feitiço sombrio

26
São Paulo 2014

Upload: universo-dos-livros

Post on 08-Apr-2016

294 views

Category:

Documents


17 download

DESCRIPTION

Amostra de capítulo.

TRANSCRIPT

Page 1: Feitiço sombrio

São Paulo2014

C

M

Y

CM

MY

CY

CMY

K

folha-de-rosto.pdf 1 21/5/2014 10:38:38

Page 2: Feitiço sombrio

Dark MagicCopyright © 2010 by Christine FeehanPublished by arrangement with Harper Collins Publishers

© 2013 by Universo dos LivrosTodos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser re-produzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Diretor editorial: Luis MatosEditora-chefe: Marcia BatistaAssistentes editoriais: Nathália Fernandes, Rafael Duarte e Raíça AugustoTradução: Caio PereiraPreparação: Arlete Souza e Guilherme SumaRevisão: Rodolfo SantanaArte: Francine C. Silva e Valdinei GomesCapa: Zuleika Iamashita

Universo dos Livros Editora Ltda.Rua do Bosque, 1589 - Bloco 2 - Conj. 603/606Barra Funda - São Paulo/SP - CEP 01136-001Telefone/Fax: (11) 3392-3336www.universodoslivros.com.bre-mail: [email protected] no Twitter: @univdoslivros

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Angélica Ilacqua CRB-8/7057

F319f Feehan, Christine.

Feitiço sombrio / Christine Feehan; [tradução de Caio Pereira]. – São Paulo : Universo dos Livros, 2013. 352 p. – (Os Cárpatos, 4)

ISBN 978-85-7930-708-9

Título original: Dark Magic

1. Vampiros. 2. Ficção. 3. Romance. I. Título. II. Pereira, Caio III. Série.

CDD 813.614-0213

Page 3: Feitiço sombrio

Este livro é dedicado a minha amada irmã, Renee Martinez. Compartilhamos todas as alegrias e tristezas de minha vida. Nunca preciso lhe procurar, sei que posso sempre contar com você. Se alguém neste mundo merece um verdadeiro compa-nheiro, esse alguém é você...

Page 4: Feitiço sombrio
Page 5: Feitiço sombrio

Capítulo Um

A noite estava viva com o pulsar dos corações de tanta gente. Ele caminhava por entre as pessoas, invisível e indetectável, movendo-se com a graça fluída de um predador da selva. Sentia o cheiro deles com intensidade em suas narinas. Perfume enjoativo. Suor. Xampu. Sabo-nete. Álcool. Drogas. Aids. A doce e traiçoeira fragrância do sangue. Havia tantos deles naquela cidade. Gado. Ovelhas. Presas. A cidade era o campo de caça perfeito.

Mas já havia se alimentado naquele dia, então ainda que o sangue murmurasse por ele, tentando-o com a promessa de força, poder e a sedutora onda de excitação, evitou entregar-se a seus desejos. Após tantos séculos vagando pela terra, ele sabia que os murmúrios de tais promessas eram vazios. Já possuía enorme poder e força, e sabia que esse ímpeto, embora viciante, proporcionava o mesmo barato ilusório que as drogas humanas ofereciam.

O estádio da moderna cidade era imenso, milhares de pessoas en-furnavam-se lá dentro. Ele passou pelos guardas sem hesitar, seguro por saber que não poderiam detectar sua presença.

O show de magia – uma combinação de atos de escapada, de-saparecimento e mistério – estava quase no fim, e uma onda de expectativa já tomava a multidão. No palco, erguia-se uma sombria coluna de fumaça, de um ponto onde instantes antes a própria fei-ticeira se encontrara.

Ele se misturou às sombras, com o pálido olhar prateado focado no palco. Então, ela surgiu da névoa, a fantasia de todo homem, o sonho de noites quentes e inebriantes. Banhada em seda e cetim. Enigmática, um misto de inocência e sedução, movia-se com a gra-ça de uma feiticeira. Cabelos negro-azulados grossos caíam-lhe como uma cascata sobre os esbeltos quadris. Um vestido vitoriano branco

Page 6: Feitiço sombrio

6 | Os Cárpatos

com laço cobria seu corpo, sustentando seios firmes e generosos, mol-dando a barriga estreita e uma cintura fina. Pequenos botões de pérola prendiam a fenda da bainha à coxa, revelando pernas torneadas. Os óculos escuros, sua marca registrada, escondiam os olhos, mas faziam convergir toda a atenção para sua luxuriosa boca, os dentes perfeitos e as maçãs do rosto clássicas.

Savannah Dubrinsky, uma das maiores mágicas do mundo.Ele enfrentara quase mil anos de uma escuridão vazia. Sem alegria,

sem raiva, sem desejo. Nenhuma emoção. Nada além da besta inte-rior, faminta, insaciável. Nada além da crescente escuridão, a desonra que lhe marcava a alma. Seus olhos pálidos passearam por sua figu-ra perfeita, e o desejo o dominou. Implacável. Cruel. Doloroso. Seu corpo inchou, enrijeceu cada músculo, se retesou quente, dolorido. Seus dedos envolveram lentamente o apoio para as costas de um dos assentos do estádio, cravando-os no metal, deixando impressões visí-veis da mão de um homem. O suor fez brotar pontinhos em sua testa. Ele deixou que a dor o perpassasse, o envolvesse. Saboreou-a. Sentiu.

Seu corpo não apenas a queria. Exigia-a, ardia por ela. A fera ergueu sua cabeça e a fitou, desejou-a, marcou-a. A fome manifes-tou-se abruptamente, feroz e ameaçadora. No palco, dois assisten-tes começaram a acorrentá-la, as mãos tocando sua pele macia, os corpos esfregando-se no dela. Um rosnado grave escapou de sua garganta; os olhos pálidos brilharam, agora vermelhos. Naquele mo-mento, mil anos de autocontrole arderam em chamas, libertando um perigoso predador. Mortal ou imortal, ninguém estava a salvo, e ele sabia disso.

No palco, Savannah levantou a cabeça; olhou ao redor como se pressentisse o perigo, feito um animal capturado pela armadilha, pre-so ao chão.

Suas entranhas retorceram-se ardentemente. Sensações. Desejo obscuro. Lascívia crua. Uma forte necessidade primitiva de possuir. Fechou os olhos e inalou agudamente. Captou o medo dela e sentiu

Page 7: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 7

prazer. Julgando-se perdido para toda a eternidade, não ligava se seus sentimentos eram tão intensos que beiravam a violência. Eram ge-nuínos. E havia alegria na habilidade de sentir, não importa quão perigosamente. Não lhe importava que houvesse marcado a mulher injustamente, que ela não lhe pertencia por direito, que ele manipu-lara o desenlace de sua união mesmo antes de seu nascimento, que ele quebrara regras de seu povo para possuí-la. Nada disso era importante. Somente que ela fosse finalmente dele.

Sentiu que a mente dela o sondava; passou por ele como as asas de uma bela borboleta. Mas ele era um dos antigos, poderoso e sapiente além dos limites da Terra. Era um dos quais seu próprio povo co-mentava por meio de sussurros, com assombro e temor. O Obscuro. Apesar de pressentir perigo, ela não tinha esperança de encontrá-lo enquanto ele não permitisse.

Seus lábios se contraíram em um rosnado silencioso quando o as-sistente loiro inclinou-se para acariciar o rosto de Savannah e a beijou antes de prendê-la, com manoplas e correntes, dentro de uma câma-ra de ferro. As presas projetaram-se de dentro de sua boca, e a fera encarou o homem com o olhar frio e concentrado de um assassino. Deliberadamente, focou na garganta do loiro – deixou-o sentir, pelo menos por um momento, a agonia do estrangulamento. O homem levou a mão à própria garganta e cambaleou, recuperando-se em se-guida, puxando o ar para dentro dos pulmões. O rapaz deu uma olha-da rápida e nervosa ao redor, tentando, em vão, enxergar o público. Respirando ainda com dificuldade, virou-se para ajudar a baixar o cofre em uma câmara cheia de água.

O predador invisível rosnou em aviso suave, um som letal e amea-çador, que somente o loiro pôde ouvir. O homem no palco ficou visivelmente pálido e murmurou algo para o outro assistente, que chacoalhou a cabeça e franziu o cenho.

Enquanto o retorno de seus sentimentos trazia alegria indescritível ao antigo, a perda de controle era um perigo, até mesmo para ele.

Page 8: Feitiço sombrio

8 | Os Cárpatos

Virou as costas para o espetáculo e deixou o estádio; cada passo que o distanciava de Savannah era um flagelo. Entretanto, ele aceitava a dor, contente com a capacidade de sentir.

Seus primeiros cem anos haviam sido uma orgia selvagem de sen-sações, sentimentos, poder e desejos – comparáveis aos de um deus. Porém, lenta e implacavelmente, a escuridão que condenava a alma de um macho cárpato sem parceira o reivindicara. Emoções sumi-ram, cores desapareceram, até que ele passou a simplesmente existir. Experimentara e conquistara conhecimento e poder, e pagou o preço por isso. Alimentou-se, caçou, matou quando considerou apropriado. E a escuridão continuava a se intensificar, ameaçando engolir sua alma para sempre, transformando-o em um dos condenados, um morto-vivo.

Ela era inocente. Havia riso, compaixão e bondade. Era a luz para sua escuridão. Um sorriso amargo curvou sua boca sensual, tocando--a com crueldade. Seus músculos inchados e sinuosos oscilaram. Ele jogou os cabelos negros e grossos para trás. Seu rosto ficou tão duro e impiedoso quanto ele próprio. Seus olhos pálidos, que facilmen-te atraíam mortais, capturando-os, hipnotizando-os, tornaram-se os olhos da morte, o talho prateado do metal gelado.

Mesmo distante, ele sentiu aplausos relampejantes sacudirem o solo, a ruidosa aprovação que assinalava que Savannah escapara do cofre inundado. Ele se misturou à noite, uma sombra sinistra impos-sível de ser detectada por todos humanos e sua própria espécie. Sua paciência era sólida como a própria terra; sua imperturbabilidade, a das montanhas. Ele ficou parado em meio à insanidade da multidão barulhenta que deixava o estádio, entrava em seus carros no estacio-namento, criando um inevitável engarrafamento. Ele sabia onde ela estava o tempo todo; certificara-se de criar com ela um vínculo desde menina. E nem mesmo a morte poderia quebrar o elo forjado entre os dois. Ela colocara um oceano entre eles, fugindo para o país de origem da mãe, os Estados Unidos, e, em sua inocência, considerou-se salva.

Page 9: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 9

A passagem do tempo significava pouco para ele. Por fim, o som das pessoas e carros cessou, e as luzes se apagaram, entregando-o à noite. Ele inalou profundamente, aproveitando seu perfume. Alongou-se, uma pantera caçando. Podia ouvir sua risada suave, baixa, musical, inesquecível. Ela conversava com o assistente loiro, observando-o em-pacotar suas coisas para serem levadas aos caminhões. Embora os dois estivessem lá dentro e apesar da distância, ele ainda podia ouvir sem esforço a conversa.

– Estou tão feliz que essa turnê finalmente acabou. – Savannah ca-minhava cansada, atrás do restante da equipe de transporte. Sentou--se nos degraus e observou os homens que erguiam o pesado cofre de metal para dentro do grande caminhão. – Ganhamos todo o dinheiro que pensamos que ganharíamos? – ela provocou o assistente gentil-mente. Ambos sabiam que ela não ligava para o dinheiro e jamais prestava atenção no lado financeiro das coisas. Sem Peter Sanders para cuidar de todos os detalhes, estaria provavelmente falida.

– Mais do que eu pensei. Podemos dizer que foi um sucesso – Peter disse, sorrindo para ela. – Dizem que São Francisco é uma cida-de incrível. Por que não passeamos por aqui? Podemos fazer tudo que fazem os turistas: andar de táxi, ir ao Golden Gate, Alcatraz. Não po-demos perder essa oportunidade... talvez nunca mais venhamos aqui.

– Eu não – Savannah declinou, levantando-se enquanto o rapaz se sentava ao lado dela, nos degraus. – Vou para a cama. Depois você me conta como foi.

– Savannah... – Peter soltou um longo suspiro. – Estou te convi-dando pra um encontro.

Ela se ajeitou, retirou os óculos escuros e olhou diretamente para o rapaz. Pesadamente ornados com cílios postiços, seus olhos eram de um azul profundo, quase violeta, com estranhas faixas prateadas irradiando deles feito estrelas. Como de costume, quando ela o enca-rava assim, Peter sentia uma estranha desorientação, como se estivesse caindo, afundando – perdido entre as estrelas brilhantes de seus olhos.

Page 10: Feitiço sombrio

10 | Os Cárpatos

– Ah, Peter – a voz dela era suave, musical, hipnotizante, uma das qualidades que lhe trouxeram tão rapidamente a fama. Ela podia capturar a atenção do público facilmente apenas com a voz. – Toda a sensualidade e o flerte que mostramos no show é só atuação. Somos amigos, e trabalhamos juntos, e isso é muito importante para mim. Quando era mais nova, o mais próximo que tinha de um amigo era um lobo. – Ela não acrescentou que ainda pensava nesse lobo dia após dia. – Não estou disposta a arriscar um relacionamento que valorizo tentando transformá-lo em outra coisa.

Peter calou-se e balançou a cabeça para clarear as ideias. Ela sempre falava de maneira tão incrivelmente lógica, tão convincente. Sempre que o encarava, era impossível discordar de qualquer coisa que dissesse. Roubava-lhe o arbítrio tão facilmente quanto tirava-lhe o fôlego.

– Um lobo? De verdade?Ela assentiu.– Quando era mais nova, morávamos numa parte muito remota

dos Cárpatos. Não havia crianças com quem brincar. Certo dia, um filhotinho de lobo saiu da floresta, perto da nossa casa. Ele brincava comigo sempre que eu estava sozinha. – Havia uma dor sutil em sua voz por relembrar o amigo perdido. – Ele parecia saber quando eu precisava dele, quando estava triste ou sozinha. Era sempre gentil. Mesmo quando estavam crescendo dentes, me mordeu umas poucas vezes. – Ela esfregou o braço, recordando-se, seus dedos provocan-do marcas com os movimentos de carinho sem que se desse conta. – Enquanto crescia, tornou-se uma companhia constante; éramos in-separáveis. Eu nunca tive medo de entrar na floresta à noite porque ele estava sempre por perto para me proteger. Era enorme, tinha um pelo grosso, negro e brilhante, e olhos cinza inteligentes que me enca-ravam com tanta compreensão. Às vezes ele parecia tão solene, como se estivesse carregando o peso do mundo nas costas. Quando tomei a decisão de vir pra América, deixar meus pais foi difícil, deixar o lobo partiu meu coração. Antes de ir, chorei por três noites seguidas, com

Page 11: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 11

os braços em torno de seu pescoço. Ele não se mexeu, nem uma vez, como se entendesse e estivesse sofrendo também. Se tivesse jeito, teria trazido-o comigo. Mas ele precisava continuar livre.

– Está me contando a verdade? Um lobo de verdade? – pergun-tou Peter, incrédulo. Acreditava que Savannah fosse capaz de do-mar facilmente uma fera ou um homem, mas ficou intrigado com o comportamento do animal. – Pensei que lobos eram ariscos com as pessoas. Não que tenha encontrado muitos... pelo menos, não do tipo de quatro pernas.

Ela sorriu.– Ele era enorme e podia ser feroz, mas meu lobo não era nem

um pouco arisco comigo. É claro, nunca ficava perto quando havia outra pessoa, nem mesmo meus pais. Saía correndo para a floresta caso aparecesse alguém. No entanto, ficava à espreita para se certificar de que eu estava segura. Eu via os olhos dele brilhando na floresta, observando, e me sentia segura.

Percebendo que permitira que ela o distraísse, Peter deliberada-mente desviou o olhar, cerrando os punhos em determinação.

– Não é normal o jeito que você vive, Savannah. Você se isola de qualquer relacionamento mais próximo.

– Somos próximos – ela destacou gentilmente. – Gosto muito de você, Peter, como a um irmão. Sempre quis ter um irmão.

– Pare, Savannah. Você nem nos deu uma chance. E quem mais existe na sua vida? Eu te acompanho a festas e entrevistas. Supervisio-no as contas, faço os contatos e garanto que as contas sejam pagas. A única coisa que não faço é dormir com você.

Um rosnado grave emanou da noite, como uma advertência, cau-sando um arrepio que percorreu a espinha de Peter. Savannah ergueu a cabeça e olhou ao redor, preocupada. Peter se levantou, analisando os caminhões que saíam da área de carregamento.

– Ouviu isso? – Ele estendeu-lhe a mão para fazê-la se levantar, olhando apreensivamente para as sombras. – Não te contei, mas

Page 12: Feitiço sombrio

12 | Os Cárpatos

aconteceu uma coisa muito estranha durante o show – ele sussurrava, como se a própria noite pudesse escutá-lo. – Depois que coloquei você no cofre, minha garganta trancou. Foi como se alguém estivesse me estrangulando, uma pessoa muito forte. Senti uma raiva assassina direcionada a mim. – Ele passou a mão pelo cabelo e riu, nervoso. – Bobagem da minha imaginação, eu sei. Mas ouvi esse mesmo ros-nado na minha cabeça. É loucura, Savannah, mas parece que alguém estava me avisando sobre alguma coisa.

– Por que não me contou nada? – ela perguntou, com medo estam-pado nos olhos. Sem aviso, as luzes do local se apagaram, deixando-os em total escuridão. Os dedos de Savannah apertaram os de Peter, e ele teve a sensação clara de que estavam sendo observados, talvez até caçados. O carro dele estava longe; o estacionamento, mergulhado nas sombras. Onde estariam os guardas noturnos?

– Peter, temos que sair daqui. Se eu disser pra você correr, obedeça e não olhe para trás, não importa o que aconteça – sua voz era grave e convincente, e, por um momento, ele sentiu que faria qualquer coisa para agradá-la. Mas seu pequeno corpo, tão próximo ao dele, tremia, e o cavalheirismo venceu.

– Fique atrás de mim, querida. Estou com um mau pressentimento – disse Peter. Como todas as celebridades, Savannah sofria sua cota de ameaças e perseguições. Afora sua beleza sensual e inebriante, ela valia alguns milhões. Savannah exercia um estranho e hipnotizante efeito sobre os homens, como se ela fosse assombrá-los para sempre.

Com um grito, Savannah tentou avisar Peter um milésimo de se-gundo antes de algo atingi-lo em cheio no peito, tirando o ar de seus pulmões, fazendo-os soltar as mãos. Ele gemeu, sentiu o peito em chamas, a sensação de que uma tonelada de tijolos o acertara. Ele olhou para Savannah e contemplou sua expressão de horror. Algo ex-tremamente forte o agarrou e o lançou a vários metros de distância, arrancando-lhe o braço do corpo, os ossos estalando como se fossem gravetos. Ele berrou, sentindo um hálito quente no pescoço.

Page 13: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 13

Savannah sussurrou seu nome, cobriu a distância que os separava em um único salto e investiu contra o atacante. Levou um golpe tão forte no rosto que foi lançada como uma boneca de pano, da área de descarregamento para o asfalto do estacionamento. Embora tenha rodopiado em pleno ar e pousado em pé com uma agilidade felina, sua cabeça doía, e ela enxergava pequenos pontinhos luminosos à sua frente. Antes que pudesse se recuperar, a fera que atacava Peter cravou as presas em sua garganta, mordendo e rasgando, e então sorvendo o sangue que jorrava do terrível ferimento. Peter conseguiu virar o ros-to, pensando que veria um lobo ou pelo menos um grande cachorro. Olhos vermelhos estampados em um rosto branco e esquelético bri-lharam para ele com maldade. Peter morreu em agonia e horror, com medo e culpa por falhar em proteger Savannah.

Com um sibilo grave e malévolo, a criatura largou o corpo de Peter de qualquer jeito; o cadáver pousou a alguns metros de Savannah. O sangue formou uma poça espessa, que se espalhava lentamente pelo asfalto. A fera ergueu a cabeça e se virou para ela, sorrindo horrivel-mente, revelando os dentes cerrados em triunfo.

Ela recuou um passo, seu coração no compasso do medo. Por um instante, o pesar tomou-lhe com tanta acuidade que ela não conse-guiu respirar. Peter. Seu primeiro amigo humano em todos os seus vinte e três anos de vida. Morto por causa dela.

Ela olhou para a figura esquelética que o matara. O sangue de Pe-ter cobria-lhe o rosto e os dentes. Pôs a língua para fora lascivamente e lambeu as manchas vermelhas nos lábios. Seus olhos ardiam sobre ela, provocando-a.

– Encontrei você primeiro. Sabia que o faria.– Por que o matou? – havia horror em sua voz.Ele riu, lançando-se em pleno ar, e pousou a alguns passos dela.– Você devia experimentar qualquer dia; todo aquele medo inunda

o sangue com adrenalina. Não há nada igual. Gosto quando olham para mim, sabendo o que vai acontecer.

Page 14: Feitiço sombrio

14 | Os Cárpatos

– O que quer? – Ela não desgrudava nem os olhos nem a mente dele, mantendo o corpo imóvel e preparado, perfeitamente equilibrado.

– Serei seu marido. Seu companheiro – havia ameaça na voz dele. – Seu pai, o grande Mikhail Dubrinsky, terá de retirar a sentença de morte que pronunciara contra mim. O longo braço da justiça não alcança São Francisco, alcança?

Ela ergueu o queixo.– E se eu me recusar?– Então, eu lhe tomo à força. Talvez seja divertido: diferente da-

quelas humanas bobinhas, todas implorando para me dar prazer.A depravação dele a enojou.– Elas não imploram. Você lhes rouba o livre-arbítrio. Somente

assim consegue ter mulheres – ela infundiu na voz todo o ódio e des-prezo que conseguia.

O sorriso medonho desapareceu de seus traços côncavos, transfor-mando-o em uma medonha caricatura de um homem, uma criatura das entranhas do inferno. Sua respiração escapou em um longo silvo.

– Você pagará por esse desrespeito. – Ele se arremessou contra ela.Uma sombra moveu-se na noite, os músculos rígidos como fer-

ro sob uma elegante camisa de seda. A figura postou-se diante de Savannah tal qual um escudo, forçando-a a ficar por trás. Uma mão forte afagou seu rosto, bem no ponto onde o agressor a golpeara. O toque foi breve, porém incrivelmente terno, e o contato momentâneo pareceu tirar a dor à medida que os dedos do misterioso protetor deixaram sua pele. Seus olhos pálidos e prateados miraram a criatura esquelética.

– Boa noite, Roberto, vejo que alimentou-se bem – a voz era agra-dável, sofisticada, calmante, até hipnótica.

Savannah conteve um soluço. Instantaneamente, sentiu uma al-teração em sua mente, foi inundada por um calor, uma sensação de braços envolvendo-a com seu forte abrigo.

Page 15: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 15

– Gregori – Roberto rosnou seus olhos brilhando com a sede de sangue. – Ouvi sussurros sobre o perigoso Gregori, o Obscuro, o bicho-papão dos Cárpatos. Mas não tenho medo de você.

Era mentira, e todos sabiam; sua mente procurava às pressas uma forma de escapar.

Gregori sorriu, desprovido de humor nos lábios com um brilho distintamente cruel nos seus olhos.

– Você obviamente não aprendeu maneiras à mesa. Em todos esses anos, Roberto, o que mais não conseguiu aprender?

Roberto expirou com um longo e ruidoso sibilo. Sua cabeça come-çou a ondular lentamente de um lado para o outro. As unhas cresce-ram, tornando-se garras muito afiadas.

Quando ele atacar, Savannah, você vai fugir daqui. O comando era imperioso na mente dela.

Foi meu amigo quem ele matou, e a mim que ameaçou. Era contra seus princípios permitir que outra pessoa travasse suas batalhas e tal-vez fosse ferido ou morto em seu lugar. Ela não parou para pensar porque era tão fácil e natural conversar com Gregori, o mais temido dos anciãos dos Cárpatos, por meio de um canal mental que não era o padrão de comunicação entre os de sua espécie.

Você fará o que mandei, ma petite. A ordem foi dada em sua mente com um tom calmo que carregava uma autoridade inegável. Savannah recuperou o fôlego, com medo de desafiá-lo. Roberto po-dia pensar que daria conta de um cárpato poderoso como Gregori, mas ela sabia que ela própria não daria. Era jovem, uma novata nas artes de seu povo.

– Você não tem o direito de interferir, Gregori – Roberto ralhou, soando como um menino mimado e petulante. – Ela não pertence a ninguém.

Os olhos pálidos de Gregori se cerraram em uma fenda prateada.– Ela é minha, Roberto. Eu a tomei muitos anos atrás. É minha

companheira.

Page 16: Feitiço sombrio

16 | Os Cárpatos

Roberto deu um passo cauteloso à esquerda. – Não houve aceitação oficial de sua união. Matarei você, e ela

pertencerá a mim.– O que você fez aqui é um crime contra a humanidade. O que

faria à minha mulher é um crime contra nosso povo, nossas valorosas mulheres, e contra mim, pessoalmente. A justiça o seguiu até São Francisco, e a sentença que nosso Príncipe Mikhail pronunciou con-tra você será conduzida. O golpe que desferiu contra minha compa-nheira já é suficiente para selar o seu destino.

Gregori jamais erguia a voz, nunca perdia o sorriso suave e provo-cador. Vá, Savannah.

Não vou permitir que ele te machuque sendo que procura a mim. A risada suave de Gregori ecoou em sua mente. Não há possibili-

dade de que isso ocorra, ma petite. Agora, faça o que eu mandei, e vá. Ele queria que ela fosse antes de presenciar a destruição casual de uma aberração que ameaçava atacar uma mulher. A sua mulher. Savannah já o temia o bastante.

– Vou matar você – disse Roberto em voz alta, impondo-se para inflar sua coragem.

– Então não posso fazer nada além de deixar que tente – respondeu Gregori, satisfeito. Sua voz ficou uma oitava mais baixa, quase hipnó-tica: – Você é lento, Roberto. Lento e desajeitado, e incompetente de-mais para lidar com alguém com as minhas habilidades. – Seu sorriso era cruel, quase de escárnio.

Era impossível não escutar a cadência de sua voz. Ela abria cami-nho para dentro de sua mente e a confundia. Entretanto, convencido e potencializado pelo recente assassinato, embebido pela luxúria e a ânsia de conquista, Roberto lançou-se contra o outro macho.

Gregori simplesmente sumiu. Carregou Savannah para o mais lon-ge possível dele e, com velocidade sobrenatural, rasgou o rosto de Roberto em quatro vincos profundos exatamente no ponto em que ele machucara Savannah.

Page 17: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 17

O riso suave e provocante de Gregori causava-lhe arrepios na espi-nha. Ela podia ouvir os sons da batalha, os gemidos de dor enquan-to Gregori rasgava impiedosamente Roberto em pedaços com frieza e determinação. A perda de sangue enfraqueceu a criatura inferior. Comparado a Gregori, ele era desajeitado e lento.

Savannah levou os nós dos dedos à boca e deu vários passos para trás, sem tirar os olhos do rosto duro de Gregori. Era uma máscara implacável, de sorriso suave e provocante e olhos pálidos da morte. Ele jamais mudava de expressão. O ataque fora a coisa mais fria e impiedosa que ela já presenciara na vida. Cada golpe pensado contribuíra para o enfraquecimento de Roberto até que ele ficou li-teralmente coberto por mil cortes. Roberto sequer conseguiu tocar Gregori. Era visível que ele não tinha chance alguma, que Gregori desferiria o golpe fatal a qualquer momento.

Ela viu Peter, sem vida, no asfalto. Fora um grande amigo para ela. Amara-o como a um irmão, e agora ele estava ali deitado, morto, sem motivo. Savannah finalmente fugiu, horrorizada, cruzando o es-tacionamento, e refugiou-se entre as árvores dos arredores. Deitou-se no chão. Ah, Peter. Era tudo culpa dela. Achava que tinha deixado para trás o mundo dos vampiros e dos cárpatos. Inclinou a cabeça, o estômago revirando-se, revoltado com a brutalidade deste mundo. Ela não era como aquelas criaturas. Lágrimas penduraram-se em seus cílios e escorreram por seu rosto.

Subitamente, um relâmpago crepitou e lançou uma chicotada branca e azul no céu. Um brilho alaranjado logo acompanhou um crepitar de chamas. Savannah cobriu o rosto com as mãos, sabendo que Gregori estava destruindo o corpo de Roberto por completo. Seu coração e sangue contaminado tinham de ser reduzidos a cinzas para garantir que o vampiro não pudesse erguer-se novamente. E nenhum cárpato, nem mesmo um transformado em vampiro, poderia ser ex-posto à autópsia de um médico humano. Provas físicas de sua existên-cia em mãos humanas seriam perigosas demais para toda a raça. Ela

Page 18: Feitiço sombrio

18 | Os Cárpatos

apertou os olhos e tentou não inalar o cheiro da carne queimando. Peter também teria de ser cremado para esconder o buraco horrendo que lhe fora feito na garganta, evidência da presença de um vampiro.

Houve uma sutil mudança no ar ao lado dela. Então, os dedos de Gregori envolveram seu braço e a ergueram em pé. De perto, ele pa-recia ainda mais poderoso, completamente invencível. Os braços dele a seguraram pelos ombros e a aconchegaram na parede dura que era o seu peito. Os dedos tocaram as lágrimas em seu rosto; o queixo roçou o topo de sua cabeça.

– Desculpe-me por ter chegado tarde demais para salvar seu ami-go. Quando tive ciência da presença do vampiro, ele já havia atacado.

Ele não acrescentou que andava ocupado demais redescobrindo emoções e controlando-as para conseguir sentir Roberto imedia-tamente. Fora seu primeiro descuido em mil anos, e ele não estava pronto para examinar o motivo com mais atenção. Culpa, talvez, pela química manipulada que tinha com Savannah?

A mente dela tocou a dele e encontrou pesar genuíno por sua perda.– Como me encontrou?– Eu sempre sei onde você está, a todo momento. Cinco anos atrás

você disse que precisava de tempo, e eu lhe dei. Mas nunca a deixei. Nunca deixarei. – Suas palavras tinham um tom, havia um eco da determinação de sua mente.

Savannah sentiu um aperto no peito.– Não faça isso, Gregori. Sabe como me sinto. Criei uma nova vida

para mim.A mão dele, gentil sobre seus cabelos, a fez sentir um frio na barriga.– Você não pode mudar aquilo que é. É minha companheira, e é

hora de estar comigo.Sua voz carregava uma aveludada imposição ao sussurrar compa-

nheira, reforçando sua manipulação da natureza. Quanto mais ele fa-lava, mais Savannah acreditava. Era fato que ele somente vira cores e sentira emoções após ter encontrado sua companheira. Mas Gregori

Page 19: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 19

também sabia que havia programado a química entre eles para ser com-patível antes mesmo dela nascer; ela nunca teve escolha.

Ela mordeu o lábio inferior, angustiada.– Você não pode me tomar contra a minha vontade, Gregori. É

contra as nossas leis.Ele pendeu a cabeça escura, seu hálito cálido a fez sentir uma onda

de calor na boca do estômago.– Savannah, você virá comigo agora.Ela ergueu a cabeça com ímpeto, e seus cabelos negros se esvoaçaram.– Não. Sou a única pessoa que Peter tinha como família. Vou cuidar

dos arranjos para ele primeiro. Depois discutiremos sobre nós. – Ela agitava as mãos, entregando seu nervosismo, sem notar que o fazia.

Gregori envolveu suas mãos nas dela e acalmou o agitar desespera-do de seus dedos.

– Você não está pensando com clareza, ma petite. Não pode ser vista na cena. Não haveria modo racional de explicar o que aconteceu aqui. Eu arrumei as coisas de forma que quando o corpo dele for en-contrado e identificado, nenhuma suspeita cairá sobre você nem sobre o nosso povo.

Ela respirou fundo, odiando o fato de ele ter razão. Não se podia atrair atenção para a espécie. Mas ela não era obrigada a gostar disso.

– Não vou com você.Dentes brancos brilharam para ela, o sorriso de um predador.– Você pode tentar me desafiar quanto a isso, Savannah, se sentir

que deve.Ela tocou a mente dele. Satisfação máscula, determinação impla-

cável, calma absoluta. Nada abalava Gregori, nem a morte. E certa-mente não sua recusa.

– Vou chamar os seguranças – ela ameaçou desesperadamente.Dentes imaculados surgiram novamente. Os olhos prateados cin-

tilaram.– Quer que eu os libere das ordens que dei antes que você os chame?

Page 20: Feitiço sombrio

20 | Os Cárpatos

Ela fechou os olhos, ainda tremendo, chocada e assustada. – Não, não, não faça isso – ela sussurrou derrotada.Gregori estudou a tristeza tão aparente no rosto dela.Algo cutucou seu coração, algo que não reconhecia, mas que era

muito forte. – O dia vai nascer em algumas horas. Precisamos sair daqui.– Não vou com você – ela insistiu teimosa.– Se seu orgulho demanda que você lute contra mim, pode tentar.A voz dele, com a cadência e formalidade típica do Velho Conti-

nente, era quase tenra.Os olhos dela ficaram mais escuros, quase púrpura.– Pare de me dar permissões! Sou filha de Mikhail e Raven, uma cár-

pato como você e tenho meus poderes. Tenho direito a fazer escolhas!– Se te satisfaz pensar assim.Os dedos dele rodearam seus pulsos com tanta naturalidade. Segu-

ravam-nos com gentileza, mas ainda assim ela podia sentir a incrível força dele. Savannah puxou com força, testando sua determinação. Gregori pareceu nem notar que ela lutava.

– Quer que eu torne isso mais fácil para você? Está com medo sem motivo – sua voz hipnotizante era incrivelmente terna.

– Não! – O coração dela martelava dolorosamente no peito. – Não controle a minha mente. Não me transforme em um fantoche.

Ela sabia que ele era poderoso o bastante para tanto, e isso a ater-rorizava.

Dois dedos tocaram seu queixo com firmeza e ergueram seu rosto, de modo que seu olhar cruzou com os olhos prateados dele.

– Não há possibilidade de que eu cometa tal atrocidade. Não sou um vampiro. Sou um cárpato, e você é minha companheira. Eu a pro-tegerei com a minha própria vida. Sempre zelarei pela sua felicidade.

Ela respirou fundo, tentando se controlar, depois soltou o ar len-tamente.

– Não somos companheiros. Não escolhi isso.

Page 21: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 21

Ela se prendia ao fato, sua única esperança.– Podemos discutir isso em um momento mais oportuno.Ela concordou, cansada.– Então, encontro você amanhã.A risada suave dele preencheu sua mente. Grave. Divertida. Irri-

tantemente máscula.– Você vem comigo agora – sua voz baixou uma oitava, tornando-

-se mel quente, convincente, hipnótica, tão dominadora que era im-possível resistir.

Savannah afastou a testa do peito dele. Lágrimas queimavam em seus olhos e garganta.

– Tenho medo de você, Gregori – ela admitiu dolorosamente. – Não posso viver a vida de um cárpato. Sou como minha mãe. Inde-pendente demais, preciso ter minha própria vida.

– Eu sei dos seus medos, ma petite. Conheço cada pensamento seu. A ligação entre nós é forte o bastante para cruzar oceanos. Pode-mos lidar com seus medos juntos.

– Não consigo. Não vou! – Savannah livrou-se dos braços dele, desmaterializou-se e saiu em disparada.

Mas não importava o quanto girasse e se esquivasse, não importava quão rapidamente corresse ou se movimentasse, Gregori a acompa-nhava a cada passo. Quando finalmente se exauriu e parou, ela estava na extremidade do estádio, lágrimas corriam por seu rosto. Gregori estava ao seu lado, inabalável, quente, invencível, como se realmen-te conhecesse cada um de seus pensamentos, cada movimento antes mesmo de ela o executar.

Envolveu-a pela cintura, ergueu-a totalmente do chão e apertou-a contra si.

– Ao permitir que seja livre, eu a exponho ao perigo de encontrar rebeldes como Roberto.

Por um momento, ele baixou a cabeça para mergulhar o rosto na massa espessa de seus cabelos negros. Então, sem aviso, lançou-se ao

Page 22: Feitiço sombrio

22 | Os Cárpatos

ar, uma imensa ave de rapina com força descomunal, mantendo o pequeno corpo de Savannah preso junto ao dele.

Ela fechou os olhos e permitiu que a tristeza por Peter a dominasse, para evitar pensar na criatura que a carregava pelos céus, levando-a para seu covil. Ela cerrou os punhos encostados nos músculos grossos e maciços como metal. O vento conduziu o som de seus soluços até as estrelas. Suas lágrimas cintilaram feito glitter sob o luar.

Gregori sentia a dor de Savannah como se fosse a sua própria. As lágrimas o comoviam quando nada mais o fazia. Sua mente alcançou o caos em que se encontrava a dela, e vislumbrou um pesar arrebata-dor e um medo terrível. Deliberadamente, confortou-a com seu calor. Afagou sua mente, acalmando-lhe os nervos.

Savannah abriu os olhos e viu-se fora da cidade, no alto das monta-nhas. Gregori pousou-a gentilmente nos degraus de uma grande casa. Estendeu a mão para abrir a porta, depois educadamente recuou um passo para que ela entrasse primeiro.

Savannah sentiu-se pequena e perdida, sabendo que se entrasse em seu covil, estaria colocando sua vida nas mãos dele. Seus olhos brilha-ram com chamas branco-azuladas, como se tivessem capturado uma estrela e a prendido para sempre em suas profundezas. Erguendo o queixo, desafiadora, ela andou para trás até ser contida pelo corrimão da varanda.

– Recuso-me a entrar em sua casa.Ele riu, divertido, extremamente másculo.– Seu corpo e o meu escolheram por nós. Não há outro homem

para você, Savannah. Nem agora nem nunca. Posso sentir suas emo-ções quando homens, humanos ou cárpatos, a tocam. Você sente re-pulsa; não consegue suportar que a toquem – a voz dele ficou ainda mais grave, uma carícia de magia negra que parecia enviar um calor, espalhando-se por ela como lava derretida. – Isso não acontece com o meu toque, ma petite. Nós dois sabemos disso. Não negue, ou serei forçado a comprovar o que digo.

Page 23: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 23

– Tenho apenas vinte e três anos – ela apontou desesperada. – Você tem séculos. Eu não vivi quase nada.

Ele deu de ombros, os músculos naturalmente se retesando, seus olhos prateados fixos no belo e ansioso rosto dela.

– Então poderá aproveitar os benefícios de minha experiência.– Gregori, por favor, tente entender. Você não me ama. Você não

me conhece. Não sou como outras fêmeas cárpato. Não quero ser uma reprodutora para a minha espécie. Não posso ser sua prisioneira, não importa quão bem tratada eu seja.

Ele riu baixo e fez um gesto contrariando o que ela dizia.– Você é jovem, criança, por isso crê naquilo que diz – havia uma

certa gentileza em sua voz que contagiou o coração dela, apesar de todo o medo. – Sua mãe é prisioneira?

– Meus pais são diferentes. Meu pai ama minha mãe. Mesmo as-sim, quando podia, às vezes passava por cima dos direitos dela. Uma jaula de ouro ainda é uma jaula, Gregori.

Ele estava se divertindo e isso aquecia a frieza de seu olhar. Savan-nah sentiu certa irritação. Sentiu uma vontade quase incontrolável de estapear-lhe o rosto. Ele sorriu de orelha a orelha, uma sutil provoca-ção. Apontou para a porta aberta.

Ela forçou o riso.– Podemos ficar aqui até o amanhecer, Gregori. Estou disposta...

e você?Ele recostou casualmente o quadril na parede.– Quer mesmo me desafiar?– Não pode me forçar a agir contra a minha vontade sem violar

nossas leis.– Em todos os séculos de minha existência, você acredita que nun-

ca quebrei regras? – Sua risada, discreta, era desprovida de humor. – Raptar você é algo tão tolo quanto atravessar fora da faixa, comparado às coisas que fiz.

Page 24: Feitiço sombrio

24 | Os Cárpatos

– Ainda assim, você levou Roberto à justiça, mesmo São Francisco sendo um território de caça de Aidan Savage – ela ressaltou, mencio-nando outro poderoso cárpato que perseguia e destruía aqueles que entre eles tornavam-se vampiros. – Você fez isso por minha causa?

– Você é minha companheira, a única coisa que fica entre eu e a destruição, tanto de mortais quanto de imortais – declarou ele calma-mente, como se fosse uma verdade absoluta. – Ninguém a tocará ou se colocará entre nós e viverá. Ele a atacou, Savannah.

– Meu pai teria...Ele balançou a cabeça.– Não tente colocar seu pai no meio disso, chérie, ainda que Mikhail

seja o príncipe de nosso povo. Isso é entre você e eu. Você não quer criar uma guerra. Roberto a atacou; é motivo suficiente para que morra.

Ela tocou a mente dele mais uma vez. Nada de raiva. Apenas deter-minação. Ele falava sério. Não estava blefando nem tentando assustá--la. Queria pôr as cartas na mesa. Savannah pressionou as costas da mão contra a boca. Sempre soube que esse momento chegaria.

– Desculpe-me, Gregori – ela sussurrou, em desespero. – Não pos-so ser o que você quer que eu seja. Escolho enfrentar o amanhecer.

Os dedos dele roçaram seu rosto com incrível suavidade.– Você não faz ideia do que quero de você. – Com as mãos, ele

envolveu seu rosto, os dedões roçando a pele de seda bem acima da pulsação que batia tão freneticamente em sua garganta. – Sabe que não posso permitir tal escolha, ma petite. Podemos falar sobre os seus medos. Entre comigo.

A mente dele invadiu a de Savannah, uma sedução cálida e doce. Seus olhos, tão pálidos e frios, aqueceram-se, tomados por um mercú-rio derretido que parecia queimar dentro dela, ameaçando sua vontade.

Os dedos de Savannah pressionaram o corrimão à medida que ela sentiu afundar-se no líquido quente.

– Pare com isso, Gregori! – ela clamou enfaticamente, determinada a quebrar o controle mental. Era um doce tormento, calor desenfreado,

Page 25: Feitiço sombrio

Feitiço Sombrio | 25

sedução tão perigosa que ela se lançou em direção à entrada da casa para escapar do poder negro que dela tentava se apoderar.

Com o braço, Gregori impediu que ela caísse. Encostou a boca em sua orelha. O corpo, agressivamente másculo, teso e ferozmente excitado, roçou o dela. Diga, Savannah. Diga as palavras. Até mes-mo o sussurro em sua mente era como veludo negro. A boca dele, perfeita e sensual, tão quente e úmida, passeou por sua garganta. A realidade do corpo dele era ainda mais erótica do que sua sedução mental. Com os dentes, ele roçou devagar a pele da moça. Ele ficou tenso, e ela pôde sentir a fera interior despertando, faminta, ardendo de desejo – não um amante gentil e racional, mas um macho cárpato completamente excitado.

As palavras que ele a fez proferir quase estrangularam-lhe a gar-ganta e escaparam tão graves que era impossível dizer se de fato foram ditas em voz alta ou se apenas ecoaram em sua mente.

– Eu vou até você por minha própria vontade.Ele imediatamente a soltou, permitindo que cruzasse a passagem

sozinha. Atrás dela, a grande figura ocupava todo o arco da porta. Ele ficou em pé, na frente dela, os olhos prateados irradiando calor, poder, extrema satisfação. Gregori fechou a porta com o pé e dirigiu-se até ela.

Savannah gritou e tentou evitar o toque, mas ele a agarrou sem fazer muita força, aninhando o corpo que se debatia contra o peito. O queixo dele afagou seus cabelos sedosos.

– Fique quieta, enfant, ou vai acabar se machucando. Não há como lutar contra mim, e não posso permitir que se machuque.

– Odeio você.– Você não me odeia, Savannah. Tem medo de mim, mas, acima

de tudo, tem medo do que é – ele respondeu calmamente. Ele cruzou a casa com passadas longas, carregando-a até o porão,

descendo profundamente até a câmara escondida com tanto cuidado sob a terra.

Page 26: Feitiço sombrio

26 | Os Cárpatos

Seu corpo ardia pelo dele, e a proximidade de seu calor não pro-porcionava alívio. Um desejo agudo se manifestou, e algo selvagem dentro dela acordou.