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Prospecção de Sítios Kenneth L. Feder Field Methods in Archaeology, Chapter 4. Walnut Creek, Left Coast Press, 2009. Traduzido por: Samara Dyva Ferreira Marcos A arqueologia pode ser definida como o resgate e estudo dos vestígios materiais de sociedades e culturas. É o ramo da antropologia que foca nas coisas que as pessoas fizeram e utilizaram – freqüentemente, embora nem sempre, porque esses vestígios materiais são tudo o que resta de uma sociedade já extinta. Um pressuposto fundamental da arqueologia é que esses vestígios materiais refletem tanto diretamente quanto indiretamente a cultura que os produziu. Em outras palavras, há uma relação compreensível entre os “equipamentos” deixados por uma cultura e a própria cultura em si. Geralmente, as pessoas não se comportam de modo aleatório, e sim seguem padrões estabelecidos dentro de suas sociedades. A manufatura de ferramentas, a prática da caça, a construção das casas, os cultos religiosos, a localização de vilas, e daí por diante, são comportamentos que tendem a se ajustar aos padrões ou requerimentos da sociedade. Os comportamentos seguem as regras estabelecidas dentro das sociedades e, por isso, são padronizados. Como o registro arqueológico é, no mínimo, uma reflexão indireta desses comportamentos, ele também é padronizado e reflete, através de um processo freqüentemente complexo, os padrões comportamentais que levaram à sua formação (Binford 1978a, 1978b; Schiffer 1972, 1975a, 1975b, 1976; Yellen 1977a). Assim como os próprios comportamentos não são aleatórios, os seres humanos não se comportam aleatoriamente no espaço; isto é, eles não utilizam a paisagem de modo aleatório (Hodder 1978; Jochim 1976; Zimmerman 1977). A localização de centros urbanos, vilarejos agrícolas, acampamentos sazonais, campos de caça, minas, pedreiras, cemitérios, entre outros, é selecionada com base em requisitos culturais e práticos. Essas escolhas quase sempre envolvem as feições do ambiente natural: recursos alimentares, topografia, disponibilidade de água

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Prospecção de SítiosKenneth L. FederField Methods in Archaeology, Chapter 4. Walnut Creek, Left Coast Press, 2009.Traduzido por: Samara Dyva Ferreira Marcos

A arqueologia pode ser definida como o resgate e estudo dos vestígios materiais de sociedades e culturas. É o ramo da antropologia que foca nas coisas que as pessoas fizeram e utilizaram – freqüentemente, embora nem sempre, porque esses vestígios materiais são tudo o que resta de uma sociedade já extinta.

Um pressuposto fundamental da arqueologia é que esses vestígios materiais refletem tanto diretamente quanto indiretamente a cultura que os produziu. Em outras palavras, há uma relação compreensível entre os “equipamentos” deixados por uma cultura e a própria cultura em si.

Geralmente, as pessoas não se comportam de modo aleatório, e sim seguem padrões estabelecidos dentro de suas sociedades. A manufatura de ferramentas, a prática da caça, a construção das casas, os cultos religiosos, a localização de vilas, e daí por diante, são comportamentos que tendem a se ajustar aos padrões ou requerimentos da sociedade. Os comportamentos seguem as regras estabelecidas dentro das sociedades e, por isso, são padronizados. Como o registro arqueológico é, no mínimo, uma reflexão indireta desses comportamentos, ele também é padronizado e reflete, através de um processo freqüentemente complexo, os padrões comportamentais que levaram à sua formação (Binford 1978a, 1978b; Schiffer 1972, 1975a, 1975b, 1976; Yellen 1977a).

Assim como os próprios comportamentos não são aleatórios, os seres humanos não se comportam aleatoriamente no espaço; isto é, eles não utilizam a paisagem de modo aleatório (Hodder 1978; Jochim 1976; Zimmerman 1977). A localização de centros urbanos, vilarejos agrícolas, acampamentos sazonais, campos de caça, minas, pedreiras, cemitérios, entre outros, é selecionada com base em requisitos culturais e práticos. Essas escolhas quase sempre envolvem as feições do ambiente natural: recursos alimentares, topografia, disponibilidade de água fresca, facilidade de transporte, e oferta de outros recursos materiais. Outros fatores são de origem cultural, e podem incluir a facilidade de se defender uma área, proximidade a outros membros da sociedade, e até considerações de ordem religiosa.

Dependendo da base de subsistência de um determinado grupo, suas relações com seus vizinhos, variáveis ambientais locais, e fatores históricos, as pessoas utilizam a paisagem de modo espacialmente organizado, deixando padrões de distribuição nesta paisagem. O termo utilizado para um sistema espacialmente organizado de utilização da terra é padrão de assentamento. O padrão de assentamento representa o modo como um determinado grupo de pessoas utiliza a paisagem. A reflexão arqueológica desse padrão de assentamento é chamada por William Marquardt e Carol Crumley (1987:7) de “assinatura da paisagem”, definido como “as marcas materiais deixadas na superfície da terra por determinados conjuntos de grupos humanos”. A assinatura da paisagem de uma região consiste na localização geográfica de cidades, vilas, campos de pesca, sítios de caça, pedreiras, feições de transporte, templos, cemitérios, entre outros, assim como o uso do espaço dentro de tais localizações. A assinatura da paisagem é, assim, uma representação material do padrão cultural de utilização da terra e do espaço.

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OBJETIVOS DA PROSPECÇÃO DE SÍTIOS

Os objetivos normais da prospecção de sítios arqueológicos incluem o esclarecimento da assinatura da paisagem e a detecção e compreensão do padrão de assentamento. Freqüentemente, para obter os resultados desejados, os arqueólogos focam-se inicialmente em um objetivo intermediário: a descoberta de sítios, o exame das fronteiras espaciais dos sítios, e a identificação geral da distribuição de materiais dentro dos sítios. Um sítio é qualquer local distinto e delimitado onde seres humanos viveram, trabalharam, ou desenvolveram uma atividade – e onde evidências físicas do seu comportamento podem ser resgatadas pelos arqueólogos.

Alguns profissionais questionam a utilidade e até mesmo a validade do conceito de sítio conforme este é normalmente usado. Por exemplo, Dunnell (1992) acredita que o registro arqueológico não consiste em locais geograficamente distintos onde artefatos, ecofatos, e feições são encontrados. Em vez disso, ele vê esse registro como sendo praticamente contínuo através da paisagem, refletindo a utilização ampla e geograficamente contínua daquela paisagem pelos grupos humanos.

Quanto a isso, Marquardt e Crumley (1987:2) apontam que um problema significante surgirá se os arqueólogos planejarem estratégias para procurar por sítios, quando o termo sítio está definido estritamente como um lugar onde pessoas viveram ou enterraram seus mortos. Segundo eles, dentro da “assinatura da paisagem” de uma área, há lugares não ocupados ou pouco ocupados que são difíceis de distinguir arqueologicamente porque neles foram depositados poucos vestígios materiais. Áreas não ocupadas de significância religiosa, passagens entre as montanhas através das quais grupos humanos viajaram, acampamentos de curta duração e até mesmo zonas neutras não ocupadas entre diferentes grupos humanos, todos esses espaços fazem parte de uma padrão de utilização da terra, mas podem ser invisíveis aos arqueólogos que estão prospectando uma área aplicando técnicas projetadas para encontrar apenas acumulações de refugos de assentamentos densos e delimitados.

De modo similar, Ebert (1992) afirma que o foco no “sítio” obscurece a verdadeira natureza da utilização da paisagem pelos povos do passado. Ele utiliza a seguinte analogia (Ebert 1992:245-246): O conceito de sítio sugere que o registro arqueológico é uma série de fotografias delimitadas do passado. Deste ponto de vista, cada sítio é uma foto separada no tempo. Do ponto de vista de Ebert, o registro arqueológico na verdade é uma única e prolongada fotografia de longa exposição, uma figura composta de imagens infinitamente sobrepostas. Algumas partes da imagem são mais brilhantes – essas seriam locais distintos de utilização mais intensiva (o que chamamos de sítios) – mas, de qualquer modo, a imagem é praticamente contínua e onipresente, e um foco nestes “pontos brilhantes” distorce nossa compreensão do padrão de utilização da terra.

A arqueologia “da paisagem” ou “distribucional” baseada no conceito de não-sítio tem se tornado popular na área da Grande Bacia norte-americana e no sudoeste dos Estados Unidos, assim como em partes da África. Isso é, muito provavelmente, resultado de fatores ambientais. Nessas áreas, o padrão de utilização da terra era disperso e contínuo, pois as feições da paisagem que atraíram os humanos tendiam a ser mais dispersas. Com menos sítios profundamente estratificados e maior proporção de sítios de superfície de diferentes épocas misturados ao longo da paisagem, fica claro o motivo dessa perspectiva ser útil nessas áreas geográficas.

Em outras regiões – o nordeste dos Estados Unidos, por exemplo – o registro arqueológico é mais aglomerado em “sítios” distintos, já que as feições da paisagem que

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foram utilizadas por humanos eram elas mesmas mais descontínuas ou mais aglomeradas, e diferentes épocas estão frequentemente separadas estratigraficamente. Porém, também nesses casos uma abordagem paisagística ou distribucional é de grande utilidade, pois revela mais da assinatura de paisagem de uma região, fornece uma amostra mais representativa de elementos da utilização da terra, e, consequentemente, uma visão mais clara do padrão completo do assentamento em vez de focar apenas na descoberta de locais arqueologicamente mais ricos (Dewar e McBride 1992; Feder e Banks 1996). Crumley et al. (1987) também aplicaram com grande sucesso uma abordagem paisagística na prospecção da região de Borgonha, na França.

Embora continuemos a usar o arraigado conceito de “sítio arqueológico” nessa obra, precisamos dizer que os arqueólogos que utilizam conceitos de paisagem ou distribucionais têm um importante ponto a ser considerado por todos os arqueólogos que realizam prospecções. Nosso foco não deveria ser a descoberta de sítios (no estrito sentido de localização de vilas), e sim a ampla questão de como os grupos humanos utilizavam a paisagem. Não devemos deixar que a aparente aglomeração de vestígios em alguns lugares definidos obscureça o fato de que as pessoas provavelmente percebiam e utilizavam suas regiões muito diversificadamente. Estratégias de prospecção projetadas para encontrar apenas grandes e densas acumulações de vestígios arqueológicos (i.e., sítios de vilas) podem fazer com que essas acumulações sejam a única coisa que encontremos, perdendo de vista, assim, elementos significantes do padrão de utilização da terra. Vilas densamente ocupadas, caso existam dentro de um padrão de uso da terra, são provavelmente apenas um elemento desse padrão. Devemos manter isto em mente ao desenvolver uma estratégia de prospecção para qualquer região; precisamos olhar intensivamente ao longo de toda a paisagem para decifrar a natureza do complexo padrão de utilização da terra pelos povos do passado (Dewar e McBride 1992).

Embora nossa esperança final possa ser criar uma assinatura da paisagem e reconstruir um padrão de assentamento, os objetivos imediatos de uma determinada prospecção dependerão de vários fatores. Algumas vezes, principalmente se os sítios ou paisagens estão em perigo devido ao desenvolvimento ou modificação da terra e se a área é pequena, o objetivo da prospecção pode ser descobrir todos os vestígios arqueológicos em um determinado local. Por exemplo, em uma prospecção realizada como parte de um projeto sobre impacto ambiental do governo dos EUA, a intenção era descobrir todos os sítios ou vestígios, pois eles estavam em risco de destruição devido a um projeto financiado pelo governo federal que envolvia a construção de estradas, controle de enchentes, diminuição da poluição, etc.

Freqüentemente, porém, devemos reconhecer que, devido às restrições físicas e de tempo, custos e limites de trabalho, é ilógico esperar descobrir todas as evidências arqueológicas de uma determinada região. As prospecções de sítios às vezes são projetadas pra localizar uma amostra representativa de materiais dentro dos limites da área de pesquisa. Assim, embora nem todos os sítios os vestígios sejam localizados, espera-se que a amostra dos que são reflita proporções representativas da população dessa região. Proporção neste caso significa as porcentagens relativas de sítios (definido como qualquer local utilizado por pessoas) de diferentes idades, tamanhos, funções, conjuntos de artefatos e localizações microambientais. Dentro da estrutura de uma prospecção conduzida não como resultado de um perigo imediato, e sim dentro de um contexto de planejamento a longo prazo, uma amostra representativa dos sítios pode ser suficiente. Por exemplo, uma prospecção financiada pelo Ministério de Assuntos Internos dos EUA através da Secretaria Estadual de Preservação Histórica no programa

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de Fundos de Prospecção e Planejamento pode envolver uma avaliação do potencial arqueológico de uma cidade, bacia hidrográfica ou floresta (Derry et al. 1985). Embora não haja perigo imediato de destruição de sítios, futuros planos de desenvolvimento podem levar em consideração uma avaliação geral do potencial arqueológico de uma área com base em uma amostra de sítios.

FASES DA PROSPECÇÃO

Seja qual for o objetivo específico de um projeto, a prospecção de sítios geralmente ocorre em duas fases: prospecção de reconhecimento e prospecção intensiva. O Ministério de Assuntos Internos dos EUA, que financia várias prospecções arqueológicas e estabeleceu as diretrizes e regras associadas a prospecções realizadas como resultado da legislação de proteção ambiental (Derry et al. 1985; King et al. 1977), define o objetivo de uma prospecção de reconhecimento:

fornecer uma impressão geral das propriedades históricas de uma área... ela deve tornar possível a identificação de propriedades óbvias ou bem-conhecidas, checar a existência e a condição de propriedades temporariamente identificadas ou cuja localização pode ser predita através de pesquisas de contextualização, identificar áreas onde certos tipos de propriedade são prováveis de ocorrer [36 CRF Parte 64].

Uma prospecção intensiva é definida pelo mesmo departamento como:

uma verificação de campo sistemática e detalhada... A superfície da terra de todos os distritos, sítios, estruturas e objetos de possível valor arqueológico são inspecionados... Investigações de sub-superfície são realizadas caso necessário [36 CRF Parte 64].

CONSIDERAÇÕES BÁSICAS NA PROSPECÇÃO DE SÍTIOS

De certo modo, tanto no reconhecimento arqueológico quanto na prospecção intensiva, não estamos buscando diretamente os sítios, e sim o que McManamon (1984a) chama de “constituintes” dos sítios: categorias de vestígios arqueológicos. Conforme enumerado por McManamon (1984a:228), elas incluem artefatos, feições ou instalações, horizontes de solo antrópico, anomalias químicas e anomalias instrumentais. Elas são discutidas na seqüência.

ArtefatosArtefatos são, simplesmente, objetos modificados por humanos. Na categoria

“artefato” incluímos ferramentas e os resíduos gerados durante sua confecção (Figura 01). Artefatos também podem ser caracterizados como sendo objetos portáteis, para distingui-los de fenômenos complexos e enormes como vestígios arquitetônicos. Além disso, vestígios de fauna e flora resultantes de atividade humana também podem ser classificados como artefatos em uma categoria separada e equivalente, chamada ecofatos (Binford 1964), embora alguns destes possam ser vestígios orgânicos que não apresentam evidências de modificação intencional. Assim, como os artefatos são elementos constituintes de sítios, uma das coisas que procuramos no processo de prospecção é, simplesmente, a presença de artefatos.

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Feições ou instalaçõesFeições ou instalações são geralmente definidas como concentrações de artefatos

e/ou resíduos orgânicos (ecofatos), assim como vestígios estruturados. Uma feição é considerada um reflexo arqueológico de alguma atividade ou conjunto de atividades: confecção de instrumentos de pedra, descarnadura, confecção de vasilhames cerâmicos, preparação de alimentos, enterramentos, trabalho em metal, entre outros. Feições geralmente consistem em conglomerados espacialmente definidos de artefatos e/ou ecofatos (Figura 02). Vestígios alimentares – que incluem materiais vegetais e animais, assim como carvão de fogueiras – e dejetos humanos podem ficar concentrados nas habitações humanas em locais definidos ou ao longo do piso de habitação do sítio. Essas concentrações podem resultar na formação de depósitos consolidados de lixo. Esse tipo de feição é chamado de área de descarte (Figura 03). Algumas feições podem aparecer no solo na forma de mounds ou depressões. Em alguns casos, indicadores vegetais podem estar presentes; a química do solo da matriz de uma feição pode ter sido alterada como resultado da concentração de substâncias químicas, causando uma anomalia no padrão de crescimento vegetal.

Horizontes de Solo AntrópicoComo conseqüência de atividades comuns, os seres humanos depositam restos

orgânicos no solo. Horizontes de solo antrópico (ou solos antropogênicos), então, são concentrações horizontalmente ou verticalmente circunscritas de vestígios orgânicos: conchas, ossos, madeira queimada, e outros vestígios vegetais ou animais.

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Anomalias QuímicasTambém em conseqüência de atividades comuns, os seres humanos podem mudar

a constituição química dos solos que são a base de suas habitações, criando anomalias químicas. Através do descarte de lixo, da fertilização artificial de lavouras, e da concentração de lixo orgânico como no caso dos horizontes de solo antrópico, os níveis de certas substâncias químicas (principalmente os compostos de fósforo e nitrogênio [Eidt 1973:206]) podem aumentar muito no solo de certos locais. Sob certas condições ambientais, essas substâncias não sofrem lixiviação e podem ser detectadas pelo arqueólogo que está procurando sítios (Cook e Heizer 1965; Eidt 1973, 1984; Hassan 1978).

Anomalias InstrumentaisAtividades humanas, como a escavação de poços ou trincheiras, a construção de

muros e a utilização de fogo podem resultar em pequenas anomalias na resistência do solo a uma corrente elétrica induzida (Carr 1982; Clark 1970) ou em variações nas características magnéticas do solo (Aitken 1970). Ambas são classificadas como anomalias instrumentais. Apesar de geralmente utilizadas no contexto de investigação intrasítio, a prospecção por resistência elétrica, magnetometria de prótons, e mesmo georadares podem ser usados em um programa de prospecção de sítios, conforme discutido mais tarde na seção “Metodologia de Campo” deste capítulo (Parrington 1983; Weymouth 1986).

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FATORES NO DESIGN DE PROSPECÇÃO

Então, um programa de prospecção de sítios arqueológicos envolve a busca pelos constituintes dos sítios: artefatos, feições, horizontes de solo antrópico, anomalias químicas e anomalias instrumentais. Ao projetar um programa de prospecção para detectar a presença destes constituintes, pelo menos três fatores devem ser levados em consideração: ambientais, culturais e práticos. Schiffer et al. (1978) chamam estes fatores, respectivamente, de: visibilidade, “destacabilidade” e acessibilidade.

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VisibilidadeA visibilidade dos vestígios arqueológicos pode ser definida como “o quanto um

observador pode detectar a presença de materiais arqueológicos em um determinado lugar ou abaixo dele” (Schiffer et al. 1978:6). A visibilidade é, em grande parte, um fator do ambiente local. Áreas com pouca ou nenhuma vegetação, deposição geológica mínima, ou altas taxas de erosão apresentam ao arqueólogo um ambiente com alta visibilidade. Os materiais arqueológicos, caso presentes, serão facilmente visíveis na superfície e não estarão escondidos pela vegetação, cobertura de folhas ou depósito de solos. Por outro lado, áreas com crescimento vegetal significante, taxas de deposição geológica relativamente altas e erosão mínima apresentarão ao arqueólogo um ambiente com baixa visibilidade. Os materiais arqueológicos podem estar enterrados abaixo de vários metros de depósitos geológicos, ou podem estar escondidos por pequenos arbustos ou cobertura vegetal. Os sítios podem estar cobertos devido à atividade vulcânica, pelos depósitos de um rio (alúvio), pelos depósitos de um lago (lacustres), por materiais erodidos de áreas mais altas (colúvio), por sedimentos carregados pelo vento (eólicos), ou pela elevação do nível do mar.

Um espaço sem árvores permite alta visibilidade dos vestígios de superfície. Por outro lado, uma floresta tropical onde os transects geralmente são cortados com facões através da densa vegetação pode tornar praticamente invisíveis os vestígios materiais de superfície que geralmente seriam óbvios, mesmo que os pesquisadores estejam bem em cima deles. Ambientes com diferentes graus de visibilidade apresentam ao arqueólogo diferentes desafios, e as estratégias para detecção de sítios deverão variar imensamente.

“Destacabilidade”A destacabilidade dos constituintes de um sítio arqueológico pode ser definida

como a “visibilidade” arqueológica ou cultural dos materiais produzidos por uma sociedade. O “limiar da visibilidade arqueológica” de Deetz (1968:285) é o equivalente da destacabilidade de Schiffer et al. (1978). Colocando de outro jeito, destacabilidade é a facilidade com a qual os materiais produzidos por uma cultural podem ser percebidos pelos arqueólogos. Os fatores que contribuem para a destacabilidade de uma determinada manifestação arqueológica incluem a presença ou ausência de arquitetura, durabilidade dos materiais utilizados na construção e na manufatura de ferramentas, grau de sedentarismo e densidade populacional.

Geralmente, as culturas que produzem edifícios arquitetônicos com materiais duráveis criam sítios arqueológicos de maior destaque do que aquelas que não constroem ou que o fazem com materiais não duráveis. De modo similar, as culturas que produzem monumentos como pirâmides, zigurates ou monumentos megalíticos resultam em sítios que são de mais destaque do que os sítios das culturas que não os produzem.

Além disso, outros fatores culturais podem ter um grande impacto sobre a destacabilidade de um sítio. Por exemplo, o grau de sedentarismo de um determinado grupo pode ter um efeito. A ocupação de um assentamento por um período muito curto, geralmente resulta em uma distribuição mais esparsa de artefatos, enquanto a ocupação de assentamentos por longos períodos geralmente produz uma acumulação mais densa de materiais arqueológicos. Obviamente, uma concentração mais densa de artefatos é mais chamativa do que uma distribuição esparsa. De modo similar, uma grande população provavelmente produzirá um depósito arqueológico maior do um grupo pequeno. Um depósito maior será mais chamativo e, assim, mais fácil de se detectar.

Há, é claro, uma interação entre as variáveis de grau de sedentarismo e tamanho da população em termos de destacabilidade dos vestígios arqueológicos produzidos.

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Uma população grande e permanente irá quase que certamente produzir um sítio com alta visibilidade arqueológica, ao contrário de um grupo pequeno e nômade. Por outro lado, mesmo um grupo presente apenas por um período de tempo muito curto, mas composto por uma grande população, pode produzir um sítio arqueológico de alta destacabilidade. Por exemplo, o Parque Nacional Little Big Horn, em Montana, campo de batalha onde Custer e seus homens foram derrotados por uma enorme força de indígenas Sioux é um sítio arqueológico histórico de alta destacabilidade, apesar de sua utilização ter se dado por pouco tempo (Scott et al. 1989). A batalha foi breve, mas envolveu milhares de indivíduos.

Além disso, devemos acrescentar que os fatores de visibilidade e destacabilidade são interativos (Figura 04). Deste modo, uma população sedentária e substancial, envolvida em projetos arquitetônicos de grande escala feitos com materiais duráveis em uma área sem vegetação densa e com processos de deposição geológica geralmente lentos – como foi o caso, por exemplo, em muitas áreas do antigo Egito ou do sudoeste americano – produzirá sítios altamente visíveis e de alta destacabilidade (Figura 05a). Em comparação, bandos nômades pequenos que construíam abrigos temporários com materiais de pouca duração em áreas onde os processos de deposição geológica são rápidos e a vegetação é densa – como foi o caso, por exemplo, da ocupação pré-histórica da Nova Inglaterra – irão produzir sítios que são tanto de baixa visibilidade quanto de baixa destacabilidade (Figura 05b).

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Em outros lugares, populações grandes e densas construíram monumentos em materiais bastante duráveis, porém em áreas de densa vegetação. Por exemplo, um grupo como os pré-históricos maias da Mesoamérica, que produziram sítios arqueológicos de destaque em áreas de visibilidade muito baixa (Figura 06). Por outro lado, pequenos bandos nômades como os Shoshone da Grande Bacia e os antigos caçadores-coletores de algumas partes do Texas produziram sítios de baixa destacabilidade, porém estes são altamente visíveis pois o ambiente em que se

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encontram tende a não esconder nem os sítios mais antigos ou porque a erosão expôs seus vestígios (P. A. Thomas 1978).

Também deve ser considerado que haverá variabilidade dentro do padrão de assentamento de um grupo em termos de visibilidade e destacabilidade dos vestígios. O fato de que alguns sítios dentro de um padrão de assentamento estão em áreas altamente visíveis e possuem ao mesmo tempo alta destacabilidade não garante que todos os elementos do padrão de uso da terra estarão na mesma situação. Em outras palavras, sítios de diferentes funções dentro da mesma cultura arqueológica podem variar em questão de visibilidade e destaque. Uma sociedade estatal complexa pode produzir grandes sítios urbanos em áreas planas e abertas onde a visibilidade é alta. Tamanho, densidade e durabilidade dos vestígios estruturais irão provavelmente fazer com que estes sítios sejam de alta destacabilidade. Por outro lado, essas mesmas pessoas podem utilizar outras áreas de seu reino para caça ou atividades cerimoniais. Os sítios resultantes dessas atividades podem estar localizados em áreas de baixa visibilidade arqueológica, e as pequenas aglomerações de artefatos criadas por estas atividades podem fazer com que a destacabilidade desses sítios seja bastante baixa. Negligenciar a busca por estes sítios que são mais difíceis de encontrar produzirá uma figura incompleta dos padrões de utilização da terra por este grupo arqueológico.

Deve estar claro que as estratégias de prospecção arqueológica devem levar os fatores de visibilidade e destacabilidade – e sua complexa interação – em conta. A abordagem utilizada para encontrar sítios irá variar dependendo destes fatores principais (McManamon 1984a).

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AcessibilidadeO último fator a ser considerado aqui é a acessibilidade, uma consideração

puramente prática. Schiffer et al. (1978) incluem sob essa categoria o esforço necessário para chegar a uma determinada área de prospecção, o clima e como ele pode influenciar a eficiência de uma equipe de prospecção, o terreno, a biota do ambiente (a presença de animais ou insetos perigosos), a presença ou ausência de estradas, conflitos políticos e padrões de propriedade de terras.

Apesar de sua natureza prática, considerações sobre a acessibilidade de uma área não são de modo algum insignificantes. A prospecção de sítios arqueológicos no selvagem Alasca é bem diferente da prospecção em um ambiente urbano. A eficiência da equipe de prospecção é invariavelmente um fator de temperatura e umidade, enquanto a segurança e saúde da equipe podem ser afetadas por diversos fatores. Em algumas regiões do mundo, a presença de grupos terroristas, cartéis de drogas, e mesmo comerciantes ilegais de antiguidades podem tornar a prospecção arqueológica bastante perigosa. Por fim, a prospecção de sítios pode ser fácil em áreas onde a posse da terra está nas mãos de um governo que apóia a pesquisa, mas pode ser muito difícil em locais onde as propriedades são pequenas e estão em posse de vários donos diferentes, alguns dos quais, por qualquer razão, não querem arqueólogos conduzindo pesquisas em suas terras.

Além disso, podemos adicionar aqui uma subcategoria chamada “acessibilidade da pesquisa”. Nos EUA, muitas prospecções arqueológicas são conduzidas através do gerenciamento de recursos culturais. Assim sendo, o financiamento da prospecção resulta de regulamentações federais ou estaduais que requerem que os recursos arqueológicos sejam considerados na preparação de estudos de impacto ambiental. Uma prospecção pode ser financiada para determinar os potenciais impactos nos sítios arqueológicos durante a construção de estradas, instalação de encanamentos de esgoto, operações de cascalhamento, ou projetos de controle de enchentes. Em tais casos, os limites geográficos de um dado projeto de pesquisa arqueológica podem ser delimitados não com base em considerações ecológicas ou antropológicas, e sim serem ditados pelo contrato com base na delineação da zona de impacto. Raramente o espaçamento de uma rodovia irá corresponder a alguma área de pesquisa teoricamente justificável. As zonas que desejamos testar podem não estar inclusas nos limites do projeto. Em tais casos, freqüentemente não temos outra opção a não ser esperar por outra oportunidade e fundos adicionais que permitam a acessibilidade da pesquisa em áreas que estão além dos limites ditados pelo contrato do nosso universo de pesquisa.

PESQUISAS DE CONTEXTUALIZAÇÃO

Dentro do contexto da visibilidade dos vestígios arqueológicos em uma determinada área, a destacabilidade destes vestígios e sua acessibilidade, o arqueólogo desenvolve um design de prospecção. Conforme dito anteriormente, o primeiro passo envolve uma prospecção de reconhecimento. Dincauze (1978) enfatiza a importância dos estudos de contextualização, incluindo a identificação de informantes locais, e fatores ambientais, incluindo os embasamentos rochosos e a geologia superficial (geomorfologia), como variáveis no design de uma prospecção. Ao planejar uma prospecção, há muitas questões a serem perguntadas: Como selecionar uma área para investigação? Como podemos dividir a região antes de começar o trabalho de campo? Em que áreas seria melhor concentrarmos nossas energias? Como podemos diferenciar sítios com base na sua localização em relação às características do ambiente local?

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Prospecções começam não com pás e colheres de pedreiro, e sim com mapas, canetas e papel.

Revisão BibliográficaAo iniciar um programa de prospecção, é sábio averiguar o que já é conhecido

sobre a área antes de implementar a metodologia de campo. Certamente, uma leitura compenetrada da literatura arqueológica da área pode permitir a identificação de sítios já descobertos e investigados. Várias universidades, museus, e, nos EUA, Secretarias Estaduais de Preservação Histórica e os Escritórios de Arqueólogos do Estado geralmente possuem grandes bancos de dados com informações coletadas através de prospecções regionais, projetos de gerenciamento de recursos culturais, e contato com arqueólogos amadores e outros informantes locais.

Informantes LocaisAlém disso, em várias partes do muno há um corpo local de conhecimento sobre

vestígios arqueológicos – uma espécie de arqueologia do povo – que está freqüentemente, embora nem sempre, disponível ao pesquisador arqueológico. Em várias partes dos Estados Unidos, por exemplo, há pequenos porém dedicados grupos de arqueólogos amadores que conhecem a localização de sítios. Sullivan (1980:185-238) e Folsom e Folsom (1993:373-383) fornecem listas de grupos arqueológicos amadores nos Estados Unidos e Canadá, muitos dos quais publicam boletins detalhando investigações arqueológicas. Sérios o suficiente com relação à arqueologia para se unir a um grupo e participar de suas atividades, a maioria dos membros de sociedades amadoras de arqueologia estão mais do que dispostos a dividir suas informações com arqueólogos profissionais. Alguns destes amadores têm coletado artefatos e informações por diversos anos e têm enormes bancos de dados sobre a localização de sítios – geralmente, eles são mais entendidos sobre uma determinada área local do que um arqueólogo treinado. Suas informações são geralmente bastante úteis e precisas; por exemplo, Barber e Casjens (1978) conseguiram verificar em campo 85% dos sítios indicados a eles por arqueólogos amadores durante um projeto de prospecção em Massachussetts. Deve ser dito que, pelo menos até muito recentemente, uma grande parte dos sítios conhecidos pelos arqueólogos profissionais nos Estados Unidos haviam sido informados primeiramente por amadores.

Outra categoria de informantes locais tem sido chamada de “arqueólogos por acidente” (Feder e Park 1993:131). Essas pessoas não são arqueólogos de verdade e não têm interesse em arqueologia, mas, apesar de não procurarem ativamente por sítios arqueológicos, encontraram vestígios acidentalmente. Em lugares onde sítios estão em áreas de alta visibilidade, proprietários de terras, caminhantes, geólogos de campo, entre outros, podem encontrar vestígios em superfície. Em áreas com menor visibilidade como resultado de deposição geológica, pessoas que costumam mexer com grandes quantidades de terra como parte de suas ocupações podem expor materiais arqueológicos: exemplos incluem fazendeiro arando suas terras, trabalhadores de construções escavando para fazer uma fundação, e trabalhadores de companhias de água colocando canos.

Em várias partes dos Estados Unidos, assim como em outros países, é extremamente válido tentar contatar arqueólogos amadores assim como os que possam ter encontrado materiais arqueológicos por acidente. Em áreas onde há população humana substancial e atividades que envolvem mexer em quantidades substanciais de

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solo, é comum que haja residentes que encontraram artefatos, mas não estão cientes de quem pode estar interessado em suas informações ou a quem contatar.

Entrar em contato com residentes locais para que eles saibam com quem falar sobre artefatos arqueológicos descobertos em suas propriedades pode ser um importante passo preliminar em um programa de prospecção. Por exemplo, no Projeto Arqueológico Farmington River em Connecticut (Feder 1981) nós tornamos uma prática comum o hábito de enviar questionários a fazendeiros locais que tinham posse de uma quantidade significante de acres, perguntando se eles tinham encontrado vestígios arqueológicos enquanto aravam seus campos. Embora vários donos de terra não tenham conhecimento sobre vestígios arqueológicos, a porcentagem deles que respondeu positivamente fez com que o esforço fosse mais do que válido. No relatório sobre sua pesquisa em Connecticut, McBride (1984:58) sugere que sejam contatados uma amostra de 10% de todos os residentes da cidade; entrevistas pessoais também podem ser úteis na obtenção de informações e, mais importante, para ganhar a confiança dos proprietários de terra locais.

Claramente, esse passo da prospecção arqueológica não pode e não precisa ser aplicado em todos os lugares. Em áreas praticamente inabitadas – por exemplo, em florestas nacionais nos Estados Unidos – guardas florestais podem ser excelentes fontes de informação, tendo caminhado por grande parte das áreas sob seus cuidados, mas as densidades populacionais são geralmente baixas demais para fazer com que um questionário enviado pelo correio seja efetivo. Por outro lado, em uma recente prospecção conduzida pelo autor (Feder e Banks 1996), um questionário enviado aos residentes da periferia de uma área de reserva animal de 3.500 acres em Connecticut resultou em informações valiosas sobre os sítios pré-históricos da reserva, portanto essas pesquisas não devem ser desconsideradas. O potencial das pesquisas por questionário simplesmente deve ser avaliado caso a caso.

Estar disponível para sociedades históricas locais, grupos escolares, organizações de terceira idade, grupos de escoteiros, grupos de bibliotecas, entre outros, pode ajudar a estabelecer contato com pessoas locais de conhecimento que freqüentemente estão mais do que interessantes em dividir informações. Obviamente, quando tais sociedades não existem, esse tipo de alcance se torna bem mais difícil. Em diversas partes do mundo, esse tipo de trabalho é difícil de se realizar; podem não existir listas telefônicas ou mesmo poucos telefones; e serviços de correspondência variam de pobre a inexistente. Isso pode tornar esse tipo de contato pessoal e direto, que funciona tão bem em algumas partes do mundo, extremamente problemático quando não impossível. De todo modo, quando possível, contatar pessoas do local com um alto potencial de terem encontrado vestígios nos permite resgatar informações que poderiam, de outro modo, ser perdidas.

Embora as informações fornecidas por arqueólogos amadores ou “por acidente” não preencham o requerimento de representatividade, elas podem ser valiosas ao prover uma base de dados sobre os tipos de vestígios que podemos esperar encontrar em uma área a ser sistematicamente prospectada.

História e EtnohistóriaEm algumas áreas, fontes históricas e/ou etnohistóricas podem fornecem

importantes informações sobre a localização de sítios. No Farmington Valley, em Connecticut, por exemplo, há uma série de documentos relacionados à transferência de terras dos Tunxis, o grupo indígena local, aos residentes ingleses do vale no século XVII (Feder 1983). Esses tratados, assinados pelos indígenas residentes e pelos imigrantes ingleses, detalham os limites das propriedades e incluem informações sobre a

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localização de vilas indígenas deste mesmo século. Seguindo as descrições do tratado sobre uma vila Tunxis em um lugar chamado Indian Neck e nos referindo aos mapas históricos da área, fomos capazes de isolar a localização mais provável da vila e verificar sua existência através da pesquisa de campo.

A pesquisa etnohistórica, além de fornecer a localização específica de sítios, também funciona como uma valiosa fonte de informações gerais sobre padrões de assentamento dos aborígenes. Assim sendo, embora nem sempre contenham dados específicos sobre a localização de sítios, a etnohistória pode prover informações sobre os modos como um grupo histórico utilizava sua paisagem – em outras palavras, seu padrão de assentamento (Thomas 1973). Esse conhecimento pode ser usado ao decidir como e onde se focar no trabalho de campo.

Variáveis AmbientaisSchiffer et al. (1978:5) listam algumas das considerações ambientais que

certamente afetam os padrões de uso da terra: a presença de água, lenha, pedras lascáveis, materiais de construção, minerais, e metais nativos, assim como a suavidade do relevo. A estes podem ser adicionados os fatores de fertilidade do solo, defensibilidade e facilidade de transporte e comércio.

Conforme disse Dincauze (1978:54), referente às informações de contextualização ambiental, nós estamos interessados no “que... os dados significam em termos de recursos disponíveis para as populações humanas de uma determinada área.” Ao selecionar uma área para análise, decidir como dividir a área em unidades gerenciáveis para a fase intensiva do estudo, assim como ao tentar entender porque esses sítios estão localizados onde estão, nós precisamos considerar o conjunto de variáveis ambientais que teria tornado uma área atrativa para assentamento ou exploração humana. Embora alguns fatores sejam comuns a todos os grupos humanos, deve ser notado que a significância de vários aspectos do ambiente varia com diferentes grupos humanos e suas diversas adaptações.

Certamente, áreas diferentes dentro de uma região fornecem, em diferentes graus, água, combustível, recursos alimentares, e as matérias-primas necessárias para a construção de abrigos, assim como as ferramentas necessárias para extrair meios de sobrevivência do ambiente. Do mesmo modo, os padrões de uso da terra são, pelo menos em parte, baseados em tais considerações práticas sobre o quão longe está a água fresca, o quão abundante é a base local de plantas e animais, o quão próximos estão os materiais de construção, aonde recursos líticos/argila/metal/madeira podem ser encontrados, o quão abundante é o combustível para aquecimento ou para preparação de alimentos (madeira normal), o quão inclinada é a vertente da área imediata, e outros fatores semelhantes.

Por exemplo, nenhum grupo humano escolheria viver em uma área onde água, combustível, alimentos ou abrigos não estão disponíveis ou não podem tornar-se disponíveis conforme o nível de tecnologia da cultura – especificamente, sua habilidade para mover recursos das áreas onde estes são abundantes para as áreas onde não são encontrados. Em um estudo, por exemplo, de uma amostra de 133 sítios na Carolina do Norte, Robertson e Robertson (1978:30) mostraram que 88% dos sítios estavam a até 60 metros de uma fonte de água fresca.

Em alguns casos, um único fator ambiental pode ser a determinante decisiva na localização de sítios. Nós sabemos, por exemplo, que até recentemente, entre os modernos !Kung San do Deserto Kalahari no sul da África, o fator único de

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disponibilidade de água fresca na forma de fontes permanentes controlava a localização das vilas (Lee 1984). Em outras áreas, uma interação de variáveis em vez de uma única determinante pode ser a chave para localização de sítios. Por exemplo, dos 133 sítios do estudo da Carolina do Norte mencionado acima, 81,4% não estavam apenas a 60 metros de uma fonte de água fresca (e menos de 30m acima dela), mas também estavam situados em um terreno cuja inclinação não excedia o ângulo de 15º (Robertson e Robertson 1978:34-35).

De grande utilidade aos arqueólogos dos EUA ao verificar o ambiente local são os mapas da Prospecção Geológica dos Estados Unidos (USGS) de 7,5 minutos e escala de 1:24.000. Esses mapas mostram a drenagem dos cursos d’água, topografia e feições culturais modernas. A USGS também produz mapas quadrangulares de depósitos superficiais e geologia de embasamentos. Outros mapas de agências ambientais, departamentos de transporte e agências de recursos naturais estão disponíveis a nível estadual. Embora um pouco desatualizado, O Catálogo de Mapas de Makower e Bergheim (1990) fornece uma valiosa listagem da disponibilidade de mapas. O livro também contém uma série de apêndices com endereços de agências federais e estaduais dos EUA, assim como uma curta listagem de fontes internacionais de mapas.

Além disso, vários estados dos EUA possuem cobertura completa por fotografia aérea, geralmente em uma escala de 1 polegada para 1.000 pés (≈ 2,5:300m). Freqüentemente, fotografias áreas podem ser examinadas em bibliotecas estaduais ou agências ambientais. Mapas e fotografias aéreas permitem que o arqueólogo examine a área de pesquisa como um todo e podem ser extremamente úteis para o design da fase intensiva da pesquisa. Conforme Lyons e Scovill (1978:9) apontam, fotografias aéreas podem fornecer dados de contextualização importantes para uma prospecção regional, como as zonas de cobertura vegetal, regiões fisiográficas e mudanças bruscas no solo ao longo da região sendo estudada. Utilizando fotografias aéreas, os arqueólogos podem focar em áreas onde é mais provável que sítios estejam localizados, com base nas condições ambientais reveladas por estas imagens e em trabalhos arqueológicos previamente realizados na área. Diversas fotografias aéreas estão disponíveis tanto a nível federal quanto estadual nos EUA. O nível de mapeamento aéreo, porém, varia enormemente de país para país.

Ao decidir as áreas nas quais serão procurados os vestígios arqueológicos, porém, não podemos presumir que os grupos humanos fixaram assentamento ou utilizaram como parte do seu padrão de uso da terra apenas as áreas que parecem óbvias do ponto de vista moderno, prático ou econômico. Nem toda atividade humana é economicamente dirigida ou baseada na praticidade. Por exemplo, Dincauze (1968) mostrou que a localização de uma categoria de sítios em Massachussetts, funerais de cremação que datam de cerca de 5.000 a 3.000 anos atrás estão às vezes localizados em áreas completamente inadequadas para habitação humana ou exploração econômica. Alguns sítios funerários aparentam ter sido escolhidos exatamente pela sua isolação e falta de atrativos para habitação.

Outra consideração trata de mudanças ambientais de curto e longo prazo. Rios mudam de cursos, fontes secam, pedreiras esgotam, a elevação do nível do mar aumenta e diminui. Áreas adequadas para habitação hoje podem não ter sido sempre assim, e áreas que dificilmente atrairiam assentamentos humanos hoje podem ter sido muito mais atrativas no passado.

Ao projetar uma estratégia de pesquisa, é importante considerar o padrão espacial dos recursos que poderiam ter afetado as decisões de um determinado grupo com

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relação a uso da terra e padrões de assentamento. É igualmente importante lembrar, porém, que as pessoas não tomam decisões mecânicas com relação à utilização da terra com base em rígidas considerações econômicas – e que as estratégias de prospecção não devem ser baseadas em uma suposição tão falha como essa.

MÉTODOS DE CAMPO NA PROSPECÇÃO DE SÍTIOS

Mantendo em mente nossa discussão sobre visibilidade, destacabilidade e acessibilidade, assim como os tipos de informações contextuais disponíveis para uma área, podemos agora discutir a metodologia de campo de uma prospecção intensiva, incluindo a prospecção a pé, prospecção de sub-superfície, prospecção química, sensoriamento remoto através da prospecção por anomalias instrumentais e prospecção aérea. A utilidade de cada uma dessas técnicas em determinada situação é um reflexo da visibilidade e destacabilidade dos sítios.

Prospecção a péA prospecção a pé ou pedestre envolve, muito simplesmente, caminhar sobre a

superfície de uma região e inspecionar visualmente essa superfície procurando por constituintes de sítios arqueológicos. Geralmente, feições e vestígios arquitetônicos são registrados e artefatos são recolhidos, embora alguns sugiram que se deixe os artefatos no local, pelo menos durante a fase de prospecção inicial da pesquisa (Davis 1978). Porém, esta prática é problemática, pois se sabe que colecionadores às vezes seguem os arqueólogos até uma área para coletar os artefatos que foram registrados e deixados no local.

Evidentemente, a prospecção a pé é mais efetiva nas áreas onde a visibilidade é alta. Onde os processos geomorfológicos não agiram para encobrir os vestígios de superfície, onde tais processos agiram na exposição de vestígios enterrados e onde a vegetação é esparsa, os sítios arqueológicos freqüentemente podem ser detectados através da simples inspeção visual.

Mesmo em áreas onde a visibilidade não é excelente, se os vestígios são de alta destacabilidade, a prospecção a pé pode ser um jeito muito efetivo de localizar vestígios de superfície óbvios. Além disso, em áreas onde a visibilidade é baixa e a destacabilidade dos vestígios também, padrões de vegetação que são causados por variações na química dos solos resultantes de solos antrópicos enterrados ou por anomalias químicas culturalmente produzidas podem ser discernidos.

Em prospecções a pé, freqüentemente os membros de uma equipe irão se organizar no que é chamado de transect (uma unidade de prospecção linear) ao longo da paisagem e simplesmente caminhar sobre a região a ser investigada (Figura 07). Em alguns casos, a área a ser prospectada é dividida em seções através do uso de grids, e os pesquisadores são designados a uma dessas determinadas seções, nas quais eles deverão caminhar em busca de vestígios superficiais. Não há um padrão para a intensidade de prospecções a pé, desse modo, não há uma regra universal sobre qual deve ser o espaçamento entre os investigadores. Em locais onde vestígios arquitetônicos estão presentes em uma área com alta visibilidade ambiental, o espaçamento pode ser grande, com poucos riscos de se perder indicadores de sítios. Por outro lado, conforme a distância entre os pesquisadores aumenta, também aumenta a possibilidade de se perder vestígios arqueológicos visíveis, mas de pouco destaque – por exemplo, uma pequena aglomeração lítica de superfície. Schiffer et al. (1978:13) sugerem que em locais onde os vestígios possuem alta destacabilidade em áreas de alta visibilidade, os

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investigadores podem ficar a até 100m de distância uns dos outros, enquanto mesmo em áreas de alta visibilidade, o espaçamento às vezes deva ser de apenas 2m para detectar toda a população de sítios de baixo destaque. De acordo com Chartkoff e Chartkoff (1980:65), o Serviço Florestal da Califórnia sugere 10m como a distância preferida entre membros de uma prospecção a pé. Lightfoot (1986) utilizou intervalos de 10m entre os pesquisadores em uma prospecção a pé que ele realizou em Pinedale, Arizona. Derry et al. (1985:39), em uma publicação do Serviço Nacional de Parques, sugerem um espaçamento entre 5m e 15m.

Conforme Chartkoff e Childress (1966) apontam, o espaçamento entre os investigadores tem um grande impacto não apenas na descoberta de sítios, mas também no custo da prospecção. Eles calculam o custo em tempo para uma prospecção a pé onde os membros da equipe estão dispostos a intervalos de 20 pés (≈6m) de 132 pessoas-hora por milha quadrada (≈2,59km²). Em outro estudo realizado na Califórnia, Chartkoff e Chartkoff (1980:66) calculam o custo em tempo para prospectar uma área de uma milha quadrada na qual os membros estão a intervalos de 200 pés (≈60m) como sendo de 9 pessoas-hora.

A prospecção a pé também pode ser altamente efetiva em áreas onde há grandes erosões. Mesmo em áreas onde a visibilidade geral é baixa, sítios de baixo destaque podem se tornar visíveis e detectáveis através do caminhamento da superfície quando uma erosão expôs estratos antigos. Por exemplo, embora os vestígios da maioria dos hominídeos pré-históricos extintos estejam cobertos por vários metros de deposição geológica, as evidências iniciais de sua presença geralmente são descobertas através da prospecção a pé. Trabalhando na região de Afar na Etiópia, por exemplo, o paleoantropólogo Donald Johanson e seu time descobriram os vestígios do fóssil de 3,18 milhões de anos chamado Lucy – agora classificado como Australopithecus afarensis – através desse tipo de prospecção (Johanson e Edey 1981). Ao selecionar conscientemente áreas como a região de Afar e Olduvai George, onde a erosão expôs sedimentos antigos, os paleoantropólogos se aproveitam das “escavações” naturais em suas buscas por sítios. Os rios cortando canais, o vento movendo sedimento, as ondas erodindo depósitos marinhos, e entre outros, podem expor antigas superfícies e estratos.

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Até mesmo animais que cavam, como esquilos, texugos e tatus podem trazer à superfície objetos arqueológicos, onde eles podem ser identificados através da prospecção a pé. Isso é comum, por exemplo, nas regiões arenosas do Texas (Fox e Hester 1976). Um sítio em Connecticut, Woodchuck Knoll (Colina da Marmota), foi nomeado em referência ao mamífero em cuja toca artefatos foram inicialmente descobertos. A pastagem do gado é outro processo através do qual animais podem expor sítios escavados.

Os seres humanos também movem uma boa quantidade de terra, expondo camadas de solo enterradas e trazendo à tona material antigo (Mallouf 1987). O simples ato de arar pode expor vestígios arqueológicos. McManamon (1984a) sugere que caminhar em campos arados ainda é a técnica mais comum de prospecção de sítios no meio-oeste americano. A capacidade do arado de trazer à superfície artefatos que estão ao alcance de suas lâminas é uma das razões pelas quais fazendeiros geralmente são fontes tão valiosas de informações sobre a localização de sítios, conforme mencionado anteriormente. Os arqueólogos, tanto profissionais quanto amadores, se aproveitam disto e freqüentemente caminham em campos arados, procurando nos montes de solos remexidos por indicadores de sítios. Em alguns casos, o tipo de artefato e sua localização são registrados e os espécimes são deixados no local para uma análise subseqüente mais detalhada. Freqüentemente nos contextos perturbados de um campo arado, artefatos são recolhidos e ensacados, e feições e horizontes de solos antrópicos são registrados. A coleta de superfície de campos arados é mais efetiva para a descoberta de sítios após uma chuva, que tende a limpar o pó dos artefatos, fazendo com que estes fiquem facilmente visíveis em contraste com o solo molhado e escuro.

Caminhar por campos arados é uma prática tão comum para encontrar vestígios arqueológicos em áreas onde a visibilidade é baixa, que alguns arqueólogos tentaram arar áreas não-aradas especificamente para procurar por sítios (Trubowitz 1976, 1981). Outras técnicas usadas para aumentar a visibilidade dos vestígios arqueológicos incluem o ato de varrer, abrir clareiras em florestas e remover o solo com equipamentos pesados. Geralmente, porém, os arqueólogos precisam escavar para encontrá-los.

Prospecção de Sub-superfícieEm locais onde a visibilidade é baixa, especialmente como resultado de processos

geomórficos de deposição superficial relativamente rápidos, e onde a destacabilidade dos sítios também é baixa, uma abordagem com testes de sub-superfície quase sempre é necessária para a descoberta de vestígios arqueológicos enterrados (Feder 1990b; Kintigh 1988; Krakker et al. 1983; Lightfoot 1986; Lovis 1976; McBride 1984; McManamon 1984a, 1984b; Nance e Ball 1986). Testes de sub-superfície envolvem, de um jeito ou de outro, cavar buracos, trazendo a terra à superfície e procurando nela por constituintes visíveis de sítios arqueológicos (artefatos, ecofatos, feições, horizontes de solo antrópico).

Há diversos métodos para cavar buracos e trazer o solo à tona: amostradores, trados manuais, trados mecânicos (Assad e Potter 1979), bocas-de-lobo, e a abertura de trincheiras com o auxílio de máquinas. Quando foram comparados em termos de sua utilidade na localização de sítios arqueológicos, os poços teste invariavelmente se mostraram como sendo a técnica mais efetiva – e mais cara – disponível (Casjens et al. 1980; Chartkoff 1978; McManamon 1981a, 1981b, 1984a, 1984b, embora eles claramente tenham seus opositores [Shott 1989]).

Poços teste geralmente têm entre 25cm e 100cm de lado, embora 50cm pareça ser a medida mais comum (McManamon 1984a). Quanto maior o poço, mais fácil se torna

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a análise da estratigrafia e a procura por horizontes de solo antrópico. Os poços são cavados com colheres de pedreiro, com o solo seco sendo inspecionado com o uso de peneiras de tela de aproximadamente 6mm a 3mm.

Assim como não há padrão para a distância entre os membros de uma equipe na prospecção a pé, os padrões da abertura de poços testes também variam enormemente (Figura 08). Em uma prospecção das florestas altas no oeste de Connecticut, Feder (1988) abriu poços teste em intervalos de 25m. McBride (1984) inicialmente utilizou um intervalo de 20m no Vale do Baixo Rio Connecticut e depois diminui essa distância; e na Ilha Shelter, em Nova Iorque, Lightfoot (1986) escavou com intervalos de 10m. Poços teste geralmente são abertos em transects de linha reta, embora outros padrões já tenham sido utilizados; Kintigh (1988) sugere que poços teste abertos de modo a formar um padrão hexagonal são efetivos. Novamente, não há um método que é o melhor sob qualquer circunstância. Diversos fatores – incluindo a profundidade do material, o terreno circundante, o tipo de solo, as verbas disponíveis e os objetivos do projeto – devem ser levados em consideração.

Quando um sítio é descoberto através da abertura de poços teste, ele é marcado – com fitas de sinalização em áreas de florestas e pinos em outros lugares – e poços adicionais podem ser escavados para determinar o tamanho do sítio, seus limites, e padrões gerais de distribuição de artefatos ou feições (Chartkoff 1978). Freqüentemente neste processo, outros poços são escavados em diversas direções a partir do poço teste no qual o material arqueológico foi inicialmente encontrado. Eles costumam ser abertos a uma distância menor, de cerca de 3m a 5m um do outro (Chartkoff 1978:51), ou menos (McBride 1984). A abertura de trincheiras com maquinaria também é útil para determinar a extensão de um sítio em algumas áreas (Anyon e LeBlanc 1984; Frison e Todd 1986; Waters 1986). Com a utilização de poços teste, trados mecânicos e trincheiras abertas com maquinaria, a extensão espacial do sítio pode ser determinada, feições podem ser localizadas e a estratigrafia examinada.

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Em outra abordagem para testar os parâmetros espaciais de um sítio, Hoffman (1990) mostrou que o uso de amostradores a curtos intervalos pode ser útil na determinação das dimensões de um sítio e da intensidade de sua utilização. Ele fez amostras de solo de pequeno diâmetro (≈2cm) com menos de 2m de distância umas das outras em sítios já descobertos, e encontrou uma relação próxima entre a presença de mancha de solos nas amostras e feições arqueológicas. Embora esse pareça ser um método efetivo, relativamente rápido e de baixo custo para examinar a distribuição de solos antrópicos dentro dos limites dos sítios, Hoffman admite que ele não é apropriado para a localização de sítios em uma prospecção regional: os amostradores precisam ser espaçados a curta distância uns dos outros, e a simples existência de manchas de solo não é suficiente para determinar a presença ou ausência de um sítio.

Também é comum que a região sendo prospectada seja segmentada de acordo com as características do ambiente local identificadas na fase de reconhecimento do estudo. Na prospecção mencionada anteriormente, Feder (1988) dividiu sua região em grandes planícies de inundação de rios, pequenos terraços de córregos, áreas com significante exposição de embasamento rochoso e planaltos em geral. McBride (1984:59) dividiu o Vale do Baixo Connecticut em três estratos de amostragem: planície de inundação, terraço e planaltos. Lightfoot (1986:491) dividiu sua área de estudo em duas grandes zonas: costeira e interiorana. Carlson et al. (1986), ao prospectar a Reserva Militar de Fort Hodd, dividiu a área em planaltos, vertentes intermediárias, e terras baixas.

Poços testes em transects podem ser colocados totalmente dentro destas zonas ou podem ser orientados para cruzá-las. A cobertura pode ser aleatória em áreas onde não há conhecimento sobre a provável localização dos sítios. Ambos Feder e McBride utilizaram a amostragem aleatória estratificada em suas prospecções (referir-se ao texto de Shafer para uma discussão sobre procedimentos de amostragem) como parte de sua estratégia para amostrar as diferentes zonas dentro de suas áreas de pesquisa de modo consistente. Lightfoot, por sua vez, utilizou a amostragem não-aleatória, baseando a cobertura por poços testes na expectativa de descoberta de sítios - mais poços foram abertos nas áreas em que se esperava encontrar sítios com base em pesquisas de contextualização. McBride (1984:67) variou a intensidade da localização de poços testes durante sua pesquisa, diminuindo bastante os intervalos entre eles, que inicialmente era de 20m para 5m ou mesmo 2m nas áreas em que já haviam sido encontrados materiais arqueológicos. Handsman (1990) mostrou que no oeste de Connecticut, onde os padrões de assentamento pré-históricos e históricos incluem pequenas "aglomerações de cabanas", intervalos de mais de 5m entre os poços teste podem fazer com que alguns sítios sejam completamente perdidos. Em tais casos, intervalos de 20m ou 25m iriam detectar apenas uma fração dos sítios existentes e poderiam levar a uma grande subestimação das populações pré-históricas e históricas. Casjens et al. (1980) concordam que a flexibilidade deveria ser mantida em um programa de testes de modo a permitir a seleção não-aleatória de algumas áreas para pesquisas mais intensivas com base em critérios subjetivos. Porém, conforme McBride (1984) aponta, embora permita um maior grau de descoberta de sítios, essa prática também torna a análise estatística problemática.

Praticamente todas as técnicas de investigação de sub-superfície necessitam de trabalhos intensivos. Nós não temos, por enquanto, uma tecnologia que nos permita visualizar materiais de sub-superfície e identificar materiais arqueológicos, pelo menos não em escala regional (veja as seções sobre Sensoriamento Remoto neste capítulo). Técnicas de divinação (veja Aitken 1959 para uma discussão cética) e a chamada

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arqueologia psíquica (Jones 1979; Schwartz 1978, 1983) já foram utilizadas na busca de vestígios arqueológicos, mas não passam de otimismo exagerado (Feder 1990a).

Comparação de Métodos. A abertura de poços teste, devido à quantidade de solo movido em cada unidade, representa a abordagem de trabalho mais intensiva em um processo que já é caro (McManamon 1984a:262-268). Devemos dizer, porém, que em uma comparação da habilidade de localizar artefatos enterrados através de diversos métodos para exames de sub-superfície (amostradores de 3cm, trados de 10cm a 15cm, e poços testes de 25cm a 75cm), McManamon (1981a, 1981b) mostrou que os poços testes são de longe o método mais efetivo. Em sítios conhecidos, enquanto apenas 1% dos amostradores continham artefatos, 45% dos trados maiores e 78% dos poços testes encontraram materiais arqueológicos (McManamon 1981a:204, 1981b:47). A implicação disto é que quando se está procurando por sítios, é muito mais provável que você os encontre caso utilize poços teste do que com o uso de qualquer outro método.

Deste modo, em locais onde os constituintes dos sítios arqueológicos estão enterrados pela deposição geológica, testes de sub-superfície são necessários. Aparentemente, poços teste oferecem a maior probabilidade de descoberta de sítios, principalmente os rasos. Para sítios mais profundos, principalmente os que estão cobertos por metros de sedimentos, pode ser necessária a utilização de maquinarias, incluindo trados mecânicos ou retroescavadoras.

Efetividade dos Poços Teste. Nance e Ball (1986) examinaram a efetividade das prospecções feitas com poços teste. Eles definiram dois parâmetros de prospecção: probabilidade de intersecção e probabilidade de produtividade. Probabilidade de interseção é a probabilidade de que um poço teste em um transect ou algum outro padrão de disposição será colocando dentro dos limites de um sítio. A interseção concomitante é necessária para a detecção de sítios. Eles afirmam, porém, que pode haver “espaços vazios” dentro de um sítio em termos de constituintes arqueológicos. Assim sendo, de acordo com eles, o simples fato de um poço teste estar dentro dos limites de um sítio não garante que material arqueológico será resgatado e nem mesmo que o fato de que o poço estava dentro do sítio será reconhecido. Eles definem a probabilidade de produtividade (que Shott [1988] chama de probabilidade de detecção, um termo mais simples) como a probabilidade de que, uma vez dentro dos limites de um sítio, um poço teste irá, de fato, revelar material arqueológico.

A probabilidade de intersecção em determinada situação é, em grande parte, um produto da distância entre os poços testes e do tamanho do sítio. A probabilidade de produtividade é resultado do tamanho do poço teste, da densidade artefatual, do nível de dispersão ou aglomeração dos artefatos e dos métodos utilizados para examinar o poço teste (Nance e Ball 1986:460).

Obviamente, quanto mais próximos os poços teste estiverem, maior será a probabilidade de intersecção com o sítio. Em uma prospecção realizada em Michigan, Lovis (1976:370-371) determinou que a média mínima de dimensão dos sítios era de 30 jardas (≈27m) e intuitivamente sugeriu um intervalo de 25 jardas (≈23m) para conseguir uma alta taxa de descoberta de sítios. Kintigh (1988) simulou um programa de prospecção realizado com poços teste, mostrando que a probabilidade de intersecção com sítios aumenta dramaticamente quando o intervalo entre os poços se aproxima do diâmetro médio dos sítios sendo encontrados (Figura 09). Krakker et al. (1983) chegou à mesma conclusão.

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Tendo isso em mente, a maioria dos pesquisadores concorda em um ponto: a abertura de poços teste é um procedimento efetivo – embora caro – para a localização de sítios grandes com alta densidade artefatual (Kintigh 1988:706; Krakker et al. 1983; Nance e Ball 1986:479). Conforme o tamanho e a densidade artefatual dos sítios diminuem, a quantidade de poços teste necessariamente deve aumentar, até um ponto em que os limites financeiros e de mão-de-obra de qualquer projeto seriam alcançados rapidamente.

Em um tom mais otimista, um projeto de prospecção realizado na Ilha Shelter, Nova Iorque, por Lightfoot (1986) mostrou que a utilização intensiva de poços teste pode detectar uma ampla gama de sítios, incluindo os espacialmente pequenos e com baixa densidade de artefatos. Do mesmo modo, o trabalho de McBride (1984), Feder (1988; Feder e Banks 1996) e Handsman (1990) em Connecticut mostrou que com a aplicação de tempo e esforço, a utilização de poços teste pode esclarecer aspectos do padrão de assentamento previamente desconhecidos, incluindo a presença de sítios espacialmente pequenos e com baixa densidade de artefatos.

Por outro lado, Shott (1989) certamente está correto ao dizer que as prospecções com poços teste raramente, ou nunca, encontrarão todos os sítios; porém, conforme Nance e Ball (1989) e Lightfoot (1989) disseram em resposta à crítica de Shott, nenhuma técnica de descoberta é 100% efetiva. E, conforme dito no início deste capítulo, o melhor que podemos esperar da maioria das prospecções regionais é uma amostra representativa dos sítios. A utilização de poços teste pode ser projetada de modo a assegurar a representatividade da amostra, e assim poderemos estimar a população real (Krakker et al. 1983:480).

Também é importante o lembrete de Kintigh (1988) de que precisamos ser flexíveis durante o planejamento de nossa estratégia de amostragem de sub-superfície.

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Conforme ganhamos maior conhecimento sobre o tamanho dos sítios, densidade de artefatos e grau de aglomeração dos vestígios em uma determinada região, precisaremos alterar nossa estratégia de distribuição de poços teste. A sugestão de Shott (1989) de que a abertura de clareiras e inspeção de superfície deva substituir a abertura de poços teste em prospecções regionais não nos parece justificável ou realista. A utilização de poços teste está longe de ser perfeita, mas é de longe a melhor metodologia atualmente disponível para a descoberta de sítios enterrados.

Prospecção QuímicaConforme mencionado anteriormente, dois dos constituintes de sítios

arqueológicos citados por McManamon (1984a) são as anomalias químicas e instrumentais resultantes da atividade humana. Teoricamente, deveria ser possível realizar prospecções em áreas de baixa visibilidade ao procurar essas anomalias. Além disso, estas abordagens podem ter um custo-benefício melhor do que a abertura de poços teste, já que requerem bem menos trabalho.

Em termos de prospecção química, certamente bem menos solo precisa ser movido para a coleta de amostras para análises em busca de anomalias antropogênicas (na maioria dos casos, muito pouco solo) do que para a procura por artefatos, feições ou horizontes de solo antrópico (Eidt 1973, 1984). Kits para teste de solo, disponíveis através de vários serviços de fornecedores, são relativamente baratos, e as amostras podem ser processadas muito rapidamente. (Eidt 1973; Hassan 1981).

As atividades humanas que envolvem a concentração de resíduos orgânicos podem resultar na concentração de seus sub-produtos – principalmente compostos de fósforo, nitrogênio, cálcio e carbono – no solo. Outros compostos, incluindo mercúrio e iodo (Dincauze 1976:96-98) também podem ser importantes. Porém, um teste químico não é um processo simples, e, conforme McManamon apontou (1984a:237), “não existe uma regra universalmente aplicável com relação a nenhum destes elementos que indique conclusivamente a presença ou ausência de um sítio”. Além disso, alguns sítios podem ser completamente perdidos. Em uma aplicação desta técnica (Cook e Heizer 1965), 38% de uma amostra de 13 sítios conhecidos não mostraram nenhum nível de anomalia química.

Sensoriamento Remoto: Prospecção de Anomalias InstrumentaisA prospecção em busca de anomalias instrumentais envolve a detecção, a partir da

superfície, de feições arqueológicas que estão a certa profundidade sem que se mexa no solo. Estes métodos de prospecção entram na categoria de sensoriamento remoto. Prospecções instrumentais que utilizam magnetômetros de prótons, medidores de resistividade elétrica/resistivímetros e georadares podem ser comparados a procedimentos médicos não instrusivos, como uma tomografia computadorizada (Thomas 1989). Anteriormente, um cirurgião às vezes precisava conduzir cirurgias exploratórias para descobrir a causa de uma doença, enquanto que agora as tomografias computadorizadas permitem, de fato, que um médico olhe dentro do paciente sem que precise abri-lo. Na arqueologia, um procedimento como a magnometria de prótons permite, de fato, que o arqueólogo veja abaixo da superfície do solo sem ter que escavar. Alguns vestígios arqueológicos possuem uma certa “assinatura”. Deste modo, essa técnica pode ser utilizada para determinar a presença de artefatos, feições ou horizontes de solos antrópicos.

Diversas ferramentas geofísicas têm sido empregadas em prospecções arqueológicas. Conforme sugerido por Weymouth (1986), elas podem ser divididas em

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procedimentos que aplicam técnicas passivas e ativas. Na primeira categoria entram as técnicas de prospecção magnética; na segunda entram a auscultação sísmica e acústica, métodos eletromagnéticos, prospecção por resistividade e a utilização de georadares.

Procedimentos Passivos. Uma das melhores técnicas de anomalia instrumental, a prospecção magnética envolve a utilização de um aparelho chamado magnetômetro de prótons. Ele mede a força do campo magnético da Terra na superfície. Sob condições ótimas, quando esse aparelho é utilizado sobre uma superfície de solo lisa e uniforme, o campo magnético da Terra é uniforme através dessa superfície. Qualquer variação na homogeneidade do solo altera levemente o campo magnético, e os magnetômetros conseguem detectar essas variações do campo magnético da Terra que geralmente é normal. De acordo com Weymouth (1986:43), as seguintes feições arqueológicas podem causar leves variações altamente localizadas no campo magnético que podem ser detectadas por um magnetômetro: lixeiras e áreas de descarte, valas, muros e fundações, fornos, estruturas queimadas e tijolos. Tecnicamente, essas feições possuem uma suscetibilidade magnética diferente do solo ao seu redor, o que leva a pequenas alterações no campo magnético da Terra conforme ele passa por elas (Figura 10).

Procedimentos Ativos. Em outra abordagem altamente frutífera, a prospecção por resistividade elétrica, uma corrente é passada através do solo. A resistividade ou condutividade do solo depende de diversos fatores relacionados primeiramente ao teor de água, teor de íons e estrutura do solo. Variações nestes fatores pode ser resultado da presença de vestígios arqueológicos ou de atividades humanas no passado, e as

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conseqüentes variações ou anomalias na resistividade do solo podem ser identificadas. Feições arqueológicas específicas que podem alterar a resistividade normal do solo incluem vestígios estruturais como fundações ou muros. Além disso, qualquer atividade humana que resulte na compactação ou descompactação do solo pode alterar a sua resistividade. A compactação do solo pode ser resultado da construção de estradas ou caminhos. A descompactação ocorre em poços, porões, lixeiras e valas (Weymouth 1986).

Na utilização de georadares, um pulso eletromagnético é lançado no solo. Assim como no caso de radares aéreos, o tempo de retorno do pulso eletromagnético ao receptor após ele ter sido emitido depende da densidade e distância (no caso do georadar, profundidade) do que o pulso encontra. Conforme Weymouth (1986) indica, georadares funcionam melhor aonde existem descontinuidades abruptas nas propriedades elétricas de sub-superfície. Georadares podem ser empregados com sucesso na localização de muros, fundações e casas enterradas com pisos altamente compactados.

Infelizmente, conforme McManamon (1984a:234) aponta, a análise de anomalias instrumentais é de utilização limitada em prospecções regionais porque os constituintes de sítios que esses métodos são projetados para encontrar são relativamente raros e tender a estar aglomerados nos sítios (o que torna a sua detecção a nível regional problemática) e também porque para que sua detecção funcione, é necessário o estudo de áreas de fora do sítio para a obtenção de uma base de comparação. De acordo com Weymouth (1986:312), a prospecção de anomalias instrumentais é mais útil na determinação do “conteúdo e dos limites” de sítios já conhecidos, e não na localização de sítios desconhecidos.

Porém, já houve casos em que a busca por anomalias instrumentais resultou na detecção de sítios em locais onde os poços teste haviam falhado. Por exemplo, Thomas (1987) conta da busca por Santa Catalina, a missão espanhola mais importe da Geórgia nos séculos XVI e XVII. A magnometria de prótons foi muito importante na localização dessa missão. Em uma prospecção de grande escala feita com magnetômetro no Vale de San Lorenzo, no México, 80.000 leituras foram feitas durante a busca por esculturas monumentais produzidas pela cultura Olmeca, e dezessete delas foram encontradas (Breiner e Coe 1972).

Porém, por enquanto, estes casos são excepcionais. Pode ser argumentado que, no caso de Thomas, ele não realizou de fato uma prospecção regional. Ele já sabia de antemão a região delimitada onde a missão seria encontrada, e foi o caso de simplesmente filtrar os lugares onde ela não estava. Sua aplicação da técnica foi excitante, mas embora testes químicos, prospecção por resistividade elétrica, magnometria de prótons e radares de sub-superfície possam contribuir para o programa de uma prospecção, eles freqüentemente não conseguem substituir a busca mecânica por artefatos, feições e horizontes de solo antrópico. Estes métodos são muito mais úteis na detecção de feições enterradas em sítios conhecidos (Carr 1982; Parrington 1983; Weymouth 1986).

Sensoriamento Remoto: Prospecção AéreaÀs vezes, padrões de vestígios arqueológicos de superfície e de vegetação

anormal são muito sutis para serem vistos a partir do chão. A escala vertical pode ser muito pequena e a escala horizontal muito grande para permitir o reconhecimento de feições culturais. Às vezes é necessária, literalmente, uma vista de “olho de águia” de uma área para se discernir as mudanças sutis de elevação da superfície, assim como dos

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padrões de crescimento e coloração da vegetação, para detectar a presença de vestígios arqueológicos. Às vezes, imagens no espectro visível da luz não conseguem indicar a presença de materiais arqueológicos, mas imagens em infravermelho ou de radar conseguem. Todas essas técnicas entram na categoria de prospecções aéreas (Lyons 1977; Lyons e Avery 1977; Lyons e Ebert 1978) (Figura 11). A prospecção aérea pode incluir fotografias aéreas, termografia e imageamento por radar.

Fotografias aéreas podem ser preto e branco, coloridas ou infravermelhas. As fotos podem ser tiradas por aviões a altas ou baixas altitudes ou mesmo por satélites. As câmeras podem ser montadas de modo a tirar fotos verticalmente (direto para baixo) ou obliquamente (em ângulo com o chão). As fotografias podem ser tiradas com diferentes iluminações, desde o sol estando no seu ápice até quando ele está se pondo.

Estas variações das fotografias aéreas produzem imagens de diferente utilização para os arqueólogos. Fotografias aéreas freqüentemente são usadas na detecção de grandes vestígios arqueológicos ou padrões de modificação da terra a nível local ou mesmo regional (estradas ou redes de irrigação, por exemplo). Por outro lado, em locais onde a visibilidade e destacabilidade são altas, até mesmo feições arqueológicas de pequena escala podem ser discerníveis em fotografias aéreas. As fotos tiradas com suficiente sobreposição (60%) podem ser interpretadas tridimensionalmente com a utilização de um par estéreo, um aparelho de visualização barato que consiste de duas lentes (uma para cada olho). Utilizando pares estéreos e fotografias padronizadas na escala de 1:20.000 tiradas pelo Corpo de Engenheiros do Exército que cobriam a maior parte dos Estados Unidos e boa parte da América Central, feições expostas de até 5m de comprimento e menos de 1m de altura podem ser detectadas.

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Fotografias tiradas quando o sol está baixo no horizonte podem revelar efeitos de sombra resultantes de pequenas anomalias topográficas indiscerníveis no chão, que foram causadas por feições de modificação de terra altamente erosivas como a agricultura em terraços, canais de irrigação ou estradas.

Fotografias infravermelhas podem ser úteis na detecção de diferenças na quantidade de calor sendo refletido pela vegetação; os padrões podem ser o resultado de vestígios arqueológicos que impedem (como no caso de um muro enterrado) ou aumentam (como no caso de um horizonte de solo antrópico) o crescimento da vegetação (D.R. Wilson 1982). Diferentes padrões de vegetação detectados aereamente foram utilizados por Parrington (1983) para encontrar antigos canais e campos de irrigação no Sudoeste Americano.

Em outro exemplo, Sheets e Sever (1988) utilizaram fotografias aéreas infravermelhas para estudar os padrões de trilhas antigas no noroeste de Costa Rica. Feições estreitas e sinuosas, indistinguíveis no chão, foram descobertas nas fotografias. Eles também conseguiram investigar o nível de contato entre os diferentes assentamentos antigos utilizando essas fotos.

Além da fotografia, há diversos novos procedimentos de alta tecnologia sendo aplicados em prospecções arqueológicas. Sheets e Sever (1988) também produziram dados sobre o padrão de trilhas antigas utilizando um laser montado em um avião. Ele foi utilizado para medir diferenças precisas da altura da superfície do chão e das árvores, detectando mudanças topográficas muito pequenas e que seriam indiscerníveis de outro modo, características dessas trilhas. Adams et al. (1981) utilizou um radar aéreo de visada lateral (SLAR = side-looking airborne radar) em um estudo sobre os campos elevados e canais dos antigos maias. O radar faz o que as fotografias não conseguem – ele pode penetrar na densa cobertura vegetal de uma região. Adams et al. (1981) conseguiu discernir padrões intricados de canais e campos elevados, contribuindo para uma nova avaliação da agricultura maia.

Deste modo, o sensoriamento remoto através de algum tipo de reconhecimento aéreo pode ser muito útil quando, por conta da escala, prospecções a pé são ineficazes no reconhecimento de padrões sutis produzidos por vestígios arqueológicos e onde a visibilidade é baixa por causa da vegetação. Porém, é claro, em todas as aplicações do sensoriamento remoto, ainda é necessário verificar os resultados no solo.

CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS

Até agora, o foco tem sido as questões teóricas e metodológicas que surgem durante a prospecção de sítios. É importante discutir, mesmo que brevemente, as considerações práticas de se conduzir uma prospecção. Embora uma discussão detalhada deva tratar necessariamente das diferenças regionais e das particularidades das prospecções a pé ou de sub-superfície, há algumas sugestões gerais que podem ser aplicadas a praticamente todos os projetos.

Por exemplo, a Figura 12 contém uma pequena listagem de ferramentas e equipamentos úteis em uma prospecção. Nem todos os membros da equipe precisarão de todos os itens, mas eles devem estar disponíveis para a equipe em geral.

Além disso, fichas padronizados para a manutenção de registros são essenciais. Tanto no caso de uma prospecção a pé como em uma prospecção de sub-superfície, conforme Dincauze (1978:57) aponta, “o que é importante [de se registrar] para uma pessoa é muito diferente do que é importante para os outros”.

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Ao conduzir uma prospecção, a consistência no registro da localização dos sítios é crucial, mas, infelizmente, em diversos casos não é mantida. Em locais onde prospecções em terras públicas foram conduzidas (principalmente no Meio-Oeste americano), os sítios podem ser localizados por município, seção, quadrante e quadra. Mas como grande parte dos Estados Unidos, para não falar do resto do mundo, não foi dividida desse mesmo jeito, esse método tem sua aplicação limitada. Há os que preferem registrar a localização de sítios por coordenadas geográficas de longitude e latitude. Um método mais preciso e efetivo é o sistema Universal Transverso de Mercator (UTM). Nos mapas do USGS, linhas de grid foram colocadas a intervalos de 1.000m de norte a sul, criando uma série de “caixas” de 1.000m de lado. Escalas estão disponíveis para dividir estas caixas maiores em unidades cada vez menores. Deste modo, um sítio pode ser localizado no sistema UTM em uma área de apenas poucos metros. Porém, alguns estados ainda não têm UTMs registradas para todos os mapas do USGS. A instrumentação por GPS (Sistema de Posicionamento Global) agora permite uma localização extremamente precisa em campo.

Por fim, as informações provenientes de prospecções são de pouco uso se não estiverem registrados em algum lugar e se os dados não estiverem disponíveis para os pesquisadores. Cada vez mais estados e organizações estão instalando bancos de dados de informações sobre sítios. Estes grandes bancos de dados fornecem certo nível de consistência de informações, pelo menos a nível estadual, já que geralmente todos têm que preencher as mesmas fichas.

A consistência no registro de dados permite que os pesquisadores incorporem em suas análises conjuntos de dados mais amplos, incluindo informações coletadas por outros arqueólogos. Derry et al. (1985:41-46) listam certas informações que devem ser registradas para todos os sítios identificados: nome, abreviação, localização (geral e UTM), proprietário, tipo de sítio, descrição do sítio, ambiente do entorno, integridade, estratigrafia, tipos de vestígios (uma listagem dos artefatos, ecofatos, feições e estruturas), significância, referências bibliográficas e o nome do responsável pelo registro. O escritório do arqueólogo responsável pelo estado, o museu estadual, as Secretarias Estaduais de Preservação Histórica (SHPO) e os centros de pesquisa

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universitária são todos óbvios repositores de dados sobre prospecção de sítios. Derry et al. (1985:99-103) fornecem uma listagem das SHPOs.

Devemos acrescentar que um problema surge quando se tem um banco de dados sobre prospecções regionais acessível, principalmente se o repositório é uma Secretaria governamental: a informação pode ficar disponível para pessoas inescrupulosas interessadas na pilhagem de sítios. Como resultado do Ato de Liberdade da Informação federal, os arquivos sobre prospecções, incluindo mapas detalhados dos sítios e suas UTMs podem estar acessíveis para qualquer pessoa que deseje visitá-los. Além disso, a comunidade arqueológica está preocupada com os pedidos dos proprietários de terras que, embora geralmente sejam muito cooperativos para com arqueólogos profissionais, não querem que a localização de sítios dentro de suas propriedades esteja disponível para o público geral. Como resultado dessas preocupações, o Ato de Liberdade da Informação recebeu uma emenda em 1976 que isenta a localização precisa dos sítios, permitindo que o Ministério de Assuntos Internos detenha informações sobre a localização dos sítios listados no Registro Nacional de Locais Históricos. De modo similar, a legislação estadual de Connecticut aprovou um projeto de lei que isenta informações sobre a localização de sítios do Ato de Liberdade da Informação estadual. Outros estados também têm respondido a essa potencial ameaça à integridade dos sítios.