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# 85 MAIO ‘13 O BOLETIM _ DO QUE POR CÁ SE FAZ MENSAL / . DISTRIBUIÇÃO GRATUITA À Terceira. E é de vez

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boletim do que por cá se faz

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#85 MAIO ‘13 O BOLETIM _ DO QUE POR CÁ SE FAZMENSAL / . DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

À Terceira. E é de vez

Fazendo Editorial

2.

#85

Editorial

O Aeroporto da Horta inicia as ligações aéreas directas através da TAP entre Horta e Lisboa. Iniciam-se as emissões em FM Stéreo da RDP em Angra do He-roísmo. Luís Gil Bettencourt, músico terceirense radicado nos Estados Uni-dos, após final dos Viking, regressa a Portugal e em Lisboa prepara-se para lançar o seu primeiro álbum a solo inti-tulado “Empty Space”. Zeca Medeiros principia na RTP Açores “Memórias do Vale”, com a Harmónica Furnense. José Daniel Macide escreve a crónica “Anar-quistas”, que virá mais tarde a constar do livro “Crónicas da Portugália”. O oceanógrafo Robert Ballard descobre os destroços do navio britânico Tita-nic. O soviético Mikhail Gorbatchov é eleito secretário-geral do PCUS (Parti-do Comunista da União Soviética). Na televisão o acontecimento é o Live Aid, que apresenta o arrojo de Bob Gel-

O Fazendo já tinha chegado à Terceira e a Terceira já tinha chegado ao Fa-zendo. Mas agora chegam os dois ao mesmo tempo e é de vez. A partir de agora o Fazendo cobre o que se faz pe-las ilhas do Faial, do Pico e da Terceira. A quem ainda não conhece o Fazendo explicamos já que é um boletim feito de contribuições. Temos uma caixa de correio - electrónico, claro! (mas do anacrónico também temos) - onde

Tal como os caracteres do alfabeto e as palavras, as imagens também po-dem ser símbolos.Certas formas são reconhecidas co-mummente e podem transmitir signi-ficados concordados, aceites, mesmo que possam não ser muito concretos.As palavras, podemos juntá-las e ar-rumá-las numa ordem específica para transmitir uma ideia. Essa é a sua fun-ção, a razão pela qual existem.Podemos construir frases usando pa-

dof e a coragem de Bono Vox dos U2, e é visto por mais de um mil milhões de pessoas. Pedro Ayres Magalhães (guitarra), Rodrigo Leão (teclados), Francisco Ribeiro (violoncelo), Gabriel Gomes (acordeão) e Teresa Salgueiro (voz). Magalhães e Leão formam os

“Madredeus”. José Afonso, bastante debilitado, edita um novo LP de origi-nais intitulado Galinhas do Mato com a companhia dos músicos: Júlio Perei-ra, Luís Represas, Helena Vieira, Jani-ta Salomé, Né Ladeiras e José Mário Branco. O norte-americano Tom Waits lança o álbum de originais “Rain Dogs”. É inaugurado o Museu Nacional do Te-atro em Lisboa. Às salas chegam dois filmes que chocam a opinião pública:

“Je vous salue, Marie”, de Jean-Luc Go-dard, com Myriem Roussel e Juliette

Diego Ares Liñares

DirecçãoAurora RibeiroTomás Melo

CapaDiego Ares Liñares

Colaboradores Carlos Alberto MachadoCristina LouridoFernando NunesFilipe TavaresJoel NetoJorge A. Paulus BrunoJosé BettencourtLia GoulartLuís C.F. HenriquesNuno SardinhaOrlanda AndréPaulo Vilela RaimundoRogério SousaVictor Rui Dores

Layout DesignMauro Santos Pereirawww.comunicaratitude.pt

PaginaçãoTomás Melo

RevisãoCarla Dâmaso

Propriedade Associação Cultural Fazendo

Sede Rua Conselheiro Medeirosnº 19 — 9900 Horta

Periodicidade Mensal

Tiragem 700 exemplares

Impressão Gráfica O Telégrapho

As opiniões expressas nesta edição são dos autores e não necessariamente da direcção do Fazendo

Capa

Binoche e “O Beijo da Mulher-Aranha”, de Hector Babenco, com William Hurt, Raul Juliá, Sónia Braga, José Lewgoy e Milton Gonçalves. No cinema em Por-tugal surge “Um Adeus Português” do realizador João Botelho, o primeiro fil-me português de ficção a abordar de forma explícita a guerra colonial e João César Monteiro realiza “À Flor do Mar”, tendo Teresa Villaverde como actriz. É o ano de nascimento do arquitecto paisagista terceirense Luís Pinheiro Brum e do cineasta micaelense João Pedro Botelho, realizador do filme

“Ananá”. A onomástica desse período é marcada pela atribuição às raparigas dos nomes de Ana, Carla, Maria, San-dra e Claúdia e dos rapazes por Ricardo, Pedro, Nuno, João e Bruno. FN

Titanic

Queen Mary II

AirbusAutocarroCarroPessoa

lavras que raras vez usamos juntas no nosso quotidiano e assim conseguir comunicar ideias mais sofisticadas, mais complexas, com um significado para além do aparente. Isto é ao que chamamos poesia.Na construção de imagens, no dese-nho, acontece o mesmo. Podemos em-pregar figuras para transmitir ideias e ainda usar a cor, o traço, a textura para sugerir outras. Ao desenhar podemos ligar objectos que não têm qualquer

relação ou podemos render-lhes ho-menagem. Podemos até desenhar coi-sas sem forma (DES)!Hassim Vaio Mundo nasceu na Galiza em 1989. Sem os conhecer, veio em 2010, por acaso, para os Açores e en-controu neles um meio ao qual não foi preciso adaptar-se.Elementos que aqui encontrou fica-ram já a formar parte da sua lingua-gem visual.

recebemos o que nos queiram enviar. Daquilo que recebemos publicamos (quase) tudo, desde que seja inédito e relacionado com cultura, ciência ou ambiente e que seja produzido nos Açores. Se não for feito aqui, que ao menos tenha alguma relação. O con-vite é aberto a toda a comunidade. Damos mais prioridade a artigos so-bre acções (exposições, filmes, livros, oficinas, concertos…) do que a artigos

menos concretos (crónicas, opiniões, contos, poesia), mas isso é defeito nosso, não é feitio. Enviem o que qui-serem. Se não souberem escrever bem, escrevam mal que nós temos quem corrija. Ou então façam um de-senho. Convidem os vossos amigos a fazer o mesmo. E os vossos inimigos.

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Quando há dinheiro, importa-se; quando não há, olha-se para o lado...

...escrever um poema sobre

uma alcatra na bruma era uma

obra de arte inquestionável...

Fazendo Crónica

Em 1999, em conjunto com o meu ex-professor de Língua Inglesa da Universidade dos Açores, John Starkey, criei a revista literária NEO – ainda em cir-culação. A ideia: apostar forte em jovens criadores li-terários açorianos, aqueles que não escrevem sobre as ilhas de bruma nem sobre a saudade, nem sobre o capacete do Pico nem sobre a Chamateia, nem sobre a imensidão do claustrofóbico mar nem sobre a aço-rianidade das nossas veias de basalto onde corre o imenso mar. Ou será ao contrário?Mais tarde, em 2003, lado a lado com Valter Peres, criei o ART&MANHAS – ainda em funcionamento. A ideia: um encontro de artes, focando vários temas e convocando vários intervenientes, sob o mote das

“artes” e das “manhas” de que se servem os artistas para concretizarem os seus trabalhos. Apostando (de novo) em jovens criadores açorianos, na crença de que há novos valores criativos e novos projectos culturais que não falam dos botes baleiros nem dos bois do mar, que não fotografam apenas os mantos de retalho nem o sofrimento da saudade da imigra-ção, que não cantam sobre a dor do isolamento nem sobre a carne do Espírito Santo, e que merecem um espaço de projecção e de apresentação tal como os restantes.

Começar a Casapelo telhado

Em 2007, juntamente com Miguel Costa e Sónia Bor-ges, criei o Concurso LABJOVEM – Jovens Criadores dos Açores, promovido pela Direcção Regional da Juventude – ainda em funcionamento. A ideia: ser-vir de plataforma aos jovens criadores açorianos, permitindo, não só a possibilidade de verem os seus trabalhos validados por um júri e posteriormente apresentados ao público, como também o usufruto de uma bolsa de formação que permitisse o melho-ramento e crescimento formativo e criativo de cada vencedor.Nos dias de hoje, cada vez mais se ouve falar da ne-cessidade do apoio aos jovens valores açorianos, e a aposta nos artistas locais, em pé de igualdade com os artistas que costumavam vir “de fora”. Para quem tem trabalhado na defesa e no apoio à criação de e nos Açores há mais de dez anos, aparentemente a aposta em valores regionais só poderia ser tomada com alegria. Não obstante, a razão pela qual cada vez mais agentes culturais e decisores políticos têm olhado para a produção cultural local é enviesada: é começar a casa pelo telhado. Agora, que vivemos uma crise internacional e os recursos financeiros são mais escassos, já se fala sobre e já se olha para os criadores açorianos quase em pé de igualdade

com os “de fora”. Porquê? Por não haver dinheiro para mandar buscar gente fora dos Açores.Ora, sendo na prática uma consequência muito positiva no que concerne à defesa dos criadores e artistas açorianos, não há como não lamentar esta viragem de discurso. Quando há dinheiro, importa-

-se; quando não há, olha-se para o lado...Apesar de tudo, criar as condições para o surgimen-to, desenvolvimento e promoção dos artistas e dos produtos culturais açorianos dentro e fora do nosso arquipélago deveria ser uma posição ideológica e intelectual, certa da qualidade do que produzimos, e não uma mera contingência financeira que – se, e quando, passar – será facilmente esquecida.Que isto não seja um revivalismo à “cultura açoriana” pós-autonómica, onde escrever um poema sobre uma alcatra na bruma era uma obra de arte inques-tionável e pertencente à literatura açoriana, mas por outro lado, que seja a abertura “forçada” de uma porta que há muito queria ser aberta... agora está entreaberta. Há que a potenciar.

Rogério Sousa

nota: escreve de acordo com a

ortografia pré-acordo-ortográfico.

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Entrevista aFilipe TavaresRealizador de: A Viagem Autonómica

...acho mais importante

investir nos projectos e nas pessoas do que

propriamente em infra-estruturas.

Fazendo Cinema

Em que fase do teu percurso artístico te encontras e que passo significa a realização deste filme?Estamos a terminar o livro, as traduções e a legenda-gem do DVD “A viagem autonómica”, a submeter o filme a diversos festivais e a preparar a sua exibição nas 9 ilhas. Paralelamente, estou a desenvolver dois novos projectos relacionados com os Açores. Pretendo con-tinuar a apostar em trabalhos didácticos, de promoção da nossa identidade e cultura, vocacionados para um público vasto e que valorizem as nossas ilhas enquan-to destino Turístico. Este filme foi uma nova etapa na minha vida profissional atendendo às novas funções que assumi, como Realizador e Produtor. Aprendi mais sobre a história dos Açores e tive a oportunidade de conhecer pessoas incríveis. Este filme é o primeiro pro-jecto da Ventoencanado e contribui muito para a afir-mação da empresa no mercado.

Porque é que achaste que devias fazer um filme sobre este tema e como chegaste ao dispositivo utilizado para o explorar?Tenho um particular interesse pela história dos Açores e pela política regional. Na altura em que decidi avan-çar com este projecto, o contexto político era bastante apetecível: a crise, a política de cortes, as tendências centralistas, os ataques à lei de finanças regionais, etc., por outro lado aproximavam-se as eleições regionais e a implementação da limitação de mandatos signifi-cava que estávamos à beira de um novo ciclo na nos-sa autonomia. Senti que era urgente recolher num só documento o testemunho de pessoas fundamentais para a contrução da nossa autonomia a partir do 25 de Abril. Curiosamente, o Governo Regional pretendia criar uma casa museu dedicada à Autonomia e quando li esta notícia pensei logo que este era o momento para avançar com um documentário sobre a autonomia dos Açores. E foi assim. Convidei o Nuno Costa Santos para escrevermos em conjunto o guião e a apresentação deste projecto, que acenta em três ideias principais: viagem, descoberta e partilha. Optámos por juntar ao

documentário elementos de ficção e criámos um per-sonagem, o Gonçalo Cabral, interpretado por Frederico Amaral, que percorre as ilhas açorianas à procura da história da autonomia. O Gonçalo está muito próximo da realidade do Frederico Amaral e transporta muito daquilo que eu e o Nuno sentimos: uma vontade de ir à descoberta de algo que conhecemos mas que preci-samos aprofundar. Foi a partir daqui que achámos que seria interessante relacionar a Autonomia Política com a autonomia pessoal e com a identidade colectiva. Um dos grandes desafios foi associar um roteiro histórico e cronológico a um roteiro geográfico pelas 9 ilhas. Qui-semos trazer “frescura” a um tema aparentemente

“pesado”, direccionámos o filme sobretudo para os mais jovens mas pretendendo que os açorianos das diferen-tes ilhas, idades e naturezas, se identificassem com este trabalho.

Pretendias ter um ponto de vista “neutro” na abor-dagem ao tema. Será que tal posição é possível de atingir, sobretudo tendo em conta que é de um as-sunto político que se trata?Eu não pretendo esconder a forma como encaro a Autonomia e esta opção está expressa no filme, cuja intenção é claramente a de valorizar a autonomia atra-vés da sua história que é a melhor justifição para a sua existência. O filme incentiva a uma reflexão sobre o que tem sido a evolução da autonomia e qual o caminho que deve seguir. O filme fornece material suficiente para cada um fazer a sua própria viagem autonómica. A “neutralidade” que é verdadeiramente importante, é conferida pelos diversos testemunhos que recolhemos, houve a preocupação de percorrer todo o espectro po-lítico e académico para abordar a Autonomia sem lhe dar uma inclinação errada. A autonomia não tem cor política, e se tivesse, quanto muito teria a cor da nos-sa identidade. A nossa história é real, e está fielmente contada neste filme.

Tiveste o apoio do Governo Regional para reali-zares este filme. Achas que se a tua visão fosse menos coincidente com a visão governamental, terias tido esse apoio?O que havia de coincidente com o Governo Regional era a vontade de fazer um trabalho que valorizasse e desse a conhecer a autonomia dos Açores. De resto, tivemos a liberdade que esperávamos e que era a de fazer aquilo que tínhamos proposto. O apoio do Governo é o resulta-do do reconhecimento e da valorização de um projecto apresentado e eu estou grato pela aposta que fizeram.

“A viagem autonómica” recebeu também o precioso apoio do Parlamento Açoriano, SATA, EDA, Atlanticoline, Grupo Bensaúde, BES dos Açores, RTP Açores, entre outros apoios públicos e privados. O projecto contou com a colaboração de muitas pessoas a título gratuito.

Como é que os artistas e mais particularmente os profissionais do audiovisual podem contribuir para o desenvolvimento cultural da região e da sua autonomia e como avalias o papel dos órgãos governamentais regionais relativamente a essa área?Os artistas devem continuar a criar, a apresentar os seus trabalhos e a contactar outros mundos para me-lhor conhecerem o seu. Basta ter em consideração os nossos ilustres antepassados para perceber o papel que tiveram no desenvolvimento e na afirmação da nossa cultura e autonomia, em áreas como a litera-tura, a música e a política. Acho importante que haja também criatividade política. A Arte é Universal, mas que os artistas representam lugares, períodos e a si próprios, disso não tenho qualquer dúvida. O importan-te é fazer e não ficar à espera. E há uma coisa que acho interessante na nova geração, parece que estão mais preparados para trabalhar em conjunto.Em relação ao papel dos órgãos governamentais regionais, julgo que nos últimos anos tem havido um particular interesse e investimento na área cultural, e ainda bem. É preciso intensificar esse investimento e creio que nesse sen-tido tem havido uma comunicação mais activa entre o Governo e os artistas e as indústrias criativas no senti-do de dinamizar a criação artística. A aposta na Cultura é uma garantia de evolução enquanto sociedade e no nosso caso, é necessário democratizar ainda mais a cul-tura e fazê-la chegar a todos os Açorianos. Nesta fase acho mais importante investir nos projectos e nas pes-soas do que propriamente em infra-estruturas, julgo que a esse nível a região está bem servida. Os artistas têm uma enorme responsabilidade no processo de de-senvolvimento de uma sociedade, a vários níveis.

Boiar era a resposta do Gonçalo (protagonista) à pergunta “Que queres ser quando fores grande?”. E tu, que querias ser quando fosses grande? Estás a cumprir esse sonho?Quis ser Bombeiro, violinista, arquitecto, piloto de avi-ões, etc, Nos últimos anos do liceu passei um período de muito trabalho, o meu pai tinha uma padaria onde tra-balhei duramente durante 4 anos e foi aí que percebi o que não queria fazer, com o devido respeito e reconhe-cimento pela profissão.Cada pessoa tem a sua vocação e o importante é ir à procura e experimentar, tudo é expêriencia. Formei-

-me em som, queria trabalhar em cinema e é o que te-nho feito nos últimos 9 anos. Criei a Ventoencanado para “dar pernas” aos meus filmes e estou garantida-mente a realizar um dos meus sonhos e por enquanto os meus sonhos alimentam-se nos Açores.

Entrevista feita por Aurora Ribeiro

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Fazendo Música

Vinte e Dois Anosde SilêncioPor alguma razão as palavras militância e arrogância rimam, e ainda recentemente eu pude voltar a verifi-cá-lo numa conversa a pretexto de uma das áreas da moda: a agricultura. Entrei numa daquelas novas lo-jas biológicas, ou orgânicas, ou simplesmente bem-

-aventuradas, e sentei-me a um canto, a tomar um café e a ler o jornal. Até que uma cliente, encantada com o estabelecimento, novinho, decidiu meter con-versa em voz alta com uma das donas.

“Esta loja tem, de facto, total propriedade. Ainda por cima nesta altura, em que as pessoas estão todas a pensar voltar à terra”, comentou, em jeito de des-comprometido elogio. Respondeu-lhe a dona, uma mulher bonita, de trinta e poucos anos, mas com o rosto fechado da raiva e das certezas absolutas:

“Sim, é verdade, estão a voltar. Só que pelas razões erradas!” E o que queria dizer era claro: as pessoas estão a voltar à terra, sim; mas por necessidade, quando na verdade deveriam fazê-lo por filosofia.Proselitismo do mais tonto, naturalmente. As pes-soas nunca se aproximaram da terra por razões fi-losóficas. A razão fundamental para que as pessoas se aproximassem da terra, tão dura como ingrata (às vezes basta um nevoeiro para dar cabo de uma

cultura com meses de trabalho acumulado), foi sempre a necessidade. À filosofia, só a descobrimos muito depois. E tem sentido, quando cultivada com critério e moderação. Mas tudo o mais será utilizá-

-la, também a ela, para ocupar o lugar deixado vago por Deus.Pois é a esse tipo de impulso que o Cineclube da Ilha Terceira tentará resistir nesta segunda fase da sua existência. Fundado em 1977 para corresponder à urgência de proteger e desenvolver o bom gosto cinematográfico, durou numa primeira fase cator-ze anos, mas tornando-se sobretudo, e ao fim de não muito tempo, um espaço de convívio de matriz eminentemente melómana. No fundo, o cinema foi saindo da equação ao mesmo ritmo a que foi desa-parecendo também das salas comerciais, aniquila-das pelo advento do videogravador.Vinte e dois anos depois, e passada uma geração in-teira sem Cineclube, e também sem exibição regular de cinema de qualidade na Terceira, essa aprendi-zagem será útil. Refundado já em 2013, o CCIT con-tinua a ter como agenda fundamental a procura da beleza. Mas não ignora que a paixão do cinema cor-respondeu a muitas outras necessidades, ao longo

Cineclube da ilha Terceira refundadoFazendo Cinema

O SolO Sol preguntou à lua Quando haverá amanhecer

destes mais de cem anos, incluindo a do escapismo e a do entretenimento, a de namorar e mesmo a de comer pipocas. Sabe que nenhuma dessas razões é razão errada. E, como pretende alimentar-se da inclusão, propõe-se dialogar com o renascimento de que o cinema em sala desfruta na ilha, com dois espaços exibindo agora até quatro filmes diferentes por semana.Por isso mesmo têm vindo a ser distribuídos in-quéritos, aos sócios e potenciais sócios – e por isso mesmo continuarão a ser registadas as opiniões re-cebidas, as mais recorrentes e as mais esporádicas. O que querem as pessoas ver? Cinema clássico ou contemporâneo? Cinema temático ou português? Cinema documental ou de animação? Cinema in-dependente ou de latitudes independentes? Pois também a isso o Cineclube da Ilha Terceira tentará corresponder, embora não deixando (naturalmente) de tentar propor novos caminhos estéticos aos seus sócios e espectadores.É das pessoas, em suma, que o CCIT pretende sus-tentar-se – é para as pessoas que pretende existir. Será essa a sua militância. E a sua arrogância, se qui-serem. Joel Neto

a pensar tratar-se de uma canção de origem brasilei-ra, já que “lundum” é um género de composição afro-

-brasileiro. Ora, pelas razões acima expostas, a linha melódica de “O Sol” enquadra-se na música ibérica, neste caso da música espanhola que se fundiu com a música terceirense.

Victor Rui Dores

Tal como a “Charamba”, “O Bravo” e o “Meu Bem”, “O Sol” é cantiga tradicional da ilha Terceira pela de-clinação resultante da convivência com espanhóis durante 60 anos de ocupação filipina. Para além disso, há um desenho usado no modo espanhol que influenciou também o modo terceirense que é a cha-mada “cadência frígia”, ou seja, o movimento meló-

dico-harmónico descendente da tónica à dominante, movimento esse que é exclusivo do modo menor. Recorde-se que esta “cadência frígia” provém dos velhos modos medievais que caracterizam certas canções do folclore peninsular.

“O Sol” é também conhecido por “Lundum”, ou “Lun-dum da Baía”, o que, erradamente, nos poderia levar

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Mulher de LivrosFazendo Literatura

A raridade de um bem torna-o mais valioso. A lapalis-sada seria desnecessária se a evidência fosse mes-mo evidência e se fosse universalmente aplicada, mas não é uma coisa nem outra. Vivemos numa época em que as livrarias tendem a ser lugares onde se comerceiam os livros que são «novidades, “best-sellers” ou que têm capas em re-levo e letras a brilhar», em vez de «obras essenciais do pensamento e ao conhecimento» – quem o diz é Paula Quadros, a livreira da In Folio, em Angra do He-roísmo: uma mulher de livros, com o mesmo sentido que, noutros tempos e circunstâncias, diríamos ser uma mulher de armas. É desta mulher de livros que quero falar um pouco, sem veleidades de historiador ou de biógrafo, ape-nas como testemunho de amizade e de admiração.A In Folio é um espaço sitiado mas sem sitiadores. Não são guerreiros sedentos de se apoderarem das suas riquezas que ferozmente a cercam – antes fos-sem. A mulher livreira Paula Quadros e os seus quase 20 mil livros estão sitiados pela indiferença, pior tal-vez do que pelo desprezo ou pelo ódio, a indiferen-ça da generalidade dos terceirenses e dos poderes: «Muitos abrem a porta e nem entram porque perce-bem não ser espaço para eles, outros entram quan-do não há em outros locais o que querem, mas nem têm curiosidade pelo espólio.» Mete medo uma casa com uma mulher que tem a coragem de dizer que os livros que tem para vender «não são para as elites do dinheiro, daquela com sinais exteriores de rique-

za ou de tontice, mas para a elite do pensamento, da cultura, da arte, da beleza do espírito humano e da humanidade». Por isto, os tontos assobiam para o lado, dizem, se directamente confrontados, que sim senhor, que é uma honra para a cidade ter uma livra-ria e uma livreira assim, etc.: é mentira, não acham nada disso, dizem-no para não destoar, porque a de-mocracia também trouxe o saber de saber estar na

moda, intelectual até que seja. Quando a Paula e a sua livraria

desaparecerem, porque é essa

a lei da vida e das sociedades, virão os elogios e as lamechices daqueles que nunca lá puseram as pa-torras, que nunca quiseram saber da In Folio para nada. Talvez até um director regional ou presidente de governo, bem assessorado, resolva fazer um dis-curso com lápide alusiva dependurada. Será dema-siado tarde. Mas também pouco lhes importará: não há tribunal, de cidadãos, ou divino, que os possa ou saiba julgar. O povo grande, esse, estará, como de costume, em festas, touradas e futebóis. E, parte dele, a consumir livrecos de futebolistas, de voláteis vedetinhas de televisão ou de jovens talentos aca-badinhos de “formar” em ateliê de quinze minutos e programa intelecto-social de “escrita criativa” – o além, como a vida, será leve para estes bem-aven-turados. Foi em 1997 que conheci a In Folio e a Paula Quadros nela. Não fazia a mínima ideia de quem era a livreira e o que ela representava. Cativou-me pela simpatia, pelo saber, pelo amor evidente pelos livros, pelo pensamento. Fui voltando, por razões pessoais e profissionais, sempre que possível. As raridades, os bens valiosos, como a Paula Quadros e a sua In Fo-lio, estão sempre no coração e amam-se até ao fim

– que, espero, estará ainda muito, muito longe. Todas as citações pertencem a uma entrevista dada por Paula Qua-

dros à agência de notícias LUSA, em 26 de Outubro de 2011, vista na

internet em 6 de Maio de 2013.

Carlos Alberto Machado / Companhia das Ilhas

Duarte Lobo ea Sé de AngraDuarte Lobo (c.1566-1646) foi um dos composito-res portugueses mais conhecidos pela Europa. A obra musical impressa que se lhe conhece – que compreende seis volumes – foi editada em Lisboa e Antuérpia. Esta última cidade conheceu a edição de quatro volumes de polifonia, impressos por Baltazar Moreto na célebre Officina Plantiniana, conhecida em toda a Europa pelas suas primorosas edições musicais. Nesta oficina foram impressas em 1602 Opuscula…, em 1605 Cantica Beatae Virginis, em 1621 o Liber Missarum e, em 1636, o Liber Missarum II. Este facto terá certamente contribuído para o conhecimento da obra de Lobo. De salientar que em Inglaterra o motete Audivi vocem de caelo ganhou

grande popularidade, devido ao volume do Liber Missarum (1621) que se encontra na Bodleian Libra-ry em Oxford. Ainda no século XIX este motete era cantado pela Madrigal Society de Londres, fazendo parte de uma prática secular.Em Maio de 2012, no âmbito da catalogação do fun-do musical do Arquivo Capitular da Catedral, foram identificados na Sé de Angra dois impressos – cor-respondendo ao Cantica Beatae Virginis (1605) e ao Liber Missarum (1621) – de Duarte Lobo, ambos em muito bom estado de conservação, supondo-se conservarem ainda a encadernação original. Pelos registos da Officina Plantiniana sabe-se que do pri-meiro volume foram impressos 350 exemplares e

Fazendo Música

do segundo volume 200. Para além destes dois im-pressos foi ainda identificado um terceiro – Cantica Beatae Virginis – de Frei Manuel Cardoso, impresso em Lisboa por Pedro Craesbeeck em 1603. Das obras de Lobo destaca-se o Liber Missarum de 1621. Deste volume conheciam-se no mundo até à data somente treze impressos distribuídos por Portugal (Coimbra (3), Lisboa (2), Évora (1) Elvas (1) e Lamego (1)), Sevi-lha, Badajoz, Córdova, México e o atrás mencionado existente em Oxford. O décimo quarto foi identifica-do na Sé de Angra.

Luís C. F. Henriques | www.luiscfhenriques.com

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Montra de Ler

Fazendo Poesia

Fazendo Literatura

Nesta Montra de Ler, salientamos dois aspectos do domínio da leitura e do conhecimento que através dela podemos ter da cultura açoriana, terceirense em particular. Num primeiro grupo, duas obras de dois reputados homens de cultura que dedicaram as suas vidas ao conhecimento do meio em que nasce-ram e viveram. Do escritor, jornalista, historiador e etnógrafo praiense Frederico Lopes, mais conheci-do pelo pseudónimo de João Ilhéu (Praia da Vitória, 1896-Angra do Heroísmo, 1979), as Notas Etnográ-ficas. Do jurista, intelectual e político Luís da Silva Ribeiro (Angra do Heroísmo, 1882-1955), mas igual-mente distinto historiador e etnógrafo, o primeiro volume das suas Obras, justamente, Etnografia Açorina. Este, ao nível de um Leite de Vasconcelos

ou de um Teófilo Braga, terá sido o mais profícuo es-tudioso da “alma” açoriana. Merece ainda hoje, e tal-vez com maior premência, ser reavaliado e estudado, mesmo simplesmente divulgado fora das cátedras mais ou menos herméticas das academias. Num tempo de encruzilhadas, em que medram, descon-troladamente, as sínteses mal digeridas, vulgatas e dogmas sobre o ser açoriano e a açorianidade, as obras destes dois autores (e outros há, igualmente importantes) poderiam ser uma lufada de inteligên-cia e de revigoramento intelectual. Quem sabe…Na área da criação literária, que tem tido nos últimos anos um vigor e uma qualidade de assinalar, desta-camos, sem menosprezo de outros, os terceirenses Rui de Sousa (1978-) e Mário Cabral (1963-), com,

Etnografia AçorianaLuís da Silva Ribeiro Edição: Instituto Histórica da Ilha Terceira, 1982 (816 páginas)

respectivamente, Adeus Amanhã (de 2011) e O Aci-dente (de 2005). Fazem ambos parte de uma nova geração que procura caminhos diferentes para o escrever açoriano, sem contudo descartarem a tra-dição literária, quer nacional, quer universal. A no-vela de Rui de Sousa é a sua estreia neste domínio e foi distinguida no LabJovem de 2009. O romance de Mário Cabral, poeta e pintor, foi distinguido com o Prémio John dos Passos para o melhor romance pu-blicado em Portugal em 2005-2006. Publicou ainda: História duma Terra Cristã (1995), O Meu Livro de Receitas (2000), Via Sapientiæ: da Filosofia à Santi-dade (2008) e Tratados (2012).

Carlos Alberto Machado / Companhia das Ilhas

Notas EtnográficasFrederico Lopes (João Ilhéu) Edição: Instituto Histórico da Ilha Terceira, 2003 (2ª ed.) (444 páginas)

Adeus AmanhãRui de SousaEdição: DRAC, col. LabJovem,2011 (116 páginas)

O AcidenteMário CabralEdição: Campo das Letras, 2005 (312 páginas)

Em Maio Florimos“Em Maio florimos Melancolia, poemas,

letras e desenhos d Angra Líquida” é o título de uma colectânea de poesia a ser editada dia 18 de Maio, sábado, pelas 21h30 pelo colectivo de poetas da Casa do Sal. Num período em que os poetas fazem edições de livros com trezentos exemplares, a Casa do Sal / Oficina d Angra reúne trabalhos de

poetas a residir em Angra do Heroísmo e dá-los a conhecer ao público leitor. O lançamento desta colectânea coinci-de com a apresentação do número 85 do Boletim Cultural Fazendo dedicado à Ilha Terceira e que assim se dá a co-nhecer aos seus leitores terceirenses. Por esse motivo foram pedidos três poemas a Tiago Rodrigues, Luís Silva,

Luísa Ribeiro, Sónia Bettencourt, Fer-nando Nunes, Paulo Serrão, Hernâni Candeias, Bianca Mendes, seis florilé-gios a Ana Paula Inácio e uma canção ilustrada a Paulo Branco. Os desenhos de Inês Ribeiro e Phillipa Cardoso ilus-tram esta edição de cinquenta exem-plares, todos numerados e com carim-bo da Casa de Sal/ Oficina d Angra.

Melancolia, poemas, letras e desenhos d Angra Líquida

Angra

No próximo dia 8 de Dezembro, comemoram-se trin-ta anos sobre a inscrição da zona central da cidade de Angra na Lista do Património da Humanidade da UNESCO, ocorrida em 1983, quatro anos após Portugal ter ratificado a Convenção do Património Mundial. Ao longo do ano de 2014 decorrerá o perí-odo de excelência para que os angrenses e as suas várias instituições assinalem a efeméride. Mas en-tendemos que, mais do que ações comemorativas, importa ter presente outros aspetos de maior alcan-ce e profundidade.Recorde-se que Angra fez parte do primeiro lote de bens patrimoniais portugueses admitidos naquela lista (a par do Mosteiro da Batalha, do Convento de Cristo, do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Be-lém) e até 1986 (ano em que Évora é inscrita) foi o único conjunto histórico nacional a integrá-la.Nessa década de oitenta, Angra esforçou-se na her-cúlea tarefa da sua reconstrução, em consequência do terramoto que a atingiu no dia 1 de janeiro de

a cidade está doente no seu património construído

1980. Simultaneamente, Angra encheu-se de orgu-lho por esta coisa de prestígio que era fazer parte do Património da Humanidade. Angra tornou-se o paradigma da cidade histórica portuguesa. E os an-grenses estimavam a sua cidade, a sua Angra.Decorrida, porém, mercê de vários fatores, patrimó-nio, em vez de motivo de orgulho e satisfação, pas-sou a significar pesadelo, desalento, dificuldades, desentendimento… Qualquer coisa que, o melhor, era ter a certa distância.

Agora, trinta anos depois, Angra é uma cidade que comporta graves erros no seu património constru-ído, quer ao nível das intervenções de que foram (e continuam a ser) objeto os seus edifícios antigos, quer ao nível de grande parte das intervenções con-temporâneas a que tem estado sujeita. Alguns sim-ples exemplos apenas:

– a proliferação indiscriminada e incontrolável de alumínios nas portas e janelas dos edifícios sem, ao menos, qualquer rigor de desenho;

– a adulteração da inclinação e a aplicação de telha na cobertura dos imóveis sem qualquer cuidado;

– as demolições das casas dos bairros populares tipo janela-porta-janela, de um só piso de rés-do-chão, para permitir posteriores edificações com maior nú-mero de pisos;

– as intervenções contemporâneas, não só ao nível dos novos edifícios como também do mobiliário ur-bano e das calçadas, que não representam qualquer qualificação, antes pelo contrário, algumas são bem piores do que as que podemos encontrar em outras cidades e povoados que nada devem à Lista do Patri-mónio da Humanidade.

Por esta razão, mais do que celebrar os trinta anos, seria bom que os angrenses, as suas instituições, os seus órgãos de comunicação social, colocassem a mão na consciência, refletissem, ponderassem e fizessem um esforço para perceber que algo vai mal no reino da Dinamarca. Que a cidade está doente no seu património construído e que a causa disto de-corre da sua ação e do seu pensamento.Enquanto os angrenses não voltarem a interiorizar e a envergar o orgulho da sua cidade ser Património da Humanidade (como já o fizeram), não há leis eficazes que condicionem as intervenções desastrosas no seu edificado antigo nem que avalizem uma arquite-tura contemporânea integrada e de qualidade.Conseguirão os angrenses ter a perceção do de-plorável rumo a que estão a conduzir a sua cidade? Quererão ter consciência disso? Terão massa crítica suficiente para tal?Será Angra um paradigma perdido? Por inércia ou por incapacidade dos angrenses?

Jorge A. Paulus Bruno

um paradigma perdido?Fazendo Opinião

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Luís Brum

carta antiga de Angra do Heroísmo - Linschoten, séc. XVI

O azul vai-se aproximando, em Angra do mar, em Évora do céu.Fazendo Opinião

Intensamente Azul

As duas primeiras cidades portuguesas a auferir a estampa de Património Mundial da Humanidade pela UNESCO foram Angra do Heroísmo (Terceira) em 1983 e Évora (Alentejo) em 1986. O que as une e distingue é escandalosamente bo-nito: centro histórico bem conservado de casario luminoso e claro, paredes de branco caiadas ou cor florida, pavimentos e ruas calcetadas, monumentos preservados, largos amplos, jardins cuidados sobre esplanadas ensolaradas, impérios/capelas com san-to e sino.Têm o encanto das ruas tortas, alérgicas ao esqua-dro onde certas frontarias se adornam de ferro forjado ou pedra lavrada. A beleza dos telhados ver-melhos de duas águas, ligeiramente inclinados. Por todo o lado surgem igrejas, conventos, casas apala-çadas de portadas e janelas esculpidas, as varandas de “ver-a-Deus”. No pátio o poço/tanque, a laranjei-ra/limoeiro, junto à casa, o forno para cozer o pão.Em ambas as cidades há lugares de amplas e festivas memórias colectivas, sítios de espantar a criançada com percursos inesquecíveis que têm sabores, têm cheiros, têm segredos. As casas delimitam um espa-ço. A praça. O chafariz. Ponto de encontro, de chega-das e partidas, de cavaqueio, de pausa, as travessas ziguezagueando vão lá dar, algumas de nomes líricos (Travessa da Água da Flor) outras com nomes amea-çadores (Canada do Sarilho). Há bons restaurantes e tabernas de agradável convívio. Os bairros parecem aldeias dentro destas cidades, carregadas de tradição, onde a vida privada é quase pública, espaço de intimidades expostas; gestos, ri-tos e gíria própria. As vizinhas espreitam-nos à porta quando está a chover para avisar que a roupa ficou esquecida no estendal; se alguém faltou à missa de

domingo, na quarta-feira seguinte o pároco bate à porta do “pecador” para saber das suas razões; as excursões de turistas bordam as ruas de vozes.O azul vai-se aproximando, em Angra do mar, em Évora do céu. Apesar de Évora distar cem absurdos quilómetros do mar o Cancioneiro Tradicional de Cante Alentejano dá loas a essa planície de água:

“Quem embarca, quem embarca Quem vem par`o mar, quem vem Quem embarca nos teus olhos Que linda maré que tem.”

“A ribeira quando encheLeva o junco acamado Traz-me tu em teu sentido Que eu te trago em meu cuidado.” Grande e ardente terra do Alentejo, ondeada pelo pontear de pequenos afloramentos rochosos, de charnecas e montados, de planícies de barro verme-lho, resplandecentes de sol. Onde o olhar atinge o horizonte limpo, a paisagem derrete-se quase rasa: muros, árvores, medas de palha, latifúndios, simples cabeços que se confundem com a seara e a vinha; cores sublinhadas a doirado e azul. Poucos lugares serão tão serenamente belos: terra larga, árvores, silêncio. As azinheiras são outra forma de ser nuvem, rocha, escultura, sombras de jardineiros que a terra labutam. E as cegonhas poisam no maior lago inte-rior da Europa, a barragem do Alqueva. Nascido de um vulcão, um fugaz pedaço de chão, com fim, sustém-se no meio do oceano. Quando o céu caminha, quando o guarda-roupa de nuvens se

abre, descobre-se uma estrada de bagacina, rom-pendo do sal para afagar a luz. As cores transbordam sossegadas sem perturbar a frescura do verde. As lagoas parecem fascinadas e absortas em contem-plação - olhos espantados a ver passar os navios. Lá, no longo voo das cagarras, o azul esmeralda separa-do do azul do céu pelo perfil de S. Jorge anelando o Pico. E as hortências organizam o silêncio, apesar do vento… frenético. O panorama é imutável: metade céu, metade mar, em cascata.

Outro é o tempo e outra a medida, estas paisagens sobram na abundância infatigável de existir e não se esgotam. Será talvez sede de infinito, interioridade/insularidade, porque há tanto de gente como há tanto de mundo. Na abstracta fronteira do arco-íris põem-se muitos sóis em simultâneo, um detrás de cada ilha/monte, aguarela viva sarapintada de azul. Aqui onde a natureza tem alma, a prosa dos dias solta-se a dar fartura à gratidão, cada um é um lugar para os outros, com um quê de ternura no esboço do riso. Tudo é imenso e despovoado, é misterioso. Uma demasia e uma maravilha. Mas o silêncio pesa. Pelo que só há uma coisa a fazer: é entregarmo-nos. As vidas enrolam-se na maré, olhares de afecto tra-zem festa, fazem cócegas que sabem tão bem como sopa de beldroegas!

À noite cochilamos mansamente no alpendre, tingi-dos de azul.

Cristina Lourido

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Centralidade de um território insular

O Falajar Terceirense A pronúncia consiste na forma como realizamos os fonemas. Quando a mesma não é realizada de acordo com as normas definidas na pronúncia padrão, temos uma alteração à qual designamos “sotaque”, Os diversos sotaques variam conforme a região, grupo étnico ou social ou a idade, en-tre outros factores.

Importa então perguntar onde é que a língua portuguesa é falada de acor-do com a pronúncia padrão, ou seja, sem sotaque. Em Lisboa? Basta ir ao

“Caixodré” e pedir “um cópinho com água, ó faxavor” para descartar essa hipótese. No Algarve? “Máquejête, marafado!”, nem pensar… No “Puer-to, Carago”? Dificilmente… Reclamam os de Coimbra que é lá que se fala o português mais correcto. No Açores, o troféu é reclamado pelos Faialenses.

E na Terceira? Diversos factores jun-taram-se para criar o tão afamado e característico sotaque Terceirense.

Desde a colonização diversificada até à influência da emigração para a América, passando por alguma pre-servação de fonemas e expressões do português arcaico, o sotaque Terceirense é rico na diversidade de entoações, expressões, ritmo ou na famosa utilização do ”i” intervocálico

- “o guiate, tode pinguiade, debaixo da esquiada” e, nada melhor, para perce-bermos do que estamos a falar do que ler esta prosa arregimentada por Fer-nando Alvarino: “Ei home, pomordês! Tás menente de sabê que gente tola e toiros, paredes altas. Faz-te descre-tinho e acaçapa-te p’raí - pára de tecê estepô que tem aí gente c’ma biche e ainda levas a tua galheta. Na queres ir brincá co’a pombinha p’áreia? Tu bota sentide e não aformentes aquelas ta-tonas, todas prezadas mas cheias de esterque, umas mangalhas, valhacas, senão quando mal te aprocatares vais por’í arriba a toque de caixa. Raspa-te!Ah moço, espera: tua mãe tá mais pai-radinha, tá tenteadinha? Ela andava

Fazendo Insulares

Fazendo Falajares

Reclamam os de Coimbra que

é lá que se fala o português mais

correcto. Nos Açores, o troféu é

reclamado pelos Faialenses.

E na Terceira?arrebocida e ouvi dizê qu’ela tava pe-gada de cabeça…Nos toiros da Fonte eu vi-la à gaitadaria, por monde da-quele toiro que aguindou e deu uma cornada em tê pai, que tava com uma grandecíssima vela – tu sabes c’ma é, na bebas qu’é petróleo –, o desgraça-do a levá uma esfrega e ela gaitadaria velha. Ai tal pecade. Passa fora! É pre-ciso ter lata, vergonhas da minha cara. Fiquei consumida.

Tu ainda tás namorado co’aquela pi-quena da boca da canada? Ela tá pre-ta cma ferruje! A irmã é que é alva de neve. Eu sei que o pai é um velho cai-pora que tem dinheiro cma cabelo em cão, mas não é partido p’ra ti. Ele é um izoneiro - tal home d’esganade -, e ela parece um pau de virar tripas, magra cmum graveto – a mãe é que é um talhão. pechinchim! Tu se casás co’ela vás pená, aquilhe na tem tafulhe. É feia cm’ó pecade e é daquelas de pelo na venta: ainda te larga umas taponas nos beiços. Na te cases, padaço de tolo. Antes cagá um pé tode.

Agora vou-me maneá p’ra casa, à con-ta de Nosso Senhô, que está frio c’ma burro e a modos que vêm aí aguaceira grossa. Não vou esperá aqui a mamá pa crescê e depois ficá alagada pin-gando: passa cá carocho!

Haja saúde.”

Nuno Sardinha

Luís Brum

Pensando “para com os meu botões” constato que desde o período dos descobrimentos, e do povoamento destas ilhas que daí resultou, os Aço-res de um modo geral e a ilha Terceira de um modo particular, sempre funcio-naram como plataformas giratórias de ligação entre o velho e o novo mundo.Daí resultou um território, onde há mais de cinco séculos se vem verifi-cando uma troca constante de inte-resses económicos e estratégicos, de conhecimento, de multicultural idade de povos e gentes, enfim… (utilizan-do um termo associado à sismologia) que assumiu um papel de verdadeiro epicentro atlântico do que poderemos

hoje chamar contemporaneidade.Neste caso em particular, julgo desne-cessária a distinção entre emigrantes e imigrantes, que somente confunde e divide a nossa sociedade, quan-do o que sempre por cá ocorreu foi a passagem contínua e permanente de povos migrantes que, na sua azáfama intergeracional, sempre propiciaram a troca de conhecimento e de conheci-mentos.Eu, na minha qualidade de açoriano acidental, embora claramente por op-ção tomada há já mais de três décadas, concluo que esse Atlântico que nos rodeia não tem sido encarado como uma fronteira, mas sim como uma via

de acesso a outros “mundos” e a dis-tintas realidades e que tal facto tem tornado o povo que por cá “passa” em algo diferente, com capacidades e po-tencialidades específicas, que podem e devem ser utilizadas em prol da Re-gião e do País.A título de exercício desafio-vos a re-fletir sobre o vasto número de conhe-cidos, amigos e familiares que o aço-riano comum possui espalhados pelo globo, o que associado à sua curiosi-dade intrínseca e ao seu conhecimen-to do que vai ocorrendo neste, lhe dá acesso a uma vasta rede de contactos que podem e devem ser utilizados de modo pró-ativo com vista ao desen-

volvimento.Nos últimos tempos, e perante o aces-so às novas tecnologias de comunica-ção, tornou-se mais fácil a rentabili-zação proveitosa dessa realidade que nos acompanha há mais de meio milé-nio. Saibamos nós utilizar essa “ferra-menta” e alterar o registo de ultraperi-feria, substituindo-o definitivamente pelo conceito de centralidade global e lutar coletivamente pelos direitos que nos são devidos.

Paulo Vilela Raimundo

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Fazendo Jáfonecas

“Triste vida a do marujoQual delas a mais cansada

Por mor da triste soldadaÀs tempestades! Às tempestades!

Dão, Dão.”in Cantar Na M´Incomoda, de Carlinhos Medeiros, 1998.

Angra ou um património chamado Jáfoneca…

Comercial de Angra, obra arquitectónica do mestre micaelense João da Ponte, característico da impo-nência visual ao cimo da Rua do Galo, actualmente a casa da Direcção Regional da Cultura. Atravesse-se desta feita o centro da cidade para chegar ao edifício do Centro Regional de Segurança Social, pertencen-te ao arquitecto da “geração moderna”, Raul Chorão Ramalho, numa obra airosa e singular, aberta à luz e ao encontro como poucas. E, mais à frente, o Teatro Angrense, que é de pasmar perante a beleza deste edifício considerado património de utilidade públi-ca mas com uma fachada em ruínas. Data do século XIX a sua construção, remetendo de imediato para o imaginário dos tempos áureos da ópera italiana e do teatro romântico. Hoje a necessitar de obras ur-gentes de remodelação e recuperação. Imagine-se, portanto, as noites em que a população terceirense invadiu esta rua (Esperança de nome), diminuindo a ventania nocturna que agora aqui se vive, insu-flando vida e animação a este distinto lugar citadino, tão próximo da baixa e dos seus cafés. E quem já viu não há muito tempo este teatro aberto, em forma de ferradura, exemplar único em Angra do Heroísmo e uma referência em todo o arquipélago, reconhece como necessidade urgente a sua abertura e ainda com actividade regular, para que este espaço reto-me a vivência e o pulsar cultural da Ilha Terceira. Caminha- -se pela urbe atlântica e eis que alguém aproveita para f a z e r um sorriso gracioso, a m á - vel, familiar, ali no lu-

gar onde se reúnem e se encontram as pes-

soas há muitos, muitos anos,

daí o nome de Praça

Velha.

Subitamente, um homem alto sorri para mim, es-tende-me o braço, aperta a mão para cumprimentar, num gesto simples, amigo e delicado. Ri-se muito. Saúda-me e pergunta se está tudo bem. Este ho-mem podia ser meu pai, meu avô, um velho amigo. Este homem fala comigo como se me conhecesse. De onde é que o conheço? Não o conheço certamen-te. No entanto, decido permanecer com ele, ali no meio da antiga ágora angrense, a ouvi-lo, como se nada mais houvesse para fazer. É isso que apetece fazer. Este homem tem oitenta e dois anos, uma cara carregada de rugas e de tempo e possui dois olhos com a cor do mar. Pergunto-lhe o nome sem ele dar conta. Diz-me que ele será sempre o “Jafoneca”, que lhe chamam assim desde pequeno na ilha, na fre-guesia, na sua rua. Tento fixar o nome mas não sei se é assim que se escreve nem interessa. Interessa-me é escutar o mais velho marinheiro em actividade, provavelmente não só de de Porto Judeu, e que diz que demora duas horas a chegar ao Topo, na Ilha de São Jorge, para encetar a sua pesca ao goraz, cherne, boca negra, espadarte e tantos outros peixes que vem. Acrescenta que trabalha no mar e na terra, já que também é agricultor. Indago se este conheceu o Chalandra, o que confirma. Olha-me nos olhos, fito-

-o com a atenção e eu fico com a sensação de que o conheço há tantos anos, ainda que nunca nos tivés-semos visto ou conversado. “Jafoneca” possui um barco de vinte e cinco bulhas de nome “Foguete”, no entanto por causa do mau tempo somente foi cinco vezes ao mar entre Janeiro e Março. Este homem tra-balhou quarenta anos na estiva. Podíamos ficar aqui o dia inteiro a ouvir este homem, podíamos, não há qualquer dúvida, dado a torrente e o manancial de histórias para contar. E por isso marcamos encontro até um dia destes ao acaso. Não é que eu não queira é porque não posso, pois estes homens estão vivos, demasiado vivos dentro de mim.

Fernando Nunes

Celebremos portanto o centro histórico da cidade de Angra do Heroísmo, a caminho de completar três décadas de património da Humanidade, declaradas pela UNESCO no ano de 1983. Cidade de Angra que por si só é abertura ao fascínio da arquitectura, a vetusta e assinalável personalidade, o impulso de-senhado ao longo de séculos no seu conjunto arqui-tectónico rico e diversificado. Os cafés de Angra do Heroísmo são uma seguríssima porta de entrada no modus vivendi terceirense. Os cafés formam a per-sonalidade da Angra convivial, tolerante, aberta ao discurso do outro e de uma boémia remetida para os fins-de-semana. Eis um sítio do passado recente badalado pelas suas antigas e famosas tertúlias: a

“Pastelaria Portugália”, antigo poiso de jornalistas, músicos, poetas e gente das mais diversas linhas e cruzamentos. Aqui se encontravam homens de le-tras e aventuras jornalísticas como José Daniel Ma-cide ou Rui Duarte Rodrigues. Há também uma rua viva e com a preguiça típica das esplanadas, a Rua da Palha, viva e muito movimentada. Ali é só com-prar o jornal e seguir o caminho e o cheiro que exala dos cafés até às mesas expostas na rua com o mar ao fundo, com muito comércio e lojas de roupa e ar-tesanato para comprar e apreciar. E a arquitectura? Iniciámos o périplo arquitectónico pela Sé Catedral, a sede da religiosidade do arquipélago, exemplar da arquitectura filipina acrescentado a uma igreja góti-ca do século XV, fustigada pelo terramoto de 1980 e mais tarde por fogo posto, tendo a sua reconstrução permitido respeitar a traça original. Uma simpática senhora dá-nos a ver a capela-mor, repleta de pin-turas e pratas do séc. XVII e ainda a sacristia com móveis de jacarandá, avistamos tam-bém a parede composta por uma galeria de retratos a óleo dos prelados dioce-sanos. O café Athanasio pode ser um lugar para sentar docemente a contemplá-la. E nem só do pas-sado regurgita a arquitectura de Angra, já que o século XX trouxe consigo o Palacete Silveira e Pau-lo, durante muitos anos a Escola

ilustração Luís Brum

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Centro de Ciência de Angra do Heroismo

Fazendo Ciência

O Centro de Ciência de Angra do Heroísmo é um es-paço dinâmico que se encontra aberto desde 2008. Desde então tem-se desenvolvido muito e aposta-do em diversas temáticas e mostras. À frente deste grande projeto estão os dinamizadores de ativida-des que são os principais motores do seu funciona-mento, são eles: Carlos Leal (licenciado em Biologia); Regina Cardoso (licenciada em Guias da Natureza) e Alexandra Correia (licenciada em Engenharia e Ges-tão do Ambiente). O principal objetivo é divulgar a ci-ência de uma forma informal para o público em geral. Já passaram no centro três grandes exposições, as quais são a sua principal oferta. É importante men-cionar que é um espaço de acesso gratuito em todas as suas vertentes.De momento a nova exposição corresponde à nos-sa ambição e empenho em aumentarmos a cultu-ra científica na ilha Terceira, na cidade de Angra e também nos Açores em geral - uma vez que o CCAH é financiado pela DRECC (Direcção Regional da Edu-cação, Ciência e Cultura) - e também dotarmos o Centro de Ciência de um novo visual, com uma nova exposição de caráter interativo, ou seja em que o vi-sitante é o “motor” da visita. Esta designa-se “Volta à Física em 60 minutos. Com esta nova exposição aumentamos também o leque de ofertas ao visi-tante, passando a dotar o espaço principal não de apenas uma mas sim de quatro valências. Temos 14 módulos interativos; laboratório experimental; uma sala de projeções (mini-auditório) e a expo-

sição online Serviços de Ecossistemas dos Açores (em centrocienciaah.com), além de todas as outras atividades adicionais que desenvolvemos, tanto no centro como fora dele. Relativamente ao laboratório, é um instrumento importantíssimo, não só através do material de qualidade que possui e das inúme-ras áreas científicas que permite explorar, como em complemento aos módulos interativos. No total são cerca de 60 experiências diferentes, das várias áre-as científicas. O nosso principal público-alvo é todo e mais algum, no entanto, são os grupos escolares, colégios e ins-tituições que mais nos contactam e visitam. As esco-las encontram no CCAH mais uma ferramenta para complementar os conteúdos programáticos nas dis-ciplinas que envolvem as ciências, desde tenra ida-de. A equipa do CCAH empenha-se no contacto com os alunos e em proporcionar momentos divertidos, descontraídos e ao mesmo tempo transmitindo con-ceitos científicos importantes no nosso dia-a-dia,

fazendo-o numa uma linguagem acessível. Apesar do centro estar neste momento mais virado para a área da física, uma vez que é a temática da nossa exposição principal, envolvemo-nos nas mais variadas áreas científicas de forma a sermos o mais abrangentes possível e cativar o máximo de público em todas as faixas etárias.O nosso trabalho envolve formação constante, na preparação, pesquisa, formulação e modulação das atividades. Acabamos por descobrir e redescobrir muitas coisas. Além disso, o Centro tem uma posição educativa privilegiada com o seu caráter de educa-ção informal, o que nos permite comunicar e estabe-lecer parcerias diretas por via das escolas, Universi-dade e outros parceiros.

Visite o nosso blog em http://ccah-oaa.blogspot.com, o Portal dos Centros de Ciência dos Açores em http://oaa.centrosciencia.azores.gov.pt e o Face-book. CCAH

Fazendo SaúdeFazendo Saúde

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A informação está actualmente à disposição de qua-se todos através da internet, mas a credibilidade das fontes é, por vezes, bastante duvidosa particular-mente no que diz respeito à problemática da saúde/doença. É verdade que um número significativo de pessoas tem conhecimentos, competências e re-cursos que lhes permite aceder a fontes credíveis, embora não especializadas, mas muitas outras aca-bam por recolher dados totalmente desprovidos de qualquer valor científico. Neste sentido deixo alguns exemplos de sites que poderão ajudar a conhecer alguns aspectos e a clarificar outros no âmbito da saúde/doença.Não posso deixar de alertar para o facto de que o conhecimento/esclarecimento aprofundado das questões deverá incluir consultas a profissionais de saúde certificados e especializados.

Ainda o Ambiente?Sim, ainda o Ambiente. Não nos fartamos de falar dele. Também, como negá-lo? Ele está em toda a parte! Infelizmente as razões que nos levam a deba-tê-lo nem sempre são as melhores. E é muitas vezes aqui que o diálogo se perde e entramos em monó-logos (quando não mesmo solilóquios...) Porquê? Porque é que existe uma tendência tão vincada em ignorar a problemática ambiental quando ela nos afecta a todos?

Nos encontros filosóficos, tive o prazer de assistir a uma palestra apresentada pelo Dr. Viriato Marques que abordou a questão da indiferença colectiva com que a humanidade tem vindo a encarar a problemá-tica ambiental. E deu 2 razões:

1. É a primeira na História da Humanidade e como tal, não há referências passadas. Imagino que para exemplificar as consequências ou validar a urgência desta questão (os dados científicos a que somos constantemente bombardeados não parecem ser suficientes). Já a violência, continuou do Dr. Viriato,

toca-nos de outra forma. Infelizmente até não nos faltam exemplos de conflitos. Mas pelos vistos, a nossa vasta experiência na matéria ao longo de mi-lhares de anos não foi apreendida de forma alguma. Nem a nossa genética silenciou estes ímpetos, nem a nossa cabeça aprendeu com as consequências das guerras relatadas nos livros, filmes, etc...

2. O próprio problema em si, que por ser maior que nós, nos “esmaga” e nos deixa impotentes.É de facto um fardo grande demais para carregar-mos sozinhos. Eu sozinha não posso mudar as leis e os acordos que entidades governamentais cele-bram, como forma não de beneficiar o Ambiente a Humanidade ou a sua Biodiversidade, mas para lu-crar monetariamente. Também não posso impedir as galopantes emissões de C02 nem a dizimação de espécies, etc... Ajudava se estas entidades redireccionassem o seu foco de atenção e AGISSEM em conformidade com os seus deveres. (éticos, profissionais...) Até podiam resolver as coisas! É verdade, até podiam...

Mas não sacudam o capote. Por favor. A sério. Entris-tece-me quando oiço ou vejo reflectido nas atitudes das pessoas um “pois, não se pode fazer nada” ou “os outros é que deviam fazer qualquer coisa”. O fardo só é pesado se não for partilhado. Ao usarmos menos o carro, menos sacos de plástico, ao reduzirmos o que consumimos, ao estarmos atentos ao que consumi-mos, ao exigirmos (de nós próprios!) saber de onde vem, como vem, ao negarmos algumas vezes os pe-quenos prazeres em prol de algo mais importante que a nossa gula, conforto ou preguiça, estamos a ajudar. Não somente o outro mas a nós próprios.

Quando o problema deixar de ser dos governos, das empresas ou de qualquer outro tipo de entidade e passar a ser NOSSO, o nosso próprio conceito de casa alarga-se: O mar passa a ser a nossa varanda, as ribeiras corredores, os montes os quartos...então, porque não cuidar?

Lia Goulart

http://www.dgs.pt (Direcção Geral de Saúde)http://saude.sapo.pthttp://www.portaldocidadao.pthttp://www.portaldasaude.pt (Portal do Ministério da Saúde)http://medicosdeportugal.saude.sapo.pthttp://www.saude24.pthttp://www.respirasaude.comhttp://www.spp.pt( Sociedade Portuguesa de Pediatria)http://www.ordemenfermeiros.pt/ordem/Paginas/EspacodoCidadao.aspx (Espaço da Ordem dos En-fermeiros para os cidadãos)CUIDE DA SUA SAÚDE!

Orlanda André

Fazendo Ambiente

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Nascida de uma parceria entre o Centro de História do Além-Mar, o Observatório do Mar dos Açores e o Museu da Horta, a exposição “Histórias que vêm do Mar” mostrava, na sua primeira versão, os resul-tados do programa de minimização do impacto da construção do terminal de passageiros do porto da Horta sobre o património arqueológico subaquático. Patente ao público na Fábrica da Baleia de Porto Pim, entre Agosto de 2011 e Junho de 2012, divulgava vestígios que nos transportam para o século XVIII, quando o porto da Horta se tornou numa escala es-sencial da navegação do Atlântico. A itinerância desta iniciativa, tornada possível devi-do ao envolvimento da Direcção Regional da Cultu-ra dos Açores, constituiu um desafio para os seus diversos parceiros. Além de levar a outras ilhas um pouco da história submersa do Faial, importava alar-gar o conteúdo da exposição ao património local. A

exposição em São Miguel foi, por isso, enriquecida com novos painéis sobre o Dori, naufrágio de 1964, integrando ainda documentação do acervo da Bi-blioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delga-da, onde esteve patente ao público entre Julho de 2012 e Março de 2013. A sua inauguração no Museu de Angra do Heroísmo, prevista para 8 de Junho, constitui um desafio ainda maior. De facto, a baía de Angra é desde a década de 1960 uma das áreas privilegiadas de actuação da arqueologia subaquática portuguesa. A sua im-portância durante o século XVI e grande parte da centúria seguinte, quando era a base atlântica de apoio aos navios portugueses da Carreira da Índia ou aos galeões da prata espanhóis, resultaram em quase meia centena de naufrágios, além de outros vestígios relacionados com actividades marítimas. A exposição visa acrescentar ao núcleo inicial meio sé-

uma exposição em construçãoFazendo Património

culo de investigação e exploração deste património, incluindo também a publicação de um catálogo, cuja elaboração foi particularmente estimulante nos úl-timos meses. Por um lado, porque mostrou o extraordinário po-tencial científico e patrimonial dos Açores. Por outro, porque revelou o pouco que ainda conhecemos do património submerso nas nossas águas e a dificul-dade em aceder à informação existente. Arquivos familiares, informações orais ou sítios subaquáticos em todas as ilhas do arquipélago permanecem por catalogar, estudar e divulgar. A maioria dos artefac-tos recuperados aguarda por tratamentos labora-toriais de conservação e restauro, não podendo ser apresentados publicamente. Histórias que vêm do Mar à nossa espera.

José Bettencourt

Histórias que vêm do Mar no MAHSala do Capítulo8 de junho a 29 de setembro

Ciência no BarSábado, 8 de junho, 15h00/17h00Conferência pelo arqueólogo José Bettencourt,Visita orientada à exposição,Serviço de cocktails.Público-alvo: público em geral.

Históriasque vêm do Mar

Histórias ao pé do Mar Visita orientada pelo litoral terceirense em que serão evocadas as peripécias e desventuras de na-vegadores, piratas, corsários, pescadores e outros aventureiros que cruzaram o nosso mar, ao longo dos tempos.Público-alvo: público em geral.

Tanto MarJogos e passatempos inspirados nas façanhas de navegadores, piratas e corsários que cruzaram os mares dos Açores.Público-alvo: pré-escolar e 1º ciclo.

Mar Nosso Ateliê de escrita em que histórias de naufrágios e temporais, milagres e achados serão fonte de inspiração para outras tantas narrativas inventadas na primeira pessoa, pelos alunos que visitarem a exposição.Público-alvo: 2. e 3.º ciclos

Linschoteno espião que veio do frioConferência abordando as verdadeiras intenções do cartógrafo flamengo ao desenhar a mais conhecida das “vistas” de Angra. Público-alvo: público em geral.

Entrevista com o MorcegoFernando Nunes

“Nome”Fernando Nunes

“Idade”42 anos

“Profissão”Professor de Filosofia

(às vezes também Psicologia) no Ensino

Secundário

O que é que pequeno-almoçaste?Uma Kima Maracujá e um café.

Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias?Ao café fim do mundo…antes das sete da tarde. Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial?Boa: a hospitalidade; Má: as rendas das casas. Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer?À espera dos dias de sol, sobretudo com azul ferrete, ainda que sendo poucos esses dias, são preciosos e compensam estes invernos austeros e prolongados.

Na escola que outra “disciplina” deveria ser obrigatória?Uma disciplina que nos ajudasse a ser melhores cidadãos, que nos per-mitisse acreditar mais no colectivo, na comunidade, e a acreditar menos em figuras autoritárias e providen-ciais.

Tomás MeloGatafunhos

Fazendo Entrevista

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85 MAIO ‘13

Porque é que tens alguns projec-tos na gaveta?Não tenho projectos na gaveta. Tenho muitos textos, poemas, livros, filmes e discos e não sei muito bem o que fazer com eles sempre que termina um ano lectivo.

O que é que mais odeias na inter-net?O anonimato e todas as formas de alie-nação e exposição inútil da vida pessoal de cada um.

Que forma de arte é que te aguça os caninos?O cinema…são todas as artes juntas. E quando se conseguem juntá-las bem é perfeito.

O que é que gostavas de ter nasci-do?Golfinho. Ter essa capacidade de vir à superfície quando me apetecesse e logo de seguida voltar a submergir. Gostavas de ir morrer longe?Sim. Já iniciei o processo… há muito tempo que saí de casa.

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Horários

Horta — Madalena 7h30 10h30 13h15 15h15 17h15

Madalena — Horta8h15 11h15 14h00 16h00 18h00

Cedros — Horta7h00; 12h45; 16h00;Sábados: 8h00

Piedade — S. Roque — Madalena6h15; 13h30;Domingos e feriados: 13h15

Piedade — Lajes — Madalena5h45; 12h55;Domingos e feriados: 12h55

Madalena — Lajes — Piedade10h00; 17h45;Domingos e feriados: 9h30

Horta — Cedros11h45; 15h20 (Hospital); 18h15;Sábados: 13h15

P. Norte — Horta7h00; 12h45;Sábados: 8h00

Madalena — S. Roque — Piedade10h00; 17h45;Domingos e feriados: 9h30

Horta — P. Norte11h45; 17h30;Sábados: 13h15

Índice

Fazendo Editorial

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Fazendo CrónicaComeçar a Casapelo Telhado

Fazendo CinemaEntrevista aFilipe Tavares

Fazendo CinemaCineclube de Angra

Fazendo MúsicaSol

Fazendo LiteraturaMulher de Livros

Fazendo MúsicaA Sé De Angra

Fazendo LiteraturaMontra de Ler

Fazendo PoesiaPoetas do Sal

Fazendo OpiniãoAngra, um paradigma perdido

Intensamente Azul

Falajar Terceirense

Centralidade de um Território Insular

Um património chamado Jáfoneca

Fazendo CiênciaCentro de Ciência Angra do Heroísmo

Fazendo AmbienteAinda o Ambiente

Fazendo Saúde

Fazendo PatrimónioHistórias que vêm do Mar

Fazendo EntrevistaCom o Morcego

Gatafunhos

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