações insignificantes, tanto quanto aquelasconsideradas excessivas.”.

Assim, o que se observa é que há liberdadepara essa fixação dentro daquele patamar previstono Código de Processo Civil, no parágrafo 3.º doseu artigo 20, seja ele, entre dez e vinte por centodo valor da condenação.

Porém, é comum na atividade jurisdicional oarbitramento de quantias abaixo do limite citado,sobretudo quando a condenação é sobre valoresvultosos em ações de pouca complexidade, ocasiãoem que o Magistrado observa que o trabalhodespendido pelo advogado seria sobrevalorizado;portanto, excessivo.

Essas porcentagens legais que delimitam afixação dos honorários advocatícios pelo Juiz sãoatingidas conforme a observância de certoscritérios como o grau de zelo do profissional; olugar de prestação do serviço; e a natureza eimportância da causa, o trabalho realizado peloadvogado e o tempo exigido para o seu serviço.Critérios, a propósito, elencados no parágrafo 4.ºdo artigo 20 do Código de Processo Civil.

No tocante à equidade, ensina Amaral Neto:

Possui ainda função corretiva, isto é, a detemperar o Direito positivo, principalmenteem matéria contratual, e funçãoquantificadora, quando se constitui em umamedida, a quantificação dos efeitos daaplicação da norma, como ocorre, porexemplo, no caso de se fixarem os valoresde uma indenização. (AMARAL NETO,2012, p. 22).

A equidade na fixação da verba é alcançadanão apenas através da aplicação dos percentuaisdescritos em lei, mas, também, pelo juízo doMagistrado sobre determinados critérios, podendo,

ainda, deixar de observar tais limites desde quesob a luz do Princípio da Proporcionalidadeidentifique que o valor inicialmente arbitrado seriaexcessivo ou mesmo irrisório.

A equidade é amplamente utilizada quandonão há condenação na ação, situação na qual,inclusive, o valor da causa é posto de formadesembasada e até mesmo aleatória apenas comoforma de cumprir com o requisito de expressão dovalor da causa na petição inicial, como requer oartigo 282, inciso V do Código de Processo Civil.

A exemplo da aplicação da equidade,observa-se a seguinte ementa:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.EQÜIDADE. REVISÃO. POSSIBILIDADE.PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.1. Na ausência de condenação, utiliza-se aeqüidade como referência para a fixação doshonorários, caso em que, em regra, não cabeao STJ revisar os critérios utilizados pelojulgador para o arbitramento do quantumdevido. 2. Excepcionalmente, o STJ admitea revisão do quantum fixado por eqüidadequando há ofensa aos princípios darazoabilidade e proporcionalidade. 3.Agravo regimental provido. (STJ, 2.ª Turma.AgRg no AG 572.623-SP. Rel. Min. JoãoOtávio de Noronha. DJU 04.10.04).

Em tempo, apenas o Magistrado é figura aptaa arbitrar os honorários de sucumbência, sendoirrelevante qualquer cláusula de contrato entre oprocurador e cliente que estabeleça honoráriossucumbenciais de forma diversa, pois a tal contratonão fica adstrito o Magistrado.

A equidade na fixação da verba, portanto, éaplicada de forma exclusiva pelo juiz, sendobaseada em critérios que coadunem comresponsabilidade assumida pelo procurador. Casocontrário, acarretaria violação ao Princípio da JustaRemuneração do Trabalho Profissional, que por sise explica, bem como aos Princípios daRazoabilidade e Proporcionalidade e à próprialegislação vigente.

2.3 Do Cabimento de Honorários

Ainda que não haja pedido expresso naexordial, os honorários de sucumbência serãodevidos ao advogado.

Ainda que fazendo uso da sua capacidadeautopostulatória, tal parcela será devida ainda nocaso de sucesso do advogado que atua por si, emnome próprio.

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No caso de condenação, se por lapso do Juiznão forem arbitrados os honorários desucumbência, é lícito à ao advogado liquidar talverba e exigi-la do vencido, conforme ensinaTheodoro Júnior (2008).

Observam-se alguns casos aos quais não seaplica o que se faz regra geral no caso desucumbência, tais como os expostos nos artigos18 e 22 do Código de Processo Civil.

No caso do artigo 18 do Código de ProcessoCivil, os honorários de sucumbência serão pagospela parte vencedora, ainda que não tenhasucumbido de qualquer forma, quando havida comolitigante de má-fé.

No caso do artigo 22 do Código de ProcessoCivil, a parte, mesmo que vencedora, arcará comos honorários de sucumbência quando dilatar ojulgamento da lide por não arguir na resposta fatoextintivo, impeditivo ou modificativo do direitopedido do autor, quando, mais tarde, veio a sercausa de improcedência do pedido ou extinção doprocesso tais fatos que deveria a vencedora terarguido.

Ainda quanto ao cabimento de honorários, aConstituição da República Federativa do Brasilestabelece um sistema jurídico que dá ênfase àproteção do direito de acesso à Justiça, sendo talpreceito considerado direito fundamental, conformese poder observar com a leitura do art. 5.º, incisosXXXV e LXXIV, Constituição Federal daRepública Federativa do Brasil de 1988 (CFRB/88):

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade dodireito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termosseguintes:[...]XXV - a lei não excluirá da apreciação doPoder Judiciário lesão ou ameaça a direito;[...]LXXIV - o Estado prestará assistênciajurídica integral e gratuita aos quecomprovarem insuficiência de recursos;[...]

Esse fundamento constitucional se espalhapor todo o ordenamento jurídico, devendo serpercebido na legislação infraconstitucional e nasjurisprudências dos Tribunais, respaldando aassistência jurídica gratuita nos casos em que sereste comprovada a insuficiência de recursos.

Conforme o que estabelece o artigo 3.º, incisoV, da Lei n.º 1.060/50, não haveria, em tais casos,que se impor a condenação dos honoráriosadvocatícios. A referida lei deixa-se claro que obenefício não é uma isenção; mas, sim, umasuspensão do pagamento daqueles honorários,como se infere através do artigo 12 da Lei acimacitada, que normatiza a concessão da assistênciajudiciária aos que se mostrem necessitados,conforme se vê:

Art. 12. A parte beneficiada pela isençãodo pagamento das custas ficará obrigada apagá-las, desde que possa fazê-lo, semprejuízo do sustento próprio ou da família.Se dentro de cinco anos, a contar dasentença final, o assistido não pudersatisfazer tal pagamento, a obrigação ficaráprescrita.

A jurisprudência do STJ já se consolidou nosentido de que a gratuidade oriunda da assistênciajudiciária não é uma isenção, mas apenas umasuspensão temporária aplicada enquanto perdurara insuficiência de recursos daquele que veio arequerê-la.

É o que se observa, dentre outros casos,através das dos textos já sumulados pelo SuperiorTribunal de Justiça, definindo casos excepcionaisem que não se faz a condenação de honoráriosadvocatícios ou em que haverá a condenação,indicados pelas seguintes Súmulas, como exibidoem documento disponível no sítio do STF:

Súmula 14: Arbitrados os honoráriosadvocatícios em percentual sobre o valorda causa, a correção monetária incide dorespectivo ajuizamento;Súmula 105: Na ação de mandado desegurança não se admite condenação emhonorários advocatícios;Súmula 110: A isenção do pagamento dehonorários advocatícios, nas açõesacidentárias, e restrita ao segurado;Súmula 111: Os honorários advocatícios,nas ações previdenciárias, não incidemsobre as prestações vencidas após asentença;Súmula 201: Os honorários advocatíciosnão podem ser fixados em salários mínimos;Súmula 303: Em embargos de terceiro,quem deu causa à constrição indevida devearcar com os honorários advocatícios;Súmula 306: Os honorários advocatíciosdevem ser compensados quando houversucumbência recíproca, assegurado odireito autônomo do advogado à execução

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do saldo sem excluir a legitimidade daprópria parte;Súmula 345: São devidos honoráriosadvocatícios pela Fazenda Pública nasexecuções individuais de sentençaproferida em ações coletivas, ainda que nãoembargadas;

Portanto, no Brasil, os honoráriosadvocatícios são balizados pela Lei, e fixados peloJuiz no caso concreto, sem a intervenção doMinistério da Justiça ou da Ordem dos Advogados.

Ademais, a necessidade de pagamento dehonorários advocatícios não barra o acesso àJustiça, tendo em vista que, quando concedido obenefício da assistência gratuita, não há que sefalar na cobrança dos respectivos honorários.

3 DA COMPENSAÇÃO

A compensação, instituto tratado de formaespecífica entre os artigos 368 e 380 do CódigoCivil, é forma de extinção da obrigação que ocorrequando duas pessoas são, ao mesmo tempo,credora e devedora uma da outra. Nessa hipótese,as duas obrigações extinguem-se na medida emque se igualarem.

Em outras palavras, pode-se dizer que aextinção pode ser total ou parcial, operando-se faceàs duas pessoas que sejam entre si credor edevedor de forma recíproca.

3.1 Espécies

A compensação se divide em algumasespécies, podendo ser operada em virtude dedisposição legal, da vontade das partes ou pela viajudicial.

A compensação resultante de lei independedo acordo entre as partes ocorre automaticamente,de pleno direito.

Conforme Gonçalves (2010, p. 110), “nomesmo instante em que o segundo crédito éconstituído, extinguem-se as duas dívidas. O juizapenas reconhece, declara sua configuração, desdeque provocado, pois não pode ser proclamada deofício.”.

Um exemplo da compensação legal é,segundo Martins (2010, p. 29) o estatuído peloartigo 122, caput da Lei de Falências (Lei n.º11.101, de 09.02.2005), segundo a qual:

Artigo 122. Compensam-se as dívidas dofalido vencidas até o dia da declaração da

falência, provenha o vencimento da própriasentença declaratória ou da expiração doprazo estipulado.

A compensação por vontade das partes,também chamada de convencional ou voluntária,é aquela na qual os contratantes estipulam entre sia forma de operar a compensação, sendo certoque tal convenção não poderá, de forma alguma,contrariar disposição legal já existente e queimpeça a compensação, como nos casos em quese vê operada a fraude, por exemplo. Neste caso,por ser convencional, pode-se abrir mão de algunsdos seus requisitos, como identidade, natureza ouliquidez.

Por fim, a compensação judicial é percebidano instituto da reconvenção, que, como ensinaMartins (2010, p. 30) é a “ação que tem o réucontra o autor para, no mesmo feito em que édeterminado, opor direito seu que vise modificarou extinguir o pedido do autor.”. É aqueladeterminada pelo Juiz quando quem, na qualidadede executado de uma dívida, opõe crédito própriocontra o autor, compensando-se, assim, o valorexecutado e prosseguindo a execução caso hajaresto a ser apurado, no caso da compensaçãoparcial.

Na compensação judicial, por exemplo, seexiste um crédito executado de R$100.000,00 e odevedor apresenta reconvenção alegando eprovando que tem crédito para com o exequenteno valor de R$110.000,00, há a procedência dospedidos de ambas as partes, havendo acompensação e prosseguindo a execução no quetange os R$10.000,00 restantes.

3.2 Requisitos

O Código Civil estabelece alguns requisitosobjetivos e subjetivos para o instituto dacompensação.

Para que haja a compensação, é necessárioque as dívidas a serem compensadas sejam líquidas,vencidas e de coisas fungíveis. Líquidas são asobrigações já determinadas quanto à existência eobjeto. Vencidas são as dívidas exigíveis, semsustamento por termo ou prazo. Fungíveis são ascoisas de mesma espécie e qualidade; ainda quesejam do mesmo gênero. As prestações não secompensam caso haja diferença quanto à qualidadeprevista no contrato. A não ser, é claro, que aspartes acordem de forma favorável à compensaçãonaqueles moldes.

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Quanto aos sujeitos da compensação, éestabelecido que o devedor apenas compensarácom o dever se este lhe dever. Observa-se umareciprocidade das obrigações. Terceiros nãointeressados, embora possam pagar em nome dodevedor, não podem compensar a dívida comeventual crédito que detenham perante o credor.

Porém, a compensação pode ocorrer faceao fiador, que pode compensar sua dívida com ocredor de seu afiançado em relação ao que este,credor do afiançado, eventualmente deva a ele, ofiador, conforme explicita o artigo 371 do CódigoCivil.

3.3 Hipóteses de Inadmissão

Em alguns casos inadmite-se, de formaexpressa, a compensação, como quando, porexemplo, sua impossibilidade é dada pela comumdisposição entre as partes ou quando há renúnciaprévia ao direito de compensação.

No caso da renúncia prévia, é necessário queos requisitos da compensação ainda não estejampresentes, porém quaisquer dos devedores aindapodem renunciar ao direito, desde que eventuaisinteresses de terceiros sejam preservados.

O artigo 373 do Código Civil traz algumashipóteses em que é impossível a compensação, taiscomo: a proveniência de esbulho, furto ou roubo;se uma das dívidas for originária de comodato,depósito ou alimentos; e se for de coisa nãosuscetível à penhora.

No primeiro caso, porque é originado de atoilícito: furto, roubo e esbulho. No segundo caso,porque o negócio (comodato ou depósito) é baseadona confiança mútua, admitindo-se o pagamentoapenas na forma da coisa emprestada ou depositada.A respeito das dívidas alimentares, estas não podem,de qualquer forma, ser compensadas, poisindispensáveis à subsistência do alimentando. Porúltimo, não há compensação de coisas insuscetíveisà penhora, pois a compensação pressupõe dívidajudicialmente exigível.

4 DA COMPENSAÇÃO DOSHONORÁRIOS

4 Do Conflito de Normas

Kelsen, em consideração ao conflito denormas, explica que este surge quando uma normadetermina devida certa conduta que outra normatrata como indevida, sendo assim inconciliáveis

entre si. Exemplificando, Kelsen (1998, p. 228)ensina que “dizer que A deve ser e que não deveser ao mesmo tempo é tão sem sentido como dizerque A é e não é ao mesmo tempo. Um conflito denormas representa, tal como uma contradiçãológica, algo sem sentido.”.

Bobbio (1995, p. 86) define antinomia como“Aquela situação na qual são colocadas emexistência duas normas, das quais uma obriga e outraproíbe, ou uma obriga e outra permite, ou uma proíbee a outra permite o mesmo comportamento.”.

Bobbio (1995) explicita, além do choque entrenormas, duas outras condições que determinam aexistência da antinomia: uma delas é a necessidadede que as duas normas colidentes pertençam a ummesmo ordenamento (do direito positivo, porexemplo); a outra condição sugerida por Bobbio éa existência das normas em um mesmo âmbito devalidade temporal, espacial, pessoal e material.

Neste ponto cabe a ressalva, vez que, paraKelsen (1998), as circunstâncias temporais eespaciais são características da vigência; não davalidade.

Dentro desta análise, seria plausível que seestendessem, também, as circunstâncias pessoaise materiais como referentes à vigência, por seremde uma mesma natureza delimitadora dos efeitosda norma.

A Antinomia Jurídica, conceituada por FerrazJúnior (2007, p. 212), é a

oposição que ocorre entre duas normascontraditórias (total ou parcialmente),emanadas de autoridades competentes nummesmo âmbito normativo, que colocam osujeito numa posição insustentável pelaausência ou inconsistência de critériosaptos a permitir-lhe uma saída nos quadrosde um ordenamento dado.

Pelos ensinamentos de Ferraz Júnior sereconhecem outros traços caracterizadores daantinomia: contradição entre normas; validadedestas normas – que estas tenham sido emanadaspor quem detinha competência para fazê-lo;vigência das normas – considerando o conceito devigência espaço-temporal, proposto por HansKelsen, para definição do âmbito; a impossibilidadede que o sujeito cumpra determinada norma semprejuízo da outra; e a inexistência de critérios desolução positivados.

As antinomias são divididas por Ferraz Júnior(2007) em quatro classificações, como visto aseguir.

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As antinomias reais e antinomias aparentessão aquelas que têm a divisão fundada na existênciaou não de critérios normativos positivos. A primeiraé fundada na inexistência desses critériospositivados ou sendo existentes não sejamsuficientes para dirimir o conflito. E a segunda,baseada na existência de critérios eficazespositivados.

As antinomias próprias são caracterizadaspor motivos formais, por comandos de normaopostos. Já as impróprias se dão em virtude doconteúdo material da norma, como conflitos deprincípios, de valoração e conflito teleológico.

Há também as antinomias de direito interno,de direito internacional e de direito internointernacional: as primeiras ocorrem dentro doordenamento estatal podendo, ou não, ser dentrode um ramo específico do direito. As segundasdecorrem frente ao direito internacional (caso dostratados, acordos, etc.). As últimas decorrem deconflitos entre normas de direito interno e direitointernacional, ou de direito interno pátrio e o direitointerno de outro país.

Por fim, as antinomias total-total, total-parciale parcial-parcial: a primeira é percebida quandonenhuma das normas pode ser aplicada sem quehaja conflito com a outra. Na hipótese da antinomiatotal-parcial, uma norma não pode ser aplicada semque haja conflito com a outra, enquanto esta outranorma, se aplicada entra em conflito com apenasparte daquela. No último caso revela-se aantinomia parcial-parcial, em que as duas normastêm campos de conflito parciais.

O Código de Processo Civil, em seu artigo21, dispõe que se cada litigante for vencedor evencido, os honorários sucumbenciais serãorecíproca e proporcionalmente distribuídos ecompensados entre as partes.

Em contrapartida, o Estatuto da Ordem dosAdvogados do Brasil, Lei 8.906/1994, em seu artigo23, determina que os honorários de sucumbênciapertencem ao advogado, podendo ele executar deforma autônoma o respectivo valor, podendo, inclusive,requerer precatório em seu nome, quando for o caso.

No mesmo sentido do Código de ProcessoCivil foi, em 2004, elaborada a Súmula 306 do STJ,com os seguintes dizeres: “os honoráriosadvocatícios devem ser compensados quandohouver sucumbência recíproca, assegurado odireito autônomo do advogado à execução do saldosem excluir a legitimidade da própria parte.”.

Primeiramente, há que se notar algunscritérios utilizados para solver eventuais conflitos

normativos.Conforme o critério da especificidade, uma

norma que trata de determinado conteúdo de formamais específica, sobrepõe-se a uma norma que tratade forma contrária o mesmo assunto, porém, demodo genérico, amplo.

O critério cronológico, por sua vez, faz comque uma norma nova revogue uma norma maisantiga que trate do mesmo conteúdo de formadiversa.

Por fim, uma norma hierarquicamentesuperior tem o poder de permanecer em pleno vigorem detrimento daquelas de hierarquia inferior, aindaque sejam mais recentes ou mais específicas.

Assim sendo, ocorrendo o choque entrenormas o resultado deve ser a expurgação de umadelas do ordenamento jurídico com base noscritérios acima citados, ou seja, havendo o choquede normas, uma delas deixa de existir, sendorevogada ou, no mínimo, derrogada.

Isso posto, percebe-se a existência de umconflito de normas entre o que estabelece o Estatutoda OAB, em seu artigo 23, e o que estabelece oCódigo de Processo Civil, em seu artigo 20, bemcomo em relação ao entendimento da Súmula 306do STJ.

4.2 O Rateio dos Honorários no Caso deSucumbência Recíproca

Conforme o artigo 21 do Código de ProcessoCivil, “se cada litigante for em parte vencedor evencido, serão recíproca e proporcionalmentedistribuídos e compensados entre eles oshonorários e as despesas.”.

Porém, o parágrafo único do artigo em estudoestabelece que quando a sucumbência de um doslitigantes for mínima, a outra parte do processoresponderá inteiramente pelas despesas ehonorários.

Assim, observa-se que a disposição legal queimpõe o pagamento recíproco e proporcional doshonorários e despesas na sucumbência recíprocaencontra exceção em seu parágrafo único, segundoo qual, tais custos serão arcados pela partecontrária a que teve seu pedido decaído em partenão essencial ou substancial.

Para que isso seja aplicado, na hipótese daregra, é necessário que se calcule o valor total dosgastos do processo e sua divisão entre os litigantesna proporção de suas sucumbências. É importanteque todos os gastos sejam somados por inteiro antesde qualquer divisão, para que ambas as partes

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possam apurar suas parcelas e proceder à devidacompensação.

Boa parte da doutrina e jurisprudência afirmaser esse o procedimento a ser adotado. Assim,somando-se as despesas processuais e honorários,dividir-se-ia o valor na proporção da sucumbênciapagando, por exemplo, uma das partes 40% e aoutra 60% do valor resultado.

4.3 Da impossibilidade da Compensação dosHonorários Advocatícios

Pelo que expõe Gonçalves (2006), após oadvento da Lei n.º 8.906/94, não mais haveria emrelação à possibilidade da execução pelo advogado,por si, da verba de honorários de sucumbênciaimposta na sentença. É claro que o artigo 23 dareferida lei estabelece como de propriedade doadvogado os honorários incluídos na condenação,por arbitramento ou sucumbência, podendo ele, porisso, executá-la de forma autônoma, se preferir.

Essa, conforme Gonçalves (2006, p. 136) éuma das razões pelas quais “podem [os honoráriosde sucumbência] ser compensados comcondenação imposta às partes, nem podem serobjeto de transação, senão com o seuconsentimento.”. Fica claro que para que haja areferida compensação dos honorários desucumbência, deve haver a manifestação deliberalidade e vontade dos advogados nessesentido.

Tal assertiva é respaldada quanto se aplicaos critérios de solução de antinomia.

Percebe-se que a Lei 8.906/1994 é posteriorao Código de Processo Civil, de 1973. Observa-seaqui a revogação de uma lei mais nova agindosobre uma lei mais antiga, de forma a fazer vigorara premissa de que o honorário de sucumbência édevido ao advogado, é da propriedade doprocurador, não da parte.

Da mesma forma se vê operando no caso ocritério da especialidade. A Lei 8.906/1994 tratade modo específico, tanto que mais completo, danormatização dos honorários advocatícios. Emcontrapartida, o Código de Processo Civil trata daquestão de forma genérica. Assim, percebe-se quea Lei 8.906/1994 sobrepõe às disposições do Códigode Processo Civil que a ela foram contrárias, comoé o caso da rubrica dos honorários, no que tange àquestão de a quem pertencem as verbas tidas atítulo de honorários sucumbenciais.

Como já visto no subitem 3.3, não se admitea compensação quando as pessoas entre quem se

compensariam os valores não são devedores entresi.

Disso podem-se tirar duas conclusões: aprimeira é que as pessoas devem ser credoras edevedoras entre si; a segunda é que ambas aspessoas devem compensar as dívidas recíprocascom bens de sua titularidade.

Na compensação de honorários recíprocos,percebe-se que as pessoas não são devedoras entresi. Os que são devedores entre si são as partes doprocesso. Não há qualquer relação de débito ecrédito no que tange a uma das partes e oprocurador da outra. Não há identidade entre quemé credor e quem acaba por adimplir o crédito, nocaso, o advogado.

Assim sendo, é faltante o pressupostoprincipal, caracterizado pela falta de reciprocidadeaqueles que compensariam o débito. A parte e oadvogado adverso não são devedores e credoresentre si ao menos tempo.

Posteriormente, observa-se que as parte nãotem titularidade para se apropriar das verbassucumbenciais destinadas a título de honorários aosadvogados. A partir do momento em que há talcompensação, observa-se enriquecimento ilícito,pois, sem qualquer manifestação dos procuradores,a verba a eles destinada de forma autônoma éutilizada para proceder à quitação de verbas a elesestranhas.

Nessas circunstâncias a quantia destinada aosadvogados é simplesmente desviada para adimpliros débitos dos seus clientes reciprocamentesucumbentes, sem quem tenham os procuradoresdemonstrado qualquer intenção de fazê-lo.

Não obstante isso, ainda sob os ensinamentosde Gonçalves (2006, p.137):

Nada impede que o advogado prefiraexecutar os honorários em nome da parte,somando-os ao valor do principal. É o queficou decidido pelo Egrégio SuperiorTribunal de Justiça: “Os honorários doadvogado, embora pertençam ao advogadoe constituam direito autônomo para suaexecução, podem ser incluídos na execuçãopromovida pela parte que venceu a ação deindenização, especialmente quando oprofissional da ação de conhecimento é omesmo que patrocina a execução” (STJ, 4.ªTurma, REsp 163.893-RS, Rel. Min. RuyRosado, j. 21-5-1998, dando provimentoparcial, v. u., DJU, 19-10-1998, p. 108).

O mero fato de existir possibilidade deexecução conjunta dos honorários sucumbenciais

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do advogado com as verbas deferidas à parte nãosignifica que tais verbas estejam sob a suadisposição. Trata-se conduta de ordemmeramente prática adotada com o fito de evitarmaiores prolações na efetivação do que foidecidido na lide, apenas forma de dar maiorceleridade e efetivar o Princípio da EconomiaProcessual. É certo que tais verbas não podemser utilizadas na compensação.

Ademais, quanto ao caráter alimentar dasverbas honorárias, salienta Bueno (2011, p. 275):

A 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal,em julgamento mais recente (STF, 1.ª Turma,RE 470.407/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j.9.5.2006, DJ 19.5.2006), contudo, teveoportunidade de recusar qualquer distinçãoentre os honorários advocatícios, quemerecem, em qualquer caso, tratamento deverba alimentar porque representam, pordefinição, a contraprestação de um serviçoprestado e, como tal, tem como finalidadeprimeira a de prover a subsistência doprofissional que os prestou e o de suafamília.

Donizetti (2011, p. 130/131), em sua obra,também salienta o caráter alimentar dos honoráriosadvocatícios ao dizer que

predomina na jurisprudência oentendimento de que a verba honorária desucumbência, assim como os honorárioscontratuais, tem natureza alimentar. Assim,quando a condenada for a Fazenda Pública,o pagamento de tal crédito ocorrerá viaprecatório, observada ordem especial paraos créditos de natureza alimentícia (artigo100 da CF).

Por sua vez, ensina Mamede (2011, p. 229/230):

Como os honorários pertencem aoadvogado, somente ele poderá dispor dorespectivo crédito, garantindo-lhe o mesmoartigo 23 do EAOAB o direito autônomopara executar a sentença nessa parte,podendo requerer que o precatório, quandonecessário, seja expedido em seu favor. Atransação firmada pela parte só pode incluirdireitos dela, parte, não direitos de outrem;e o crédito dos honorários sucumbenciaispertence ao advogado. Se a parte transigecom o direito do advogado, o ajuste nãoterá eficácia em relação ao causídico queconservará o direito à execução da verbasucumbencial.

Assim, como já exposto anteriormente quandoa compensação foi tratada especificamente, a verbahonorária não poderia ser tida como objetocompensador, vez que tem caráter alimentar.

O artigo 373, inciso II e III do Código Civil,estabelece de forma expressa que é vedada acompensação de dívidas originadas de alimentosou se for insuscetível de penhora.

Assim, os honorários, por serem decorrentesde remuneração pelo trabalho do advogado paraprover o seus sustento, têm caráter alimentar e,não bastando isso, caso seja denotado outro sentidoao que prescreve o inciso II, ainda assim nãohaveriam de ser os honorários compensados poisinsuscetíveis de penhora, dentre outros fatores, pelofato de serem verba alimentar.

Pelas razões expostas, não há de se falar emprevalência do Código de Processo Civil ou daSúmula 306 do STJ sobre o entendimentodecorrente do que estabelece a Lei 8.906/1994sobre os honorários sucumbenciais, afirmando-se,assim, a impossibilidade da compensação dehonorários no caso de sucumbência recíproca daspartes.

5 CONCLUSÃO

Frente a todo o exposto, levando-se emconsideração os ensinamentos postos a respeitodos honorários advocatícios, do instituto dacompensação, das hipóteses de antinomias, bemcomo das formas de solucioná-las e do respeitoaos princípios constitucionais, processuais civis egerais de direito, chegou-se à conclusão de que oshonorários sucumbenciais seriam impassíveis decompensação.

Isto ocorre devido à falta de obediência aospróprios pressupostos da compensação, como faltade pessoas que sejam entre si credores edevedores, bem como falta de titularidade doshonorários pelas partes, o que impossibilitaria o seuuso na compensação sem que houvesse, ao menos,aquiescência do procurador.

Outra razão que respalda o entendimento éo caráter alimentar dos honorários, natureza essaconsolidada nos Tribunais e que impede acompensação, pois as verbas são essenciais aosustento do advogado e sua família, sendo pagascomo forma de remuneração pelo seu labor aolongo da lide.

Assim, resta-se clara a impossibilidade dacompensação de honorários sucumbenciais entreas partes reciprocamente sucumbentes.

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ELO COMOUTRAS IES

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RESUMO

O artigo propõe um estudo dos alimentoscompensatórios, distinguindo-os dos demais, paraque posteriormente se questionem os aspectosprocessuais correlatos. Pretende-se analisar aprestação compensatória em uma ópticaprocedimental, considerando o Anteprojeto do novoCódigo de Processo Civil, a fim de analisar anecessidade ou não da inclusão de um procedimentoespecífico a essa espécie de alimentos no novodiploma legal. Por fim, criticar e sugerir otratamento aos alimentos compensatórios no novoCódigo, no que se refere à possibilidade dadecretação de prisão civil como forma deexecução, considerando a Teoria Geral doProcesso e os princípios do Estado Democráticode Direito, em harmonia com a Constituição daRepública Federativa do Brasil de 1988.

Palavras-chave: Alimentos compensatórios.Prisão civil. Novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT

This article proposes a study of compensatoryalimonies, distinguishing them from others, and thenquestions the related procedural aspects. Ananalysis of the compensatory alimonies, in aprocedural point of view, considering the Draft fora new Procedure Civil Code, is intended, in orderto analyze the need for inclusion of a specificprocedure for this alimony species on the new law.Finally, criticize and suggest the regulation of thecompensatory alimonies on the new Code, inrelation to the possibility of civil prison as aenforcement way, considering the ProceduralTheory and the principles of the Democratic Statein the rule of Law, in harmony with the Constitutionof Federative Republic of Brazil.

ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS E O ANTEPROJETODO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Ionete de Magalhães Souza1

Pedro Henrique Feliciano2

1 Professora/Orientadora da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Mestre em Direito pelaUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutora pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA),em Buenos Aires (Argentina). Advogada.

2 Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Keywords: Compensatory alimonies. Civil prison.New Procedural Civil Code.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende esclarecer asespécies de alimentos do Direito de Família,destacando as características e os princípioscomuns a todas. Após, destacar as peculiaridadesdos alimentos de cunho compensatório, definindoseus princípios próprios e peculiaridades. Para tal,utiliza-se o método dedutivo e aplica-se a técnicabibliográfica de pesquisa.

Após a apresentação da matéria relativa aosalimentos, busca-se compreender seus aspectosprocessuais, especialmente sobre o procedimentode execução. Em seguida, relaciona-se o tema como Anteprojeto do novo Código de Processo Civil,para, por meio de uma análise crítica, apontar anecessidade de adequação das formas deexecução, especialmente a prisão civil do devedorde alimentos compensatórios, na nova lei.

2 ASPECTOS PROCESSUAIS DOSALIMENTOS

2.1 Características e Fundamentos dosAlimentos no Direito de Família

Todo ser humano tem necessidades básicasa satisfazer, para a manutenção da própria vida.Como todo ser vivo, as pessoas precisam dealimentos, sustento para o corpo, energia para semanterem vivas e realizarem as tarefas cotidianas.

À primeira vista, imagina-se que essa fontede substratos se limita aos alimentos, comocomumente conhecidos, ou seja, simplesmentecomo comida, básica à sobrevivência animal.Entretanto, em uma concepção mais ampla, como

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juridicamente informa o princípio da dignidade dapessoa humana, é preciso mais do que apenas osustento imediato do corpo.

Com o advento da Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, de 1988 (CRFB/1988), peloseu artigo 1.º, o princípio da dignidade da pessoahumana foi elevado ao posto de fundamento doEstado Democrático de Direito. A nova leitura quese dá à pessoa exige um tratamento de respeito emanutenção de sua sobrevivência.

A partir disso, o conceito de alimentos seamplia para se adequar a essa nova concepção.

Alimentos são, pois, as prestações devidas,feitas para que aquele que as recebe possasubsistir, isto é, manter sua existência,realizar o direito à vida, tanto física (sustentodo corpo) como intelectual e moral (cultivoe educação do espírito, do ser racional). [...]compreende tudo o que é necessário àsnecessidades da existência: vestimenta,habitação, alimentação e remédios em casode doença (CAHALI, 2013, p. 16).

Com isso, a abrangência dos alimentos passaa alcançar todos os aspectos de vida digna. Nãose fala mais somente em alimentação, mas tambémem vestuário, saúde, lazer, morada, cultura, estudo.A finalidade da prestação alimentícia deixa de sera simples manutenção da vida do credor, para setornar a manutenção da sua vida digna.

É dever da pessoa, em primeiro lugar, manter--se e sustentar-se pela própria força de trabalho.Quando alguém se vê impossibilitado de manterpor conta própria a sua subsistência, o Direito lhegarante a busca pela sobrevivência, por meio dopedido de alimentos. O Código Civil brasileiro de2002 (CC/2002), em seu artigo 1.694, determinaque os alimentos podem ser pedidos entre parentes,cônjuges e companheiros. Caso não haja quemdeva, pelo dispositivo de lei, prestar a pensãoalimentícia, é função do Estado fornecer a quemnecessite os meios de sobrevivência.

Saliente-se que esses alimentos, originadosdo dever legal, pertencem ao ramo do Direito deFamília. No ordenamento jurídico pátrio, existemainda os alimentos oriundos da responsabilidadede reparar dano decorrente de ato ilícito (alimentosressarcitórios ou indenizatórios) e de estipulaçãocontratual inter vivos, que se relacionam com oDireito das Obrigações, e o legado de alimentos,que surge de disposição testamentária, sendoregulado pelo Direito das Sucessões.

A prestação de alimentos entre parentes,cônjuges e companheiros encontra fundamento no

princípio da solidariedade familiar, “sendo umaobrigação personalíssima devida pelo alimentanteem razão do parentesco que o liga ao alimentado,e no dever legal de assistência em relação acônjuge ou companheiro necessitado.” (DINIZ,2012, p. 1.241). É possível que o necessitadobusque, por meio do Poder Judiciário, a ajuda queaqueles que lhe são próximos devem prestar.

Nesse caso, o Juiz poderá, assim que recebera petição, determinar um valor a ser pago desde acitação, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 5.478/68 (Lei de Alimentos), com o objetivo de sustentaro credor durante o processamento do pedido, desdeque esteja presente o elemento autorizador dafixação da obrigação alimentar: o binômionecessidade-possibilidade (artigo 1.695 do CC/2002). Restando demonstrados logo na inicial aexistência desse pressuposto e provado o vínculode parentesco, de matrimônio ou de convivência,que criem a obrigação legal de prestar alimentos,esta prestação provisória será determinada emdecisão interlocutória pelo Magistrado.

O valor fixado deverá ser pago até que hajauma Sentença definitiva ou até o momento em queas alterações das circunstâncias justifiquem novadecisão, que altere ou extinga essa obrigaçãoprovisória.

Os alimentos provisórios estão previstos naLei de Alimentos, lei que disciplina o rito especialda ação de conhecimento acerca da prestaçãoalimentar. Já os alimentos provisionais encontramrespaldo no Processo Civil, conforme artigo 1.706do CC/2002, como forma de medida cautelar.Embora a fonte legal seja diversa, guardam omesmo fim: evitar o perecimento de quemnecessita dos alimentos, durante o curso doprocesso.

Diferente dessas espécies são os alimentostransitórios. “Apesar de não existir expressaprevisão legal, os alimentos transitórios encontramgrande receptividade na doutrina e jurisprudênciado País, por serem benéficos tanto para oalimentante, como para o alimentando, além de suaconsonância com o princípio da razoabilidade.”(SOUZA; SIQUEIRA, 2012, p. 39). Estes não sãofixados em decisão interlocutória, mas sim emsentença. Ocorre que essa prestação já nasce comtermo ou com condição resolutiva. Destina-se agarantir a vida digna do credor por um tempo emque este não pode se manter por seus própriosesforços. É o tempo que o credor precisa paracriar meios de se inserir no mercado de trabalho epassar a auferir a sua renda. A exoneração, nessa

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espécie, não depende de nova decisão. Ocorreautomaticamente com o transcurso do períododeterminado ou ocorrência da condição prevista.

Ainda que seja ampla a classificaçãodoutrinária dos alimentos, todas as modalidadesguardam características comuns. Os alimentos, deforma geral, não podem ser renunciados, não setransmitem como obrigação, não são passíveis depenhora e, uma vez recebidos, não podem serrepetidos.

2.2 A Prestação Compensatória e suasFinalidades

Como visto, os alimentos são devidos, noDireito de Família, entre parentes, cônjuges ecompanheiros. O dever alimentar que existe paraaqueles que estão ligados pelo matrimônio ou queestão na constância de uma união estável se baseiano dever de mútua assistência imposto pela lei,respectivamente, pelos artigos 1.566, III, e 1.724,ambos do CC/2002.

Assim, é dever dos cônjuges e doscompanheiros socorrer aquele com quemconstituíram família, nos casos de necessidade.

Ocorre que esses vínculos podem serdissolvidos. O casamento pode ser encerrado pormeio do divórcio, sem se falar mais em separação,após a Emenda Constitucional 66 de 2010 – com avênia dos que entendem diversamente –, e os quevivem em união estável podem encerrar aconvivência ou dissolver a união judicialmente,caso tenha sido registrada ou reconhecida.

Com essa ruptura, os sujeitos, que viviam emcomunhão de vida, partilhando conquistas emantendo um padrão social, tem que trilharcaminhos separados, cada um por si. Nesseinstante, pode ocorrer que um deles não tenha ascondições de sustentar a mesma condição de quedispunha quando unido ao outro.

Por vezes, em uma relação, o homem forneceo sustento econômico direto, por ter maisreconhecimento no mercado de trabalho, enquantoa mulher apresenta sua assistência na forma detarefas domésticas ou com uma quantia financeiramenor, em razão da histórica desigualdade deremunerações.

Dissociando os papéis exercidos do gênero, afim de não se manter nenhum estereótipo, tem-seque, em uma relação, quase sempre haverá aqueleque sustente o lar e o padrão de vida do casal comuma parcela monetariamente maior. A partir disso,quando da dissolução dessa relação, uma das partes

restará “prejudicada”, considerando o modo de vidaque passará a ter.

A fim de minimizar essas disparidades, odireito brasileiro adotou do direito comparado umamodalidade de alimentos que serve justamente paracompensar essas desigualdades: os alimentoscompensatórios. São alimentos que não se destinamà sobrevivência do credor, mas sim à manutençãode um padrão social que antes era comum ao casal,reconhecendo a importância da assistênciaimaterial que o agora hipossuficiente prestoudurante toda a relação.

A pensão alimentícia compensatória surgee ganha força no ordenamento jurídicobrasileiro em consequência do comandoconstitucional de reparação dasdesigualdades entre cônjuges oucompanheiros, que antes da ruptura dorelacionamento se regiam pela mútuaassistência, ao lado de outros deveresmorais, tais como fidelidade, convivência erespeito recíproco. Nas palavras de RolfMadaleno, “é o socorro mútuo que oscônjuges e conviventes devem respeitar ese ajudar reciprocamente, atuando sempreno interesse da família, que segue unida esolidária”. O desfazimento de umcasamento, especialmente aqueles que seprolongaram no tempo, e tiveram umahistória de cumplicidade e cooperação, nãopode significar desequilíbrio no modo epadrão de vida pós-divórcio (PEREIRA,2012, p. 230).

Destaca-se que essa prestaçãocompensatória se funda nos princípios da igualdade,solidariedade familiar, responsabilidade e dignidadeda pessoa humana. A determinação do seuquantum não está estritamente vinculada aobinômio necessidade/possibilidade, pois “serve paraamenizar o desequilíbrio econômico, no padrão devida de um dos cônjuges, por ocasião do fim docasamento. Assim, o quantum alimentar é aqueleque proporciona e equipara o mesmo padrãosocioeconômico a ambos os divorciados.”(PEREIRA, 2012, p. 231).

Observa-se, portanto, que a prestaçãocompensatória não tem caráter alimentar--assistencial e, desse modo, suascaracterísticas diferem dos alimentostradicionais (CC/2002, art. 1.707), sendopassível de renúncia, cessão, compensaçãoou penhora. Pelo mesmo motivo, oinadimplemento da pensão compensatórianão justifica a decretação da prisão civil

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do devedor prevista no art. 733, §1.º, doCPC. (SOUZA; SIQUEIRA, 2012, p. 41)

Se diversos os seus fundamentos, osalimentos compensatórios deveriam ter tambémtratamento legal diferenciado, explicitando as suaspeculiaridades e indicando regras compatíveis comas suas características próprias.

3 ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS

3.1 Alimentos no Atual Código de ProcessoCivil

No que se refere à questão processual dosalimentos, dois diplomas legais devem serconsiderados. Na Lei n.º 5.478/68, a Lei deAlimentos, com as alterações da Lei n.º 6.014/73,que adequou a primeira ao atual Código de ProcessoCivil (CPC), que também é do ano de 1973, tem-seo procedimento especial ditado para a fase deconhecimento. Com a promulgação dessa Lei,pretendeu-se “sistematizar o processo da ação dealimentos no sentido de sua maior celeridade eeficiência, imprimindo-lhe um rito especial tendentea minorar o desespero daqueles que só pelas viasjudiciais conseguem constranger o responsável aoadimplemento da obrigação alimentícia.” (CAHALI,2013, p. 528). Aplica-se para pleitear alimentos dequem tenha o dever legal de prestá-los.

Fixados os alimentos na ação cognitiva, casoo alimentante não cumpra sua obrigação, resta aoalimentando promover a execução do seu crédito,regida pelo Código de Processo Civil, observadasalgumas disposições específicas da Lei deAlimentos.

Estão previstas três formas de execução noCPC: a do artigo 732, por meio de expropriação; ado art. 733, que enseja a prisão civil doinadimplente; e a do art. 734, que determina odesconto em folha de pagamento do devedor.

A primeira modalidade tem por objeto aexpropriação de bens do devedor, a fim desatisfazer o direito do credor. É o meio pelo qualse cobra a chamada “dívida antiga”, anterior aosúltimos três meses, considerando o momento dapropositura da ação. Também se aplica aos casosem que foi decretada a prisão civil do devedor eeste, mesmo a cumprindo integralmente, não pagoua dívida. Segue as normas da execução por quantiacerta contra devedor solvente.

A aplicação do artigo 733, com consequenteprisão do devedor, só ocorre para a cobrança dos

três últimos meses e dos que forem vencendo nocurso da lide. Trata-se de meio excepcional deexecutar o débito, pois grave é a medida de prisão.Trata-se, na verdade, de exceção à regra,constitucionalmente prevista no inciso LXVII, art.5.º, da CRFB/1988: “não haverá prisão civil pordívida, salvo a do responsável pelo inadimplementovoluntário de inescusável de obrigação alimentíciae a do depositário infiel;”.

Justifica-se a aplicação de medida tãodrástica pelo fato de a “dívida nova” – referenteaos três meses anteriores à execução, cumulando--se com as prestações que vencerem ao longo doprocesso, a única que pode ser cobrada por essamodalidade de execução – ainda possuir seucaráter de urgência. Não pode, nesse caso, oalimentando sobreviver sem a prestação. Buscandogarantir a dignidade e a vida do credor, é autorizadaa decretação da prisão pelo prazo de um a trêsmeses. Trata-se de medida coercitiva extrema,razão pela qual sua determinação deverá sercautelosa.

Assim, a prisão civil é meio executivo definalidade econômica; prende-se oexecutado não para puni-lo, como secriminoso fosse, mas para forçá-loindiretamente a pagar, supondo-se quetenha meios de cumprir a obrigação e queiraevitar sua prisão, ou readquirir sualiberdade. [...] Embora seja certo que aprisão civil por dívida alimentar – e aexperiência o demonstra – é o único meioeficaz em condições de remover arecalcitrância de grande número dedevedores inadimplentes, também é certoque expressiva jurisprudência a temcondenado com veemência, preconizandoexcepcionalidade na sua aplicação(CAHALI, 2013, p. 735-736).

Como terceira modalidade, está o descontoem folha de pagamento. Pode ocorrer que, já noprocesso de conhecimento, o Juiz determine odesconto direto sobre a renda o alimentante emfavor do alimentando. Entretanto, em não sendodesde já escolhida essa forma de pagamento, nadaobsta que a execução se dê por esse meio, nostermos do artigo 734, do CPC. Assim, “o descontoem folha de pagamento pode ser usado tanto parao desconto das prestações vincendas como dasvencidas, desde que em quantitativo suportável peloalimentante e recomendado para as hipóteses dedificuldade de executar-se o débito de outramaneira.” (RAMOS, 2012, p. 194).

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Todos os alimentos advindos do Direito deFamília são exigíveis por esses três meios. Nãoimporta sua classificação. O que se considera é oseu caráter de dívida alimentar, ou seja, destinadaà garantia da sobrevivência.

Daí surge a exceção à regra. Como visto, osalimentos compensatórios não guardam a finalidadeexistencial. Sua função é de minimizar odesequilíbrio econômico entre cônjuges oucompanheiros que romperam suas relações. E jáque lhes falta esse caráter de garantia dasobrevivência, não se justifica a possibilidade dese decretar a prisão como forma de se executarquantias devidas e não pagas.

É entendimento da doutrina e jurisprudênciaa impossibilidade de se executar prestaçõescompensatórias com base no artigo 733 do CPC.Não seria razoável privar alguém de sua liberdade,de forma tão gravosa, sendo que não há risco àvida do credor desses alimentos. Sobre a aplicaçãorestrita dessa forma de execução, preleciona YussefSaid Cahali:

E, em função de sua excepcionalidade, comomeio coercitivo que se dirige contra aliberdade do indivíduo, não se admite aprisão civil por alimentos senão em virtudede norma expressa. Aliás, exatamente porisso, a prisão civil por dívida, como meiocoercitivo para o adimplemento daobrigação alimentar, é cabível apenas nocaso dos alimentos previstos nos arts. 1.566,III, e 1.694 do CC/2002, que constituemrelação de direito de família (CAHALI, 2013,p. 737).

Como se vê, a possibilidade de prender odevedor de alimentos só é adequada quando setratar de alimentos destinados à sobrevivência,regidos pelo Direito de Família. Caso o alimentante,além da prestação compensatória, recebaalimentos destinados à sua mantença, estes serãoexecutáveis normalmente, inclusive por meio daprisão civil, se for o caso. Mas por observância àproporcionalidade, esse rito excepcional decobrança não se aplica aos alimentoscompensatórios, sob risco de mitigar injustamentea garantia constitucional de liberdade. Deve serlembrado que a “garantia constitucional de umdireito está no dever do Estado em positivar eproteger o exercício dos direitos fundamentais,frente a atos lesivos praticados por terceiros.”(SOUZA, 2013, p. 34).

No caso de inadimplência dos alimentoscompensatórios, deverá ser suficiente a execução

por expropriação de bens, desconto em folha depagamento, e outros meios considerados razoáveis.Inclusive por inscrição do devedor em cadastrosde proteção ao crédito, o que já vem sendodeterminado em alguns casos, havendo até mesmoprojeto de lei para regulamentação dessapossibilidade (LAGRASTA NETO, 2012).

3.2 Alimentos Compensatórios e a suaInclusão no Novo Código de ProcessoCivil

Após quarenta anos da publicação do atualCódigo de Processo Civil, que ao longo desse temposofreu alterações e adaptações por mais dequarenta leis, está sendo editada uma nova lei deritos, Projeto de Lei n.º 8.046/2010.

Na Exposição de Motivos do Anteprojeto doNovo Código de Processo Civil, são destacadosos cinco objetivos maiores da edição do novoCódigo: busca por maior harmonia com aConstituição da República Federativa do Brasil, acontextualização social da lei processual, asimplificação do processo, a garantia do maiorrendimento possível e a organicidade e coesão.

O Código atual (CPC), desde 1973, passoupor diversas alterações, o que ocasionou algumaperda da sistematização lógica, dificultando ainterpretação e aplicação das normas. Também,durante esse tempo, houve natural transformaçãoe desenvolvimento da sociedade, o que acarretacerto anacronismo, em alguns pontos.

Entretanto, o fato que merece maior destaque,pelo impacto que causou, é o advento da CRFB/1988, que alterou os paradigmas, evidenciando aqualidade de Estado Democrático de Direito eassegurando dignidade à pessoa humana, por meiodas garantias constitucionais.

Dentre suas inovações, destacaram-se,também, as garantias processuais. O acesso àJustiça, a duração razoável do processo, a ampladefesa, o contraditório, a inafastabilidade dajurisdição, a gratuidade de justiça, passaram a terstatus de garantia constitucional. E, embora tenhasido recepcionado pela CRFB/1988, o CPC nãoapresenta plena harmonia com essas inovações.Assim sendo, um novo Código (CPC) foi propostoe está sendo discutido pelo Poder Legislativo. Oobjetivo é justamente harmonizar o Processo comas garantias de um Estado Democrático de Direito,em que se deve valorizar a participação da partena construção da decisão. Nessa linha, é de sedestacar:

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[...] o Estado de Direito como princípio denatureza material e procedimental, porque,em termos gerais: 1.º) – incide no modo deproceder da atividade estatal, limitando evinculando o exercício do poder peloEstado ao direito, a fim de garantir asliberdades individuais; 2.º) – reconhece osdireitos fundamentais das pessoas; 3.º) –institui o controle jurisdicional da legalidadedos atos da administração pública; 4.º) –concede proteção jurídica às pessoas pormeio dos provimentos jurisdicionaisgerados em contraditório nos processos(DIAS, 2003, p. 227).

Ocorre que, apesar dos esforços, algunspontos passam despercebidos, de modo que nãosão adequados aos novos princípios informadoresdo processo.

Especificamente, destaca-se a norma relativaà execução de alimentos. A prisão civil do devedorde alimentos está mantida no Anteprojeto do novoCódigo de Processo Civil, seja por meio deexecução de título extrajudicial ou por cumprimentode sentença, distinção que foi finalmenteregulamentada, pondo fim à discussão sobre apossibilidade ou não de se aplicar o cumprimentode sentença para a cobrança de alimentosjudicialmente fixados. Sobre as regras previstasno Projeto de Lei:

Fica claro, pela leitura do texto em comentoque os alimentos fixados judicialmentedevem seguir o procedimento estabelecidopara o cumprimento de sentença ao passoque os alimentos fixados extrajudicialmente,devem sujeitar-se ao procedimentoestabelecido para a satisfação dos títulosexecutivos extrajudiciais. [...] Mas, o pontomais relevante foi o que estabeleceu apossibilidade de decreto de prisão em casode descumprimento da obrigação alimentar,tenha ela sido fixada de forma extrajudicial(art. 867, § 1º.) ou judicial (art. 514, § primeiro)(RAMOS, 2012, p. 204)

Viável a presença da prisão na nova lei comomeio coercitivo para a cobrança do débitoalimentar. Afinal, com o objetivo de garantir aqualidade de pessoa humana digna do alimentando,é que se estabelece uma norma de tão gravesconsequências.

Mas, infelizmente não foi considerada apossibilidade de incluir na previsão legal expressaa exceção referente aos alimentos compensatórios.Deixou-se de lado a oportunidade de regulamentara situação, pondo fim a qualquer divergência que

venha a ser suscitada.Esqueceu-se que o devedor de alimentos

também é sujeito de direitos, e que por isso mesmolhe é garantida a dignidade da pessoa humana. Aolado da indispensabilidade dos alimentos devidosao credor, está a dignidade e liberdade do devedor.Em razão disso, a prisão civil deve observarminuciosamente os requisitos, quais sejam, ainadimplência voluntária e inescusável de alimentosdestinados à sobrevivência. E, especificamentepara o caso do devedor de alimentoscompensatórios, deveria ser expressamenteprevista a exceção para o cabimento dessa coerçãocomo forma de executar esse débito alimentar.

A nova lei adjetiva deveria atentar à situaçãodo devedor de alimentos compensatórios, por meiode uma regra processual harmônica com osprincípios constitucionais, uma vez que na “buscada eficácia dos direitos e garantias fundamentaisdo cidadão surge o processo como instrumentoapoiado em princípios, constituindo realidadesjurídicas que devem guardar conformação com aCRFB/1988. No âmbito da cidadania, o processoé o caminho da efetividade das garantiasconstitucionais asseguradas.” (SOUZA, 2013, p.26). E essas garantias devem ser asseguradas atodos os sujeitos da relação processual.

Necessário é que, durante a revisão do novotexto, atentem às peculiaridades dos alimentoscompensatórios que, embora não previstos na leimaterial, por terem características próprias e porserem informados por princípios diversos daquelesreferentes às demais espécies, merecem o destaquede não ser possível a sua execução por meio daprisão civil.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prestação compensatória, destinada aorestabelecimento do equilíbrio econômico entre ex--cônjuges e ex-companheiros, difere dos demaisalimentos regulados pelo Direito de Família. Seusprincípios informadores, a forma de cálculo do seuquantum, a sua finalidade e o seu fundamento sãoespecíficos, o que faz com que demandem especialatenção quanto ao seu regulamento.

Por não estarem previstos na legislaçãomaterial, o seu tratamento procedimental éesquecido pelo legislador, que o faz de formadeficiente, deixando a cargo da doutrina ejurisprudência a consideração de seus caracteresa fim de adequar o processo às garantiasconstitucionais.

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No que tange à prisão civil do devedor dealimentos compensatórios, esta não pode serdecretada, por falta de amparo legal eprincipiológico. Não é proporcional mitigar o direitoconstitucional à liberdade quando não há risco àintegridade e à vida do credor da prestaçãocompensatória.

Tal abordagem não foi considerada quandoda elaboração do Anteprojeto do novo Código deProcesso Civil, embora já reconhecida pela melhordoutrina e jurisprudência. Dessa forma, enquantoainda em elaboração e tramitação, é preciso que oProjeto sofra as alterações devidas para incluirexpressamente a exceção quanto à aplicação daprisão civil como forma de executar o débitoalimentar compensatório.

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RESUMO

Soberania Privada: a impotência dos ordenamentosjurídicos nacionais na regulamentação do capitaltransnacional. Desde 2007 observa-se uma crisefinanceira mundial que revela a impotência dosordenamentos jurídicos nacionais em face dopoderio do capital transnacional. O jogo estratégicodas grandes empresas mundializadas está além dasfronteiras regulatórias do Direito nacional, quepermanece preso na soberania de seu território.No entanto, surge um novo soberano, privado esupraestatal, etéreo como o próprio mercado, maspoderoso. Este soberano se impõem de forma arevelar a faceta moderna e perversa do novocapitalismo globalizado.

ABSTRACT

Private Sovereignty: the impotence of national legalsystems in the regulation of transnational capital.Since 2007 there is a global financial crisis revealsthe impotence of national legal systems in the faceof the power of transnational capital. The strategicgame of big globalized companies is beyond theboundaries of the regulatory law, that remainstrapped in the sovereignty of its territory. However,there is a new sovereign, supranational and private,ethereal as the market itself, but powerful. Thissovereign are needed to reveal the perverse aspectof the new modern and globalized capitalism.

1 INTRODUÇÃO

Nos anos de 2007 e 2008, as pessoasobservaram uma crise financeira mundial quederrubou mercados e tolheu empregos. Algumasempresas, paralisadas e impotentes; outras tantas,atônitas. Mas, a maioria não compreendeu o queocorreu. Poucas, entretanto, lucraram.

SOBERANIA PRIVADA: a impotência dos ordenamentos jurídicos nacionais naregulamentação do capital transnacional

Rodrigo Cavalheiro Rodrigues1

1 Professor Universitário. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Advogado.

Foi a crise do subprime, noticiada pelos meiosde comunicação, que incluíram tal assunto em suaspautas como se todos soubessem o que istosignificava. Em igual medida, em 2012 se assistenos telejornais a crise da Grécia e a recessãoeconômica de outros países europeus.

A recessão europeia de hoje é um efeitodireto da crise de alguns anos que, por sua vez,decorre de uma realidade insofismável: a economiamundial está globalizada tão fortemente que osmaus negócios de um país refletem em outro, emuma rede de desgraça financeira. A preocupação,portanto, deve ser de todos, inclusive daqueles, comoo Brasil, que aparentemente transitam comestabilidade em meio a tanta confusão.

Neste texto, busca-se demonstrar que nestamiríade de negócios internacionais impera umanova lei do mais forte, sustentada na convenientedesregulamentação do setor financeiro, quandoglobalmente considerado. Pretende-se expor aimpotência dos ordenamentos jurídicos nacionaispara contrabalancear o poder decorrente do capitaltransnacional e a consequente inércia dos Estadosdiante dos impasses da globalização econômica.

2 GLOBALIZAÇÃO E CRISEECONÔMICA

A globalização econômica é um fato, sendoas empresas multinacionais e os conglomeradosfinanceiros internacionais seus agentes e adesregulação jurídica um de seus pilares. Taisagentes se situam em um novo campo de poder,além das soberanias nacionais, e se servem dasnovas tecnologias de comunicação parapermeabilizar os mercados internos e movimentarde forma rápida e eficiente seus capitais.

Observando-se a última grande crisefinanceira mundial, percebeu-se facilmente que osordenamentos jurídicos nacionais são frágeis einsuficientes diante do poder decorrente do capital

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transnacional. Ocorre que a ordem jurídica aindase assenta em uma normatividade hierárquicarestrita aos territórios nacionais. Esta forma dedogmática não alcança os fatos que se situam alémdo Direito interno.

Tomando-se o conceito de soberano privadosupraestatal formulado por Capella (2002) e como auxílio metodológico das teorias sistêmicas, épossível compreender as relações entre Estados,empresas multinacionais e conglomeradosfinanceiros que formam o sistema-mundo e aeconomia-mundo definidos por Wallerstein (2003).Nesse contexto, verifica-se o campo de poder docapital transnacional que não é alcançado pelosordenamentos jurídicos nacionais.

A atual conjuntura, e em especial a crisefinanceira do início deste século, que teve seu ápicena segunda metade de 2008, expuseram afragilidade das economias estatais em face damovimentação do capital transnacional. Em muitosaspectos, os acontecimentos relacionados aostítulos subprime, estopins e bodes-expiatóriosdaquele distúrbio econômico, assemelham-se atipos penais, como o do estelionato. No entanto,nos ordenamentos jurídicos nacionais não seencontrou solução para as condutas verificadas nomercado financeiro internacional.

Cabe, apenas para melhor ilustrar talsituação, uma rápida explicação do que foi a crisedo subprime. No fim do século XX, houve umagrande procura por imóveis nos Estados Unidosda América, concomitantemente a uma grandeoferta de crédito no mercado financeiro. Assim,concedeu-se um grande volume de empréstimospara aquisição das sonhadas casas próprias. Noentanto, a população estadunidense que ainda nãopossuía uma propriedade privada era aquela quetambém não tinha rendimentos suficientes, mas quefoi seduzida pela oferta fácil de crédito. Esta classede tomador de empréstimo é conhecida naquelepaís como subprime.

Seria facilmente perceptível que tais negóciosnão eram seguros, não fosse a roupagemartificialmente concebida pelos engenheirosfinanceiros. As dívidas formadas nestes contratosde empréstimo foram convertidas em títulos,subdivididas e agrupadas em diversas categoriasde papéis mobiliários, recebendo denominaçõestécnicas e incompreensíveis. Agênciasclassificadoras de risco atribuíram a tais papéis umbelo triplo A, nota máxima neste tipo de mercado.Assim, diversos compradores, dentre eles fundosde investimento criados com dinheiro de

correntistas de bancos, e os próprios bancosprivados, adquiriram tais valores mobiliários, semsaber que aquele papel, na verdade, representavauma dívida com pouco ou nenhum lastro (TORRESFILHO, 2008).

Passados alguns anos, os títulos não foramconvertidos em dinheiro, por simples falta decapacidade de pagamento daquele tomador deempréstimo suprime. Enormes prejuízosocorreram. Perderam as pessoas que foramdesalojadas dos imóveis – que não conseguirampagar – e também perderam os compradores dostítulos – que não o converteram em patrimônio real.Os poucos agentes financeiros intermediários, quetransformaram as dívidas em títulos e os venderamem mais de trinta países, apenas lucraram. O ápicedesta situação ocorreu em 2007 e 2008, e ficouconhecida como crise do subprime.

Dentre os compradores que sofreremgrandes prejuízos, havia alguns bancos privados ediversas empresas multinacionais quediversificaram seus negócios para investir nomercado internacional de títulos mobiliários. Foiassustador observar que para “salvar” paísesiniciou-se um processo de injeção de dinheiropúblico no setor privado, sob a alcunha de “ajudanecessária”, pois a falência das empresasmultinacionais e dos conglomerados financeiroslevaria à derrubada das economias nacionais. Aordem pública interna se tornou refém do poderprivado transnacional.

A propósito, não houve ajuda financeira paraaquela população estadunidense que não conseguiupagar os empréstimos tomados. Eles realmenteperderam suas casas. Igualmente, não houvenenhum tipo de prisão ou penalidade para aquelesque venderam como bons, títulos podres, nadenominação brasileira. Estes ficaram apenas como lucro.

3 GLOBALIZAÇÃO E CRISE JURÍDICA

A análise de tal crise, que tem seus reflexosainda presentes na ordem financeira atual, tornaimperativo o estudo sobre os motivos da impotênciados ordenamentos jurídicos nacionais paracontrabalancear o poder advindo do capitaltransnacional. Para tanto, deve-se compreender ofenômeno da globalização.

Encontra-se na obra de Dreifuss (1999, p.178) que

A globalização se assenta na crescente“horizontalização” econômica dos espaços

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através das fronteiras nacionais, integrandoagentes e processos de pesquisa,desenvolvimento, produção ecomercialização – nas suas múltiplas ecomplexas dimensões, graças aos meios emétodos de fazer circular rapidamente, porgrandes distâncias e sem restrições, idéias,pessoas e bens – em cadeias regionaistransfronteiriças e em cadeias globais deprodução e consumo.

O enfoque de Dreifuss se centra em questõeseconômicas, oportunidade em que este afirma quea globalização tem em sua base, entre outroselementos, a circulação rápida e sem restriçõesde bens. Essa falta de restrição, porém, deve serentendida como ineficiência dos Estados emproduzir normas jurídicas aptas a regular, fiscalizare sancionar as condutas que fazem circular ocapital transnacional.

Discutindo o mesmo tema, Santos afirma quea globalização econômica é sustentada peloconsenso neoliberal que tem entre suas bases arestrição à regulação econômica estatal, resultandona incapacidade do Estado em controlar o fluxodo capital transnacional e a subjugação dasoberania às agências financeiras internacionais(2002, p. 31-37).

A propósito, Santos alerta para a tendênciade se reduzir a globalização ao seu aspectoeconômico, pois verifica que esse fenômeno não éum único fato, mas um conjunto de relações sociaisque dão origem a diferentes fenômenos que podemser chamados de globalização. Para o autor, “nãoexiste uma entidade única chamada globalização;existem, em vez disso, globalizações” (2005, p. 55).Capella, em raciocínio semelhante, ressalta ocaráter multifacetário da globalização (2005, p.237).

Sem desprezar o alerta de Santos, o presentetexto toma o termo globalização em seu aspectoeconômico, pois é desta faceta que advêm osgrandes impasses da atualidade. E, neste cenário,tem-se a empresa multinacional como um dosmotivos de inquietude, consoante afirmou Galbraithao dizer que esta é um grande fator de incertezaque exerce grande poder sobre os Estados (1998,p. 261). Dreifuss, por seu turno, salientou que “asalianças empresariais emergem no contexto dasdiversas modificações e rearticulações que forama marca dos anos 80, afirmando a primazia dosgrandes atores corporativos no mercado sobre aregulamentação governamental.” (1999, p. 126).

No quarto final do século XX observou-se o

fracasso do anseio revolucionário, ao passo que ocapitalismo evoluiu para o atual estádio, em que ocentro das decisões econômicas se encontra nasempresas multinacionais e nos conglomeradosfinanceiros internacionais. Disso decorre aformação de uma nova classe,

uma classe capitalista transnacional estáhoje a emergir cujo campo de reproduçãosocial é o globo enquanto tal e quefacilmente ultrapassa as organizaçõesnacionais de trabalhadores, bem como osEstados externamente fracos da periferia eda semiperiferia do sistema mundial(SANTOS, 2005, p. 32).

O capitalista transnacional necessita daestrutura jurídica dos Estados para viabilizar seusnegócios, temendo, no entanto, qualquer espéciede intervencionismo. Tal situação, ao invés dedistanciar, estreitou os laços entre governos eempresas. Ainda que se tenha passado mais deum século e meio desde o Manifesto de 1848, aspalavras de Marx e Engels ainda servem paraexpressar a inquietude em razão da relação capitale Estado: “o poder político do Estado moderno nadamais é do que um comitê para administrar osnegócios comuns de toda a classe burguesa.” (2002,p. 47). A revolução sonhada pelos socialistas nãoocorreu, ao passo que se observou a capacidadede adaptação da burguesia, que hoje se situa numplano transnacional, além das fronteiras dossistemas jurídicos estatais.

Se, por um lado, as utopias marxistas não serealizaram, de outra banda as fábulas neoliberaisestão em voga, como se observa no surgimento demetáforas em debates sobre a globalização, comoa da “Disneylândia universal”. Adverte Ianni: “demetáfora em metáfora chega-se à fantasia, queajuda a reencantar o mundo, produzindo a utopia.”(2002, p. 24). Como exemplo de fantasia dodesenvolvimento econômico, pode-se citar Sachs,que produziu a utopia de que ações coordenadasentre países ricos e pobres são suficientes paraacabar com a fome do mundo (2005, p. 307).

É neste cenário de fantasia que se trata omercado como um ente autônomo, quase que vivoe pensante. Conceito simples, como o de Vieira(2008, p. 44), de que o mercado é apenas o lugaronde se encontra a oferta e a procura, sãoinsuficientes para a análise do fenômeno daglobalização.

Mais adequadas são as lições de Capella, quefala de um novo campo de poder, no qual um

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soberano privado supraestatal se inter-relacionacom Estados permeáveis. Este soberano éconstituído pelo poder estratégico das grandescompanhias transnacionais e dos conglomeradosfinanceiros. Seus instrumentos, dentre outros, sãoo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacionale a Organização Mundial do Comércio, incluindo--se o General Agreement on Tariffs and Trade(GATT). Ele, inatingível, assumiu a orientaçãoestratégica geral da economia mundializada, aopasso que o Estado cede às políticas dedesregulação (2002, p. 254-261).

Deve-se evitar o mundo da fantasiaresultante de se antropomorfizar a atividademercantil sob o signo do mercado, principalmentequando da fantasia segue-se à utopia neoliberal,que traça a desregulação como parâmetronecessário. Este discurso neoliberal reflete noDireito, quando então cabe lembrar uma das liçõesde Warat: “a força comunicacional da ciênciajurídica passa vitalmente por um jogo designificados ilusórios; um território encantado ondetodos fazem de conta que o Direito, em suaspráticas concretas, funciona à imagem esemelhança do discurso que dele fala.” (1995, p.58). Em vez da ilusão, deve-se buscarcompreender que não existe “o mercado”, mas simum soberano privado supraestatal e difuso. Este éo dono da “mão invisível” daquele.

É essencial, para a investigação ora proposta,a compreensão deste novo soberano. Bonsresultados podem ser extraídos a partir das teoriassistêmicas, que auxiliam a revelar ainterdependências entre nações, empresasmultinacionais e conglomerados financeiros. Capraafirma que foi o biólogo Ludwig Von Bertalanffyque lançou as bases do pensamento sistêmico, issoem meio a uma crise paradigmática que colocavaem xeque a epistemologia de base cartesiana. Emresumo, o pensamento sistêmico transfere o focodas partes para o todo e, neste, o que se pensa ser“parte” é um “padrão” posto em uma teiainseparável de relações. Tais relações formamsistemas de onde emergem propriedades distintasdos padrões que se relacionam, de modo que aspropriedades de um sistema não são o simplesresultado da soma das propriedades dos padrõesconstituintes. Além disso, observam-se níveis desistemas que se relacionam para formar sistemasmaiores, ou seja, sistemas funcionando comopadrões de outros sistemas (2000, p. 46-55).

O pensamento sistêmico pode ser utilizadocomo ferramenta metodológica na visualização do

fenômeno da globalização. Para tal fenômeno, osEstados, empresas multinacionais e conglomeradosfinanceiros são padrões presos em teias derelacionamento que resultam em diversos sistemas,nos quais seria possível localizar facetas daglobalização e a formação do soberano privadosupraestatal. Considerando tal assertiva, busca-seem Wallsertein a constatação de que o que sedesenvolve é a economia-mundo e não os países(2000, p. 223). Aplicando-se o pensamentosistêmico, tem-se que as propriedades do sistemaeconômico mundial não se equivalem à soma daspropriedades das economias nacionais.

No entanto, deve-se ter muita cautela, poisas teorias sistêmicas foram concebidas no bojo dasciências biológicas com o objetivo de explicar ainterdependência necessária entre seres vivos e,consequentemente, fundamentar as novas visõesda ecologia. A Biologia está no campofenomenológico, sendo que, nesse, os padrões erelações formadoras de sistemas são naturais. AEconomia e o Direito, por outro lado, integram ocampo do dever-ser, situação em que padrões,relações e sistemas são criações humanas. A faltade cuidado na adaptação metodológica pode levarao equívoco de se pensar que o sistema-mundo ea economia-mundo são naturais, o que ocasionariaum retrocesso às ideias do liberalismo clássico.Afinal, consoante Santos adverte, a globalizaçãonão é espontânea, mas um conjunto de decisõespolíticas (2005, p. 50).

Compreendido a ideia de soberano privadosupraestatal, recorre-se a Galbraith, quando estefala da inquietude que faz os “homens pensaremcomo, por quem e para que finalidade sãogovernados.” (1998, p. 260-261). Questiona-se,então, onde se situa o Direito no cenárioglobalizado.

A ordem jurídica, na maior parte, figura comoarcabouço de sustentação do modo de produçãocapitalista, desenhando princípios encantadores àsociedade, tais como o princípio da legalidade, daigualdade e da legitimidade. Todavia, Coelhoadverte que “em geral apresentados,ideologicamente, como uma conquista dacivilização, tais princípios, a rigor, pelo tratamentoque recebem da tecnologia jurídica, revelam-secomo instrumentos de reprodução das relações depoder, da própria dominação.” (2005, p. 75).

A dogmática do século XX, como se observaem Kelsen (2002), firmou-se em uma estruturacientífica que estabeleceu em definitivo omovimento constitucional e privilegiou a hierarquia

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das normas. Ainda que não se discorde de Coelhoquanto à reprodução das relações de poder no seiode determinados princípios, são inegáveis algumasconquistas do modelo dogmático, tais como aposição de destaque que hoje é atribuída aos direitosfundamentais da pessoa humana.

Todavia, a impotência deste modelo éevidente quando considerado o mundo globalizado.Ocorre que a existência, validade e eficácia dasnormas são restritas aos Estados nacionais, nosexatos limites de suas soberanias. Ou seja, nãoalcançam o capital transnacional. Não é à toa queo pensamento jurídico crítico ganhou fôlego no fimdo século XX. Wolkmer é enfático: “o atual estágiode desenvolvimento da modernidade confirma oslimites e a insuficiência dos modelos culturais,normativos e instrumentais que justificam adimensão da vida, a organização social e osparâmetros de cientificididade.” (2002, p. 171).

Observa-se um esgotamento de modelosnormativos e, conforme salienta Ianni, “o capitalismo,enquanto modo de produção e processo, cria e recriao Estado-nação, assim como o princípio da soberaniaque define sua essência.”. O dilema consiste emconstatar se há ruptura em âmbito global assinalandoo declínio do Estado-nação e a emergência de novoscentros mundiais de poder (2002, p. 41-48).

O Estado-nação não controla o fluxo decapitais transnacionais e a soberania está afetadapelas agências financeiras internacionais(SANTOS, 2005, p. 36-37). Os conglomeradostransnacionais adquirem proeminência sobre aseconomias nacionais e se constituem nos agentesda internacionalização do capital (IANNI, 2002,p. 56). “Que tipo de autoridade, portanto, surgiránum novo cenário transnacional e societário?”(DREIFUSS, 1999, p. 325). Capella aponta osoberano privado supraestatal, e em tal fato resideo grave problema da insuficiência dos sistemasjurídicos nacionais para contrabalancear o poderdesse “soberano”.

4 CONSIDERAÇÃO FINAL

A crise financeira deste início de séculorevelou definitivamente o problema. Um breveestudo sobre a engenharia financeira que criou ostítulos subprime e instrumentalizou sua negociaçãoem diversos países, sob diferentes alcunhas,demonstra semelhanças assustadoras entre ascondutas dos engenheiros financeiros com o tipospenais como estelionato e falsidade ideológica.Todavia, sendo tais condutas praticadas no cenário

transnacional, os Estados-nações não foram hábeisem prevenir a crise e apenar eventuais culpados,pois seus sistemas jurídicos não são suficientes paraalcançar o capital transnacional.

“De forma errática ou sistemática, opensamento científico está sendo provocado pelosdesafios da globalização do capital.” (IANNI, 2002,p. 71). “Entramos numa transição anárquica e oresultado, mais ou menos igualitário e democrático,é incerto.” (WALLERSTEIN, 2003, p. 23). Nessecenário de incerteza, pouco se pode afirmar ouconcluir além de que a dogmática que sustenta apureza hierárquica das normas somente nasoberania nacional é insuficiente para enfrentar osimpasses da globalização econômica, em especialpara contrabalancear o poder do soberano privadosupraestatal.

Aterrador, no entanto, é não se vislumbrarsolução imediata. O ano de 2012 começa com oanúncio de recessão econômica em diversos paíseseuropeus, ou seja, em breve, a economia daAmérica Latina será afetada, novamente, comoum filme velho insistentemente repetido. Aseconomias nacionais não contam com proteçãojurídica efetiva, pois a força do Direito ainda nãotranscende fronteiras. Observa-se na globalizaçãoeconômica o sonho liberal da ausência do Estado,já que Estado transnacional ainda não existe. Sendoassim, o cidadão de cada país é refém do soberanoprivado supraestatal.

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RESENHA

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MAINARDI, Diogo. A Queda: as memóriasde um pai em 424 passos. Rio de Janeiro:Record, 2012.

Recordando que na Declaração Universaldos Direitos Humanos as Nações Unidasproclamaram que a infância tem direito acuidados e assistência especiais;Convencidos de que a família, como grupofundamental da sociedade e ambientenatural para o crescimento e bem-estar detodos os seus membros, e em particular dascrianças, deve receber a proteção eassistência necessárias a fim de poderassumir plenamente suasresponsabilidades dentro da comunidade;Reconhecendo que a criança, para o plenoe harmonioso desenvolvimento de suapersonalidade, deve crescer no seio dafamília, em um ambiente de felicidade,amor e compreensão;Considerando que a criança deve estarplenamente preparada para uma vidaindependente na sociedade e deve sereducada de acordo com os ideaisproclamados na Cartas das NaçõesUnidas, especialmente com espírito de paz,dignidade, tolerância, liberdade,igualdade e solidariedade;[...]Tendo em conta que, conforme assinaladona Declaração dos Direitos da Criança,“a criança, em virtude de sua falta dematuridade física e mental, necessitaproteção e cuidados especiais, inclusivea devida proteção legal, tanto antesquanto após seu nascimento.” (Convençãosobre os Direitos da Criança - Preâmbulo).

As belas palavras de abertura da Convençãosobre os Direitos da Criança (1989) sintetizam aessência do cuidado que deve amparar o todo oprocesso de desenvolvimento infantil, daconcepção ao parto e deste ao florescimento queconduz o infante à idade adulta. Toda criança deveser protegida, amparada, acolhida e, para além de

A REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E OLIVRO “A QUEDA”, DE DIOGO MAINARDI

Liz Helena Silveira do Amaral Rodrigues1

1 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora universitária, responsável pelas disciplinasDireito Internacional Público, Biodireito e Metodologia da Pesquisa II. Coordenadora do Programa Especial deTutoria do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho

todos estes cuidados, deve ter seu melhor interesseposto acima que qualquer outro interesse, dequalquer outra pessoa, instituição ou Estado. Porser tão preciosa, a criança vem primeiro. Noentanto, como relata Diogo Mainardi, não foi o queocorreu com seu filho mais velho, Tito.

Mainardi é conhecido por sua verve ácida epor sua coluna, mantida por muitos anos em revistade periodicidade semanal, destinada,primordialmente, à análise ferina da arena políticabrasileira. No entanto, em “A Queda”, Mainardinão é Diogo, é o pai de Tito, a quem o autor serefere como “meu Deus, minha Lei da Gravidade,meu sobrevivente de Auschwitz, minha tartaruga,minha vitória-régia, meu Lou Costello, meu RicardoIII, meu James Stewart, minha Queda da Bastilha,meu Jacopo Tintoretto, minha Scuola Grande diSan Marco.”.

Mais que um livro de memórias, “A Queda”é uma poderosa declaração de amor de Diogo aTito.

Mainardi define a vida de Tito como“circular” e, ao longo do livro, passeia pela História,estabelecendo associações entre a vida de Tito eobras de arte (pinturas, esculturas, arquitetura,literatura, cinema, música e até games); em umconstante ir e vir, o autor se vê, juntamente com aesposa, em um quadro pintado em 1725, em umtrecho da “Divina Comédia”, em uma esculturagloriosa. Não é uma estrutura usualmente adotada– a obra foi dividida em 424 microcapítulos, algunscompostos por apenas uma fotografia –, masatende ao propósito de permitir ao pai livrementepensar sobre seu amor por este filho.

Cumpre destacar que a gestação de Titotranscorreu normalmente e, até a data do parto, oseu desenvolvimento era normal. Porém, o dia donascimento caiu em um sábado, e a médicaresponsável pelo procedimento decidiu apressar oparto, para poder ir embora mais cedo. E, em razãoda manobra, Tito foi asfixiado no ventre maternoe, por muito pouco, quase morreu.

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Mainardi, extremamente racional, conta que,quando soube do ocorrido, informado pelo pediatraque lhe dizia que Tito tinha poucas chances desobrevivência, chegou a ponderar que, talvez,esperaria que ele morresse. No entanto, ao ver omenino – verde, “Tito nasceu verde” – sozinhoem sua incubadora, aguardando transporte parauma UTI pediátrica em outra cidade, “tudo setransformou. Eu só queria que ele sobrevivesse,porque eu o amaria e o acudiria de qualquermaneira.”.

A ideia de melhor interesse da criançaperpassa as memórias de Mainardi sob muitosvieses. A partir do momento em que Diogo deixade ser Diogo e se torna o pai de Tito, o autor moldaa sua vida em prol do que melhor atenderia ao seufilho. Muda de país, viaja o mundo, refreia desejospessoais. Nada é mais importante que Tito. “Tito éo todo”, chega a afirmar.

Sob outra perspectiva, contudo, observa-seque, na conduta da dottoressa F., a médicaresponsável pela manobra desastrada que resultouna paralisia cerebral de Tito, o princípio do melhorinteresse da criança não poderia estar maisausente: para além da vida do bebê, a possibilidadede ganhar algumas horas de descanso em um fimde semana. Para além do melhor interesse doinfante, o melhor interesse da médica.

Mainardi comenta que, ao publicar o MalleusMaleficarum, o inquisidor alemão Kramer tratoudas “parteiras-feiticeiras que cometiam o maismedonho de todos os crimes quando assassinavamrecém-nascidos”; ao apressar o parto de Tito, adottoressa F. asfixiou-o no ventre, e o garoto nãoescapou ileso; deixando perceptível a fúria paternaem razão da imperícia que alterou o destino deTito, Mainardi indica que, em vez de torturá-la, teveque conformar-se com um ressarcimento emdinheiro, oriundo do processo movido contra ohospital.

O ressarcimento em dinheiro, ainda que nãotenha papel essencial na compreensão dasmemórias do autor, é o meio que permite asseguraro futuro de Tito. Para além dos gastos necessáriosao seu adequado desenvolvimento – providos porseus pais – a indenização permite ao autor deixarde se preocupar em “acumular dinheiro para Tito”.Ainda que o garoto tenha sido estimulado até à(quase) independência, há limites intransponíveispara o que um paralisado cerebral pode fazersozinho; a autonomia plena nunca será alcançada.Sob este aspecto, o amparo financeiro éfundamental.

Ainda que não seja usual, a própriaconsecução da indenização em dinheiro pode seranalisada sob a perspectiva do melhor interesseda criança. Observa-se que, no Brasil, processosmotivados por erros médicos ainda são raros e,mesmo quando o autor, vítima do dano, é vitoriosona demanda, a indenização não costuma sersuficiente para lhe amparar por todo o tempo devida e lhe garantir conforto e bem-estar. Destemodo, a milionária indenização obtida junto aoTribunal Civil de Veneza, ainda que incapaz dedevolver ao menino a vida que lhe foi tirada pelapressa e pela ação desastrada da dottoressa F., éhábil a lhe garantir um futuro estável. “Daqueledia em diante, [Tito] passou a produzir seus própriosovos.”.

Ainda que a associação de Diogo Mainardià Convenção dos Direitos da Criança não seja umaopção de primeira ocorrência, a leitura da obrapermite compreender a profundidade da realizaçãodo mencionado princípio na vida do autor. Adescrição dos esforços, o desprendimento, adedicação, a alegria e a curiosidade com que ocriador observa sua “criatura” permitem perceberque não há obstáculo que lhe pareça insuperável.A aceitação do filho especial e a ausência deexpectativas – o que lhe permite um olhar dedeslumbramento – surgem em analogias estranhas,tais como a afirmação de que era como se lhetivessem dito que seu filho era búlgaro ou que Titopassou a unir o “descontrole motor do monstro e oespírito galhofeiro de Lou Costello.”.

A Convenção indica, em seu preâmbulo, quetoda criança deve crescer em um ambiente defelicidade, amor e compreensão. Ao partilhar fotoscom seus leitores, Mainardi permite vislumbres dafelicidade de Tito. Como pai, busca trazer ao seufilho bons exemplos, histórias de outros paralisadoscerebrais e seus feitos – para, a seguir, perceberque o garoto desliga o VoIP, demonstrando serperfeitamente feliz do jeito que é e “dispensandobons exemplos.”.

A profundidade da compreensão e aceitaçãoque cercam Tito e suas circunstâncias pode sernotada por toda a obra e, especialmente, quando oautor relata todas as mudanças e adaptações feitasna vida da família. Em nenhum momento Tito épercebido como um estorvo, um peso ou umapreocupação. O autor não se lamenta; aceita ofilho como é: “Eu aceitei a paralisia cerebral deTito. Aceitei-a com naturalidade. Aceitei-a comdeslumbramento. Aceitei-a com entusiasmo.Aceitei-a com amor.”.

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Dessa aceitação, surge o espaço que permiteo desenvolvimento do garoto. Tito, com sua família,desenvolve suas habilidades e características aomáximo e, de acordo com o autor, percebe suacondição com leveza e entusiasmo. Em entrevistarecente, Mainardi chegou a comentar que, sob suaperspectiva, o filho entende que vive em um mundomais privilegiado: não precisa pegar filas, seubanheiro é maior, os pequenos incômodos diárioslhe parecem mais leves.

Em relação ao amor, cumpre destacar que,ainda que transmitido em uma linguagem poderosa,o afeto expresso por Mainardi em relação ao seufilho não é feito de modo piegas ou romantizado –o que, em determinados momentos da leitura, chegaa provocar algum estranhamento. Porém, a umasegunda leitura, percebe-se que o estabelecimentode associações entre o que lhe era conhecido e oque lhe era desconhecido foi a maneira encontradapelo autor para expressar, de forma intelectual, aprofundidade do sentimento em questão.

Segundo o Princípio VI, da DeclaraçãoUniversal dos Direitos da Criança (1959), “acriança necessita de amor e compreensão, para o

desenvolvimento pleno e harmonioso de suapersonalidade; sempre que possível, deverá crescercom o amparo e sob a responsabilidade de seuspais, mas, em qualquer caso, em um ambiente deafecto [sic] e segurança moral e material.”. Titotem tudo isso: amor, compreensão, amparo, paisresponsáveis. Neste ambiente favorável, o meninocresceu e se desenvolveu e agora, pré-adolescente,caminha para o máximo de sua autonomia. “Oparaíso era um lugar onde Tito podia caminhar semmim.”.

Mainardi informa aos leitores que, com opassar do tempo, a paternidade se tornou suaideologia e que, aos poucos, foi perdendo o interessepela política e outras questões relativas à sua terranatal. Involuntariamente, pode-se considerar que,ao transformar a paternidade em ideologia,Mainardi também se transformou em figura icônica,ao se tornar uma das personificações do princípiodo melhor interesse da criança.

Recomenda-se a leitura da obra e a reflexãosobre as inúmeras nuances sob as quais o referidoprincípio pode ser observado. A nuance Mainardié uma delas.

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