fatores críticos para a sustentabilidade do orçamento participativo – leitura a partir do caso...

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Departamento de Sociologia Fatores Críticos para a Sustentabilidade do Orçamento Participativo leitura a partir do caso do Município de Odivelas Pedro David Gomes Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Sociologia e Planeamento Orientador: Doutor Walter José dos Santos Rodrigues, Professor Auxiliar, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa Co-orientador: Doutor Giovanni Allegretti, Investigador Sénior, Universidade de Coimbra CES Junho, 2012

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Orçamento paricipativo

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  • Departamento de Sociologia

    Fatores Crticos para a Sustentabilidade do Oramento Participativo

    leitura a partir do caso do Municpio de Odivelas

    Pedro David Gomes

    Dissertao submetida como requisito parcial para obteno do grau de

    Mestre em Sociologia e Planeamento

    Orientador:

    Doutor Walter Jos dos Santos Rodrigues, Professor Auxiliar,

    ISCTE - Instituto Universitrio de Lisboa

    Co-orientador:

    Doutor Giovanni Allegretti, Investigador Snior,

    Universidade de Coimbra CES

    Junho, 2012

  • INDICE GERAL

    Pgina

    Resumo i

    Agradecimentos iii

    Glossrio de Siglas iv

    INTRODUO 1

    CAPTULO I METODOLOGIA 5

    Conceitos 5

    Dimenses de anlise e limites da pesquisa 5

    CAPTULO II - DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E PROCESSOS

    PARTICIPATIVOS

    9

    Das noes de democracia e dos modelos de participao democrtica 9

    Desafios participao e caracterizao dos processos 10

    Revisitando outros conceitos 12

    CAPITULO III - BREVE CARACTERIZAO DO MUNICPIO DE

    ODIVELAS

    13

    Poder local e contexto social 13

    Apontamentos sobre o movimento de moradores e o associativismo local 14

    CAPTULO IV - O ORAMENTO PARTICIPATIVO 17

    No Brasil e na Europa 17

    Em Portugal 19

    Introduo ao Oramento Participativo de Odivelas (2008-2010) 21

    CAPTULO V - CONFRONTANDO O OP DE ODIVELAS COM OS MANUAIS 25

    Notas prvias sobre a implementao do OP em Odivelas 25

    Incio e Implementao 25

    Condies prvias 26

    Dimenso Financeira 28

    Dimenso participativa 29

    Dimenso normativa / legal 33

    Dimenso territorial 34

    Balano dos Resultados 35

    Cumprimento dos objetivos e expetativas 35

    Fatores de risco dos OP e reflexes sobre o OPdO 37

    CONCLUSO E REFLEXES FINAIS 41

    FONTES 46

    BIBLIOGRAFIA 47

    ANEXOS 54

  • INDICE DE QUADROS

    Pgina

    Quadro 1 Eleies Autrquicas e Legislativas de 2005 e 2009, totais nacionais e do concelho de Odivelas

    57

    Quadro 2 Modelos de Oramento Participativo na Europa e na Amrica Latina 58

    Anexo 4 Sntese Global das Entrevistas 59

    Quadro 4 Presenas nos Fruns do OP2009 78

    INDICE DE FIGURAS

    Pgina

    Figura 1 Mapa do Concelho de Odivelas 57

  • i

    Resumo

    O Oramento Participativo (OP) tem sido reconhecido como instrumento potencial de renovao da

    participao democrtica e da legitimidade das polticas pblicas das autarquias. Est hoje

    disseminado pelo mundo, com incidncia na Amrica Latina e na Europa. Mais de duas dcadas desde

    o seu incio em Porto Alegre, a pluralidade de contextos onde foi implementado reflete-se na forma

    como so desenhados e executados. Na perspetiva da sua sustentabilidade tm vindo a ser estudados

    os fatores que influenciam a sua longevidade. Nesta linha, esta dissertao prope-se fazer o mesmo, a

    partir do caso do OP de Odivelas.

    Comeamos por situar o debate no seio das teorias democrticas que versam sobre a problemtica da

    participao na legitimao poltica dos governos. Em seguida, descrevemos as formas como o

    conceito tem sido apropriado. O OP de Odivelas (2008-2009) analisado luz das dimenses de Yves

    Cabannes, das recomendaes dos Manuais de implementao de OP e do discurso de trs tipos de

    intervenientes: Grupo de Trabalho, elite poltica e lderes de associativos (com nfase nas Comisses

    de Moradores/Proprietrios).

    A leitura das fragilidades detetadas neste processo o pano de fundo para entender as continuidades e

    descontinuidades na (nova) forma de fazer e participar na vida poltica. Os resultados mostram a

    importncia de fatores como confiana e vontade poltica, objetivos e regras, partilha de informao,

    gesto de expetativas e grau de execuo das propostas selecionadas para a sustentabilidade dos OP.

    Palavras-chave: Oramento Participativo, Participao, Democracia, Manuais de implementao,

    Fatores Crticos; Odivelas.

  • ii

    Abstract

    Participatory Budgeting (PB) has been recognized as a potential tool for the renewal of democratic

    participation and for legitimizing the public policies of local governments. It is today spread

    throughout the world, especially Latin America and Europe. More than two decades since its inception

    in Porto Alegre, the plurality of contexts where it was implemented is reflected in how they are

    designed and executed. Looking upon its sustainability it has been studied the factors influencing their

    longevity. This dissertation carries out the same exercise by focusing upon the case of the PB of

    Odivelas.

    We begin by placing the debate within the democratic theories that deal with the issue of participation

    and the political legitimacy of governments, and then we describe the ways through which the concept

    has been appropriated. The analysis of PB of Odivelas (2008-2009) is made in the light of the

    dimensions proposed by Yves Cabannes, the recommendations of implementation of PB Manuals, and

    the discourse of three types of actors: elements of the Working Group of the PB, political elites and

    leaders of associations (with emphasis on Neighborhood Committees / Owners).

    The understanding of the weaknesses detected in this process is the background to account for the

    continuities and discontinuities of this (new) way of making and participating in political life.

    The results reveal the importance of factors such as trust, political will, clear objectives and rules,

    information sharing, management of expectations and level of implementation of the selected

    proposals for the survival of the PB.

  • iii

    Agradecimentos

    Esta dissertao tambm o resultado do esforo, da dedicao e aprendizagem que recebi de muitas

    pessoas a quem quero agradecer.

    Em primeiro lugar, gostaria de expressar o meu agradecimento ao professor Dr. Walter Rodrigues pela

    oportuna orientao dada ao longo de muitos meses. O rigor no mtodo, nas metas e nas sugestes que

    foi propondo, de um processo de trabalho no to linear quanto o inicialmente planeado, foram uma

    ajuda mpar e determinante.

    Quero igualmente agradecer ao Professor Dr. Giovanni Allegretti a inexcedvel dedicao e ateno

    que sempre mostrou desde o primeiro dia. O muito que aprendi deve-se em grande parte sua

    orientao mas tambm motivao e sua incansvel disponibilidade para me escutar atravs de

    uma relao aberta e franca que sabiamente soube incutir.

    Por outro lado, quero agradecer a todas as pessoas que concederam o seu tempo, com maior ou menor

    interesse, para me falarem da sua viso e experincia do OP de Odivelas. Comeando na senhora

    Presidente da Cmara Municipal de Odivelas e nos tcnicos e ex-tcnicos que amavelmente

    consentiram em dar o seu contributo. E, no menos importante, finalizando em todos aqueles que

    souberam receber um estranho, por vezes em suas casas, para falar e discutir sobre a cidade onde

    moram, o bairro onde vivem.

    Finalmente, quero agradecer a todos os meus amigos, cada um com a sua sabedoria, sempre me

    ajudaram a tentar medir a importncia das coisas, incluindo a desta dissertao. Um viva tambm ao

    seu apoio e compreenso.

    No seria de todo justo seno destacasse uma amiga em particular, a Eda. Quero agradecer-lhe todos

    os conselhos mas, acima de tudo, a amizade, fora e inspirao que constituram um papel

    fundamental, em especial nos momentos em que mais precisava.

    Por fim, quero agradecer aos meus pais pois sem o seu apoio e pacincia este trabalho no teria sido

    possvel. A eles dedico este trabalho, por tudo e por muito mais.

  • iv

    Glossrio de siglas

    AdM - Associao de Moradores

    AF - assembleia de Freguesia

    A.M.L. - rea Metropolitana de Lisboa

    AM Assembleia Municipal

    AMO - Assembleia Municipal de Odivelas

    AUGI - reas Urbanas de Gnese Ilegal

    BE - Bloco de Esquerda

    CDS - Centro Democrtico Social

    CDU - Coligao Democrtica Unitria

    Cit. - Citao [remete para a lista de citaes. Ver ANEXO 5 LISTA DE CITAES, p.65-78]

    CM - Cmara Municipal

    GT - Grupo de Trabalho

    GT OP - Grupo de Trabalho do Oramento Participativo

    JF - Junta de Freguesia

    LA - Lder(es) Associativo(s)

    L.G.O.E. - Linhas Gerais de Orientao Estratgica

    LP - Lder(es) Poltico(s)

    MUPI - Mobilirio Urbano Para Informao

    OB - Olival Basto

    OG - Oramento Geral

    OP - Oramento Participativo

    OPdO - Oramento Participativo de Odivelas

    PCM - Presidente da Cmara Municipal

    PCMO - Presidente da Cmara Municipal de Odivelas

    PDM - Plano Diretor Municipal

    PDS- Plano de Desenvolvimento Social

    PJF - Presidente de Junta de Freguesia

    PS Partido Socialista

    PSA - Pvoa de Santo Adrio

    PSD - Partido Social Democrtico

  • 1

    INTRODUO

    Da Antiga Grcia at aos nossos dias, o tema da participao poltica tem estado indissocivel da

    teorizao sobre a democracia, enquanto modelo ideal de regulao da sociedade. Se, na democracia

    ateniense, a participao (reservada aos cidados com esse direito) se processava de forma direta, na

    democracia moderna, processa-se de modo mais indireto, atravs do processo eleitoral de escolha dos

    representantes. A questo de que os indivduos podem tornar-se melhores cidados ao participar

    ativamente na poltica e de que a qualidade desta fica, por esse motivo, melhorada tem estado no

    centro do debate da teoria poltica ao longo do sculo XX.

    Num quadro global de disseminao de prticas participativas, algumas experincias tm vindo a

    renovar este debate ao posicionarem-se como alternativas aos processos tpicos do modelo vigente de

    democracia liberal e procurando a resoluo de alguns dos problemas (corrupo; o acentuar das

    desigualdades sociais, por exemplo) que tm vindo a afetar a relao entre a Sociedade e Estado. O

    Oramento Participativo (OP) tem sido um elemento relevante nos debates que questionam os

    problemas e limites da democracia representativa.

    O interesse pelos OP reside, em boa parte, no potencial que encerram para reinventar as regras do jogo

    democrtico. Com efeito, os seus princpios e procedimentos promovem um balano contnuo entre

    representao e participao, e apontam caminhos para aprofundar a qualidade da democracia.

    O OP tem sido utilizado principalmente escala municipal e est presente em vrias regies do mundo.

    Desde as primeiras experincias de participao popular na gesto oramental em autarquias

    brasileiras dos anos oitenta1, at sua difuso por outros continentes, o OP tem suscitado discusses

    oriundas de vrios quadrantes ideolgicos e cientficos (da filosofia e do direito, das cincias

    econmicas e da Administrao Pblica, da cincia poltica e da sociologia). A sua implementao na

    Europa tem oferecido aos estudiosos um naipe considervel de modelos, adaptaes e interrogaes.

    Desde 2008, assistiu-se, em Portugal, a uma vaga de processos de implementao de OP, que

    ascenderam a mais de vinte casos, dispersos pelo pas e promovidos sobretudo por foras polticas

    situadas esquerda do espectro poltico-partidrio2. Alguns dos OP foram, entretanto, suspensos.

    Neste trabalho, debruamo-nos sobre uma das questes que tem suscitado mais interesse no estudo

    deste tema e que se prende com a sustentabilidade do OP. Partindo da experincia concreta do

    municpio de Odivelas, o nosso objetivo o de responder s seguintes questes: Que fatores explicam

    a suspenso do OP de Odivelas (que vigorou entre 2008 e 2009)? E que fragilidades detetadas no OP

    1 Consta que tero sido a Prefeitura de Vila Velha no Esprito Santo (1986 a 1988) e a de Lages, no Estado de

    Santa Catarina, onde se adotaram pela primeira vez as ideias que viriam a ecoar pelo pas e que desembocaram

    na primeira implementao oficial de um Oramento Participativo, em 1989, no Rio Grande do Sul.

    2 Sem que isso signifique qualquer partidarizao nacional do processo; a ideia de que a um posicionamento

    mais esquerda corresponder uma maior radicalidade da experincia , alis, contrariada pelo atual caso do OP

    de Cascais.

  • 2

    de Odivelas ajudam a elucidar a volatilidade3 dos OP portugueses? Ao analisar uma nova experincia

    de participao cidad, a partir de um caso tpico da primeira gerao dos OP portugueses, tentamos

    compreender as variveis e fatores que explicam a instabilidade ou a menor durabilidade do processo

    participativo.

    A opo pelo caso de Odivelas relevante por vrias razes. Primeiramente, por tratar-se de um caso

    que nunca foi estudado, podendo, por conseguinte, contribuir para a historiografia dos OP no contexto

    portugus, para um melhor entendimento deste fenmeno, e tambm para o debate terico sobre este

    tema, uma vez que nesta dissertao, aplicam-se modelos tericos existentes num contexto que nunca

    foi explorado. Em segundo lugar, por apresentar vrias caractersticas comuns a outros OP

    portugueses: so desenvolvidos no tecido urbano de uma metrpole, liderados pelo/a Presidente da

    Autarquia, so de cariz consultivo e envolvem mais do que uma plataforma de participao (Fruns e

    Internet). Em terceiro lugar, porque se trata de um caso que foi suspenso, pela mesma fora de

    governo que o lanou. Facto que permite, por um lado, observar uma descontinuidade da governao

    dentro da continuidade do sistema de governo e, por outro lado, dialogar com os seus principais atores

    na procura de uma resposta pergunta de partida. Este estudo de caso possibilitar ainda recolher

    boas prticas que podero ser teis para outros processos, no sentido em que podero prevenir o

    risco do seu enfraquecimento e eventual termo. Este estudo exploratrio ambiciona, em ltima

    instncia, dialogar com tipologias e concluses j existentes. E, desse modo, contribuir para diminuir

    as insuficincias no campo da literatura sobre os OP em Portugal.

    Tratando-se de um estudo de caso, os resultados no podem ser generalizados ao universo dos OP

    portugueses, mas possibilitam um contributo qualitativo para o estudo deste fenmeno em Portugal.

    Antes de mais, pela introduo na realidade portuguesa da anlise de Manuais de implementao de

    OP. A vantagem dos Manuais prende-se, tambm, com a possibilidade de se escrutinarem respostas

    atravs dos erros dos outros.

    Depois, porque ao focalizarmo-nos num estudo de caso apresentamos uma anlise mais profunda e

    detalhada da forma como os diferentes dispositivos da arquitetura do OP configuram vrias

    possibilidades e tipos de relaes de poder. Estas relaes iro influenciar o alcance das prticas, a

    dinmica participativa e os resultados finais (investimentos) deste processo. No caso de Odivelas, a

    nossa anlise demonstra que a conjugao de fatores de ordem poltica, procedimental e financeira -

    tais como vontade poltica sustentada, clareza de regras e objetivos, mobilizao, divulgao e

    participao, prestao de contas, recursos financeiros e grau de execuo dos projetos - gerou

    fragilidades que, em dois anos, expuseram ao observador a volatilidade (e as foras) do OP.

    3 A volatilidade dos OP portugueses foi um termo empregue por Cabannes (2004a) para tentar descrever o

    fenmeno aparente de muitos dos processos implementados terem sido suspensos.

  • 3

    Esta dissertao est organizada em cinco Captulos. O Capitulo I descreve a metodologia,

    nomeadamente os principais conceitos que vamos utilizar, assim como o desenho de investigao e

    dimenses de anlise centrais. O Capitulo II apresenta o estado da arte sobre democracia participativa

    e discute os principais modelos e processos participativos, convocando ainda outros conceitos vindos

    de campos tericos da Sociologia Urbana e da Administrao Pblica. No Captulo III efetuamos uma

    breve contextualizao do municpio de Odivelas, para alm da evoluo demogrfica e poltica

    destacamos a dinmica do poder local e do movimento associativista, por serem fundamentais para

    enquadrar este caso. O Captulo IV dedica-se inteiramente ao estudo do OP; assim, partimos de uma

    comparao inicial entre os modelos sul-americanos e modelos europeus para num segundo momento,

    olharmos para panorama da experincia portuguesa e mais em concreto para o caso de Odivelas. No

    Capitulo V identificamos os fatores crticos do OPdO, dissecando algumas das suas fragilidades, luz

    dos Manuais sobre implementao dos OP e das entrevistas que realizamos junto da elite poltica e

    associativa local. Esta anlise estruturada de acordo com as dimenses de anlise de Cabannes

    (2004). Por fim, apresentamos as concluses mais interessantes deste estudo.

  • 4

  • 5

    CAPTULO I METODOLOGIA

    Conceitos

    Os estudos sobre os OP descendem dos debates tericos acerca da democracia participativa e gravitam

    em torno de vrios conceitos, nomeadamente a participao poltica, descentralizao, poder local e

    cidadania. Neste sentido, procuraremos oferecer um perspetiva integrada dos vrios conceitos que

    animam esta rea de saberes, destacando j trs dos principais conceitos. Dada a conotao do modelo

    da democracia participativa com vrios processos e a sua disperso pelo mundo, entendemo-la aqui

    como uma categoria geral compreensiva de um universo de novas prticas e dispositivos

    (processo, procedimento), e em que a maior parte das experincias dizem respeito atividade da

    Administrao Pblica, ocorrendo principalmente pela ao direta dos cidados, da sociedade e do

    executivo - o governo local em primeiro lugar, mas tambm o regional e estatal (U. Allegretti, 2011,

    295). Para efeitos de validao conceptual do OP de Odivelas, adotamos a sua definio genrica: um

    dispositivo que permite a cidados no eleitos participar na conceo ou na repartio de fundos

    pblicos4. (Sintomer, 2007: 204). Na mesma linha, definimos participao nos termos de Melucci

    (1996: 306):

    Primeiro, consiste no reconhecimento da pertena a uma comunidade, identificao com os interesses

    gerais e ao na prossecuo dos objectivos comuns. Segundo, a participao a defesa de interesses

    particulares num contexto competitivo, uma tentativa de exercer influncia na distribuio do poder a

    favor de grupos especficos.

    Dimenses de anlise e limites da pesquisa

    Tendo em conta o carcter recente da experincia do OP em Portugal, o modelo de anlise que

    definimos resulta de uma pesquisa prvia em que comeamos pela identificao de pontos confluentes

    e sugestes comuns aos diversos Manuais ou Guias de OP5, para depois definirmos um quadro

    referencial normativo sobre a implementao de um processo de OP, e identificar os fatores crticos

    para a sua sustentabilidade. Dada a singularidade de cada contexto que serve de referncia emprica

    aos Manuais, no se pretendem apresentar os resultados destes estudos como receitas indiscutveis

    para a sustentabilidade dos OP. A opo pelos Manuais radicada em razes de vria ordem. Antes de

    mais, pela perceo de que constituem um tipo de fonte que mais se debrua sobre a problemtica que

    4 O autor apelida-a de definio minimalista.

    5 So cinco: Manuais, Guias, artigos que ensaiam tipologias, tentam elaborar uma teoria prtica a partir de

    estudos de caso. Uns assumem-se como manuais ou guias e um deles (Falck e Yez, 2011) composto por

    vrios artigos integrados. Para simplificar designamos qualquer destas fontes como Manual.

  • 6

    nos interessa analisar. Em segundo lugar, por serem edies recentes - entre 2008 e 20116 -

    coincidentes com a edio de manuais em lngua portuguesa e com o perodo de maior expanso dos

    OP em Portugal. Uma grande parte das experincias ocorridas aps 2008 recorreu ao apoio consultivo

    e formativo do Projeto OP Portugal7, tendo alguns membros estado envolvidos na elaborao ou

    produo de alguns desses manuais. Em terceiro lugar, interessa verificar se algumas das decises e

    procedimentos tomados pela equipa do Oramento Participativo de Odivelas (OPdO) tinham eco nos

    Manuais. Finalmente, queremos identificar as fragilidades para que, a partir da, se possam construir

    muros de conteno de modo a que futuras experincias estejam melhor preparadas.

    Face variedade de Manuais existentes, foi necessrio construir critrios de escolha (e limitar a

    pesquisa a obras acessveis para consulta). As vrias edies representam a diversidade geogrfica dos

    OP, com enfoque nas experincias europeias, e apresentam uma composio prpria. Tornar-se-ia uma

    tarefa muito rdua tentar encontrar uma terminologia comum aglutinadora das distintas gramticas e

    contedos, sem perder a acutilncia e o sentido lgico. Para contornar este obstculo, procurmos

    identificar fatores e recomendaes comuns. Este trabalho exploratrio foi ancorado na tipologia de

    Yves Cabannes (2004a, 2004b)8. Neste sentido, consideramos as quatro dimenses que esto presentes

    no seu modelo normativa, territorial, participativa e financeira assim como a grande maioria dos

    indicadores descritos. Na dimenso normativa, descrevemos o grau de institucionalizao, as relaes

    entre o OP e outros mecanismos participativos e instrumentos de planeamento. A dimenso territorial

    definida pelo grau de investimento em prioridades fsicas e relao entre o OP e a descentralizao

    intra-municipal. A dimenso participativa tem dois nveis de anlise: o primeiro aborda a participao

    cidad (considera instncia de aprovao final do oramento, formas de participao, rgos de

    deciso para definio das prioridades oramentais, participao comunitria e grau de participao da

    populao excluda) e o segundo detm-se na participao do Governo local (inclui acompanhamento

    das obras pblicas e controlo da execuo do OP, grau de partilha de informao e de disseminao

    dos resultados das propostas aprovadas, grau de concluso dos projetos aprovados e papel do Governo

    local). Por ltimo, na dimenso financeira, descrevemos a origem dos recursos submetidos a debate, a

    forma como os critrios oramentais so definidos, a distribuio de recursos, quem toma as decises

    e os custos municipais. A excluso de alguns indicadores (nomeadamente impacto do OP sobre a

    cobrana de impostos, o grau de ruralizao, entre outros) resultou do facto de no se adequarem

    realidade de Odivelas. Adicionalmente, inclumos dois separadores - Incio e implementao e

    Balano dos Resultados - por ser importante reter estes dois momentos separadamente.

    6 A mais antiga data de 2004, mas teve a reedio portuguesa em 2009, com a incorporao de alguns dos casos

    nacionais.

    7 Ver http://www.op-portugal.org/index.php

    8 O modelo original Cabannes e Baierle, 2004.

  • 7

    A ideia de confrontar os Manuais com as medidas e fragilidades implicadas no processo do OPdO

    permite investigar algumas hipteses sobre a sua volatilidade. As hipteses que apresentamos so-nos

    sugeridas por outros estudos sobre este tema:

    o A implementao de medidas incoerentes com os objetivos do OP produz expectativas difusas e

    conduz desmotivao (Allegretti e Alves, 2011: 3);

    o O atraso nas obras e a falta de apoio poltico sustentado contribuem para a deslegitimao do OP;

    o Um maior grau de envolvimento e mobilizao do tecido associativo aumenta a sustentabilidade

    do OP;

    o Quanto maior a transparncia e monitorizao dos resultados, maior o envolvimento dos cidados

    e grupos da sociedade e, consequentemente, maior a sustentabilidade do OP.

    O trabalho desenvolve-se, portanto, sob a articulao de duas linhas mestras de pesquisa: a terico-

    metodolgica - anlise extensiva de vrios Manuais sobre implementao de OP - e a emprica -

    anlise intensiva da experincia do OPdO confrontada com o deve ser dos processos descritos nos

    Manuais. Utilizaram-se tambm outros tipos de fontes e de abordagens complementares:

    Pesquisa bibliogrfica para documentar, descrever e explicar os processos em causa;

    Aplicao de metodologias de anlise sociolgica:

    A inferncia descritiva (King et al, 1994: 34) - que significa a utilizao da descrio para

    descobrir relaes mais gerais. uma abordagem relevante para este estudo de caso, por

    duas razes. Em primeiro lugar, porque este um fenmeno recente em Portugal. Os

    dados de que dispomos ainda so escassos e as medidas e relaes entre os conceitos esto

    em construo. Da a necessidade de realizar uma anlise exploratria para sistematizar

    tendncias e fatores chave. Em segundo lugar, porque a partir da descrio da experincia

    concreta do OPdO podemos observar semelhanas e diferenas face a outras realidades j

    estudadas;

    A pesquisa qualitativa que incide sobretudo na anlise discursiva enquadra-se na dimenso

    explicativa. Cruzam-se aqui as percees dos atores sociais, coletivos e individuais,

    institucionais e no-institucionais, que intervm neste processo.

    Notas de campo da observao participante em cinco Fruns Participativos ocorridos durante o

    OP 2010 (2 ano) de Odivelas;

    Aplicao de entrevistas semidiretivas.

    Esta tcnica de investigao importante para incorporar uma viso micro no nosso estudo. Com

    efeito, para alm da viso institucional e partidria, era fundamental conhecer a viso dos participantes.

    Neste sentido, porque queramos priorizar a opinio de lderes associativos (LA)9 e por razes

    9 Durante a observao exploratria de algumas sesses pblicas do OP foi notria a participao de alguns

    lderes associativos. A natureza singular das suas intervenes despertou a curiosidade por este tipo de

  • 8

    prticas10

    , optmos por cingir a amostra a estes intervenientes. Adicionalmente, considerando que o

    enfoque do OPdO foram as obras de proximidade e o facto das Associaes/Comisses de

    Moradores/Proprietrios de Bairros de reas Urbanas de Gnese Ilegal (AUGI) serem

    particularmente dinmicas no quadro do movimento associativo local, compreende-se que estas

    organizaes tenham tido maior peso na amostra final11. O mtodo de amostragem foi a Bola de

    Neve. No total foram realizadas 33 entrevistas12 aos seguintes atores-chave: presidente da Cmara

    Municipal de Odivelas (PS) e trs tcnicos do Grupo de Trabalho do OP; um vereador executivo (PSD)

    e um no-executivo (CDU); cinco dos sete presidentes de Junta de Freguesia (exercendo poca);

    lderes partidrios e membros da Assembleia Municipal (BE e CDS)13

    .

    Reconheceu-se, por vezes, a dificuldade de resgatar a memria dos atores (Preissler, 2010). A

    distncia de dois a trs anos desde a sua participao no OP tem o seno de diluir o duplo rigor da

    objetividade e subjetividades:

    In fact, the attempt of reconstructing a posteriori a process where so many energies, emotion and

    expectations where invested, can be misleading () in two opposite directions: (1) one tending to

    romanticize and mythologizing the events, thus over-emphasizing the positive aspects and outputs ();

    (2) the other tending to complete delegitimize the past experience, cancelling even its fruitful aspects.

    (). (Allegretti e Alves, 2011: 7).

    Esta noo no deve ser abandonada na leitura desta obra. De referir ainda que questionar as

    fragilidades de um processo participativo obriga a um olhar transversal ao conjunto das suas

    dimenses.

    participao. A ausncia de testemunhos de cidados comuns, sem filiao partidria ou associativa, uma das

    limitaes do trabalho: a (falta de) viso da sociedade no seu todo. Dada a fraca economia de meios para

    atender com qualidade a tal exigncia cingiu-se a amostra aos LA.

    10 Por razes de confidencialidade e de economia de meios no seria possvel rastrear e identificar todos os

    tipos de participantes. A ausncia de testemunhos de cidados comuns, sem filiao partidria ou associativa,

    uma limitao para a viso da sociedade no seu todo mas que pode ser compensada pelo tipo de experincia e

    maturidade participativa dos LA. 11

    Dentro deste grupo, um especial destaque foi dado Vertente Sul, zona que rene vrios bairros de fortes

    carncias habitacionais e urbansticas, alis, intervencionados logo depois no mbito de um programa de fundos

    sociais europeus.

    12 E cerca de 12 curtas conversas com outros representantes associativos. Do total de entrevistas a este grupo de

    atores apenas nove participaram no OPdO. Muitas entrevistas foram tambm de curta durao. Ver anexos.

    13 A lista detalhada das entrevistas podem ser vistas em Anexo 1 Lista de Entrevistados, pp. 55-56.

  • 9

    CAPTULO II - DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E PROCESSOS PARTICIPATIVOS

    Das noes de democracia e dos modelos de participao democrtica

    A democracia foi objeto de intensa reflexo ao longo do sculo XX. Aps a Segunda Guerra Mundial,

    o debate centrou-se menos no questionamento da democracia enquanto sistema poltico e mais no

    plano das suas insuficincias e na aplicao prtica dos seus princpios. Para este debate, assinalam-se

    as contribuies de Touraine (1992; 1994) e de Bobbio (2000). definio minimalista de Bobbio

    (2000: 22) de regime democrtico enquanto um conjunto de regras de procedimentos para a formao

    de decises coletivas, em que est prevista e facilitada a participao mais ampla possvel dos

    interessados., Touraine adicionou que um regime tanto mais democrtico quanto maior for o

    nmero de pessoas a participarem na tomada de deciso, sublinhando a necessidade de se fazerem

    escolhas reais e que se proteja a maior diversidade possvel (1994, 17; 23). Ambos os autores

    propuseram tipologias, e dissertaram sobre os significados histricos e os sinais de enfraquecimento

    dos regimes democrticos14

    ; o primeiro, defendendo uma real representatividade e o reforo da cultura

    democrtica e o segundo, explorando a complementaridade continuum (2000: 64)) entre democracia

    representativa e de democracia direta.

    Sem embargo, foram as obras clssicas de Schumpeter (1972) e Marshall (1967) que definiram as

    linhas (antagnicas) deste debate; a primeira, propondo um modelo onde a democracia s se torna

    amplamente efetiva em sociedades desenvolvidas, onde o exerccio de governar deve ser delegado em

    polticos profissionais e tecnocratas, e a participao cvica relegada ao ato eleitoral; e a segunda,

    propondo o seu fortalecimento e a ampliao da agenda de discusso pblica como eixos centrais da

    democratizao da democracia (Pineiro e Bonnetto, 2007).

    Existem vrios modelos tericos e prticos de democracia, para alm da representativa: democracia

    direta, democracia deliberativa e democracia participativa que esto entre as mais relevantes para o

    nosso debate. Concentramos a anlise nesta ltima, prescindido de desenvolver o debate sobre as

    outras15

    . , no entanto, importante enunciar alguns dos principais campos de estudo que abraam a

    noo de participao para o desenvolvimento terico sobre a democracia. A participao desempenha

    em democracia o papel de princpio de legitimao das decises que se tomaro (U. Allegretti, 2011:

    14

    Bobbio identifica a existncia de cinco promessas no cumpridas do ideal democrtico, ressalvando, contudo,

    que o contedo mnimo do Estado democrtico no encolheu (2000: 50).

    15 Resumidamente, a democracia deliberativa advoga que a legitimidade das decises polticas advm de

    processos de discusso que, orientados pelos princpios da incluso, do pluralismo, da igualdade participativa, da

    autonomia e do bem-comum, conferem um reordenamento na lgica de poder tradicional. (Lchmann, 2002:

    65). A democracia direta defende a aplicao de mecanismos de participao direta sem contemplar a figura da

    representao. A democracia participativa focaliza-se na participao cidad nas polticas pblicas.

  • 10

    301). Neste mbito, as crises de legitimidade das democracias contemporneas tm estado na raiz do

    debate pblico e cientfico que coloca o tema da participao como conceito nuclear.

    Segundo Neves (2007), delimitar alguns campos de estudo: i) o do desenvolvimento social, onde a

    participao vista como metodologia para projetos de interveno social (Schiefer, 2006; W.B., 1996;

    Chanan, 1999; Gaventa e Valderrama, 1999); e ii) o campo da cincia poltica/social que olha a

    participao como uma ferramenta de combate ao dfice democrtico e s crises que o afetam. Deste

    campo, encontramos duas apropriaes do conceito: a do projeto neoliberal e a da democracia

    participativa, de cuja teoria o Oramento Participativo uma emanao (Santos, 2003). A primeira

    foca a descentralizao e o empoderamento dos grupos de interesses locais que participam atravs de

    acordos e parcerias de coordenao autorregulada, com o objetivo de alcanar uma melhor

    governao16

    . A segunda, onde se ancora o nosso objeto de estudo, defende uma governao

    alternativa a este modelo17

    com base em mecanismos de participao de partilha de poder mais

    inclusivos (Santos, 2003; Fung e Wright, 2001; Avritzer e Navarro, 2003; Bacqu, Rey e Sintomer,

    2005; Daly, Schugurensky e Lopes, 2009). Incide, portanto, mais no processo de transformao do

    poder do que de presso ao poder (Gurrutxaga e Guell, 2007).

    De igual modo, existem vrias formas de participao (Cf. U. Allegretti, 2011). Devido ao seu valor

    lexical e genrico, aqui entendida nos termos de Melucci (1996: 306), mencionados na Introduo.

    Desafios participao e caracterizao dos processos

    As democracias enfrentam hoje desafios ao nvel da desafetao poltica (Viegas, 2004: 1). Alm de

    altas abstenes eleitorais em muitos pases com democracias consolidadas, estudos demonstram que

    uma considervel percentagem das populaes em regimes democrticos no se sente representada

    e/ou no participa minimamente na vida poltica18

    . O dfice democrtico, a par de fenmenos como o

    decrscimo do sindicalismo poltico (Della Porta e Tarrow, 2005), afetam a confiana dos cidados

    nos polticos. Este quadro remete para o que Boaventura S. Santos designa de patologia da

    representao que, por regra, se entrelaa patologia da participao, isto , h uma sensao de

    impotncia, desiluso, o sentimento de desalento porque o voto no far diferena19. Aqui importa-

    nos focar as suas condies de emergncia do ponto de vista social e poltico, de modo a enquadrar os

    16

    Entendemos a governao como o processo de permanente equilbrio entre as necessidades e as capacidades

    de governar (aptido de dirigir, prpria de um sistema poltico), e em que a sua emergncia est associada

    especializao de agentes econmicos, sociais, culturais, administrativos (Kooiman, 1994).

    17 Para uma crtica radical do novo paradigma de governao urbana e do surgimento de uma nova matriz de

    governao contra-hegemnica, ver Santos, 2005.

    18 Um inqurito conduzido por BBC-Gallup (2005) feito a mais de 50.000 pessoas em 68 pases revelou que dois

    teros das pessoas no mundo sentem-se no-representadas pelos seus governos, e s 13% confia nos polticos.

    19 Mal-estar que reflete a dupla patologia das democracias liberais capitalistas. Ver Santos e Avritzer, 2003.

  • 11

    argumentos em prol da participao cidad, como caminho para revitalizar a vida poltica/comunitria

    e aumentar os ndices de confiana no poder poltico.

    Na tica da sustentabilidade dos processos participativos, Herzer e Prez (1995, Apud Chavez, 2011:

    37) assinalam dois dos fatores que mais a condicionam: a presena de um partido poltico ou

    personalidade de governo com uma clara vontade poltica, comprometida em mudar a correlao de

    foras a nvel local; e a presena de organizaes da sociedade civil fortes e autnomas. O plano

    institucional outra dimenso analtica imprescindvel. Uma distino relevante tem a ver com a

    origem e as causas do processo participativo. Ibarra distingue entre participao por convite - quando a

    iniciativa parte da instituio poltica - e participao por irrupo - quando esta conseguida pela

    fora das reivindicaes da sociedade civil (2007: 39). Quanto s causas da participao, o autor

    distingue entre estratgia instrumental simples/limitada, onde os processos so marcados pela lgica

    do consenso e da procura da legitimidade das decises polticas; e a estratgia instrumental complexa

    e estvel onde um sujeito coletivo potencialmente gerador de novas reivindicaes poder ser o

    promotor de um processo marcado pela lgica do conflito (2007: 44-46).

    De qualquer forma, o contributo positivo da participao para a democracia no pode ser dado como

    adquirido nem tampouco se deve romantiz-lo20

    . A participao necessria mas no a nica

    condio para uma democracia forte. Os arranjos institucionais que enquadram a tomada de deciso e

    o perfil dos participantes so outras condies necessrias (Schugurensky, 2008). Alm disso, os

    desafios que se colocam s experincias participativas so, em parte, os mesmos com que se deparam

    os sistemas de representao democrtica tradicional: credibilizao dos processos, dinmicas da

    participao, possibilidades de acesso deciso, formas e contedos do desenho democrtico.

    Um dos fatores fundamentais de qualquer estrutura participativa tem a ver com o espao onde ela

    decorre. Sejam espaos institucionais ou espaos autnomos de cidadania, eles nunca so neutros nem

    garantem partida que todas as vozes sejam escutadas. Deve-se questionar quem so os atores da

    iniciativa, quais os objetivos, e de que forma pretendem dirimir, no espao participativo, as assimetrias

    de poder que caracterizam a sociedade; e como podero os grupos mais marginalizados conseguir

    articular a sua voz nestas arenas. Sendo os governos locais o nvel de poder poltico mais

    descentralizado do Estado, em princpio sero os mais acessveis aos cidados. Mas a qualidade do

    dilogo e a mediao democrtica entre estes dois atores depender no apenas da ao dos cidados,

    mas tambm dos nveis de visibilidade, de cognoscibilidade e de acessibilidade proporcionados pelas

    estratgias governamentais e pelos arranjos institucionais locais (Fedozzi, 2001: 158). Ou seja, o

    desempenho do processo depende, em larga medida, dos procedimentos adotados. Processos como o

    OP so relevantes para discusso da teoria democrtica a partir do desenho institucional em que

    operam (Fung e Wright, 2001; Avritzer, 2003).

    20

    Como to bem colocou Sherry Arnstein (1971): The idea of citizen participation is a little like caring spinach:

    no one is against it in principle because it is good for you.

  • 12

    Revisitando outros conceitos

    A globalizao dotou o Estado Social de uma nova dimenso espacial, redimensionando a sua

    capacidade de ao na resoluo dos problemas coletivos. Em vrios pases, tm sido formuladas

    polticas pblicas que introduzem ou ampliam mecanismos participativos (Cf. Santos, 2003),

    normalmente aplicados a uma escala que vai do regional ao local, embora tambm, a partir de

    experincias transcalares (i.. superando a dualidade tradicional do global vs local). Em Portugal,

    como na maior parte do globo, o OP um processo de incitativa autrquica. O sucesso desta iniciativa

    resulta, em boa parte, das variveis dependentes do contexto. Neste sentido, o fortalecimento da

    cidadania competncia do poder local e do tecido associativo existente nas localidades (Fernandes,

    2004: 43) um componente importante. Do ponto de vista histrico, o conceito de cidadania21

    deixou de estar reduzido ao ato eleitoral e alargou-se a outras esferas da vida. Cabe cada vez mais ao

    cidado escolher os seus estilos de vida (Rodrigues, 2010) e participar na criao dessas possibilidades.

    Por outro lado, o entendimento das prticas de cidadania, na sua relao com o poder local, deve

    passar pelo enquadramento das formas atuais de gesto e governao urbana. Dos campos de estudo

    da Gesto e Administrao Pblica e da sociologia urbana, os postulados do New Public Management

    e o conceito de governana trazem leituras teis para esse entendimento. O conceito de governana22

    tem ganho importncia sob o pressuposto de abrir a participao no processo de governao a diversos

    atores sociais atravs de estratgias de cooperao, confronto e mediao de interesses (Guerra,

    2006)23

    . Por sua vez, os postulados do New Public Management24

    (NPM) pressupem a incorporao

    de agentes privados no esquema governativo local, devendo ao mesmo tempo aprimorar a sua

    accountability.

    21

    Para Mozzicafreddo, Nas sociedades modernas, o conceito de cidadania surge a partir da ideia de que os

    indivduos so membros da comunidade politca e, como tal, tm capacidades em termos legais para participar

    no exerccio do poder poltico atravs dos procedimentos eleitorais. (2000: 179-180).

    22 Aqui entendido na definio do Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas: Governance can be seen

    as the exercise of economic, political and administrative authority to manage a country's affairs at all levels. It

    comprises the mechanisms, processes and institutions through which citizens and groups articulate their

    interests, exercise their legal rights, meet their obligations and mediate their differences. (UNDP, 1997: 2-3).

    eet their obligations and mediate their differences. (UNDP, 1997: 2-3).

    23 No entanto, alguns autores tm discutido a sua aparente inovao social. Swyngedouw (2005: 2002) alega que

    a mudana de prticas pode, ao contrrio do esperado, conduzir a um substancial dfice democrtico ou pautar

    por falta de transparncia. Ver tambm Healey e Gonzlez, 2005;

    24 Com o seu resplendor nos mandatos de M. Tatcher e Ronald Reagan, esta perspetiva propunha aumentar e

    fortalecer a governao (governance) atravs da interao sinrgica entre Estado, sociedade e mercado. Em

    Portugus, A Nova Gesto Pblica.

  • 13

    CAPITULO III - BREVE CARACTERIZAO DO MUNICPIO DE ODIVELAS

    Antes da perspetiva sociolgica aplicada ao OP importa apresentar, em traos gerais, o perfil do

    municpio, ao nvel sociogrfico, do poder concelhio e das formas de constituio da cidadania urbana,

    com relevo para o associativismo e o movimento social de moradores. A participao dos lderes

    associativos locais (e.g. Comisses de Moradores e Proprietrios) uma pea fulcral na anlise do OP

    de Odivelas, pelo que contextualizar e interligar estes temas indispensvel para se interpretar a

    correlao de foras que moldou o OPdO.

    Poder local e contexto social

    O poder municipal portugus deve a sua autonomia (Henriques, 1990; 2002) ao processo de

    descentralizao iniciado aps o 25 de Abril, no qual as autarquias foram peas-chave25

    . Ainda que a

    relao do poder local com as populaes se baseasse mais numa legitimidade carismtica-

    pessoalizada do poder (Fernandes et al.,1991: 140), alargaram-se os poderes das autarquias e

    aumentou a proximidade aos eleitores s suas sensibilidades. Paralelamente, surgiram novos

    movimentos sociais (Vilaa, 1993) que se caracterizaram por uma orientao mais particularista e

    pela defesa da democracia participativa (Ferreira, 1995). Passado o fulgor associativista do perodo

    aps o 25 de Abril, registou-se um declnio desta cidadania mais intensa e, depois, o lento eclipse de

    muitas organizaes. Em 1995, 64% dos portugueses no pertencia a nenhuma associao (Cruz,

    1995)26

    . entrada do sc. XXI, Santos (2002b) caracteriza a situao social portuguesa pelo

    predomnio de formas democrticas de baixa-intensidade27

    , a que se junta o facto da participao das

    populaes no ser tida como preocupao prioritria pelos autarcas (Ruivo, 2000: 259).

    Olhando agora para o caso de Odivelas, este um concelho jovem que, em Dezembro de 1998, deixa

    de ser freguesia do concelho de Loures e assume o estatuto de municpio. composto por sete

    freguesias: Caneas, Fames, Odivelas, Olival Basto, Pontinha, Pvoa de Santo Adrio e Ramada,

    distribudas por apenas 26,4 km2. Em 2011, estima-se que tinha 144.549 habitantes

    28. Na ltima

    dcada, muitos estrangeiros escolheram o municpio como lugar de residncia e atualmente

    representam cerca de 13% da populao, sendo os nacionais dos Pases Africanos de Lngua Oficial

    25

    Para um balano crtico do processo de descentralizao (recursos e competncias), ver Santos, 2008.

    26 Na Sucia, o cidado participa, em mdia, em 4 organizaes comunitrias (L. Dowbor, 2008). Mesmo no

    campo do associativismo desportivo, o mais predominante em Portugal (e Odivelas), a chamada crise do

    associativismo , na tica de Melo de Carvalho (2001: 113), o reflexo de uma crise da democracia participativa.

    27 Estudos mostram a inexistncia de uma sociedade civil e movimento social fortes; e a discrepncia entre a

    definio formal de direitos do cidado e o seu real acesso (2002b: 293).

    28 INE, 2011, Censos 2011 Resultados Provisrios, XV recenseamento geral da populao, INE, I.P., Lisboa.

  • 14

    Portuguesa a maior fatia29

    . Algumas minorias (e.g. populaes muulmanas e comunidade Sikh) tm,

    no concelho, importantes lugares de culto para as suas prticas religiosas.

    Desde as primeiras eleies em 2001, o PS tem liderado o governo. Tendo em conta os ltimos trs

    ciclos de eleies autrquicas (2001-2009), e ao contrrio do que sucede nas legislativas, a absteno

    maior no concelho de Odivelas (45%-46%) do que a nvel nacional (39%-41%)30

    . No mandato 2005-

    2009, o governo era assegurado pela diviso de pelouros entre os dois principais partidos (PS e PSD).

    No concelho de Odivelas existiam j dispositivos autrquicos dotados de instncias participativas

    quando, em 2008, a CM deu incio ao OP. Dois deles dizem respeito a instrumentos de planificao e

    gesto urbana: um dos objetivos globais das Linhas Gerais de Orientao Estratgica do Plano Diretor

    Municipal31

    era que o concelho estivesse sustentado em boas prticas que aprofundassem a

    democracia participativa32

    . De igual modo, as linhas estratgicas do Plano de Desenvolvimento Social

    (2008-2010) tinham como objetivos o convite participao alargada dos atores locais nos diferentes

    grupos de trabalho. Ainda no plano das parcerias institucionais reportam-se diversas aes criadas com

    o movimento associativo local.

    Apontamentos sobre o movimento de moradores e o associativismo local

    Avritzer (2003) menciona duas condies importantes para o surgimento do OP: a existncia de

    prticas associativas anteriores e a incorporao de prticas pr-existentes. Vejamos alguns dados

    sobre o associativismo local para, logo depois, descrever, sucintamente a histria do movimento de

    moradores nos bairros populares de Loures e Odivelas.

    Em 1994, o concelho de Loures registava 11 mil cidados afetos a 201 associaes. Cerca de 150

    tinham como fim principal a promoo cultural, desportiva e recreativa e existiam sete Associaes de

    Moradores. Do total de 1.742 dirigentes, apenas 6,3% eram mulheres; a origem social era dividida,

    predominando entre a pequena burguesia (52%) e o operariado (44%). Quanto s necessidades, elas

    tinham sobretudo a ver com problemas de instalaes/equipamentos (dados contidos em Banha, 1994:

    8; 14; 23; 83). Um estudo de 2003 do Departamento de Planeamento Estratgico da Comisso

    Instaladora do Municpio de Odivelas revelou que a esmagadora maioria das associaes mantinha

    relaes de continuidade com a Cmara Municipal de Odivelas (CMO). Estas eram, na globalidade,

    29

    Dados disponveis em http://www.cm-odivelas.pt/

    30 Em Portugal, a absteno eleitoral tem vindo a crescer desde as primeiras eleies aps o 25 de Abril. Ver

    http://www.cne.pt/

    31 No incio de 2012, encontrava-se em elaborao a fase de Projeto do PDM de Odivelas. O Documento Final

    dever incorporar os contributos de diversas entidades e da participao da populao ao longo de todo o

    processo. Ver http://www.cm-odivelas.pt/Extras/PDM/ [acedido a 24.10.2011].

    32 As Iniciativas de Promoo da Cidadania contaram com ciclos de discusso preventiva do anteprojeto.

    Percorrendo as sete freguesias, contou com 700 participantes. Em Relatrio de Gesto 2006, PDM Odivelas.

  • 15

    avaliadas de forma muito positiva e, segundo o diagnstico da Cmara Municipal (CM), qualificadas

    como pacficas, sem uma postura de permanente reivindicao e crtica face aos servios

    autrquicos. (Amor, 2003: 128; 216-18).

    Entre os anos 30 e 60 do sculo XX, comearam a formar-se ncleos de habitao social nas longas

    colinas que entrecortam o concelho. Com a suburbanizao assistiu-se a um forte crescimento

    populacional33

    . A sua imagem estava associada de uma cidade dormitrio, conotao que se

    prolongou no tempo. A proliferao de ncleos residenciais, suficientemente afastados da cidade para

    dela no fazerem parte, tornou o concelho de Loures num territrio com problemas ao nvel da

    habitao e com forte incidncia de bairros clandestinos. Com efeito, em 1970, existiam 6.049

    barracas no concelho (Louro, 1972). Em Maio desse ano, 48 famlias, na maioria habitantes de

    barracas vtimas do tufo de Maio e das cheias de 1967, ocuparam um conjunto de casas pr-

    fabricadas desocupadas no B do Bom Sucesso em Odivelas. Embora logo reprimido e censurado pelo

    regime, iniciava-se com este ato uma nova etapa histrica de luta pela habitao. Vencida a ditadura e

    com a APU34

    no leme do governo, foi criado em 1980 um gabinete de Recuperao de Clandestinos

    que ter dinamizado as Comisses de Moradores e fomentado a criao de outras (Louro, 1972).

    Muitas funcionariam informalmente e face aos limitados meios estatais, o movimento de moradores

    realizou obras de saneamento e de abastecimento de gua em dezenas de bairros e aldeias;

    lavadouros e balnerios; abrigos em paragens de transporte pblico; parques infantis; construo de

    escolas, partindo, tantas vezes, de velhos barraces. (Servios Culturais do Municpio de Loures,

    1986). Muitos dos moradores das habitaes mais precrias dispersaram-se ao longo da colina do

    Olival Basto e da denominada Vertente Sul35

    que se estende desde o limite de Odivelas com Olival

    Basto at freguesia da Pontinha36

    . Um total de 94 bairros espalhados pelo concelho so (foram)

    reas Urbanas de Gnese Ilegal (AUGI)37

    . Depois de dcadas de batalhas pelo acesso a equipamentos

    e servios bsicos, tem estado em marcha o processo de legalizao destas reas em que a autarquia

    negoceia, diretamente com as Comisses de Proprietrios.

    Queremos com isto salientar o seguinte: a) Odivelas historicamente um municpio onde o

    movimento associativo de moradores desempenhou e ainda desempenha um papel de forte relevo no

    mapa associativo e que b) sendo antes destino de migrao interna hoje destino de imigrao.

    33

    Entre 1950 e 1970, a freguesia de Odivelas passa de 6.772 para 51.395 hab. Entre 1986 e 1991, Loures

    representa 26,1% da mobilidade residencial com origem em Lisboa e destino num dos concelhos da AML (

    exceo de Lisboa). Dados de INE (Censos 1991) em Rodrigues, 2010: 145.

    34 Acrnimo de Aliana Povo Unido. Coligao formada pelo PCP, Movimento Democrtico Portugus -

    Comisso Democrtica Eleitoral (MDP/CDE) e, aps 1983, tambm pelo Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV).

    35 Compreende os Bairros: Vale do Forno, Encosta da Luz, Quinta do Z Lus, Serra da Luz e Qt das Arrombas.

    36 Ver Figura 1 Mapa do Concelho de Odivelas, p.57.

    37 Designao legal atribuda a prdios ou moradias ocupados por construes no licenciadas (construes

    ilegais) ou que tenham sido submetidos a uma operao de parcelamento destinado construo apesar de no

    ter sido emitida uma licena de loteamento. Vd. Lei n. 91/95, de 2 de Setembro.

  • 16

  • 17

    CAPTULO IV - O ORAMENTO PARTICIPATIVO

    No Brasil e na Europa

    Segundo estimativas mais recentes, existem no mundo mais de 2000 experincias de OP, a maioria na

    Amrica do Sul. Desde o seu incio, em 1989, conheceu vrias fases de expanso38

    e consolidao. Os

    seus significados devem, portanto, ser lidos na tica dos objetivos e estratgias que subjazem deciso

    de os implementar. B. S. Santos, num artigo em que recupera a pesquisa do OP de Porto Alegre,

    define-o como uma estrutura e um processo de participao comunitria baseado em trs grandes

    princpios e num conjunto de instituies que funcionam como mecanismos ou canais de participao

    popular sustentada no processo de tomada de decises do governo municipal. Os trs princpios a que

    se refere so: a) direito participao; b) combinao de regras de democracia direta e democracia

    representativa, onde o ...regimento interno determinado pelos participantes; e a c) distribuio de

    recursos baseada numa combinao de critrios gerais definidos pelo Executivo, e normas jurdicas

    (2003: 385). A influncia do modelo do OP de Porto Alegre na Europa , em geral, muito mais

    indireta (Sintomer e Ganuza, 2011: 18). Observando a geografia atual dos OP39

    , podemos questionar

    se esta definio faz jus ao OP de ndole europeia40

    ?

    A divergncia na definio do OP (Sintomer et al., 2008: 168), para alm de diferentes posies dos

    acadmicos e polticos, reflete a diversidade de modelos, objetivos, dimenso e contextos (Allegretti

    e Herzberg, 2004). Perante esta dificuldade de ordem conceptual, Sintomer explicita cinco critrios

    mnimos para propor o que chama de definio minimalista de OP (2007: 204)41: 1. discutir a

    dimenso oramental explicitamente; 2. ser organizado ao nvel das estruturas de governo local; 3.

    processo deve-se repetir no tempo; 4. deve incluir certas formas de deliberao pblica em

    Assembleias ou Fruns especficos42

    e 5. os dinamizadores da iniciativa devem prestar contas sobre os

    resultados desta.

    A produo bibliogrfica sobre o tema tem sido profcua na identificao dos impactos positivos em

    dimenses como: a transparncia nas despesas, a redistribuio de recursos, a fora das redes sociais, a

    mediao entre os interesses dos eleitos e grupos da sociedade civil (Cabannes, 2004, 2006;

    Betancourt e Santandreu, 2005), o desenvolvimento sustentvel (Sintomer, e, Ganuza, 2011) ou a

    38

    Encontramo-nos, segundo autores, na Fase IV: situao atual de construo de redes de cooperao nacionais

    e internacionais de OP (Cabannes, 2008).

    39 Ver http://www.infoop.org

    40 A definio de Fedozzi (2001:188) que se debrua sobre o caso brasileiro suscita a mesma questo.

    41 E que adotamos para estudo. Ver captulo Introduo.

    42 Avritzer aponta o limite da plasticidade do OP na manuteno dos elementos deliberativos do desenho:

    Quando estes so comprometidos, tudo parece indicar que se reduz o sucesso da proposta (2004: 42).

  • 18

    eficincia do Estado (Filho, 2004). O OP apresenta-se tambm como hiptese alternativa aos canais

    tradicionais de recrutamento das elites polticas locais (Talpin, 2009) e como instrumento com

    potencial na aprendizagem democrtica educativa (Lerner, 2008) ou na articulao com outros

    mecanismos de Planeamento (Cabannes: 2007; Gugliano, 2004; Morais, 2011). Por sua vez, Cabannes

    (2004b) conclui que o OP contribui em cinco itens da Boa Governao Urbana: 1. aprofundamento e

    ampliao da participao; 2. aumento da eficcia; 3. forma de accountability qualitativamente

    diferente; 4. aumento da equidade e 5. melhoria na segurana dos cidados.43

    Simultaneamente tm

    tambm sido analisados na perspetiva das suas aprendizagens, transferibilidade, limites e fragilidades44

    .

    Na tica da problemtica da sustentabilidade dos OP, e de acordo com o preconizado em bibliografia

    de referncia45

    , podemos enumerar os fatores que podero asseverar um bom desenrolar do OP:

    1) Vontade, compromisso poltico do governo e da conjuntura que o circunda;

    2) Grau substancial de capacidade financeira, administrativa e distributiva;

    3) Vitalidade associativa e capacidade auto-organizativa dos tecidos sociais;

    4) Papel importante dos tcnicos que constituem o back office das estruturas;

    5) Coerncia e melhoramento dos elementos do desenho institucional do processo;

    6) Mobilizao;

    7) Equilbrio entre estes fatores.

    Na tentativa de criar ferramentas metodolgicas teis para a variedade do OP, tm sido ensaiadas

    tipologias de OP. Para uma escala regional, baseando-nos em vrios autores, podemos esquematizar os

    traos mais comuns do contexto sul-americano e europeu (ver tabela em Anexo 3, p.58). Outras

    diferenas, que interessam aqui sublinhar, ajudam a estabelecer uma distino. Na Amrica do Sul, os

    compromissos polticos traduzem-se, entre outras, em polticas e estratgias claras de comunicao e

    informao e tambm na capacitao da populao para a participao (Santandreu e, Betancourt

    (2005: 5). Na Europa, por exemplo, usual a distribuio do texto do oramento no ser feita na

    prtica por exigir recursos financeiros significativos (Vodusek e Biefnot, 2011: 5). Estas diferenas

    explicam-se, em parte, nas motivaes das autarquias. Em Porto Alegre, a eficincia administrativa foi

    acompanhada de um processo de gesto participativa, ao passo que, na Europa, o processo foi mais

    dominado pelo desenvolvimento da New Public Management, resultando, por vezes, da necessidade

    de modernizao e legitimao das prticas administrativas junto dos cidados (Sintomer e Ganuza,

    43

    Estes resultados so, em grande parte, fruto de OP em contextos sul-americanos. 44

    (Cabannes, 2007, 2004a; Wilhelm, 2012; No Brasil, os estudos de caso de Porto Alegre: Santos, 2002; e de so

    Paulo: Resende, 2009; em frica: Avritzer e Vaz, 2009; relatrios do WB, 2008; UN-HABITAT, 2008; e Fadeyi

    et al., 2009; na Europa: Sintomer, 2007; os Manuais de Allegretti, et al., 2011, e Barbarrusa et al., 2008) 45

    Cf. Avritzer, 2002; Allegretti e Herzberg, 2004; Avritzer e Navarro, 2003; Luchmann, 2002.

  • 19

    2011: 18; 160)46

    . Melhorar as polticas pblicas mediante a auscultao da populao e conceber a

    participao como vetor de modernizao da Administrao Pblica Local so, portanto, objetivos

    muito mais vincados em contexto europeu. por isso importante ter em conta os objetivos dos OP47

    .

    Em Portugal

    Em Portugal no existe legislao ou regulao jurdica sobre OP, matria que no entra sequer como

    competncia do governo central48

    . Quando muito, cada municpio ou freguesia cria o seu regulamento.

    Por isso, afigura-se indispensvel enquadrar os OP nos modelos tericos e identificar fatores crticos

    que podem influenciar os resultados.

    Existem tipologias de OP europeus, com relevo para as propostas de Sintomer (2007: 226)49

    . Com

    base na tipologia dos seis tipos de procedimentos de OP50

    e a partir da leitura singular de Palmela

    (autarquia pioneira em Portugal), Sintomer e Ganuza situavam os OP portugueses dentro do modelo

    da Participao de Proximidade, caracterizado pela carncia de capacidade de deciso e de

    hierarquizao dos projetos; regras de jogo muito informais; lgica de escuta seletiva dos habitantes

    por parte dos decisores51

    .

    Este modelo tem como pontos fortes a comunicao entre autoridades e a populao e uma boa

    articulao entre participao e modernizao administrativa escala do bairro; tem como pontos

    dbeis o fato de se basear numa simples consulta pouco suscetvel de favorecer uma dinmica de

    empowerment e o risco de uma certa arbitrariedade, ao permitir unicamente uma deliberao de

    qualidade medocre, devido ao carcter pouco formalizado das discusses (2011:44-48). Experincias

    46

    Um exemplo o de Mlaga, onde a ideia do OP como soluo para racionalizao dos gastos pblicos exige

    apenas um procedimento consultivo aplicado pelo executivo. (Sintomer e Ganuza, 2011: 160). Veja-se tambm

    que o crescimento das empresas pblicas no seio de algumas autarquias traz alguma dose de ambivalncia

    relao entre participao e gesto pblica.

    47 Existem ainda outros dois tipos de objetivos: os de tipo social e os de tipo poltico. O primeiro para reforar o

    vnculo e identidades locais; inverter o padro das prioridades de investimento; ou integrar grupos socialmente

    excludos. O segundo (polticos) procura, por exemplo, renovar a legitimidade do sistema poltico ou

    desenvolver a democracia participativa (Sintomer e Ganuza, 2011).

    48 Este encara os OP como uma prioridade de nvel baixo (Vodusek, e, Biefnot, 2011: 14).

    49 Sintomer definiu 5 tipos ideais de OP: - modelo da democracia participativa; - modelo modernizador; -

    democracia de proximidade; - modelo de empoderamento; - modelo managerial.

    50 Eles so: 1. Porto Alegre adaptado Europa; 2. Participao de proximidade; 3. Consulta sobre finanas

    pblicas; 4. Mesa de negociao pblico-privada; 5. Fundos comunitrios por bairros e escala municipal; 6.

    Participao de interesses organizados.

    51 Com base numa rpida leitura dos dados disponveis sobre a atualidade dos OP portugueses, avanamos com a

    hiptese de que a generalidade deles se situa entre o modelo de democracia de proximidade e o modelo

    modernizador.

  • 20

    mais recentes (a segunda gerao52

    ) aproximam o panorama portugus na direo da tipologia de

    Porto Alegre (rutura com as tradies pr-existentes, constituindo uma inovao social, onde a

    discusso se centra na redistribuio dos recursos e na hierarquizao das propostas).

    A durao (1998; 2001-2008) do primeiro OP portugus, em Palmela, tornou-o um caso

    paradigmtico dos OP de primeira gerao (2000-2006), que correspondem, resumidamente, a

    processos de carcter meramente consultivo, sem, por isso, alterar os mecanismos de deciso e,

    normalmente, centrados no objetivo de reforar a democracia de proximidade.53

    Apesar de ter havido

    cerca de 30 experincias de OP em Portugal, muitas foram interrompidas. Cabannes (2009 [2004])

    associa a volatilidade dos OP portugueses ao tpico processo implementado de cima para baixo e

    dependncia da vontade poltica dos promotores da iniciativa. Num artigo posterior, Allegreti e

    Alves (2011) revisitaram as hipteses que estiveram na base de fragilidades dos OP em Portugal e

    construram uma matriz interpretativa de fatores que podero avivar essa volatilidade. Entre esses

    fatores, destacam-se:

    Receio do efeito boomerang, ou seja, que erros passados condicionem o OP (exemplo: m

    preparao do presidente na mediao das assembleias durante o primeiro ano do OP de Faro);

    Relao entre expectativas e frustrao (OPdO) os chamados custos de transao para uma

    liderana poltica que investe e no v as expetativas cumpridas, podendo abdicar da estratgia

    como, por exemplo, canalizando as energias para OP jovens;

    Os autores mostram tambm que, ao contrrio de outros pases, o ano ps-eleitoral ou a mudana de

    partido de governo no parece estar correlacionado com a suspenso54

    .

    Com o objetivo de acrescentar a esta lista outros fatores (e a sua correlao) que possam ajudar a

    explicar a volatilidade dos OP portugueses analismos a experincia do OPdO.

    52

    Os processos da segunda gerao distinguem-se por possurem um carcter deliberativo, ou seja, os

    Executivos autrquicos destinam uma verba que decidida pelos participantes, escolhendo esses os projetos que

    devem ser includos na proposta oramental a submeter s instncias legais, influenciando por essa via a forma

    como os recursos pblicos so gastos. Em InLoco (2012). Ao longo deste trabalho, o significado que damos ao

    termo deliberativo vai no sentido aqui descrito e no de Barbarrusa et al. (2011: 253), ao defini-lo como um

    processo com uma lgica compacta, estabelecendo espaos de comunicao e possibilitando o desenvolvimento

    de relaes horizontais e simtricas.

    53 A comparao deste OP com o OP de Belo Horizonte, no Brasil, foi o objeto da tese de Granado (2010).

    54 Odivelas e Braga suspenderam no ano ps-eleitoral. A este ttulo diga-se que, na Europa, o OP est longe de

    garantir melhores resultados eleitorais. Tampouco se poder inferir que seja instrumento de manipulao

    eleitoral ou que contribua para diminuir a absteno ( Sintomer e Ganuza, 2001: 191-92).

  • 21

    Introduo ao Oramento Participativo de Odivelas (2008-2010)

    O OPdO surge em 2008, um ano aps a 1 edio do OP de Lisboa, cidade com quem faz fronteira55

    .

    Foi o sexto concelho a implement-lo, depois de Lisboa, Palmela, So Brs de Alportel, Sesimbra e

    Alcochete.

    O Oramento e Grandes Opes do Plano para 2009 dotou a verba de 1.337.000 para o primeiro ano

    de OP, representando cerca de 1,2% da proposta de oramento global que tinha uma dotao de

    111.945.83756, num um ano que registou um aumento de 4,8%, relativamente s verbas transferidas

    para as Juntas de Freguesia (JF). Para o segundo ciclo do OP (OP2010) canalizaram 1,505,500

    euros57

    - um aumento de cerca de 11%.

    Os critrios de priorizao das propostas foram dados a conhecer publicamente nos Fruns de

    Discusso ou atravs dos meios de comunicao social. Eram eles: 1) proposta mais solicitada; 2)

    proposta concreta com identificao da obra e local; 3) carncia do equipamento e 4) valor do

    investimento. Uma vez escolhidas as propostas, houve lugar a uma sesso de encerramento para a

    apresentao pblica.

    Os Fruns foram mediados, em regra, por tcnicos e vereadores. A cada turno de apresentao de

    propostas, o vereador responsvel dava o seu parecer prvio, indicando a probabilidade de poderem ou

    no ser includas como propostas elegveis. Debateram-se, por vezes, propostas fora do mbito do

    OP58. As selecionadas do OP2009 consistiram, em grande parte, na criao de espaos verdes (ilhas

    ecolgicas; jardins); pavimentaes, sinalizaes, semaforizao; e parques infantis. Para o OP2010,

    a preferncia das intervenes recaiu em maior nmero na repavimentao e requalificao de

    passeios e estradas. Nesse ano, a Presidente da CM (PCM) esteve presente no primeiro e no ltimo

    frum o Frum Vertente Sul. Nele esteve, aproximadamente, o dobro das pessoas presentes em

    outros Fruns. Embora o procedimento no implicasse o convite formal, a maioria dos presidentes das

    JF participou nas sesses, em especial no primeiro ciclo, em 2008. Aquando do questionrio do

    OP200959

    , 74% das respostas consideravam entre til e muito til a participao. Os Fruns parecem

    igualmente funcionar como uma rara oportunidade para os cidados fazerem ouvir a sua voz frente a

    frente com os seus representantes e outros muncipes.

    55

    Em 2007, o municpio lisboeta levou a cabo a realizao de 4 reunies consultivas em toda a cidade. S em

    2008 destinou pouco mais de 5 milhes de euros para os projetos.

    56 Declaraes dos eleitos do PS na 23 Reunio Ordinria da Cmara Municipal de Odivelas, 5.12.2008.

    57 Em termos de comparao refira-se que o OP Lisboa do mesmo ano teve um montante 3,3 vezes superior ao

    de Odivelas mas a populao alfacinha tambm 3,3 vezes superior. (Censos 2001).

    58 Mesmo nestas circunstncias, os vereadores procuraram esclarecer os intervenientes sobre o problema em

    discusso, prometendo equacionarem posteriormente algumas delas fora do mbito do OP.

    59 Questionrio produzido pelo Grupo de Trabalho do OP no mbito da participao online.

  • 22

    Em todo o processo participativo, a utilizao das novas tecnologias informticas teve um papel

    central. O site oficial da CM tinha, at data de hoje, um espao reservado ao OP, onde se podia

    aceder a notcias e a um centro de recursos relacionado com os projetos selecionados, notas de

    imprensa, entre outros.

    Ao longo do processo, o OP no esteve livre de algumas crticas pontuais por parte de deputados ou

    vereadores municipais da oposio. Porm, a nica argumentao formal contrria ao processo -

    possvel de recolher60

    - foi a de Joo Figueiredo, da CDU. Com ainda trs Fruns de Discusso do

    OP2009 por decorrer, dava assim conta da sua desconfiana sobre o processo: o que em rigor pode

    e deve ser objeto de participao a elaborao do Plano e de algumas das suas opes. A

    participao da populao deveria distinguir-se pelo seu contedo:

    - uma participao efetciva e no apenas formal. No para convencer os outros do que j decidimos, ();

    - uma participao dirigida e orientada para promover a participao dos que primeiro se sentem

    excludos, no condicionada ou determinada apenas pelos que tm mais informao, mais conhecimentos,

    mais poder reivindicativo. ()

    H que ter presente que esvaziar de competncias os rgos autrquicos, alienar competncias ou

    privatizar servios pblicos, so fatores que concorrem para a reduo dos mecanismos de participao e

    de afastamento das populaes das polticas pblicas.

    Apesar desta crtica subtil ao desenho e objetivos do OPdO, ela dever ser contextualizada no debate

    sobre a privatizao de servios pblicos. Isto , parece-nos no ter havido, desde o incio, bloqueios

    polticos iniciativa.

    Em 2009, no decorrer do segundo ano de OP, vrias foram as declaraes oficias da Presidente da CM

    (e recandidata) em que no se fazia prever a suspenso do OP. Pelo contrrio, criaria ainda um OP

    destinado aos jovens em idade escolar61

    . As eleies autrquicas ocorreram poucas semanas depois do

    encerramento da fase de consulta do OP2010, e a presidente Susana Amador conquistou o segundo

    mandato consecutivo62

    . A expectativa de intensificao dos mecanismos participativos consolidava-se

    em Dezembro de 2009. No s pela avaliao dos dois anos de OP pelo deputado do PS, Edgar Valles,

    60

    Pese embora a ausncia de comunicados de apoio explcitos, dos outros partidos, os dados recolhidos indicam

    a inexistncia de outra oposio pblica e formal ao processo.

    61 Discurso de apresentao da sua candidatura no Jardim da Msica em Odivelas, 6.7.2009. Em

    http://www.psodivelas.com/sitemega/view.asp?itemid=518. Ver tambm esclarecimento da Presidente

    interveno de Sandra Pereira (PSD) em Ata da 1 Reunio da 3 Sesso Ordinria de 2009 da A.M.O.

    62 Por comparao com as eleies de 2005, o PS obteve quase sete por cento de votos a mais, ganhando um

    vereador, apesar da significativa perda de votos do conjunto das foras polticas de esquerda para a coligao de

    direita. O mandato de 2005-2009 tinha a seguinte composio: PS - presidente e 4 vereadores; PCP-PEV- 4

    vereadores; PPD/PSD - 3 vereadores. Em 2009, o PS Odivelas obteve mais que a mdia distrital de Lisboa do PS,

    ao passo que a coligao PPD-PSD-CDS-PPM obteve menos; BE, PCP e CDS obtiveram mais ou menos o

    mesmo. No entanto, a coligao de direita em Odivelas obteve uma percentagem muito maior nas eleies

    autrquicas do que para as legislativas. Ver Quadro 1, em Anexo, pg.57.

  • 23

    como um verdadeiro xito de participao cvica63

    , como pela aprovao da proposta do Presidente

    da Assembleia Municipal, Srgio Paiva, para que o Ano de 2010, fosse o Ano Municipal para a

    Participao Cvica. Nesse ano, a Presidente decidiu interromper. Resta saber se temporria ou

    definitivamente.

    63

    Boletim Municipal das Deliberaes e Decises, Ano X - N. 24 31.12.2009. Em Ata da 2 reunio da 1

    sesso ordinria do quadrinio de 2009-2013 da A.M.O., ponto 3, p.15.

  • 24

  • 25

    CAPTULO V - CONFRONTANDO O OP DE ODIVELAS COM OS MANUAIS

    O OP no depende apenas de uma boa organizao participativa. tambm um processo poltico. Mas

    de que fatores (estruturais e contextuais) dependeu o OP de Odivelas (OPdO)? De que forma foi

    implementado? Nesta seco utilizamos cinco Manuais sobre os OP para responder a estas questes.

    Confrontamos assim as sugestes dos Manuais com o OPdO, procurando identificar os seus limites e

    as possibilidades em promover aquilo que a literatura sugere.

    Partindo da tipologia de Yves Cabannes (2004b), sob as condies para a implementao e

    consolidao dos OP, utilizamos nesta anlise quatro dimenses; financeira, participativa,

    normativa/legal e territorial. Por nos interessar tambm apresentar as diferentes fases temporais deste

    processo, inclumos informao sobre o incio do processo de implementao do OPdO e efetumos

    um balano dos resultados.

    Notas prvias sobre a implementao do OP em Odivelas

    Incio e Implementao64

    Nos manuais consultados, encontramos referncias a seis princpios orientadores da implementao de

    um OP. O princpio da participao universal, o mais referenciado, implica ter em conta trs fatores

    (Guye): (1) a representao dos diferentes grupos; (2) o seu grau de participao efetivo em todas as

    etapas; e (3) o controlo do processo de decises por parte dos cidados. O princpio de participao

    est necessariamente ligado aos princpios de incluso e de equidade. Neste sentido os OP devero dar

    especial enfse s dimenses pluricultural e multitnica e de gnero na sua implementao

    (Cabannes 2004b). Outros princpios mencionados so a transparncia (Guye; Cabannes; Allegretti et

    al), ou seja, prestar contas das decises tomadas em termos de receitas e despesas65

    , a cogesto e

    coresponsabilizao nas fases de deliberao e planificao66

    . Destes 6 princpios, quais os que

    estiveram presentes no OP de Odivelas? Podemos dizer que apenas o da participao universal e,

    parcialmente, o da transparncia. Como o OP era de carter consultivo os cidados no tinham

    controlo no processo de deciso. Apesar da presena de um dispositivo online de informao sobre a

    execuo dos investimentos, pelo menos trs dos lderes associativos (LA) e dois Presidentes de Junta

    64

    A anlise da definio dos objetivos ser discutida mais frente. 65

    A este princpio estar ligado o princpio da eficincia, que se alcana atravs do controlo da atuao

    municipal e da fundamentao desta sobre os meios empregues (Geli). Filho (2004) alega que uma maior

    eficincia do Estado na realizao do poder em pblico no possvel com a manuteno da desigualdade em

    alto nvel.

    66 Os processos deliberativos tm uma lgica compacta, estabelecendo espaos de comunicao e possibilitando

    o desenvolvimento de relaes horizontais e simtricas. Em sentido inverso, os processos consultivos primam a

    participao passiva dos consultados. (Barbarrusa et al.: 253).

  • 26

    de Freguesia (PJF) criticaram a falta de informao67

    sobre o andamento das obras ou a falta de

    justificao quanto ao seu adiamento (Cit.3; Cit6; Cit.60). Em alguns casos, tal veio a suscitar dvidas

    sobre a transparncia das receitas/despesas do oramento (Cit.4-6);

    Condies prvias

    Para alm destes princpios a implementao de um OP implica que estejam reunidos dois requisitos

    (Geli; Cabannes): 1) governo e cidados devem estar abertos a mudanas e gesto partilhada dos

    recursos e; 2) deve existir honestidade e transparncia.

    Deve-se passar prtica, depois de ver c) assegurada uma vontade poltica sustentada (atravs da

    planificao e avaliao dos diferentes aspetos dos OP, se necessrio com o apoio de uma equipa

    externa) e de prevista d) uma situao econmico-administrativa vivel (Giovanni et al.)

    Quanto ao primeiro pr-requisito, notou-se um grau de abertura cauteloso. O desenho

    implementado no OPdO no permitiu uma verdadeira gesto partilhada dos recursos. O Grupo de

    Trabalho (GT) deixou transparecer a ideia de que estariam abertos a maiores mudanas no futuro, mas

    optaram por comear com pequenos passos (Cit.7), num formato prximo do papel desempenhado por

    outros rgos de deciso poltico-administrativa (Cit.8). Alis, uma das crticas apontadas por diversos

    lderes polticos (LP)68

    , por trs PJF (Cit.63) e alguns LA, foi de que o OP era um instrumento redutor

    (Cit.9-10 e Cit.94) tendo em conta as suas potencialidades, que reproduzia obras previstas ou

    reivindicadas (Cit10-11) e com pouco significado simblico (Cit10 e Cit12). Este aspeto redutor do

    modelo estaria frequentemente associado a razes polticas (entre elas a falta de vontade poltica) que

    foi a segunda razo apontada (a seguir financeira) para justificar a suspenso do OP (Cit13-14).

    Avaliar o segundo requisito honestidade e transparncia ultrapassa, como bvio, o mbito do nosso

    conhecimento. Faltam tambm dados para analisar se a situao econmico-administrativa foi

    corretamente prevista. As razes apontadas para a suspenso so de ordem financeira (Cit53).

    Concede-se que tm a ver, em boa parte, com quebras de receitas prprias e vindas do Poder Central,

    decorrentes da crise econmica sentida escala nacional.

    Passando fase de implementao propriamente dita, em todos os Manuais encontramos referncias a

    procedimentos preparatrios:

    1) Fazer uma anlise da situao ou autodiagnstico para avaliar o grau em que os princpios so

    respeitados e as condies bsicas atendidas (Ganuza et al; Cabannes; Allegretti et al.; Geli):

    No caso do OPdO, a ter sido feita esta anlise, foi no mbito do trabalho administrativo

    tradicional, conforme subentendido pelo GT, por dois PJF e um LA (Cit.16-19; Cit.72).

    67

    Note-se que as queixas sobre falta de comunicao e de vontade de consulta da CM j eram tidas, segundo

    dois entrevistados, como um padro da relao pr-existente entre a CM e as suas Associaes.

    68 Lderes polticos de esquerda (B.E. e vereador CDU) e trs PJF. Ver anexo 4 sntese global das entrevistas,

    p.59.

  • 27

    2) Criao, tambm de forma participada, de um mapa dos atores locais interessados e dos que

    podero opor-se:. No existem referncias sobre este procedimento no OPdO.

    3) Definio do valor/origem dos recursos, nomeadamente atravs de um estudo de custo/benefcio

    (Cabannes; Geli) em que uma equipa do governo em conjunto (ou no) com a cidadania faz um

    levantamento da quantidade de recursos a decidir de forma participada, como ser o mecanismo

    de repartio e sobre que temticas recairo (Allegretti et al.). quanto a este procedimento,

    desconhece-se qualquer estudo prvio para o OPdO. As atas municipais apontam que os recursos

    seriam canalizados atravs do oramento das obras municipais69

    e recaiam sobretudo nas obras de

    pequena/mdia dimenso (Cit.20-21). medida que receberam as primeiras propostas, a PCM

    revelou em Assembleia Municipal (AM) que as questes das pessoas vo todas para o espao

    pblico e que a participao seria a grande fora motriz do OP 200970

    .

    4) Criao de alianas e a abertura do dilogo, para que a ideia ganhe mais adeptos e legitimidade: i)

    construir um acordo no interior do governo; ii) dialogar com os atores mais relevantes da

    sociedade civil e iii) suscitar o envolvimento inicial dos vereadores eleitos; (Cabannes; Geli).

    Em Odivelas foi apresentado o programa e cronograma aos vereadores, mas o seu envolvimento

    foi limitado (Cit.22-23; Cit.40). Por outro lado, no houve convite formal s associaes, pois

    ambicionava-se a participao do cidado comum. A maioria das associaes contactadas, no

    mbito desta pesquisa, no tinha tido conhecimento do OP, embora algumas da Vertente Sul

    tenham sido informadas e ajudaram na divulgao (Cit25).

    5) Desenho dos regulamentos internos / definio das regras durante o primeiro ano (Cabannes;

    Allegretti et al.)71

    . No comunicado de imprensa de apresentao do OPdO (elaborado pelo GT)

    constavam os critrios de escolha, o ciclo do OP, procedimentos e regulamentos72

    . Alm disso, o

    executivo deveria apresentar um balano pormenorizado sobre a situao das obras que estavam

    previstas em plano de atividades do ano anterior () e a razo apresentada pela autarquia para o

    atraso ou mesmo a no elaborao de outras previstas.. Atrasos e falta de justificaes foram

    queixas dominantes73

    (Cit.26; Cit.28).

    A anlise do incio e do processo de implementao do OPdO, luz dos manuais, demonstra que

    existiu uma preocupao com o princpio da participao (e em menor grau com o de transparncia),

    69

    Orado em 22 milhes de euros. Ata N 6/2008, da Assembleia Municipal de Odivelas (AMO), 10.4.2008: 31.

    70 Ata n 13/2008, da 2 Reunio da 3 Sesso Ordinria de 2008 da AMO, 7.7.2008.

    71 Se as regras so feitas em exclusivo pela administrao ou pela cidadania, chamar-se- regulamento;

    autorregulamento se so feitas em conjunto (Allegretti et al.). Este tido como pea fundamental de muitos OP.

    72 Alguns parmetros foram modificados antes do incio do OP. A participao esteve primeiro destinada a

    maiores de 16 residentes no concelho com direito a voto e seria numa base mista (individual e associativa); os

    critrios de distribuio de recursos incluam a Prioridade temtica eleita pela populao da freguesia, o n de

    habitantes beneficiados pela obra. Em Conferncia de Imprensa, 26.5.2008, Paos do Concelho Odivelas. 73

    Pelo menos dois Presidentes de JF.

  • 28

    algum conservadorismo quanto gesto partilhada dos recursos e vrias lacunas nos procedimentos

    (e.g. quantidade de recursos a decidir de forma participada, mecanismo de repartio e as temticas a

    incluir) de implementao de um OP. Nas prximas seces procuramos identificar fatores de risco

    para a sustentabilidade/volatilidade do OPdO (cada uma dedicada a uma dimenso de anlise).

    Dimenso Financeira

    Na dimenso financeira iremos considerar seis indicadores. No que concerne ao percentual timo do

    oramento municipal a submeter discusso pblica (1), no h evidncia de uma correlao direta

    entre o nvel dos recursos discutidos e o nvel de participao (Cabannes); em geral, este varia entre

    1% e 10% do oramento executado (Geli). O OPdO obteve cerca de 1,2% da proposta de OG.

    Quanto ao segundo indicador origem dos recursos submetidos a debate - no houve uma ao

    estruturada no sentido de informar o que um oramento e de onde provm as receitas. Informao

    deste teor era dada na fase de apresentao, no incio de cada Frum, conduzida, em regra, pelo GT.

    A forma como os critrios oramentais so definidos (3) fundamental para o desenrolar do processo.

    Embora estes critrios possam ter pesos distintos e mudar de um ano para o outro - (para Geli,

    aconselhvel que o sejam) - preciso que sejam definidos de forma participativa e consensual, o que

    no sucedeu em Odivelas74

    . A este respeito, Barbarrusa et al sugerem que os critrios devem favorecer

    bairros em piores condies socioeconmicas. Ora, no OPdO nem o mtodo de discusso nem os

    critrios de seleo refletiam estas preocupaes ( exceo, talvez, do critrio 3).

    No referente distribuio dos recursos (4), isto , definio do nmero, volume e localizao dos

    investimentos, no existiu uma discusso participada no caso de Odivelas, embora tenha sido notria a

    inteno de distribuir equitativamente os investimentos; cada freguesia recebeu mais ou menos o

    mesmo nmero de obras75

    .

    Tendo em conta o quinto indicador - os atores que tomam as decises - Guye afirma que o debate de

    orientao oramental deve ser discutido pelos delegados eleitos nos Fruns locais e pelo poder

    poltico a partir das proposies da sadas. Dos tcnicos espera-se uma funo activa na construo de

    critrios de distribuio dos investimentos (Ganuza et al.). No OPdO as decises passaram pela

    presidente secundada pelo GT.

    74

    A Caravanas de Prioridades, uma das ideias sugeridas, possibilitava que os delegados eleitos visitassem

    vrias reas da cidade para observar in loco as reivindicaes (Cabannes; Geli).

    75 Houve um equilbrio proporcional, em termos do valor de investimento, com ligeira predominncia da

    freguesia de Odivelas que recebeu sempre a maior fatia (28% e 29% do total). Ainda assim, tendo em conta a o

    peso populacional por freguesia (Censos 2001), um valor menor. Freguesias com menor populao Olival

    Basto (OP2009), Caneas (OP2010) e Fames (OP2009; OP2010) foram contempladas com uma parcela de

    investimento superior ao seu respetivo peso. Ver tambm Ata n 5/2009, da AMO, 5.3.2009, pp.: 3-4.

  • 29

    Por fim, no que se reporta aos custos municipais (6), a questo passa por saber se se opta por um

    processo consultivo que tende a ter custos mais elevados, ou por um processo deliberativo que

    implicar uma reduo de custos e de tempo, j que o processo de tomada de decises tender a

    tornar-se mais curto e simples do que o processo burocrtico tradicional. (Cabannes). Em Odivelas

    optou-se pela via consultiva, que implica quatro tipos de recursos:

    a) Funcionrios comprometidos e treinados para implementar o OP em horrios flexveis;

    b) Meios de transporte circulando em todos os bairros para transportar os funcionrios;

    c) Amplos recursos de comunicao a fim de compartilhar as informaes com o pblico;

    d) Pessoal disponvel para fazer os estudos tcnicos, econmicos e oramentais, bem como estudos de

    viabilidade das necessidades priorizadas (Geli e Cabannes).

    No que diz respeito alnea a)