felix, zirleide (2013) revisão de lit; eutanásia, distanásia e ortotanásia

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1 Núcleo de Estudos ePesquisas em Bioética,Universidade Federal daParaíba. CidadeUniversitária - Campus I,Castelo Branco. 58.059-900João Pessoa [email protected]

Eutanásia, distanásia e ortotanásia:revisão integrativa da literatura

Euthanasia, dysthanasia and orthothanasia:an integrative review of the literature

Resumo Atualmente, existe preocupação notó-ria dos pesquisadores em debater questões gerado-ras de conflitos éticos, no âmbito assistencial, di-recionada ao ser humano em fase de terminalida-de, em particular, acerca da eutanásia, distanásiae ortotanásia. Este estudo objetivou caracterizara produção científica, no âmbito nacional, acer-ca da eutanásia, distanásia e ortotanásia. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Ouniverso do estudo foi constituído por 41 publi-cações relacionadas ao tema investigado, medi-ante a realização de um levantamento online, naBiblioteca Virtual em Saúde, no Portal Capes ena Revista Bioética. Desses, 25 artigos compuse-ram a amostra, considerando-se critérios de in-clusão e exclusão estabelecidos. A coleta de dadosocorreu em março de 2013, por meio de um ins-trumento com informações pertinentes ao objeti-vo proposto. Os descritores utilizados foram euta-násia, distanásia e ortotanásia. No que se refereao enfoque das publicações, emergiram três te-mas: Tema I - Eutanásia; Tema II - Distanásia eTema III - Ortotanásia. Os estudos analisados ex-pressam a preocupação atual diante de dilemaséticos, no que concerne ao cuidar do ser humanona fase final de vida. Dessa forma, espera-se queesta pesquisa possa contribuir para fortalecer asleituras críticas a respeito da temática.Palavras-chave Eutanásia, Distanásia, Ortota-násia

Abstract There is currently widespread concernamong researchers in debating questions that ge-nerate ethical conflicts within the scope of healthcare geared to the human being in the terminalphase, especially euthanasia, dysthanasia andorthothanasia. This study sought to characterizethe scientific production at the national level oneuthanasia, dysthanasia and orthothanasia. Itinvolves an integrative review of the literature.The study universe consisted of 41 publicationsrelated to the theme in question by means of asurvey conducted online in the Virtual HealthLibrary in the Capes Portal and in the BioethicalMagazine. Of these, 25 articles comprised the sam-ple taking into consideration the established in-clusion and exclusion criteria. Data collection oc-curred in March 2013, by means of an instrumentcontaining information pertinent to the proposedobjective. The key words used were euthanasia,dysthanasia and orthothanasia. With respect tothe focus of the publications, three themesemerged: Theme I – Euthanasia; Theme II – Dys-thanasia and Theme III – Orthothanasia. Thestudies analyzed reflected the current concern interms of ethical dilemmas concerning care of thehuman being in the end of life phase. Thus, it ishoped that this research can contribute to bolsterthe critical reading with respect to the theme.Key words Euthanasia, Dysthanasia, Orthotha-nasia

Zirleide Carlos Felix 1

Solange Fátima Geraldo da Costa 1

Adriana Marques Pereira de Melo Alves 1

Cristiani Garrido de Andrade 1

Marcella Costa Souto Duarte 1

Fabiana Medeiros de Brito 1

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Introdução

A Medicina atravessou profundas modificaçõesao longo do Século XX. Os avanços na práticamédica, sobretudo nas áreas cirúrgica, terapêu-tica, de anestesia e de reanimação e no campo datecnologia, têm originado melhorias significati-vas na saúde, em relação ao controle ou à elimi-nação de doenças, o que torna cada vez mais ra-ros os casos de morte natural1.

Se, de um lado, esses avanços têm proporcio-nado uma melhoria na qualidade de vida daspessoas, principalmente nas sociedades desenvol-vidas (conduzindo-as a uma progressiva dimi-nuição da mortalidade), de outro, essa sobrevi-da maior decorre do prolongamento desneces-sário e de tratamentos injustificáveis, com a obs-tinação terapêutica a qualquer custo2. De acordocom esse entendimento, a vida humana é deter-minada por circunstâncias, entre as quais, desta-ca-se a busca contínua por ser saudável, umaesfera da realidade que se confronta entre doispolos – saúde e doença. Logo, o aumento da lon-gevidade ocasiona, também, o aumento signifi-cativo do número de pessoas que sofrem de do-enças crônicas que não se curam e, portanto,chegam à terminalidade3.

Com base nesse entendimento, tem sido cons-truído o conceito de morte digna ou boa morte.Porém, essa definição nem sempre é a mesmapara os pacientes, os cuidadores, os familiares eos profissionais da área de Saúde. A abreviaçãoda morte, a aplicação de esforços terapêuticosdesproporcionais, como a obstinação, a futili-dade e o encarniçamento terapêutico, ou a insti-tuição dos cuidados paliativos, que aliviam osofrimento, constituem os extremos de tratamen-tos que podem ser oferecidos ao indivíduo emestágio terminal. O que, realmente, deve ser rea-lizado para o paciente é um dilema ético de difícildecisão, porém que determinará, em última ins-tância, todo o processo de morte de um ser4. As-sim, é imprescindível a discussão sobre o impas-se entre métodos artificiais para prolongar a vidae a atitude de deixar a doença seguir sua histórianatural, com destaque para a eutanásia, a dista-násia e a ortotanásia.

No que diz respeito à eutanásia, do ponto devista clássico, foi definida, inicialmente, como oato de tirar a vida do ser humano. Mas, depoisde ser discutido e repensado, o termo significamorte sem dor, sem sofrimento desnecessário.Atualmente, é entendida como uma prática paraabreviar a vida, a fim de aliviar ou evitar sofri-mento para os pacientes5. O termo supracitado é

ilegal no Brasil, porém é aceito em alguns países,como a Holanda e a Bélgica. Vale ressaltar que oCódigo de Ética Médica brasileiro de 1988 temtodos os artigos alusivos ao tema contrários àparticipação do médico na eutanásia e no suicí-dio assistido6.

Já a distanásia é um termo pouco conhecido,porém, muitas vezes, praticada no campo da saú-de. É conceituada como uma morte difícil oupenosa, usada para indicar o prolongamento doprocesso da morte, por meio de tratamento queapenas prolonga a vida biológica do paciente, semqualidade de vida e sem dignidade. Também podeser chamada de obstinação terapêutica7. Nessesentido, enquanto, na eutanásia, a preocupaçãoprincipal é com a qualidade de vida remanescen-te, na distanásia, a intenção é de se fixar na quan-tidade de tempo dessa vida e de instalar todos osrecursos possíveis para prolongá-la ao máximo8.

Convém ressaltar que a boa morte ou mortedigna tem sido associada ao conceito de ortota-násia. Etimologicamente, ortotanásia significamorte correta – orto: certo; thanatos: morte. Tra-duz a morte desejável, na qual não ocorre oprolongamento da vida artificialmente, atravésde procedimentos que acarretam aumento dosofrimento, o que altera o processo natural domorrer9.

Destarte, na ortotanásia, o indivíduo em es-tágio terminal é direcionado pelos profissionaisenvolvidos em seu cuidado para uma morte semsofrimento, que dispensa a utilização de méto-dos desproporcionais de prolongamento da vida,tais como ventilação artificial ou outros procedi-mentos invasivos. A finalidade primordial é nãopromover o adiamento da morte, sem, entretan-to, provocá-la; é evitar a utilização de procedi-mentos que aviltem a dignidade humana na fini-tude da vida10.

Nesse enfoque, é necessário diferenciar o di-reito à deliberação da morte e o privilégio à mor-te digna. A faculdade de decidir sobre a morteestá relacionada à eutanásia, que traduz o auxílioao suicídio, através de procedimentos que pro-vocam a morte. Por outro lado, o direito demorrer de forma digna diz respeito a uma mortenatural, com humanização, sem que haja o pro-longamento da vida e do sofrimento, através dainstituição de intervenções fúteis ou inúteis, quese reporta à distanásia9.

É notório destacar que a reflexão sobre a le-galidade das práticas supracitadas é uma temáti-ca de intensa discussão em diversos países. Dian-te desse contexto, considerando-se a relevânciada temática no campo da Bioética para o meio

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acadêmico, assim como para a prática assisten-cial e de pesquisa no campo da saúde, é sobre-maneira importante desenvolver estudos quebusquem socializar sua produção científica, vis-to que são incipientes as publicações que abor-dem o referido tema. Contudo, este estudo obje-tivou caracterizar a produção científica, no âm-bito nacional, acerca da eutanásia, da distanásiae da ortotanásia.

Metodologia

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura.É um método que deve seguir, de maneira rigo-rosa, o procedimento empregado, por meio doqual o leitor pode identificar as principais carac-terísticas das publicações. A revisão produz co-nhecimento atualizado sobre determinado pro-blema e determina se esse conhecimento podeser aplicado na prática11. Essa modalidade depesquisa é norteada por seis fases distintas: ela-boração da questão; estabelecimento da estraté-gia de busca na literatura; seleção de estudos combase nos critérios de inclusão; leitura crítica, ava-liação e categorização do conteúdo; análise e in-terpretação dos resultados11.

A questão norteadora proposta para o estu-do foi a seguinte: Qual a caracterização da pro-dução científica, no âmbito nacional, a respeitoda eutanásia, da distanásia e da ortotanásia? Paraidentificar as publicações que compuseram a re-visão integrativa deste estudo, realizou-se umabusca online, mediante levantamento na Biblio-teca Virtual em Saúde (BVS), no Portal Capes ena Revista Bioética, que foi utilizada em virtudedo grande quantitativo da produção científicarelativa aos dilemas éticos e bioéticos. Os descri-tores utilizados foram eutanásia, distanásia e or-totanásia. Para restringir a amostra, foi empre-gado o operador booleano or, junto com os ter-mos selecionados, como, por exemplo: Eutaná-sia or Distanásia or Ortotanásia.

O universo do estudo foi constituído por 41publicações pertinentes à temática investigada.Dessa forma foram considerados os seguintescritérios de inclusão previamente estabelecidos:artigos publicados em português, disponíveis naintegra, no período de 2008 a 2012, nas modali-dades originais ou revisão e que apresentassemno título os termos eutanásia ou distanásia ouortotanásia. Vale ressaltar que os artigos que nãose encaixaram nos critérios de inclusão foramretirados da amostra. Quanto aos critérios deexclusão, levaram-se em consideração: artigos em

duplicidade, publicados em idiomas estrangei-ros ou que antecedessem ao ano de 2008, e aque-les que, apesar de apresentar os descritores sele-cionados, não abordavam diretamente a temáti-ca proposta. Com base nesses pressupostos, aamostra foi composta por 25 artigos.

A coleta dos dados foi realizada no mês demarço de 2013. Para viabilizar a apreensão dasinformações e a categorização dos estudos, foiutilizado um instrumento contendo os seguintesitens: título do periódico, ano de publicação, re-ferência, modalidade de estudo, título do artigo,objetivos e conclusão. Os dados obtidos foramagrupados e apresentados em Quadros, visandoa uma melhor visualização dos estudos inseri-dos na revisão integrativa. Desse agrupamento,emergiram categorias temáticas.

Vale ressaltar que o instrumento propostofoi fundamental para a construção desta revi-são, visto que, com base nos dados coletados, foipossível realizar a caracterização das publicaçõesinclusas no estudo, bem como a interpretação ea análise dos achados.

Resultados e Discussão

No que se refere ao enfoque das publicações, ex-traíram-se três categorias temáticas: Tema I: Eu-tanásia (Quadro 1); Tema II: Distanásia (Qua-dro 2); e Tema III: Ortotanásia (Quadro 3), queapresentam a síntese do conhecimento contem-plado na literatura.

Conforme os estudos contemplados no temaI, expressos no Quadro 1, conclui-se que a euta-násia não é um dilema recente, porém se trata deuma temática que vem apresentando relevânciano espaço das discussões contemporâneas emdiferentes sociedades.

É oportuno destacar que a definição etimo-lógica da eutanásia é fundamentada como o atode dar a morte, por compaixão, a alguém quesofre intensamente, em estágio final de doençaincurável, ou que vive em estado vegetativo per-manente. Nesse processo, não se devem empre-gar meios que causem sofrimentos adicionais,mas que sejam adequados para tratar uma pes-soa que está morrendo8,12. Assim, é o ato de abre-viação da vida do paciente, além do tempo queele levaria para morrer espontaneamente8,13.

É importante enfatizar que tal prática, quan-do legalizada, pode ser realizada por um médico,um enfermeiro, qualquer um dos profissionaisda área de Saúde ou mesmo por um familiar.Portanto, a literatura13 assinala três modalidades

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de conduta que podem ter como resultado amorte do paciente: 1- conduta omissiva – quan-do o agente, mesmo tendo condição e/ou obri-

gação de prestar um serviço, uma terapia, umamedicação ao paciente, não o faz, convicto deque estará abreviando seu sofrimento, o que re-

Título

A eutanásia e osparadoxos daautonomia14

Lidando compedidos de eutanásia:a inserção do filtropaliativo15

A bioética daproteção e acompaixão laica: odebate moral sobre aeutanásia16

Aborto e eutanásia:dilemascontemporâneossobre os limites davida17

A eutanásia noBrasil18

Modalidade

Revisão

Revisão

Revisão

Revisão

Revisão

Quadro 1. Distribuição dos artigos do Tema I, segundo título, modalidade, objetivos e conclusões daspublicações selecionadas para o estudo.

Objetivo(s)

Investigar o princípio deautonomia, partindo desuas origens nas tradiçõesgrega e cristã e mapeandoalguns desdobramentos natradição ocidental, até suaformulação namodernidade, legado deImmanuel Kant.

Discutir questões éticasrelacionadas com o finalda vida humana,apresentando dados daHolanda e Bélgica, paísesque possuem legislaçãoespecífica epolíticaspúblicas emrelação à prática daeutanásia.

Discutir a proteção, tendocomo norte o debatebioético sobre a eutanásia.

Constatou–se a presençade discursos opostos,oriundos da religião e dedefensores da autonomiaindividual, o que ilustra osdilemas contemporâneossobre os limites da vida.

Analisar o debate sobre aeutanásia no Brasil.

Conclusão

O princípio da autonomia temfornecido sustentação a cogentesargumentos bioéticos em defesa daeutanásia. Dessa forma, é mister queseja respeitada a liberdade de escolha dohomem que padece.

Não obstante a persistência doschamados casus perplexus, isto é, a nãodesistência da solicitação de eutanásia, aproposta de cuidados paliativos tornairrelevantes e desnecessárias muitasdessas solicitações.

O artigo apresentou uma possívelsíntese da inscrição da compaixão laicano debate moral sobre a eutanásia,entrando em cena enquanto horizontecapaz de permitir o abrigo daquele quepadece, garantindo sua autonomia, nosentido de tornar fato a disposição defenecer em paz e sem dor -caracterizando uma boa morte.

Analisar a polêmica em torno dadeterminação dos limites da vida, apartir do pressuposto de que ademarcação das fronteiras entre vida emorte envolve questões culturais,sociais, religiosas e políticas referentes àgestão da pessoa.

Pode-se compreender que, apesar deainda não regulamentada a questão daeutanásia no Brasil vem sendoamplamente debatida entre filósofos,religiosos e, principalmente, entre osoperadores do Direito que buscam amelhor forma de inseri-la em nossoordenamento jurídico.

continua

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Quadro 1. continuação

Título

Eutanásia:discutindorelatividade dabioética19

Eutanásia e suarelação com casosterminais, doençasincuráveis, estadosneurovegetativos,estados sequelaresgraves ou desofrimento intenso eirreversível e morteencefálica8

Acadêmicos deenfermagem frente àEutanásia e o direitode morrer comdignidade: brevesreflexões20

Eutanásia: a últimaviagem13

Eutanásia empaciente terminal:concepção demédicos eenfermeirosintensivistas12

Modalidade

Revisão

Revisão

Relato deExperiência

Revisão

Original

Objetivo(s)

Realizar uma reflexão teóricada eutanásia a fim deproporcionar uma melhorcompreensão do processo demorte e o morrer à luz dabioética.

Tecer considerações sobre anatureza dos seguintesconceitos médicos: coma,estado neurovegetativopersistente e comairreversível, morte encefálicae morte (ou “mortecirculatória”), eutanásia,distanásia, ortotanásia eestado terminal.

Relatar e discutir a formaçãodos profissionais enfermeirosnos aspectos éticos, legais,bioéticos e humanísticosfrente à eutanásia.

Analisar um dos mais antigosdilemas da raça humana: aeutanásia, ou seja, o direitode terminar com a própriavida, buscando assim umamorte com dignidade e semsofrimento.

Investigar percepções deenfermeiros e médicosintensivistas no tocante àprática da eutanásia empacientes terminais.

Conclusão

No aspecto legal está vedadaqualquer prática assistencial queocasione a morte. Por ser um atoincontornável, não pode ser tratadocom indiferença ou displicência.Devem-se analisar as questõeslegais, religiosas, bioéticas e culturaispara chegar num entendimentomais próximo da convivência.

Entende-se ser importante umaespécie de “exegese” dos termosmédicos envolvidos na discussão,com esclarecimento de seusrespectivos conceitos, que vêm a sero que nos propomos a fazer notexto que segue, associado ao final,a breve análise da Resolução doCFM 1805/2006 e do novo Códigode Ética Médica,Resolução CFM1931/2009.

Sugere-se a ampliação de espaçosprofissionais e acadêmicos dedebate e reflexão sobre a eutanásia,especialmente em cursos deenfermagem, entre outros na áreada saúde.

A busca por respostas se a prática daeutanásia deve se transformar emum direito, não virá em poucotempo. No Brasil, há projetostramitando no Congresso Nacionalnesse sentido, mas o que nãopodemos perder de vista é que aprática da eutanásia, mesmoquando reconhecida noordenamento legal, é um direitosubjetivo, podendo fazer uso delaquem quiser.

Evidencia-se, portanto, com estetrabalho, que os profissionais daequipe de saúde, mais precisamenteenfermeiros e médicos, reconhecemos sentimentos atrozes vivenciadospelos pacientes irreversíveis, porémnão optam por meios como aspráticas da eutanásia, voltadas àminimização de tais sofrimentos,uma vez que infringiriaprincipalmente os aspectosjurídicos, religiosos e éticos que lhessão impostos.

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sulta na morte; 2- conduta ativa direta – aplica-ção de terapias analgésicas com a intenção pri-mordial de aliviar as dores do paciente terminal,sabendo que essa medicação resultará no faleci-mento dele; 3- conduta ativa indireta – é aquelaque, motivada por convicções humanitárias, levao agente a produzir a morte antecipada de umpaciente que esteja com uma doença incurável,com sofrimento atroz e qualidade de vida ínfi-ma, mas que, sozinho, não seja capaz de se suici-dar. Antes disso, o paciente terá expressado o seuconsentimento.

No que concerne às percepções de enfermei-ros e médicos intensivistas sobre a prática da

eutanásia em pacientes terminais, constata-se quealguns profissionais compreendem parcialmen-te o conceito de eutanásia, e outros, totalmente.Também houve unanimidade entre os profissio-nais que discordaram da prática da eutanásia,porquanto é considerada crime, de acordo coma lei brasileira, e os principais motivos são asquestões religiosas e éticas12.

A eutanásia pode ocorrer por dois meios: deforma voluntária, realizada pelo próprio pacien-te ou a pedido dele, ou de forma involuntária,quando é realizada por outrem com ou sem oconsentimento do paciente. Quanto ao tipo deação, a eutanásia ativa é a que se caracteriza pelo

Título

Manifestações dasvontades antecipadasdo paciente comofator inibidor dadistanásia21

Responsabilidade etecnologia: a questãoda distanásia22

Distanásia:percepção dosprofissionais daenfermagem23

Distanásia, eutanásiae ortotanásia:percepções dosenfermeiros deunidades de terapiaintensiva eimplicações naassistência24

Modalidade

ArtigoOriginal

Artigo deatualização

ArtigoOriginal

ArtigoOriginal

Quadro 2. Distribuição dos artigos do Tema II, segundo título, modalidade, objetivos e conclusões daspublicações selecionadas para o estudo.

Objetivo(s)

Avaliar se as vontadesantecipadas de um pacienteserão respeitadas pelos médicosno momento em que estiverincapacitado de se comunicar ese essa manifestação constituium instrumento válido deinibição da distanásia.

Levantar as causas e osprincípios bioéticos e a relaçãoentre desenvolvimentotecnológico e responsabilidade,no âmbito da prática clínica nafase terminal.

Conhecer se os enfermeirosidentificam a distanásia comoparte do processo final da vidade pessoas em terminalidadeinternadas em UTI adulto.

Os objetivos deste estudoforam analisar as percepçõesdos enfermeiros que atuam emUTI de um hospitaluniversitário, no Brasil, sobredistanásia, ortotanásia eeutanásia e caracterizar aspossíveis implicações naassistência.

Conclusão

O estudo permite supor que aregulamentação ética e legal dasvontades antecipadas compreendemedida favorável para o respeito àautonomia do paciente e relevantefator de inibição à distanásia.

Diante do exposto, mostra-se anecessidade de se mudar oparadigma de tratamento dapessoa doente, sobretudo quandoterminal ou crônica, comocorolário dessa responsabilidade.

Conclui-se que os enfermeirosinterpretam a distanásia como oprolongamento de vida com dor esofrimento, onde os pacientesterminais são submetidos atratamentos fúteis que não trazembenefícios. E também aidentificam usando elementos daortotanásia.

O fundamento do agir profissionaldos enfermeiros não foihomogêneo e o conhecimentoacerca do tema ainda é limitado. Abusca pela ortotanásia, osprincípios bioéticos e ahumanização da assistênciadeveriam ser fundamentos de suaassistência.

continua

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Título

Percepção deenfermeirosintensivistas sobredistanásia emunidade de terapiaintensiva25

O profissional desaúde frente àdistanásia: umarevisão integrativa26

Modalidade

ArtigoOriginal

Artigo deRevisão

Quadro 2. continuação

Objetivo(s)

Identificar e analisar apercepção de enfermeiros daunidade de terapia intensiva deum hospital escola emLondrina sobre distanásia empacientes terminais na unidadede terapia intensiva

Teve-se por objetivo identificarqual é a problemáticavivenciada pelos profissionaisde saúde com relação àmanutenção do suporte devida oferecido ao paciente sempossibilidade de cura,conhecido como distanásia.

Conclusão

A vivência dos enfermeirosperante as ações de distanásiamostrou-se complexa, sendo umfator de sofrimento, frustração ainquietação para estesprofissionais.

Concluiu-se que não há consensona literatura com relação aoscritérios para a retirada oumanutenção do suporteterapêutico frente ao paciente queestá em processo de morte. Assim,destacou-se que a bioética pode seruma ferramenta eficaz na buscapela decisão mais prudente frenteaos conflitos éticos decorrentes daterminalidade.

ato de provocar a morte por fins misericordio-sos, sem sofrimento do paciente, e a eutanásiapassiva trata-se da não iniciação de uma açãomédica ou interrupção de uma medida extraor-dinária, objetivando abrandar o sofrimento, se-guida de morte do paciente12,17,19.

Estudo aponta que, de outra forma, a euta-násia trata-se, com grande possibilidade, sim-plesmente, de um modo qualificado de homicí-dio, seja porque a vítima não pode se defender,seja por justificada confiança. Com efeito, empaíses que adotam a eutanásia, considera-se quea intenção de quem provoca a morte deve ser delivrar aquele que está para morrer de uma condi-ção insuportável – sofrimentos intoleráveis ouuma situação de indignidade e de desamparo ex-tremo provocado pela doença8.

A eutanásia é permitida na Holanda, desde2001, e na Bélgica, a partir de 200215,17. No terri-tório do norte da Austrália, vigorou uma legisla-ção que permitia a eutanásia voluntária ativa de1995 até 1997, quando o Parlamento Federal em-bargou a lei. A maioria dos estados dos EstadosUnidos e do Canadá tem legislações que permi-tem que os médicos suspendam os tratamentoscom a autorização do paciente ou de seu repre-sentante. O estado norte-americano do Oregonaprovou uma lei, em 1999, que permite o suicí-dio assistido por médicos17.

Outra pesquisa alude que, na Holanda, o fatode a eutanásia já estar legalizada não significaque está totalmente liberada. Ao contrário, emprimeiro lugar, a eutanásia limita-se a um atomédico; em segundo, o ato é submetido a setecondições, entre elas: a doença deve ser incurávele causar sofrimento ao paciente; o pedido do can-didato à eutanásia deve ser voluntário e refletido,no qual cada caso deve ser analisado particular-mente e preencher os requisitos da lei18.

No Brasil, o ordenamento jurídico manifes-ta-se flagrantemente contrário à prática da euta-násia, considerando-a crime pela legislação pe-nal, que afirma que, se o autor do crime agiu porcompaixão, a pedido da vítima, para lhe abrevi-ar o sofrimento físico insuportável, em razão dedoença grave: pena-reclusão, de três a seisanos18,20. Porém, averígua-se que há vários pro-jetos tramitando no Congresso Nacional nessesentido, principalmente respaldando-se na au-tonomia do paciente18.

Em vista disso, torna-se legítima a indagaçãoacerca do alcance do princípio de autonomia dapessoa nas controvérsias morais em relação àeutanásia. Assinala-se14 que o princípio de res-peito à autonomia tem sustentado cogentes ar-gumentos bioéticos em defesa da eutanásia. Nes-se âmbito, é mister que seja respeitada a liberda-de de escolha do homem que padece, isto é, sua

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Título

A ortotanásia e oDireito Penalbrasileiro27

Reflexões legais eéticas sobre o finalda vida: umadiscussão sobre aortotanásia9

Cuidados paliativose ortotanásia28

Opinião dos médicosdas Unidades deTerapia Intensiva doComplexo Hospitaldas Clínicas sobre aortotanásia29

Modalidade

Revisão

Revisão

Revisão

Original

Quadro 3. Distribuição dos artigos do Tema III, segundo título, modalidade, objetivos e conclusões daspublicações selecionadas para o estudo.

Objetivo(s)

Discutir os novos aspectosmédicos e jurídicos queinfluenciam asintervenções no final davida humana,investigando a existênciada possibilidade lícita dedeixar que o doentemorra, sem que sejamutilizados os modernosrecursos deprolongamento vital, emface da legislação penalbrasileira.

Apresentar bases éticas,científicas e legais frenteà ortotanásia e os dilemasdo final da vida, emespecial na visão bioéticada dignidade e dosdireitos humanos.

Discutir sobre aassociação dos cuidadospaliativos à ortotanásia.

Avaliar o impacto daresolução CFM 1.805/2006 na opinião dosmédicos que trabalhamnas Unidades de TerapiaIntensiva (UTI) doComplexo Hospital dasClínicas.

Conclusão

A principal conclusão obtida é que arestrição de recursos artificiais não écrime se eles não representam benefícioefetivo para o enfermo e se sãounicamente condições de obstinaçãoterapêutica. A indicação ou contra-indicação de uma medida é decisãomédica, que deverá ser discutida com opaciente e sua família, para garantir adignidade da pessoa humana em final devida.

A decisão de não prolongar a vida édemasiado complexa, mas o limite parainvestir está nitidamente ligado àconcepção de morte digna aliada à plenaconsciência das limitações deintervenção. Parece claro que o ideal seriaouvir, sentir e pensar com o sujeito quesofre a amarga presença do eventoinevitável da morte, para que dessarelação complexa possa surgir a soluçãomais correta possível para cada caso.

Dessa forma, não concordamos com oposicionamento do Mistério PúblicoFederal e acreditamos ser legítimo eeticamente correto, o médico, embasadoem suas convicções, abdicar de provertratamentos que estendem dolorosa eprecariamente a vida. A vida é um direitoa ser asseverado e não uma imposiçãoincondicional a ser cumprida.

A maioria dos médicos foi favorável àprática da ortotanásia, princípio que visadiminuir o sofrimento do paciente e deseus familiares, desde que respeitada avontade da pessoa ou de seurepresentante legal, devidamentefundamentada e registrada no prontuárioe que o paciente continue a receber todosos cuidados necessários para aliviar ossintomas que levam ao sofrimento,sendo assegurada a assistência integral.

continua

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Título

Aspectos éticos elegais daaplicabilidade daortotanásia30

Percepção doenfermeiro emrelação àortotanásia31

Termalidade da vidaem terapia intensiva:posicionamento dosfamiliares sobreortotanásia32

A ortotanásia e odireito de morrercom dignidade: umaanáliseconstitucional33

Modalidade

Revisão

Original

Original

Revisão

Quadro 3. continuação

Objetivo(s)

Analisar osquestionamentos acercados perenes avançosmédico-científicosconcernentes àbiotecnologia que surgemem torno dos impactossobre os direitosfundamentais de cadaindivíduo e os benefíciosalcançados pela sociedade.

Conhecer a percepção doenfermeiro em relação àortotanásia, identificandoa sua atuação frente a essasituação e verificando deque maneira se dá ocuidado aos pacientesterminais.

Avaliar o posicionamentodos familiares sobre aortotanásia, ao seconsiderar controle dossintomas, preferência dopaciente e influência dasatisfação dacomunicação dotratamento informadopela equipe médica.

Demonstrar, a partir deuma análiseconstitucional, alegalidade da prática daortotanásia, naperspectiva do direito demorrer com dignidade,inserido no contexto deEstado Democrático deDireito.

Conclusão

O estudo assinala que algunsposicionamentos vêm se firmando ediscussões transdisciplinares sobre aaplicabilidade da ortotanásia como formade tutelar uma morte digna sedimentam-se com fulcro em princípios (bio) -éticos, principalmente o princípio daautonomia da vontade, e no primadoconstitucional da dignidade da pessoahumana, culminado em diretrizes queenvolvem o bem mais supremo do serhumano, a vida revestida de dignidade.

Esse estudo demonstrou que osprofissionais da saúde recebem poucainformação com relação à morte na suaformação acadêmica. Concluiu-se,também, que a ortotanásia, mesmosendo um termo pouco conhecido é umasituação que ocorre no cotidiano doambiente hospitalar, e o enfermeiroparticipa desse processo, atuando comoum elo de ligação entre paciente, famíliae equipe.

A maioria dos familiares entrevistada foia favor da ortotanásia, e gostaria departicipar da tomada de decisão dequalidade de final de vida.

A ortotanásia obedece à ConstituiçãoBrasileira, pois visa assegurar uma mortedigna ao paciente terminal, permeadapela dignidade da pessoa humana, emcontraposição aos tratamentosdesumanos e degradantes, vedados pelotexto constitucional.

competência em decidir, autonomamente, aqui-lo que pondera importante para viver sua vida.Nessa vivência, abrange o processo de morrer,com base em seus valores, interesses legítimos ena compaixão para com o ser humano14,16.

Outra pesquisa aborda as questões referen-tes ao aborto e à eutanásia como dilemas con-temporâneos sobre os limites da vida e verificaque eles, cada vez mais, apresentam-se comoquestões centrais na contemporaneidade, por que

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advertem não apenas a delimitação das frontei-ras entre vida e morte e estabelecem temas querevelam tensões quanto à noção de pessoa noOcidente e seus direitos. Uma distinção se faznecessária, no que diz respeito à possibilidade deescolha: o nascituro é incapaz de se manifestar,de modo que o direito de escolha é atribuído àmãe, ao Estado ou a instâncias religiosas. No casodo doente terminal, as demandas se relacionamà concessão do direito de escolha em relação aosdesígnios da própria morte15.

Nesse prisma, em vários países, como Esta-dos Unidos e Inglaterra, os defensores da legaliza-ção do aborto e da eutanásia se unem, pelo fatode ambas as questões envolverem a discussão doestatuto da vida, da autonomia individual e dosdireitos sobre a vida. Os debates estão sendo con-duzidos no mundo ocidental por grupos de inte-resse e movimentos políticos e religiosos, procu-rando influenciar a reforma das legislações vigen-tes sobre tais temas. Os que se opõem à eutanásiaargumentam que cabe aos profissionais da áreade Saúde cuidar e investir com a finalidade de sal-var vidas, ao invés de provocar a morte. Em espe-cial, os médicos que prestam assistência em cui-dados paliativos são contrários à eutanásia, por-que consideram que as demandas de doentes ter-minais por essa intervenção só ocorrem devido auma assistência em saúde precária15,17. Paralela-mente, condenam a eutanásia os movimentos ba-seados em crenças religiosas, que afirmam a san-tidade da vida, argumentando que, uma vez acei-ta, a prática da eutanásia involuntária, especial-mente no caso de idosos, em certo tempo se tor-nará viável por pressões econômicas17.

Em relação aos cuidados paliativos e à euta-násia, ressalta-se que essa filosofia do cuidar pre-ocupa-se com o indivíduo e com sua dignidade,respeitando-a como ser humano, valorizando suador e o seu sofrimento. Logo, com o manejo ade-quado de sinais e de sintomas, pode-se evitar asolicitação da eutanásia pelos próprios pacientese/ou familiares. Conclui-se, então, que a propos-ta de cuidados paliativos torna irrelevantes e des-necessárias muitas solicitações de eutanásia15.

Ante as considerações apresentadas, ficounotória a preocupação dos pesquisadores emdebater questões geradoras de conflitos éticos,no âmbito assistencial, direcionada ao ser hu-mano em fase de terminalidade, em particular, aeutanásia. Ademais, os estudos analisados evi-denciaram o reconhecimento do valor da refle-xão bioética em tais questões.

Quanto às publicações inseridas no tema II,evidenciadas no Quadro 2, averígua-se que os

avanços tecnológicos na área de Saúde contribu-em para a conquista de benefícios na vida dopaciente. Entretanto, no uso exagerado de novasterapias, a exemplo das utilizadas em pacientesfora de possibilidades terapêuticas de cura, emer-gem dilemas sociais, institucionais, profissionaise, principalmente, éticos e legais.

Destaca-se que, embora menos propalada quea eutanásia, a distanásia é, ainda que inconscien-temente, mais praticada21. Nesse ponto, assina-la-se que, na iminência da morte, inicia-se umanova etapa na vida do paciente, em que o ato decurar deve ser substituído pelo cuidar, que, noentanto, não pode ser encarado como prêmio deconsolação, quando não existem mais possibili-dades terapêuticas. Logo, ao discutir sobre a dis-tanásia, a temática da eutanásia entra em ques-tão, indicando que os dois conceitos caminhamlado a lado26.

Em uma pesquisa23 realizada com enfermei-ros, identificou-se que a distanásia, em seu dia adia, como uma morte sofrida, com muita dor,introduzindo tratamento agressivo que só pro-longa o processo de morrer. Desse modo, consta-ta-se que também existe o prolongamento dosofrimento, e não da vida, consequentemente, semnenhum benefício terapêutico e acarretando gas-tos elevados para a instituição24. Sob esse prisma,os enfermeiros identificaram a distanásia, masreferiram que não a utilizam e proporcionam aortotanásia, sempre priorizando o conforto e oalívio da dor e do sofrimento, em ambiente tran-quilo e agradável, visando à qualidade de vida,sem a utilização de prolongamentos abusivos detecnologias23. Contemplou-se, ainda, que, na fasefinal da vida dos pacientes, há muito que se fazerpor eles, proporcionando o relacionamento in-terpessoal entre a equipe, com destaque, princi-palmente, para uma comunicação mais eficaz23,24.

Nessa perspectiva, ressalta-se que a comuni-cação entre a equipe de enfermagem e o pacienteterminal e sua família pode contribuir para evi-tar situações de distanásia e prevenir o sofrimen-to, a frustração e a inquietação. Convém enfati-zar que, embora não seja função do enfermeirodecidir interromper ou alterar as condutas notratamento dos pacientes, ele deve ser inseridonas discussões, uma vez que é o profissional quepermanece por mais tempo com os pacientes25.

No concernente às manifestações das vonta-des antecipadas do paciente, estudo21 discorresobre a ampla aceitação por parte dos médicosem respeitá-las quando ele estiver incapacitadode se comunicar e permite propor que tais mani-festações, também denominadas diretivas ante-

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cipadas, sejam regulamentadas tanto do pontode vista ético quanto legal, uma vez que é uminstrumento útil para que se respeite sua auto-nomia e, como consequência, um relevante fatorque inibe a distanásia. Isso requer mais discus-sões sobre essa temática.

O não enfrentamento da questão da dista-násia faz com que convivamos com situações,no mínimo, contraditórias, em que se investepesadamente em situações de pacientes terminaiscujas perspectivas reais de recuperação são nu-las. Assim, nasce uma sabedoria a partir da refle-xão, da aceitação e da assimilação do cuidado davida humana no sofrimento do adeus final. En-tre dois limites opostos, de um lado, a convicçãoprofunda de não matar, de outro, a ideia de nãoalongar ou adiar pura e simplesmente a morte34.

Diante dos aspectos explicitados, considera-se que o que interfere na conduta dos profissio-nais na finitude de vida, muitas vezes, é o fato denão reconhecerem a morte como uma etapa daexistência humana. Por essa razão, a morte deveser discutida nos cursos de graduação da área deSaúde, especialmente, em relação às questões bi-oéticas que permeiam a terminalidade e os limi-tes da tecnologia e da ciência para o prolonga-mento da vida do ser humano.

Os estudos assinalados no tema III retratamo processo da ortotanásia tanto no âmbito daMedicina quanto no da Bioética, destacando al-ternativas que visam facilitar a implementaçãodessa prática, com vistas a proporcionar ao pa-ciente em fase terminal que vivencie o processomorte-morrer com dignidade e autonomia.

Inicialmente, é importante compreender o sen-tido da terminologia “ortotanásia”. Etimologica-mente, o termo significa morte correta – orto:certo; thanatos: morte. Denota o não prolonga-mento artificial do processo de morte, além doque seria o processo natural. Tal prática é com-preendida como manifestação da boa morte oumorte desejável, sem que a vida seja prolongadapor meios que possam aumentar o sofrimento35.

A ortotanásia é caracterizada como boa mor-te, a arte do bem morrer, de se respeitar o bem-estar global dos indivíduos, a fim de garantir adignidade no viver e no morrer. Essa prática per-mite aos doentes e seus familiares defrontarem amorte como algo natural, um continuum davida28. Seguindo essa concepção, a ortotanásia é oprocedimento pelo qual o médico suspende o tra-tamento, ou só realiza terapêuticas paliativas, paraevitar mais dores e sofrimentos para o pacienteterminal, que já não tem mais chances de cura,desde que essa seja sua vontade ou de seu repre-

sentante legal33. Outro estudo27 complementa queo médico não interfere no momento do desfecholetal nem para antecipá-lo nem para adiá-lo.

Nesse sentido, é oportuno enfatizar que acomplexidade na decisão de não prolongar a vidaé que o limite para investir está claramente ligadoà concepção de morte digna atrelada à consciên-cia das limitações de intervenção. Nesse contex-to, o ideal seria utilizar-se da humanização docuidar, no sentido de ouvir, sentir e pensar com opaciente que sofre com a presença do evento ine-vitável da morte, para que, dessa relação com-plexa, possa surgir a solução mais correta plau-sível9. Destarte, a ortotanásia deve ser solicitadapelo direito à morte digna, coextensão da digni-dade humana, que é permeada pelos princípiosconstitucionais da vida, da igualdade, da liber-dade e do direito à saúde33.

É oportuno destacar que a aplicabilidade daortotanásia é permitida em diversos países, e noBrasil, implicitamente, é tutelada através deprincípios jurídicos, consubstanciados em prin-cípios éticos e morais. Entretanto, em virtude dainsegurança jurídica propiciada pela ausência delegislação específica, conduz à permanência daprática distanásica30.

Nos países que, explicitamente, tutelam o direi-to à ortotanásia, ela é praticada com extrema segu-rança jurídica, obedecendo a etapas de protocoloselaborados minuciosamente, com vistas a garan-tir, efetivamente, o elemento volitivo do paciente eo afastamento da responsabilidade de qualquernatureza para o profissional médico e a institui-ção de saúde que participem do processo36.

Dentre os protocolos elaborados e validadospara a liberação da prática da ortotanásia, desta-cam-se o Consentimento Informado e o Testa-mento Vital, que, devido às suas exigências, sãoconsiderados documentos seguros e válidos. Parase conceder a ortotanásia por meio desses instru-mentos, é necessário que o paciente manifeste suavontade que, preferencialmente, tem que ser efe-tuada antes que ele perca sua capacidade civil30.

De acordo com a pesquisa35, o TestamentoVital é um documento amplamente utilizado nosEstados Unidos, que obedece a uma formalidaderígida, em que a pessoa determina, de forma es-crita, o tratamento a que vai se submeter ou não,em certo momento em que se encontre em esta-do incurável ou terminal, para não ter sua von-tade tolhida caso não possa mais expressá-la, alémde evitar a instalação de uma terapia fútil e umamorte indigna e sofrida. Em contrapartida, noBrasil, atualmente, não existe ainda o empregodo Testamento Vital normatizado.

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Nesse sentido, em nosso país, vêm se firman-do alguns posicionamentos e discussões trans-disciplinares sobre a aplicabilidade da ortotaná-sia, como forma de tutelar uma morte digna,sedimentam-se com suporte em princípios (bio)- éticos, sobretudo o da autonomia da vontade,e no primado constitucional da dignidade do serhumano, com diretrizes que envolvem o bemmais supremo do ser humano – a vida revestidade dignidade30.

Tal concepção pode ser constatada nos de-poimentos de profissionais de uma averiguação32,que teve como escopo conhecer a percepção doenfermeiro em relação à ortotanásia. De acordocom os resultados, os profissionais se mostra-ram favoráveis a sua execução, pois referiramque se sentem competentes e gratificados quan-do conseguem manter o paciente como “ser com-pleto” até sua morte. Eles acrescentaram que, apartir do momento em que os profissionais daárea de Saúde e a família do paciente conseguematentar para a morte como um fato natural einevitável, a aceitação da ortotanásia vem comoconsequência, e isso contribui para que haja umamorte digna.

Em outra pesquisa29, realizada com o objeti-vo de avaliar o impacto da resolução CFM 1.805/2006 na opinião dos médicos que trabalham nasUnidades de Terapia Intensiva (UTI) do Com-plexo Hospital das Clínicas, constatou-se que amaioria dos envolvidos no estudo foi favorável àimplementação da prática da ortotanásia, visan-do diminuir o sofrimento do paciente e de seusfamiliares, desde que respeitada sua vontade oua de seu representante legal, devidamente funda-mentada e registrada no prontuário, e que o pa-ciente continue a receber todos os cuidados ne-cessários para aliviar os sintomas que levem aosofrimento e lhe sejam assegurados assistênciaintegral, conforto físico, psíquico, social e espiri-tual, e o direito a alta hospitalar.

Assim como os profissionais, a família tam-bém é a favor da prática da ortotanásia. Tais acha-dos foram verificados em uma pesquisa32 que tevecomo escopo avaliar o posicionamento dos fa-miliares sobre tal prática. Os autores constata-ram que os familiares também gostariam de par-ticipar da tomada de decisão no momento finalda vida.

Diante dessas ponderações, entende-se que aortotanásia emerge como um instrumento nosentido de proporcionar uma assistência holísti-ca e integral ao paciente, atentar para as suasnecessidades físicas, psicológicas, sociais e espiri-

tuais e valorizar a dignidade humana. Por fim,observa-se que, apesar de o termo ortotanásiaser pouco conhecido, é uma situação que ocorreno cotidiano do ambiente hospitalar, e o profis-sional da área de Saúde participa desse processoatuando como um elo entre paciente, família eequipe. Destaca-se, ainda, para a necessidade daformação profissional da equipe de saúde, noque concerne ao processo de assistência aos paci-entes em fase final e seus familiares, com vistas apromover um cuidado holístico e humanizado.

Considerações Finais

Os artigos examinados neste estudo refletiramsobre os dilemas bioéticos: eutanásia, distanásiae ortotanásia. Muitas são as discussões envolvi-das, uma vez que o processo de cuidar envolvesituações entre vida e morte, conforto e sofri-mento, entre outros. Nesse prisma, a Bioética,como campo de reflexão, promove um melhordirecionamento para situações que geram os re-feridos dilemas.

Observou-se, através das publicações, que,no Brasil, o ordenamento jurídico manifesta-secontrário à prática de eutanásia, por considera-la crime de acordo com a legislação penal. Po-rém, esse tema vem sendo debatido entre filóso-fos, religiosos, profissionais da área de Saúde eoperadores do Direito, com vários projetos quetramitam no Congresso Nacional. Quanto à dis-tanásia, percebeu-se que não existe consenso naliteratura em relação aos critérios para a retiradae a manutenção do suporte terapêutico frente aopaciente no processo de morrer. Nesse contexto,evidencia-se que a Bioética pode ser uma ferra-menta eficaz na busca da decisão mais prudentefrente aos conflitos éticos em detrimento da ter-minalidade.

As publicações assinalaram, ainda, que algunsposicionamentos vêm se firmando acerca da apli-cabilidade da ortotanásia como forma de tutelaruma morte digna, fundamentando-se em prin-cípios, sobretudo no da autonomia e do bemmais precioso do ser humano – a vida revestidade dignidade. Ante o exposto, espera-se que esteestudo possa contribuir para fortalecer as leitu-ras críticas a respeito da temática. No entanto, énecessário desenvolver novas pesquisas, prove-nientes de dados empíricos que possam servir desubsídios para respaldar a prática de profissio-nais da área de saúde no cuidado com o pacienteterminal e sua família.

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Colaboradores

ZC Félix trabalhou na análise e interpretação dosdados e na redação do artigo. SFG Costa traba-lhou na revisão crítica e na aprovação da versãoa ser publicada. AMPM Alves trabalhou na aná-lise e interpretação dos dados e na redação doartigo. CG Andrade trabalhou na análise e inter-pretação dos dados, na redação do artigo e naaprovação da versão a ser publicada. MCS Du-arte trabalhou na redação do artigo. FM Britotrabalhou na redação do artigo.

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Artigo apresentado em 30/04/2013Aprovado em 22/05/2013Versão final apresentada em 28/05/2013

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