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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 A PAISAGEM DO ENTORNO DA SERRA DA TAPERA, DIVISA ENTRE DESTERRO E PIRACEMA/MG COMO ELO ENTRE TEMPO E ESPAÇO: a memória dos deslocamentos de famílias camponesas para o estado de Goiás ANDRADE, VAGNER L. DE (1); NICK, ALEXANDRE G. (2) 1. Programa Agentes Ambientais em Ação, Rede Ação Ambiental. Graduando de Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Praça Quatorze Bis, 130, Apto 906, Bela Vista, São Paulo SP CEP 03240-400 E-mail: [email protected] 2. Fundação Educacional Cristo Rei. Graduado em Geografia e Análise Ambiental pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH) e especialista em Educação do Campo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Rua Rio de Janeiro, 1870, Centro, São Gabriel do Oeste MS CEP 79490-000 E-mail: [email protected] RESUMO O êxodo de inúmeros migrantes mineiros para o Centro Oeste brasileiro, ocorrido no advento da “Marcha para o Oeste (1930-1945)”, caracterizam o contexto histórico da realidade geográfica de Minas Gerais, e estão presentes nos relatos locais, principalmente nas áreas rurais de diversos municípios. Os municípios de Desterro de Entre Rios e Piracema apresentaram índices expressivos de deslocamentos populacionais de sua zona rural para o estado de Goiás, principalmente nas décadas de 1950-1970. A região foi marcada por degradações ambientais decorrentes de atividades agropecuárias, sendo comum o desmatamento de remanescentes florestais para plantio de pastagens e para cultivo de alimentos. Com o passar do tempo, as terras foram dando sinais evidentes de exaustão. Segundo a oralidade local, as famílias eram numerosas em termos de filhos e o uso contínuo das pequenas extensões de terras agricultáveis associados a métodos tradicionais, gerou uma série de dificuldades técnicas e financeiras. Com a ilusória promessa de riqueza fácil e demais facilidades em terras goianas, como o plantio em regime de parceria com os proprietários de terras, famílias camponesas inteiras se mudaram para Goiás, sendo que muitas permaneceram e outras com o insucesso da empreitada, acabaram retornando à terra natal. Estes municípios goianos registram e comprovam uma pequena parte da histórica relação cultural entre Minas Gerais e Goiás, evidenciando que os mineiros contribuíram e para a configuração, estruturação e consolidação do respectivo estado e de seus municípios. O presente trabalho apresenta os motivos básicos que motivaram inúmeras famílias camponesas a trocarem de paisagens se dirigindo para o estado de Goiás na expectativa de encontrarem terras férteis, objetivando elevar a produção agrícola, obtendo com isso lucros e melhoria da qualidade de vida. Palavras Chave: Deslocamentos Populacionais; Dinâmicas Rurais Brasileiras; Fatores de Expulsão do Campo; Memória; Oralidade.

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

A PAISAGEM DO ENTORNO DA SERRA DA TAPERA, DIVISA ENTRE

DESTERRO E PIRACEMA/MG COMO ELO ENTRE TEMPO E ESPAÇO: a memória dos deslocamentos de famílias camponesas para o estado de Goiás

ANDRADE, VAGNER L. DE (1); NICK, ALEXANDRE G. (2)

1. Programa Agentes Ambientais em Ação, Rede Ação Ambiental. Graduando de Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade de Franca (UNIFRAN).

Praça Quatorze Bis, 130, Apto 906, Bela Vista, São Paulo – SP CEP 03240-400 E-mail: [email protected]

2. Fundação Educacional Cristo Rei. Graduado em Geografia e Análise Ambiental pelo Centro

Universitário de Belo Horizonte (UNIBH) e especialista em Educação do Campo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Rua Rio de Janeiro, 1870, Centro, São Gabriel do Oeste – MS CEP 79490-000 E-mail: [email protected]

RESUMO

O êxodo de inúmeros migrantes mineiros para o Centro Oeste brasileiro, ocorrido no advento da “Marcha para o Oeste (1930-1945)”, caracterizam o contexto histórico da realidade geográfica de Minas Gerais, e estão presentes nos relatos locais, principalmente nas áreas rurais de diversos municípios. Os municípios de Desterro de Entre Rios e Piracema apresentaram índices expressivos de deslocamentos populacionais de sua zona rural para o estado de Goiás, principalmente nas décadas de 1950-1970. A região foi marcada por degradações ambientais decorrentes de atividades agropecuárias, sendo comum o desmatamento de remanescentes florestais para plantio de pastagens e para cultivo de alimentos. Com o passar do tempo, as terras foram dando sinais evidentes de exaustão. Segundo a oralidade local, as famílias eram numerosas em termos de filhos e o uso contínuo das pequenas extensões de terras agricultáveis associados a métodos tradicionais, gerou uma série de dificuldades técnicas e financeiras. Com a ilusória promessa de riqueza fácil e demais facilidades em terras goianas, como o plantio em regime de parceria com os proprietários de terras, famílias camponesas inteiras se mudaram para Goiás, sendo que muitas permaneceram e outras com o insucesso da empreitada, acabaram retornando à terra natal. Estes municípios goianos registram e comprovam uma pequena parte da histórica relação cultural entre Minas Gerais e Goiás, evidenciando que os mineiros contribuíram e para a configuração, estruturação e consolidação do respectivo estado e de seus municípios. O presente trabalho apresenta os motivos básicos que motivaram inúmeras famílias camponesas a trocarem de paisagens se dirigindo para o estado de Goiás na expectativa de encontrarem terras férteis, objetivando elevar a produção agrícola, obtendo com isso lucros e melhoria da qualidade de vida. Palavras Chave: Deslocamentos Populacionais; Dinâmicas Rurais Brasileiras; Fatores de Expulsão do Campo; Memória; Oralidade.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A paisagem bucólica da Serra da Tapera, localizada a 161 km da capital mineira, na

divisa entre os municípios mineiros de Desterro de Entre Rios e Piracema

apresentou expressivos deslocamentos de camponeses principalmente a partir da

década de 1950, para a zona rural de diversas localidades do estado de Goiás.

Neste contexto, os camponeses mineiros que se fixaram em Abadiânia, Anápolis,

Corumbá de Goiás, Heitoraí, Itapaci, Itapuranga, Petrolina de Goiás, Pirenópolis,

Porangatú, São Francisco de Goiás e Uruana e seus descendentes são pioneiros.

Na análise do contexto histórico-geográfico de vários municípios goianos, nota-se

que os mineiros são direta e indiretamente responsáveis pela formação e

consolidação desse estado. Coincidentemente, o fato das pessoas se deslocarem

obrigatoriamente para outras áreas correlaciona-se com a palavra “desterro”, cujo

significado etimológico apresenta uma idéia relacionada aos processos de saída da

terra natal, como banimento, degredo, emigração, exílio e expulsão, dentre outros.

Na atualidade o “desterro” se efetiva nos fenômenos sociais da expulsão do homem

do campo e consecutivos deslocamentos populacionais, quando milhares de

pessoas deixam suas terras natais para viverem em terras estranhas delineando

uma idéia de expulsão e exílio. Atualmente a realidade camponesa no cenário

mundial evidencia inúmeras transformações de cunho capitalista urbano-industrial,

como a intensa mecanização, a concentração de terras e a intensificação de

monoculturas impondo inúmeras dificuldades ao pequeno produtor rural que expulso

do campo, se dirige para outros lugares, em busca de novas perspectivas de vida.

Além disso, em realidades rurais, a falta de orientação ou assistência técnica

agrícola, condições rudimentares de manejo dos recursos naturais como água,

florestas e solo, bem como calamidades e hostilidades ambientais como a seca e a

desertificação, ocasionaram significativos deslocamentos populacionais para outros

lugares. Historicamente, as pessoas mudam de lugar em busca de melhor qualidade

de vida, adequando-se rapidamente a novas condições. Nestes termos, o

capitalismo dita a ordem social e a estrutura interna da sociedade obrigando os

grupos sociais a se adaptarem aos ditames do sistema vigente.

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Isso foi o aconteceu nas regiões do Centro-Oeste Mineiro e do vale do Alto-médio

Paraopeba, onde se localizam os municípios de Desterro de Entre Rios e Piracema.

Há relatos orais desses deslocamentos de camponeses para terras goianas em

vários outros municípios dessas regiões mineiras como Belo Vale, Bonfim,

Brumadinho, Cláudio, Crucilândia, Congonhas, Itaguara, Jeceaba, Moeda, Passa

Tempo, Piedade dos Gerais e Rio Manso, dentre outros. Goiás exerceu forte atração

sobre moradores da zona rural destes municípios, que baseados na fama de terras

férteis e riqueza fácil partiram de suas localidades de origem rumo ao estado. A

cidade de Oliveira, povoação primitivamente conhecida como Picada de Goiás,

localizada na confluência entre estas duas regiões mineiras surgiu em decorrência

de caminhos antigos que ligavam Minas ao sertão goiano. Favorecida, em parte, por

sua posição em relação a São Paulo e a Goiás, Nossa Senhora de Oliveira,

atualmente localizada às margens da Rodovia Fernão Dias - BR 381 apresentou

desenvolvimento crescente. Segundo Tosato:

essa cidade originou-se de um ponto de pouso para os viajantes que buscavam riquezas na província de Goiás com as tropas de seu comércio. Foram esses primeiros colonizadores que denominaram esse lugar “A Picada de Goiás”, que, mais tarde, tornou-se o arraial de Nossa Senhora de Oliveira passando a distrito e vila em 1832, município em 1839 e cidade em 1881. TOSATO (1998, p. 48)

Historicamente, essas transformações fizeram parte de um amplo processo

gradativo de adequação e submissão da macrorregião geográfica do Centro-Oeste

brasileiro, onde se localiza Goiás aos interesses urbano-industriais do Sudeste

brasileiro. Na “Marcha para o Oeste”, uma etapa da reconfiguração do território

brasileiro, os ciclos econômicos ditaram prioritariamente as regras adaptando

milhares de pessoas às condições capitalistas que iam se impondo. Segundo

estudos, especificamente o estado de Goiás, atuou como área de atração de

migrantes mineiros e o acentuado crescimento demográfico iniciado com a

expansão da fronteira agrícola na região intensificou-se mais após a construção da

nova capital, Goiânia, na década de 1930 e da atual capital federal, inaugurada na

década de 1950, a Colônia Agrícola Nacional de Goiás - CANG, a Estrada de Ferro

Goyaz, e a Rodovia Federal Belém/Brasília - BR-153.

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RELAÇÕES ENTRE PAISAGEM, TEMPO E MEMÓRIA NA

FORMAÇÃO DO ESPAÇO

Ao se analisar os deslocamentos de migrantes desterrenses para o estado de Goiás,

conclui-se que os marcos históricos goianos da Marcha para o Oeste, advento das

ferrovias, a construção das cidades de Goiânia e Brasília e da rodovia BR 153,

foram às razões que motivaram famílias mineiras a trocaram de estado em busca de

uma nova vida. Como a paisagem atua como elo entre tempo e espaço? A partir

deste questionamento epistemológico qual seriam as relações entre paisagem

tempo e memória na formação do espaço geográfico?

A Ciência Geográfica, enquanto categoria científica correlaciona os conceitos de

paisagem, tempo e memória na compreensão do processo de produção do espaço

geográfico. As questões epistemológicas e científicas relacionadas ao processo de

compreensão e análise da memória baseada na relação entre as pessoas e destas

com o espaço, não são exclusividade da História, enquanto ciência, mas perpassam

também pela essência interdisciplinar da Geografia. Assim a compreensão da

reconfiguração espacial perpassa também por uma análise conjunta de uma série de

outras ciências. Para se correlacionar a Modernidade e memória, utilizando uma

perspectiva interdisciplinar os conceitos de Espaço e Tempo, são necessários à

compreensão de que:

Neste contexto, a materialidade simbólica do espaço é cada vez mais substituída pelo novo, pelo moderno, de tal forma que o espaço cada vez mais parece “escapar” da memória e das lembranças. Diante deste quadro, objetiva-se desenvolver uma reflexão teórico-metodológica que se situe na confluência das ciências sociais e da geografia, capaz de priorizar a memória não somente como lembrança de um passado, porém como meio para recriar o passado com vistas ao futuro, portanto, como algo que implica numa possível ação transformadora, na qual as lembranças, como matrizes da memória, possam ser os alicerces de novos espaços e novas temporalidades (UNESP, 2006).

Repensando a íntima relação entre História e Geografia, Holzer apud Andrade

(2008, p. 51) diz que “qualquer trabalho que se refira à espacialidade humana refere-

se à memória” retrabalhando esta relação a partir da ótica de que “a memória

contribui para a constituição de categorias espaciais”. Neste sentido a geografia

humanista, reforçaria a relação existente entre memória, história e espacialidade.

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Uma aproximação entre memória, história e espacialidade pode ser feita a partir da geografia humanista e, em particular, a partir da obra de Lowenthal. O autor, um dos primeiros humanistas, tem também ligações profundas com a geografia cultural e com a geografia histórica. Suas preocupações com uma nova epistemologia da geografia provêm de sua formação, e seriam enunciadas em 1961 (...) em que eram retomadas propostas de John Wright (1947) que sugeria o fim da delimitação entre objetividade e subjetividade na geografia. O caminho proposto era o do estudo da imaginação geográfica e de sua diferenciação das imagens mentais, que podiam ser meramente invocadas pela memória (HOLZER, 2000, p. 112).

Holzer cita Yi-Fu Tuan (1974, 1977) para o qual “o lugar encarna as experiências e

as aspirações pessoais, é uma realidade a ser compreendida da perspectiva dos

que lhe dão significado (HOLZER, apud Andrade (2008, p. 51)”. Neste sentido, a

partir das relações existentes entre memória, paisagem e lugar, conclui-se que

espaço e tempo estão indissoluvelmente ligados, reforçando o caráter essencial da

geografia, enquanto ciência que estuda os elos entre sociedade e natureza. No

estudo geográfico da espacialidade, não importa a que época se refira, a memória,

fruto da ação humana será amplamente considerada, analisada, compreendida e

registrada. Se isso for desconsiderado amplia-se à histórica dicotomia entre humano

e físico, natural e cultural. Com estas bases teóricas entende-se que a memória não

é um campo de atuação exclusivo de historiadores, refletindo sobre a atuação do

geógrafo como elemento extremamente indispensável para a compreensão

interdisciplinar das relações entre homem e espaço.

PAISAGEM DA SERRA DA TAPERA, DESTERRO DE ENTRE RIOS –

MG: caracterização natural e social

Geograficamente, o município de Desterro de Entre Rios (Figura 01), está inserido na

Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte, especificamente na Microrregião de

Conselheiro Lafaiete e localiza-se a aproximadamente 161 km da capital mineira.

Oficialmente possui uma área territorial de 376,97 km², limitando-se com os municípios de

Entre Rios de Minas, Jeceaba, Passa Tempo, Piedade dos Gerais, Piracema, e Resende

Costa (ALMG apud ANDRADE, 2007: 41).

A cidade apresenta algumas peculiaridades, como ser chamada na zona rural de "Rua" devido à antiga época em que Capela Nova do Desterro era formada por uma única rua, provavelmente a rua principal, atualmente denominada Teóphilo de Andrade, na qual localizavam-se poucas casas, as duas igrejas e o pequeno comércio local, fato que condicionou os

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moradores mais velhos das localidades rurais a também chamarem o perímetro urbano de "Comércio". . (ANDRADE, 2007: 49)

Figura 01: Localização do município de Desterro de Entre Rios, no estado de Minas Gerais

Fonte: adaptado de AZZI (2006)

A cidade também preserva em sua identidade cultural, outras especificidades como

a ligação direta com localidades próximas que pertencem oficialmente aos

municípios de Piracema e Resende Costa, bem como também mantêm uma intima

relação com a cidade de São Paulo, onde moram inúmeros desterrenses.

No aspecto social, não há informações de referência e orientação sobre alimentação, questão da segurança pública, as condições de moradia e os índices de acesso ao trabalho ou desemprego. Como não se trata ainda de área urbana adensada, não há aglomerações localizadas em áreas de risco geológico, ou bolsões de pobreza, decorrentes na maioria dos casos do processo de ocupação desordenada, nem existem níveis de exclusão ou eventuais problemas sociais generalizados. Ainda não há grandes projetos sociais visando inclusão e justiça social, além da tradicional Bolsa Família, oferecida pelo Governo Federal, aos que necessitam ou que estejam socialmente vulneráveis. (ANDRADE, 2007, p. 45)

O município de Desterro apresenta uma realidade bem próxima de outras cidades

brasileiras, onde diversos fatores de expulsão do campo ocasionaram o rompimento

do pequeno produtor rural com sua realidade local, causando o esvaziamento do

campo e conseqüente inchaço das grandes cidades. Mesmo com a intensa saída de

camponeses para o estado de Goiás, nos anos 1970 e 1980, a população rural era

quase o triplo da urbana em 2000, a área urbana atingiu patamares de equidade

com o campo (Quadro I). Nesta região é comum que pequenos produtores rurais,

após se aposentarem da “árdua” vida camponesa, passem a residir na cidade

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visando conforto e facilidades, como acesso ao comércio e principalmente

facilidades no atendimento médico.

Quadro I – município de Desterro de Entre Rios – MG: população residente

ANO RURAL URBANA TOTAL

1970 5.972 habitantes 1.131 habitantes 7.103 habitantes

1980 5.401 habitantes 1.935 habitantes 7.336 habitantes

1991 4.394 habitantes 2.431 habitantes 6.825 habitantes

2000 3.767 habitantes 3.035 habitantes 6.802 habitantes

2005 ***** ***** 6.796 habitantes 2010 3.571 habitantes 3.431 habitantes 7002 habitantes 2015 ***** ***** 7.298 habitantes

Fonte: IBGE (2007)

As principais rodovias que servem de acesso a Belo Horizonte, são a BR-381 cujo

acesso é possível pela MG-270 (Rodovia Doutor Márcio Andrade) até Carmópolis de

Minas e a BR-040 acessível pela BR 383 passando por Entre Rios de Minas. São

estas rodovias, as responsáveis pelo escoamento local da produção agrícola e

recentemente da exploração minerária na paisagem da serra do Coelho. Essa serra,

oficialmente denominada “da Tapera” na divisa com Piracema, é uma paisagem

historicamente agrária, marcada pela constante luta diária pela sobrevivência. O

patrimônio natural local foi atingido por atividades agropecuárias com

descaracterização de remanescentes florestais, através do desmatamento para

pastagens ou cultivos agrícolas. Com práticas inadequadas que degradavam

também os solos, o município começou a ver no período de 1950 a 1980, sua

população declinar com inúmeros deslocamentos em busca de novas condições de

vida.

Neste contexto sempre se destacou a agricultura familiar voltada à subsistência, com venda do excedente, com destaque para o plantio no regime de meeiro. Com o passar do tempo, os solos foram se exaurindo, em decorrência do uso contínuo e inadequado. Esta exaustão trazia consigo um conjunto de incertezas, dentre as quais a ameaça da fome, fazendo com que as pessoas sonhassem com novas perspectivas de vida e em decorrência destes fatores, vários deslocamentos começaram a ocorrer para Goiás, São Paulo, Belo Horizonte e outras localidades de Minas Gerais. Nos sertões do estado de Goiás, a busca foi por terras férteis e fartura de alimentos. Nos grandes centros urbanos buscou-se por empregos na indústria, comércio e serviços. (ANDRADE, 2008, p. 29)

Esta região é uma área de ocorrência de cerrado, onde no passado houve extração

comercial de barbatimão (Strynodendron barbatimao), visando comercialização junto

a curtumes. Atualmente encontra-se ameaçada por atividades minerárias,

projetando a possível descaracterização da paisagem rural, comprometimento do

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lençol freático e remanejamento de moradores. As paisagens da serra da Tapera

apresentam vasto potencial para o turismo em decorrência da vista panorâmica,

trilhas ecológicas e outros inúmeros atributos naturais, incluindo a cultura da

comunidade.

A região da serra da Tapera ou serra do Coelho, área deste estudo localizada na divisa intermunicipal entre os municípios mineiros de Desterro de Entre Rios e Piracema sempre foi marcada por degradações ambientais decorrentes de atividades agropecuárias, sendo o mais comum o desmatamento de remanescentes florestais para plantio de pastagens e para o cultivo de produtos agrícolas. Neste contexto sempre se destacou a agricultura de produção familiar voltada à subsistência, com perspectivas de venda do excedente agrícola, sendo muito comum o plantio no regime de parcerias com outros proprietários. Com o uso extensivo e inadequado, os solos foram dando sinais evidentes de exaustão, em decorrência do uso contínuo e inadequado. Segundo relatos locais, as famílias eram numerosas com muitos filhos, e o uso de métodos tradicionais inadequados associados ao contínuo uso das pequenas extensões de terras agricultáveis, levaram a uma série de dificuldades técnicas e financeiras, forçando-os a se deslocarem em busca de novas perspectivas. (ANDRADE, 2007, p. 53-54)

PAISAGEM RURAL DO ENTORNO DA SERRA DA TAPERA: os deslocamentos de famílias camponesas para o estado de Goiás

A fixação de mineiros originários das paisagens do entorno da serra da Tapera,

município de Desterro de Entre Rios evidenciou-se nas mais diferentes regiões

goianas: Abadiânia, Corumbá de Goiás e Pirenópolis no leste, Anápolis, Itapaci,

Itapuranga, Petrolina de Goiás, São Francisco de Goiás e Uruana no centro e

Porangatú, no norte. Uma série de fatores ditados pela lógica da expansão da

fronteira agrícola no Centro Oeste e sua submissão aos ditames capitalistas do

Sudeste brasileiro determinaram o deslocamento e a fixação de migrantes mineiros

principalmente no estado de Goiás. O estado também recebeu inumeros nordestinos

(Figura 02).

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Figura 02 - carteira de identidade de um emigrante cearense expedida em Goiás

Fonte: Projeto AMIGO – Rede Ação Ambiental

O processo de emigração no entorno da divisa municipal inicia-se a partir da década

de 1950, quando várias famílias na expectativa de encontrarem terras férteis,

objetivando elevar a produção agrícola, obter lucros e melhoria da qualidade de vida,

se dirigiram para terras goianas. Atualmente várias pessoas residentes na região de

Desterro, também têm histórias parecidas como a aposentada N., de 72 anos,

residente no Bom Retiro de Trás, que teve inúmeros parentes que foram embora

para Goiás, dentre os quais, sua irmã, que hoje vive em Anápolis. Com a promessa

de facilidades em Goiás, onde plantariam no regime de parceiro com os proprietários

de terras, famílias inteiras se mudaram para o estado, sendo que muitas

permaneceram por lá e outras com o insucesso da empreitada, acabaram por

retornarem à terra natal, como o caso do aposentado A., 77 anos, viúvo, morador da

localidade piracemense de Geada.

Para se entender o contexto de deslocamentos de desterrenses para Goiás, faz-se necessário uma análise não só do cenário político-econômico naquela época, como da realidade cultural existente no campo naqueles tempos. Em meados do século XX, o mundo passou por reconfigurações que o tornaram mais globalizado, tendo como principal mecanismo, a orientação antropocêntrica, racional e tecnicista. Principalmente na era getulista, onde o Brasil começou o priorizar o “desenvolvimento a qualquer custo”, a realidade rural ainda se caracterizava e se diferenciava pelas suas peculiaridades e especificidades (alimentação, educação, hábitos, higienização, modos de lazer e entretenimento, moradia, religiosidade, saúde e segurança, trabalho e renda, no transporte e vestuário), fazendo das paisagens rurais, especiais e únicas num mundo cada vez mais urbano-industrial e capitalista. (ANDRADE, 2007)

Numa época, onde esta tipologia cultural de caráter rural era comum, iniciou-se um

processo intenso de deslocamentos populacionais de migrantes mineiros para o

estado de Goiás, dentre os quais inúmeros desterrenses. Apesar das

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especificidades do modo de vida rural, as dificuldades também eram grandes, como

por exemplo, a falta de acesso a tratamentos de saúde e a uma educação

satisfatória, bem como a exaustão dos solos devido ao uso contínuo e indevido.

Neste sentido, nas décadas de 1930 a 1960, passar roupas com ferro de brasa, fazer sabão, utilizar fogão à lenha e luz de querosene, utilizar forno de cupim, o paiol de milho, o moinho d´água, o engenho de cana, o carro de boi, a água da bica, as vassouras de alecrim do campo e de capim do brejo, fazer casas de pau-a-pique, com chão de barro, o cuidado com a roça (preparo, plantio, capina, aragem, colheita), os colchões de palha, os travesseiros de flor de marcela, o uso da cuia (cabaça), os brinquedos improvisados, a música sertaneja, ainda eram os fatores que diferenciavam a roça da cidade, e o Brasil Rural de um novo país que passava a se estruturar no contexto internacional. (ANDRADE, 2007)

Este conjunto de incertezas trazia consigo a ameaça da fome, fazendo com que as

pessoas sonhassem com novas perspectivas de vida. Várias pessoas participaram

direta e indiretamente deste processo, como a aposentada, L., de 86 anos, residente

na Estiva, cujos pais, tio e primos se mudaram para Itapuranga e a doméstica, H., de

36 anos, moradora do Barro Branco, que morou certo tempo em Itapaci, onde se

casou com um parente goiano, tendo retornado para seu local de origem com sua

única filha. Por diretamente afetado se entende aqueles que se mudaram para terras

goianas e que voltaram ou não e por indiretamente afetado, denominam-se aqueles

que aqui ficaram e continuaram a rotina de suas vidas, embora alguns parentes

próximos tenham se mudado.

A tradição oral relata que esses fluxos ocorreram principalmente após emancipação de Desterro, anteriormente pertencente ao vizinho João Ribeiro (atual Entre Rios de Minas), quando começou uma série de partida de famílias inteiras, incluindo pais, mães, irmãos, avós, tios, primos. Neste contexto se inserem várias pessoas, como a aposentada, F., de 74 anos, residente em Pedra-de-cevar, que teve seu pai e mãe, bem como alguns irmãos, transferidos, para Três Ranchos, às margens da BR-153 (Belém-Brasília), em Pirenópolis, sendo seu esposo, o aposentado, O., de 76 anos, também com irmãos fixados na mesma região. Estes deslocamentos seriam muito diferentes dos fluxos posteriores para São Paulo e Belo Horizonte, quando migravam em sua maioria apenas pessoas jovens e solteiras. Neste contexto, o espaço geográfico local foi reconfigurado “de uma hora para outra”, com a saída contínua de moradores e uma realidade de casas que eram totalmente desocupadas. Posteriormente aquelas que não foram desmanchadas, foram reconstruídas ou reocupadas pelos familiares que ficaram, e localidades inteiras se modificaram rapidamente como o Bom Retiro de Trás, no município de Piracema, distante apenas 13 km de Desterro, que quase se esvaziou por inteiro, restando em torno de 14 casas vazias, cujas famílias foram para Goiás. (ANDRADE, 2007)

Mas porque o pessoal teria se deslocado em massa para outra realidade bem

diferente da que estavam acostumados, passando a viver num estado totalmente

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distante e desconhecido? Segundo os relatos daqueles que ficaram a fertilidade de

terras goianas, foi o principal fator de atração, fazendo com que inúmeras pessoas

enfrentassem mais de 1.000 km de distância em busca de novas perspectivas de

vida. Apenas precisavam de alguém conhecido, que lá já residiam como referencia

para intermediar a fixação. Assim terras famosas do Vale do Rio Corumbá, nas

regiões de Anápolis e entorno do DF (Abadiânia, Anápolis, Corumbá, Petrolina e

São Francisco) e terras do Vale do São Patrício, nas regiões de Ceres e Porangatú

(Itapaci, Itapuranga, Porangatú e Uruana) foram sendo gradativamente ocupadas

por pessoas originárias da região de Desterro, num período que provavelmente vai

de 1950 a 1970. algumas localidades goianas até tiveram seus nomes mudados

devido à fixação de mineiros como a Serra do Misael (figura 04), divisa

intermunicipal entre Anápolis e Pirenópolis, que passou a ser conhecida como a

Serra dos Mineiros.

Mas como estes boatos de fertilidade dos solos e de fartura da produção agrícola goiana teriam chegado a esta região de Minas Gerais? O aposentado A., de 77 anos, residente na Geada, relata que o feijão foi o principal elemento que criou esta expectativa de mudança na população local. Segundo ele que morou sete anos (1957-1963) em Souzânia, distrito de Anápolis, local onde nasceram quatro de seus 08 filhos, na zona rural de Desterro houve considerável declínio da produção agrícola, fato que ameaçava a integridade das inúmeras famílias, compostas por uma média de oito a doze filhos e, curiosamente, contribuiu para que o feijão se tornasse um alimento raro nas refeições diárias. Quem tinha dinheiro comprava o famoso feijão goiano nas vendas locais e quem não tinha ficava somente na vontade, pois não se produzia mais este gênero alimentício nas culturas da região, em decorrência da exaustão dos solos. O feijão goiano trazia consigo a fama de um rincão no Brasil Central, onde o solo era rico e onde também havia fartura de milho e arroz, dentre outros gêneros. (ANDRADE, 2007)

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Figura 03 - Localização da BR 153, na região da Serra do Misael, ou serra dos Mineiros, localizada

entre Brasília e Goiânia.

Fonte: Projeto AMIGO – Rede Ação Ambiental

Em busca desta riqueza e abundância e também de melhoria na qualidade de vida,

alguns pioneiros se enveredaram para estas terras estranhas, das quais mandavam

notícias fabulosas que encantavam os que aqui estavam. Com isto estaria dada a

largada rumo aos sertões de Goiás, que acabou por ser tornar uma febre e

revolucionar a região. Uma série de mudanças para aquele estado foi empreendida

e inúmeros caminhões partiram levando famílias e pertences. Um caminhão,

passando por Crucilândia, Itaguara e Itaúna, gastava, em média, nove dias em

estradas precárias para chegar a Goiás. Neste período contínuo de mudanças para

Goiás, os caminhões retornavam com sacos de feijão para venda em Desterro e

região. Com o advento do transporte ferroviário de passageiros, a “máquina”, como

os desterrenses chamavam o trem-de-ferro, encurtaria em quatro dias a distância

entre as estações ferroviárias de Itaúna e Anápolis. Posteriormente, com a

conclusão da BR 040 ligando Brasília a Belo Horizonte, facilitou-se a comunicação e

o fluxo entre estas regiões e muitos podiam utilizar os primeiros ônibus que faziam

esta ligação.

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Segundo o aposentado V., de 75 anos, morador do Mumbeca, que morou no município de São Francisco de Goiás durante dois anos (1968-1970), tendo retornado a Desterro onde atualmente vive com a família, aqueles que se fixaram em terras goianas, iniciaram suas vidas como agregados em terras alheias, trabalhando num regime de parceria como os proprietários. As primeiras adaptações eram as terras aplainadas do Planalto Central, diferente dos morros e serras a que estavam acostumados e o calor excessivo. Para a moradora da Tapera, a aposentada C., de 62 anos, que teve três tias maternas que se mudaram para lá e seu esposo, o aposentado G., de 68 anos, também teve vários tios maternos, que se mudaram e com os quais perdeu totalmente o contato, o pior era a separação e a distância. Esta separação é inclusive relata como sinônimo de desespero, angústia e sofrimento. Como a mudança deixou marcas profundas no campo sentimental, tanto de quem foi como de quem ficou cartas e fotos, encaminhadas via postal amenizavam a distância e a dor da separação. Quem partia, levava saudades de seus entes que ficavam e os que permaneceram sofriam com as incertezas de um lugar longe e distante. (ANDRADE, 2007)

Algumas pessoas que moravam em Goiás puderam retornar uma única vez ou mais

vezes à terra natal e alguns moradores da região ocasionalmente visitaram seus

parentes residentes em Goiás, mas algumas famílias perderam totalmente o contato

com seus parentes mineiros (Figura 04). Por outro lado, a nova terra habitada tinha

certa fama de “território sem lei”, resultante do choque cultural entre mineiros,

piauienses, baianos e maranhenses, que por terem diferentes concepções e

posturas acabavam por gerar inúmeros conflitos. Com o passar dos anos, alguns

dos pioneiros faleceram e seus descendentes fixaram nas grandes cidades como

Anápolis e Brasília e outros acabaram se mudando até para São Paulo. Se naquela

época, os solos férteis eram motivo de atração para pequenos agricultores,

atualmente em Desterro, diversas técnicas e recursos minimizam os efeitos de

exaustão dos solos, como a aragem, os fertilizantes, o uso de calcário e esterco.

Os principais deslocamentos ocorridos foram para Belo Horizonte, Goiás e São Paulo. Outros deslocamentos populacionais em menor escala, ocorreram no contexto histórico de Desterro, sendo que atualmente há casos de famílias fixadas em Catas Altas da Noruega, Entre Rios e Piracema (que se deslocaram da região das localidades de Cerrado, Estivado e Olaria, em Desterro para a comunidade do Tatu, próxima a sede municipal daquele município) e ainda no Distrito de Alto Maranhão (município de Congonhas), bem como inúmeras outras localidades. Na região metropolitana de Belo Horizonte, principalmente nos bairros próximos da BR 040, da BR 381 e MG 040, rodovias que ligam Desterro à capital mineira e adjacências, mas especificamente nos municípios de BH, Betim, Contagem, Ibirité, existem áreas concentradas que abrigam muitos daqueles que saíram do município em busca de novas perspectivas. (ANDRADE, 2007)

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Figura 04 - fotografia de um mineiro que se mudou para Goiás (à direita) visitando parente (á esquerda) na Serra do Coelho

Fonte: Projeto AMIGO – Rede Ação Ambiental

Porém a grande maioria daqueles que saíram da cidade fixaram residência na

cidade de São Paulo. Um visitante que anda pela cidade de Desterro de Entre Rios,

não tem a impressão de estar a apenas 161 km de Belo Horizonte, mas sim de estar

no interior do estado de São Paulo, embora a essência mineira esteja em cada rua,

residência e morador do perímetro urbano desterrense.

A relação entre Desterro e São Paulo e tão evidente que na zona norte daquela cidade, mas especificamente no distrito do Tremembé, próximo à BR 381, existem bairros com uma considerável população de desterrenses fixados e seus descendentes, principalmente na Vila Albertina. Inúmeros bairros como Furnas, Jardim Joamar, Vila Zilda e outros abrigaram os sonhos de muitos que saíram de Desterro, principalmente a partir das décadas de 1960 e 1970, atraídos pelas inúmeras possibilidades de emprego e qualidade de vida que estavam sendo previstas para a capital paulista e entorno metropolitano. O acesso de Desterro a São Paulo via ônibus, é possível através de Entre Rios, onde passa uma linha rodoviária (UTIL – União Transporte Interestadual de Luxo S/A ou Viação Cristo Rei) que liga à capital paulista à Mariana, ou por Oliveira (Viações Cometa e Gontijo). (ANDRADE, 2007)

A partir da década de 1960, uma mineradora se instalou na paisagem rural da Serra

do Coelho, interessada em explorar minério-de-ferro existente na mesma, próxima

às localidades rurais de Tapera, Morro Grande, Mumbeca e Barro Branco. O

processo foi protocolado em 1961 no Departamento Nacional de Produção Mineral,

e não há dados oficiais referentes ao período de funcionamento. O que se sabe é

que a mineração exerceu forte atração sobre os moradores locais e vários jovens

basearam suas vidas na expectativa de conseguirem um emprego nas atividades

minerárias, desta forma permanecendo junto aos seus familiares. Ao encerramento

das atividades, devido à inviabilidade comercial de extração na serra, vários jovens

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transferir residência para Belo Horizonte ou São Paulo, objetivando fixação e

emprego, fato que se intensificou principalmente a partir da década de 1970, para a

capital paulista e entorno metropolitano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender o processo de deslocamentos para o estado de Goiás, na concepção e

memória dos moradores rurais da Serra da Tapera, divisa intermunicipal dos

municípios mineiros de Desterro de Entre Rios e Piracema, não somente contribuiu

para uma maior compreensão do processo de apropriação dos recursos naturais

para sobrevivência, como também permitiu brevemente identificar impactos que

resultaram na reformulação e atual reconfiguração do espaço local, onde se

estabeleceram novas relações. Também permitiu imaginar a relevante contribuição

de migrantes mineiros para a recente consolidação de Goiás, iniciada nos anos

1930. Por outro lado, é possível notar uma significativa similaridade cultural entre

Minas Gerais e Goiás, pois ambos tiveram em comum a povoação intensificada

inicialmente com o descobrimento, auge e decadência de jazidas auríferas e embora

o desenvolvimento econômico no estado de Minas tenha ocorrido de maneira mais

rápida e intensa, a ruralidade é algo comum a ambos. Outro ponto em comum é a

construção de capitais planejadas (Goiânia e Belo Horizonte), visando centralizar e

consolidar a administração pública e como rompimento com o passado colonial,

ligado a Portugal expresso nas suas antigas capitais (Goiás Velho e Ouro Preto).

O presente trabalho teve por principal objetivo registrar esta recente fase no

processo histórico do município, objetivando fornecer à comunidade local subsídios

para a construção de uma nova realidade, pautada na sustentabilidade, tendo como

base a análise dos relatos do passado. A cidade não possui levantamentos

relevantes que analisem o processo de formação das comunidades locais, e o

registro este episódio, existente em determinada fase da cidade (1950-1970), amplia

o registro da história local, como contribuição às futuras gerações.

Após a conclusão desta breve pesquisa, o assunto evidentemente não se deu por

esgotado, mas encontra-se seriamente ameaçado pelo descaso das populações

mais novas, que não se interessam diretamente pela preservação da memória local,

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certamente por desconhecer sua importância. Neste sentido um projeto envolvendo

alunos de todas as escolas da área de estudo, será planejado e desenvolvido,

visando com que alunos possam coletar mais dados, junto aos parentes mais velhos

que detém lembranças da época em questão. Com isso, novos dados seriam

revelados e organizados em trabalhos didático-pedagógicos visando sua

socialização junto à comunidade local e preservação efetiva deste importante

contexto histórico. Por último, a preservação destes dados coletados, juntamente

com cartas e fotos seriam direcionados ao futuro Centro cultural que está sendo

projetado para a Casa do Chico da Gabriela, na Sede municipal, visando à

preservação da memória e da história local. Outro projeto a ser implantado é a

confecção de um documentário, que entreviste os moradores mais antigos bem

como a provável denominação de bairro Goiás, à parte mais recente de expansão

de Desterro de Entre Rios, para se socializar este momento histórico tão importante

e único.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vagner Luciano de. Deslocamentos para Goiás na memória de moradores rurais do entorno da Serra da Tapera, Minas Gerais. Monografia de Conclusão de Curso (Geografia e Análise Ambiental). Belo Horizonte: UNI-BH, 2007. 70p. ANDRADE, Vagner Luciano de. Deslocamentos populacionais da zona rural de Desterro de Entre Rios, em Minas Gerais para Goiás e São Paulo. Projeto de Monografia de Conclusão de Curso (Geografia e Análise Ambiental). Belo Horizonte: UNI-BH, 2007. 15p. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Informações geográficas sobre o município de Desterro de Entre Rios, disponíveis em <http://www.almg.gov.br/index.asp?grupo=estado&diretorio=munmg&arquivo=municipios&municipio=21407>, acesso em 15. ago. 2016 AZZI, João Batista Trindade. Pavimentação Rodovia MG 270. In: Jornal o Tempo. Contagem, 2006, BIBLIOTECA DO IBGE. Processo histórico de formação de Abadiânia – GO, disponível em < http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/goias/abadiania.pdf>, acesso em 22. jul. 2016 BIBLIOTECA DO IBGE. Processo histórico de formação de Anápolis – GO, disponível em < http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/goias/anapolis.pdf>, acesso em 22. jul 2016 BIBLIOTECA DO IBGE. Processo histórico de formação de Corumbá de Goiás – GO, disponível em < http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/goias/corumbadegoias.pdf>, acesso em 22. jul. 2016 BIBLIOTECA DO IBGE. Processo histórico de formação de Itapaci – GO, disponível em < http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/goias/itapaci.pdf>, acesso em 22. jul 2016 BIBLIOTECA DO IBGE. Processo histórico de formação de Oliveira – MG, disponível em < http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/oliveira.pdf>, acesso em 22. jul. 2016

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DNPM. Informações sobre os Processos minerários 9069/1961, 833340/2003 e 830188/2004, disponíveis no site http://www.dnpm.gov.br/cadastro mineiro, acesso em 15. ago. 2016 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio – século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 667 HOLZER, Werther. Memórias de viajantes: paisagens e lugares de um novo mundo. In: GEOgraphia – Ano. II – n° 3. Universidade Federal Fluminense, 2000. p. 111-122, disponível em http://www.uff.br/geographia/rev_03/werther%20holzer.pdf, acesso em 15. ago. 2016 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Folha SF.23-X-A-V.1 (Passa Tempo) Rio de Janeiro: IBGE, 1974. Escala 1:50.000 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Informações geográficas sobre o município de Desterro de Entre Rios, disponíveis em < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>, acesso em 07. ago. 2016 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Informações geográficas sobre municípios de Goiás, disponíveis em <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>, acesso em 13. ago. 2016 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Informações geográficas sobre o estado de Goiás, disponíveis em <http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=go>, acesso em 23. ago. 2016 INSTITUTO DE GENEALOGIA DE GOIÁS. História de Goiás. Disponível em <http://www.ingego.org/BV_Historia_de_Goias.htm>, acesso em 20. ago. 2016 PREFEITURA MUNICIPAL DE DESTERRO DE ENTRE RIOS – MG. Folder com aspectos culturais, naturais e históricos do município. 2006 REDE AÇÃO AMBIENTAL. Desterro de Goiás: proposta de documentário. Desterro de Entre Rios, 2008 TOSATO, Pierluigi. Imagens do Brasil no tempo de Derby. Rio de janeiro: Departamento Nacional de Produção Mineral, 1998. p. 48 UNESP. Ementa da Disciplina: Espaço, Tempo e Memória. Programa de Pós-Graduação em GEOGRAFIA. Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. 2006, disponível em http://www4.fct.unesp.br/pos/geo/programas/mariaap.pdf >, acesso em 20. ago. 2016