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FAZENDO 101 o boletim do que por cá se faz a própria palavra europa é de origem grega gratuito junho 2015

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10101 FAZENDO ***

FAZENDO 101o boletim do que por cá se faz

a própria palavra europa é de origem grega

gratuito junho 2015

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1010 2FAZENDO * **

Sumário Ficha Técnica

Crónicaa ilha... por helena melo medeiros.10104

Sociedadeas tribospor paulo vilela raimundo.10106

Arte the american centurypor assunção melo.10108

Cinemacowspiracypor ricardo ribeiro.10111

Históriao doripor paulo alexandre monteiro.1016

Ciênciacampanhas de investigaçãopor helder marques da silva.10118

Directoresaurora ribeiro

tomás melo

Colaboradoresalbino pinho

ana lúcia almeidaassunção melo

fernando nuneshelder marques da silva

helena melo medeirosjoão daponte

nuno rafael costapaco garcia

paulo alexandre monteiropaulo vilela raimundo

ricardo ribeiro

Revisãoaurora Ribeiro

Capalúcia de brito franco

Paginaçãoraquel vila

Projecto GráficoilhasCook

p r o p r i e d a d e assoc cultural fazendos e d e rua conselheiro medeiros nº 19

9900 hortap e r i o d i c i d a d e mensal

t i r a g e m 500 exemplaresi m p r e s s ã o o telégrapho

registado na erc com o nº125988

Lúcia de Brito Franco

ilustração Raquel Vila

Novo grémio literário faialense2 de julho21h00 Banco de ArtistasEntrada livreleitura

Piratas em Porto

Pim9 de julho

21h30 Fábrica da

Baleia

Entrada livre

dança

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1010 3 FAZENDO ***

ele chegou descontraídocaminhando sozinho.devagar se vai ao longedevagar eu chego lámostra -me o teu rostomenina mulher da pele pretacombinação de coresperfeição tropicalaqui onde estão os homenseu vou torcer pela paz, alegria e amor.já consultei os astrospode -se voar sozinho até às estrelasao sair da ilhauma cabanapeixe fogo crufigo sãoa obra solar está completae a força é toda a forçaponta de diamanteglória do mundoo que é que eu quero maisse eu sei que a vida é bela e linda.saudade até que é bommelhor que caminhar sozinhoo simples pode ser beloe o belo pode ser simpleso certo muito verdadeiroe em todo o mundo se vive

O século começa com o Ano Internacional da Mobilização contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Todas as Formas de Intolerância. “Porto 2001” é a nomenclatura usada na iniciativa do Porto Capital Europeia da Cultura 2001 em conjunto com a cidade holandesa de Roterdão. É por essa altura que se dá o lançamento da edição em português da Wikipédia. O Instituto Açoriano de Cultura publica o livro de fotografias “A’ssimetrias”, de Américo Silva. O poeta terceirense, Emanuel Félix, dá a conhecer a obra “Viagens na Minha Era” (Lisboa, Temas e Debates) e a poetisa micaelense, Renata Correia Botelho, publica “Avulsos, por causa” (edição de autor, fora do mercado). Eugénio de Andrade, autor do poema “Urgentemente” e de uma vasta obra poética, recebe o prémio Camões. Os cineastas Joaquim Pinto e Nuno Leonel filmam em São Miguel o documentário “Rabo de Peixe”, que obteve recentemente uma remontagem para estar presente na edição do festival de Berlim, fora de competição. No seguimento das eleições autárquicas de Dezembro desse ano, o Primeiro Ministro António Guterres pede a demissão e são convocadas eleições legislativas antecipadas pelo Presidente Jorge Sampaio.

FAZENDO 101Capa

Quando estamos no mar, as ondas, por vezes parecem montanhas, movendo--se no horizonte. Balanceando o casco do barco, no oceano que parece infini-to. Sentimos na pele, o quão precioso é estar vivo face aos elementos gran-diosos da natureza. Estar atento ao que nos rodeia. A atenção é essencial na vi-vência do lugar e esta varia consoante a percepção de cada um. Consoante a disponibilidade e o nível a que nos dis-pomos a vivenciar o lugar.

O caminho que tenho seguido é de abertura ao deslumbramento. O contacto próximo com os elementos, captado in situ através dos sentidos. Olhar, sentir, cheirar, saborear, escu-tar o mundo como se fosse uma crian-ça. Com uma curiosidade inata de quem experimenta a graça de estar vivo, neste corpo, aqui e agora.

Ao Mar é o tema principal do projec-to artístico que estou a desenvolver

no Faial. Desde pequena que pratico mergulho em apneia e, tenho pelos Açores um fascínio especial. Ir ao mar é estar lá em comunhão plena.

O projecto incide a atenção sobre a captação sensorial do mundo subma-rino. Como transmitir pictoricamente, as sensações físicas do corpo no meio dos elementos? A luz atravessando a coluna de água, o som que se propaga ao longe e ao perto se sente no corpo, a temperatura e a sua variação con-soante a corrente e a profundidade, a escuridão e a pressão à medida que descemos, o sabor da água, a força das correntes, os diferentes níveis de visibilidade. A sensação resultante do encontro com a vida marinha.

Para além do mar, há outras fontes de inspiração. A força ígnea que molda a terra. As florestas verdejantes, os sinuosos contornos curvilíneos da paisagem. A transição entre rocha preta escaldante e o mar frio. O ar quente e o interior da floresta fresco. A lumínica da atmosfera ao longo do dia, variando com a nebulosidade e a altitude.

Fernando Nunes

Lúcia de Brito FrancoResidência artística, no

Banco de Artistas, HortaExposição de pintura de 31 de Julho a 9 de Agosto

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1010 4FAZENDO * **

Fascínio, desterro ou exclusão, a ilha tem despoletado sentimentos contra-ditórios por parte de quem a procu-ra ou de quem nela se vê forçado a permanecer. Agridoce destino, quiçá, rodeado de pitadas de sal por todos os lados. Felizmente rico, neste prato cultural das periferias insulares vai--se fazendo alguma coisa de útil. No lançamento da centésima edição do Fazendo, entre vários ilustres convi-dados, marcou presença o Professor Doutor António Pinto Ribeiro, cujo es-tudo incide sobre as Teorias das Cul-turas e a Estética, a Programação Cul-tural e Artística. Para ele o imaginário da ilha assenta num binómio antigo que tem funcionado como um arqué-tipo da cultura ocidental aquando da relação ilha-continente. A ilha, lugar utópico, tal como Saramago a via, lu-gar de salvação, do abrigo como o foi para Robinson Crusoé, da liberdade (ilha de Lesbos, ilha dos amores do canto IX dos Lusíadas); mas também ilha da condenação perpétua (Tarra-fal, Sta. Helena, ilha de Próspero). E do ponto de vista da autorrepresen-tação, a ilha, de modo geral, funciona como o lugar do desterro, da exclu-são, do lugar de onde se quer fugir).

Feita a apresentação do tema, a assis-tência visionou um excerto do filme Ro-binson Crusoé (1954), de Luís Bunuel, relativo ao primeiro encontro de Ro-binson com aquele que, mais tarde, se-ria nomeado de Sexta-feira. Robinson Crusoé é um romance escrito por Da-niel Defoe, publicado originalmente em 1719, no Reino Unido. A obra é a autobiografia fictícia do personagem--título, um náufrago que passou 28 anos numa remota ilha tropical próxi-ma da Trindade, encontrando canibais, cativos e revoltosos antes de ser resga-tado. O título original da obra em in-

glês é: The Life and S t r a n g e Surprizing Adventures of Robinson Crusoe, of York, Mariner: Who lived Eight and Twenty Ye-ars, all alone in an un‐inhabited Island on the Coast of Ame-rica, near the Mouth of the Great River of Oroo-noque; Having been cast on Shore by Shipwreck, whe-rein all the Men perished but himself. With An Account how he was at last as strangely deliver’d by Pyrates.

Mas qual a pertinência desta obra (com um título à medida do século XVIII!) para compreender a impor-tância da ilha enquanto lugar físico e imaginário? Aqui o homem dito civi-lizado encontra um ser que considera inferior e torna-se senhor dele. É a personagem Robinson quem afirma: “Chamava-me Meu Senhor.” “Robin-son reproduz, assim, toda a civiliza-ção europeia na ilha, a começar pela violência e pela afirmação da supre-macia do europeu como colono sub-jugando o Sexta-feira.” –referiu Antó-nio Pinto Ribeiro.

De seguida, a audiência pôde visio-nar um excerto do filme da peça shakespeariana escrita entre 1610 e 1611, A Tempestade, com Christopher Plummer, dirigida por Des McAnuff. Tida por muitos críticos como a últi-ma peça escrita pelo dramaturgo in-glês William Shakespeare, a obra passa-se numa ilha remota, onde Prós-

pero foi exilado num ato de traição política. Próspe-ro, duque de Milão por direito, pla-neia colocar a filha Miranda no po-der, mediante ilusão e manipulação. Próspero de nome, o mago poderoso invoca então uma tempestade, visan-do assim atrair o irmão António (ago-ra duque) e o rei Alonso de Nápoles (cúmplice do irmão), para a ilha. Com a ajuda do disforme escravo Caliban e do assexuado Ariel (que se pode metamorfosear em ar, água ou fogo), na ilha, lugar de revelação, António revela a sua vileza, o rei Alonso lá encontra a sua redenção e Miranda, o seu casamento com Ferdinando, filho de Alonso. Então, o que repre-senta a ilha? “Qual é então o discurso do ilhéu, do periférico?”-interrogou retoricamente António Pinto Ribeiro. “É o de ser múltiplo e plural.” -res-

NÃO ESTEVE PRESENTE NO LANÇAMENTO DA 100ª EDIÇÃO?

O Fazendo conta…

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1010 5 FAZENDO ***

crónica

pondeu. A ilha é, segundo Edward

Said, lugar de “ múltiplas iden-tidades”. E é em busca destas múlti-plas identidades que o discurso pros-seguiu.

Então, a ilha é símbolo do que de mais profundo, íntimo, obscuro e secreto existe na alma de cada ser, ou mesmo de uma nação. Citando Eduardo Lou-renço que afirmou em recente entre-vista ao Público (18 de maio) que “[e]m todos os momentos importantes, as nossas referências continuam a ser as mesmas, as do Império perdido”, An-tónio Pinto Ribeiro ressalvou o pro-blema da identidade e da represen-tação do povo português que teima “em não querer abandonar um pas-sado em tantas coisas mítico porque construído com base em narrativas provenientes de uma só face: a da gló-

ria passada.” Deste modo revela-se “a incapacidade que uma comu-

nidade revela para lidar com o

presente a partir de culturemas do

presente –, proble-ma que consiste em

evocar um passado construído

como auto-representa-ção do país e da comuni-

dade, resulta no reforçar de uma identidade passadista e

anacrónica a partir de discursos em loop e de uma certa produção

cultural material e imaterial.” E é en-tão que faz uma crítica aos recentes discursos do governo: “Além de kits-ch, este tipo de discurso que temos ouvido dos governantes é parasitário do presente, sendo um revivalismo e também uma tentativa de vingança contra as narrativas científicas mais inovadoras que as ciências humanas e sociais produziram em Portugal e na Europa nas últimas décadas.” Ainda no discurso político apelou a uma “identidade sem fronteiras”. De um modo geral, há uma tendência para segmentar a cultura. Fala-se em cultura portuguesa, cultura espanho-la, etc., mas esta conceção revela-se anacrónica, pois a globalização da economia, dos fluxos de bens e pesso-as permitem a um português criar e produzir fora do seu país de origem; do mesmo modo um estrangeiro pode residir em Portugal e fazer o mesmo. A identidade está em construção e re-sulta de vários fatores. António Pinto Ribeiro defende que “se abandone a designação de cultura nacional – as expressões “cultura portuguesa” ou

“cultura espanhola” ou “chinesa” – e que se passe a falar da cultura que se produz em Portugal ou em Espanha ou na China e que por outro lado se possa ir mais além quando as tradi-ções ou as narrativas de um país pos-sam ser problematizadas a partir de fora das suas fronteiras geográficas.”

O mesmo se verifica no domínio da programação cultural. António Pinto Ribeiro defende que “uma programa-ção ou uma curadoria de uma forma não necessariamente explícita (qua-se nunca) para além de apresentar obras, artistas, textos, filmes, progra-mas de educação cultural é uma pro-gramação de valores; sim, transmite valores. E o cinema e a literatura es-tão plenos de valores como a demo-cracia, a bondade, o cuidado. Quer na ilha, quer na periferia, não se deveria falar de cultura, mas de “práticas cul-turais não sujeitas a uma mítica e falsa identidade local...porque esta é uma construção do passado…” E, mesmo vi-vendo em ilha, poder-se-á ser cosmopo-lita através das relações culturais.

E agora, para vós, leitores, espero que este artigo vos tenha agradado… mas que vos tenha sabido a pouco, pois ter-mino com duas frases de António Pinto Ribeiro: “Nunca dar aos públicos tudo o que eles querem… Dar-lhes sempre uma parte do que desejam.”

Um agradecimento especial ao Professor Doutor António Pinto Ribeiro por tão gentilmente ter cedido as suas notas, sem as quais não seria possível transcrever ipsis verbis as suas sábias palavras.

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1010 6FAZENDO * **

sociedade

Da janela da nossa memória coletiva cons-tato que, desde que nos conhecemos como espécie, sempre vivemos de um modo gre-gário e dependentes do grupo.

Esta característica vem-se fazendo sentir desde que os primeiros homi-nídeos se organizavam em família, tentando sobreviver num planeta que em tudo lhes era perigoso e cla-ramente fora do seu controle.

Desde então, a raça humana vem cres-cendo exponencialmente em número e em abrangência territorial, sendo atualmente a espécie que, no âmbito de todas as espécies vivas do globo ter-restre, mais influencia o ecossistema e, claramente, mais o agride.

Porém, a necessidade intrínseca de vivência em sociedade vem man-tendo e intensificando essa vocação demonstrada como necessária para sobreviver. Será mesmo assim?

Das religiões às raças, dos partidos aos lobbies de interesse, das esco-las aos empregos,… a verdade é que ainda hoje insistimos nesse modelo social, deixando de fora todos os que por falta de convicção ou de espírito de liderança/vassalagem se demons-tram como “fora de formato”.

Numa época em que generalizada-mente se “embandeira em arco” com

a afirmação de que nunca existiu uma população global “tão habilitada, tão bem formada, tão consciente, tão…, tão…., tão...” verificamos que mesmos os que se pretendem assumir como indivíduos originais, autosuficientes e independentes… se refugiam em mode-los pré-definidos e com códigos, lingua-gens e atitudes de sub-raça.

Durante todo este processo evolucio-nista, vem-se esquecendo que todas as moedas têm duas faces e, como seria de esperar, a consolidação de um grupo parcelado do resto da espécie humana vem gerando a coesão interna (quando verdadeira…) e a exclusão dos demais, fracionando a sociedade e propiciando atitudes de “nós contra os nossos”.

Quem não idolatrou os já decanos Yuppies? Que, qual deuses do Olimpo financeiro ocidental, se deliciavam com os proventos das miragens por eles construídas e dos sonhos dos co-muns mortais por eles cultivados, na ostentação provocatória de um ficcio-nado conceito de beleza e de um in-destrutível controlo do futuro.

Com o tempo, fomo-nos familiarizando com novos padrões urbanos, que ten-tando encontrar uma atitude “out of the box” mais não fizeram que recriar modas e atitudes, recorrendo para tal aos sótãos e baús da ancestralidade.

Dessa busca surgiram os Hipters que sob roupagens de lenhador snob (ca-misas de flanela, barbas a condizer,…) se tentavam demarcar dos restantes pelo uso generalizado dos gadjets da moda (iPhones, iPads, i…) e pelo con-sumo de comida artesanal gourmet.

Como se não tivéssemos mais nada que fazer do que interiorizar estes có-digos e atitudes de identificação desses grupos auto excluídos pelas alegadas e imaginárias diferenças, eis que surgem os Yuccies, sustentados no conceito de Young Urban Creative, como pessoas jovens, urbanas e criativas.

Como que reencarnando os alegados defuntos Yuppies e Hipsters, estes assumem-se como “seus filhos cul-turais” pretendendo ser bem sucedi-dos e criativos (o que até me parece

AS TRIBOSPaulo Vilela Raimundo

Yuppies, Hipsters, Yuccies...

Nunca existiu uma população global “tão habilitada, tão bem formada, tão consciente, tão…, tão…., tão...”

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bem…) mas socialmente confinados “a pessoas de uma classe económica específica e maioritariamente bran-cas” (Quartz) e que usufruindo do “...“privilégio” de uma educação su-perior, não querem só ficar ricos rá-pido, mas querem ficar ricos rápido enquanto mantêm a sua “autonomia criativa”.

Também desta, a originalidade, a liberdade criativa e o direito de opi-nião individual estarão subjugados a regras comportamentais e a gostos e preferências incontornáveis...

Mesmo correndo o risco de “queimar as minhas asas”, e em alternativa a uma busca obsessiva da minha tribo, creio que vou rever o filme “Fernão Capelo Gaivota” (1).

(1) Baseado no romance de Richard Bach (Jonathan Livingston Seagull – a story), publicado em 1970 e recriado para cinema por Hall Bartlett, com música de Neil Diamond.

AS TRIBOSYuppies, Hipsters, Yuccies...

ilust

raçã

o To

más

Mel

o

Não é estranho que a Cryptomeria japonica seja critica-da. Obviamente porque ocupa muito espaço, principal-mente a nível aéreo, sendo do conhecimento de todos a diminuição da oferta de ar na região.

Desde muito jovens, as Cryptomerias (masculinas, fe-mininas e hermafroditas) começam a consumir dióxido de carbono e água em doses que a OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) considera excessi-vas. Esta organização promove, a partir de diferentes lugares do mundo, estratégias para evitar que plantas e outros organismos se reunam e consumam este tipo de substâncias, já que produzem uma quantidade assom-brosa de oxigénio.

Muitos especialistas indicam que a causa pode ser a fal-ta de movimento (a maioria tem uma vida sedentária) e pelo excesso de chuva que o céu produz, a qual, é utiliza-da pelas «Creep» (nome que elas usam para se referirem a elas próprias nas suas comunicações) para crescer e engordar.

As «Creep» estão a gerar uma tão grande impressão no mundo rural, que estão a incitar a que outras espécies vegetais se unam a elas numa espiral de crescimento imparável. Entre elas encon-tram-se também algumas plantas invasoras (de cla-ra influência espa-nhola) que se têm conseguido inte-grar muito bem, mas, isso sim, sem nunca se desape-garem do seu in-truso sotaque.

É com estas li-nhas que convi-damos a popula-ção a abraçar as «Cryptomerias». Não está confir-mada a sua efi-cácia, mas dizem que faz crescer o cabelo e a barba.

Cryptomeria Paco Garcia

ame of Plants

G

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1010 8FAZENDO * **

A segunda metade do século XX repre-sentou, para a América, a oportunidade única de contribuir, decisivamente, nos meios artísticos, para a criatividade e inovação, palavras até então conotadas com o Velho Continente.

Várias foram as razões que permiti-ram esta hegemonia repentina. Para além do Armory Show e do refúgio da intelligentia europeia para os E.U.A. aquando das guerras mundi-ais, devemos perceber que, também houve condições culturais, políti-cas, económicas e sociais, propícias ao desenvolvimento de “sementes artísticas”, autóctones do continente americano. Deste modo, para além da ambição e de formar nos últimos 50 anos uma lista de artistas de primeira linha, condicentes com a vanguarda europeia, era necessário trabalhar a sociedade e a cultura de modo a flo-rescer um gosto assente na arte.O resultado desse trabalho começa com o Expressionismo Abstrato e com o surgimento da Escola de Nova Iorque, que propunha um novo trajeto à arte americana, até à data figurativa no sentido de um realismo. De facto, a necessidade de uma hegemonia liga-da ao Expressionismo Abstrato gerou, posteriormente, toda uma série de respostas que despertaram o gosto do figurativo e da aceitação de mulheres artistas, mas destes factos falarei mais à frente. É a este dinamismo cul-tural americano do segundo pós guer-ra que, em 1941 Henry Luce chama de “American Century” antevendo,

arte

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ROPA de certo modo, a possibilidade única,

a oportunidade inalienável de um país prestes a “definir-se” e a “ampli-ar-se” pronto a entrar em competição cultural com a Europa.

Desgastado, física e moralmente pela guerra, o Velho Continente abriu bre-cha de modo a que se substituíssem as capitais artísticas - De Paris para Nova Iorque - catapultando não só esta úl-tima, mas todo um continente para a cena internacional. Sob o estigma de uma responsabilidade e necessidade de afirmação acrescida, a chave para este sucesso está na leitura atenta das propostas vanguardistas, de modo a dar-lhe um novo sentido. Foi o que de facto fizeram artistas emigrados como Mark Rothko, Willem de Kooning, Hans Hofmann e Arshile Gorky, enquanto que Jackson Pollock e Clyford Still, vi-eram de outras partes do país.

Uma das propostas revistas foi o sur-realismo, introduzido por uma jovem comunidade de artistas nos anos 40 através do contacto de exposições, a absorção surrealista enfatizou o mito do inconsciente, bem como incluiu o uso do automatismo e do acaso, e a utilização de técnicas baseadas no processo intuitivo em detrimento da conceção racional. Em 1948 muitos destes artistas surrealistas ao aban-

THE AMERICAN CENTURY

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1010 9 FAZENDO ***

Assunção Melo

donarem Nova Iorque, e uma vez de volta à Europa permitiram um dis-tanciamento que se tornou numa via abstrata radical – Expressionismo Ab-strato. Este tipo de pintura gestual e de ação foi o mote para o desenvolvimen-to do suporte físico, numa escala sem precedentes na pintura de cavalete. Para Clement Greenberg, que es-creveu “em cima” do acontecimento em 1950, o tamanho monumental desta pintura é definidora das suas características no que concerne à in-serção do próprio sujeito no espaço de ação e não fora dele, como até então acontecera. Pollock diz a esse respeito: When i am in my painting, I’m not aware of what I’m doing…be-cause the painting has a life its own.

Ao fazer um corte radical com as con-venções picturais do passado, Pollock pinta diretamente com a tinta aban-donando todos os mediadores. Assim a tela apresenta-se como uma “arena” onde há lugar para o registo do corpo enquanto agente pictural. A este re-sultado dá-se o nome de “Action Pain-tig” ou seja, a via que quebrou com todas as distinções entre arte e vida.Há, neste sentido, toda uma impli-cação cósmica, ao imprimir o gesto de um homem, assumido na sua bi-dimensionalidade, e ao romper com

todo o sentido ilusório de perspec-tiva e de representação. Se tivermos em conta que essa representação é o reflexo de uma sociedade, esta só se viria a concretizar, definitivamente, com a “Pop Art” que tornou o “sonho americano” numa realidade tangível, forjada no materialismo da época: Disneyland, Drive-in, McDonalds, etc., enfim, toda uma década de abundân-cia fomentadora da cultura de con-sumo e que vem assumir o oposto do Expressionismo Abstrato. No entanto estas duas vias convivem lado a lado, sem conflitos, pois também são o re-flexo de uma sociedade a dois níveis.Se por um lado, os mais puristas criticavam o abandono da figuração, a arte moderna como destruidora do standard americano e como pos-sível fomentadora do comunismo, por outro lado, não nos podemos es-quecer que foi ao figurativismo que os regimes totalitários, ditatoriais e comunistas foram buscar a sua base de apoio, para o fomento dessas ideo-logias. Neste sentido, ao contrário do que poderia parecer foi o Expression-ismo Abstrato que representou, diria mesmo, simbolizou o escape e a difer-ença das políticas antidemocráticas.

Na Segunda Geração da Escola de Nova Iorque, assistimos a ligeiras mu-danças quer de focos artísticos (apare-cimento da Escola de Belas Artes de S. Francisco e da Escola de Chicago),

THE AMERICAN CENTURYquer de atitudes. Esta última prende-se a uma mudança de método, uma vez que o Expressionismo Abstrato estava a tornar-se numa espécie de “academia” com muitos “imitado-res”, o que não deixava de refletir um certo desgaste. Assim, e influenciados pela exposição de Monet no MoMA em 1955, esta segunda geração procu-rou o “Impressionismo Abstrato” que se liga mais a um lirismo emergente nos trabalhos de Gaston e Mitchell. Para além disso, o aparecimento de mulheres no mundo artístico, não seria novidade se não constituíssem um “corpo” uniforme e um poten-tado quantitativo / qualitativo como foi o caso de Joan Mitchell, Jay DeFeo, Joan Brown, Louise Nevelson, Elaine de Kooning, Louise Bourgeois, entre muitas outras. Associada ainda a esta nova geração está o figurativismo de Alex Katz’s, Larry Rivers, Frank O’Hara e Edwrd Hooper, apresentan-do-se, dentro do realismo, como ino-vadores no sentido em que se distin-guiam da fotografia, apostando nos pormenores do quotidiano vivencial.Para concluir, foi com Pollock cata-pultado para o panorama artístico por Greenberg que se abriu a brecha no século XX de modo a surgir uma América apostada em concorrer com a Europa. A sua capacidade de interi-orização das propostas das vanguar-das europeias foi a chave mestra para a rentabilização dessa “brecha”. A capacidade de dotar essa arte de um sentido completamente novo foi, uma lição de vida.

fotografia de Vivian Maier

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10110FAZENDO * **

Filmar em 35mm

Era essa a proposta. Filmar em 35mm a curta-metragem The Syndrome!

Havia pouco dinheiro (a deslocação para os Açores e a opção do realizador por filmar em película haviam-no consumido quase todo), eram só 3 dias de rodagem, uma equipa pequena (quase nenhuma iluminação) e muitos décors, mas em São Miguel (o que me convinha!), o jovem realizador espanhol Pedro Calero parecia interessante, a história era estranha, a produção British (Channel 4) e, sobretudo, era em 35mm!

O ritmo aqui é outro, tudo é pensado e preparado cuidadosamente. Nada da fúria de gravar tudo e todos de todos os ângulos e mais algum a que o digital convida…

Os meus colegas da AGECTA interessaram-se e acabaram por ser 4 dias de rodagem, 19 décors (caíram 2), e uma equipa com 2 portugueses, 2 espanhóis (1 deles catalão), 2 ingleses, 1 italiano (napolitano, diz ele e até parece que o Garibaldi ainda não chegou a Nápoles!) e o actor anglo-alemão Frederick Schimmel-Schmidt. Trabalhámos muito, normalmente das 8h às 22h, ou mesmo 24h (com rodagem de 11 horas diárias), mas comemos bem, no Alcides, no ¾, no Cais 20, nos Irmãos Dias, no Cantinho do Cais e na Quinta dos Sabores.

O tempo é o que se sabe, mas não fazia mal, diziam, não havia

João da Ponte

Era essa a proposta. Filmar em 35mm

a curta-metragem The Syndrome

continuidade… Claro que houve um plano pelo qual tivemos de esperar que passasse uma chuvada forte (um exterior nos Ananases Arruda) e outro (também exterior, na Ermida na Lagoa das Furnas) onde tivemos de alterar o que estava previsto por causa da luz excessiva (céu limpo sem qualquer nuvem que nos valesse)!

Décors magníficos todos, interiores e exteriores, dizem eles e nós bem sabemos, e prometem voltar para outras produções, garante o produtor inglês.E a equipa portuguesa de produção (o Ricardo Reis e eu), saiu-se bem!Foi duro, mas já tenho saudades!Um único senão; por causa das filmagens não pude estar com o meu amigo neptuniano Norberto Serpa em breve visita a São Miguel!

cinema

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10111 FAZENDO ***

Filmar em 35mmJoão da Ponte

cinema

O Cine-Clube da Ilha Terceira (CCIT) promoveu no passado dia 21 de maio a exibição do documentário “Cowspiracy: O Segredo da Sustentabilidade”, projecção essa que teve lugar no Pequeno Auditório do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo.

Apesar do nome, “Cowspiracy” baseia-se mais em factos do que propriamente em conspirações. O documentário, que gira em torno da pegada ecológica causada pela criação de animais para alimentação, tem estado nas bocas do mundo, conseguindo captar a atenção do público mais sensibilizado para as questões ambientais… e não só. Ao longo de 85 minutos a plateia é constantemente bombardeada com factos e números que ajudam a corroborar a ideia defendida pela dupla de realizadores Kip Anderson/Keegan Kuhn, de que a exploração animal e respectivos subprodutos são responsáveis por 32 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, ou seja, cerca de 51% da emissão total do planeta. Algumas das estatísticas que nos são apresentadas chegam mesmo a impressionar, como por exemplo o facto da exploração animal representar 18% das emissões de gases de estufa, mais do que

CO

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A conspiração das vacas

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a combinação de todos os meios de transporte no planeta Terra, ou ainda a assustadora realidade que é termos conhecimento de que 91% da destruição da floresta amazónica teve como principal motivo a utilização desses terrenos para fins agropecuários.

No entanto uma das partes do documentário que mais surpreende é o facto de os realizadores questionarem diversas Organizações Não Governamentais (ONG), como foi o caso da “Greenpeace”, acerca deste assunto não estar a merecer a devida atenção da parte delas. As reacções, respostas, ou até ausência das mesmas, levam-nos a pensar sobre a história que nos tem sido vendida ao longo dos últimos anos por parte de algumas destas entidades que afirmam de forma categórica estar a defender o ambiente.

Em última análise, com maior ou menor espírito crítico, é consensual dizer-se que “Cowspiracy” leva-nos a pensar acerca da necessidade da sociedade em geral reformular os seus hábitos de vida e alimentares de modo a que o “stress” que colocamos sobre os ecossistemas não seja tão intenso como o documentário nos demonstra.

Page 12: Fazendo 101

sociedade

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fotografia de Rocío Raya

fotos de Maria Rakka, Alba Olmos e Raquel Vila

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10114FAZENDO * **

teatro

Entrevista com o Morcego

O que é que pequeno-almoçaste?Papa de aveia!

Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias?À praia de Porto Pim para tomar banhos de Lua!

Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial?São duas ilhas bonitas.

Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer?Quem disse que não gosto de chuva? Eu sou do Porto!

Na escola que outra “disciplina” de-veria ser obrigatória?Agricultura.

Tomás Melo

Tudo o que tenho feito tem sido gritado aos 4 ventos...

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10115 FAZENDO ***

Porque é que tens alguns projectos na gaveta?Não tenho nada na gaveta. Tudo o que tenho feito tem sido gritado aos 4 ven-tos.

O que é que odeias na internet?Trolls, cínicos e haters em geral. Não odeio, mas dispenso.

Que forma de arte é que te aguça os caninos?Aguça-me mais a língua porque tenho tendência para ser incisiva!

O que é que gostavas de ter nascido?Estou bem, obrigada.

Gostavas de ir morrer longe?Não e espero que a morte esteja longe.

NomeCapicua

IdadePeter Pan

Profissão Rapper

Entrevista com o MorcegoTomás Melo

Tantos são os instantes vividos cremados pela fugaz me-mória que integra cada dia.O que resta?Pequenas paisagens descritas com audácia. A Ilha.A Ilha pode ser uma porção de terra rodeada por água; um aglomerado de casas dentro de um muro; o planeta com todo o espaço em volta; cada um de nós rodeados por cada existência ....Importante? Talvez a escala do tempo, presente na per-cepção de sentir a integração do respirar Ilha. Respira-mos cada passo, é certo.Tantas vezes, somente, respiramos a cada passo. A Ilha.Trememos. A Ilha treme connosco. Treme a Ilha. Treme-mos com ela ....Neste compasso, naturalmente, tornamo-nos um só!Os pés sentem a areia quente que queima. Os pés sentem a frescura da areia banhada pela água do mar. O corpo mergulha, tempera-se a água salgada. O ar quente do Sol seca a pele ...;O olhar perde-se aqui e ali, em horizontes “à mão de se-mear” ou esbarra na Ilha em frente - a paisagem é imen-sa e é pequena. A escala do tempo suavizada faz emergir a percepção súbtil e inscreve-a na memória do dia:

A pequena vaga esbarra na areia em splash de espuma como champagne a festejar a chegada à praia – uma e outra vaga brindam. Ohando de frente a brincadeira, observo, o splash de gotas que alcança o ar em diferen-tes alturas desenhando uma linha ondulada ao longo da praia - uma borboleta, percorrendo a linha ondulada ao longo da praia, aproxima-se no seu voo desajeitado. Uma e outra gotícula splash quase alcança a sua asa. A borbo-leta entra no jogo. Parece saber brincar.

Imagino integrar-se totalmente no sopro de vida que une sem distinguir.

E no horizonte íntimo do olhar visito todas as Ihas na escala do tempo do sentimento maior ...Desde que o vento me sopra na faceVelejo com todos os ventos. (2)

(1) Expressão de Oscar Niemeyer que deu origem ao docu-mentário sobre a sua vida e obra.(2) Verso do Prelúdio em rimas alemãs, A Gaia Ciência, de Friedrich Nietzsche

Albino Pinho

ErrataNo número anterior houve um lapso no artigo de Albino Pinho, ficando a

faltar um parágrafo. Aqui fica o texto na íntegra,

tal como deveria ter sido publicado.

As nossas disculpas ao autor e aos lectores.

A vida é um sopro (1),a ilha é a paisagem que a anima

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(EUA). Aí, integra, a 27 de agosto, um comboio de 119 navios mercantes e 68 navios de escolta, com destino a Port Said, no Egito, ficando em Alexandria, onde chega a 23 de setembro. Já depois de ter alcançado Port Said, a 9 de outubro desse mesmo ano, regressa a Alexandria e de lá parte, no dia 19 desse mês, para Nova Iorque. Fez parte do comboio naval GUS 19, que regressou a Hampton Ro-ads, a 15 de novembro. No dia 15 do mês seguinte, sai de Nova Iorque, sendo fotografado durante a partida, como participante de um comboio naval que viajou até Clyde, Liverpool, na Grã-Bretanha. Chega à ilha inglesa no dia 29 de dezembro.

Durante o ano de 1944, o “Edwin L. Drake” viajou, sozinho ou acompanhando comboios navais das forças aliadas, entre o continente americano, as ilhas britânicas e o continente europeu. Entre as diversas expedições em que participou, é relatado que transportou, em maio des-se ano, uma carga onde se incluía cereal e madeira, de Clyde, em Liverpool, até Cardiff. Na Europa, navegou até Murmansk, na Rússia, e Le Havre, junto ao rio Sena, em França. Alcançou o porto francês 11 dias depois do Dia D. Mais tarde, ainda em 1944, transportou um carregamen-to de barris de combustível para aviação.

No final desse ano integrou o comboio naval HX 329, saindo de Nova Iorque, a 29 de dezembro de 1944, na direção de Clyde, Liverpool. De seguida, escalou em

A embarcação que veio a chamar-se “Dori” naufragou ao largo de Ponta Delgada, ilha de São Miguel. Original-mente, integrava a conhecida frota norte-americana dos “Liberty Ships”, construídos entre 1941 e 1945, em plena II Guerra Mundial. Símbolo da força industrial americana em tempo de guerra, este projeto de construção naval em série, materializou-se na construção de 2751 cargueiros multifuncionais.

O estaleiro de Bethelehem Fairfield Inc., sediado em Balti-more, Maryland, produziu o seu primeiro “Liberty Ship”, a 30 de dezembro de 1941. Até ao final da guerra, cons-truiu 384 navios deste modelo, sendo um deles o “Edwin L. Drake”, com o seu bota-abaixo a ocorrer a 31 de julho de 1943. Alçava 7176 toneladas de carga, medindo 130 metros de fora a fora, com 17 metros de pontal e 10,6 de boca. Tinha um único hélice, propulsionado por motor de três cilindros. Atendendo aos registos dos comboios navais organizados na II Grande Guerra, é possível traçar um mapa pormenorizado das ações em que participou.

Depois de ter sido entregue à US War Shipping Admi-nistration, a 10 de agosto de 1943, partiu, no dia 20 do mesmo mês, para Hampton Roads, no estado da Virginia

Paulo Alexandre Monteiro

Testemunha do

desembarque

da Normandia DORIO

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Gourock, na Escócia, a 3 de fevereiro do ano seguinte, e continuou viagem até Molotovsk, na Rússia. Esta rota foi fustigada por raids aéreos inimigos, principalmente entre o Cabo do Norte e a ilha do Urso. Durante os embates, a tripulação do “Edwin L. Drake” é creditada, duas vezes, por assistências no abate de um dos aviões alemães.

A 23 de março, parte da Rússia, com 2571 toneladas de crómio a bordo, destinados a Clyde, Liverpool, que al-cança a 1 de abril. De seguida integra um comboio naval, vindo a arribar a Baltimore, a 27 de abril, ainda com a mesma carga de crómio. É neste porto americano que a tripulação recebe a notícia da rendição alemã, a 8 de maio de 1945.

No mês seguinte, viaja até Hampton Roads e daí parte para Gibraltar, em comboio naval. Navega, seguidamente, até Nápoles, sem escolta. Alcança a cidade italiana a 10 de junho. Volvidos 5 dias, segue para San Juan, Porto Rico, onde chega a 2 de agosto. A guerra prossegue ainda, no Pacífico, mas durará pouco tempo.

Depois de atravessar o canal do Pa-namá, o “Edwin L. Drake” aporta a Cristobal no dia 7 e a Balboa no dia 14. Neste último porto, a tripulação é informada da rendição japone-sa, nesse mesmo dia. Contudo, a sua rota mantém-se inalterada. Chega a Ulithi, na Micronésia, a 18 de setembro e daí continua para Okinawa, no Japão. Por fim, arriba a Tóquio, em Yokohama, a 19 de outubro de 1945. Dando por termi-nada esta missão, volta aos Estados Unidos, atravessando uma vez mais o Panamá. A guerra termina-ra para o “Edwin L. Drake”.

história

No ano de 1947, a International Freighting Corporation, companhia sedeada em Nova Iorque, compra o “Edwin L. Drake” à marinha americana. Os dados tornam-se mais incertos a partir desta fase. Aparentemente, em 1952, numa segunda venda – à Independent Steamship Corpo-ration – o navio é rebatizado como “Seadrake”. Dois anos depois, assume o nome de “Phoenix”. Em 1957, é vendido à Pan Range Shipping, e passa a designar-se “Anassa” e, posteriormente, “Praxiteles”. Por fim, em 1962, assume a sua última nomenclatura: “Dori”. Com este nome, o “Edwin L. Drake” realizou a sua última viagem, saindo de Edem, na Alemanha, com destino a Nova Orleães.

A 23 de outubro de 1963, a Pan Range Shipping freta o “Dori” à companhia Bulk Carriers, Ltd que, por sua vez, o subfreta à Nimpex International Inc e a uma sua afiliada, a Import Export Steel Corporation (Impex). A sua mis-são consistia no transporte de 9800 toneladas de aço em rolo, das cidades alemãs de Bremem e Emden, até Nova Orleães, no estado do Louisiana. Parte a 31 de dezem-bro, mas nunca chegará ao seu destino. A 16 de janeiro de 1964, naufraga a 800 metros da Igreja de São Roque, praticamente à vista da cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel.

Acresce à importância da embarcação enquanto par-ticipante ativo na II Guerra Mundial – existem apenas dois Liberty Ships ainda operacionais em todo o mun-do, estando ambos musealizados – o seu valor enquan-to local de naufrágio, a 25 metros de profundidade, junto dos mergulhadores e amantes do mar. O Gover-no Regional decidiu classificar o “Dori” como Parque Arqueológico Subaquático. Esta ação materializou-se com a criação do Decreto Regulamentar Regional n.º 12/2012/A, de 8 de maio.

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Campanhas de investigação demersal

A série histórica destas campanhas iniciou-se em 1995, dedicadas à amos-tragem e investigação das comunidades demersais. Entre as espécies alvo de estudo destacam-se alguns recursos pesqueiros de grande importância para a frota comercial açoriana, como o goraz, o boca negra, o alfonsim, o imperador, a abrótea, o bagre, peixe-espada branco…

Paralelamente ao objectivo prioritário que é a estimação de abundancias relativas das principais espécies exploradas, recolhe-se e analisa-se um volume considerável de informações biológicas e da pesca que permitem a realização de estudos de biologia básica como crescimento, reprodução, hábitos alimentares, genética,…

Assim, para além de se assegurar a continuidade da recolha de informa-ção estatística independente da frota comercial, essencial para a monito-rização dos recursos, este cruzeiro permite também a recolha de infor-mação biológica básica em simultâneo. Tal informação é indispensável para a definição da estrutura da comunidade demersal permitindo, deste modo, a formulação de suposições básicas para a avaliação e gestão dos recursos.

O conhecimento científico obtido é fundamental para avaliar as ten-dências históricas dos recursos pesqueiros e da biodiversidade. Assim, aplicam-se modelos de avaliação aos stocks das populações exploradas e faz-se a avaliação do estado de exploração da comunidade demersal, bem como a padronização de metodologias e procedimentos de avaliação em colaboração com a administração e outros parceiros do sector da pesca da Região. Como resultado final são efectuadas propostas de gestão para a pescaria e divulgada informação relevante, também apresentadas no CIEM-Conselho Internacional para a Exploração do Mar, informação essa sobre o estado de diversos recursos com interesse ou potencial económi-co.

Estas campanhas de Recolha de Dados da Pesca são fundamentais ao aconselhamento científico no âmbito da Política Comum de Pescas.

A TAC (Captura Total Permitida) e as quotas são decididas pelos Estados--Membros com base numa proposta apresentada pela Comissão. Esta proposta baseia-se em recomendações científicas formuladas pelo Comité Científico, Técnico e Económico da Pesca (CCTEP), um grupo de cientistas independentes criado para formular recomendações à Comissão sobre todos os aspectos da política de pescas.

O CCTEP pode, por sua vez, solicitar recomendações ao Conselho Interna-cional de Exploração do Mar (CIEM).

A Comissão poderá divergir ocasio-nalmente dos pareceres científicos, de forma a proporcionar aos pescado-res um nível mínimo de estabilidade nas capturas necessárias para assegu-rar a viabilidade da sua actividade a curto prazo.

Esta necessidade de tomar decisões equilibradas tem o seu reflexo num princípio geral que consiste em man-ter as variações intranuais de TAC dentro de determinados limites per-centuais, de modo a ajudar o sector a planear o futuro.

Ao longo de quase 30 anos temos feito avaliação de algumas espécies, como o goraz. Os resultados indicaram sem-pre que a captura desta espécie não deveria ultrapassar 900-1000 tone-ladas/ano. Muitos destes resultados foram apresentados e discutidos na Semana das Pescas dos Açores. Recen-temente foi reduzido a TAC de goraz para a área Açores. Este facto resul-tou de capturas que ao longo da últi-

COM O NAVIO DE INVESTIGAÇÃO ARQUIPÉLAGOHelder Marques da Silva

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Campanhas de investigação demersal

ma década e sobretudo em 2005 (1380 ton.) ultra-passaram largamente o nível de captura máxima recomendado para este stock.

Os cruzeiros e os resultados dos modelos de ava-liação indicaram claramente estarmos perante uma situação de sobrepesca a necessitar da devi-da correcção.

É importante que se entenda, do que atrás se re-feriu, que a ciência não pode ser confundida com a política. Os cientistas analisam, estudam e pro-põem as respostas mais adequadas perante o es-tado de um ou mais stocks. Mas a ciência não é dona da razão. Cabe aos políticos ajustarem a res-posta como acharem mais adequado e em função

COM O NAVIO DE INVESTIGAÇÃO ARQUIPÉLAGO

Duas décadas a recolher dados para a avaliação

dos recursos da pesca e da biodiversidade

ciência

da sua capacidade de se articularem com os representantes do setor e com o decisor, no caso a Comissão Euro-peia. Não podem é depois responsa-bilizarem-se os cientistas quando por incapacidade ou vontade própria se decidiu políticamente ultrapassar os níveis de pesca recomendados cien-tíficamente e consequentemente se fica obrigado a reduzir drásticamen-te o nível das capturas. Até porque os dados indicam que o nível de pesca de goraz adequado à atual situação do stock deverá manter-se abaixo das 400 toneladas, abaixo portanto do TAC agora definido.

ilustração Phelegm

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Onde SãoPara Tios Açores

Que tipo de pessoas pensas que vi-vem nos Açores?Hippies.

Como é que achas que as pessoas vivem nos Açores?Tem que ser muito difícil viver aí onde não há quase nada.Bom, há comida mas mais nada.

E o que pensas que as pessoas fa-zem nos Açores?Pescam para terem algo de comer.

Que língua falam os Açorianos?Inglês não deve ser. Não tenho ideia nenhuma.

Como será o clima nos Açores?Europa é gelada!E aí devem ter furacões e alguns tem-pos difíceis com muito sol.

Que animais se podem ver nos Açores?Tubarões, focas e baleias.

assinala no mapa onde são os Açores

algures no mundoalguém é

convidado a fazer

um retrato das nossas ilhas.

Sara Soares

LuisMéxico

Tem que ser muito difícil viver aí onde não há quase nada...

Que transportes se usam nos Aço-res?Lanchas deve ser o mais típico.

O que pensas que poderia ser feito nos Açores?Um centro de entretenimento para as pessoas se divertirem aí no meio.

Qual achas que é a comida Açoria-na mais estranha?Não tenho ideia nenhuma.

Que tipo de produtos pensas que se exportam?Acho que devem ser barbatanas de tubarão, peles de foca e bijuteria ét-nica.

Poderias viver nos Açores?Pois, acho que não...

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Onde SãoPara Tios Açores

assinala no mapa onde são os Açores

sociedade

LuisMéxico

O Museu de Angra do Heroísmo assinalou a Noite dos Museus de 2015, 16 de maio, com um progra-ma subordinado ao tema “Paixão Equestre: Moda e Equitação”, que trouxe ao MAH cerca de 400 pessoas. Além de visitas à Reserva de Transpor-tes de Tração Animal dos Séculos XVIII e XIX e às exposições “E o Aço Mudou o Mundo: uma bateria Schneider Canet nos Açores” e “Do Mar e da Terra… uma história no Atlântico”, que visavam explicitar o papel essencial que os animais de tração e sela assumiram até há bem pouco tempo, quer na vida quotidiana das populações, quer em contextos épicos, foi apresentada a coleção de moda “La Belle Écuyére”, da autoria da estilista Sílvia Teixeira, e realizada uma exibição de arte equestre pela Quinta do Malhinha, no claustro do Edifício de São Francisco.

A monumentalidade dos espaços escolhidos, a Sala Schneider Canet , um dos antigos claustros do Convento de São Francisco, convertido em sala de exposição para acolher a única bateria Schneider Canet completa que se conhece em instituições museológicas, e para a qual foram criadas peças de suporte pelo escultor terceirense Renato Costa e Sil-va de grande efeito artístico, e a Reserva de Trans-portes de Tração Animal dos Séculos XVIII e XIX, coadugnaram-se perfeitamente com a elegância e requinte das peças da coleção apresentada, inspira-da nos tradicionais trajes portugueses de equitação. O garbo e docilidade dos puro-sangue Lusitanos da Quinta do Malhinha e a arte de bem montar dos três cavaleiros, que protagonizaram o espetáculo que encerrou o evento, possibilitaram uma autên-tica viagem no tempo, naquela que foi uma noite mágica, com qual se pretendeu sublinhar a ação fundamental dos museus na promoção de novas formas de reinterpretar a tradição.

Com esta iniciativa, o Museu de Angra do Heroísmo associou-se pela oitava vez consecutiva às celebra-ções da Noite Europeia dos Museus, uma efeméride criada em 2005, pelo Ministério Francês da Cultura e da Comunicação, que visa proporcionar experiências atrativas e fora da oferta habitual por parte destas instituições, de forma a permitir ao público vivenciar tais espaços numa perspetiva diferente, participando em atividades propositadamente organizadas para esse ambiente e horários específicos.

Moda e Equitação no MAH, na Noite dos Museus 2015

Ana Lúcia Almeida

paixãoEQUESTRE

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- Acreditas na tristeza? Às vezes a interrogação não espera. É mal-educada, não avisa, ou atende à hora marcada. Gosta de ser assim: acutilante, sob a pele da rudeza.

- Corisco mal amanhado! Lembras-te disso, assim, vindo do nada?- Não é preciso engasgares-te, homem!- Nada disso. Só que me desarmaste, Zé! É que se há coisa que retarda o pensar são estes queijos de São João.

José sorri. Quer concluir o silogismo.

- E do modo como despertam os sen-tidos, com esta casca amarela, este in-terior macio... - Lá está. Em todo o caso, diz-me por que é que...

Mantém-se o sorriso. Sustem-no o silêncio, breve, antelóquio de quem se enternece na justificação a apresentar.

- Por que nasci nesta localidade, Se-bastião. Por que cresci neste derrame lávico; por que brinquei, corri, saltei entre os currais de vinhas; por que aprendi a nadar nestes poços; por que me entranhei neste cheiro, de uva, de vinho, que te atrai e se arreiga na tua circulação; por que casei, e aqui fiquei; por que amo este lugar...- Não te entendo! Estás triste? Aonde é que queres chegar? - Ali. – Indica com o dedo. - Para a Ermida de Nossa Senhora? - Sim. - E o que tem?- Tem que nos vamos sentar aqui um bocadinho. Pedimos um lajido, seco ou licoroso, como se preferir, e em-purramos para baixo este queijo mar-avilhoso. O que achas?

Não é preciso responder. Elas virão, as respostas. Se intactas ou fragmentadas, dependerá da história, dos muitos re-ceptores por onde já existiu. Para já, é sabido. Basta sentar e descontrair. Apetece beber. Está abafado, as roupas colam-se aos corpos, e estes a elas, desa-bituados a lidar com a humidade, cem pontos percentuais concerteza. Além do mais, José é da terra, cara sobeja-

mente conhecida, feitio e tiques inclu-sive. Não há necessidade de verbalizar o pedido. Para quê? Chega a mão no ar, e os dedos, dois, a expressar o número que lhe corresponde. Aí estão, sem complicações à chegada. Na mesa, fres-quinhos como se querem.

- E nisto explicas-me a que se deveu a pergunta, não?

Seria injusto, por demais infantil, abrir a comporta de lava e desa-parecer. Há que estar lá, na recepção do magma, saber se se fica ou não ileso, incorruptível às viscosidades. Talvez o vinho seja um bom escudo, liquidifique a alma, evite-a da solidi-ficação, da secura vulcânica, de se tornar inorgânica, endurecida ao que a circunda. E José não quer isso. De maneira que anui, sem apontar desta vez. Não há necessidade. Chega uma afirmação, enigmática, dessas que se raspa com as unhas à janela da curi-osidade.

- Amor-basalto. - Amor-basalto?- Acolá. Vês? Sentado nas escadas?- De costas para a cruz, virado para o mar?- Esse mesmo. “- Muito prazer. Bárbara. - Nicolau.”- Conhece-lo?- É meu amigo. Pode-se dizer de infân-cia. - Está a rir-se sozinho, ou é impressão minha?- Não é impressão. Pelo contrário: é uma certeza. E é um riso triste, digno de dó, se é que a pena é digna de exi-stir. - Pressuponho que sabes a razão, é isso?- Não resisti a intrometer-me. Reparei que estava tão atento a olhar o Atlân-tico...- Que não tem de pedir desculpa, se é o que ia resumir. - Pode-se dizer que sim.- Ele contou-te?- Contar, não contou. Eu juntei apenas as peças, construindo a minha justi-ficação. Ele, propriamente dito, não expunha totalmente as causas.

- Mas sempre deixava escapar alguma coisa!- Deixava. Datas, locais, diálogos... E era só aí, nesses deslizes verbais, que eu me inteirava do que pôde ter ac-ontecido. - E?- Leu o meu pensamento!- Ora essa. E a Bárbara: gosta de foto-grafar?- Adoro. Mas sou amadora. - Amadora ou não, é uma paixão.- Sem dúvida. E depois, não sei se con-corda, mas há locais e locais, e este é daqueles que nos puxa a eternizar a realidade.- É verdade. Este é um desses sítios. - Tu queres ver. Hei rapazinho! Quem é que se adiantou?- O Sr. Medeiros. – Confirma o moço, empregado ao Domingo. - Tarouco! Está cegando, o diabo.

Pertencer à terra envolve riscos. Este é um: o calor, mas humano; a prox-imidade das existências, de se ter na-dado nas mesmas águas, atravessado juntos, nas boas e más circunstâncias, as correntes das últimas. É assim. Está-se ainda a ingerir a primeira be-bida, quando outra aterra na mesa, elevando a probabilidade, aritmética, doutras se seguirem.

- Ainda tomamos um calor daqueles.- Por este andar.

Altura em que os copos se unem, e os vidros se tocam, e o som se propaga à área quadrada da sua amizade. Paira a ideia do brinde. O gesto subentende-o, embora daquele não se trate.

- Mas perguntavas-me sobre...- Se te inteiraste ou não da história. - De alguma maneira, inteirei-me. Fui mais um ouvinte do que um in-terlocutor. Houve até momentos em que receei ter insistido como insisti. Por que, sem que lhe pusesse muitas questões, notava que me excedia, que o sobrecarregava com muitas per-guntas.- E ele?- Reforçava a introspecção. Metia-se para dentro da sua carapaça, ama-durecida pela lava, e não saía de lá. E

AMOR BASALTONuno Rafael Costa

Texto Vencedor do Prémio de Escrita DiscoverAzores 2015

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não saía mesmo. Pelo menos, enquan-to eu lá estivesse, ao seu lado. - Pressão que querias evitar. - Sem dúvida. - Um dos muitos recantos que esta ilha tem.- E todos paradisíacos. Sublimes, na minha opinião. Por que do ponto de vista natural, não nos podemos que-ixar.- Em todo o caso, Zé, qual era o seu lamento? - De não se perdoar a si mesmo.- Em que sentido?- O Nicolau é natural daqui?- De ter viajado; de se ter ausenta-do uns anos do Pico. “A memória é malévola”, rematava-me assim. Des-contextualizado, sublinhava-lhe o oposto. Mas não me ouvia. No fundo, eu, outra pessoa que fosse, ver-se-ia como alguém que interrompia ap-enas o seu discurso. A presença era corporal. Apenas física. Os argumen-tos eram dele para ele mesmo. “Pas-sam à tua volta centenas de milhares de situações. Nem um terço detectas. Acompanha-las com sorte, e dessa pequena parte, gravam-se-te umas quantas dezenas na memória. Umas mais expressivas do que outras; uma mais significativa do que outra”. - E tu?- Escutava-o. Sentia-me sugado pela força da sua recordação, arrastado por aquela enxurrada abaixo, cer-rada, obscura, sem término à vista. Quedava-me ali, absorto, suspenso da minha sensibilidade. Ele oralizava tal e qual pensava, como que uma réplica fiel do original; telegrafava rigorosa-mente o que lhe vinha à mente “Arcos, Ponta Negra. A Primavera, o Verão aí. O Atlântico foi o início. A construção do que havia para ser. A empatia ajudou. Puxou-nos para o encontro; empurrou-nos um contra o outro”... - Estavas atónito. - Também. A realidade acabava de su-plantar a possibilidade. E eu lá, a as-sistir na primeira fila, em directo, sem lugar a repetições. - Deve ser difícil. Sobretudo, quando toca a quem nos é querido.- Literalmente, não sabes como agir. Perdes-te na tua própria vontade. Queres confortá-lo, mas soa-te tudo a contraditório. Um simples abraço é excessivo e escasso. Entendes?- Percebo-te. Para não falar das pa-lavras, ficando a dúvida se bem em-pregues ou não.- Nem me atrevia. As lágrimas impedi-am-me de qualquer empreendimento lúcido. Reina a insanidade. Presenciá-

lo na evocação, soterrado pelo seu manto, ardido como esta paisagem, era dilacerante. A crueldade, a que sentia, vinha de todo o lado, e por todo o lado. Escorria das paredes da loucura. Diz-me Sebastião: e recom-endar-lhe calma, dizer-lhe que aquilo acabará por passar, que tudo acabará bem: conseguirias? - É de arder!- Já se sabe. Agora mesmo: estás a vê-lo? Assim, cabisbaixo, cabeça metida entre as pernas, baloiçando as costas?- Estou.- Eram raras as vezes em que não cogitava assim. E eu ardia, interior-mente, preocupado ainda assim em encaixar os elos. “O riso aviva-me o que não quero esquecer. É uma for-ma de olhar encantado, dum mundo aonde quero habitar. Mas tive de ir. Tive de ir. Prometi-lhe regressar ”...- Alguém, então? – Constata Sebastião.- Nunca me disse o nome. - Mulher?- Pressupus. Não é absoluto o juízo, mas roça a universalidade.- Tens razão. Quase sempre implica uma face feminina. E ele?- Prosseguia, sempre no jeito de aforismos, sublinhando o regresso à freguesia, a certeza de vir encontrar tudo como deixou, a ilusão de con-tinuar a sequência temporal como se não tivesse havido uma interrupção. - E daí ela?- “Choro a ausência. A sua ausência. Todos os dias, desde que vim e não a

vi mais”, decorei, vê tu. Assim mesmo, numa semana ou outra, num dia ou outro, de todas as vezes que ia ter com ele. Fechava as portadas do seu ser, sem frecha alguma de luz, com-pletamente às escuras, e pronto: nem eu, ou outro amigo, o tirava dali. - Só ele.- Só ele.

Como o faz, e ontem fez, e amanhã re-ligiosamente. De modo que às vezes se sucumbe à evidência. José, Sebastião também, talvez o melhor a fazer é continuar. Decerto que é uma hipó-tese. Natural, embora pareça cínica. Simplesmente, trata-se de esquecer. O melhor possível.

- Proponho darmos um mergulho. Pocinho, o que achas?- Irrecusável.

E terminada que está a segunda rodada, há apenas que retribuir a seguinte. O Medeiros é dos seus.

- Vou só pagar!

São contas fáceis de efectuar. 0.80 x 2 – aí está. Dinheiro certo, trocadinho como quer o comercial, e venha o próximo.

- Vamos? - Vamos.

E vão. Acreditados na tristeza.

Texto Vencedor do Prémio de Escrita DiscoverAzores 2015

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FAZENDO 101o boletim do que por cá se faz junho 2015

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tirilha

rebus Letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Deve ser lido da esquerda para a direita.Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma.

As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras.Quando uma letra surge entre parêntesis deve ser subtraída da palavra da imagem correspondente. (4+4+3+6+7+9)

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